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Ética da vingança, perdão, arrependimento e Justiça
Flavio Farah*


Ética da vingança

Simplificadamente, vingança é a ação que um indivíduo – chamado vítima – realiza contra outro in-
divíduo – chamado agressor – em resposta a uma ação inicial do agressor que a vítima percebeu co-
mo tendo-lhe causado dano. Antes de discutir a moralidade da vingança, porém, é conveniente fazer
dois esclarecimentos: a) a vingança não é uma doença e o perdão não é sua cura. Tanto a vingança
como o perdão fazem parte da natureza humana, constituindo padrões naturais de comportamento;1
b) vingança não é algo terrível que só pode ser concebido por pessoas sem escrúpulos. Como conse-
quência, discutir a Ética da vingança é perfeitamente aceitável, pois existem argumentos razoáveis
tanto contrários como favoráveis ao ato de se vingar.

Posições contrárias

Os que pensam que a vingança é antiética argumentam que “dois erros não fazem um acerto” e que
não devemos buscar a desforra pessoal, mas deixar que terceiros julguem o agressor de modo im-
parcial. Argumentam que a vingança é errada porque quem busca vingança tem interesse pessoal no
assunto e objetivos essencialmente destrutivos. Por essa razão, a vítima tende a exagerar na vingan-
ça. O melhor é deixar que o agressor seja julgado por um sistema de justiça imparcial. Aceitam, to-
davia, a vingança, quando o sistema de justiça não existe ou é ineficaz, pois, nesse caso, uma puni-
ção exagerada da vítima contra o agressor é melhor do que nenhuma punição.2

Aqueles que condenam a vingança afirmam que, na vida real, suas consequências quase sempre são
a violência, o crime e a guerra. Sustentam que, frequentemente, costuma-se confundir vingança com
restituição da honra, ou mesmo com Justiça, e que isto é um engano. Para que uma punição seja jus-
ta é preciso que sua execução não tenha origem em sentimentos privados, mas sim, executada por
instituições públicas legítimas, reconhecidas legalmente pela sociedade civil. Como diz Miguel de
Cervantes, criador de Dom Quixote: “Não há vingança justa”.3

Posições favoráveis

Do lado oposto, muitos acreditam que a vingança é necessária para se manter uma sociedade justa.
Às vezes, o bem da sociedade exige que causemos dano a um de seus membros a fim de puni-lo e
desestimular comportamentos antiéticos. Essa prática faz parte de nossa noção de Justiça que, entre
outras coisas, inclui o dever de evitar que as pessoas se sintam tentadas a obter benefícios de forma
antiética às custas dos outros. Existem muitas infrações de pequena gravidade que não são punidas
pela Lei. Em tais condições, a vingança seria uma resposta razoável a essas infrações, desde que a
intensidade da retaliação seja igual à da agressão.4

O ressentimento surge para defender três valores: auto-respeito, autodefesa e respeito pela ordem
moral. A pessoa que nunca se ressente seja qual for a ofensa pode ser um santo. Mas a falta de res-
sentimento também pode ser indício de uma personalidade servil, sem respeito por seus direitos e
por sua condição de indivíduo livre e moralmente respeitável.5
Ética

Para se analisar a moralidade da vingança é preciso ter em mente alguns conceitos básicos de Ética,
bem como dispor de um critério geral de moralidade.

Juízos morais

No decorrer de sua, vida os indivíduos escolhem uma dentre várias alternativas de ação ou decidem
entre fazer ou não fazer algo. Posteriormente, outros julgarão essa conduta e formularão julgamen-
tos como os seguintes: “Ele agiu certo” ou “Ela não devia ter feito isso”. Esse tipo de julgamento
recebe o nome de juízo ou julgamento moral. Os juízos morais avaliam ações do ponto de vista do
certo e do errado, do bem e do mal, expressando aprovação ou reprovação de uma conduta ocorrida
anteriormente. Nem todas as ações humanas, porém, podem ser avaliadas de um ponto de vista mo-
ral. Por exemplo, o ato de ir ao cinema, em princípio, não tem conteudo ético. Esse ato pode ser
considerado prazeroso ou desagradável para a pessoa que o pratica mas não pode ser julgado como
certo ou errado por ser uma conduta estritamente individual, cujo efeito se esgota no âmbito do pró-
prio agente. Estão sujeitos a julgamento moral, portanto, apenas os atos de um indivíduo que afetam
outras pessoas, beneficiando-as ou prejudicando-as.

Condições da responsabilidade moral

Não é possível julgar um determinado ato do ponto de vista ético examinado-se apenas a ação em
si mesma. É preciso examinar as condições concretas nas quais o ato foi realizado para decidir se é
possível responsabilizar o agente pela conduta. Duas são as condições necessárias e suficientes para
se poder imputar a alguém a responsabilidade moral por determinado ato:

a) Que sua conduta seja consciente. É necessário que o agente tenha conhecimento ético sufi-
   ciente, bem como conheça as circunstâncias e as consequências de sua ação;

b) Que sua conduta seja livre. É preciso que ele não seja forçado a agir por uma causa ou agente
   externo nem por uma causa ou agente interno. É preciso que ele realize a ação em virtude de
   uma decisão livre.

Neste ponto, deve ter-se tornado óbvio que a Ética incide exclusivamente sobre as ações humanas
porque somente estas podem ser objeto de uma decisão. Consequentemente, não estão sujeitas a jul-
gamento nem a personalidade nem as emoções dos indivíduos. Estas devem ser simplesmente acei-
tas e respeitadas, porque ninguém tem o poder de alterar sua própria personalidade tampouco con-
trolar as próprias emoções, decidindo o que vai sentir, quando vai sentir e com qual intensidade.
Onde não existe liberdade de escolha, não pode haver responsabilidade moral. Não se pode, portan-
to, avaliar a personalidade ou as emoções de quem quer que seja como certas ou erradas ou como
boas ou ruins. Apenas suas ações podem ser julgadas eticamente.

Critério de moralidade

Quando se trata de conceber um critério geral de moralidade, é mais fácil definir as características
das ações erradas. Direi, portanto, que ações erradas são aquelas que causam dano a terceiros. Direi
ainda que existem quatro categorias de dano:
   Dano físico – por exemplo, ferir alguém;
   Dano material – por exemplo, danificar um objeto físico pertencente a outrem;
   Dano psicológico – por exemplo, provocar um transtorno mental em outra pessoa;
   Dano moral – por exemplo, ofender a honra ou prejudicar a imagem de alguém.

Moralidade da vingança

A vingança é antiética? Quem se vinga merece ser punido? Considerando que existem infrações de
pequena gravidade que não são punidas pela Lei, minha tendência é apoiar aqueles que acreditam
que a vingança é necessária para se manter uma sociedade justa, desestimulando comportamentos
antiéticos. Eu estabeleceria, porém, as seguintes condições para que o próprio ato de vingança não
se torne imoral:

1º) Que não haja outra maneira de responder à agressão original;
2º) Que a resposta seja dirigida contra o verdadeiro culpado e apenas ele sofra seus efeitos;
3º) Que a resposta não cause dano mais grave que a agressão original.

Vou citar um fato do mundo do Direito que apoia meu posicionamento. O Código Penal pune o cri-
me de injúria* com detenção de um a seis meses, ou multa. O réu, porém, em determinadas
circunstâncias, pode ganhar o perdão judicial. Perdão judicial é o ato pelo qual o juiz deixa de apli-
car a pena ao autor de um delito. O perdão judicial suprime a pena nos casos em que a punição seria
injusta ou não traria nenhum benefício à sociedade.6 As circunstâncias em que o perdão judicial é
concedido são duas: a) quando a injúria é o revide imediato de outra injúria; b) quando a injuria é a
resposta a uma provocação anterior. Exemplo: a) o indivíduo A profere uma injúria contra o indiví-
duo B. Se B revidar imediatamente a injúria recebida com outra injúria, B poderá receber o perdão
judicial; b) Se A provocar B e B reagir posteriormente à provocação com uma injúria contra A, B
também poderá receber o perdão do juiz. No caso, provocação é qualquer palavra, gesto ou ato do
indivíduo A que provoca emoção violenta no indivíduo B. São exemplos de atos de provocação: in-
juriar, fazer brincadeiras de mau gosto, humilhar ou envergonhar o outro, duvidar de sua masculini-
dade ou de sua honra, agredi-lo fisicamente etc. A lei, portanto, reconhece que: a) as injúrias e as
provocações em geral desequilibram emocionalmente uma pessoa, suspendendo, momentaneamen-
te, seu auto-controle, o que justifica o revide;7,8 b) o revide imediato de uma injúria é uma forma de
legítima defesa, no caso, defesa da própria honra que foi atacada;9 c) a injúria como resposta a uma
provocação anterior é uma vingança legítima.10

Seguem alguns exemplos de aplicação dos critérios de moralidade da vingança que propus acima.

1) Certa vez, a empresária Maria Amélia Aquino esperava para estacionar o carro em um shopping
   center quando uma mulher rapidamente ocupou a vaga. Maria Amélia reclamou e tudo o que ou-
   viu foi: “Querida, pode ter certeza de que a minha pressa é muito maior que a sua. Se quiser fi-
   car aqui aguardando, eu volto já”. Maria Amélia esperou a atrevida entrar no shopping e esva-
   ziou os quatro pneus do carro dela. Ainda deixou um bilhete: “Estava com tanta pressa, querida,
   mas agora vai ter de esperar o guincho para te levar para casa”.11




*Injúria é o popular “xingamento”.
Creio que, nesse caso, a vingança foi ética porque, primeiro, a outra mulher agiu de modo anti-
   ético, desrespeitando o direito de quem chegou primeiro. Segundo, porque não havia outro mo-
   do de punir a agressão. Terceiro, porque Maria Amélia retaliou por meio de um dano material
   leve e facilmente reversível que atingiu apenas a agressora.

2) A professora Janaina Azevedo passou seis meses arquitetando a vingança contra seu ex-noivo,
   que a havia difamado para amigos e familiares. Seu primeiro passo foi levar a ex-sogra, que tem
   trauma de alcoolismo, para ver o filho embriagado num bar. Depois, conseguiu que ele perdesse
   dois empregos. Para completar, levou, ao grupo de roqueiros do ex-noivo, um vídeo em que ele
   aparecia com pagodeiros – o que acabou com a amizade. Só então deu o caso por encerrado.12

   Penso que, neste exemplo, a vingança não foi ética. Primeiro, porque Janaina causou sofrimento
   a terceiros inocentes, no caso, sua ex-sogra. Segundo, porque fez seu ex-noivo perder dois em-
   pregos, o que é muito grave por ameaçar a sobrevivência dele. O único ato ético cometido por
   Janaina, por ser de mesma natureza e intensidade da agressão original, foi levar ao grupo de ro-
   queiros do ex-noivo um vídeo em que ele aparecia com pagodeiros. Penso que não havia outro
   modo de Janaina reparar o mal sofrido porque ela não teria conseguido condenar o ex-noivo por
   difamação. Os amigos e familiares dele provavelmente negariam tudo.

3) A escritora francesa Justine Lévy publicou o livro Nada Grave, de 2004, no qual descreve a ex-
   primeira-dama da França, Carla Bruni, como “uma predadora sexual que se comporta como se
   fosse dona de todos os homens”. O motivo da publicação do livro seria o fato de que “quatro
   anos antes, Carla havia roubado o marido de Justine”.13

   Penso que essa vingança não foi ética pelos motivos seguintes. Em primeiro lugar, publicar um
   livro com tais declarações significa difamar a pessoa que é alvo das declarações. Difamação é
   um ato extremamente grave pois pode arruinar a reputação de uma pessoa para sempre. Penso,
   pois, que a vingança foi muito mais grave do que a suposta agressão original. Em segundo
   lugar, o motivo da vingança foi que Carla havia “roubado” o marido da escritora. O que signifi-
   ca “roubar” o marido de uma mulher? Será que é possível “roubar” o cônjuge de alguém, no
   sentido literal do termo? Dizer que Carla roubou o marido de Justine significa dizer que ele era
   igual a um objeto qualquer como uma bolsa ou um automóvel, que podem ser roubados. Não faz
   sentido. Se o marido de Justine a deixou para ficar com Carla, ele o fez de livre e espontânea
   vontade. Não há, portanto, nenhum motivo para se pensar em vingança, salvo se tiver havido
   traição. Nesse caso, porém, a vingança deveria ter sido dirigida contra o marido traidor, não con-
   tra a amante deste. A esse respeito, tenho um ponto de vista definido: na traição conjugal, o(a)
   principal culpado(a) é sempre o cônjuge que trai, nunca o(a) amante, embora este(a) último(a)
   também possa ter seu comportamento questionado do ponto de vista ético.

4) No filme “Encurralados” (Butterfly on a Wheel – Canadá/Inglaterra – 2007), Neil Randall e sua
   mulher, Abby Randall, têm um casamento perfeito. Mas quando sua filha Sophie é raptada, eles
   não têm escolha a não ser obedecer as exigências de Tom Ryan, o sequestrador. Com uma arma
   apontada para suas cabeças, Ryan toma posse de suas vidas com a eficiência brutal de quem não
   tem nada a perder. De repente, a vida de Neil e Abby é virada de cabeça para baixo. Eles desco-
   brem, aterrorizados, que Ryan não quer seu dinheiro, mas sim, destruir suas vidas nas 24 horas
   seguintes, a vida que eles construiram nos últimos dez anos. Ryan faz Neil sacar todo o dinheiro
   que ele tem no banco para, em seguida, queimá-lo e jogá-lo no rio. Ryan também faz Abby en-
   tregar ao principal cliente de Neil uma série de documentos que farão Neil perder o emprego.
No final, revela-se que tudo não passou de uma farsa. Neil e Judy, a esposa de Tom, estão tendo
   um caso. Tom e Abby descobriram e arquitetaram um plano para se vingar dos amantes traido-
   res. Abby, por fim, revela a Tom que Sophie não foi sequestrada, que o dinheiro dele não foi
   queimado, que os documentos que ela entregou ao cliente de Neil estavam em branco, que ela
   descobriu a traição do marido e que o objetivo do plano foi fazer Tom sentir a mesma dor que
   ela, Abby, sentiu ao descobrir que ele a estava traindo.

   A vingança de Tom e Abby contra Neil não foi ética. Primeiro, porque o filme mostra que Abby
   já tinha sido traída quando eles moravam em Denver, e Abby também soube dessa traição. Ela
   poderia ter interrompido seu sofrimento pedindo divórcio logo da primeira vez. Se ela tivesse
   feito isso, teria sofrido bem menos. Poderia desligar-se de Neil, reconstruindo sua vida com ou-
   tro homem. O divórcio também poderia ter feito Neil entender o sofrimento que estava causando
   a sua esposa e fazê-lo sofrer também. Assim, o divórcio poderia ter funcionado como uma vin-
   gança adequada.

   Em segundo lugar, a vingança que Abby e Tom planejaram foi uma barbaridade – simular um
   sequestro sob a mira de uma arma. As vítimas de sequestro com frequência são acometidas de
   um transtorno mental denominado estresse pós-traumático, que pode ser temporário ou perma-
   nente. Neil poderia passar a sofrer desse mal mesmo vindo a saber depois que o sequestro foi si-
   mulado.

   A vítima de estresse pós-traumático14 passa a ter recordações vivas, intrusivas (involuntárias e
   abruptas) do evento, incluindo a recordação do que pensou, sentiu ou percebeu enquanto vivia o
   evento traumático. Podem ocorrer pesadelos baseados no evento. A vítima pode sentir como se
   aquilo fosse acontecer de novo, chegando a comportar-se como se estivesse de fato vivendo de
   novo o evento traumático. Nesses eventos é possível que a vítima tenha flashbacks ou alucina-
   ções com as imagens do acontecimento traumático.

   Para a vítima de estresse pós-traumático, as situações que lembram o evento causam intenso so-
   frimento e são evitadas. Ter de se expor novamente ao local do acontecimento pode ser insupor-
   tável. Por isso, a vítima passa a evitar os assuntos que lembrem o evento, como também as con-
   versas, pessoas, objetos e sensações, tudo que se relacione ao trauma. A recordação dos aspectos
   essenciais do trauma pode também ser apagada da memória. A pessoa pode afastar-se do conví-
   vio social e de outras atividades mesmo que não relacionadas ao evento. Pode passar a sentir-se
   diferente das outras pessoas. Pode passar a ter dificuldade de sentir determinadas emoções,
   como se houvesse um embotamento geral dos afetos. Pode passar a encarar as coisas com uma
   perspectiva de futuro mais restrita, passando a viver como se fosse morrer dentro de poucos
   anos, sem que exista nenhum motivo para isso. Outros sintomas podem ser também insônia, irri-
   tabilidade, dificuldade de concentração, respostas exageradas a estímulos normais ou banais.

O perdão e a vingança

Muitos opositores da vingança defendem que o melhor caminho é o perdão. Argumentam que a vin-
gança se esgota facilmente e nunca é saciada plenamente. O ser humano vingativo sente apenas um
prazer momentâneo que logo desaparece após o “acerto de contas”, dando lugar à destruição, ao va-
zio existencial, e muitas vezes ao sentimento de culpa e remorso pela dor causada intencionalmente
no outro. O melhor caminho sempre é o da reconciliação, do perdão, da tolerância e do diálogo pes-
soal franco, aberto e direto com o outro. Desse modo, enquanto houver a possibilidade de diálogo e
reconciliação, então deve-se persegui-los antes de iniciar a perseguição ao outro em busca de vin-
gança.15 Aqueles que se opõem à vingança também afirmam que, se nas histórias de ficção a vin-
gança dá origem a obras grandiosas, na vida real suas consequências quase sempre são a violência,
o crime e a guerra.16 Argumentam que a maior contribuição na jornada do homem até os dias de ho-
je não foi dada pelo desejo de vingança, mas sim, pela capacidade de perdoar. Foi através da vonta-
de de perdoar que a humanidade conseguiu interromper longas espirais de violência provocadas
pela vingança.17

Do ponto de vista psicológico, argumenta-se que o perdão possui os seguintes benefícios:18

   Auxilia a cura psicológica por meio de mudanças emocionais positivas
   Aumenta a saude física e mental
   Restaura o senso de poder pessoal da vítima
   Ajuda a reconciliação entre a vítima e o agressor
   Cria esperança na resolução de conflitos entre grupos da vida real

No âmbito religioso, perdão é um valor ético, pois representa um dever incondicional a ser cumpri-
do sempre, e em qualquer circunstância, por todo e qualquer cristão. Em outras palavras, um cristão
não pode deixar de perdoar nunca.19

O perdão, portanto, possui duas perspectivas diferentes: a) devemos perdoar – sempre – porque, em
termos éticos, é a coisa certa a fazer; ou b) é bom perdoar porque o perdão nos traz benefícios e evi-
ta malefícios. Ambas as perspectivas, porém, incorrem em um equívoco. Ambas envolvem a ideia
de que perdoar é um ato que envolve uma decisão racional e autônoma, ou seja, para perdoar, basta
que a vítima queira. As coisas, porém, não funcionam desse modo. Perdão não é um ato puramente
racional. Para entender o que é o perdão, vamos partir da noção psicológica de vingança.

Do ponto de vista psicológico, vingança é uma atitude. Atitude, por sua vez, é um conjunto de cren-
ças, emoções e tendências que uma pessoa tem em relação a uma dada entidade ou objeto. Essa en-
tidade pode ser outra pessoa, um objeto físico, um evento, uma ideia, uma instituição etc. Uma ati-
tude possui três componentes: o componente cognitivo, o componente afetivo e o componente com-
portamental. Componente cognitivo é o conjunto de conhecimentos ou crenças que a pessoa tem
sobre a entidade; componente afetivo é o conjunto de emoções, positivas ou negativas, que a pessoa
sente em relação à entidade; componente comportamental é a tendência de comportamento que a
pessoa possui em relação à entidade.

Em tais condições, define-se vingança como uma atitude que se configura quando a vítima: a) en-
tende que sofreu um dano injusto e identifica o autor desse dano (componente cognitivo); b) é toma-
da por sentimentos de dor, humilhação, bem como ira ou ódio em relação ao agressor (componente
afetivo); c) sente um desejo (motivação) no sentido de retaliá-lo, isto é, adquire a tendência de res-
ponder à agressão (componente comportamental). A transformação da tendência de retaliar em reta-
liação efetiva – o ato de vingança propriamente dito – não é automática, mas depende das circuns-
tâncias.

Dada a conceituação de vingança como uma atitude da vítima, posso agora definir perdão como um
processo que envolve uma mudança dessa atitude.20 O perdão pode ser entendido como a extinção
de emoções negativas (hostilidade, ira, ódio), pensamentos negativos (ideias de vingança) e tendên-
cias comportamentais negativas (tendência de revide) da vítima relativamente ao agressor.21 O per-
dão é um fenômeno afetivo, cognitivo e comportamental, pelo qual se reduzem as emoções e os
pensamentos negativos do ofendido em relação ao ofensor.22 Em tais condições, eu resumiria o
conceito dizendo que perdão é a extinção da atitude de vingança da vítima. O que sobra dessa atitu-
de são apenas a consciência do dano injusto e o conhecimento de quem o causou.

O perdão verdadeiro, portanto, como definido acima, não se confunde com:

   A não retaliação, isto é, o fato de a vítima não cometer o ato de vingança propriamente dito;
   A simples emissão, pela vítima, da frase eu te perdoo;
   O perdão incondicional, como conceituado por Jacques Derrida – que é o perdão dado pela víti-
    ma independentemente da atitude do agressor.23

O aspecto a ressaltar nos conceitos de vingança e de perdão é que a vingança envolve sentimentos
negativos e que o perdão envolve a extinção desses mesmos sentimentos. Por outro lado, nenhum
ser humano tem controle absoluto sobre suas emoções. Ninguém pode decidir que sentimentos terá
ou deixará de ter e em que momento os terá ou os extinguirá. Nenhum indivíduo pode ligar ou des-
ligar suas emoções como se estivesse acionando o interruptor de uma lâmpada. Se assim é, então:

   O simples desejo de vingança, como sentimento que é, não é ético nem antiético, pois as emo-
    ções humanas não estão sujeitas a julgamento, devendo simplesmente ser respeitadas. Somente
    as ações das pessoas podem ser julgadas de um ponto de vista ético. Portanto, apenas o ato de
    vingança propriamente dito pode ser avaliado sob o aspecto moral;

   Ninguém tem o dever ético de perdoar porque nenhuma vítima, como ser humano que é, pode
    ser obrigada a extinguir os sentimentos de ira ou odio que tem para com seu agressor. A única
    coisa que a vítima pode fazer é conter-se, deixando de retaliar o agressor apesar de estar tomada
    pelo desejo de vingança. Aliás, a vítima pode deixar de retaliar o agressor por vários motivos,
    entre os quais, a percepção de que, se insistir na vingança, poderá causar um mal maior. Pode-
    se, pois, dizer que perdoar é bom, que o perdão é um valor, mas trata-se de um valor não moral.

Se o perdão envolve a extinção de certos sentimentos da vítima, e se a vítima não pode controlar
esses sentimentos, como pode então ocorrer o perdão? Considerando que o perdão representa a ex-
tinção da atitude de vingança que a vítima tem em relação ao agressor, como mudar essa atitude?

Acima conceituei a vingança como uma atitude que, como tal, possui três componentes: cognitivo,
afetivo e comportamental. Como consequência, a mudança de uma atitude pode ocorrer pela altera-
ção de um desses componentes. Vejamos dois exemplos.

1) Se um frio assassino, odiado pela opinião pública, anos depois mostra-se alquebrado, de cabelos
   brancos, a face enrugada, usando bengala e andando com passos trôpegos, a atitude hostil do po-
   vo contra ele poderá extinguir-se pois será difícil continuar a vê-lo como um perigoso facínora
   (mudança do componente cognitivo).

2) Se a opinião pública souber que esse mesmo assassino, embora jovem e aparentemente vigoro-
   so, tem câncer em estágio terminal e, como consequência, sofre dores atrozes que só podem ser
   minimizadas com morfina (o mais poderoso analgésico que existe), o sentimento de ódio da po-
   pulação contra ele poderá extinguir-se (mudança do componente afetivo).
Os dois exemplos acima representam situações em que um agressor pode ser perdoado sem nada
fazer, permanecendo em posição passiva. Se ele, porém, quiser fazer algo para ser perdoado, terá
que cumprir duas condições necessárias:

1º) arrepender-se sinceramente do que fez;
2º) comunicar esse arrependimento à vítima e pedir-lhe perdão.

Essas duas condições, como dito acima, são necessárias, porém não suficientes, isto é, não garantem
que o agressor ganhará o perdão. Por outro lado, é menos provável que o agressor seja perdoado
sem cumprir as condições ou sem que aconteça um fato capaz de causar na vítima a extinção da ati-
tude de vingança.

Neste ponto, cabe uma palavra sobre arrependimento. Arrependimento é uma atitude que ocorre
quando o agressor toma consciência do dano causado à vítima e percebe que esse dano é imerecido,
isto é, injusto (componente cognitivo). Em outras palavras, o agressor toma consciência de que co-
meteu um erro ou um ato ilícito. Essa tomada de consciência vem acompanhada de sentimentos co-
mo remorso, culpa, vergonha e dor (componente afetivo) e de uma tendência no sentido de não re-
petir a agressão e de reparar o mal causado à vítima (componente comportamental). Essa tendência
poderá ou não transformar-se em reparação efetiva, dependendo das circunstâncias. O tipo de repa-
ração oferecido à vítima também dependerá da situação.

Por que a vítima perdoa o agressor arrependido? Minha teoria é que aquele que se arrepende since-
ramente sofre um processo de mudança, como mostra a definição de arrependimento oferecida aci-
ma. O indivíduo que se arrepende muda de atitude e, portanto, torna-se uma pessoa diferente, isto é,
outra pessoa aos olhos da vítima. Como consequência, a atitude de vingança da vítima perde a razão
de ser porque é dirigida a uma pessoa que não existe mais, uma pessoa que não mais possui a carac-
terística que motiva a vingança (mudança do componente cognitivo da atitude de vingança). É por
essa razão que o desejo de vingança pode vir a se extinguir.

Um ótimo exemplo de perdão dado pela vítima em decorrência do arrependimento do agressor é
mostrado no filme Rápida Vingança (Faster, EUA, 2010), estrelado por Dwayne Johnson. Johnson
é Driver, um homem que sai da cadeia depois de 10 anos. Ele foi preso após seu irmão ser assassi-
nado em uma armadilha em que ambos cairam após o assalto que praticaram. Agora, Driver procura
vingança contra os assassinos, enquanto tenta descobrir quem comandou a traição. O capítulo 5 do
filme em disco mostra Driver à procura do último homem de sua lista. Ele descobre que o antigo
comparsa tornou-se pastor evangélico. Após o culto, Driver fica frente a frente com ele. O pastor
lhe diz que estava à sua espera, afirma que mudou radicalmente de vida e pede-lhe perdão, de joe-
lhos, com voz emocionada. Driver, afinal, poupa sua vida, dizendo-lhe: “Volte para sua família”.

O perdão e a Justiça

O perdão cristão é incompatível com a Justiça porque significa uma renúncia do ofendido à busca
de reparação e porque terceiros, cristãos, também ficam impedidos de agir para justiçar a vítima. No
campo laico, porém, essa incompatibilidade não existe. De fato, a vítima pode perdoar o agressor e
este, simultaneamente, sofrer punição por parte do Estado. Nessa situação, perdão e Justiça ocorrem
concomitantemente, embora provenham de fontes distintas.
É preciso ressaltar ainda que, mesmo se o Estado não intervier, perdão e Justiça poderão ocorrer ao
mesmo tempo, desde que haja a intermediação de um terceiro elemento: o arrependimento, que con-
ceituei acima. Para tanto, vamos supor que o agressor se arrependa, tome providências para reparar
o mal que causou, procure a vítima, demonstre arrependimento e lhe peça perdão. Esta última, se
considerar que a ofensa foi reparada e que o arrependimento é sincero, poderá sentir-se desagrava-
da, isto é, justiçada e, como consequência, perdoar o agressor. Neste caso, o perdão será a conse-
quência imediata dos atos, inclusive de Justiça, realizados pelo próprio agressor, agora arrependido.


Notas
1
   McCULLOUGH, Michael. Beyond revenge: the evolution of the forgiveness instinct. San Francisco: Jossey Bass,
2008.
 2
   “The Philosophy of Revenge”. Disponível em: http://onphilosophy.wordpress.com/2007/04/05/the-philosophy-of-
revenge/
 3
   BRETAS, Aléxia. “A vingança é ética?”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/saladeaula/030908/p_010.shtml
 4
   “The Philosophy of Revenge”. Idem.
 5
   MURPHY, Jeffrie G. Getting even: forgiveness and its limits. New York: Oxford University Press, 2003. pp. 19-20.
 6
   ROCHA, Camila. “Perdão Judicial”. Disp. em: http://justicaeperdao.blogspot.com.br/2010/03/perdao-judicial.html
 7
   TJDF – Apelação Criminal no Juizado Especial: APR 20030110380738 DF. Disp. em:
http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4264357/apelacao-criminal-no-juizado-especial-apr-20030110380738-df-
tjdf
 8
   GIACOMOLLI, Nereu José. “Do procedimento dos crimes contra a honra”. Disp. em:
http://www.giacomolli.com/artigoDetalhe.asp?AID=8
9
   CAMPELO, Julia Barreto. As práticas ilícitas cometidas pelos meios de comunicação. Disp. em:
http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/direitodecuritiba/jzliabarretocampelo/praticasilicitas.htm
10
   CAMPELO, Julia Barreto. Idem.
11
   FAVARO, Thomaz. “O dilema entre o perdão e a vingança”. Disp. em: http://veja.abril.com.br/030908/p_086.shtml
12
   Idem.
13
   Idem.
14
   “Transtorno de estresse pós-traumático”. Disp. em: http://www.psicosite.com.br/tra/ans/estrespos.htm
15
   MARRA, Mariel. “JUSTIÇA OU VINGANÇA: Qual é o limite entre a Justiça e a Vingança?”. Disp. em:
http://guerreirosdaluz.com.br/?p=65
16
   BRETAS, Aléxia. Idem.
17
   FAVARO, Thomaz. Idem.
18
   AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. “Forgiveness: A Sampling of Research Results”. Washington,
DC: Office of International Affairs, 2006. Disp. em: http://www.apa.org/international/resources/forgiveness.pdf
19
   MEUCCI, Arthur. “Os vieses da vingança”. Disp. em: http://meucci.com.br/wp-
content/uploads/2010/07/vinganca.pdf
20
   AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Idem.
21
   Rye, M., & Pargament, K. (2002). “Forgiveness and romantic relationships in college: Can it heal the wounded
heart?” Journal of Clinical Psychology, 58, 419-441. Em Ceccarelli, Andrea e Molinari, Enrico. The Process of
Forgiving: psychological aspects. Disp. em:
http://www.rivistadipsicologiaclinica.it/english/number3_07/pdf/Molinari_Ceccarelli.pdf
22
   McCullough, M.E. & Worthington, E.L. (1995). “Promoting forgiveness: A comparison of two brief psycho-
educational interventions with a waiting list control”. Counseling and Values, 40, 55-68. Em Ceccarelli e Molinari.
Idem.
23
   PERRONE-MOISÉS, Cláudia. “O perdão e os crimes contra a humanidade: um diálogo entre Hannah Arendt e
Jacques Derrida”. Disp. em: http://www.nevusp.org/downloads/jacquesderrida.pdf
24
   MEUCCI, Arthur. “Perdão e Justiça: Uma Crise de Valores”. Disp. em:
http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/60/artigo220218-1.asp

* Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro Ética na Gestão
de Pessoas. Contato: farah@flaviofarah.com

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Ética da vingança, perdão, arrependimento e Justiça

  • 1. Ética da vingança, perdão, arrependimento e Justiça Flavio Farah* Ética da vingança Simplificadamente, vingança é a ação que um indivíduo – chamado vítima – realiza contra outro in- divíduo – chamado agressor – em resposta a uma ação inicial do agressor que a vítima percebeu co- mo tendo-lhe causado dano. Antes de discutir a moralidade da vingança, porém, é conveniente fazer dois esclarecimentos: a) a vingança não é uma doença e o perdão não é sua cura. Tanto a vingança como o perdão fazem parte da natureza humana, constituindo padrões naturais de comportamento;1 b) vingança não é algo terrível que só pode ser concebido por pessoas sem escrúpulos. Como conse- quência, discutir a Ética da vingança é perfeitamente aceitável, pois existem argumentos razoáveis tanto contrários como favoráveis ao ato de se vingar. Posições contrárias Os que pensam que a vingança é antiética argumentam que “dois erros não fazem um acerto” e que não devemos buscar a desforra pessoal, mas deixar que terceiros julguem o agressor de modo im- parcial. Argumentam que a vingança é errada porque quem busca vingança tem interesse pessoal no assunto e objetivos essencialmente destrutivos. Por essa razão, a vítima tende a exagerar na vingan- ça. O melhor é deixar que o agressor seja julgado por um sistema de justiça imparcial. Aceitam, to- davia, a vingança, quando o sistema de justiça não existe ou é ineficaz, pois, nesse caso, uma puni- ção exagerada da vítima contra o agressor é melhor do que nenhuma punição.2 Aqueles que condenam a vingança afirmam que, na vida real, suas consequências quase sempre são a violência, o crime e a guerra. Sustentam que, frequentemente, costuma-se confundir vingança com restituição da honra, ou mesmo com Justiça, e que isto é um engano. Para que uma punição seja jus- ta é preciso que sua execução não tenha origem em sentimentos privados, mas sim, executada por instituições públicas legítimas, reconhecidas legalmente pela sociedade civil. Como diz Miguel de Cervantes, criador de Dom Quixote: “Não há vingança justa”.3 Posições favoráveis Do lado oposto, muitos acreditam que a vingança é necessária para se manter uma sociedade justa. Às vezes, o bem da sociedade exige que causemos dano a um de seus membros a fim de puni-lo e desestimular comportamentos antiéticos. Essa prática faz parte de nossa noção de Justiça que, entre outras coisas, inclui o dever de evitar que as pessoas se sintam tentadas a obter benefícios de forma antiética às custas dos outros. Existem muitas infrações de pequena gravidade que não são punidas pela Lei. Em tais condições, a vingança seria uma resposta razoável a essas infrações, desde que a intensidade da retaliação seja igual à da agressão.4 O ressentimento surge para defender três valores: auto-respeito, autodefesa e respeito pela ordem moral. A pessoa que nunca se ressente seja qual for a ofensa pode ser um santo. Mas a falta de res- sentimento também pode ser indício de uma personalidade servil, sem respeito por seus direitos e por sua condição de indivíduo livre e moralmente respeitável.5
  • 2. Ética Para se analisar a moralidade da vingança é preciso ter em mente alguns conceitos básicos de Ética, bem como dispor de um critério geral de moralidade. Juízos morais No decorrer de sua, vida os indivíduos escolhem uma dentre várias alternativas de ação ou decidem entre fazer ou não fazer algo. Posteriormente, outros julgarão essa conduta e formularão julgamen- tos como os seguintes: “Ele agiu certo” ou “Ela não devia ter feito isso”. Esse tipo de julgamento recebe o nome de juízo ou julgamento moral. Os juízos morais avaliam ações do ponto de vista do certo e do errado, do bem e do mal, expressando aprovação ou reprovação de uma conduta ocorrida anteriormente. Nem todas as ações humanas, porém, podem ser avaliadas de um ponto de vista mo- ral. Por exemplo, o ato de ir ao cinema, em princípio, não tem conteudo ético. Esse ato pode ser considerado prazeroso ou desagradável para a pessoa que o pratica mas não pode ser julgado como certo ou errado por ser uma conduta estritamente individual, cujo efeito se esgota no âmbito do pró- prio agente. Estão sujeitos a julgamento moral, portanto, apenas os atos de um indivíduo que afetam outras pessoas, beneficiando-as ou prejudicando-as. Condições da responsabilidade moral Não é possível julgar um determinado ato do ponto de vista ético examinado-se apenas a ação em si mesma. É preciso examinar as condições concretas nas quais o ato foi realizado para decidir se é possível responsabilizar o agente pela conduta. Duas são as condições necessárias e suficientes para se poder imputar a alguém a responsabilidade moral por determinado ato: a) Que sua conduta seja consciente. É necessário que o agente tenha conhecimento ético sufi- ciente, bem como conheça as circunstâncias e as consequências de sua ação; b) Que sua conduta seja livre. É preciso que ele não seja forçado a agir por uma causa ou agente externo nem por uma causa ou agente interno. É preciso que ele realize a ação em virtude de uma decisão livre. Neste ponto, deve ter-se tornado óbvio que a Ética incide exclusivamente sobre as ações humanas porque somente estas podem ser objeto de uma decisão. Consequentemente, não estão sujeitas a jul- gamento nem a personalidade nem as emoções dos indivíduos. Estas devem ser simplesmente acei- tas e respeitadas, porque ninguém tem o poder de alterar sua própria personalidade tampouco con- trolar as próprias emoções, decidindo o que vai sentir, quando vai sentir e com qual intensidade. Onde não existe liberdade de escolha, não pode haver responsabilidade moral. Não se pode, portan- to, avaliar a personalidade ou as emoções de quem quer que seja como certas ou erradas ou como boas ou ruins. Apenas suas ações podem ser julgadas eticamente. Critério de moralidade Quando se trata de conceber um critério geral de moralidade, é mais fácil definir as características das ações erradas. Direi, portanto, que ações erradas são aquelas que causam dano a terceiros. Direi ainda que existem quatro categorias de dano:
  • 3. Dano físico – por exemplo, ferir alguém;  Dano material – por exemplo, danificar um objeto físico pertencente a outrem;  Dano psicológico – por exemplo, provocar um transtorno mental em outra pessoa;  Dano moral – por exemplo, ofender a honra ou prejudicar a imagem de alguém. Moralidade da vingança A vingança é antiética? Quem se vinga merece ser punido? Considerando que existem infrações de pequena gravidade que não são punidas pela Lei, minha tendência é apoiar aqueles que acreditam que a vingança é necessária para se manter uma sociedade justa, desestimulando comportamentos antiéticos. Eu estabeleceria, porém, as seguintes condições para que o próprio ato de vingança não se torne imoral: 1º) Que não haja outra maneira de responder à agressão original; 2º) Que a resposta seja dirigida contra o verdadeiro culpado e apenas ele sofra seus efeitos; 3º) Que a resposta não cause dano mais grave que a agressão original. Vou citar um fato do mundo do Direito que apoia meu posicionamento. O Código Penal pune o cri- me de injúria* com detenção de um a seis meses, ou multa. O réu, porém, em determinadas circunstâncias, pode ganhar o perdão judicial. Perdão judicial é o ato pelo qual o juiz deixa de apli- car a pena ao autor de um delito. O perdão judicial suprime a pena nos casos em que a punição seria injusta ou não traria nenhum benefício à sociedade.6 As circunstâncias em que o perdão judicial é concedido são duas: a) quando a injúria é o revide imediato de outra injúria; b) quando a injuria é a resposta a uma provocação anterior. Exemplo: a) o indivíduo A profere uma injúria contra o indiví- duo B. Se B revidar imediatamente a injúria recebida com outra injúria, B poderá receber o perdão judicial; b) Se A provocar B e B reagir posteriormente à provocação com uma injúria contra A, B também poderá receber o perdão do juiz. No caso, provocação é qualquer palavra, gesto ou ato do indivíduo A que provoca emoção violenta no indivíduo B. São exemplos de atos de provocação: in- juriar, fazer brincadeiras de mau gosto, humilhar ou envergonhar o outro, duvidar de sua masculini- dade ou de sua honra, agredi-lo fisicamente etc. A lei, portanto, reconhece que: a) as injúrias e as provocações em geral desequilibram emocionalmente uma pessoa, suspendendo, momentaneamen- te, seu auto-controle, o que justifica o revide;7,8 b) o revide imediato de uma injúria é uma forma de legítima defesa, no caso, defesa da própria honra que foi atacada;9 c) a injúria como resposta a uma provocação anterior é uma vingança legítima.10 Seguem alguns exemplos de aplicação dos critérios de moralidade da vingança que propus acima. 1) Certa vez, a empresária Maria Amélia Aquino esperava para estacionar o carro em um shopping center quando uma mulher rapidamente ocupou a vaga. Maria Amélia reclamou e tudo o que ou- viu foi: “Querida, pode ter certeza de que a minha pressa é muito maior que a sua. Se quiser fi- car aqui aguardando, eu volto já”. Maria Amélia esperou a atrevida entrar no shopping e esva- ziou os quatro pneus do carro dela. Ainda deixou um bilhete: “Estava com tanta pressa, querida, mas agora vai ter de esperar o guincho para te levar para casa”.11 *Injúria é o popular “xingamento”.
  • 4. Creio que, nesse caso, a vingança foi ética porque, primeiro, a outra mulher agiu de modo anti- ético, desrespeitando o direito de quem chegou primeiro. Segundo, porque não havia outro mo- do de punir a agressão. Terceiro, porque Maria Amélia retaliou por meio de um dano material leve e facilmente reversível que atingiu apenas a agressora. 2) A professora Janaina Azevedo passou seis meses arquitetando a vingança contra seu ex-noivo, que a havia difamado para amigos e familiares. Seu primeiro passo foi levar a ex-sogra, que tem trauma de alcoolismo, para ver o filho embriagado num bar. Depois, conseguiu que ele perdesse dois empregos. Para completar, levou, ao grupo de roqueiros do ex-noivo, um vídeo em que ele aparecia com pagodeiros – o que acabou com a amizade. Só então deu o caso por encerrado.12 Penso que, neste exemplo, a vingança não foi ética. Primeiro, porque Janaina causou sofrimento a terceiros inocentes, no caso, sua ex-sogra. Segundo, porque fez seu ex-noivo perder dois em- pregos, o que é muito grave por ameaçar a sobrevivência dele. O único ato ético cometido por Janaina, por ser de mesma natureza e intensidade da agressão original, foi levar ao grupo de ro- queiros do ex-noivo um vídeo em que ele aparecia com pagodeiros. Penso que não havia outro modo de Janaina reparar o mal sofrido porque ela não teria conseguido condenar o ex-noivo por difamação. Os amigos e familiares dele provavelmente negariam tudo. 3) A escritora francesa Justine Lévy publicou o livro Nada Grave, de 2004, no qual descreve a ex- primeira-dama da França, Carla Bruni, como “uma predadora sexual que se comporta como se fosse dona de todos os homens”. O motivo da publicação do livro seria o fato de que “quatro anos antes, Carla havia roubado o marido de Justine”.13 Penso que essa vingança não foi ética pelos motivos seguintes. Em primeiro lugar, publicar um livro com tais declarações significa difamar a pessoa que é alvo das declarações. Difamação é um ato extremamente grave pois pode arruinar a reputação de uma pessoa para sempre. Penso, pois, que a vingança foi muito mais grave do que a suposta agressão original. Em segundo lugar, o motivo da vingança foi que Carla havia “roubado” o marido da escritora. O que signifi- ca “roubar” o marido de uma mulher? Será que é possível “roubar” o cônjuge de alguém, no sentido literal do termo? Dizer que Carla roubou o marido de Justine significa dizer que ele era igual a um objeto qualquer como uma bolsa ou um automóvel, que podem ser roubados. Não faz sentido. Se o marido de Justine a deixou para ficar com Carla, ele o fez de livre e espontânea vontade. Não há, portanto, nenhum motivo para se pensar em vingança, salvo se tiver havido traição. Nesse caso, porém, a vingança deveria ter sido dirigida contra o marido traidor, não con- tra a amante deste. A esse respeito, tenho um ponto de vista definido: na traição conjugal, o(a) principal culpado(a) é sempre o cônjuge que trai, nunca o(a) amante, embora este(a) último(a) também possa ter seu comportamento questionado do ponto de vista ético. 4) No filme “Encurralados” (Butterfly on a Wheel – Canadá/Inglaterra – 2007), Neil Randall e sua mulher, Abby Randall, têm um casamento perfeito. Mas quando sua filha Sophie é raptada, eles não têm escolha a não ser obedecer as exigências de Tom Ryan, o sequestrador. Com uma arma apontada para suas cabeças, Ryan toma posse de suas vidas com a eficiência brutal de quem não tem nada a perder. De repente, a vida de Neil e Abby é virada de cabeça para baixo. Eles desco- brem, aterrorizados, que Ryan não quer seu dinheiro, mas sim, destruir suas vidas nas 24 horas seguintes, a vida que eles construiram nos últimos dez anos. Ryan faz Neil sacar todo o dinheiro que ele tem no banco para, em seguida, queimá-lo e jogá-lo no rio. Ryan também faz Abby en- tregar ao principal cliente de Neil uma série de documentos que farão Neil perder o emprego.
  • 5. No final, revela-se que tudo não passou de uma farsa. Neil e Judy, a esposa de Tom, estão tendo um caso. Tom e Abby descobriram e arquitetaram um plano para se vingar dos amantes traido- res. Abby, por fim, revela a Tom que Sophie não foi sequestrada, que o dinheiro dele não foi queimado, que os documentos que ela entregou ao cliente de Neil estavam em branco, que ela descobriu a traição do marido e que o objetivo do plano foi fazer Tom sentir a mesma dor que ela, Abby, sentiu ao descobrir que ele a estava traindo. A vingança de Tom e Abby contra Neil não foi ética. Primeiro, porque o filme mostra que Abby já tinha sido traída quando eles moravam em Denver, e Abby também soube dessa traição. Ela poderia ter interrompido seu sofrimento pedindo divórcio logo da primeira vez. Se ela tivesse feito isso, teria sofrido bem menos. Poderia desligar-se de Neil, reconstruindo sua vida com ou- tro homem. O divórcio também poderia ter feito Neil entender o sofrimento que estava causando a sua esposa e fazê-lo sofrer também. Assim, o divórcio poderia ter funcionado como uma vin- gança adequada. Em segundo lugar, a vingança que Abby e Tom planejaram foi uma barbaridade – simular um sequestro sob a mira de uma arma. As vítimas de sequestro com frequência são acometidas de um transtorno mental denominado estresse pós-traumático, que pode ser temporário ou perma- nente. Neil poderia passar a sofrer desse mal mesmo vindo a saber depois que o sequestro foi si- mulado. A vítima de estresse pós-traumático14 passa a ter recordações vivas, intrusivas (involuntárias e abruptas) do evento, incluindo a recordação do que pensou, sentiu ou percebeu enquanto vivia o evento traumático. Podem ocorrer pesadelos baseados no evento. A vítima pode sentir como se aquilo fosse acontecer de novo, chegando a comportar-se como se estivesse de fato vivendo de novo o evento traumático. Nesses eventos é possível que a vítima tenha flashbacks ou alucina- ções com as imagens do acontecimento traumático. Para a vítima de estresse pós-traumático, as situações que lembram o evento causam intenso so- frimento e são evitadas. Ter de se expor novamente ao local do acontecimento pode ser insupor- tável. Por isso, a vítima passa a evitar os assuntos que lembrem o evento, como também as con- versas, pessoas, objetos e sensações, tudo que se relacione ao trauma. A recordação dos aspectos essenciais do trauma pode também ser apagada da memória. A pessoa pode afastar-se do conví- vio social e de outras atividades mesmo que não relacionadas ao evento. Pode passar a sentir-se diferente das outras pessoas. Pode passar a ter dificuldade de sentir determinadas emoções, como se houvesse um embotamento geral dos afetos. Pode passar a encarar as coisas com uma perspectiva de futuro mais restrita, passando a viver como se fosse morrer dentro de poucos anos, sem que exista nenhum motivo para isso. Outros sintomas podem ser também insônia, irri- tabilidade, dificuldade de concentração, respostas exageradas a estímulos normais ou banais. O perdão e a vingança Muitos opositores da vingança defendem que o melhor caminho é o perdão. Argumentam que a vin- gança se esgota facilmente e nunca é saciada plenamente. O ser humano vingativo sente apenas um prazer momentâneo que logo desaparece após o “acerto de contas”, dando lugar à destruição, ao va- zio existencial, e muitas vezes ao sentimento de culpa e remorso pela dor causada intencionalmente no outro. O melhor caminho sempre é o da reconciliação, do perdão, da tolerância e do diálogo pes-
  • 6. soal franco, aberto e direto com o outro. Desse modo, enquanto houver a possibilidade de diálogo e reconciliação, então deve-se persegui-los antes de iniciar a perseguição ao outro em busca de vin- gança.15 Aqueles que se opõem à vingança também afirmam que, se nas histórias de ficção a vin- gança dá origem a obras grandiosas, na vida real suas consequências quase sempre são a violência, o crime e a guerra.16 Argumentam que a maior contribuição na jornada do homem até os dias de ho- je não foi dada pelo desejo de vingança, mas sim, pela capacidade de perdoar. Foi através da vonta- de de perdoar que a humanidade conseguiu interromper longas espirais de violência provocadas pela vingança.17 Do ponto de vista psicológico, argumenta-se que o perdão possui os seguintes benefícios:18  Auxilia a cura psicológica por meio de mudanças emocionais positivas  Aumenta a saude física e mental  Restaura o senso de poder pessoal da vítima  Ajuda a reconciliação entre a vítima e o agressor  Cria esperança na resolução de conflitos entre grupos da vida real No âmbito religioso, perdão é um valor ético, pois representa um dever incondicional a ser cumpri- do sempre, e em qualquer circunstância, por todo e qualquer cristão. Em outras palavras, um cristão não pode deixar de perdoar nunca.19 O perdão, portanto, possui duas perspectivas diferentes: a) devemos perdoar – sempre – porque, em termos éticos, é a coisa certa a fazer; ou b) é bom perdoar porque o perdão nos traz benefícios e evi- ta malefícios. Ambas as perspectivas, porém, incorrem em um equívoco. Ambas envolvem a ideia de que perdoar é um ato que envolve uma decisão racional e autônoma, ou seja, para perdoar, basta que a vítima queira. As coisas, porém, não funcionam desse modo. Perdão não é um ato puramente racional. Para entender o que é o perdão, vamos partir da noção psicológica de vingança. Do ponto de vista psicológico, vingança é uma atitude. Atitude, por sua vez, é um conjunto de cren- ças, emoções e tendências que uma pessoa tem em relação a uma dada entidade ou objeto. Essa en- tidade pode ser outra pessoa, um objeto físico, um evento, uma ideia, uma instituição etc. Uma ati- tude possui três componentes: o componente cognitivo, o componente afetivo e o componente com- portamental. Componente cognitivo é o conjunto de conhecimentos ou crenças que a pessoa tem sobre a entidade; componente afetivo é o conjunto de emoções, positivas ou negativas, que a pessoa sente em relação à entidade; componente comportamental é a tendência de comportamento que a pessoa possui em relação à entidade. Em tais condições, define-se vingança como uma atitude que se configura quando a vítima: a) en- tende que sofreu um dano injusto e identifica o autor desse dano (componente cognitivo); b) é toma- da por sentimentos de dor, humilhação, bem como ira ou ódio em relação ao agressor (componente afetivo); c) sente um desejo (motivação) no sentido de retaliá-lo, isto é, adquire a tendência de res- ponder à agressão (componente comportamental). A transformação da tendência de retaliar em reta- liação efetiva – o ato de vingança propriamente dito – não é automática, mas depende das circuns- tâncias. Dada a conceituação de vingança como uma atitude da vítima, posso agora definir perdão como um processo que envolve uma mudança dessa atitude.20 O perdão pode ser entendido como a extinção de emoções negativas (hostilidade, ira, ódio), pensamentos negativos (ideias de vingança) e tendên-
  • 7. cias comportamentais negativas (tendência de revide) da vítima relativamente ao agressor.21 O per- dão é um fenômeno afetivo, cognitivo e comportamental, pelo qual se reduzem as emoções e os pensamentos negativos do ofendido em relação ao ofensor.22 Em tais condições, eu resumiria o conceito dizendo que perdão é a extinção da atitude de vingança da vítima. O que sobra dessa atitu- de são apenas a consciência do dano injusto e o conhecimento de quem o causou. O perdão verdadeiro, portanto, como definido acima, não se confunde com:  A não retaliação, isto é, o fato de a vítima não cometer o ato de vingança propriamente dito;  A simples emissão, pela vítima, da frase eu te perdoo;  O perdão incondicional, como conceituado por Jacques Derrida – que é o perdão dado pela víti- ma independentemente da atitude do agressor.23 O aspecto a ressaltar nos conceitos de vingança e de perdão é que a vingança envolve sentimentos negativos e que o perdão envolve a extinção desses mesmos sentimentos. Por outro lado, nenhum ser humano tem controle absoluto sobre suas emoções. Ninguém pode decidir que sentimentos terá ou deixará de ter e em que momento os terá ou os extinguirá. Nenhum indivíduo pode ligar ou des- ligar suas emoções como se estivesse acionando o interruptor de uma lâmpada. Se assim é, então:  O simples desejo de vingança, como sentimento que é, não é ético nem antiético, pois as emo- ções humanas não estão sujeitas a julgamento, devendo simplesmente ser respeitadas. Somente as ações das pessoas podem ser julgadas de um ponto de vista ético. Portanto, apenas o ato de vingança propriamente dito pode ser avaliado sob o aspecto moral;  Ninguém tem o dever ético de perdoar porque nenhuma vítima, como ser humano que é, pode ser obrigada a extinguir os sentimentos de ira ou odio que tem para com seu agressor. A única coisa que a vítima pode fazer é conter-se, deixando de retaliar o agressor apesar de estar tomada pelo desejo de vingança. Aliás, a vítima pode deixar de retaliar o agressor por vários motivos, entre os quais, a percepção de que, se insistir na vingança, poderá causar um mal maior. Pode- se, pois, dizer que perdoar é bom, que o perdão é um valor, mas trata-se de um valor não moral. Se o perdão envolve a extinção de certos sentimentos da vítima, e se a vítima não pode controlar esses sentimentos, como pode então ocorrer o perdão? Considerando que o perdão representa a ex- tinção da atitude de vingança que a vítima tem em relação ao agressor, como mudar essa atitude? Acima conceituei a vingança como uma atitude que, como tal, possui três componentes: cognitivo, afetivo e comportamental. Como consequência, a mudança de uma atitude pode ocorrer pela altera- ção de um desses componentes. Vejamos dois exemplos. 1) Se um frio assassino, odiado pela opinião pública, anos depois mostra-se alquebrado, de cabelos brancos, a face enrugada, usando bengala e andando com passos trôpegos, a atitude hostil do po- vo contra ele poderá extinguir-se pois será difícil continuar a vê-lo como um perigoso facínora (mudança do componente cognitivo). 2) Se a opinião pública souber que esse mesmo assassino, embora jovem e aparentemente vigoro- so, tem câncer em estágio terminal e, como consequência, sofre dores atrozes que só podem ser minimizadas com morfina (o mais poderoso analgésico que existe), o sentimento de ódio da po- pulação contra ele poderá extinguir-se (mudança do componente afetivo).
  • 8. Os dois exemplos acima representam situações em que um agressor pode ser perdoado sem nada fazer, permanecendo em posição passiva. Se ele, porém, quiser fazer algo para ser perdoado, terá que cumprir duas condições necessárias: 1º) arrepender-se sinceramente do que fez; 2º) comunicar esse arrependimento à vítima e pedir-lhe perdão. Essas duas condições, como dito acima, são necessárias, porém não suficientes, isto é, não garantem que o agressor ganhará o perdão. Por outro lado, é menos provável que o agressor seja perdoado sem cumprir as condições ou sem que aconteça um fato capaz de causar na vítima a extinção da ati- tude de vingança. Neste ponto, cabe uma palavra sobre arrependimento. Arrependimento é uma atitude que ocorre quando o agressor toma consciência do dano causado à vítima e percebe que esse dano é imerecido, isto é, injusto (componente cognitivo). Em outras palavras, o agressor toma consciência de que co- meteu um erro ou um ato ilícito. Essa tomada de consciência vem acompanhada de sentimentos co- mo remorso, culpa, vergonha e dor (componente afetivo) e de uma tendência no sentido de não re- petir a agressão e de reparar o mal causado à vítima (componente comportamental). Essa tendência poderá ou não transformar-se em reparação efetiva, dependendo das circunstâncias. O tipo de repa- ração oferecido à vítima também dependerá da situação. Por que a vítima perdoa o agressor arrependido? Minha teoria é que aquele que se arrepende since- ramente sofre um processo de mudança, como mostra a definição de arrependimento oferecida aci- ma. O indivíduo que se arrepende muda de atitude e, portanto, torna-se uma pessoa diferente, isto é, outra pessoa aos olhos da vítima. Como consequência, a atitude de vingança da vítima perde a razão de ser porque é dirigida a uma pessoa que não existe mais, uma pessoa que não mais possui a carac- terística que motiva a vingança (mudança do componente cognitivo da atitude de vingança). É por essa razão que o desejo de vingança pode vir a se extinguir. Um ótimo exemplo de perdão dado pela vítima em decorrência do arrependimento do agressor é mostrado no filme Rápida Vingança (Faster, EUA, 2010), estrelado por Dwayne Johnson. Johnson é Driver, um homem que sai da cadeia depois de 10 anos. Ele foi preso após seu irmão ser assassi- nado em uma armadilha em que ambos cairam após o assalto que praticaram. Agora, Driver procura vingança contra os assassinos, enquanto tenta descobrir quem comandou a traição. O capítulo 5 do filme em disco mostra Driver à procura do último homem de sua lista. Ele descobre que o antigo comparsa tornou-se pastor evangélico. Após o culto, Driver fica frente a frente com ele. O pastor lhe diz que estava à sua espera, afirma que mudou radicalmente de vida e pede-lhe perdão, de joe- lhos, com voz emocionada. Driver, afinal, poupa sua vida, dizendo-lhe: “Volte para sua família”. O perdão e a Justiça O perdão cristão é incompatível com a Justiça porque significa uma renúncia do ofendido à busca de reparação e porque terceiros, cristãos, também ficam impedidos de agir para justiçar a vítima. No campo laico, porém, essa incompatibilidade não existe. De fato, a vítima pode perdoar o agressor e este, simultaneamente, sofrer punição por parte do Estado. Nessa situação, perdão e Justiça ocorrem concomitantemente, embora provenham de fontes distintas.
  • 9. É preciso ressaltar ainda que, mesmo se o Estado não intervier, perdão e Justiça poderão ocorrer ao mesmo tempo, desde que haja a intermediação de um terceiro elemento: o arrependimento, que con- ceituei acima. Para tanto, vamos supor que o agressor se arrependa, tome providências para reparar o mal que causou, procure a vítima, demonstre arrependimento e lhe peça perdão. Esta última, se considerar que a ofensa foi reparada e que o arrependimento é sincero, poderá sentir-se desagrava- da, isto é, justiçada e, como consequência, perdoar o agressor. Neste caso, o perdão será a conse- quência imediata dos atos, inclusive de Justiça, realizados pelo próprio agressor, agora arrependido. Notas 1 McCULLOUGH, Michael. Beyond revenge: the evolution of the forgiveness instinct. San Francisco: Jossey Bass, 2008. 2 “The Philosophy of Revenge”. Disponível em: http://onphilosophy.wordpress.com/2007/04/05/the-philosophy-of- revenge/ 3 BRETAS, Aléxia. “A vingança é ética?”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/saladeaula/030908/p_010.shtml 4 “The Philosophy of Revenge”. Idem. 5 MURPHY, Jeffrie G. Getting even: forgiveness and its limits. New York: Oxford University Press, 2003. pp. 19-20. 6 ROCHA, Camila. “Perdão Judicial”. Disp. em: http://justicaeperdao.blogspot.com.br/2010/03/perdao-judicial.html 7 TJDF – Apelação Criminal no Juizado Especial: APR 20030110380738 DF. Disp. em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4264357/apelacao-criminal-no-juizado-especial-apr-20030110380738-df- tjdf 8 GIACOMOLLI, Nereu José. “Do procedimento dos crimes contra a honra”. Disp. em: http://www.giacomolli.com/artigoDetalhe.asp?AID=8 9 CAMPELO, Julia Barreto. As práticas ilícitas cometidas pelos meios de comunicação. Disp. em: http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/direitodecuritiba/jzliabarretocampelo/praticasilicitas.htm 10 CAMPELO, Julia Barreto. Idem. 11 FAVARO, Thomaz. “O dilema entre o perdão e a vingança”. Disp. em: http://veja.abril.com.br/030908/p_086.shtml 12 Idem. 13 Idem. 14 “Transtorno de estresse pós-traumático”. Disp. em: http://www.psicosite.com.br/tra/ans/estrespos.htm 15 MARRA, Mariel. “JUSTIÇA OU VINGANÇA: Qual é o limite entre a Justiça e a Vingança?”. Disp. em: http://guerreirosdaluz.com.br/?p=65 16 BRETAS, Aléxia. Idem. 17 FAVARO, Thomaz. Idem. 18 AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. “Forgiveness: A Sampling of Research Results”. Washington, DC: Office of International Affairs, 2006. Disp. em: http://www.apa.org/international/resources/forgiveness.pdf 19 MEUCCI, Arthur. “Os vieses da vingança”. Disp. em: http://meucci.com.br/wp- content/uploads/2010/07/vinganca.pdf 20 AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION. Idem. 21 Rye, M., & Pargament, K. (2002). “Forgiveness and romantic relationships in college: Can it heal the wounded heart?” Journal of Clinical Psychology, 58, 419-441. Em Ceccarelli, Andrea e Molinari, Enrico. The Process of Forgiving: psychological aspects. Disp. em: http://www.rivistadipsicologiaclinica.it/english/number3_07/pdf/Molinari_Ceccarelli.pdf 22 McCullough, M.E. & Worthington, E.L. (1995). “Promoting forgiveness: A comparison of two brief psycho- educational interventions with a waiting list control”. Counseling and Values, 40, 55-68. Em Ceccarelli e Molinari. Idem. 23 PERRONE-MOISÉS, Cláudia. “O perdão e os crimes contra a humanidade: um diálogo entre Hannah Arendt e Jacques Derrida”. Disp. em: http://www.nevusp.org/downloads/jacquesderrida.pdf 24 MEUCCI, Arthur. “Perdão e Justiça: Uma Crise de Valores”. Disp. em: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/60/artigo220218-1.asp * Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, Professor Universitário e autor do livro Ética na Gestão de Pessoas. Contato: farah@flaviofarah.com