O clamor nacional contra a permanência de Dilma Rousseff no poder é considerado por políticos ligados ao PT como uma tentativa de golpe de estado comparando o momento atual com a situação vivida pelos presidentes Getúlio Vargas em 1954 e João Goulart em 1964. Trata-se de uma tentativa de salvar um governo moribundo que perdeu totalmente a capacidade de governar a nação haja vista só contar com o apoio de 7% da população de acordo com pesquisa recente. Diferentemente dos governos Vargas e Goulart que pautavam suas ações na defesa dos interesses nacionais e dos trabalhadores, o governo Dilma Rousseff como o de seu antecessor, Lula, se caracterizam pelo descompromisso de ambos os governantes e do PT com as grandes lutas do povo brasileiro levadas avante nos últimos 50 anos, numa incoerência histórica traidora. Pode-se constatar neste artigo que o suposto golpe de estado que estaria sendo articulado para depor Dilma Rousseff não guarda nenhuma semelhança com os golpes que levaram ao suicídio de Getúlio Vargas e à deposição de João Goulart. Ao contrário dos governos Vargas e Goulart, o governo Dilma Rousseff é submisso ao capital financeiro nacional e internacional, além de devastar a economia brasileira.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
CRISES POLÍTICAS NO BRASIL 1954, 1964 E 2015
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CRISES POLÍTICAS DE 1954, 1964 E 2015 NO BRASIL
Fernando Alcoforado*
O clamor nacional contra a permanência de Dilma Rousseff no poder é considerado por
políticos ligados ao PT como uma tentativa de golpe de estado comparando o momento
atual com a situação vivida pelos presidentes Getúlio Vargas em 1954 e João Goulart
em 1964. Trata-se de uma tentativa de salvar um governo moribundo que perdeu
totalmente a capacidade de governar a nação haja vista só contar com o apoio de 7% da
população de acordo com pesquisa recente. Diferentemente dos governos Vargas e
Goulart que pautavam suas ações na defesa dos interesses nacionais e dos trabalhadores,
o governo Dilma Rousseff como o de seu antecessor, Lula, se caracterizam pelo
descompromisso de ambos os governantes e do PT com as grandes lutas do povo
brasileiro levadas avante nos últimos 50 anos, numa incoerência histórica traidora.
A incoerência dos governos Lula e Dilma Rousseff no plano econômico se manifesta no
fato de ambos os governantes terem dado continuidade à política neoliberal e
antinacional dos governos Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique
Cardoso seguindo o que estabeleceu o Consenso de Washington na década de 1990. Até
mesmo a política de privatização de empresas estatais combatida pelo PT nos seus
primórdios está sendo levada avante pelo governo Dilma Roussef. A denominada
parceria pública privada (PPP) posta em prática pelo atual governo não é nada mais
nada menos do que a nova denominação dada ao processo de privatização de portos,
aeroportos, rodovias, etc. Pode-se constatar pelo que está exposto nos parágrafos a
seguir, que o suposto golpe de estado que estaria sendo articulado para depor Dilma
Rousseff não guarda nenhuma semelhança com os golpes que levaram ao suicídio de
Getúlio Vargas e à deposição de João Goulart. Ao contrário dos governos Vargas e
Goulart, o governo Dilma Rousseff é submisso ao capital financeiro nacional e
internacional, além de devastar a economia brasileira.
É oportuno relembrar que, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder com a
Revolução de 1930, torna-se vitoriosa a ideologia do nacionalismo: desenvolvimento
autônomo com forte base industrial. A industrialização se desenvolveria através do
processo de substituição de importações, isto é, produzindo no país o que antes era
importado do exterior. A deposição de Vargas em 1945 através de um golpe de estado
ocorreu após o fim da Segunda Guerra Mundial, para atender às pressões de setores da
sociedade brasileira que consideravam uma incongruência a manutenção do regime
ditatorial após a vitória das forças democráticas do mundo inteiro contra a ditadura
nazifascista e dos Estados Unidos que desejavam que o Brasil tivesse um governo mais
afinado com seus interesses, como o do presidente Eurico Dutra, eleito em 1946.
Getúlio Vargas, que galgou o poder pela via eleitoral em 1950, herdou de seu
antecessor, Eurico Dutra, um Brasil com grandes dificuldades econômicas e
desequilíbrio financeiro no setor público. Ao imprimir ao seu governo a mesma política
de caráter populista e nacionalista adotada de 1930 a 1945, Getúlio Vargas passou a ser
alvo do governo norte-americano e de seus aliados internos, que o queriam fora do
poder. Os ataques ao seu governo vinham tanto da direita sobre a liderança de Carlos
Lacerda (UDN) e da esquerda sobre o comando de Luís Carlos Prestes (PCB). Naquela
época, existiam dois projetos em disputa pelo poder político, de um lado os liberais-
conservadores vinculados aos interesses dos Estados Unidos que usaram diversas
maneiras para atacá-lo e insultá-lo. O outro era o getulismo-trabalhismo sob a liderança
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de Getúlio Vargas que tinha no nacionalismo e na industrialização as bases políticas
para o futuro do Brasil.
A deposição de Getúlio Vargas em 1945 e o seu suicídio em 1954 foram consequências
desse processo. Naquele momento histórico, em plena Guerra Fria, era de fundamental
importância para os Estados Unidos, no seu confronto com a ex-União Soviética,
manter sob seu controle suas áreas de influência na América Latina, incluindo o Brasil,
e em outras partes do mundo. Por não aceitar sua renúncia ou deposição pelos militares
em 1954, o presidente Vargas suicidou-se, tendo sua atitude representado, também, o
ato final do primeiro governante do Brasil que pautou sua ação em defesa da soberania
nacional.
Vários fatores explicam o desencadeamento do golpe de estado que depôs em 1964 o
presidente João Goulart. O primeiro está relacionado com o declínio do processo de
crescimento econômico do Brasil inaugurado no governo Juscelino Kubitschek (1955-
1960) que agravou as tensões sociais do País. O segundo diz respeito ao aumento das
contradições internas existentes no Brasil entre, de um lado, o capital e o trabalho e, de
outro, entre os latifundiários e os camponeses. O terceiro concerne ao conflito entre as
forças políticas interessadas na emancipação econômica nacional e as forças defensoras
da manutenção da subordinação do Brasil ao capital internacional. O quarto fator diz
respeito ao conflito mundial entre os sistemas capitalista, liderado pelos Estados
Unidos, e o sistema socialista liderado pela União Soviética. Finalmente, o quinto fator
diz respeito à crise entre a Presidência da República e as Forças Armadas não
solucionada pelo presidente Goulart. Todos estes fatores contribuíram para o golpe de
estado de 1964 e a implantação da ditadura militar que teve duração de 21 anos no
Brasil.
No breve período em que João Goulart governou o país (1961-1964), os conflitos
políticos e as tensões sociais se tornaram graves. Durante o governo João Goulart, a
contradição entre capital e trabalho cresceu vertiginosamente devido à queda no
crescimento econômico, à perda do poder de compra dos trabalhadores resultante do
aumento do desemprego e da hiperinflação e à existência de uma classe operária e de
um sindicalismo gestado pelo processo de industrialização cada vez mais reivindicante
na defesa dos interesses dos trabalhadores. Por sua vez, no campo, aumentaram as
tensões entre os proprietários de terras (latifundiários) e os camponeses que organizados
através das ligas camponesas reivindicavam a realização da reforma agrária com a
desapropriação de terras do latifúndio. Diante dos grandes problemas estruturais vividos
pelo Brasil e para fazer frente à crise econômica, política e social existente nos
primeiros anos da década de 1960, o governo João Goulart buscou implementar as
denominadas Reformas de Base com base no Plano Trienal elaborado pelo então
ministro do Planejamento, Celso Furtado.
Ao longo de 1963, o país foi palco de agitações sociais que polarizaram as correntes de
pensamento de direita e esquerda em torno da condução da política governamental. Em
1964 a situação de instabilidade política agravou-se. O descontentamento do
empresariado nacional, das classes dominantes como um todo e de amplos setores da
classe média se acentuou contra o governo João Goulart. Por outro lado, os movimentos
sindicais e populares pressionavam para que o governo levasse avante as reformas
sociais e econômicas que os beneficiassem. Atos públicos e manifestações de apoio e
oposição ao governo eclodem por todo o país. Em 13 de março, ocorreu o comício da
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Central do Brasil, no Rio de Janeiro, que reuniu 200 mil trabalhadores em apoio a João
Goulart. Uma semana após, os setores latifundiários, a burguesia industrial e setores
conservadores da Igreja realizaram a “Marcha da Família com Deus e pela Liberdade”,
considerada o ápice do movimento de oposição ao governo.
Os temores quanto à possibilidade de um eventual golpe de Estado de orientação
esquerdista com o apoio de sargentos, cabos, soldados e marinheiros e com a quebra dos
princípios de hierarquia e disciplina vigentes nas Forças Armadas se agravaram com a
eclosão, no dia 28 de março de 1964, de uma revolta de marinheiros e fuzileiros navais
no Rio, concentrados na sede do Sindicato dos Metalúrgicos. Goulart recusou-se a punir
os insubmissos o que gerou uma profunda crise entre o governo e setores das Forças
Armadas. No dia 30 de março de 1964, Goulart compareceu, na condição de convidado
de honra, a uma festa promovida pela Associação dos Sargentos e Suboficiais na sede
do Automóvel Clube. Esses eventos precipitaram a deflagração do movimento golpista,
iniciado em Minas Gerais na madrugada de 31 de março de 1964 que levou à deposição
do presidente João Goulart.
Pelo exposto, as razões que levaram à deposição de Getúlio Vargas e João Goulart não
são as mesmas que poderão levar à deposição de Dilma Rousseff.
* Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e
doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de
Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico,
planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas
energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De
Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes
do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e
Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século
XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador,
2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case
of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG,
Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A
Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e
combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo,
São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social
(Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança
Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).