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O MODELO EUROPEU E A QUESTÃO DA CIDADANIA
Janaína Rigo Santin
Pós Doutora em Direito pela Universidade de Lisboa e Professora da Faculdade de Direito da
Universidade de Passo Fundo
RESUMO: A pesquisa problematiza a questão da cidadania europeia e do déficit democrático das instituições
supranacionais. A situação de crise por que passam as instituições nacionais em face do processo de globalização
traz consigo um déficit democrático, o que provoca uma série de gravames sociais. E essa problemática torna-se
mais evidente na União Europeia, que se encontra em um momento crucial sobre quais competências que deve
assumir para tomar as decisões fundamentais capazes de fazer frente à globalização. E para isso precisa adotar
mecanismos ágeis e rápidos de decisão, com a transferência maior de competências para as instituições europeias,
a qual necessariamente deve vir unida a uma maior democratização dessas instituições, eis que o déficit
democrático da Europa é algo bastante presente. É uma questão não só de funcionalidade e operacionalidade como
também de democracia. Defende-se a ideia de que os cidadãos europeus devem ter o poder de efetivamente
participar dos assuntos comunitários, evoluindo-se a democracia representativa para uma democracia participativa
em âmbito supranacional
PALAVRAS-CHAVE: Cidadania europeia, Participação, Constitucionalismo europeu

1. Considerações Iniciais
Em face da evolução do Estado Moderno, o conceito de Cidadania obteve diversas
conotações, todas elas voltadas de acordo com o momento histórico que a humanidade passava, e
naturalmente com o modelo social imposto pela forma estatal da época.
Os Estados na ordem mundial atual são, em sua maioria, estruturas sociais democráticas.
Diante disso, a noção de cidadania, que remonta a épocas primitivas da sociedade, se faz de suma
importância, visto que sem a participação da população nos desígnios do Estado, a democracia
perde seu foco, destoando dos objetivos a que se propõe. É a cidadania, enquanto fundamento da
democracia, que deve promover a participação, fazendo com que os cidadãos, através do poder
originário que possuem, cobrem e também ajudem seus governantes a tomar decisões que sejam
benéficas a todos.
Todavia, frente ao contexto social apresentado hodiernamente, relevante se faz uma análise
mais profunda nos aspectos que tangenciam a questões da cidadania e da democracia. A crise que
se abate sobre a sociedade, demonstra a fraqueza de estruturas até então consideradas inabaláveis,

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como o Estado, o que denota uma realidade difícil. Vive-se em um mundo que desconhece
fronteiras, e que com o advento da globalização “plugou” sociedades até então de complicada
interconexão. Porém, no momento presente, da “informação simultânea”, ao invés de corroborar
o propósito democrático, invocando as sociedades para uma participação mais efetiva dentro dos
Estados, alienou-a, dificultando a participação política do cidadão quando se tratam de
mecanismos institucionais supranacionais.
E essa problemática evidencia-se ainda mais no caso da União Europeia, que se encontra
em um momento crucial de decisão sobre quais competências deve assumir para tomar as
medidas fundamentais capazes de fazer frente à globalização e tudo o que dela decorre, como a
crise da dívida soberana de muitos de seus membros. Para isso precisa adotar mecanismos ágeis e
rápidos de decisão, com a transferência maior de competências para as instituições comunitárias.
Entretanto, essa transferência deve estar acompanhada necessariamente a uma maior
democratização dessas instituições, eis que o déficit democrático da Europa é algo bastante
presente. É uma questão não só de funcionalidade e operacionalidade como também de
democracia. Defende-se a ideia de que os cidadãos devem ter o poder de efetivamente participar
dos assuntos comunitários, evoluindo-se a democracia representativa para uma democracia
participativa em âmbito supranacional.
A globalização trouxe consigo fantásticas inovações ao mundo, sendo que, hoje, perguntase como é possível viver sem tais invenções tecnológicas. Porém, trouxe consigo também alguns
ônus para a sociedade. O cidadão passou a ficar à deriva dentro do Estado, pois, atualmente,
quem passa a influir nas políticas públicas nacionais cada vez mais são fontes supranacionais de
poder.
Decorrente disso, a cidadania vem se aprimorando, galgando novas características, com a
reorganização espacial dentro dos Estados. E a mistura desses fatores, que se complementam, traz
à tona a possibilidade de respostas aos novos desafios lançados à cidadania, nessa nova
formatação de mundo atualmente exposta.

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É em relação a esses aspectos que a presente pesquisa desenvolve-se, buscando demonstrar
a existência das mais tênues linhas de inter-relação entre conceitos que a todo instante são
suscitados, porém utilizados desvencilhados do seu correto sentido. Da mesma forma, visa trazer
propostas de possíveis soluções a estes problemas.

2. Desenvolvimento Histórico da Cidadania em face da Evolução do Estado
Moderno
Em toda a história da evolução humana, desde os tempos mais primitivos, o homem buscou
associação a outros homens para desenvolver e aprimorar suas técnicas, em busca de uma vida
melhor. Sendo um ser naturalmente associativo, o homem passou de um estágio de vida solitária
para uma vida em grupo. Esses agrupamentos humanos, pequenos inicialmente, foram
desenvolvendo-se, tomando proporções cada vez maiores. Automaticamente, irrompem, dentro
dos grupos, novas relações capazes de gerar conflitos e discordâncias1.
Para que a ordem nesses grupos fosse mantida criou-se uma pequena organização;
entretanto ainda não eram considerados sociedades. Posteriormente, devido a uma imensa gama
de fatores, tais grupos passaram a interagir e a se inter-relacionar, surgindo relações diversas das
existentes, o que tornou estas organizações sociais precoces cada vez mais complexas2.
Essas intrincadas relações exigiram novas formas organizacionais, o que fez desabrochar o
fenômeno estatal, trazendo para a história o elemento Estado com todas as suas características. E
o fenômeno estatal, entidade abstrata criada pelo direito e desenvolvida em especial na
modernidade, a partir de noções de contrato social, foi dotado da finalidade complexa de
organizar a sociedade incrustada sobre um território próprio, com população e normas próprias,
dotado de soberania, para que essa ordem social complexa possa desenvolver-se em vista ao bem
comum.

1
2

NASCIMENTO, Lições de História do Direito, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1984, p. 12.
NASCIMENTO, op. cit., p. 13.

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Em meio a todas estas transformações por que passava a humanidade, o homem começou a
ter um papel crucial dentro do desenvolvimento da sociedade, passando a ser qualificado como
cidadão. A origem da palavra remonta a Roma e Grécia, nas antigas Polis (cidades-estados) que
foram as precursoras de uma sociedade estatalmente organizada. Polites ou Cives eram para os
romanos os sócios da Polis ou Civitas. Cidadãos eram, portanto, todos os homens que
participavam do funcionamento da cidade-estado, os titulares de direitos políticos3.
A participação desses cidadãos era efetuada da forma direta, sem a existência de
representantes, visto que este instituto da representação privada só teve origem no mundo
moderno. Essa participação dava-se através da votação das leis e no exercício de funções
públicas, especialmente a judiciária. A participação dos cidadãos era tão importante que sem ela,
a Polis não existiria4.
Em Atenas, na Grécia, o principal privilégio dos então denominados cidadãos era a igual
liberdade da palavra nas assembléias do povo. Assim sendo, o grau de participação do povo
ateniense foi bem maior que o do povo romano. No campo Legislativo, as leis eram votadas pelo
povo reunido em comícios, por proposta de um magistrado. No campo judiciário, o juiz era
alguém do povo, e existiam regulamentos que permitiam ao condenado a penas graves de
recorrer diretamente ao julgamento popular5.
Vale enfatizar que, por cidadania, entendia-se a qualidade de o indivíduo pertencer a uma
sociedade, e estar adstrito a todas as implicações decorrentes da vida em sociedade. Logo,
cidadão era aquele que morava na cidade e participava dos seus negócios. Assim sendo, era
caracterizada por uma minoria, aqueles que podiam acessar cargos públicos, visto que os
estrangeiros, os escravos, as mulheres, os artesãos e os comerciantes eram discriminados e não
eram considerados cidadãos6.

3

COMPARATO, A Nova Cidadania, São Paulo, 1993, n. 28/29, p. 85-106, p. 23.
SILVEIRA, Cidadania. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=78. Acesso mar. 2012.
5
COMPARATO, op. cit., p. 24.
6
SILVEIRA, op. cit..
4

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Indubitavelmente, a civilização Greco-Romana tinha em seu ápice um extraordinário
desenvolvimento político. Porém, contrastando a isso, os indivíduos pertencentes a estas
sociedades não gozavam de liberdade privada alguma. Encontravam-se totalmente submetidos à
cidade-estado a qual pertenciam. Toda e qualquer atividade existente na Polis era controlada, das
roupas ao corte de cabelo, da religião à educação. Isso se explicava na medida em que se tratava
de moldar o caráter dos cidadãos para servir a Polis. Conforme ensina FÁBIO KONDER
COMPARATO, “o mundo greco-romano, matriz da civilização ocidental, era o espaço social da
sujeição e do poder absoluto, em contraste com a liberdade ativa que prevalecia na esfera
política”7.
Todavia, com o passar do tempo, entra em decadência o chamado “Império Romano”,
desaparecendo o modelo constituído pela civilização greco-romana, acarretando em séculos de
supressão da cidadania.
Roma, com seu império, esfacelou-se com a invasão dos bárbaros, e conseqüentemente o
seu poder central desapareceu. Os territórios passaram a ser divididos em feudos, para que assim
pudessem ser controlados autonomamente por seus senhores feudais. O poder passa, assim, de
uma centralização para uma descentralização, pois esta era a melhor forma de dominar os
territórios, em vista da imensidão de terras a serem conquistadas, o que contrastava com os meios
de dominação existentes, que eram mínimos8.
Esta nova forma de organização social foi denominada, na Europa, de Feudalismo, e pôs
um fim ao chamado Estado Medieval. Esse período caracterizou-se pela íntima ligação entre
Igreja e Estado. O Feudalismo criou uma hierarquização política, não sendo contra o Estado, mas
sim se fazendo como um meio propulsor para o seu advento9. Este modelo de organização social

7

COMPARATO, op. cit., p. 24.
BERUTTI-FARIA-MARQUES, História, Vol. 3, Belo Horizonte, 1993, p. 13.
9
MELLO, Curso de Direito Internacional Público, Vol. I, 11ª ed., Rio de Janeiro, 1997, p. 330.
8

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implantado era articulado “a partir do poder fragmentado de cada Senhor Feudal, e que se
alicerçava em uma relação indissolúvel entre o poder religioso e o poder político”10.
Com o novo quadro social que se desenhava na época, o chamado status civitatis, tão
presente na antiga civilização, foi suprimido, passando a existir um complexo sistema de relações
hierárquicas de dominação privada. Isso se explica pelo poder fragmentado, no qual cada senhor
feudal possuía sua quota-parte de poder, fazendo com que os indivíduos presentes nos feudos não
tivessem uma identidade própria, sendo nada mais do que servos do senhor feudal11.
Na metade do séc. XV, o Feudalismo tem sua força exaurida. Abate-se sobre o modo de
produção feudal uma profunda crise, enfraquecendo as bases sociais da época. Com o advento
desta grave crise, necessitava-se uma nova ordem que pudesse reorganizar a sociedade
desarticulada12.
Florescia, na época, movimentos com vistas à centralização do poder político e à expansão
territorial, o que culmina com a instauração do Regime do Absolutismo Monárquico, enterrando
de vez o espaço já limitado das liberdades. Com isso, passa a vigorar a ordem política Moderna a partir do séc. XVI - procurando desvencilhar a religião do Estado e fortalecer o vínculo político
do Estado para com os cidadãos. A centralização do poder deu-se nas mãos do Rei, sendo que o
Estado era visto na própria pessoa do Rei, perdendo a concepção de impessoalidade da
administração13.
Esse novo protótipo de Estado perdurou entre os séculos XVI e XVII, consolidando no
período a idéia de Estado-Nação, lastreado em uma regulamentação jurídica dos conflitos sociais
existentes. Esse Estado continua sendo “a expressão da hegemonia da nobreza que através da
reorganização estatal reforça sua dominação sobre a massa camponesa”14.

10

BEDIN, Estado, Cidadania e Globalização do Mundo: Algumas Reflexões e Possíveis Desdobramentos, in
OLIVEIRA (coord.), Relações Internacionais e Globalização, Ijuí, 1997, p. 126.
11
GOULART, Sociedade e Estado, in ROCHA (org), Teoria do Direito e do Estado, Porto Alegre, 1994, p. 26.
12
BERUTTI-FARIA-MARQUES, op. cit., p. 25.
13
BOBBIO, Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, 3ª ed, São Paulo, 2000, p. 17.
14
BERUTTI-FARIA-MARQUES, op. cit., p. 25.

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Durante a existência do Estado Absolutista, o conceito de cidadania foi completamente
sufocado em nome do poder estatal, o qual se colocou acima de tudo, inclusive dos princípios
morais. Quanto aos princípios jurídicos, estes passaram a ser criação única do Estado, que tomou
para si o monopólio da produção jurídica, reduzindo o direito a uma criação estatal, tornando-o
passível das arbitrariedades impostas pelo soberano. Sobre isso BOBBIO explica que “Monarquia
Absoluta é a forma de Estado que não se reconhece mais outro ordenamento jurídico que não seja
o estatal, e outra fonte jurídica que não seja a lei”15. É assim a forma que o Estado tratava de
regular a sociedade, fazendo com que se perdesse a concepção de cidadania, tão importante nas
sociedades contemporâneas.
A nobreza foi fortalecida, e se investiu em métodos capazes de alongar as fronteiras
estatais. Um desses meios foi a navegação, que levou a um expansionismo marítimo estrondoso,
ocasionando o alastramento das práticas comerciais pelo mundo. Paralelo a isso, o Estado
começa a se desenvolver economicamente, e as práticas capitalistas vão aos poucos tomando
corpo, varrendo as últimas amarras feudais ainda vigentes. Logo, o capitalismo invade o arsenal
produtivo do Estado, instalando-se definitivamente16.
O Estado Moderno consegue firmar-se como um Estado soberano e centralizado. Porém,
diversas mudanças sociais ocorrem na época, em especial a partir da Revolução Francesa, em
1789. A principal delas é o crescimento de uma classe até então desprezada, a burguesia. Esta,
até então à margem do sistema, apossou-se dos meios de produção e, pela mão da economia,
buscou alcançar o poder questionando a ordem Absolutista vigente.
Com isso, a burguesia passa a ter um papel essencial no novo contexto social emergente,
acabando por refutar a ordem Absolutista, dando uma nova feição ao Estado Moderno, tornandoo um Estado Moderno Liberal. Isto foi possível mediante as Revoluções Burguesas ocorridas na
Inglaterra e na França, que propulsionaram a ascensão da burguesia ao poder17.

15

BOBBIO, op. cit., p. 19.
BEDIN, op. cit., p. 129.
17
MELLO, op. cit., p. 335.
16

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As revoluções burguesas são fatos marcantes para a história da evolução dos Estados e da
cidadania. Elas abriram o caminho para o capitalismo e, da mesma forma, romperam todos os
resquícios ainda existentes do feudalismo. Abriram as portas para o Modelo Liberal de Estado,
onde pela primeira vez o povo, até então sufocado, passa a ter ouvido o seu clamor. O Estado
continua com seu poder centralizado e soberano, mas passa a ser limitado por uma constituição e
por uma declaração de direitos18.
Como decorrência destas revoluções e transformações sofridas pelo Estado, começou a se
restabelecer a cidadania política abolida, reconhecendo o indivíduo como titular de direitos
próprios, e não derivados do grupo social19. Assim foi a visão que reconheceu que o cidadão de
qualquer lugar do mundo, em qualquer época, tem os mesmos direitos basilares, mesmo que não
reconhecidos pelo Estado, dando ensejo à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do
Cidadão.
A partir deste momento, a nova cidadania passa a comportar duas dimensões, sendo uma
universal e outra nacional. Universal e pautada nos direitos humanos, uma vez que todo homem é
protegido em seus direitos naturais, independente de sua nacionalidade, conforme consagrado na
declaração; e nacional e pautada nos direitos fundamentais positivados nas cartas constitucionais
dos países, reconhecidos dentro de seu espaço vital20.
Entretanto, contrastando com o moderado avanço alcançado pela cidadania no campo
político, encontravam-se enormes discrepâncias no que tange ao campo social. Os trabalhadores
das indústrias, reformuladas pela Revolução Industrial, eram explorados de forma subumana. O
trabalho infantil era algo muito corriqueiro nas citadas indústrias. Nesse contexto, a classe
trabalhadora uniu-se, tornando-se força política, o que faz emergir os designados movimentos
socialistas. Mais uma vez, novos desafios são lançados ao Estado Moderno, que procura
novamente adaptar-se frente às novas questões21.

18

BERUTTI-FARIA-MARQUES, op. cit., p. 142.
COMPARATO, op. cit., p. 25.
20
COMPARATO, op. cit., p. 25.
21
BERUTTI-FARIA-MARQUES, op. cit., p. 152.
19

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O Estado torna-se intervencionista e ganha características sociais, passando a ser
denominado “Welfare State” ou Estado de Bem-Estar Social, no qual passam a ser reconhecidos
novos direitos sociais e econômicos à sociedade22.
A idéia tônica da nova cidadania consiste em fazer com que o povo tome parte do processo
de seu desenvolvimento e promoção social, através da participação. O próprio conceito de
cidadania, que vem se modificando através dos tempos, induz à necessidade da participação, o
que faz florescer bases democráticas no até então rígido terreno estatal. FÁBIO KONDER
COMPARATO, explica essa situação da seguinte forma:
A relevância da atuação administrativa do Estado Social é um fato sobejamente conhecido. Convém, no
entanto, advertir para a falsa dicotomia que se procura hoje inculcar, no tocante à distribuição eqüitativa do bemestar social, entre o estatismo e o privatismo. O princípio da participação popular permite evitar esses extremos,
introduzindo uma linha de ação mais democrática na administração da coisa pública 23.

Porém, o modelo social obteve determinados desvios em sua real função, tornando-se
incapaz de acompanhar as intensas mudanças sociais e as transformações político-econômicas
por que passava o mundo. Tais mudanças desestruturaram o Estado de Bem-Estar Social, que por
volta dos anos 70 entra em crise, proporcionando o advento do chamado Neoliberalismo. O
surgimento desta ideologia acaba por desequilibrar a economia, aumentando o custo social para a
sociedade, uma vez que o Estado passa a privatizar e aumentar impostos, visando uma solução
para a crise a partir do seu minimalismo24.
Em novembro de 1989, ocorre uma reunião em Washington, capital dos Estados Unidos
entre funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali
sediados, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Às conclusões dessa
reunião deu-se a denominação informal de “Consenso de Washington”, na qual se ratificou “a
proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha insistentemente recomendando, por

22

WOLKMER, Pluralismo Jurídico, 3ª ed, São Paulo, 2001, p. 49.
COMPARATO, op. cit., p. 30.
24
WOLKMER, op. cit., p. 58.
23

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meio das referidas entidades, como condição para conceder cooperação financeira externa,
bilateral ou multilateral”25.
As propostas do Consenso de Washington nas 10 áreas a que se dedicou convergem para dois objetivos
básicos: por um lado, a drástica redução do Estado e a corrosão do conceito de Nação; por outro lado, o máximo de
abertura à importação de bens e serviços e à entrada de capitais de risco. Tudo em nome de um grande princípio: o da
soberania absoluta do mercado auto-regulável nas relações econômicas tanto internas quanto externas26.

Segundo CHOSSUDOVSCKY, inaugura-se uma “nova divisão de autoridade”, agora nas mãos
de instituições que agem em caráter supranacional, operando dentro do sistema capitalista global
como órgãos reguladores da política econômica dos países em desenvolvimento. Assim, o
próprio sistema democrático desses países é colocado a prova, já que “os eleitos para altos cargos
públicos atuam cada vez mais como burocratas e os credores do Estado tornaram-se depositários
do poder político real, agindo discretamente nos bastidores”27.
O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatização é
aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores. Estes perdem a soberania econômica e o controle sobre
a política monetária e fiscal; seu Banco Central e Ministério da Fazenda são reorganizados (freqüentemente com a
cumplicidade das burocracias locais); suas instituições são anuladas e é instalada uma ‘tutela econômica’. Um
‘governo paralelo’ que passa por cima da sociedade civil é estabelecido pelas instituições financeiras internacionais
(IFIs). Os países que não aceitam as ‘metas de desempenho’ do FMI são colocados na lista negra. (...)A
reestruturação da economia mundial sob a orientação das instituições financeiras sediadas em Washington nega cada
vez mais aos países em desenvolvimento a possibilidade de construir uma economia nacional: a internacionalização
da política macroeconômica transforma países em territórios econômicos abertos e economias nacionais em
‘reservas’ de mão-de-obra barata e de recursos naturais28.

O Estado Neoliberal nada mais é do que um resgate da visão Liberal do Estado Moderno, e
atua sob o lema “menos Estado, mais mercado”29. Veja-se que este fator passa a ser agravado em
épocas de crise financeira por que passa o modelo europeu de bem estar social. Os Estados se

25

BATISTA JÚNIOR, O Consenso de Washington: A Visão Neoliberal dos Problemas Latino-Americanos, 2. ed., São
Paulo, 1994, p. 5.
26
Idem, p. 26-27.
27
CHOSSUDOVSKY, A Globalização da Pobreza: Impactos das Reformas do FMI e do Banco Mundial, Tradução por
MARYLENE PINTO MICHAEL, 1. ed., São Paulo, [s.d.], p. 20.
28
CHOSSUDOVSKY, A Globalização da Pobreza: Impactos das Reformas do FMI e do Banco Mundial, Tradução por
MARYLENE PINTO MICHAEL, 1. ed. São Paulo, [s.d.], p. 28 e 30.
29
BEDIN, op. cit., p. 129.

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vêem obrigados a fazer drásticos cortes nos gastos sociais e com a máquina pública, com vistas a
reequilibrar seu sistema financeiro e refinanciar suas dívidas.
Nesse contexto, deduz-se facilmente porque as propostas neoliberais – além de defenderem
a omissão do Estado, a liberdade absoluta do mercado e a abertura da economia nacional ao
capital pela privatização de empresas e serviços públicos – também defendem a
desregulamentação e flexibilização das normas que tratam dos direitos sociais, para, com essa
prática, debilitar e até extinguir direitos conquistados tão duramente durante séculos de evolução
histórica. Dessa forma, criam um ambiente de concorrência, para o qual não faz sentido nem
manter mecanismos institucionais redutores da desigualdade social, nem assegurar os direitos
sociais.
Contemporaneamente não é possível analisar a situação estatal e a da cidadania fora da
ordem globalizada, que produz grandes efeitos sobre a soberania estatal e sobre a população em
si, que, indubitavelmente, é a maior prejudicada nesse modelo de Estado desvencilhado de suas
funções básicas. As políticas nacionais passam a estar à margem dos movimentos internacionais
de capital, e a necessidade de reequilíbrio financeiro leva países que por décadas atuaram com
grandes déficits orçamentários a conter seus gastos e cortar despesas, em especial nas políticas
públicas sociais.
A expressão cidadania, atualmente, está inserida em todo o mundo, com sentidos e
intenções diferentes. Possui um caráter de “estratégia política”30, pelo fato de expressar e
responder a um conjunto de desejos, interesses, aspirações, de uma imensa parte da sociedade,
porém não se confundindo com toda a sociedade. Sem dúvida, essa noção de cidadania deriva
dos movimentos sociais enquanto engendradores de uma nova forma de inserção de espaços além
das fronteiras nacionais, para a ascensão dos cidadãos aos meios de participação previstos, e com
isso buscar intervir nos rumos das decisões políticas que digam respeito aqueles diretamente
atingidos por elas, independente das fronteiras especiais e temporais.

30

DAGNINO (org.), Anos 90: Política e Sociedade no Brasil, São Paulo, 1994, p. 103.

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3. O modelo europeu e a questão da cidadania: haverá um espaço público
europeu?
Um dos objetivos da União Europeia encontra-se no artigo B do Tratado da União
Europeia, e é o do “reforço da defesa dos direitos e dos interesses nacionais dos seus Estadosmembros, mediante a instituição de uma cidadania da União; (...)”. Logo, denota-se a
preocupação fundamental em concretizar um nível de cidadania capaz de abraçar toda a União
Europeia, indo além das fronteiras dos estados-membros que a compõe.
Na noção de cidadania europeia encontra-se o direito a livre circulação e permanência no
território dos Estados-membros de qualquer cidadão (artigo 8. A, n. 1); bem como abarca também
um conjunto de direitos políticos, como por exemplo o direito eleitoral ativo e passivo nas
eleições municipais (artigo 8. B, n. 1); nas eleições para o Parlamento Europeu no Estadomembro de sua residência (artigo 8, B, n. 2); direito de petição ao Parlamento Europeu (artigo 8.
D) e direito de queixa ao Provedor de Justiça (artigo 8, D, 2. parágrafo).
Entretanto, sabe-se que o espaço público europeu não traz nenhum debate público nas
instituições europeias. Não há um espaço público real na Europa, em que a cidadania participe,
decidindo. Não há um reconhecimento do pluralismo do conflito e nem uma articulação deste
conflito mediante mediações políticas. O que há é uma defesa de interesses nacionais nos órgãos
supranacionais.
A teoria de INGOLF PERNICE do constitucionalismo multinível parte da idéia de
transferência de legitimidade democrática dos cidadãos de cada Estado Membro para a União
Europeia e suas instituições31. Porém, as decisões nos órgãos comunitários estão umbilicalmente
ligadas às estruturas estatais, sendo muito difícil esta transferência de legitimidade. Trata-se de
uma perda de qualidade democrática, em verdade.

31

PERNICE, Multilevel Constitutionalism and the Treaty of Amsterdam: European Constitution-Making revisited?, in,
Common Market Law Review, 1999, n. 36. Disponível em: http:www.whi-berlin.de/documents/whi-paper0499.pdf.
Acesso em 04 nov. 2010, p. 707.

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Os setores eurocéticos afirmam que ainda não está presente uma identidade, um povo
europeu. Falta, portanto, o sujeito do processo constituinte, o coletivo singular de um povo, capaz
de se definir a si próprio como uma nação democrática. E nessa senda o conceito de povo
também é bastante problemático. Autores entendem que é este conceito de povo que une os
países, e como não há um povo europeu, não é possível uma constituição europeia32. Porém,
povo não é um conceito coerente para a idéia de sociedade multicultural e pluralista, como a
europeia. A categoria povo dá a idéia de uniformidade, engloba e faz homogêneo um conjunto de
pessoas. Porém, na União Europeia não há uniformidade, singularidade, mas sim uma sociedade
pluralista e multicultural com uma identidade de interesses33.
Nas palavras de DIETER GRIMM34, a língua também é um elemento importante para se
construir um modelo político comum, não havendo essa característica na Europa. Logo, para o
autor, ainda não há um povo europeu nem estruturas identitárias comuns, como um espaço
público promotor de uma identidade coletiva. Logo, seria muito difícil criar um espaço
democrático comum, em que necessidades e interesses sociais pudessem ser debatidos por
amplos setores da sociedade. E os setores eurocéticos confirmam este pensamento, de que a falta
de uma língua comum dificultaria um debate público europeu. Da mesma forma, afirmam não
haver meios de comunicação nem partidos políticos europeus, componentes necessários para a
criação de um espaço público europeu35. Tudo isso complicaria a construção de uma comunidade
supranacional.

32

GRIMM, Constituição e Política, Tradução de GERALDO DE CARVALHO, Belo Horizonte, 2006.
HABERMAS, Por qué Europa necesita uma Constitución, in, Revista Bimestral de Pensamiento Social, La
Factoría,
2005,
n.
25-26,
p.
1-11.
Disponível
em:
http://www.revistalafactoria.eu/imprimir.php?tipo=articulo&id=274. Acesso em 05 nov. 2010, p. 6.
34
GRIMM, Constituição e Política, Tradução de GERALDO DE CARVALHO, Belo Horizonte, 2006.
35
A criação de um espaço público europeu passa necessariamente pela revisão das agendas dos meios de
comunicação de massa. O interesse dos cidadãos europeus nas questões que digam respeito a União Europeia é algo
que precisa ainda ser despertado. Nesse sentido são as conclusões do CES – Conselho Econômico e Social de
Portugal, conforme artigo 92 da Constituição Portuguesa. Veja-se: “O aparente desinteresse e a conseqüente
participação limitada dos cidadãos europeus no processo de construção europeia, podem estar também relacionados
com o facto de as problemáticas comunitárias estarem muitas vezes em plano secundário nas agendas dos meios de
comunicação de massa, que deverão ser sensibilizados para a necessidade e a importância de ajudarem ao
33

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Entretanto, para HABERMAS, a ideia de constituição europeia não exige necessariamente
uma língua oficial36. Por exemplo, na Suíça há quatro línguas oficiais, e isso não impede que haja
uma comunidade constitucional. Na Espanha a diversidade de línguas também não impede uma
constituição comum, com autonomia política para as regiões-autonômas.
Dessa forma, o autor defende os seguintes pré requisitos funcionais de um projeto de União
Europeia, constituída democraticamente: a) a necessidade de um espaço público conjunto,
construído a partir de elementos de identidade capazes de construir uma identidade comum, “una
red que dé a los ciudadanos de todos los Estados miembros la misma oportunidad de tomar parte
en un amplio proceso de comunicación política concreta”; b) a emergência de uma sociedade
civil europeia e, por fim; c) a formação de uma cultura política que possa ser compartilhada por
todos os cidadãos europeus. Tais elementos seriam diferentes daqueles da modernidade,
tradicionais, como a língua e o povo37.
Concorda-se com o argumento habermasiano. O conceito de cidadania precisa ser
atualizado, fugir daquela visão tradicional da modernidade. Fundar uma cidadania de caráter
multilateral, a qual, na opinião de BALDOMERO OLIVER LEÓN38, geraria uma relação direta dos
cidadãos com a União Europeia e com as instituições comunitárias. Uma cidadania a ser
reconhecida pelos ordenamentos jurídicos dos Estados Membros. Afinal, o cidadão deve ser o
sujeito e fim mesmo da existência da União.
A cidadania europeia é reconhecida hoje por algumas iniciativas como, por exemplo, o
princípio geral de não discriminação por razão de nacionalidade, o qual assegura, mesmo que em
âmbito muito limitado, a participação política nas eleições ao Parlamento Europeu39. Também
nos mecanismos de âmbito local para possibilitar a votação dos residentes nas eleições
autárquicas ou municipais, decorrência do estabelecido no artigo 8, B, n. 1 do Tratado da União
esclarecimento das opiniões públicas. SERRA (Relator), O Futuro da Europa (estudo), Série “Estudos e
Documentos”, Lisboa, 2005, p. 23.
36
HABERMAS, op. cit., p. 5-8.
37
HABERMAS, op. cit..
38
LEÓN, El Derecho de Sufragio como Elemento Estructural de la Ciudadania Europea, in, Revista de Derecho
Constitucional Europeo, n. 4, 2005, p. 197-218. Disponível em: http://www.ugr.es/~redce/. Acesso em 05 nov. 2010.

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Europeia, o qual aponta para a capacidade eleitoral ativa nas eleições municipais (fenômeno que
já era concedido em alguns países europeus, como em Portugal)40. E, por sua vez, o direito de
votar e de ser eleito para representante do Parlamento Europeu do seu país de residência 41. Mas
em eleições nacionais esse problema se agrava, eis que só os nacionais têm direito a voto, mesmo
residindo no estrangeiro. Porém, apenas estes mecanismos de democracia representativa são
poucos para constituir uma sociedade essencialmente democrática. É preciso avançar para uma
maior participação dos cidadãos nos processos políticos europeus.
A proposta é a ampliação do conceito de cidadania, para todos os que vivem na Europa,
independente de sua nacionalidade, possam participar das decisões comunitárias, sem suplantar a
cidadania de cada Europeu em seu país. É preciso manter a ideia de identidade nacional e, ao
mesmo tempo, fazer surgir a ideia de cidadania europeia, a partir dos estatutos jurídicos42.
A formação dos Estados modernos do século XIX permitiu a construção de identidades
nacionais, não tanto a partir da vontade dos indivíduos, mas de uma ação do poder político
dirigida a esse sentido, voltada à formação de uma Nação. Porém, na União Europeia, a
construção de uma identidade comum não pode ser dada da mesma forma, pois não pode

39

LEÓN, op. cit., p. 197-218.
A aplicação deste artigo não tem sido muito pacífica nos países europeus. Conforme MARCELO REBELO DE SOUSA,
como por exemplo o caso dos cidadãos portugueses residentes em Luxemburgo, os quais não puderam exercer o
direito de participação nas eleições locais e mesmo nas eleições para o Parlamento Europeu. SOUSA, A Cidadania
Europeia – Nível de Concretização dos Direitos, Possibilidade de Alargamento e suas Implicações, in PEREIRA et al,
Em Torno da Revisão do Tratado da União Europeia, Coimbra, 1997, p. 123.
41
SÓNIA GODINHO ressalta que o Parlamento Europeu, órgão com funções legislativas, orçamentais, consultivas e de
controle político, “é o único que goza de legitimidade democrática directa, na medida em que é eleito por sufrágio
universal e directo dos cidadãos europeus. A representação dos cidadãos é feita com base num princípio de
proporcionalidade degressiva com um limite mínimo de 6 deputados e um limite máximo de 96 por cada Estado,
sendo que a composição máxima do PE será de 750 deputados.” Para a autora, “o reforço dos seus poderes,
resultante da sua equiparação ao Conselho como órgão legislativo e orçamental (art. I-20, n. 1) e principalmente do
estabelecimento do procedimento de co-decisão (processo legislativo ordinário nos termos adoptados no art. I-34, n.
1) como regra na aprovação dos actos legislativos europeus constitui um avanço indiscutível de democracia no seio
da União.” Porém, a mesma autora alerta que, apesar disso, ainda subsistem decisões legislativas europeias que
prescindem do acordo do Parlamento Europeu, ou que tem sua participação meramente consultiva. GODINHO,
Federalismo e Constituição Europeia: será a Constituição Europeia uma Constituição Federal?, in MARTINS
(Coord.), Constitucionalismo Europeu em Crise? Estudos sobre a Constituição Europeia, Lisboa, 2006. p. 54-55.
42
BALAGUER CALLEJÓN, Los Tribunales Constitucionales en el Processo de Integración Europea, in, Revista de
Derecho Constitucional Europeo, 2007, n. 7. Disponível em: http://www.ugr.es/~redce/. Acesso em 05 nov. 2010.
40

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suplantar as identidades nacionais, substituindo-as. A construção de uma identidade europeia
deve ser dada a partir da ideia de cidadania e de pertencimento, de um estatuto jurídico comum43.
A partir das conclusões de HABERMAS, entende-se que é preciso avançar, no sentido de
criação de um espaço público europeu, uma cidadania europeia, uma unidade entre os cidadãos
integrantes deste grande bloco. Nas palavras do autor “la opacidad en los procesos de toma de
decisión a escala europea y la ausencia de posibilidad de participación em ellos produce
desconfianza entre los ciudadanos44. É preciso constituir-se um vínculo de solidariedade entre as
pessoas, uma identidade comum capaz de ser projetada em suas instituições, a fim de que se
desenvolva um sentido de pertencimento e participação política pelos cidadãos ao nível de
instituições européias e não, apenas, nacionais.
De nada adianta falar de uma constituição europeia quando não se constrói conjuntamente
um sistema democrático, um espaço em que haja um debate público sobre problemas comuns, em
que sejam mediados os conflitos. A constituição não é fruto apenas de uma vontade política, nem
pode, em Estados Democráticos de Direito, ser imposta. São necessárias condições políticas,
culturais, jurídicas e sociais para que se permita falar de um direito constitucional comum. Talvez
ainda não seja a hora de haver uma constituição europeia, eis que tais condições ainda não
existem, bem como inexiste um espaço público de discussão e interrrelação pessoal entre os
cidadãos europeus e seus representantes. Porém, é preciso caminhar para a criação de um espaço
público de decisões fundamentais na Europa, combatendo a fragmentação da cidadania europeia
nos espaços públicos estatais45.
O problema da Europa hoje são as competências que deve assumir para tomar as decisões
fundamentais capazes de fazer frente à globalização. E para isso precisa adotar mecanismos ágeis
e rápidos de decisão, com a transferência maior de competências para as instituições europeias, a
qual necessariamente deve vir unida a uma maior democratização dessas instituições, eis que o

43

BALAGUER CALLEJÓN, La Constitución Europea trás El Consejo Europeo de Bruxelas y El Tratado de Lisboa, in,
Revista de Derecho Constitucional Europeo, 2007, n. 8, p. 11-41. Disponível em: http://www.ugr.es/~redce/. Acesso
em 05 nov. 2010, p. 33-35.
44
HABERMAS, op. cit., p. 6.

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déficit democrático da Europa é algo bastante presente. É uma questão não só de funcionalidade e
operacionalidade como também de democracia.

4. Considerações finais
Frente a todas as considerações, fica clara a existência de um déficit democrático na União
Europeia, provocado pelo descaso à cidadania, visto que as instituições comunitárias, por tentar
subsistir a uma ordem globalmente imposta, deixam à deriva o cidadão, seus anseios e
perspectivas, tornando-o uma engrenagem a mais da máquina comunitária, sendo que ele é a peça
principal desta engrenagem, ou seja, o formador da sociedade.
Há uma situação crescente de declínio da governabilidade tanto das democracias avançadas
quanto das democracias em desenvolvimento, ocasionada pela crise fiscal e pelo processo de
globalização, que desterritorializa e potencializa que novas instituições de poder, grande parte
delas alheias aos estados nacionais, passem a desestruturar toda a teia institucional constituída na
modernidade. A perda da governabilidade e do apoio da sociedade civil por um governo é um
problema grave, senão fatal, já que a governabilidade é confundida com a legitimidade do poder,
ou seja, com o apoio dos governantes perante a sociedade civil.
Sabe-se que tradicionalmente, nos regimes democráticos, a governabilidade é obtida a partir
dos seguintes fatores: a) da capacidade de suas instituições jurídico-políticas intermediar os
interesses estatais e os interesses da sociedade civil; b) do oferecimento de medidas de
responsabilização e accountability por parte dos políticos e dos burocratas em favor da sociedade;
c) de uma limitação das demandas sociais e do seu atendimento pelo governo; d) da existência de
um contrato social básico, nos moldes hobbesianos, capaz de garantir às sociedades atuais
padrões básicos de legitimidade e governação46.
Agora, é preciso avançar para uma maior governabilidade na União Europeia,
aprofundando e incrementando instituições jurídico-políticas capazes de intermediar os interesses
45

BALAGUER CALLEJÓN, La Constitución, cit., p. 20.

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sempre conflitantes internos de cada país, de seus diversos grupos sociais, regiões e etnias, como
também os interesses heterogêneos das nações. Aumentar o espaço de participação dos cidadãos
europeus na gestão e no controle dos órgãos e instituições supranacionais. Ou seja, é preciso
manter o modelo europeu de democracia, de accountability e de respeito aos direitos
fundamentais, adequando-o agora para o âmbito supranacional.
Há uma transformação, em que não se pode mais aplicar no processo de integração europeia
modelos antigos. É preciso criar novas categorias, porque se está frente de uma nova realidade. E
é necessário compreendê-la para, a partir daí elaborar estas novas categorias.
Alguns afirmam que a, a partir da crise fiscal deste início de século, a Europa está em parte
estagnada, e precisa encontrar formas criativas de avançar. Para PETER SLOTERDIK, está em voga
a forma de transição neste novo milênio da modernidade, capaz de se chegar a “uma nova criação
de forma política, para lá do Império – acima do Império – acima dos Estados-nação -, e então
uma coisa se torna clara: a política do futuro depende em larga medida de uma modernização da
função visionária ou profética da inteligência”47.
Para fazer frente às novas demandas, é preciso aumentar o poder político, o âmbito de
competência da União Europeia, bem como encontrar novas formas de participação cidadã e
accountability de seus representantes, com vistas a superar o déficit democrático dos órgãos
comunitários. Esta é a única saída para os Estados europeus manterem seu sistema de vida e sua
cultura constitucional e política, com a garantia dos direitos fundamentais, em especial dos
direitos sociais.
Nesse contexto há de interpretar-se a cidadania europeia paralela à cidadania dos Estadosmembros e desta dependente, pois os direitos que a integram serão reconhecidos
automaticamente a quem for nacional de um Estado-membro. Nas palavras de MARCELO REBELO
DE

SOUSA, “o acolhimento dos direitos políticos dos cidadãos europeus, bem como do próprio

46

PEREIRA, A reforma do estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle, Brasília, 1997, p. 45-46.
SLOTERDIK, Se a Europa Acordar. Reflexões sobre o programa duma potência mundial no termo de sua ausência
política, Trad. de MANUEL RESENDE, Lisboa, 2008, p. 51.
47

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conceito de cidadania europeia, representa um passo na evolução do Direito Comunitário e de
todo o processo de integração europeia”48.
Logo, a democratização da União Europeia reclama instituições políticas capazes de
representar e/ou intermediar interesses entre instituições europeias e sociedade civil, canais de
ligação entre a representação e a cidadania, a fim de proporcionar uma relação dialógica entre os
atores envolvidos e decisões mais afinadas com o interesse público.
Sabe-se que o desafio de consolidação da democracia e o seu aprendizado é um caminho
árduo e tortuoso, a ser conquistado dia após dia. No dizer de CLAUDE LEFORD, seguido por
MARILENA CHAUÍ, democracia é uma constante invenção, a ser inventada no cotidiano, criandose novos direitos e reafirmando-se os já estabelecidos, reinstituindo-se o social e o político. Tem
um caráter aberto e subversivo, questionando suas instituições e se recriando a todo o momento49.
Devido a tais fatores, novas alternativas devem ser buscadas para reformular o atual quadro
social. A cidadania deve sofrer uma renovação em sua configuração clássica, atrelada ao Estado
Nacional. Deverá estar assentada em critérios democráticos de participação política que não a
confine apenas na representação e no ato de votar, tanto nas instituições nacionais como
comunitárias. Implica, portanto, em uma articulação entre democracia participativa e
representativa, sendo que para esta ser possível, é necessário que o cenário político comunitário e
nacional seja redefinido e ampliado.
Uma das razões fundamentais da sedução que a noção de uma nova cidadania europeia
exerce hoje em dia é a possibilidade de que ela traga respostas aos desafios deixados pelo
fracasso tanto de concepções teóricas, como de estratégias políticas que não foram capazes de
articular essa multiplicidade de dimensões que, nas sociedades contemporâneas, integram hoje a
busca de uma vida melhor. Dessa capacidade de articular os múltiplos campos onde se trava hoje

48

SOUSA, op. cit., p. 128.
LEFORT, A invenção democrática: os limites do totalitarismo, São Paulo, 1983; CHAUÍ, Cultura e democracia, 7.
ed., São Paulo, 1997, p. 209.
49

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a luta pela construção da democracia e pelo seu aprofundamento, depende o futuro da nova
cidadania europeia enquanto estratégia política, social e econômica.

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5. Referências Bibliográficas
BATISTA JÚNIOR, O Consenso de Washington: A Visão Neoliberal dos Problemas LatinoAmericanos, 2. ed., São Paulo, 1994
BEDIN, Estado, Cidadania e Globalização do Mundo: Algumas Reflexões e Possíveis
Desdobramentos, in OLIVEIRA, ODETE MARIA DE (coord.), Relações Internacionais e
Globalização, Ijuí, 1997
BERUTTI, FARIA, MARQUES, História, Vol. 3, Belo Horizonte, 1993
BOBBIO, Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, 3ª ed. São Paulo, 2000
BALAGUER CALLEJÓN, La Constitución Europea trás El Consejo Europeo de Bruxelas y El
Tratado de Lisboa. Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 8, 2007, p. 11-41
BALAGUER CALLEJÓN, Los Tribunales Constitucionales en el Proceso de Integración Europea.
Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 7, 2007
CHAUÍ, Cultura e democracia, 7. ed., São Paulo, 1997
CHOSSUDOVSKY, MICHEL. A Globalização da Pobreza: Impactos das Reformas do FMI e do
Banco Mundial. Tradução por MARYLENE PINTO MICHAEL. 1. ed. São Paulo: Moderna, [s.d.]
COMPARATO, A Nova Cidadania, São Paulo, n. 28/29, 1993, p. 85-106
SILVEIRA,
CLÁUDIA
MARIA
TOLEDO.
Cidadania.
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=78 Acesso mar. 2012

Disponível

em:

DAGNINO, Anos 90: Política e Sociedade no Brasil, São Paulo, 1994
GODINHO, Federalismo e Constituição Europeia: será a Constituição Europeia uma Constituição
Federal?, in MARTINS, ANA MARIA GUERRA (Coord.), Constitucionalismo Europeu em Crise?
Estudos sobre a Constituição Europeia, Lisboa, 2006
GOULART, Sociedade e Estado, in ROCHA, LEONEL SEVERO (org), Teoria do Direito e do Estado.
Porto Alegre, 1994
GRIMM, DIETER, Constituição e Política, Tradução de GERALDO DE CARVALHO, 2006
HABERMAS, JÜRGEN. Por qué Europa necesita uma Constitución, in Revista Bimestral de
Pensamiento Social. La Factoría, n. 25-26, 2005. p. 1-11
PERNICE, Multilevel Constitutionalism and the Treaty of Amsterdam: European ConstitutionMaking revisited?, in Common Market Law Review, n. 36, 1999
LEFORT, A invenção democrática: os limites do totalitarismo, São Paulo, 1983

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OLIVIER LEÓN, El Derecho de Sufragio como Elemento Estructural de la Ciudadania Europea, in
Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 4, 2005, p. 197-218
MELLO, Curso de Direito Internacional Público, Vol. I, 11ª ed. Rio de Janeiro, 1997
NASCIMENTO, Lições de História do Direito, 3ª ed. Rio de Janeiro, 1984
PEREIRA, A reforma do estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle, Brasília, 1997
SERRA, (Relator). O Futuro da Europa (estudo). Série “Estudos e Documentos”. Lisboa, 2005
SLOTERDIK, Se a Europa Acordar. Reflexões sobre o programa duma potência mundial no termo
de sua ausência política, Trad. de MANUEL RESENDE, Lisboa, 2008
SOUSA, A Cidadania Europeia – Nível de Concretização dos Direitos, Possibilidade de
Alargamento e suas Implicações, in PEREIRA, et al. Em Torno da Revisão do Tratado da União
Europeia, Coimbra, 1997
WOLKMER, Pluralismo Jurídico, 3ª ed. São Paulo, 2001

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Cidadania europeia e democracia

  • 1. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna O MODELO EUROPEU E A QUESTÃO DA CIDADANIA Janaína Rigo Santin Pós Doutora em Direito pela Universidade de Lisboa e Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo RESUMO: A pesquisa problematiza a questão da cidadania europeia e do déficit democrático das instituições supranacionais. A situação de crise por que passam as instituições nacionais em face do processo de globalização traz consigo um déficit democrático, o que provoca uma série de gravames sociais. E essa problemática torna-se mais evidente na União Europeia, que se encontra em um momento crucial sobre quais competências que deve assumir para tomar as decisões fundamentais capazes de fazer frente à globalização. E para isso precisa adotar mecanismos ágeis e rápidos de decisão, com a transferência maior de competências para as instituições europeias, a qual necessariamente deve vir unida a uma maior democratização dessas instituições, eis que o déficit democrático da Europa é algo bastante presente. É uma questão não só de funcionalidade e operacionalidade como também de democracia. Defende-se a ideia de que os cidadãos europeus devem ter o poder de efetivamente participar dos assuntos comunitários, evoluindo-se a democracia representativa para uma democracia participativa em âmbito supranacional PALAVRAS-CHAVE: Cidadania europeia, Participação, Constitucionalismo europeu 1. Considerações Iniciais Em face da evolução do Estado Moderno, o conceito de Cidadania obteve diversas conotações, todas elas voltadas de acordo com o momento histórico que a humanidade passava, e naturalmente com o modelo social imposto pela forma estatal da época. Os Estados na ordem mundial atual são, em sua maioria, estruturas sociais democráticas. Diante disso, a noção de cidadania, que remonta a épocas primitivas da sociedade, se faz de suma importância, visto que sem a participação da população nos desígnios do Estado, a democracia perde seu foco, destoando dos objetivos a que se propõe. É a cidadania, enquanto fundamento da democracia, que deve promover a participação, fazendo com que os cidadãos, através do poder originário que possuem, cobrem e também ajudem seus governantes a tomar decisões que sejam benéficas a todos. Todavia, frente ao contexto social apresentado hodiernamente, relevante se faz uma análise mais profunda nos aspectos que tangenciam a questões da cidadania e da democracia. A crise que se abate sobre a sociedade, demonstra a fraqueza de estruturas até então consideradas inabaláveis, www.koreuropa.eu
  • 2. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna como o Estado, o que denota uma realidade difícil. Vive-se em um mundo que desconhece fronteiras, e que com o advento da globalização “plugou” sociedades até então de complicada interconexão. Porém, no momento presente, da “informação simultânea”, ao invés de corroborar o propósito democrático, invocando as sociedades para uma participação mais efetiva dentro dos Estados, alienou-a, dificultando a participação política do cidadão quando se tratam de mecanismos institucionais supranacionais. E essa problemática evidencia-se ainda mais no caso da União Europeia, que se encontra em um momento crucial de decisão sobre quais competências deve assumir para tomar as medidas fundamentais capazes de fazer frente à globalização e tudo o que dela decorre, como a crise da dívida soberana de muitos de seus membros. Para isso precisa adotar mecanismos ágeis e rápidos de decisão, com a transferência maior de competências para as instituições comunitárias. Entretanto, essa transferência deve estar acompanhada necessariamente a uma maior democratização dessas instituições, eis que o déficit democrático da Europa é algo bastante presente. É uma questão não só de funcionalidade e operacionalidade como também de democracia. Defende-se a ideia de que os cidadãos devem ter o poder de efetivamente participar dos assuntos comunitários, evoluindo-se a democracia representativa para uma democracia participativa em âmbito supranacional. A globalização trouxe consigo fantásticas inovações ao mundo, sendo que, hoje, perguntase como é possível viver sem tais invenções tecnológicas. Porém, trouxe consigo também alguns ônus para a sociedade. O cidadão passou a ficar à deriva dentro do Estado, pois, atualmente, quem passa a influir nas políticas públicas nacionais cada vez mais são fontes supranacionais de poder. Decorrente disso, a cidadania vem se aprimorando, galgando novas características, com a reorganização espacial dentro dos Estados. E a mistura desses fatores, que se complementam, traz à tona a possibilidade de respostas aos novos desafios lançados à cidadania, nessa nova formatação de mundo atualmente exposta. www.koreuropa.eu
  • 3. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna É em relação a esses aspectos que a presente pesquisa desenvolve-se, buscando demonstrar a existência das mais tênues linhas de inter-relação entre conceitos que a todo instante são suscitados, porém utilizados desvencilhados do seu correto sentido. Da mesma forma, visa trazer propostas de possíveis soluções a estes problemas. 2. Desenvolvimento Histórico da Cidadania em face da Evolução do Estado Moderno Em toda a história da evolução humana, desde os tempos mais primitivos, o homem buscou associação a outros homens para desenvolver e aprimorar suas técnicas, em busca de uma vida melhor. Sendo um ser naturalmente associativo, o homem passou de um estágio de vida solitária para uma vida em grupo. Esses agrupamentos humanos, pequenos inicialmente, foram desenvolvendo-se, tomando proporções cada vez maiores. Automaticamente, irrompem, dentro dos grupos, novas relações capazes de gerar conflitos e discordâncias1. Para que a ordem nesses grupos fosse mantida criou-se uma pequena organização; entretanto ainda não eram considerados sociedades. Posteriormente, devido a uma imensa gama de fatores, tais grupos passaram a interagir e a se inter-relacionar, surgindo relações diversas das existentes, o que tornou estas organizações sociais precoces cada vez mais complexas2. Essas intrincadas relações exigiram novas formas organizacionais, o que fez desabrochar o fenômeno estatal, trazendo para a história o elemento Estado com todas as suas características. E o fenômeno estatal, entidade abstrata criada pelo direito e desenvolvida em especial na modernidade, a partir de noções de contrato social, foi dotado da finalidade complexa de organizar a sociedade incrustada sobre um território próprio, com população e normas próprias, dotado de soberania, para que essa ordem social complexa possa desenvolver-se em vista ao bem comum. 1 2 NASCIMENTO, Lições de História do Direito, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1984, p. 12. NASCIMENTO, op. cit., p. 13. www.koreuropa.eu
  • 4. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna Em meio a todas estas transformações por que passava a humanidade, o homem começou a ter um papel crucial dentro do desenvolvimento da sociedade, passando a ser qualificado como cidadão. A origem da palavra remonta a Roma e Grécia, nas antigas Polis (cidades-estados) que foram as precursoras de uma sociedade estatalmente organizada. Polites ou Cives eram para os romanos os sócios da Polis ou Civitas. Cidadãos eram, portanto, todos os homens que participavam do funcionamento da cidade-estado, os titulares de direitos políticos3. A participação desses cidadãos era efetuada da forma direta, sem a existência de representantes, visto que este instituto da representação privada só teve origem no mundo moderno. Essa participação dava-se através da votação das leis e no exercício de funções públicas, especialmente a judiciária. A participação dos cidadãos era tão importante que sem ela, a Polis não existiria4. Em Atenas, na Grécia, o principal privilégio dos então denominados cidadãos era a igual liberdade da palavra nas assembléias do povo. Assim sendo, o grau de participação do povo ateniense foi bem maior que o do povo romano. No campo Legislativo, as leis eram votadas pelo povo reunido em comícios, por proposta de um magistrado. No campo judiciário, o juiz era alguém do povo, e existiam regulamentos que permitiam ao condenado a penas graves de recorrer diretamente ao julgamento popular5. Vale enfatizar que, por cidadania, entendia-se a qualidade de o indivíduo pertencer a uma sociedade, e estar adstrito a todas as implicações decorrentes da vida em sociedade. Logo, cidadão era aquele que morava na cidade e participava dos seus negócios. Assim sendo, era caracterizada por uma minoria, aqueles que podiam acessar cargos públicos, visto que os estrangeiros, os escravos, as mulheres, os artesãos e os comerciantes eram discriminados e não eram considerados cidadãos6. 3 COMPARATO, A Nova Cidadania, São Paulo, 1993, n. 28/29, p. 85-106, p. 23. SILVEIRA, Cidadania. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=78. Acesso mar. 2012. 5 COMPARATO, op. cit., p. 24. 6 SILVEIRA, op. cit.. 4 www.koreuropa.eu
  • 5. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna Indubitavelmente, a civilização Greco-Romana tinha em seu ápice um extraordinário desenvolvimento político. Porém, contrastando a isso, os indivíduos pertencentes a estas sociedades não gozavam de liberdade privada alguma. Encontravam-se totalmente submetidos à cidade-estado a qual pertenciam. Toda e qualquer atividade existente na Polis era controlada, das roupas ao corte de cabelo, da religião à educação. Isso se explicava na medida em que se tratava de moldar o caráter dos cidadãos para servir a Polis. Conforme ensina FÁBIO KONDER COMPARATO, “o mundo greco-romano, matriz da civilização ocidental, era o espaço social da sujeição e do poder absoluto, em contraste com a liberdade ativa que prevalecia na esfera política”7. Todavia, com o passar do tempo, entra em decadência o chamado “Império Romano”, desaparecendo o modelo constituído pela civilização greco-romana, acarretando em séculos de supressão da cidadania. Roma, com seu império, esfacelou-se com a invasão dos bárbaros, e conseqüentemente o seu poder central desapareceu. Os territórios passaram a ser divididos em feudos, para que assim pudessem ser controlados autonomamente por seus senhores feudais. O poder passa, assim, de uma centralização para uma descentralização, pois esta era a melhor forma de dominar os territórios, em vista da imensidão de terras a serem conquistadas, o que contrastava com os meios de dominação existentes, que eram mínimos8. Esta nova forma de organização social foi denominada, na Europa, de Feudalismo, e pôs um fim ao chamado Estado Medieval. Esse período caracterizou-se pela íntima ligação entre Igreja e Estado. O Feudalismo criou uma hierarquização política, não sendo contra o Estado, mas sim se fazendo como um meio propulsor para o seu advento9. Este modelo de organização social 7 COMPARATO, op. cit., p. 24. BERUTTI-FARIA-MARQUES, História, Vol. 3, Belo Horizonte, 1993, p. 13. 9 MELLO, Curso de Direito Internacional Público, Vol. I, 11ª ed., Rio de Janeiro, 1997, p. 330. 8 www.koreuropa.eu
  • 6. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna implantado era articulado “a partir do poder fragmentado de cada Senhor Feudal, e que se alicerçava em uma relação indissolúvel entre o poder religioso e o poder político”10. Com o novo quadro social que se desenhava na época, o chamado status civitatis, tão presente na antiga civilização, foi suprimido, passando a existir um complexo sistema de relações hierárquicas de dominação privada. Isso se explica pelo poder fragmentado, no qual cada senhor feudal possuía sua quota-parte de poder, fazendo com que os indivíduos presentes nos feudos não tivessem uma identidade própria, sendo nada mais do que servos do senhor feudal11. Na metade do séc. XV, o Feudalismo tem sua força exaurida. Abate-se sobre o modo de produção feudal uma profunda crise, enfraquecendo as bases sociais da época. Com o advento desta grave crise, necessitava-se uma nova ordem que pudesse reorganizar a sociedade desarticulada12. Florescia, na época, movimentos com vistas à centralização do poder político e à expansão territorial, o que culmina com a instauração do Regime do Absolutismo Monárquico, enterrando de vez o espaço já limitado das liberdades. Com isso, passa a vigorar a ordem política Moderna a partir do séc. XVI - procurando desvencilhar a religião do Estado e fortalecer o vínculo político do Estado para com os cidadãos. A centralização do poder deu-se nas mãos do Rei, sendo que o Estado era visto na própria pessoa do Rei, perdendo a concepção de impessoalidade da administração13. Esse novo protótipo de Estado perdurou entre os séculos XVI e XVII, consolidando no período a idéia de Estado-Nação, lastreado em uma regulamentação jurídica dos conflitos sociais existentes. Esse Estado continua sendo “a expressão da hegemonia da nobreza que através da reorganização estatal reforça sua dominação sobre a massa camponesa”14. 10 BEDIN, Estado, Cidadania e Globalização do Mundo: Algumas Reflexões e Possíveis Desdobramentos, in OLIVEIRA (coord.), Relações Internacionais e Globalização, Ijuí, 1997, p. 126. 11 GOULART, Sociedade e Estado, in ROCHA (org), Teoria do Direito e do Estado, Porto Alegre, 1994, p. 26. 12 BERUTTI-FARIA-MARQUES, op. cit., p. 25. 13 BOBBIO, Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, 3ª ed, São Paulo, 2000, p. 17. 14 BERUTTI-FARIA-MARQUES, op. cit., p. 25. www.koreuropa.eu
  • 7. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna Durante a existência do Estado Absolutista, o conceito de cidadania foi completamente sufocado em nome do poder estatal, o qual se colocou acima de tudo, inclusive dos princípios morais. Quanto aos princípios jurídicos, estes passaram a ser criação única do Estado, que tomou para si o monopólio da produção jurídica, reduzindo o direito a uma criação estatal, tornando-o passível das arbitrariedades impostas pelo soberano. Sobre isso BOBBIO explica que “Monarquia Absoluta é a forma de Estado que não se reconhece mais outro ordenamento jurídico que não seja o estatal, e outra fonte jurídica que não seja a lei”15. É assim a forma que o Estado tratava de regular a sociedade, fazendo com que se perdesse a concepção de cidadania, tão importante nas sociedades contemporâneas. A nobreza foi fortalecida, e se investiu em métodos capazes de alongar as fronteiras estatais. Um desses meios foi a navegação, que levou a um expansionismo marítimo estrondoso, ocasionando o alastramento das práticas comerciais pelo mundo. Paralelo a isso, o Estado começa a se desenvolver economicamente, e as práticas capitalistas vão aos poucos tomando corpo, varrendo as últimas amarras feudais ainda vigentes. Logo, o capitalismo invade o arsenal produtivo do Estado, instalando-se definitivamente16. O Estado Moderno consegue firmar-se como um Estado soberano e centralizado. Porém, diversas mudanças sociais ocorrem na época, em especial a partir da Revolução Francesa, em 1789. A principal delas é o crescimento de uma classe até então desprezada, a burguesia. Esta, até então à margem do sistema, apossou-se dos meios de produção e, pela mão da economia, buscou alcançar o poder questionando a ordem Absolutista vigente. Com isso, a burguesia passa a ter um papel essencial no novo contexto social emergente, acabando por refutar a ordem Absolutista, dando uma nova feição ao Estado Moderno, tornandoo um Estado Moderno Liberal. Isto foi possível mediante as Revoluções Burguesas ocorridas na Inglaterra e na França, que propulsionaram a ascensão da burguesia ao poder17. 15 BOBBIO, op. cit., p. 19. BEDIN, op. cit., p. 129. 17 MELLO, op. cit., p. 335. 16 www.koreuropa.eu
  • 8. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna As revoluções burguesas são fatos marcantes para a história da evolução dos Estados e da cidadania. Elas abriram o caminho para o capitalismo e, da mesma forma, romperam todos os resquícios ainda existentes do feudalismo. Abriram as portas para o Modelo Liberal de Estado, onde pela primeira vez o povo, até então sufocado, passa a ter ouvido o seu clamor. O Estado continua com seu poder centralizado e soberano, mas passa a ser limitado por uma constituição e por uma declaração de direitos18. Como decorrência destas revoluções e transformações sofridas pelo Estado, começou a se restabelecer a cidadania política abolida, reconhecendo o indivíduo como titular de direitos próprios, e não derivados do grupo social19. Assim foi a visão que reconheceu que o cidadão de qualquer lugar do mundo, em qualquer época, tem os mesmos direitos basilares, mesmo que não reconhecidos pelo Estado, dando ensejo à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. A partir deste momento, a nova cidadania passa a comportar duas dimensões, sendo uma universal e outra nacional. Universal e pautada nos direitos humanos, uma vez que todo homem é protegido em seus direitos naturais, independente de sua nacionalidade, conforme consagrado na declaração; e nacional e pautada nos direitos fundamentais positivados nas cartas constitucionais dos países, reconhecidos dentro de seu espaço vital20. Entretanto, contrastando com o moderado avanço alcançado pela cidadania no campo político, encontravam-se enormes discrepâncias no que tange ao campo social. Os trabalhadores das indústrias, reformuladas pela Revolução Industrial, eram explorados de forma subumana. O trabalho infantil era algo muito corriqueiro nas citadas indústrias. Nesse contexto, a classe trabalhadora uniu-se, tornando-se força política, o que faz emergir os designados movimentos socialistas. Mais uma vez, novos desafios são lançados ao Estado Moderno, que procura novamente adaptar-se frente às novas questões21. 18 BERUTTI-FARIA-MARQUES, op. cit., p. 142. COMPARATO, op. cit., p. 25. 20 COMPARATO, op. cit., p. 25. 21 BERUTTI-FARIA-MARQUES, op. cit., p. 152. 19 www.koreuropa.eu
  • 9. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna O Estado torna-se intervencionista e ganha características sociais, passando a ser denominado “Welfare State” ou Estado de Bem-Estar Social, no qual passam a ser reconhecidos novos direitos sociais e econômicos à sociedade22. A idéia tônica da nova cidadania consiste em fazer com que o povo tome parte do processo de seu desenvolvimento e promoção social, através da participação. O próprio conceito de cidadania, que vem se modificando através dos tempos, induz à necessidade da participação, o que faz florescer bases democráticas no até então rígido terreno estatal. FÁBIO KONDER COMPARATO, explica essa situação da seguinte forma: A relevância da atuação administrativa do Estado Social é um fato sobejamente conhecido. Convém, no entanto, advertir para a falsa dicotomia que se procura hoje inculcar, no tocante à distribuição eqüitativa do bemestar social, entre o estatismo e o privatismo. O princípio da participação popular permite evitar esses extremos, introduzindo uma linha de ação mais democrática na administração da coisa pública 23. Porém, o modelo social obteve determinados desvios em sua real função, tornando-se incapaz de acompanhar as intensas mudanças sociais e as transformações político-econômicas por que passava o mundo. Tais mudanças desestruturaram o Estado de Bem-Estar Social, que por volta dos anos 70 entra em crise, proporcionando o advento do chamado Neoliberalismo. O surgimento desta ideologia acaba por desequilibrar a economia, aumentando o custo social para a sociedade, uma vez que o Estado passa a privatizar e aumentar impostos, visando uma solução para a crise a partir do seu minimalismo24. Em novembro de 1989, ocorre uma reunião em Washington, capital dos Estados Unidos entre funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Às conclusões dessa reunião deu-se a denominação informal de “Consenso de Washington”, na qual se ratificou “a proposta neoliberal que o governo norte-americano vinha insistentemente recomendando, por 22 WOLKMER, Pluralismo Jurídico, 3ª ed, São Paulo, 2001, p. 49. COMPARATO, op. cit., p. 30. 24 WOLKMER, op. cit., p. 58. 23 www.koreuropa.eu
  • 10. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna meio das referidas entidades, como condição para conceder cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral”25. As propostas do Consenso de Washington nas 10 áreas a que se dedicou convergem para dois objetivos básicos: por um lado, a drástica redução do Estado e a corrosão do conceito de Nação; por outro lado, o máximo de abertura à importação de bens e serviços e à entrada de capitais de risco. Tudo em nome de um grande princípio: o da soberania absoluta do mercado auto-regulável nas relações econômicas tanto internas quanto externas26. Segundo CHOSSUDOVSCKY, inaugura-se uma “nova divisão de autoridade”, agora nas mãos de instituições que agem em caráter supranacional, operando dentro do sistema capitalista global como órgãos reguladores da política econômica dos países em desenvolvimento. Assim, o próprio sistema democrático desses países é colocado a prova, já que “os eleitos para altos cargos públicos atuam cada vez mais como burocratas e os credores do Estado tornaram-se depositários do poder político real, agindo discretamente nos bastidores”27. O mesmo cardápio de austeridade orçamentária, desvalorização, liberalização do comércio e privatização é aplicado simultaneamente em mais de cem países devedores. Estes perdem a soberania econômica e o controle sobre a política monetária e fiscal; seu Banco Central e Ministério da Fazenda são reorganizados (freqüentemente com a cumplicidade das burocracias locais); suas instituições são anuladas e é instalada uma ‘tutela econômica’. Um ‘governo paralelo’ que passa por cima da sociedade civil é estabelecido pelas instituições financeiras internacionais (IFIs). Os países que não aceitam as ‘metas de desempenho’ do FMI são colocados na lista negra. (...)A reestruturação da economia mundial sob a orientação das instituições financeiras sediadas em Washington nega cada vez mais aos países em desenvolvimento a possibilidade de construir uma economia nacional: a internacionalização da política macroeconômica transforma países em territórios econômicos abertos e economias nacionais em ‘reservas’ de mão-de-obra barata e de recursos naturais28. O Estado Neoliberal nada mais é do que um resgate da visão Liberal do Estado Moderno, e atua sob o lema “menos Estado, mais mercado”29. Veja-se que este fator passa a ser agravado em épocas de crise financeira por que passa o modelo europeu de bem estar social. Os Estados se 25 BATISTA JÚNIOR, O Consenso de Washington: A Visão Neoliberal dos Problemas Latino-Americanos, 2. ed., São Paulo, 1994, p. 5. 26 Idem, p. 26-27. 27 CHOSSUDOVSKY, A Globalização da Pobreza: Impactos das Reformas do FMI e do Banco Mundial, Tradução por MARYLENE PINTO MICHAEL, 1. ed., São Paulo, [s.d.], p. 20. 28 CHOSSUDOVSKY, A Globalização da Pobreza: Impactos das Reformas do FMI e do Banco Mundial, Tradução por MARYLENE PINTO MICHAEL, 1. ed. São Paulo, [s.d.], p. 28 e 30. 29 BEDIN, op. cit., p. 129. www.koreuropa.eu
  • 11. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna vêem obrigados a fazer drásticos cortes nos gastos sociais e com a máquina pública, com vistas a reequilibrar seu sistema financeiro e refinanciar suas dívidas. Nesse contexto, deduz-se facilmente porque as propostas neoliberais – além de defenderem a omissão do Estado, a liberdade absoluta do mercado e a abertura da economia nacional ao capital pela privatização de empresas e serviços públicos – também defendem a desregulamentação e flexibilização das normas que tratam dos direitos sociais, para, com essa prática, debilitar e até extinguir direitos conquistados tão duramente durante séculos de evolução histórica. Dessa forma, criam um ambiente de concorrência, para o qual não faz sentido nem manter mecanismos institucionais redutores da desigualdade social, nem assegurar os direitos sociais. Contemporaneamente não é possível analisar a situação estatal e a da cidadania fora da ordem globalizada, que produz grandes efeitos sobre a soberania estatal e sobre a população em si, que, indubitavelmente, é a maior prejudicada nesse modelo de Estado desvencilhado de suas funções básicas. As políticas nacionais passam a estar à margem dos movimentos internacionais de capital, e a necessidade de reequilíbrio financeiro leva países que por décadas atuaram com grandes déficits orçamentários a conter seus gastos e cortar despesas, em especial nas políticas públicas sociais. A expressão cidadania, atualmente, está inserida em todo o mundo, com sentidos e intenções diferentes. Possui um caráter de “estratégia política”30, pelo fato de expressar e responder a um conjunto de desejos, interesses, aspirações, de uma imensa parte da sociedade, porém não se confundindo com toda a sociedade. Sem dúvida, essa noção de cidadania deriva dos movimentos sociais enquanto engendradores de uma nova forma de inserção de espaços além das fronteiras nacionais, para a ascensão dos cidadãos aos meios de participação previstos, e com isso buscar intervir nos rumos das decisões políticas que digam respeito aqueles diretamente atingidos por elas, independente das fronteiras especiais e temporais. 30 DAGNINO (org.), Anos 90: Política e Sociedade no Brasil, São Paulo, 1994, p. 103. www.koreuropa.eu
  • 12. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna 3. O modelo europeu e a questão da cidadania: haverá um espaço público europeu? Um dos objetivos da União Europeia encontra-se no artigo B do Tratado da União Europeia, e é o do “reforço da defesa dos direitos e dos interesses nacionais dos seus Estadosmembros, mediante a instituição de uma cidadania da União; (...)”. Logo, denota-se a preocupação fundamental em concretizar um nível de cidadania capaz de abraçar toda a União Europeia, indo além das fronteiras dos estados-membros que a compõe. Na noção de cidadania europeia encontra-se o direito a livre circulação e permanência no território dos Estados-membros de qualquer cidadão (artigo 8. A, n. 1); bem como abarca também um conjunto de direitos políticos, como por exemplo o direito eleitoral ativo e passivo nas eleições municipais (artigo 8. B, n. 1); nas eleições para o Parlamento Europeu no Estadomembro de sua residência (artigo 8, B, n. 2); direito de petição ao Parlamento Europeu (artigo 8. D) e direito de queixa ao Provedor de Justiça (artigo 8, D, 2. parágrafo). Entretanto, sabe-se que o espaço público europeu não traz nenhum debate público nas instituições europeias. Não há um espaço público real na Europa, em que a cidadania participe, decidindo. Não há um reconhecimento do pluralismo do conflito e nem uma articulação deste conflito mediante mediações políticas. O que há é uma defesa de interesses nacionais nos órgãos supranacionais. A teoria de INGOLF PERNICE do constitucionalismo multinível parte da idéia de transferência de legitimidade democrática dos cidadãos de cada Estado Membro para a União Europeia e suas instituições31. Porém, as decisões nos órgãos comunitários estão umbilicalmente ligadas às estruturas estatais, sendo muito difícil esta transferência de legitimidade. Trata-se de uma perda de qualidade democrática, em verdade. 31 PERNICE, Multilevel Constitutionalism and the Treaty of Amsterdam: European Constitution-Making revisited?, in, Common Market Law Review, 1999, n. 36. Disponível em: http:www.whi-berlin.de/documents/whi-paper0499.pdf. Acesso em 04 nov. 2010, p. 707. www.koreuropa.eu
  • 13. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna Os setores eurocéticos afirmam que ainda não está presente uma identidade, um povo europeu. Falta, portanto, o sujeito do processo constituinte, o coletivo singular de um povo, capaz de se definir a si próprio como uma nação democrática. E nessa senda o conceito de povo também é bastante problemático. Autores entendem que é este conceito de povo que une os países, e como não há um povo europeu, não é possível uma constituição europeia32. Porém, povo não é um conceito coerente para a idéia de sociedade multicultural e pluralista, como a europeia. A categoria povo dá a idéia de uniformidade, engloba e faz homogêneo um conjunto de pessoas. Porém, na União Europeia não há uniformidade, singularidade, mas sim uma sociedade pluralista e multicultural com uma identidade de interesses33. Nas palavras de DIETER GRIMM34, a língua também é um elemento importante para se construir um modelo político comum, não havendo essa característica na Europa. Logo, para o autor, ainda não há um povo europeu nem estruturas identitárias comuns, como um espaço público promotor de uma identidade coletiva. Logo, seria muito difícil criar um espaço democrático comum, em que necessidades e interesses sociais pudessem ser debatidos por amplos setores da sociedade. E os setores eurocéticos confirmam este pensamento, de que a falta de uma língua comum dificultaria um debate público europeu. Da mesma forma, afirmam não haver meios de comunicação nem partidos políticos europeus, componentes necessários para a criação de um espaço público europeu35. Tudo isso complicaria a construção de uma comunidade supranacional. 32 GRIMM, Constituição e Política, Tradução de GERALDO DE CARVALHO, Belo Horizonte, 2006. HABERMAS, Por qué Europa necesita uma Constitución, in, Revista Bimestral de Pensamiento Social, La Factoría, 2005, n. 25-26, p. 1-11. Disponível em: http://www.revistalafactoria.eu/imprimir.php?tipo=articulo&id=274. Acesso em 05 nov. 2010, p. 6. 34 GRIMM, Constituição e Política, Tradução de GERALDO DE CARVALHO, Belo Horizonte, 2006. 35 A criação de um espaço público europeu passa necessariamente pela revisão das agendas dos meios de comunicação de massa. O interesse dos cidadãos europeus nas questões que digam respeito a União Europeia é algo que precisa ainda ser despertado. Nesse sentido são as conclusões do CES – Conselho Econômico e Social de Portugal, conforme artigo 92 da Constituição Portuguesa. Veja-se: “O aparente desinteresse e a conseqüente participação limitada dos cidadãos europeus no processo de construção europeia, podem estar também relacionados com o facto de as problemáticas comunitárias estarem muitas vezes em plano secundário nas agendas dos meios de comunicação de massa, que deverão ser sensibilizados para a necessidade e a importância de ajudarem ao 33 www.koreuropa.eu
  • 14. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna Entretanto, para HABERMAS, a ideia de constituição europeia não exige necessariamente uma língua oficial36. Por exemplo, na Suíça há quatro línguas oficiais, e isso não impede que haja uma comunidade constitucional. Na Espanha a diversidade de línguas também não impede uma constituição comum, com autonomia política para as regiões-autonômas. Dessa forma, o autor defende os seguintes pré requisitos funcionais de um projeto de União Europeia, constituída democraticamente: a) a necessidade de um espaço público conjunto, construído a partir de elementos de identidade capazes de construir uma identidade comum, “una red que dé a los ciudadanos de todos los Estados miembros la misma oportunidad de tomar parte en un amplio proceso de comunicación política concreta”; b) a emergência de uma sociedade civil europeia e, por fim; c) a formação de uma cultura política que possa ser compartilhada por todos os cidadãos europeus. Tais elementos seriam diferentes daqueles da modernidade, tradicionais, como a língua e o povo37. Concorda-se com o argumento habermasiano. O conceito de cidadania precisa ser atualizado, fugir daquela visão tradicional da modernidade. Fundar uma cidadania de caráter multilateral, a qual, na opinião de BALDOMERO OLIVER LEÓN38, geraria uma relação direta dos cidadãos com a União Europeia e com as instituições comunitárias. Uma cidadania a ser reconhecida pelos ordenamentos jurídicos dos Estados Membros. Afinal, o cidadão deve ser o sujeito e fim mesmo da existência da União. A cidadania europeia é reconhecida hoje por algumas iniciativas como, por exemplo, o princípio geral de não discriminação por razão de nacionalidade, o qual assegura, mesmo que em âmbito muito limitado, a participação política nas eleições ao Parlamento Europeu39. Também nos mecanismos de âmbito local para possibilitar a votação dos residentes nas eleições autárquicas ou municipais, decorrência do estabelecido no artigo 8, B, n. 1 do Tratado da União esclarecimento das opiniões públicas. SERRA (Relator), O Futuro da Europa (estudo), Série “Estudos e Documentos”, Lisboa, 2005, p. 23. 36 HABERMAS, op. cit., p. 5-8. 37 HABERMAS, op. cit.. 38 LEÓN, El Derecho de Sufragio como Elemento Estructural de la Ciudadania Europea, in, Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 4, 2005, p. 197-218. Disponível em: http://www.ugr.es/~redce/. Acesso em 05 nov. 2010. www.koreuropa.eu
  • 15. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna Europeia, o qual aponta para a capacidade eleitoral ativa nas eleições municipais (fenômeno que já era concedido em alguns países europeus, como em Portugal)40. E, por sua vez, o direito de votar e de ser eleito para representante do Parlamento Europeu do seu país de residência 41. Mas em eleições nacionais esse problema se agrava, eis que só os nacionais têm direito a voto, mesmo residindo no estrangeiro. Porém, apenas estes mecanismos de democracia representativa são poucos para constituir uma sociedade essencialmente democrática. É preciso avançar para uma maior participação dos cidadãos nos processos políticos europeus. A proposta é a ampliação do conceito de cidadania, para todos os que vivem na Europa, independente de sua nacionalidade, possam participar das decisões comunitárias, sem suplantar a cidadania de cada Europeu em seu país. É preciso manter a ideia de identidade nacional e, ao mesmo tempo, fazer surgir a ideia de cidadania europeia, a partir dos estatutos jurídicos42. A formação dos Estados modernos do século XIX permitiu a construção de identidades nacionais, não tanto a partir da vontade dos indivíduos, mas de uma ação do poder político dirigida a esse sentido, voltada à formação de uma Nação. Porém, na União Europeia, a construção de uma identidade comum não pode ser dada da mesma forma, pois não pode 39 LEÓN, op. cit., p. 197-218. A aplicação deste artigo não tem sido muito pacífica nos países europeus. Conforme MARCELO REBELO DE SOUSA, como por exemplo o caso dos cidadãos portugueses residentes em Luxemburgo, os quais não puderam exercer o direito de participação nas eleições locais e mesmo nas eleições para o Parlamento Europeu. SOUSA, A Cidadania Europeia – Nível de Concretização dos Direitos, Possibilidade de Alargamento e suas Implicações, in PEREIRA et al, Em Torno da Revisão do Tratado da União Europeia, Coimbra, 1997, p. 123. 41 SÓNIA GODINHO ressalta que o Parlamento Europeu, órgão com funções legislativas, orçamentais, consultivas e de controle político, “é o único que goza de legitimidade democrática directa, na medida em que é eleito por sufrágio universal e directo dos cidadãos europeus. A representação dos cidadãos é feita com base num princípio de proporcionalidade degressiva com um limite mínimo de 6 deputados e um limite máximo de 96 por cada Estado, sendo que a composição máxima do PE será de 750 deputados.” Para a autora, “o reforço dos seus poderes, resultante da sua equiparação ao Conselho como órgão legislativo e orçamental (art. I-20, n. 1) e principalmente do estabelecimento do procedimento de co-decisão (processo legislativo ordinário nos termos adoptados no art. I-34, n. 1) como regra na aprovação dos actos legislativos europeus constitui um avanço indiscutível de democracia no seio da União.” Porém, a mesma autora alerta que, apesar disso, ainda subsistem decisões legislativas europeias que prescindem do acordo do Parlamento Europeu, ou que tem sua participação meramente consultiva. GODINHO, Federalismo e Constituição Europeia: será a Constituição Europeia uma Constituição Federal?, in MARTINS (Coord.), Constitucionalismo Europeu em Crise? Estudos sobre a Constituição Europeia, Lisboa, 2006. p. 54-55. 42 BALAGUER CALLEJÓN, Los Tribunales Constitucionales en el Processo de Integración Europea, in, Revista de Derecho Constitucional Europeo, 2007, n. 7. Disponível em: http://www.ugr.es/~redce/. Acesso em 05 nov. 2010. 40 www.koreuropa.eu
  • 16. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna suplantar as identidades nacionais, substituindo-as. A construção de uma identidade europeia deve ser dada a partir da ideia de cidadania e de pertencimento, de um estatuto jurídico comum43. A partir das conclusões de HABERMAS, entende-se que é preciso avançar, no sentido de criação de um espaço público europeu, uma cidadania europeia, uma unidade entre os cidadãos integrantes deste grande bloco. Nas palavras do autor “la opacidad en los procesos de toma de decisión a escala europea y la ausencia de posibilidad de participación em ellos produce desconfianza entre los ciudadanos44. É preciso constituir-se um vínculo de solidariedade entre as pessoas, uma identidade comum capaz de ser projetada em suas instituições, a fim de que se desenvolva um sentido de pertencimento e participação política pelos cidadãos ao nível de instituições européias e não, apenas, nacionais. De nada adianta falar de uma constituição europeia quando não se constrói conjuntamente um sistema democrático, um espaço em que haja um debate público sobre problemas comuns, em que sejam mediados os conflitos. A constituição não é fruto apenas de uma vontade política, nem pode, em Estados Democráticos de Direito, ser imposta. São necessárias condições políticas, culturais, jurídicas e sociais para que se permita falar de um direito constitucional comum. Talvez ainda não seja a hora de haver uma constituição europeia, eis que tais condições ainda não existem, bem como inexiste um espaço público de discussão e interrrelação pessoal entre os cidadãos europeus e seus representantes. Porém, é preciso caminhar para a criação de um espaço público de decisões fundamentais na Europa, combatendo a fragmentação da cidadania europeia nos espaços públicos estatais45. O problema da Europa hoje são as competências que deve assumir para tomar as decisões fundamentais capazes de fazer frente à globalização. E para isso precisa adotar mecanismos ágeis e rápidos de decisão, com a transferência maior de competências para as instituições europeias, a qual necessariamente deve vir unida a uma maior democratização dessas instituições, eis que o 43 BALAGUER CALLEJÓN, La Constitución Europea trás El Consejo Europeo de Bruxelas y El Tratado de Lisboa, in, Revista de Derecho Constitucional Europeo, 2007, n. 8, p. 11-41. Disponível em: http://www.ugr.es/~redce/. Acesso em 05 nov. 2010, p. 33-35. 44 HABERMAS, op. cit., p. 6. www.koreuropa.eu
  • 17. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna déficit democrático da Europa é algo bastante presente. É uma questão não só de funcionalidade e operacionalidade como também de democracia. 4. Considerações finais Frente a todas as considerações, fica clara a existência de um déficit democrático na União Europeia, provocado pelo descaso à cidadania, visto que as instituições comunitárias, por tentar subsistir a uma ordem globalmente imposta, deixam à deriva o cidadão, seus anseios e perspectivas, tornando-o uma engrenagem a mais da máquina comunitária, sendo que ele é a peça principal desta engrenagem, ou seja, o formador da sociedade. Há uma situação crescente de declínio da governabilidade tanto das democracias avançadas quanto das democracias em desenvolvimento, ocasionada pela crise fiscal e pelo processo de globalização, que desterritorializa e potencializa que novas instituições de poder, grande parte delas alheias aos estados nacionais, passem a desestruturar toda a teia institucional constituída na modernidade. A perda da governabilidade e do apoio da sociedade civil por um governo é um problema grave, senão fatal, já que a governabilidade é confundida com a legitimidade do poder, ou seja, com o apoio dos governantes perante a sociedade civil. Sabe-se que tradicionalmente, nos regimes democráticos, a governabilidade é obtida a partir dos seguintes fatores: a) da capacidade de suas instituições jurídico-políticas intermediar os interesses estatais e os interesses da sociedade civil; b) do oferecimento de medidas de responsabilização e accountability por parte dos políticos e dos burocratas em favor da sociedade; c) de uma limitação das demandas sociais e do seu atendimento pelo governo; d) da existência de um contrato social básico, nos moldes hobbesianos, capaz de garantir às sociedades atuais padrões básicos de legitimidade e governação46. Agora, é preciso avançar para uma maior governabilidade na União Europeia, aprofundando e incrementando instituições jurídico-políticas capazes de intermediar os interesses 45 BALAGUER CALLEJÓN, La Constitución, cit., p. 20. www.koreuropa.eu
  • 18. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna sempre conflitantes internos de cada país, de seus diversos grupos sociais, regiões e etnias, como também os interesses heterogêneos das nações. Aumentar o espaço de participação dos cidadãos europeus na gestão e no controle dos órgãos e instituições supranacionais. Ou seja, é preciso manter o modelo europeu de democracia, de accountability e de respeito aos direitos fundamentais, adequando-o agora para o âmbito supranacional. Há uma transformação, em que não se pode mais aplicar no processo de integração europeia modelos antigos. É preciso criar novas categorias, porque se está frente de uma nova realidade. E é necessário compreendê-la para, a partir daí elaborar estas novas categorias. Alguns afirmam que a, a partir da crise fiscal deste início de século, a Europa está em parte estagnada, e precisa encontrar formas criativas de avançar. Para PETER SLOTERDIK, está em voga a forma de transição neste novo milênio da modernidade, capaz de se chegar a “uma nova criação de forma política, para lá do Império – acima do Império – acima dos Estados-nação -, e então uma coisa se torna clara: a política do futuro depende em larga medida de uma modernização da função visionária ou profética da inteligência”47. Para fazer frente às novas demandas, é preciso aumentar o poder político, o âmbito de competência da União Europeia, bem como encontrar novas formas de participação cidadã e accountability de seus representantes, com vistas a superar o déficit democrático dos órgãos comunitários. Esta é a única saída para os Estados europeus manterem seu sistema de vida e sua cultura constitucional e política, com a garantia dos direitos fundamentais, em especial dos direitos sociais. Nesse contexto há de interpretar-se a cidadania europeia paralela à cidadania dos Estadosmembros e desta dependente, pois os direitos que a integram serão reconhecidos automaticamente a quem for nacional de um Estado-membro. Nas palavras de MARCELO REBELO DE SOUSA, “o acolhimento dos direitos políticos dos cidadãos europeus, bem como do próprio 46 PEREIRA, A reforma do estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle, Brasília, 1997, p. 45-46. SLOTERDIK, Se a Europa Acordar. Reflexões sobre o programa duma potência mundial no termo de sua ausência política, Trad. de MANUEL RESENDE, Lisboa, 2008, p. 51. 47 www.koreuropa.eu
  • 19. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna conceito de cidadania europeia, representa um passo na evolução do Direito Comunitário e de todo o processo de integração europeia”48. Logo, a democratização da União Europeia reclama instituições políticas capazes de representar e/ou intermediar interesses entre instituições europeias e sociedade civil, canais de ligação entre a representação e a cidadania, a fim de proporcionar uma relação dialógica entre os atores envolvidos e decisões mais afinadas com o interesse público. Sabe-se que o desafio de consolidação da democracia e o seu aprendizado é um caminho árduo e tortuoso, a ser conquistado dia após dia. No dizer de CLAUDE LEFORD, seguido por MARILENA CHAUÍ, democracia é uma constante invenção, a ser inventada no cotidiano, criandose novos direitos e reafirmando-se os já estabelecidos, reinstituindo-se o social e o político. Tem um caráter aberto e subversivo, questionando suas instituições e se recriando a todo o momento49. Devido a tais fatores, novas alternativas devem ser buscadas para reformular o atual quadro social. A cidadania deve sofrer uma renovação em sua configuração clássica, atrelada ao Estado Nacional. Deverá estar assentada em critérios democráticos de participação política que não a confine apenas na representação e no ato de votar, tanto nas instituições nacionais como comunitárias. Implica, portanto, em uma articulação entre democracia participativa e representativa, sendo que para esta ser possível, é necessário que o cenário político comunitário e nacional seja redefinido e ampliado. Uma das razões fundamentais da sedução que a noção de uma nova cidadania europeia exerce hoje em dia é a possibilidade de que ela traga respostas aos desafios deixados pelo fracasso tanto de concepções teóricas, como de estratégias políticas que não foram capazes de articular essa multiplicidade de dimensões que, nas sociedades contemporâneas, integram hoje a busca de uma vida melhor. Dessa capacidade de articular os múltiplos campos onde se trava hoje 48 SOUSA, op. cit., p. 128. LEFORT, A invenção democrática: os limites do totalitarismo, São Paulo, 1983; CHAUÍ, Cultura e democracia, 7. ed., São Paulo, 1997, p. 209. 49 www.koreuropa.eu
  • 20. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna a luta pela construção da democracia e pelo seu aprofundamento, depende o futuro da nova cidadania europeia enquanto estratégia política, social e econômica. www.koreuropa.eu
  • 21. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna 5. Referências Bibliográficas BATISTA JÚNIOR, O Consenso de Washington: A Visão Neoliberal dos Problemas LatinoAmericanos, 2. ed., São Paulo, 1994 BEDIN, Estado, Cidadania e Globalização do Mundo: Algumas Reflexões e Possíveis Desdobramentos, in OLIVEIRA, ODETE MARIA DE (coord.), Relações Internacionais e Globalização, Ijuí, 1997 BERUTTI, FARIA, MARQUES, História, Vol. 3, Belo Horizonte, 1993 BOBBIO, Direito e Estado no Pensamento de Emanuel Kant, 3ª ed. São Paulo, 2000 BALAGUER CALLEJÓN, La Constitución Europea trás El Consejo Europeo de Bruxelas y El Tratado de Lisboa. Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 8, 2007, p. 11-41 BALAGUER CALLEJÓN, Los Tribunales Constitucionales en el Proceso de Integración Europea. Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 7, 2007 CHAUÍ, Cultura e democracia, 7. ed., São Paulo, 1997 CHOSSUDOVSKY, MICHEL. A Globalização da Pobreza: Impactos das Reformas do FMI e do Banco Mundial. Tradução por MARYLENE PINTO MICHAEL. 1. ed. São Paulo: Moderna, [s.d.] COMPARATO, A Nova Cidadania, São Paulo, n. 28/29, 1993, p. 85-106 SILVEIRA, CLÁUDIA MARIA TOLEDO. Cidadania. http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=78 Acesso mar. 2012 Disponível em: DAGNINO, Anos 90: Política e Sociedade no Brasil, São Paulo, 1994 GODINHO, Federalismo e Constituição Europeia: será a Constituição Europeia uma Constituição Federal?, in MARTINS, ANA MARIA GUERRA (Coord.), Constitucionalismo Europeu em Crise? Estudos sobre a Constituição Europeia, Lisboa, 2006 GOULART, Sociedade e Estado, in ROCHA, LEONEL SEVERO (org), Teoria do Direito e do Estado. Porto Alegre, 1994 GRIMM, DIETER, Constituição e Política, Tradução de GERALDO DE CARVALHO, 2006 HABERMAS, JÜRGEN. Por qué Europa necesita uma Constitución, in Revista Bimestral de Pensamiento Social. La Factoría, n. 25-26, 2005. p. 1-11 PERNICE, Multilevel Constitutionalism and the Treaty of Amsterdam: European ConstitutionMaking revisited?, in Common Market Law Review, n. 36, 1999 LEFORT, A invenção democrática: os limites do totalitarismo, São Paulo, 1983 www.koreuropa.eu
  • 22. Rivista elettronica del Centro di Documentazione Europea dell’Università Kore di Enna OLIVIER LEÓN, El Derecho de Sufragio como Elemento Estructural de la Ciudadania Europea, in Revista de Derecho Constitucional Europeo, n. 4, 2005, p. 197-218 MELLO, Curso de Direito Internacional Público, Vol. I, 11ª ed. Rio de Janeiro, 1997 NASCIMENTO, Lições de História do Direito, 3ª ed. Rio de Janeiro, 1984 PEREIRA, A reforma do estado nos anos 90: lógica e mecanismos de controle, Brasília, 1997 SERRA, (Relator). O Futuro da Europa (estudo). Série “Estudos e Documentos”. Lisboa, 2005 SLOTERDIK, Se a Europa Acordar. Reflexões sobre o programa duma potência mundial no termo de sua ausência política, Trad. de MANUEL RESENDE, Lisboa, 2008 SOUSA, A Cidadania Europeia – Nível de Concretização dos Direitos, Possibilidade de Alargamento e suas Implicações, in PEREIRA, et al. Em Torno da Revisão do Tratado da União Europeia, Coimbra, 1997 WOLKMER, Pluralismo Jurídico, 3ª ed. São Paulo, 2001 www.koreuropa.eu