1. Fibrose pulmonar idiopática - Recomendações das sociedades
americana, europeia, japonesa e latino-americana de
pneumologia - Parte 1: Diagnóstico
Liberado/Revisado
FONTE:
http://www.pneumoatual.com.br/secao/boletim/boletimExpressoExibe.aspx?idAssunto=258&
idBoletim=260#
Introdução
A condução da fibrose pulmonar idiopática (FPI) constituiu-se em um desafio para o pneumologista e demais profissionais
envolvidos tanto em relação ao diagnóstico, quanto em relação ao tratamento. Trata-se de uma doença que não é muito
frequente, fazendo com que cada profissional individualmente, exceto em centros de referência, tenha experiência limitada em
FPI; mas tampouco é uma raridade, o que torna necessário o conhecimento sobre a mesma para identificação e tratamento
correto dos pacientes acometidos.
Definição
Essas diretrizes definem a FPI como uma forma específica, crônica e progressiva de pneumonia intersticial fibrosante, de
etiologia desconhecida, que acomete primariamente pacientes mais idosos, limitada aos pulmões e associada a padrão
histopatológico e/ou radiográfico de pneumonia intersticial usual (UIP). A definição de FPI requer a exclusão de outras formas
de pneumonia intersticial, como as idiopáticas, as associadas a exposições ambientais ou a medicamentos ou a doenças
sistêmicas.
Entre os diferentes aspectos desta definição descritiva, destacamos dois:
• A FPI é uma doença específica e não uma denominação genérica às doenças pulmonares fibrosantes e sem causa
definida;
• A FPI pode ser definida a partir de dados clínicos e de tomografia computadoriza, sem a obrigatoriedade de
comprovação histopatológica, embora esta seja necessária em determinados casos.
Outro dado interessante comentado no consenso é que, embora sem etiologia definida, a FPI apresenta fatores de risco, com
destaque para:
• Tabagismo: há forte associação com FPI, sobretudo quando a carga tabágica é superior a 20 anos/maço;
• Exposição ambiental: a poeiras minerais (metais, quebra ou polimento de pedras), a substâncias orgânicas (poeira de
madeira, criação de pássaros, atividades agrícolas ou pecuárias);
• Infecções virais: sobretudo Epstein-Barr e vírus da hepatite C;
• Refluxo gastroesofágico: muitas vezes clinicamente inaparente (assintomático ou sem os sintomas clássicos), e que
pode ser alcalino, portanto não detectado na pH-metria;
• Fatores genéticos: existe a forma familiar de FPI, responsável por aproximadamente 5% dos casos, definida pela
presença de 2 ou mais casos na mesma família biológica. Embora não se tenha a definição sobre a localização do(s)
gene(s) envolvido(s) e de seus comportamentos biológicos, a transmissão parece ser autossômica dominante com
níveis variáveis de penetração. Os casos esporádicos, ou seja, não familiares, também podem ter fatores genéticos
envolvidos, mas ainda são necessários estudos para maiores esclarecimentos.
Apresentação clínica e prognóstico
2. O quadro típico da FPI inclui a presença de dispneia crônica, comumente acompanhada de tosse, crepitações inspiratórias nas
bases e baqueteamento digital. É mais comum o aparecimento entre as sexta e sétima décadas, o sexo masculino é mais
frequentemente acometido e, como já comentado, a maior parte dos pacientes tem história de tabagismo.
Neste documento, os autores chamam a atenção de que, embora classicamente a FPI seja descrita como uma condição
lentamente progressiva, com piora clínica e funcional ao longo de meses ou anos, outras evoluções têm sido observadas: alguns
pacientes mantêm-se estáveis por anos, outros apresentam declínio acelerado ou até mesmo episódios agudos de piora
(exacerbações, que ocorrem em 5-10% dos pacientes). Não está claro se essas evoluções representam comportamentos
diferentes da doença em si ou se são influenciados por fatores externos, como tabagismo, presença de co-morbidades (ex.
enfisema ou hipertensão pulmonar), exposições ambientais, entre outros.
Outra mudança destacada nessas diretrizes diz respeito à sobrevida média na FPI, que vinha sendo descrita como sendo entre 2
e 3 anos a partir do diagnóstico, com base em estudos longitudinais e retrospectivos mais antigos. A partir de estudos
prospectivos, que provavelmente recrutaram pacientes com diagnóstico mais precoce e, portanto, funcionalmente melhores,
têm-se notado maior sobrevida.
As diretrizes comentam ainda os fatores associados a melhor ou pior prognóstico na FPI, dentre os quais se destacam:
• Idade e sexo: alguns estudos (não todos) mostram pior prognóstico entre pacientes mais idosos e masculinos;
• Dispneia: tem valor prognóstico quando avaliada por diferentes escalas, sendo importante não só sua intensidade em
determinado momento, mas também sua evolução;
• Dados funcionais:
o Difusão do monóxido de carbono: (DLCO): talvez o melhor preditor funcional de mortalidade na avaliação
basal, sendo o ponto de corte 40% do valor predito (valores menores associam-se a maior risco de óbito). A
redução posterior da DLCO também indica pior prognóstico;
o CVF: seu valor basal tem pouca implicação prognóstica, mas sua redução (5-10%) em 6 e 12 meses
associa-se a menor sobrevida;
o P(A-a)O2: seu valor basal tem pouca implicação prognóstica, mas seu aumento em mais de 15 mmHg em
12 meses associa-se a menor sobrevida.
• TC de alta resolução: a extensão das áreas de fibrose e de faveolamento correlacionam-se com a mortalidade;
• Teste de caminhada: resultados pouco validados como fatores prognósticos na FPI;
• Presença de hipertensão pulmonar: >25 mmHg em repouso, medida por cateterismo cardíaco, associa-se a maior
risco de óbito;
• Estudos têm tentado identificar marcadores séricos e de lavado broncoalveolar de prognóstico na FPI, mas os dados
ainda são inconsistentes e os exames indisponíveis na prática.
Diagnóstico
Essas diretrizes tiveram grande preocupação na padronização do diagnóstico de FPI. Embora os dados de história e exame físico
sejam muito relevantes, sobretudo para levantar a suspeita de que há acometimento intersticial pulmonar, a definição
diagnóstica de FPI hoje baseia-se em três pilares, embora um deles possa estar eventualmente ausente:
• exclusão de outras causas de doença intersticial pulmonar;
• tomografia computadorizada de tórax de alta resolução (TCAR);
• biópsia pulmonar cirúrgica.
Tomografia computadorizada de alta resolução (TCAR)
A TCAR é exame crucial no diagnóstico de FPI e seus achados podem ser classificados em: padrão de UIP, padrão de possível
UIP e padrão inconsistente com UIP (tabela 1). O padrão de UIP tem elevada acurácia diagnóstica para FPI e, em conjunto com
a clínica e afastadas outras causas, dispensa a biópsia pulmonar. Os demais padrões frequentemente levam a indicação de
3. biópsia, que pode mostrar padrão histopatológico de UIP ou determinar outros diagnósticos.
Tabela 1. Critérios para padrão de UIP na TCAR
Padrão de UIP – Todos os 4 critérios são necessários
• Predominância nas bases e regiões subpleurais;
• Anormalidades reticulares;
• Faveolamento com ou sem bronquiectasias de tração;
• Ausência de todos os 7 critérios inconsistentes com o padrão de UIP (última linha).
Padrão de possível UIP – Todos os 3 critérios são necessários
• Predominância nas bases e regiões subpleurais;
• Anormalidades reticulares;
• Ausência de todos os 7 critérios inconsistentes com o padrão de UIP (última linha).
Padrão inconsistente com UIP – Presença de pelo menos 1 dos 7 critérios
• Predomínio em porções superiores ou médias;
• Predomínio peribroncovascular;
• Alterações em vidro fosco extensas (extensão maior que a das alterações reticulares);
• Micronódulos profusos (bilaterais, predominando em lobos superiores);
• Cistos discretos (múltiplos, bilaterais, fora das áreas de faveolamento);
• Áreas difusas de atenuação em mosaico/aprisionamento aéreo (bilateral, em 3 ou mais lobos);
• Consolidação em segmentos/lobos broncopulmonares.
Biópsia pulmonar
A biópsia pulmonar cirúrgica (e não a transbrônquica) é ferramenta importante no diagnóstico de FPI, embora seja dispensável
caso, após a suspeita inicial, outras hipóteses sejam descartadas e a TCAR mostre padrão de UIP. De forma prática, as diretrizes
sugerem que os achados histopatológicos sejam interpretados e classificados dentro de 4 padrões: padrão de UIP, UIP provável,
UIP possível e padrão de não UIP (tabela 2).
Tabela 2. Critérios histopatológicos para padrão de UIP
Padrão de UIP – Todos os 4 critérios são necessários
• Evidência de marcada fibrose/distorção da arquitetura, associada ou não a faveolamento, com distribuição
preferencialmente nas regiões subpleural e paraseptal;
• Envolvimento não uniforme do parênquima pulmonar pela fibrose;
• Presença de focos fibroblásticos;
• Ausência de todos os 6 critérios que falam contra UIP e sugerem diagnóstico alternativo (descritos na última
linha).
Padrão de provável UIP – Todos os 3 critérios são necessários
• Evidência de marcada fibrose/distorção da arquitetura, associada ou não a faveolamento;
• Ausência de envolvimento não uniforme ou de focos fibroblásticos, mas não de ambos;
4. • Ausência de todos os 6 critérios que falam contra UIP e sugerem diagnóstico alternativo.
ou
• Apenas alterações de faveolamento (provavelmente sugere pulmão em estágio terminal na área biopsiada, o
que deve ser evitado escolhendo o local com base na TCAR ou biopsiando-se mais de um local).
Padrão de possível UIP – Todos os 3 critérios são necessários
• Envolvimento não uniforme ou difuso do parênquima pulmonar por fibrose, com ou sem inflamação
intersticial;
• Ausência de outro critério para UIP (listados na primeira linha);
• Ausência de todos os 6 critérios que falam contra UIP e sugerem diagnóstico alternativo.
Padrão de não UIP – Presença de pelo menos 1 dos 7 critérios
• Membrana hialina (pode ocorrer nas exacerbações);
• Pneumonia em organização (pode ocorrer nas exacerbações ou coexistir em pequenas extensões com outros
achados predominantes de UIP);
• Granuloma (pode coexistir em pequenas extensões com outros achados predominantes de UIP);
• Marcado infiltrado celular inflamatório intersticial fora das áreas de faveolamento;
• Alterações centradas nas vias aéreas;
• Outros achados sugestivos de outros diagnósticos.
Exclusão de outros diagnósticos
O terceiro pilar para o diagnóstico de FPI é a exclusão de outras possibilidades, que se inicia com história e exame físico focados
em co-morbidades e manifestações de doenças sistêmicas, exposições ambientais (ocupacionais, domésticas, de lazer), história
familiar. Em relação aos exames complementares, os seguintes comentários são feitos pelas diretrizes:
• Lavado broncoalveolar: em relação à análise celular, sua principal aplicação é na suspeita de pneumonia de
hipersensibilidade, situação em que há linfocitose no lavado (>40%). Não está indicado na maioria dos casos, mas
pode ser útil em casos isolados. Pode ser ainda considerado em relação a pesquisa de microrganismos e células
neoplásicas, na vigência dessas hipóteses;
• Biópsia transbrônquica: pode ser útil para o diagnóstico de doenças granulomatosas, como a sarcoidose, mas que
habitualmente já foram descartadas pelo aspecto da TCAR. Não está indicada na grande maioria dos casos;
• Sorologias para colagenoses: pelo fato do acometimento pulmonar poder preceder as demais manifestações na
colagenose e ele poder se apresentar na forma de UIP, exames sorológicos de rastreio estão indicados (fator
reumatoide, CCP – anticorpos contra peptídeo citrulinado cíclico, FAN – fator antinúcleo, título e padrão). Além disso
são minimamente invasivos e relativamente baratos.
Observação: embora não mencionado nas diretrizes, em nosso meio temos o hábito de solicitar a sorologia para
paracoccidioidomicose, por sua alta prevalência em nosso meio e pelas variadas formas de apresentação que podem gerar
confusões diagnósticas.
Interpretação dos achados para o diagnóstico
Quando, afastadas outras possibilidades, os achados de TCAR identificam padrão de UIP, o diagnóstico de FPI está feito e não
há necessidade de biópisa. Quando a biópsia é feita e seus achados são concordantes com os da TCAR, ou para fechar o
diagnóstico de FPI ou para excluí-lo, também não há dificuldades. Quando, entretanto, os achados são discordantes, o ideal é
5. que uma equipe multiprofissional (pneumologista, radiologista e cirurgião) com experiência em FPI discuta e estabeleça um
resultado final. A tabela 3 mostra as principais possibilidades de interações entre os achados tomográficos e histopatológicos.
Tabela 3. Diagnóstico de FPI – combinações entre achados de TCAR e histopatológicos
Padrão da TCAR Padrão histopatológico Diagnóstico de FPI?
UIP
Provável UIP
Possível UIP
UIP Sim
Fibrose não classificável*
Não UIP Não
UIP
Sim
Provável UIP
UIP possível Possível UIP
Provável
Fibrose não classificável
Não UIP Não
UIP Possível
Provável UIP
Inconsistente com UIP
Possível UIP
Não
Fibrose não classificável
Não UIP
*- biópsias que revelam padrão de fibrose que não preenchem os critérios de UIP ou de outras pneumonias intersticiais
idiopáticas.
No próximo boletim discutiremos as principais recomendações das diretrizes em relação ao tratamento da FPI.
Leitura recomendada
Raghu G et al. An official ATS/ERS/JRS/ALAT statement: idiopathic pulmonary fibrosis: evidence-based guidelines for diagnosis
and management. Am J Respir Crit Care Med; 2011;183:788-824.