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Ética e choque cultural na empresa
Flavio Farah*

Um conhecido consultor nos relata o caso de um profissional excelente que estava há muito tempo
em uma organização. Ele tinha qualificação para ser promovido a diretor mas estava estacionado no
posto de subgerente. Qual o motivo? Choque cultural, segundo o consultor. Tratava-se de uma em-
presa alemã cujo ambiente de trabalho era circunspecto, silencioso e formal. O temperamento do
gerente era oposto. Alegre e expansivo, gostava de contar casos engraçados e de rir. Os diretores
viam seu comportamento como imaturo e não confiável. Podemos até imaginar dois deles tendo o
seguinte diálogo (já traduzido para o português):

 O que vamos fazer com o Eduardo?
 Sinceramente, não sei.
 Não tenho coragem de demiti-lo, pois ele é competente. Mas também não confio nele para posi-
  ções superiores, ele é meio moleque.
 Ele é inteligente, bem preparado, mas está fora do padrão.
 É uma pena !

O consultor apresentou à direção da empresa o diagnóstico de falta de afinidade cultural. Os direto-
res, segundo ele, concordaram com sua avaliação “com extrema correção e sentido ético” e deixa-
ram-no à vontade para encontrar outra oportunidade para aquele profissional. O consultor assim fez.
Encontrou e ofereceu ao subgerente um cargo de direção em outra companhia, oferta que ele pron-
tamente aceitou.

Ao mencionar “choque cultural”, o consultor sugere que o problema teria sido causado pela discre-
pância entre os valores da organização ― circunspecção, seriedade (restrição ao riso) e formalidade
― e os do profissional ― alegria, informalidade e riso fácil. As empresas, porém, dizem professar
valores como integridade, ética, excelência, trabalho em equipe, inovação, transparência, aprendiza-
do contínuo, confiança, qualidade, responsabilidade, foco no cliente, diversidade etc., numa lista
que não inclui valores como os citados pelo consultor. Por que será? Talvez porque circunspecção,
seriedade e formalidade não sejam realmente valores organizacionais, mas características de perso-
nalidade.

Se assim for, o caso não será mais de conflito de valores. Estaremos frente a uma organização que
toma decisões empregatícias não com base no modo como o funcionário se comporta ou nos resul-
tados por ele alcançados, mas em função daquilo que seus dirigentes consideram uma personalidade
“boa” ou “má”. Será isto legítimo? A pergunta é importante porque, caso a resposta seja negativa, a
empresa em questão terá praticado uma modalidade inusitada de discriminação: a discriminação de
personalidade.

Muitos especialistas em Ética recomendam que uma pessoa faça a si própria as seguintes perguntas
quando estiver em dúvida sobre a moralidade de um ato: A ação é legal? Estarei sendo justo e ho-
nesto? Minha ação resistirá ao teste do tempo? Como me sentirei depois? Como meu ato apareceria
nos jornais? Conseguirei dormir tranqüilo? Terei coragem de dizer o que fiz a minha família, meus
amigos e meus vizinhos? Como me sentirei se eles souberem? No caso, pode-se imaginar o seguin-
te teste para a direção da empresa: teriam eles coragem de tornar público que recusaram a promoção
ao subgerente em razão de sua “falta de maturidade e de confiabilidade” mas sem justificar a deci-
são com base em seu desempenho concreto, que era ótimo? Teriam coragem de enfrentar um debate
no Sindicato dos Metalúrgicos? De ir ao programa “Roda Viva” da TV Cultura? De enfrentar uma
CPI? Outro aspecto a se considerar é que a empresa manteve o profissional “preso” no cargo de
subgerente. Não o promoveu, não lhe comunicou que ele não seria promovido e não o demitiu.
Pergunta-se se foi ética a conduta da companhia.
Além do questionamento moral, também se podem fazer especulações jurídicas. Segundo o Código
Civil, aquele que, por ação ou omissão, causar dano a outrem, fica obrigado a reparar o prejuízo.
Trata-se, portanto, de saber: a) se a direção da companhia, ao omitir-se, teria sido negligente, recu-
sando ao subgerente o direito de obter uma decisão da empresa; b) se sua manutenção no mesmo
cargo por um longo tempo, sem justificativa plausível, ter-lhe-ia causado danos morais ou materiais,
como por exemplo, prejudicado sua imagem profissional, sua carreira ou seus rendimentos. Se as
respostas forem afirmativas, o profissional talvez tivesse direito a uma indenização.

Este caso deveria servir de alerta. As empresas que afirmam respeitar a diversidade têm que enfren-
tar a oposição de seus próprios funcionários, cuja tendência de rejeitar as pessoas “diferentes” os faz
tentar impedir a contratação de indivíduos que “destoam”. Não é por outro motivo que as firmas de
seleção de pessoal aconselham seus candidatos a se portarem de modo padronizado nas entrevistas.
Se, entretanto, uma companhia, por descuido, admitir alguém que, depois, se mostre “diferente”,
sempre haverá um mecanismo organizacional capaz de, mais cedo ou mais tarde, expelir o “indese-
jável”.

* Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, professor universitário e autor do livro “Ética na gestão
de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com

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  • 1. Ética e choque cultural na empresa Flavio Farah* Um conhecido consultor nos relata o caso de um profissional excelente que estava há muito tempo em uma organização. Ele tinha qualificação para ser promovido a diretor mas estava estacionado no posto de subgerente. Qual o motivo? Choque cultural, segundo o consultor. Tratava-se de uma em- presa alemã cujo ambiente de trabalho era circunspecto, silencioso e formal. O temperamento do gerente era oposto. Alegre e expansivo, gostava de contar casos engraçados e de rir. Os diretores viam seu comportamento como imaturo e não confiável. Podemos até imaginar dois deles tendo o seguinte diálogo (já traduzido para o português):  O que vamos fazer com o Eduardo?  Sinceramente, não sei.  Não tenho coragem de demiti-lo, pois ele é competente. Mas também não confio nele para posi- ções superiores, ele é meio moleque.  Ele é inteligente, bem preparado, mas está fora do padrão.  É uma pena ! O consultor apresentou à direção da empresa o diagnóstico de falta de afinidade cultural. Os direto- res, segundo ele, concordaram com sua avaliação “com extrema correção e sentido ético” e deixa- ram-no à vontade para encontrar outra oportunidade para aquele profissional. O consultor assim fez. Encontrou e ofereceu ao subgerente um cargo de direção em outra companhia, oferta que ele pron- tamente aceitou. Ao mencionar “choque cultural”, o consultor sugere que o problema teria sido causado pela discre- pância entre os valores da organização ― circunspecção, seriedade (restrição ao riso) e formalidade ― e os do profissional ― alegria, informalidade e riso fácil. As empresas, porém, dizem professar valores como integridade, ética, excelência, trabalho em equipe, inovação, transparência, aprendiza- do contínuo, confiança, qualidade, responsabilidade, foco no cliente, diversidade etc., numa lista que não inclui valores como os citados pelo consultor. Por que será? Talvez porque circunspecção, seriedade e formalidade não sejam realmente valores organizacionais, mas características de perso- nalidade. Se assim for, o caso não será mais de conflito de valores. Estaremos frente a uma organização que toma decisões empregatícias não com base no modo como o funcionário se comporta ou nos resul- tados por ele alcançados, mas em função daquilo que seus dirigentes consideram uma personalidade “boa” ou “má”. Será isto legítimo? A pergunta é importante porque, caso a resposta seja negativa, a empresa em questão terá praticado uma modalidade inusitada de discriminação: a discriminação de personalidade. Muitos especialistas em Ética recomendam que uma pessoa faça a si própria as seguintes perguntas quando estiver em dúvida sobre a moralidade de um ato: A ação é legal? Estarei sendo justo e ho- nesto? Minha ação resistirá ao teste do tempo? Como me sentirei depois? Como meu ato apareceria nos jornais? Conseguirei dormir tranqüilo? Terei coragem de dizer o que fiz a minha família, meus amigos e meus vizinhos? Como me sentirei se eles souberem? No caso, pode-se imaginar o seguin- te teste para a direção da empresa: teriam eles coragem de tornar público que recusaram a promoção ao subgerente em razão de sua “falta de maturidade e de confiabilidade” mas sem justificar a deci- são com base em seu desempenho concreto, que era ótimo? Teriam coragem de enfrentar um debate no Sindicato dos Metalúrgicos? De ir ao programa “Roda Viva” da TV Cultura? De enfrentar uma CPI? Outro aspecto a se considerar é que a empresa manteve o profissional “preso” no cargo de subgerente. Não o promoveu, não lhe comunicou que ele não seria promovido e não o demitiu. Pergunta-se se foi ética a conduta da companhia.
  • 2. Além do questionamento moral, também se podem fazer especulações jurídicas. Segundo o Código Civil, aquele que, por ação ou omissão, causar dano a outrem, fica obrigado a reparar o prejuízo. Trata-se, portanto, de saber: a) se a direção da companhia, ao omitir-se, teria sido negligente, recu- sando ao subgerente o direito de obter uma decisão da empresa; b) se sua manutenção no mesmo cargo por um longo tempo, sem justificativa plausível, ter-lhe-ia causado danos morais ou materiais, como por exemplo, prejudicado sua imagem profissional, sua carreira ou seus rendimentos. Se as respostas forem afirmativas, o profissional talvez tivesse direito a uma indenização. Este caso deveria servir de alerta. As empresas que afirmam respeitar a diversidade têm que enfren- tar a oposição de seus próprios funcionários, cuja tendência de rejeitar as pessoas “diferentes” os faz tentar impedir a contratação de indivíduos que “destoam”. Não é por outro motivo que as firmas de seleção de pessoal aconselham seus candidatos a se portarem de modo padronizado nas entrevistas. Se, entretanto, uma companhia, por descuido, admitir alguém que, depois, se mostre “diferente”, sempre haverá um mecanismo organizacional capaz de, mais cedo ou mais tarde, expelir o “indese- jável”. * Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas, professor universitário e autor do livro “Ética na gestão de pessoas”. Contato: farah@flaviofarah.com