Contrato de obras habitacionais no Tribunal de Contas de SP é julgado irregular
1. TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO
Gabinete do Conselheiro Dimas Eduardo Ramalho
TRIBUNAL PLENO - SESSÃO: 20/03/13 – ITEM: 015
RECURSO ORDINÁRIO
15 TC-026118/026/08
Recorrente(s): Prefeitura Municipal Guarulhos.
Assunto: Contrato entre a Prefeitura Municipal Guarulhos e Etemp
Engenharia Indústria e Comércio Ltda., objetivando a execução das
obras de implantação de empreendimento habitacional, infraestrutura
urbana e obras complementares, nos bairros de Pimentas/Cumbica.
Responsável(is): João Marques Luiz Neto (Secretário de Obras e
Serviços Públicos).
Em Julgamento: Recurso(s) Ordinário(s) interposto(s) contra o
acórdão da E. Segunda Câmara, que julgou irregulares a concorrência
e o contrato, bem como ilegais os atos determinativos das despesas,
acionando o disposto no artigo 2º, incisos XV e XXVII, da Lei
Complementar nº 709/93, aplicando ao responsável, pena de multa
no valor equivalente a 300 UFESP’s, nos termos do artigo 104, inciso
II, da mencionada Lei. Acórdão publicado no D.O.E. de 08-05-12.
Advogado(s): Alberto Barbella Saba e outros.
Fiscalização atual: GDF-8 – DSF-I.
1. RELATÓRIO
1.1 Trata-se de recurso ordinário interposto pelo
MUNICÍPIO DE GUARULHOS, em razão da decisão da E. Segunda
Câmara de 10/04/12 (matéria relatada pelo e. Conselheiro Robson
Marinho - voto às fls. 1286/1289), cujo acórdão foi publicado em
08/05/2012 (f. 1291), no sentido da irregularidade da licitação e do
contrato1 celebrado pela Municipalidade com a empresa ETEMP
Engenharia, Indústria e Comércio Ltda., objetivando a execução de
obras de implantação do empreendimento habitacional, infraestrutura
urbana e obras complementares, nos bairros dos Pimentas e
Cumbica.
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Contrato de 08/02/08 – R$ 37.281.728,69.
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1.2 Consoante referida decisão, as justificativas ofertadas
pela origem não lograram afastar o rol de desacertos e exigências
descabidas inseridas no edital, compreendendo: o item 3.1.1 “a”,
contrário à Súmula nº 30 desta Corte de Contas, relativo à prova de
quitação da entidade de classe; o item 3.1.1 “b.1”, que impôs que
os atestados de qualificação técnica necessariamente teriam de estar
acompanhados da respectiva CAT; o item 3.1.1 “b.2”, que impôs o
máximo de 02 (dois) atestados distintos para comprovar a
capacidade técnica, sem prever a somatória; o item 3. 1.4 “c”, que
exigiu da licitante, quando prestada a garantia na modalidade fiança
bancária, expressa renúncia ao benefício de ordem disposto no art.
827 do Código Civil.
1.3 Irresignado com o julgamento de irregularidade da
licitação e do contrato, bem como da ilegalidade dos atos
determinativos das respectivas despesas, o Município de Guarulhos
interpôs o presente recurso ordinário (fls. 1292/1308), ao
argumento central de que as imposições opostas pelo Edital
justificaram-se em vista do objeto da Licitação, qual seja,
“escolha de empresa apta a executar obras de implantação de
empreendimentos habitacionais, infraestrutura urbana e
complementares nos bairros Pimenta e Cumbica, (...) distritos
estes extremamente populosos e carentes” (f. 1294).
Assevera que o Município buscou “assegurar-se de que a
vencedora do certame tivesse todas as condições técnicas e
operacionais à plena execução de obras de tão grande magnitude” (f.
1295), que implicariam ao fim, “a alteração urbanística e social de
áreas densamente populosas e carentes” (f. 1296).
Neste sentido, o item 3.1.1 “a” estaria em conformidade
com os artigos 67 a 69 da Lei nº 5.194/66, que exigem a quitação
com as entidades de classe para admissão nas concorrências públicas
destinadas às obras ou serviços técnicos.
Quanto à exigência do item 3.1.1 “b.1” do Edital,
assegura que a conjugação dos atestados de qualificação técnica com
respectiva Certidão de Acervo Técnico (CAT) atenderia ao art. 30,
§1º, da Lei nº 8.666/93, eis que “a qualificação técnica operacional é
um requisito referente à empresa que alvitra executar a obra ou
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serviço licitados, enquanto que a qualificação profissional é requisito
que se relaciona às pessoas físicas que prestam serviços à empresa
licitante” (f. 1299). Sendo assim, seriam “interdependentes”,
portanto cumuláveis.
Com relação ao item 3.1.1 “b.2”, alega que não teria o
edital “proibido o somatório” dos atestados, embora não tivesse
previsto. Ainda assim, não houve notícia de empresa eliminada por
este requisito.
Por fim, com referência ao item 3.1.4 “c”, ressalta que,
ao prever que a garantia na modalidade fiança importaria renúncia ao
benefício de ordem, a Administração não teria imposto ônus ao
licitante, que disporia ainda de outra forma de garantia a ofertar.
Com o pedido de reforma do julgado pela regularidade,
pede a exclusão da multa aplicada ao responsável, ou ao menos a
sua diminuição em face do princípio da proporcionalidade.
1.4 Uma vez acompanhados de documentos, o recurso foi
remetido à ATJ para regular manifestação, prestada às fls.
1327/1330, pelo não provimento da medida, eis que incapaz de
sanar as falhas que conduziram ao julgamento de irregularidade.
1.5 Em semelhante trilha opinou a SDG (fls. 1336/1338),
pugnando pela manutenção integral da decisão combatida.
É o relatório.
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2. VOTO PRELIMINAR:
O v. acórdão recorrido foi publicado no DOE de
08/05/2012, e o recurso protocolizado em 23/05/2012, evidenciando-
se tempestivo.
Satisfeitos os demais pressupostos de sua
admissibilidade, e inexistentes quaisquer dos vícios tratados no art.
138 do Regimento Interno, conheço do recurso ordinário.
3. VOTO DE MÉRITO:
As razões recursais em exame cuidam de reforçar a
defesa prestada no curso da instrução processual, sem, contudo,
ofertar elementos novos ou de força suficiente à reversão da decisão
combatida.
Com efeito, o exame dos itens editalícios que
compuseram o fundamento da decisão de irregularidade apontam,
inequivocamente, para o rigor excessivo dos requisitos impostos à
participação no certame, contrários às normas de regência (Lei nº
8.666/93), princípios constitucionais e Súmulas desta Corte de
Contas.
O item 3.1.1 “a”, ao exigir quitação da pessoa jurídica
junto ao Conselho de Classe – CREA como condição para participação
configurou restrição excessiva não prevista na Lei de Licitações, em
expressa contrariedade à Súmula nº 28 desta Casa, verbis:
SÚMULA Nº 28 - Em procedimento licitatório, é vedada a
exigência de comprovação de quitação de anuidade junto
a entidades de classe como condição de participação.
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A Súmula não vai de encontro com os artigos 67 a 69 da
Lei nº 5.194/66, como faz crer o recorrente. Antes disso, posta-se
em consonância com os princípios constitucionais que norteiam a
ampla participação em busca da melhor oferta à Administração
Pública, expressamente consolidados na Constituição Republicana de
1988 e na Lei nº 8.666/93.
A recepção do texto dos artigos 67/69 da Lei nº 5.194/66
frente à (não tão) nova realidade Constitucional e normativa da
Licitação atende ao momento contratual há muito é rechaçada pelos
Tribunais Superiores pátrios, consoante se observa:
ADMINISTRATIVO. CONCORRÊNCIA PÚBLICA. EDITAL.
CONSTRUÇÃO DO AÇUDE PÚBLICO CASTANHÃO-CE.
DECRETOS-LEIS NRS. 200/67, 2300/86, 2348 E
2360/87. ART. 69 DA LEI N. 5194/66.
- AO INVALIDAR O PROCESSO LICITATÓRIO, SOB O
FUNDAMENTO DE QUE NÃO SE EXIGIU DOS LICITANTES
O CUMPRIMENTO DA EXIGÊNCIA PREVISTA NO
ART. 69, DA LEI 5194/66, O ACORDÃO RECORRIDO
APLICOU A ESPÉCIE NORMA LEGAL JÁ REVOGADA
POR LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE, NORMA ESSA,
ALIÁS, INCOMPATÍVEL COM A REGRA DO ART. 37,
XXI, PARTE FINAL, DA CONSTITUIÇÃO DE 1988.
- PROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELA
CONSTRUTORA ANDRADE GUTIERREZ (LETRA “A”),
PREJUDICADOS OS DEMAIS. (REsp 11.937/CE, Rel.
Ministro AMÉRICO LUZ, SEGUNDA TURMA, julgado em
09/10/1991, DJ 25/11/1991, p. 17052)
Inquestionável a validade da Súmula, assim como
cristalina a afronta do item 3.1.1 “a”, não há o que ser reformado
neste ponto.
No mesmo sentido, equivoca-se o recorrente de que a
exigência de Certidão de Acervo Técnico pode ser exigida, como se
requisitos indissociáveis fossem, dos Atestados de Qualificação
Técnica.
Como bem asseverou a SDG na manifestação pretérita
(prévia à decisão recorrida), os instrumentos são distintos, sendo um
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afeito à capacidade da Empresa, outro do profissional (intuito
personae) que demonstrará a expertise para prestação do serviço.
Por óbvio, e não por acaso, os requisitos não estão
previstos conjuntamente na Lei nº 8.666/93 justamente pela
natureza distinta, possibilidade de demonstrações individuais sem
qualquer prejuízo ao interesse público e pela absoluta liberdade entre
trabalhador e empresa, o que significa dizer que não será aquele
obrigado a estar vinculado à empresa até o término do contrato,
podendo ser substituído por outro de igual capacidade.
Neste sentido, cito:
Merece reparo a parte do edital que cuida da qualificação
técnica. É pacífica a jurisprudência deste Tribunal no
sentido de que é descabida a exigência de que os
atestados de comprovação de capacidade de qualificação
operacional venham acompanhados da respectiva
Certidão de Acervo Técnico (CAT). Também descabida a
exigência de declaração do profissional que será o
responsável pela execução dos serviços, uma vez que
extrapola os limites da Lei 8666/93. (TC-
000541/006/10, Relator Conselheiro Antônio Roque
Citadini. Decisão proferida em 26/05/2010, publicada em
01/06/2010).
Nada a corrigir quanto ao decidido sobre o item 3.1.1
“b.1”, portanto.
As razões quanto ao item 3.1.1 “b.2” são insuficientes
ao convencimento de limitação pelo baixo número de contratos – dois
– a fim de comprovação de experiência técnica.
Em primeiro lugar, a instrução processual demonstrou
que o objeto do edital não demanda complexidade extraordinária.
Embora os empreendimentos habitacionais e de infraestrutura
possam ser classificados como “de grande porte”, “volume” não é
significado de “complexidade”.
Ao contrário, o próprio Edital revela tratar-se de obras de
engenharia comuns à construção civil, alvos de constantes licitações,
não se justificando, a teor do art. 30, §1º da Lei nº 8.666/93, a
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desarrazoada quantidade de contratos (dois) para atestar a
capacidade.
Ademais, o argumento da defesa de que a inexistência de
previsão de somatório não impediria que assim se procedesse, atenta
contra o basilar princípio da legalidade, além de consubstanciar
verdadeira confissão de dubiedade do Instrumento Convocatório.
À parte essa observação, se bem verdade de que a
possibilidade de somatório deveria estar expressa, não menos
verdade de que a limitação ao número de dois contratos
representaria pouco alargamento na competitividade já bastante
limada pelo Edital.
Ao exame desta índole de restrição não se faz
imprescindível que haja dano ao particular ou à Administração,
bastando que, com fundamento nas regras e princípios de Licitação,
associados ao objeto do certame, se vislumbrem restrições indevidas.
Ainda que assim não fosse, comparativo entre o número
de interessados que retiraram o Edital (72), e os que apresentaram
propostas (08), são suficientes para atestar a ilegalidade da
exigência.
Por fim, o item 3.1.4 “c” do Edital, ao impor ao licitante
a renúncia ao benefício de ordem disposto no art. 827 do Código Civil
no caso de a garantia ter sido prestada por fiança bancária evidencia
verdadeiro benefício infundado de caixa à Administração, em prejuízo
do licitante.
Registro severa reprimenda ao argumento de que,
dispondo o interessado de outra modalidade de garantia, a opção
pela fiança bancária com renúncia de benefício de ordem constituiria
espécie de ônus, como sustentado no recurso.
O argumento, além de não justificar o porquê da
disposição da renúncia do benefício de ordem no Edital, ainda
chancela verdadeira ofensa ao princípio da isonomia, ao impor ônus
àquele participante que porventura só pudesse oferecer esta
qualidade de garantia.
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Por todo o exposto, acolhendo manifestação de SDG, voto
pelo não provimento do recurso ordinário, mantendo-se a
decisão combatida pelos seus próprios e legítimos
fundamentos.
DIMAS EDUARDO RAMALHO
CONSELHEIRO
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