O documento discute a relação entre psicanálise e religião no Brasil. Apresenta como a psicanálise chegou ao país e se difundiu associada à modernização e racionalização. Também discute como as crenças religiosas mudaram, com decadência das instituições mas crescimento da religiosidade individual. Por fim, analisa contribuições da psicanálise para entendimento da religiosidade.
2. Na era da ciência, na qual se diz que Deus é um delírio (Dawkins,
2007) e na qual há uma incessante busca (delirante?) pela
partícula Deus, poderíamos ficar surpresos quanto ao retorno de
questões relativas à religiosidade, à fé, e à espiritualidade.
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3. Podemos afirmar que, atualmente, há uma decadência da
instituição religiosa, mas uma crescente busca pela religiosidade
individual e utilitarista (Mattos, 2009).
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4. O ser humano sempre procurou entender-se e entender o
mundo a seu redor recorrendo, para isso, a diversos deuses. Isto
porque, como sugere a máxima “conhece-te a ti mesmo”, o
homem não pode conhecer-se sem se referir a uma alteridade,
ao outro, ao além (Mattos, 2009).
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5. Para a psicanálise, o “sujeito suposto saber” indica esta forma de
crença no Outro plenamente consistente, o qual supomos
possuir todo o saber que falta ao sujeito, saber este capaz de nos
dar o porquê e o “como” de nosso sofrimento, tornando legível
nosso destino.
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6. Desde a modernidade inaugurada por Descartes, com seu cogito
ergo sum, podemos afirmar que houve um deslocamento na
origem de suas respostas: da fé em deus, passou-se à fé na
ciência.
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7. Questões antes endereçadas ao sistema religioso passam a ser
buscas no método científico. Ser ateu, então, torna-se o reflexo
do espetáculo da razão, a afirmação do primado da
racionalidade sobre a espiritualidade, a renúncia à ilusão de
alcançar uma verdade para-além do mundo terreno.
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8. Importante observar como esta concepção de ateu está muito
mais próxima da figura de onipotência e onisciência do que
gostaríamos de imaginar.
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9. Deus não morreu, como sugeriu Nietzsche, mas se manteve vivo
assumindo a forma de certas idolatrias referentes à ação e ao
cálculo, recuperados no cientificismo moderno (Mattos, 2009).
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10. A psicanálise, sempre atenta ao dinamismo cultural, se manteve
no seio do debate em relação às mudanças operadas pela
modernidade e aos seus novos modos de representação do
sujeito. Assim, novas perspectivas acerca da religiosidade são
oferecidas pela psicanálise e pela teologia, além das diversas
contribuições freudianas, como veremos agora.
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11. A entrada e difusão da psicanálise no Brasil são consideradas
como uma das dimensões do processo de “modernização” da
nação, associada à expectativa de predomínio do conhecimento
científico na regulação da vida social e à substituição das
construções religiosas da pessoa por uma interiorização laica e
racionalizada.
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12. Seus seguidores explícitos iniciais foram médicos, sobretudo
psiquiatras, do período do entre-guerras, seguidos por artistas
de vanguarda e pelos psicólogos de formação universitária
emergentes nos anos 1960-1970.
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13. Sua presença imaginária esteve comumente associada à
dessacralização da vida moral e da preeminência da autoridade
familiar, expressa, por exemplo, nas acusações de
“pansexualismo”, bastante difundidas nos meios católicos e
protestantes.
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14. A circulação relativamente restrita que a caracterizou até os anos
1960 ampliou-se radicalmente na década seguinte, ensejando
um consumo mediato e imediato do conhecimento e da prática
terapêutica psicanalíticos amplamente presente nas classes
médias e superiores metropolitanas.
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15. Formulou-se então o diagnóstico de uma “explosão da
psicanálise”, relacionada com os efeitos da modernização
socioeconômica acelerada após a Segunda Grande Guerra e da
modernização ideológica associável à difusão dos movimentos
contra culturais.
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16. Esse fenômeno suscitou uma ampla literatura interpretativa, que
se beneficiou de um diálogo intenso dos próprios psicanalistas
com as ciências sociais nacionais em fase de consolidação
institucional (cf. Figueira, 1985; Russo, 1999; Duarte, 2000).
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17. A presença da psicanálise, como saber e como instituição, vem
se modificando bastante no Brasil desde o final dos anos 1970,
quando sua presença e influência visíveis na sociedade e na
cultura nacionais tinham atingido o seu auge.
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18. Diversas análises recentes apontam para uma descentralização,
diversificação e complexificação muito grandes da oferta
psicoterapêutica; ao mesmo tempo em que se reconhece um
intenso recrudescimento da oferta de recursos religiosos ou
parareligiosos.
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19. Inicialmente, esse reconhecimento se concentrou nas
alternativas associáveis ao estilo Nova Era, características das
camadas médias metropolitanas, que são às vezes consideradas
como variações de uma cultura psicologizada.
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20. Também se descreve um revigoramento notável da psiquiatria
biologizante no Brasil, seguindo uma tendência mundial (por
influência dos Estados Unidos), hostil às interpretações
psicogênicas do sofrimento mental.
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21. O crescimento da adesão às igrejas pentecostais, principal
característica dos desenvolvimentos religiosos nas camadas
populares desde os anos 1970, seguiu uma outra dinâmica,
também crescentemente estudada, de reavivamento mágico-
religioso.
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22. Recentemente, tornaram-se mais visíveis as mediações já
existentes entre as religiões evangélicas e pentecostais e a
psicanálise (ou, pelo menos, os saberes psicológicos) que
deslocaram também para esse plano as polêmicas sobre tradição
e modernidade nesse segmento religioso.
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23. Verificou-se, além do mais, que a proliferação de propostas de
interpretação e terapêutica do sofrimento e da aflição, que
podem ser consideradas como formações ideológicas
transicionais ou híbridas entre os saberes psicológicos (ou
psicologizantes) e as fórmulas mágico-religiosas, afeta não
apenas as classes populares, mas também as classes médias e as
elites.
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24. E nestas não se expressam apenas em “novos movimentos
religiosos”, mas afetam também, de dentro, as denominações
tradicionais, inclusive a Igreja Católica.
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25. O CAMPO PSI NO BRASIL HOJE
O que é chamado de “campo psi” no Brasil e que abarca os
saberes muito díspares abrigados sob as rubricas da psicologia,
da psiquiatria e da psicanálise oferece um quadro de grande
complexidade.
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26. Esses saberes não se concentram mais apenas nas grandes
metrópoles pioneiras (Rio de Janeiro e São Paulo), mas se
disseminam por todos os centros urbanos de alguma monta.
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27. Os cursos universitários de psicologia se encontram
disseminados por todo o país e seus currículos oferecem uma
gama muito variada de especializações, correntes e tendências.
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28. As formações médicas em psiquiatria também se multiplicaram,
obedecendo a currículos muito diversificados em função das
tradições locais. Mas é sobretudo a psicanálise que se organiza
em uma trama complexa de instituições onipresentes, em
contínua segmentação e reordenação.
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29. A RELIGIÃO E A PSICANÁLISE COMO CATEGORIAS DE ESTUDO
Até o momento, utilizamos as categorias “religião” e
“psicanálise” como se fossem unívocas e se referissem a
fenômenos indiscutivelmente universais.
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30. Não cabe aqui portar tal discussão até seus limites extremos,
mas convém sublinhar alguns pontos necessários a nossa
análise. De um ponto de vista formal, o caso da “psicanálise” é
mais simples, já que seguimos, em princípio, a convenção
antropológica de respeitar as classificações nativas.
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31. Como os nativos não estão, porém, de acordo entre si a esse
respeito, é preciso acrescentar moduladores que expressem a
dissensão presente no campo em torno do uso da categoria (é o
caso de “psicanálise didática cristã”, por exemplo).
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32. De um ponto de vista mais substantivo, pode-se preferir a
referência – como fizemos eventualmente – a “saberes
psicológicos” ou “psicologizantes”, sempre que isso seja útil para
significar um universo mais abrangente de fenômenos
aparentados.
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33. A psicanálise proposta por Freud é uma das herdeiras mais
típicas dessa complexa disposição cultural, ainda mais por se
voltar justamente para a vida moral, psicológica, subjetiva,
humana (cf. Freud, 1976).
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34. É preciso levar ainda em conta que as religiões ocidentais não
têm uma relação uniformemente antagônica ao “pensamento
científico” nem tampouco mantiveram a mesma atitude a
respeito de todas as suas dimensões ao longo dos últimos três
séculos.
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35. PSICANÁLISE E RELIGIÃO
Tanto Freud como Lacan partem da ideia de que ao ser humano
falta algo – algo este que podemos dar vários nomes, como a
falta, a coisa, a castração, a ferida narcísica, etc. - e de que seu
desejo para ser completo é sempre impossível de ser satisfeito
plena e permanentemente.
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36. Assim, o sujeito da psicanálise é finito, limitado, e faltoso. Se, por
um lado, a psicanálise é o que retifica a absoluta inconsistência e
incompletude do ser humano, a religião é o que me alude à
completude, é o que me ilude.
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37. Foi em 1910 que Freud, com a obra Leonardo da Vinci e uma
lembrança de sua infância, estabeleceu pela primeira vez uma
ligação entre o complexo paternal e a crença em Deus. Para
Freud, “a religião é a neurose obsessiva universal” (Freud, 1907,
p. 109).
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38. Isso significa que a religião busca obsessivamente o pai
idealizado da infância, todo poderoso, onipotente, garantia de
completa segurança.
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39. A religião, portanto, é como uma das mais fortes sugestões de
que posso ser salvo, de que posso ser completo, de que posso
ser consistente comigo mesmo.
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40. A ideia de Deus nos remete a um Outro que me protege da
minha necessidade de amparo, da minha situação de
impotência.
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41. É a figura da onipotência que trata de recobrir a angústia. Fica
claro, neste caso, como o discurso psicanalítico encontra-se no
pólo oposto ao do discurso do monoteísmo.
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42. Inegavelmente podemos constatar de casos clínicos como muitas
atitudes religiosas podem ser consideradas verdadeiros sintomas
neuróticos, bastando, para isso, tomar exemplos das próprias
obras freudianas. Entretanto, como bem salientou Maciel &
Rocha (2008), se por um lado Freud nos mostra como se dá a
articulação entre a religião e a neurose...
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43. ...por outro ele não deixa de notar como a religião pode mesmo
nos proteger do desencadear de um processo neurótico: “o
aumento extraordinário das neuroses, desde que decaiu o poder
das religiões, pode dar-lhes uma medida disso” (1910/1976, p.
131).
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44. Em Psicologia de Grupo e a Análise do Ego (1921/1976), Freud
retoma esta temática e afirma: “mesmo os que não lamentam o
desaparecimento das ilusões religiosas do mundo civilizado de
hoje admitem que, enquanto estiveram em vigor, ofereceram
aos que a elas se achavam presos a mais poderosa proteção
contra o perigo da neurose” (p. 178).
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45. A ilusão religiosa, de acordo com Freud, teria seu fundamento no
assassinato mítico do pai da horda primeva, escrito em Totem e
Tabu (1913). Com isso, ele concebia o sentimento religioso como
uma “nostalgia do Pai morto”, como um pseudo-retorno do Pai.
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46. De acordo com Rey-Flaud (2002), trata-se de um apelo “contra a
castração e a morte em um mundo onde a castração e a morte já
estão consumadas” (p. 21).
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47. É interessante notar como a representação de Deus,
representação que sugere preencher o vazio constitutivo de
minha própria existência, pode ser deslocada para diversas
outras representações que indiquem um caminho para a
salvação, para a proteção, para o amparo, para a união.
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48. Fuks (2010) exemplifica isso com a imagem de Führer que,
representando um eu ideal, caminhava para tamponar o vazio
constitutivo da própria cultura, constitutivo da diferença, da
singularidade de cada indivíduo.
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49. Assim se dá a ilusão ideológica e religiosa: utiliza-se da
unificação dos sujeitos em torno de uma verdade em comum, ou
seja, do sentimento de desamparo universal, incitando a
intolerância à diferença, ao outro como portador daquilo que
não reconheço em mim mesmo.
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50. Tal identificação aos ideais religiosos eram testemunhados pelos
analistas na clínica, onde “se colocavam pregados a uma cruz
imaginária onde sofriam sem morrer” (Mattos, 2009, p. 8).
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51. Aqui entramos num ponto importante, em que é preciso
distinguir religião e espiritualidade. Podemos usar a definição de
Koenig (2001), que conceitua a religião como um sistema
organizado de crenças, práticas, rituais e símbolos projetados a
fim de auxiliar a proximidade do indivíduo com o transcendente.
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52. Já a espiritualidade seria uma busca pessoal por respostas sobre
o significado da vida e, talvez o mais importante, abarcaria o
próprio relacionamento com o transcendente.
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53. Aqui se trata, portanto, de uma especificidade da religião, que
transmite uma verdade na qual o sujeito deve se encaixar para
ser auxiliado na busca pelo transcendente, enquanto que o
conceito de espiritualidade traz intrinsecamente algo do próprio
sujeito, algo da busca por sua própria verdade, abarcando,
inclusive, a própria experiência religiosa do sujeito.
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54. Com essa distinção de conceitos, poderíamos pensar se a
instituição religiosa não distorceria o caminho do próprio sujeito
em sua busca eterna pelo transcendental, uma vez que o insere
num sistema já organizado, sistema este que, ao mesmo tempo
em que permite a libertação, prende-o à marra de crenças
previamente definidas.
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55. Com isso, poderíamos concordar com Leonardo Boff (2000),
quando diz que enquanto as instituições religiosas separam, a
espiritualidade reúne. Isto porque a experiência mística que a
última proporciona transmite a possibilidade de uma experiência
da verdade de cada um.
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56. De acordo com Lopes (2008), podemos comparar a religião como
uma busca pela salvação, com a cura pela hipnose, que Freud
recorria antes de construir o método de associação livre.
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57. Uma das razões de Freud abandonar a hipnose era o fato de esse
método ser um tanto invasivo, no sentido de que eram feitas
sugestões ao paciente, encaixando-o em uma verdade da qual
ele desconhece.
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58. O sujeito era “curado”, mas não era responsabilizado por sua
cura. Esta, ao contrário, era atribuída ao hipnotizador, que
possuía um suposto saber sobre o paciente e absorvia toda a
autonomia e responsabilidade do paciente por sua cura, fazendo
este se alienar na verdade do hipnotizador.
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59. Como bem disse Lopes (2008), encaixar alguém numa verdade
que lhe é exterior constitui uma tremenda violência ao sujeito.
Podemos até mesmo pensar no conceito de abuso sexual na
criança visto pelos olhos de Ferenczi, como comparação, mas
deixemos isto para outro momento.
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60. Se introduzir uma verdade no universo simbólico de alguém,
persuadindo-o de que esta verdade também pode ser sua, se
constitui numa violência, estamos nos referindo a uma forma de
submissão, a uma retirada da autonomia do sujeito, retirada de
sua própria verdade.
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61. A religião, oferecendo Deus como a restituição do Pai da infância
do sujeito, oferece uma relação transferencial destituída de
qualquer ética; a mesma ausência de ética que afastou Freud do
método hipnótico.
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62. Foi com Artigos sobre técnica (1914) que Freud resguardou uma
ética para a relação transferencial, tendo de ser utilizada com
muito cuidado, uma vez que poderia se transformar em uma
arma muito perigosa; e lucrativa, diga-se de passagem. Assim, na
psicanálise a transferência é quase sempre utilizada para ser
denunciada, para impedir que ela mesma constitua um
obstáculo ao método da livre associação.
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63. Em algumas igrejas, poderíamos dizer, a relação transferencial
com a imagem de Deus serve de instrumento para a garantia de
dinheiro, como bem podemos observar na Igreja Universal do
Reino de Deus, onde o único sacrifício possível é a doação de
dinheiro. Assim, a religião sugere um encontro com Deus, um
encontro com o todo-poderoso, onipotente, enquanto que, de
outro lado, ao final de uma análise bem sucedida há, pelo
sujeito, a aceitação não de um Pai idealizado, mas a de um pai
que foi o pai possível, de um pai humano, demasiadamente
humano.
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64. Se Freud defende a ideia de que a crença em Deus é uma busca
pela figura de um pai, figura esta que me garante segurança e
proteção de doenças e da morte, por outro lado a queda na
realidade nos livra de um Pai tirânico, distante, rigoroso e
onipotente, que deseja sacrifícios a todo custo.
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