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Aspectos epidemiológicos do diabetes mellitus e seu impacto no indivíduo e na sociedade
Capítulo 1 - Dra. Sandra Roberta Gouvea Ferreira1

O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é considerado uma das grandes epidemias mundiais do século
XXI e problema de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento. As
crescentes incidência e prevalência são atribuídas ao envelhecimento populacional, aos avanços
terapêuticos no tratamento da doença, mas, especialmente, ao estilo de vida atual, caracterizado
por inatividade física e hábitos alimentares que predispõem ao acúmulo de gordura corporal.
A maior sobrevida de indivíduos diabéticos aumenta as chances de desenvolvimento das
complicações crônicas da doença que estão associadas ao tempo de exposição à hiperglicemia.
Tais complicações - macroangiopatia, retinopatia, nefropatia e neuropatias - podem ser muito
debilitantes ao indivíduo e são muito onerosas ao sistema de saúde. A doença cardiovascular é a
primeira causa de mortalidade de indivíduos com DM2; a retinopatia representa a principal causa
de cegueira adquirida e a nefropatia uma das maiores responsáveis pelo ingresso a programas de
diálise e transplante; o pé diabético se constitui em importante causa de amputações de membros
inferiores. Assim, procedimentos diagnósticos e terapêuticos (cateterismo, bypass coronariano,
fotocoagulação retiniana, transplante renal e outros), hospitalizações, absenteísmo, invalidez e
morte prematura elevam substancialmente os custos diretos e indiretos da assistência à saúde da
população diabética. Ainda, o DM é acompanhado de outras morbidades que podem tornar os
custos                                       totais                                  exorbitantes.
Porém, hoje existem amplas evidências sobre a viabilidade da prevenção, tanto da doença como
de suas complicações crônicas. O número de indivíduos com DM dá uma idéia da magnitude do
problema e estimativas têm sido publicadas para diferentes regiões do mundo, incluindo o Brasil.
Em termos mundiais, 135 milhões apresentavam a doença em 1995, 240 milhões em 2005 e há
projeção para atingir 366 milhões em 2030, sendo que dois terços habitarão países em
desenvolvimento (1,2), como mostra a figura 1.




                                       Fig. 01 – Evolução do diabetes no mundo (2000 – 2030)



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 Material extraído de http://www.diabetesebook.org.br/modulo-1/4-fisiologia-e-fisiopatologia-das-celulas-beta-implicacoes-clinicas-e-terapeuticas-
e-Books: diabetes na prática clínica
No Brasil, o SUS (Sistema único de Saúde) vem progressivamente atendendo desde 1994 um
número crescente de pessoas com DM. A figura 2 mostra a evolução destes atendimentos no
período de 1998 a 2004.




               Fig. 02 – Evolução dos atendimentos do SUS no período de 1998 – 2004

Dados sobre prevalência de DM representativos da população residente em 9 capitais brasileiras
datam do final da década de 80 (3). Nesta época, estimou-se que, em média, 7,6% dos brasileiros
entre 30 e 69 anos de idade apresentavam DM, que incidia igualmente nos dois sexos, mas que
aumentava com a idade e a adiposidade corporal. As maiores taxas foram observadas em cidades
como São Paulo e Porto Alegre, sugerindo o papel da urbanização e industrialização na
patogênese do DM2, conforme mostra a figura 3.




    Fig. 03 – Prevalência do diabetes no Brasil conforme o Censo Nacional de Diabetes – 1986-1988
Um achado relevante foi o de que cerca da metade dos indivíduos diagnosticados diabéticos
desconhecia sua condição. Isso significa que os serviços de saúde têm diagnosticado casos de
DM tardiamente, dificultando o sucesso do tratamento em termos de prevenção das complicações
crônicas.

Infelizmente, as informações deste estudo multicêntrico sobre prevalência de DM no Brasil não
foram atualizadas. Dados representativos da população de Ribeirão Preto, interior de São Paulo,
foram mais recentemente publicados (4), conforme mostra a figura 4.




                  Fig. 04 – Prevalência de TGD e de DM no estudo de Ribeirão Preto

Segundo os dados do estudo de Ribeirão Preto, a prevalência do DM, na faixa dos 30 aos 69
anos, foi de 12,1% (em comparação com o Censo Nacional de Diabetes de 1988, no qual a
prevalência nessa mesma faixa etária foi de 7,6%) sugerindo que o DM deve estar se tornando
mais prevalente, pelo menos na população adulta residente neste estado. Para uma estimativa
mais atualizada da prevalência do DM numa determinada população, como num município, por
exemplo, deve-se levar em consideração a prevalência média do DM em 3 faixas etárias: abaixo
de 30 anos, entre 30 e 69 anos e com 70 anos ou mais, aplicando esses índices de prevalência às
respectivas populações de cada faixa etária, conforme o último censo populacional do IBGE. Com
esta metodologia de cálculo, utilizando-se a prevalência do estudo de Ribeirão Preto (12,1%) ao
invés da prevalência do Censo Nacional de Diabetes (7,6%) para a faixa etária de 30 a 69 anos, o
número estimado de portadores de DM no Brasil é de aproximadamente 10,3 milhões, conforme
mostra a figura 6.
Fig. 05 – Estimativa da população diabética em 2006 – Prevalência de 12%

Dados ainda mais preocupantes têm sido relatados para um subgrupo da nossa população, o de
ascendência japonesa (5). Estes apresentam pelo menos o dobro da prevalência de DM quando
comparado à população geral brasileira e os pesquisadores têm atribuído este fato tanto ao
ambiente ocidental como à predisposição genética, conforme mostra a figura 6.




          Fig. 06 – Prevalência de diabetes em descendentes de japoneses vivendo no Brasil

Com base nas estimativas e projeções sobre os números de indivíduos com DM e hipoteticamente
considerando uma ocorrência constante da doença ao longo do tempo, a Sociedade Brasileira de
Diabetes criou um “relógio” que continuamente alertaria sobre a ocorrência de novos casos de DM
no mundo. Este contador pode ser visto na home page do site da SBD. Apesar das grandes
limitações na criação deste relógio, é louvável a iniciativa de relembrar a todo o momento a
relevância deste problema de saúde. Para 2006, estima-se que existam 11 milhões de brasileiros
com DM (6).

Diante deste quadro alarmante sobre a situação do DM, tem-se buscado compreender causas ou
fatores determinantes, passo fundamental na tentativa de reverter a progressão desta epidemia.
Parte desta pode ser atribuída ao aumento global da expectativa de vida, observado inclusive no
Brasil, segundo o IBGE. Isso tem ocorrido principalmente devido à redução da mortalidade infantil,
o que também implica em aumento do percentual de casos de DM (7), de acordo com dados do
censo de 2005, contidos nohttp://www.ibge.org.br, mostrados na figura 7.




                             Fig. 07 – Expectativa de vida dos brasileiros

Não cabe aqui citar os avanços na identificação de fatores causais do DM2, mas é fundamental
que se reforce o papel definitivo do estilo de vida moderno que implica em acúmulo de
adiposidade corporal, sendo especialmente deletério na região visceral. Como contraprova para a
importância do estilo de vida para o risco de DM, estudos de grande porte, conduzidos em
diferentes partes do mundo, provaram que hábitos de vida mais saudáveis (dieta balanceada, rica
em fibras, visando peso corporal realisticamente adequado, associada à atividade física de, pelo
menos, 150 minutos semanais) são capazes - em indivíduos pré-diabéticos - de reduzir seu risco
de DM em 58% (8), conforme mostra a figura 8 que resume os resultados do estudo conduzido
pelo Finnish Diabetes Prevention Study Group (DPS) sobre a prevenção do DM2 em pessoas com
tolerância diminuída à glicose.
Fig. 08 – Risco de desenvolver diabetes - Finnish Diabetes Prevention Study Group (DPS)

Mais interessante ainda foi a observação no estudo desenvolvido pelo Diabetes Prevention
Program Research Group, conduzido nos EUA, no qual a tentativa de prevenção farmacológica da
doença, por meio da metformina, trouxe resultados piores que os observados com a mudança do
estilo de vida, com reduções no risco de DM de 31% e 58%, respectivamente (9), conforme
mostra a figura 9. Outros estudos de intervenção farmacológica, conduzidos em diferentes
populações, empregando medicamentos destinados ao tratamento da obesidade ou do DM2,
obtiveram sucesso na redução de risco, embora de magnitude inferior à alcançada com mudanças
no estilo de vida.




         Fig. 09 – Eficácia das alterações do estilo de vida na redução cumulativa do diabetes

A literatura dispõe de amplas evidências sobre a relevância do bom controle glicêmico e dos
demais fatores de risco cardiovascular na prevenção das complicações. Em se tratando do DM2,
o UKPDS, que no século passado questionou se a eficácia do controle glicêmico na preveniria as
complicações crônicas diabéticas, foi, até certo ponto frustrante. Isto porque, apesar de comprovar
significantes benefícios do controle da glicemia na prevenção da microangiopatia (retino e
nefropatia) - à semelhança do previamente documentado em portadores de DM1 no DCCT (10) -
não demonstrou redução de eventos cardiovasculares e morte (11). Ponderações sobre estes
resultados foram diversas na literatura e as razões para tais achados foram em parte explicadas.
A figura 10 resume os benefícios do controle da hipertensão e da glicemia em termos de redução
relativa de complicações.




    Fig. 10 – Benefícios do controle da hipertensão e da glicemia sobre a ocorrência de complicações

Outro marco importante na prevenção secundária foi a divulgação do estudo Steno-2 que
convenceu a sociedade científica da necessidade de se tratar intensivamente os múltiplos fatores
de risco (níveis glicêmicos, pressóricos, perfil lipídico e a microalbuminúria) para obter redução
significante também dos eventos cardiovasculares e mortalidade em indivíduos com DM2 (12). Tal
programa de tratamento intensivo dos múltiplos fatores de risco em pacientes com DM2 e
microalbuminúria reduz o risco de eventos cardiovasculares e microvasculares em cerca de 50%,
como mostra a figura 11.
Fig. 11 – Resultados do estudo STENO 2: eficácia da abordagem intensiva

Há consenso de que o indivíduo diabético é de altíssimo risco cardiovascular, comparável àquele
não-diabético que já apresentou um infarto do miocárdio (13). O estudo de Haffner e
colaboradores mostrou que a incidência de infarto agudo do miocárdio em indivíduos diabéticos
sem história prévia de doença arterial coronariana (DAC) é similar àquela dos indivíduos não
diabéticos com história prévia de DAC, conforme ilustra a figura 12.




 Fig. 12 – Incidência de infarto agudo do miocárdio em pacientes diabéticos com ou sem história prévia de
                                       doença arterial coronariana

Dessa forma, justificam-se as metas rigorosas em termos de valores de glicemia (jejum e pós-
prandial), hemoglobina glicada, pressão arterial e lipoproteínas estabelecidas por sociedades
científicas como a SBD, American Diabetes Association (14) e American Heart Association.

O estudo DECODE avaliou a correlação entre a tolerância à glicose e a mortalidade, fornecendo
convincentes evidências sobre a importância de se obter também a normalização da glicemia pós-
prandial como uma das metas importantes para a redução do risco cardiovascular (15), como
   mostra a figura 13.




               Fig. 13 – Estudo DECODE: a importância da normalização da glicemia pós prandial

   Um dos grandes questionamentos atuais dos diabetologistas é o quanto abaixar a HbA1c para
   reduzir o risco de eventos cardiovascular. Estudos desenvolvidos (ACCORD, ADVANCE e VADT)
   para responder a esta questão trouxeram resultados preocupantes no sentido de relatarem até
   aumento na mortalidade cardiovascular com controle glicêmico rigoroso de indivíduos com DM2
   de longa duração (16).

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9. Diabetes Prevention Program Research Group. Reduction of the incidence of type 2 diabetes with life style
   intervention or metformin: N.Engl J Med 346: 393-403, 2002.
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   cardiovascular disease in patients with type 2 diabetes: N Engl J Med 2003, 348: 383-393, 2003.
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   Obesity 18: 104–109, 2011.

                                         DIAGNÓSTICO DO DIABETES
   Capítulo 2
   Dr. Leão Zagury. Dr. Roberto Luis Zagury.Dr. Ricardo de Andrade Oliveira

   O diabetes mellitus (DM) é um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos caracterizados por
   hiperglicemia crônica com alterações do metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios,
   resultante de defeitos na secreção ou ação da insulina ou ambas. Independente de sua etiologia,
   o DM passa por vários estágios clínicos durante sua evolução natural.

   Atualmente, em todo o mundo ocorre uma pandemia de obesidade e diabetes mellitus (DM) do
   tipo 2. Dados norte-americanos indicam que naquele país, por exemplo, cerca de 24 milhões de
   pessoas são afetadas por esta enfermidade, estimando-se, ainda, cerca de 1 milhão e meio de
   novos casos por ano. Esta epidemia afeta tanto os países desenvolvidos quanto aqueles ainda em
   desenvolvimento, de modo que se prevê que aumente dramaticamente até o ano de 2025.
   Entretanto, um número ainda mais expressivo de indivíduos, na faixa de 57 milhões norte-
   americanos, tem pré-diabetes, termo utilizado para enquadrar aqueles indivíduos cujos níveis
   glicêmicos encontram-se acima dos valores normais da população não-diabética, porém não
   preenchem os critérios de DM. Destes, uma parcela considerável já tem lesão de órgãos-alvo, em
   especial lesões microvasculares características do DM que podem levar a cegueira, insuficiência
   renal e amputações. O aumento do numero de diabéticos e pré diabéticos se deve ao estilo vida
   contemporâneo que induz sobrepeso e obesidade. Essas alterações, acompanhadas de
   predisposição genética e resistência insulínica, resultam no aumento dos níveis glicêmicos. A
   doença pode ser reconhecida nos estágios iniciais a que chamamos de intolerância a glicose. O
   DM pode se apresentar com sintomas característicos, como sede, polúria, visão turva, perda
   ponderal e hiperfagia, e em suas formas mais graves, com cetoacidose ou estado hiperosmolar
   não-cetótico. Estes últimos, na ausência de tratamento adequado, podem levar ao coma e até a
   morte. Frequentemente, os sintomas não são evidentes ou estão ausentes, principalmente no
   estagio de pré-diabetes. Desta forma, hiperglicemia pode já estar presente muito tempo antes do
   diagnóstico de DM. Consequentemente, o diagnóstico de DM ou pré-diabetes é frequentemente
   descoberto em decorrência de resultados anormais de exames de sangue ou de urina realizados
em avaliação laboratorial, ou quando da descoberta de complicação relacionada ao DM. Estima-
se que o número de casos não-diagnosticados seja igual ao dos diagnosticados. Existem
evidências sugerindo que as complicações relacionadas ao DM começam precocemente ainda na
fase de mínimas alterações na glicemia progredindo nos estágios de pré-diabetes e,
posteriormente, DM. Por esse motivo se torna extremamente importante diagnosticar alterações
na glicemia precocemente. Níveis glicêmicos elevados em jejum e, principalmente, pós-prandiais
implicam em maior risco cardiovascular.

Os idosos diabéticos constituem um grupo peculiar, onde os sintomas clássicos costumam estar
ausentes e manifestações menos comuns podem ocorrer. Enquanto nos jovens a glicosúria pode
ser observada com valores de glicemia acima de 180 mg/dL, nos idosos geralmente só ocorre
quando a glicemia ultrapassa 220 mg/dL, em virtude de uma fisiologicamente menor taxa de
filtração glomerular nesta faixa etária. Além disso, nesta população é comum a atenuação nos
mecanismos da sede. Sintomas como mialgia, fadiga, adinamia, estado confusional e
incontinência urinária são frequentes. As dores musculares podem ocorrer em consequência da
chamada amiotrofia diabética, condição clínica caracterizada por fraqueza dolorosa e assimétrica
na musculatura pélvica, com curso benigno e resolução com o tratamento do DM.
Caracteristicamente, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) costuma estar presente nestes
indivíduos e tais pacientes apresentam maior taxa de complicações micro e macrovasculares. A
diurese osmótica ocorre quando os níveis glicêmicos se tornam muito elevados, acima da taxa de
reabsorção tubular, podendo levar aos sinais e sintomas característicos (poliúria, polidipsia e
perda ponderal), os quais, em última instância, podem induzir desidratação. Com frequência,
estes indivíduos apresentam queixas de turvação visual, nem sempre valorizada, em razão das
alterações visuais comuns nessa faixa etária. Infecções fúngicas e bacterianas podem ser o
primeiro sinal de descompensação glicêmica tanto em idoso quanto nos mais jovens.

Aplica-se o termo pré-diabetes àqueles indivíduos com uma glicemia de jejum alterada (GJA) e/ou
tolerância à glicose diminuída (TGD). Define-se GJA valores de glicemia em jejum mais elevados
do que o valor de referência normal, porém inferiores aos níveis diagnósticos de DM: GJ entre 100
e 125 mg/dL. Embora a Organização Mundial de Saúde ainda não tenha adotado esse critério,
tanto a Sociedade Brasileira de Diabetes assim como a Academia Americana de Diabetes já
utilizam tal ponto de corte (GJ normal até 99 mg/dL). Já a TGD é caracterizada por uma alteração
na regulação da glicose no estado pós-sobrecarga (TOTG: teste oral de tolerância à glicose com
75 g de dextrosol). Níveis glicêmicos 2 horas após o TOTG entre 140 e 199 mg/dL definem a
TGD.

O método de escolha para a aferição da glicemia é a mensuração plasmática. Coleta-se o sangue
num tubo com fluoreto de sódio, centrifugado, com separação do plasma, que deverá ser
congelado para uma posterior utilização. A glicemia de jejum deve ser realizada pela manhã, após
jejum de apenas 8 horas. A realização do TOTG deve obedecer a alguns pré-requisitos: jejum
entre 10 e 16 horas; ingestão de um mínimo de 150 gramas de carboidrato nos 3 dias que
antecedem a realização do teste; atividade física habitual; comunicar a presença de infecções ou
medicações que possam interferir no resultado do teste; utilização de 1,75 g de glicose (dextrosol)
por quilograma de peso até o máximo de 75 gramas.
Aos indivíduos com GJA e/ou TGD, aplica-se, então, a expressão pré-diabetes, em virtude do alto
risco de que venham a desenvolver DM no futuro. Tais condições representam um estado
intermediário de alteração do metabolismo da glicose, não devendo ser encaradas como uma
condição benigna, uma vez que aumentam em até 2 vezes a mortalidade cardiovascular. Cerca
de metade dos pacientes portadores de TGD preenchem os critérios de síndrome metabólica. A
progressão para DM nos pacientes com GJA é de 6-10% por ano, enquanto que a incidência
cumulativa de DM nos portadores de GJA e TGD é da ordem de 60% em 6 anos. No entanto, tais
condições não devem ser encaradas como entidades clínicas isoladas e distintas, e sim, como
fatores de risco para DM, assim como para doença cardiovascular. Com base nisso, recentemente
a Academia Americana de Diabetes definiu as chamadas “Categorias de Risco Aumentado para
Diabetes”, nomenclatura vista por vários autores como mais adequada do que o termo pré-
diabetes, uma vez que nem todos os indivíduos com esta condição evoluirão para DM. Dentro
destas categorias de risco aumentado, encontram-se, além da GJA e TGD, aqueles com níveis de
hemoglobina glicada (A1C) entre 5,7 e 6,4%( Tabela 2).




Nos últimos anos, o interesse no estudo desta fase que antecede o DM vem aumentando
exponencialmente. Ensaios clínicos randomizados mostraram que aos indivíduos de alto risco de
progressão para DM (GJA, TGD ou ambos) podem ser oferecidas intervenções que diminuam tal
taxa de progressão. Estas medidas incluem: modificação do estilo de vida, qual se mostrou ser
muito eficaz com redução do risco significativa; uso de medicações (metformina, acarbose,
orlistat, tiazolidinedionas e outros), os quais reduzem em graus variados tais taxas de progressão
da doença. O Finish Diabetes Prevention Study (DPS) e o Diabetes Prevention Study (DPP)
mostraram que mudanças no padrão alimentar e na atividade física implicaram numa redução do
risco de progressão para DM de até 58%. O DPP, o qual testou a metformina (MTF), e o STOP-
NIDDM, o qual testou acarbose, identificaram uma redução no risco de progressão para DM de
31% e 32%, respectivamente. O estudo XENDOS, o qual utilizou orlistat por 4 anos em indivíduos
obesos e portadores de pré-diabetes, mostrou uma redução de 37% na progressão para DM
nestes indivíduos. O ACT-NOW, o qual encontra-se em andamento, avaliará o impacto da
pioglitazona neste contexto. O estudo NAVIGATOR, o qual avaliou o papel na nateglinida e do
valsartan sobre a progressão para DM, no entanto, não encontrou redução de risco alguma. A
ADA, em sua mais recente diretriz (2011) recomenda, de modo consensual, a MTF como única
droga a ser considerada no estado de pré-diabetes, em virtude do baixo custo, segurança e
persistência de seu efeito a longo prazo. É válido, no entanto, registrar que foi significativamente
menos eficaz do que modificação do estilo de vida e atividade física, as quais indubitavelmente
devem ser sempre tentadas ao máximo. Ela deve, portanto, ser considerada para aqueles
pacientes de muito alto risco (vários fatores de risco para DM e/ou hiperglicemia progressiva e de
grande magnitude). Ressalta-se, ainda, que no estudo DPP ela foi mais eficaz até do que a
modificação do estilo de vida nos indivíduos com índice de massa corporal maior que 35 kg/m2 e
não foi mais eficaz do que o placebo naqueles com idade superior a 60 anos.
Há décadas o diagnóstico de DM vem se baseando na GJ e no TOTG, utilizando os níveis de GJ
e sua associação com retinopatia para se definir o ponto de corte acima do qual o risco de
comprometimento da retina aumenta. Com base nisso, chegou-se aos pontos de corte de 126
mg/dL em jejum e 200 mg/dL após a sobrecarga de glicose anidra.
A hemoglobina glicada, também conhecida como glicohemoglobina ou HbA1C, embora seja
utilizada desde 1958 como ferramenta na avaliação do controle glicêmico de diabéticos, passou a
ser cada vez mais empregada e aceita pela comunidade científica após 1993 quando foi validada
pelos estudos DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) e UKPDS (United Kingdom
Proscpective Diabetes Study). A A1C é sabidamente um marcador de hiperglicemia crônica,
refletindo a média dos níveis glicêmicos nos últimos 2 a 3 meses. Tem impacto crucial no
acompanhamento dos diabéticos, uma vez que possui uma boa correlação com lesão
microvascular e, em menor proporção, com lesão macrovascular. Até pouco tempo sua utilidade
era apenas para acompanhamento do controle glicêmico, e não, para fins diagnósticos, uma vez
que não havia padronização adequada do método. Atualmente já existe padronização do teste,
que deve ser realizado pelo método de cromatografia líquida de alta performance (HPLC). O
HPLC foi validado em diferentes populações com uma boa reprodutibilidade entre elas e
permanece estável após a coleta, o que não ocorre quando se afere a glicose diretamente. É
válido lembrar que, mesmo quando se realiza a dosagem da glicemia nas condições ideais, há
chance de erro pré-analítico, de modo que reduções na ordem de 3 a 10 mg/dL na glicemia
plasmática podem ocorrer mesmo em não-diabéticos, determinando erro de até 12% dos
indivíduos. A determinação da A1C, além de não requerer jejum, tem as seguintes vantagens:
maior estabilidade pré-analítica, menor interferência de outras condições agudas que possam
interferir com a glicemia como infecções e outros estresses metabólicos. Recomenda-se que os
laboratórios clínicos usem preferencialmente os métodos de ensaio certificados pelo National
Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) com rastreabilidade de desempenho analítico
ao método utilizado no DCCT (HPLC).
Com base nisso, em 2009, após publicação em seu compêndio oficial, a ADA passou a adotar a
hemoglobina glicada como mais uma ferramenta diagnóstica para o DM. Valores de A1C maiores
ou iguais a 6,5% indicam o diagnóstico de DM(Tabela 3). O ponto de corte de 6,5% não é
arbitrário, e representa o ponto de inflexão da curva de prevalência de retinopatia, assim como
ocorre com os valores diagnósticos da GJ e TOTG. Os já consagrados e conhecidos critérios
diagnósticos de DM baseados na GJ e no TOTG permanecem válidos e inalterados.
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    FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DAS CÉLULAS BETA: IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E TERAPÊUTICAS
   Capítulo 3 - Dr. Lício Velloso. Dr. Augusto Pimazoni Netto

   O Pâncreas Endócrino
   A porção endócrina do pâncreas é composta por agregados celulares denominados ilhotas de
   Langerhans (Fig. 1) distribuídas no parênquima pancreático em um número que varia de 300 mil a
   1,5 milhão, compostas por quatro tipos celulares [1,2]:
Células alfa, produtoras de glucagon (15-20% do total);

  Células beta, produtoras de insulina (70-80%);

  Células delta, produtoras de somatostatina (5%);

   Células PP produtoras de peptídeo pancreático (1%)
(Figura 2).

                                                            Fig. 01 - Estrutura das ilhotas de Langerhans




                     Fig. 02 - Células secretoras nas ilhotas de Langerhans

Com os avanços alcançados na obtenção e caracterização de células-tronco, torna-se importante
conhecer a origem embrionária e as características de expressão gênica do pâncreas endócrino, e
particularmente da célula beta.
Evidências histológicas revelam que o pâncreas endócrino se origina a partir de precursores do
epitélio endodérmico [3], que podem ser identificados, por volta da metade da gestação, como
agregados de poucas células ainda fundidas ao epitélio dos ductos pancreáticos em formação.
Ainda durante o segundo terço do período gestacional, ilhotas já apresentando características
mais próximas às de adultos, podem ser vistas ligadas a ductos pancreáticos. Somente poucas
semanas antes do final da gestação serão identificadas ilhotas totalmente envoltas por
parênquima pancreático exócrino e com morfologia e distribuição celular definitiva [4].

Os mecanismos de diferenciação celular que levam ao desenvolvimento das células beta são
alvos de intensa investigação, pois podem revelar meios de se obter células produtoras de
insulina a partir de precursores indiferenciados.

Genes da família Notch são expressos em ductos pancreáticos e parecem atuar como
repressores do desenvolvimento de células do pâncreas endócrino [5].
Sua supressão faz com que genes comprometidos com as diferentes linhagens endócrinas
possam ser ativados. Desses, os mais importantes são; Pdx1, envolvido na ativação do gene da
insulina e de GLUT2; Isl1, envolvido no controle transcricional do gene da insulina; genes da
família Pax, importantes na maturação da célula beta; e genes Nkx, importantes na expansão
numérica da população de células beta [6].

Produção e Secreção de Insulina
A expressão do gene da insulina é restrita à célula beta pancreática, o que confere a esse tipo
celular o controle total sobre o único hormônio hipoglicemiante existente [7]. O gene da insulina se
localiza no cromossomo 2 (2p21) sendo composto por 3 exons que codificam uma proteína
imatura denominada pré-proinsulina [8], a partir da qual formar-se a pró-insulina com 86
aminoácidos. Este peptídeo é então direcionado para grânulos secretórios, onde, por ação de três
enzimas, PC2, PC3 e carboxipeptidase H, gerará a insulina com 51 aminoácidos e o peptídeo C, o
qual é armazenado e secretado em concentração equimolar à insulina (Fig. 3) [9].




                           Fig. 03 - As moléculas de insulina e de peptídeo C

Mutações no gene da insulina são raras, porém algumas formas são relacionadas ao
desenvolvimento de DM por levarem à produção de uma forma de insulina com baixa atividade
biológica. Pacientes com tais mutações são hiperinsulinêmicos e inicialmente intolerantes à
glicose, progredindo para a hiperglicemia. De forma interessante e diferente do que ocorre com
pacientes com forma clássica de DM2, tais indivíduos tem resposta normal à insulina exógena
[10].
Sob condições fisiológicas, as concentrações sanguíneas da glicose oscilam numa faixa estreita.
Tal fenômeno, que garante simultaneamente oferta adequada de nutrientes aos tecidos e
proteção contra a neuroglicopenia, só é possível graças a um sistema hormonal integrado e
eficiente, composto por um hormônio hipoglicemiante, a insulina, e alguns hormônios
hiperglicemiantes como, o glucagon, o cortisol, a adrenalina e o hormônio de crescimento. Por se
tratar do único hormônio hipoglicemiante, a insulina dispõe de um eficiente e finamente regulado
sistema de controle de secreção.
A glicose é o principal estimulador da secreção de insulina (Fig. 4). Sua entrada na célula beta é
garantida por um transportador de alta capacidade e baixa afinidade denominado GLUT2. Após
sua entrada, a glicose é fosforilada em glicose-6-fosfato pela ação da enzima glicoquinase
(hexoquinase IV), sendo a seguir direcionada à glicólise, etapa que consome 90% da glicose
transportada ao interior da célula beta e responsável pela geração de piruvato [11]. Mutações do
gene da glicoquinase não são infrequentes e levam a uma forma de DM chamada MODY2
(maturity-onset diabetes of the young).




                                                             Fig. 04 - Mecanismo de ação dos
secretagogos de insulina
O piruvato é direcionado à mitocôndria, transformado em acetil CoA e metabolizado pelo ciclo de
Krebs para produção de ATP (Fig. 4). Com o aumento da relação ATP/ADP no intracelular, ocorre
o fechamento de canais de K+ - ATP dependentes o que leva à despolarização da membrana. A
abertura dos canais de Ca2+ - voltagem dependente permite influxo de Ca2+ para a célula beta,
que ativa um complexo sistema efetor, cujo resultado é a secreção de insulina (Fig. 4) [11]. Além
da glicose, poucos nutrientes (leucina, a glutamina, a alanina, a arginina, a frutose, e alguns
ácidos graxos) podem induzir de forma independente ou de forma potencializadora (do efeito
primário da glicose) a secreção de insulina [12].
Vários mecanismos complementares desempenham papel importante na regulação da secreção
basal e estimulada da insulina, sendo os mais importantes, os hormonais, particularmente o
glucagon, a somatostatina, a adrenalina, o cortisol, o hormônio de crescimento, a leptina e a
própria insulina; e os neurais, que por estímulo colinérgico aumentam, e por estímulo adrenérgico
inibem a secreção da insulina [13,17].
É importante ressaltar que alguns medicamentos em uso clínico modulam a secreção de insulina
por atuarem em etapas fundamentais do processo secretório. As sulfoniluréias e as glinidas se
ligam a uma proteína componente dos canais de K+ - ATP dependentes, chamada SUR1. Tal
interação promove o fechamento desses canais, despolarizando a célula beta e induzindo a
abertura de canais de Ca2+ - voltagens dependentes.
Referência ao DM Neonatal
De forma inversa, a diazoxida também interage com proteínas SUR1, porém neste caso
impedindo o fechamento dos canais de K+ - ATP dependentes, mesmo quando a relação
ATP/ADT intracelular favorece tal evento. Essa droga, utilizada em algumas condições
oftalmológicas, inibe a secreção de insulina estimulada por glicose. Bloqueadores de canais de
Ca2+ como verapamil e nifedipina, utilizados no tratamento da hipertensão arterial, reduzem o
influxo de Ca2+ e inibem a secreção de insulina induzida por glicose, entretanto seu efeito
inibitório, por ser moderado, raramente se torna um problema na prática clínica [18]
Distúrbios funcionais das Ilhotas Pancreáticas nas principais Forma de DM
As perdas funcionais, totais ou parciais, da capacidade produtora e secretória da célula beta
pancreática, foram consideradas, em tempos pregressos, como um fenômeno presente apenas
em DM tipo 1, em algumas formas genéticas de diabetes, hoje reconhecidos como MODY, e em
algumas formas de DM decorrentes da perda funcional pancreática produzida por drogas, agentes
tóxicos ou doenças do pâncreas exócrino que afetem a função endócrina.
Hoje, reconhece-se que na forma mais prevalente de DM, o DM2, a perda funcional da célula beta
é condição sine qua non para o desenvolvimento do quadro hiperglicêmico.




              Fig. 05 - Perda da função pancreática com o decorrer do tempo de diabetes
Serão discutidas a seguir as principais características dos distúrbios funcionais da célula beta no
DM1A, DM2 e em algumas formas de MODY.

Diabetes mellitus tipo 1A
A destruição progressiva e específica das células beta pancreáticas por mecanismo autoimune é a
base fisiopatológica do DM1A. As razões pelas quais alguns indivíduos na população passam, em
um determinado momento de suas vidas, a apresentar reatividade autoimune contra antígenos
próprios da célula beta é questão de intensa investigação.
Entre as razões mais aceitas no momento, encontram-se a falha na seleção linfocitária no timo
durante a ontogênese do sistema imune; a expressão anômala de auto-antígenos através de
algumas moléculas do MHC (o que explicaria o risco relativo elevado oferecido por alguns
genótipos de HLA, particularmente DR3 e DR4); a infecção por alguns tipos de vírus ou bactérias
em indivíduos geneticamente predispostos; ou ainda a exposição a fármacos, alimentos ou a
outros fatores ambientais pouco conhecidos [19].
A destruição da célula beta é dependente de uma resposta imunológica predominantemente
celular, com ativação de linfócitos T- CD4 e -CD8.
Em modelos animais, a doença pode ser induzida independente da presença de linfócitos T-CD8,
mas não da presença de T-CD4, o que sugere que a expressão ?, coordenada por taisg? e
IFNblocal de citocinas, principalmente TNF-alfa, IL-1 linfócitos, é fator necessário à destruição
celular. Na prática clínica, detecta-se a presença de autoanticorpos contra antígenos da célula
beta em todos os pacientes com DM1A.
Tais anticorpos não desempenham papel importante na destruição das células insulino-
produtoras, mas servem como marcadores da doença e são utilizados como fatores preditivos
para screening populacional ou na investigação de indivíduos sob risco acentuado de desenvolver
a doença. Os principais autoanticorpos que podem ser determinados por métodos disponíveis em
laboratórios de referência são ICA, insulina, GAD65 e ICA512 [20,21].
Como a lesão das células beta pancreáticas é dependente de mecanismos autoimunes estudos
clínicos com uso de imunossupressores, na tentativa de se impedir a progressão da doença,
foram realizados nas últimas décadas. O uso do potente imunossupressor ciclosporina A foi capaz
de deter o avanço da doença enquanto em uso, entretanto as consequências da potente
imunossupressão associadas a outros efeitos colaterais do fármaco inviabilizam seu uso clínico.
Outras abordagens imunossupressoras ou imunomoduladoras como metotrexate, nicotinamida,
BCG, timodulina e insulinoterapia oral, tiveram resultados insatisfatórios no controle da doença
[22].

MODY

Maturity-onset diabetes of the young é definido como uma forma de DM monogênica, dominante,
decorrente de mutações em genes que levam a disfunção da célula beta. De uma forma geral, há
baixa produção de insulina frente a necessidades básicas periféricas. Pacientes são jovens,
magros e há recorrência familiar por pelo menos duas gerações. De acordo com dados de vários
estudos populacionais os genes mais frequentemente envolvidos são: HNF-1 alfa (MODY3), 52%
dos casos; e, glicoquinase (MODY2), 14% dos casos; outros genes afetados de forma mais rara
são HNF-4 alfa (MODY1) e HNF-1 beta (MODY5). Aproximadamente 10% dos pacientes que
preenchem critérios clínicos e familiares para diagnóstico de MODY não têm genes envolvidos
identificados                                                                          [24].

Diabetes Mellitus Tipo 2
A incapacidade da célula beta em responder à crescente demanda periférica de insulina,
observada durante a evolução progressiva da insulino-resistência em indivíduos intolerantes à
glicose, é aceito hoje como o fenômeno determinante no desenvolvimento do DM2. Alguns fatos
corroboram tal conceito. Primeiro, todos os pacientes com DM2 tem disfunção mensurável da
célula beta; segundo, a magnitude da insulino-resistência, após instalada sofre pequeno ou
nenhum incremento com o tempo, por outro lado, a deterioração da função da célula beta é
progressiva; terceiro, há perda progressiva da resposta da célula beta à terapêutica com
sulfoniluréias                                                                           [20].

A primeira e mais marcante evidência clínica da disfunção da célula beta em pacientes com
predisposição para DM2 é a perda da primeira fase de secreção de insulina. (Fig.6).




                      Fig. 06 - As duas fases da secreção fisiológica da insulina

Alterações na segunda fase de secreção e modificação no padrão pulsátil de secreção aparecem
com a evolução da doença. Durante a evolução da resistência à insulina, particularmente em
indivíduos obesos, observa-se aumento progressivo da concentração sanguínea basal de insulina.
Esse incremento pode ser mantido em algumas pessoas, e perdido em outras. As primeiras se
manterão normoglicêmicas e resistentes à insulina, enquanto as segundas perderão
definitivamente a capacidade de manter a homeostase da glicose [23].

Várias causas têm sido apontadas como determinantes da perda funcional da célula beta. Alguns
polimorfismos, como do fator de transcrição TCF7L2 ou da proteína Kir6.2, foram identificados em
populações especificas, porém alterações genéticas comuns a múltiplas populações não foram
identificadas.

Entre causas aparentemente não-genéticas discutem-se os papéis da disfunção mitocondrial com
aumento da produção de espécies reativas de oxigênio, da glicotoxicidade, da lipotoxicidade, do
estresse de retículo endoplasmático e finalmente da própria ação autócrina e parácrina da
insulina, promovendo controle de sua própria síntese e secreção [14,15,23].

Dada a complexidade genética e a multifatorialidade ambiental de DM2, acredita-se que no futuro
distintos mecanismos fisiopatológicos serão caracterizados, todos levando a um quadro clínico
comum com coexistência da resistência à insulina e falência da célula beta.

Resistência à insulina X deficiência insulínica: aspectos clínicos e implicações
terapêuticas.
Conforme mencionado, a hiperglicemia do DM2 resulta de dois mecanismos básicos, a resistência
periférica à ação da insulina e a deficiência da produção deste hormônio pelas células beta do
pâncreas, como mostra a figura 7.




                              Fig. 07 - Fatores geradores da hiperglicemia

Tais mecanismos podem ser precipitados pela presença de certos fatores como uma
predisposição genética, a obesidade, a inatividade física e o envelhecimento, que interferem ou na
reserva funcional das células beta ou na sensibilidade tecidual à insulina ou em ambos os
defeitos. É difícil definir, para cada paciente, qual a participação do componente de resistência à
insulina e da deficiência insulínica mas, na maioria dos casos, as duas condições coexistem em
proporções diferentes para diferentes pacientes. Os indivíduos obesos são em geral mais
resistentes à insulina, apresentam insulinemia elevada e mais frequentemente intolerância à
glicose. Uma linha de investigação sugere o envolvimento do acúmulo de gordura visceral na
gênese da resistência à insulina. Porém, não está totalmente esclarecido qual defeito ocorre
primeiro.

A perda de função da célula beta é um fator que aparece precocemente no desenvolvimento do
DM2. Em condições normais, a secreção insulínica ocorre em dois picos ao se iniciar uma
refeição: o primeiro pico é necessário para a utilização da glicose proveniente da refeição e
também para sinalizar o fígado e inibir a produção endógena de glicose logo após a refeição. No
indivíduo sadio, as duas fases de secreção de insulina estão preservadas enquanto no portador
de DM, há perda da primeira fase e atraso na segunda fase deste processo (figura 8).




 Fig. 08 - No portador de DM2, o estímulo de glicose não promove a primeira fase da secreção de insulina

Há evidências de que o declínio da função da célula beta possa ocorrer até 10 anos antes do
momento do diagnóstico. Como o diagnóstico do DM em geral é feito tardiamente, o que se
observa é que ao diagnosticar a doença o paciente já apresenta deficiência na capacidade
secretória de insulina da ordem de 50%.

Na evolução do DM, cada um dos mecanismos básicos tem um padrão de evolução específico,
podendo ter início até 10 anos antes do diagnóstico. Na fase inicial do processo, tanto a
resistência à insulina como a deficiência insulínica apresentam uma curva ascendente, refletindo a
situação clínica que ocorre progressivamente na fase de pré-diabetes: à medida que a resistência
à insulina progride, as células beta respondem com aumento inicial na secreção de insulina, com
o objetivo de superar os efeitos hiperglicemiantes da resistência à insulina.

Em geral, quando a doença é diagnosticada já existe um estado de deficiência insulínica
progressivo, manifesto por níveis cada vez mais baixos de insulinemia. Entretanto, é importante
salientar que a resistência à insulina pode aumentar substancialmente se o indivíduo continuar a
ganhar peso, devido à hipertrofia do tecido adiposo particularmente visceral.

Por outro lado, quando o indivíduo perde 5% a 10% do peso corpóreo, essa perda aparentemente
discreta já apresenta um impacto positivo importante na diminuição da resistência à insulina, o
que se reflete por necessidades de doses menores de antidiabéticos, que eventualmente poderão
ser inclusive suspensos se o componente de resistência à insulina for significativo e se a perda de
peso for mais acentuada.

Glicotoxidade e Lipotoxicidade como fatores Hiperglicemiantes

A glicotoxicidade caracteriza-se por efeitos adversos da hiperglicemia crônica sobre a função da
célula beta e incluem três consequências distintas: diminuição da tolerância à glicose; exaustão
das células beta e redução da massa de células beta por apoptose. A diminuição da tolerância à
glicose deve-se a uma refratariedade reversível do mecanismo de liberação da insulina produzida
após a exposição a níveis elevados de glicemia devida a auto-oxidação da célula beta. Nessas
circunstâncias, ocorre um mecanismo fisiológico adaptativo para preservar a célula beta,
reduzindo a primeira fase de produção de insulina e promovendo menor supressão da liberação
hepática de glicose após as refeições, aumentando ainda mais a hiperglicemia pós-prandial.

A consequência prática direta da glicotoxicidade é a incapacidade de alguns pacientes com
glicemia bastante elevada, geralmente acima de 300 mg/dl em jejum, no sentido de não
conseguirem uma redução adequada dos níveis glicêmicos apenas com o tratamento oral,
necessitando de um período variável de terapia insulínica para restaurar os níveis glicêmicos para
patamares aceitáveis. Para muitos pacientes, essa conduta terapêutica controla a glicotoxicidade
e permite que o paciente passe a responder adequadamente aos antidiabéticos orais.
Fig. 09 - Fatores geradores da hiperglicemia

A lipotoxidade geralmente ocorre em portadores de DM2 e obesidade, com adiposidade visceral.
Neste caso, são os níveis elevados de ácidos graxos, por períodos prolongados, que resultam em
resposta diminuída das células beta aos níveis de glicose sanguínea. Em condições normais, os
ácidos graxos são uma forma de energia para as células beta mas se tornam tóxicos quando em
concentrações cronicamente elevadas e em indivíduos geneticamente predispostos ao DM2. Os
efeitos deletérios dos ácidos graxos são mediados pela presença do excesso de glicose, uma vez
que os lípides aumentados não alteram a função das células beta em modelos animais mantidos
em níveis normais de glicemia.

Implicações terapêuticas da resistência à insulina e da deficiência insulínica
Atualmente, dispomos de várias opções farmacológicas para o tratamento do DM2, as quais foram
desenvolvidas graças aos conhecimentos adquiridos sobre a fisiopatologia da resistência à
insulina e da deficiência insulínica. Os medicamentos que agem combatendo a resistência
periférica à ação da insulina exercem seus efeitos terapêuticos através de dois mecanismos
básicos: estimulando a captação de glicose pelos músculos e tecido adiposo e reduzindo a
liberação de glicose pelo fígado. Este grupo de fármacos é conhecido como “grupo dos
sensibilizadores da insulina” e inclui duas classes terapêuticas: as biguanidas (metformina) e as
glitazonas. Ambas apresentam os mecanismos de ação semelhantes, porém, com intensidades e
tecidos distintos. Por exemplo, a metformina age preponderantemente no fígado, reduzindo a
liberação hepática de glicose, mas também age secundariamente em nível dos músculos e do
tecido adiposo, diminuindo a resistência à ação da insulina. Por outro lado, a preponderância de
mecanismos de ação é inversa no caso das glitazonas, ou seja, estas agem preponderantemente
nos músculos e no tecido adiposo e também apresentam ação redutora sobre a liberação de
glicose pelo fígado, embora em menor escala que a metformina.

Por outro lado, o grupo terapêutico que age estimulando a produção interna de insulina pelas
células beta é representado pelos chamados “secretagogos de insulina”, os quais podem ser de
curta duração (como as glinidas, para uso prandial, com duração aproximada de 2 horas) ou de
duração mais ampliada (como as sulfoniluréias, para cobertura insulínica por períodos de 12 a 24
horas).

É importante notar que os sensibilizadores da ação periférica da insulina não costumam causar
hipoglicemia, mesmo quando o paciente não se alimenta nos horários previstos. Por outro lado, os
secretagogos de insulina de duração mais prolongada continuarão a exercer seu efeito
estimulador da secreção de insulina pelas células beta, independentemente do paciente ter ou
   não se alimentado nos horários previstos. Por essa razão, deve-se sempre ter em mente a
   possibilidade da ocorrência de hipoglicemias nestes pacientes, principalmente quando as
   refeições não acontecem nas quantidades e nos horários previstos.

   Outro grupo terapêutico é constituído por fármacos que retardam a absorção intestinal da glicose
   e, assim, reduzem a hiperglicemia pós-prandial. Esses quatro grupos terapêuticos mencionados e
   seus respectivos mecanismos de ação estão resumidos na figura 10 a seguir.




                       Fig. 10 - Os diferentes mecanismos de ação dos antidiabéticos orais

   Mais recentemente, uma nova classe de medicamentos está sendo introduzida, com uma
   abordagem terapêutica direcionada à inibição da secreção de glucagon, um hormônio produzido
   pelas células alfa das ilhotas pancreáticas e que apresenta um efeito oposto ao da insulina, ou
   seja, um efeito hiperglicemiante. Os chamados hormônios intestinais ou incretinas exercem
   fisiologicamente essa função.
   Dois grupos terapêuticos exercem uma ação farmacológica semelhante à das incretinas: os
   incretinomiméticos e os inibidores da enzima DPP-IV. Por se tratar de agentes terapêuticos ainda
   não lançados em alguns países, ainda não se definiu a participação desse grupo nos algoritmos
   de tratamento do DM2. Devido à grande atualidade deste tema, sugerimos a leitura de capítulos
   específicos sobre o assunto mencionados a seguir.

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   O sistema renina-angiotensina na resistência à insulina e hipertensão
   Capítulo 4 - Dra. Sandra Ferreira

   Introdução
   DM e hipertensão arterial (HA), isoladamente, estão associados à elevada morbi-mortalidade
   cardiovascular. Estudos epidemiológicos revelam que HA é cerca de 2 vezes mais frequente
   nos indivíduos diabéticos quando comparados à população não-diabética (figura 1). A
   associação das 2 doenças é amplamente conhecida e tal fato potencializa os efeitos
   deletérios sobre o sistema cardiovascular. O Multiple Risk Factor Intervention Trial - MRFIT
mostrou que, em particular no portador de DM, à medida que a pressão arterial (PA) se eleva
cresce a taxa de mortalidade por esta causa (figura 2).




           Fig. 01 - Frequência da hipertensão arterial na população diabética e não diabética.




 Fig. 02 - Aumento da mortalidade proporcional ao aumento da pressão arterial em indivíduos com ou sem
                                                diabetes.

A resistência à insulina – defeito básico na etiopatogenia do DM tipo 2 – é considerada um elo
fisiopatogênico entre o DM e a HA. Os mecanismos intracelulares geradores da redução da
ação hormonal são hoje satisfatoriamente conhecidos. Amplas evidências confirmam a
associação da HA a outras condições de resistência à insulina, como é o caso da obesidade e
DM tipo 2, integrantes da chamada síndrome metabólica. A HA presente no espectro da
síndrome metabólica é considerada “sal-sensível”, ou seja, responsiva às variações no
consumo de sal.

Em resposta à resistência tecidual à ação da insulina, há secreção insulínica aumentada
pelas células beta e consequente hiperinsulinemia. Concentrações elevadas de insulina
exacerbam seus efeitos sobre a reabsorção renal de sódio, bem como ativam do sistema
nervoso simpático; ambos os efeitos contribuem para elevar a PA. Porém, este raciocínio
fisiopatológico para gênese de HA esbarrava nos resultados conflitantes de experimentos nos
quais a insulina administrada no intravascular determinava efeito vasodilatador. O estado de
resistência à insulina, presente inclusive em células do endotélio de indivíduos com síndrome
metabólica, explica, em parte, o aparente efeito hemodinâmico contraditório.
Hoje se sabe que a condição de resistência à insulina é um fator relevante para a instalação
de estado pró-hipertensivo. A angiotensina II, potente agente vasoconstritor, está envolvida
no desenvolvimento de ambas, resistência à insulina e HA; agentes que inibem a ação da
angiotensina (inibidores da enzima conversora da angiotensina ou bloqueadores do seu
receptor) não apenas reduzem a PA, mas também são capazes de restaurar a sensibilidade à
insulina.

Com base nestas observações postulou-se que destas interrelações da angiotensina II às
vias de sinalização de insulina poder-se-ia compreender como a angiotensina geraria
resistência à insulina, predispondo à intolerância à glicose, além de elevação da PA. Estudos
experimentais apontam efeito inibidor da angiotensina II sobre a secreção de insulina; em
paralelo, estudos in vitro evidenciam o mecanismo intracelular pelo qual a angiotensina reduz
a captação de glicose.

Os mecanismos que elevam a PA do indivíduo com manifestações da síndrome metabólica
são múltiplos, mas certamente envolve, dentre outros, o sistema renina-angiotensina-
aldosterona (SRAA), como gerador e mantenedor dos níveis pressóricos aumentados. Em
adição ao efeito vasoconstritor direto da angiotensina II, este hormônio estimula a secreção
adrenal de aldosterona, cuja ação principal é a reabsorção renal de sódio, aumentando o
débito cardíaco e a PA.

Um estado hiperglicêmico crônico provoca hiperfiltração glomerular e per se desencadeia
mecanismos renais retentores de sal. O conteúdo corporal de sódio aumentado em indivíduos
com DM potencializa a ação pressórica da angiotensina II. Além da vasoconstrição,
estimulando receptores AT1 e AT2 presentes nos túbulos proximais, a angiotensina II
contribui para agravar a retenção de sódio e água.

Na musculatura lisa vascular e nos rins, a angiotensina II exerce sua ação essencialmente via
receptores AT1, sobre os quais atua importante classe de agentes anti-hipertensivos
(bloqueadores do receptor da angiotensina – BRAs), largamente empregados na prática
clínica para controle da PA.

Adicionalmente, há evidências in vitro de que a angiotensina II, atuando sobre seus
receptores AT2, possa ser dotada de efeitos promotores de proliferação celular na parede
vascular. A somatória de ações vasoconstritoras, tróficas e sobre a volemia resulta em papel
definitivo do SRAA na elevação da PA em indivíduos com DM. Porém, a retenção renal de
sódio tende, em médio prazo, a determinar compensatoriamente supressão deste sistema.
Assim, a manutenção de níveis pressóricos aumentados deve ser, portanto, dependente de
mecanismos outros, especialmente a ativação do sistema nervoso simpático.

Já se observou que indivíduos diabéticos apresentam sensibilidade vascular aumentada a
substâncias vasopressoras como a angiotensina II e noradrenalina. Alterações no transporte
de cátions na musculatura lisa do vaso, provocada pela hiperinsulinemia, pode resultar em
aumento do cálcio e sódio intracelular, o que o torna hiperativo a estímulos com substâncias
endógenas vasopressoras. Fechando-se um ciclo vicioso, o comprometimento do fluxo
sanguíneo para a musculatura esquelética, principal sítio de ação da insulina, poderia agravar
um estado de resistência à insulina.
Outra linha de investigação reforça a estreita ligação do SRAA com anormalidades do
metabolismo da glicose, distribuição central da adiposidade corporal e HA. Adiposidade
excessiva comumente precede a instalação do DM tipo 2. O tecido adiposo – especialmente
visceral – tem sido implicado na ativação do SRAA, uma vez que pré-adipócitos humanos são
capazes de produzir angiotensinogênio, a enzima conversora e de secretar angiotensina II.

Outros genes controladores da produção de substâncias relevantes para este sistema (da
renina, proteína ligadora da renina e do receptor 1 da angiotensina) são expressos em pré-
adipócitos, reforçando a participação deste tecido no controle da PA. Achados em tecido
adiposo visceral humano comprovam ser este metabolicamente mais ativo que o subcutâneo,
sendo importante fonte de angiotensinogênio para a circulação, além do fígado. A renina é
responsável pela transformação deste precursor hormonal em angiotensina I. Em órgãos-
alvo, sob a ação da enzima conversora da angiotensina (ECA), é convertida à forma ativa, a
angiotensina II, que estimula a síntese adrenal de mineralocorticóides e, consequentemente,
a expansão do volume extracelular (figura 3).




                   Fig. 03 - Fatores envolvidos na gênese da hipertensão arterial.

Mais recentemente, foi identificado novo fator sintetizado no tecido adiposo, cuja ação
principal é estimular a produção e liberação de minerolocorticóide pelas adrenais. Este novo
hormônio representa mais um elo fisiopatogênico da obesidade com a HA.

Além do angiotensinogênio e do fator liberador de mineralocorticóide que interferem mais
diretamente no controle da PA, o tecido adiposo produz outros hormônios (leptina, resistina,
adiponectina) e citocinas (TNF-alfa, PAI-1, interleucinas) que atuam na sensibilidade à
insulina, função endotelial e/ou na hemodinâmica, contribuindo para aterogênese e risco de
fenômenos trombo-embólicos. A este conjunto de anormalidades presente em indivíduos
obesos somam-se as consequências da resistência à insulina sobre o metabolismo lipídico. A
dislipidemia também desempenha papel fundamental no processo aterosclerótico do indivíduo
obeso diabético hipertenso, conforme abordado neste e-book. Partículas pequenas e densas
de LDL-colesterol penetram mais facilmente no espaço subendotelial, desencadeando a
formação de células espumosas, inflamação e espessamento da parede arterial, que
oferecem resistência ao fluxo sanguíneo, contribuindo, assim, para elevar os níveis
pressóricos.

No que diz respeito aos efeitos intracelulares da angiotensina II sobre a sensibilidade à
insulina, os achados na sua maior parte associam este hormônio à resistência à insulina,
apesar de alguns sugerirem que em condições normais a angiotensina II melhoraria a
sensibilidade. Resultados obtidos estudos in vitro e in vivo auxiliam no entendimento destas
divergências (Folli F, Saad MJ, Velloso L, Hansen H, Carandente O, Feener EP, Kahn CR.
Crosstalk between insulin and angiotensin II signalling systems. Exp Clin Endocrinol Diabetes
1999; 107:133-9). À semelhança da insulina, observou-se que a angiotensina II, atuando via
receptores AT1, estimula a fosforilação dos substratos do receptor de insulina (IRS-1 e IRS-
2), os quais habitualmente ativariam a PI3-kinase e, em última análise, promoveria o
transporte de glicose. Porém, em contraste com o efeito da insulina, a angiotensina II inibe a
atividade desta enzima, comprometendo a captação de glicose. Em situações de
hiperatividade do SRAA (por exemplo, na obesidade), há comprometimento da via de
sinalização da insulina, agravando para resistência à insulina e anormalidades características
da síndrome metabólica.
Conforme apresentado na figura 4, é aceito que indivíduos com acúmulo de gordura visceral
apresentam diversos mecanismos ativadores do SRAA, predispondo-os à HA. Somando aos
efeitos decorrentes da hiperinsulinemia (retenção de sódio e água, ativação simpática e
hipertrofia da parede arterial), da resistência à insulina e vasoconstrição induzidas pela
angiotensina no processo hipertensivo, outros investigadores aventam que o excesso de
gordura intra-abdominal poderia estimular o SRAA por compressão mecânica dos rins,
favorecendo a liberação de renina pelo aparelho justaglomerular. Ainda em decorrência da
obesidade, a apnéia do sono tem sido implicada na geração ou perpetuação da HA por
estímulo simpático e da córtex adrenal (Lavie P et al. BMJ 2000; 320:479-482).
Numa linha oposta, outros defendem que a ativação do SRAA é que seria geradora de
hipertrofia do tecido adiposo, obesidade central e a resistência à insulina. Assim, é possível
que estas relações causa-efeito na PA, envolvendo o SRAA e a adiposidade corporal, sejam
bidirecionais e se retroalimentem na geração da HA.




        Fig. 04 - Possíveis mecanismos geradores de hipertensão arterial associada à obesidade.
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   O papel dos hormônios intestinais no controle glicêmico
   Capítulo 5. Dr. Ney Cavalcanti.Dr. Daniel da Costa Lins

   Introdução
   Hoje sabemos ser o trato gastrointestinal o nosso maior órgão endócrino. Ele produz muitos
   hormônios, dos quais conhecemos apenas alguns, que desempenham importantes ações na
   nossa homeostase. Os primeiros estudos com os hormônios gastrointestinais sugeriam que
   as suas ações se restringiam apenas ao funcionamento do tubo digestivo, como secreção
   ácida do estômago e contração da vesícula biliar. Somente a partir de 1973 quando foi
   demonstrado, que um deles, a colecistoquinina (CCK) tinha influência sobre o apetite, surgiu
   aumento de interesse nestes peptídeos e a descoberta de que também outros destes
   hormônios tinham ações fora do sistema digestivo. O sistema nervoso central (SNC) os
   receptores para estes peptídeos se localizam principalmente para o controle no hipotálamo e
   tronco encefálico. É através dessas mensagens que controlamos a nossa fome, saciedade e
   gasto energético. Estudos recentes indicam a existência de um sistema no tubo digestivo que
   identifica a presença de alimentos e sinaliza o SNC via mecanismos neurais e endócrinos a
   regular a curto prazo o apetite e a saciedade.

   Neste capítulo será discutida a função do trato gastrointestinal no balanço energético e avaliar
   a possibilidade de utilização destes peptídeos ou seus receptores como novas rotas no
   controle da obesidade e suas comorbidades.

   Colecistoquinina (CCK)
   A colecistoquinina (CCK) é um peptídeo produzido pelas células I do duodeno e jejuno, assim
   como no cérebro e no sistema nervoso entérico. A CCK é secretada em resposta aos
   nutrientes no lúmen intestinal, especialmente gorduras e proteínas. Esta molécula de CCK é
   clivada em pelo menos 6 peptídeos que se ligam aos seus receptores. Há dois tipos distintos
   de receptores para a CCK. O receptor CCK1 predomina no tubo digestivo enquanto o
   receptor CCK 2 predomina no cérebro.

   Apesar de a CCK apresentar como funções principais o controle da vesícula biliar, da
   saciedade e das secreções pancreáticas, este peptídeo também exerce ação relevante no
   controle do metabolismo dos carboidratos. A CCK exerce suas funções no controle glicêmico
   via receptor CCK2 no pâncreas. Em ratos a CCK estimula a secreção de insulina “in vivo” ou
   em cultura de pâncreas. Em humanos, níveis acima do fisiológico estimulam a secreção de
   insulina. Entretanto o bloqueio do receptor da CCK não diminui a secreção de insulina pós-
   prandial. Estes resultados levam a conclusão que a CCK pode estimular a secreção de
   insulina, mas não é essencial para a secreção pancreática de insulina. O uso da CCK reduz a
   hiperglicemia e estimula a proliferação de células beta em ratos após injúria pancreática. A
   demonstração através da infusão de CCK-8 do aumento da secreção da insulina pós-prandial
   em humanos sem alterar significativamente os níveis de GIP, GLP-1 e glucagon sugerem que
   o CCK pode ser explorado no futuro como uma forma de tratamento para o DM2.
Glucagon-like peptídeo 1 (GLP-1)
O GLP-1 é um peptídeo intestinal de 30 aminoácidos produzido pelas células l localizadas no
íleo distal e colón. O GLP-1 é rapidamente secretado no intestino distal logo após a refeição.
A secreção deste peptídeo é controlada pela combinação de estímulos neurais e endócrinos.
Posteriormente o contato direto do nutriente com as células l do intestino também estimulam a
secreção do GLP-1.




                         Figura 1 – As diversas ações fisiológicas do GLP-1
A maioria do GLP-1 circulante é degradado pela enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4) em
apenas 2 minutos. Os receptores do GLP-1 são expressos no trato intestinal, pâncreas
endócrino e SNC.

O GLP-1 na fisiologia da alimentação tem grande importância no "ileal brake" mecanismo
inibitório no qual o trato intestinal distal regula a passagem de alimentos através do tubo
digestivo. O GLP-1 através do "ileal brake" inibe a motilidade do trato gastrintestinal, reduz as
secreções gastroentéricas e diminui o esvaziamento gástrico. O GLP-1 diminui o apetite em
várias espécies animais inclusive no homem. A injeção periférica do GLP-1 aumenta a
saciedade em indivíduos de peso normal, obesos e em diabéticos. Pacientes tratados tanto
com o GLP-1 ou agonistas do receptor do GLP-1 perderam peso em estudos de até 2 anos.
Os efeitos anoréticos são mediados principalmente através do receptor GLP-1 r, porque o
efeito está ausente em ratos com deficiência deste receptor e são prontamente revertidos
com o bloqueio seletivo através do antagonista do GLP-1 r.
Figura 2 – Ações fisiológicas dos inibidores da DPP-IV

A constatação que os obesos apresentavam um menor nível circulante de GLP-1 e uma
resposta pós-prandial atenuada trouxe ânimo no meio científico com a utilização do agonista
do GLP-1 na perda de peso. Porém a observação de casos de hipoglicemia com este
peptídeo em pacientes não diabéticos limitou o seu uso como droga antiobesidade
isoladamente.

A secreção de GLP-1 tem se mostrado deficiente em pacientes com DM2.Estudos recentes
indicam que a redução do efeito incretínico nos pacientes com DM2, esteja mais relacionado
a hiperglicemia crônica, do que um defeito primário na ação do GLP-1.No momento, as
pesquisas clínicas estão focadas no efeito incretínico do GLP-1 e seu uso como droga
hipoglicemiante. O GLP-1 aumenta a secreção de insulina glicose dependente, inibe a
secreção de glucagon e aumenta o crescimento de células beta pancreáticas. A infusão
subcutânea por 6 semanas do GLP-1 melhorou o controle glicêmico em pacientes diabéticos
descompensados. O maior obstáculo para o uso da molécula do GLP-1 é o seu tempo de
meia vida curto via inativação pelo DPP-4. Por isso alguns agonistas do GLP-1 resistentes a
degradação do DPP-4 (exenatida e liraglutida) e drogas inibidoras do DPP-4 (vidagliptina e
sidagliptina) foram desenvolvidas como uma nova classe de agentes hipoglicemiantes. Os
ensaios clínicos com os incretinomiméticos (exenatida e liraglutida) mostraram uma redução
nas glicemias de jejum, pós-prandial e hemoglobina glicada (1 a 2%) associado à perda de
peso. O efeito adverso mais comum com os agonistas do GLP-1 foi a náusea, porém de
forma leve e que melhorava com o passar do tempo. Os inibidores da DPP-4 (sidagliptina,
vidagliptina e saxagliptina) reduziram a hemoglobina glicada em 0,5 a 1% com menos efeitos
adversos e sem ganho de peso. Esta nova classe de medicamento parece também expandir
a massa de células beta em estudos pré-clinicos.
Estudo recente com pacientes no pós-operatório de gastroplastia com bypass sem perda de
peso importante ainda já apresentavam um aumento no GLP-1 pós-prandial. Este trabalho
sugere que a modificação na anatomia do tubo digestivo pela cirurgia faria com que o
alimento entrasse em contato mais rápido com as células l levando a esta resposta hormonal.

O GLP-1 apresenta importância fisiológica na homeostasia da energia e no metabolismo dos
carboidratos, transformando esta molécula num atrativo para o tratamento da diabetes
mellitus tipo 2, pois a hiperestimulação do receptor do GLP-1 leva a uma melhora do controle
glicêmico, mantendo ou até reduzindo o peso corporal.

Polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP)
O GIP é uma incretina secretada pelas células k após absorção de carboidratos e lipídios.
Estas células estão presentes principalmente no intestino delgado, porém mais densamente
no duodeno. A secreção do GIP é muito aumentada em resposta ingestão alimentar
aumentando 10 a 20 vezes a sua concentração plasmática. O GIP assim como o GLP-1
quando secretado é degradado pela enzima DPP-4 tendo a sua atividade biológica de apenas
5 a 7 minutos em humanos.

A principal ação do GIP é estimular a secreção de insulina glicose dependente. A diminuição
ou anulação da ação do GIP em experimentos animais gerou uma deficiência de insulina
após a administração de glicose, demonstrando a função do GIP como uma incretina
essencial. O GIP é uma potente incretina em indivíduos normais, porém as suas ações
glicoregulatórias via GIP exógeno estão diminuídas nos diabéticos tipo 2. A secreção do GIP
basal e pós-prandial em pacientes diabéticos tipo 2 é praticamente normal quando comparada
a indivíduos sadios. Alguns trabalhos mostram que aproximadamente 50% dos parentes não
diabéticos de primeiro grau dos diabéticos tipo 2 já apresentam uma menor responsividade ao
GIP. Portanto, a redução das ações insulinotrópicas do GIP nos diabéticos pode ser devido à
combinação de defeitos adquiridos e genéticos.
Figura 3 – Mecanismos de estimulação das células beta do pâncreas para a produção de insulina.

A cirurgia bariátrica, principalmente a derivação gástrica em Y de Roux, que inclui o bypass
do intestino delgado, seria esperada a redução do GIP. Porém alguns trabalhos
demonstraram uma não modificação e outros grupos aumento do GIP no pós-operatório. A
diferença na secreção deste peptídeo pode ser devido a variações na técnica cirúrgica. O
impacto da alteração da dinâmica da secreção do GIP no pós-operatório e seus efeitos
hipoglicemiantes não ficaram bem elucidados até o momento.

Oxintomodulina

A oxintomodulina assim como o GLP-1 é um produto do gene do pré-pró-glucagon secretado
na circulação pelas células l no período pós-prandial. Originalmente caracterizado como um
inibidor da secreção ácida gástrica, este peptídeo também reduz a ingesta alimentar quando
administrado centralmente a roedores ou perifericamente a roedores e humanos. A
oxintomodulina estimula a secreção de insulina, lentifica o esvaziamento gástrico e inibe a
secreção de ghrelina. A oxintomodulina se liga ao receptor do GLP-1.

Trabalho recente mostrou que a oxintomodulina quando administrada subcutaneamente em
indivíduos com obesidade e sobrepeso por 4 semanas levou a uma significativa perda de
peso de 2,3 kg comparada com 0,5 kg do grupo controle. Além disto, a oxintomodulina parece
ter um efeito no aumento do gasto energético. Recente trabalho demonstrou através de
calorimetria indireta um aumento de 25% no gasto calórico com a utilização deste peptídeo.

Estudo recente demonstrou um aumento na oxintomodulina no pós-operatório da
Gastroplastia em Y de Roux (GYR) quando comparado ao grupo de tratamento clínico. De
maneira similar ao GLP-1 a oxintomodulina aumenta secreção de insulina e pode ser
considerada uma incretina. O aumento da oxintomodulina sugere uma contribuição indireta
desta na melhora do controle glicêmico após GYR.

A oxintomodulina é uma das primeiras terapias que demonstra diminuição do apetite
associado a aumento espontâneo do gasto energético. A sua limitação assim como o GLP-1 é
a inativação em grande parte pela enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4). Na prática clinica
seria necessário à utilização de análogos resistentes a degradação como opção no
tratamento da obesidade.
Peptideo YY (PYY)

O PYY é um peptídeo de 36 aminoácidos da família do PP e do NPY. O PYY é produzido
pelas células l do trato gastrointestinal principalmente na sua porção distal do íleo, cólon e
reto. O PYY apresenta uma secreção pós-prandial bifásica, inicialmente estimulada pela
inervação do tubo digestivo seguida pelo estímulo direto dos alimentos no intestino distal. As
células l do intestino secretam o PYY chegando a um platô sérico 1 a 2 horas após a refeição
sendo influenciado pelo tipo de alimento e tamanho da refeição.

O PYY circula em duas isoformas: o PYY 1-36 e o PYY 3-36. O PYY 3-36 que atua como
peptídeo com efeito anorético resulta da clivagem do DPP-4. O PYY apresenta inúmeras
ações no trato gastrointestinal como o retardo do esvaziamento gástrico, inibição da secreção
gástrica e pancreática e uma maior absorção ileal de fluidos e eletrólitos. A administração
periférica do PYY 3-36 também inibe a ingestão de alimentos e reduz o ganho de peso em
ratos e primatas e melhora o controle glicêmico em ratos diabéticos. Em humanos a infusão
intravenosa do PYY diminui a fome e a ingesta alimentar em 36% sem causar náusea ou
alterar o paladar.

Os obesos apresentam níveis plasmáticos mais baixos do PYY e uma relativa deficiência em
sua secreção pós-prandial o que poderia contribuir para a manutenção da obesidade.
Entretanto, esses indivíduos obesos se mantêm sensíveis as ações anoréticas do PYY 3-36
quando administrado perifericamente. O mecanismo pelo qual o PYY 3-36 reduz o apetite é
controverso. A sua ação parece ser através do receptor Y2 inibindo a atividade dos neurônios
NPY/AGRP e estimulando as células POMC/CART no núcleo arqueado do hipotálamo.

Os estudos com a cirurgia bariátrica têm trazido novas descobertas na fisiologia do PYY.
Estudo recente mostrou uma resposta pós-prandial do PYY aumentada no pós-operatório
precoce da gastroplastia com bypass, mesmo sem uma perda ponderal significativa em 6
semanas. A secreção do PYY no pós-operatório da cirurgia bariátrica apresenta diferentes
respostas de acordo com a técnica cirúrgica utilizada, podendo influenciar na perda e
manutenção de peso desta diferentes técnicas. Estudo recente demonstrou um aumento nos
níveis de PYY3-36 um mês depois da GYR, este efeito não foi observado após uma perda de
peso com restrição alimentar. Similar a Ghrelina, há estudos recentes que sugerem efeitos
mais diretos do PYY na sensibilidade à insulina, no entanto, o papel de PYY independente da
ingestão de alimentos ainda precisa ser confirmada. A administração em longo prazo do PYY
3-36 por uma rota diferente (oral ou nasal) pode contribuir efetivamente no tratamento da
obesidade e suas comorbidades.

Polipeptídeo pancreático (PP)

O PP e um peptídeo de 36 aminoácidos produzido pelas células f do pâncreas, mas também
secretado pelo pâncreas exócrino e tubo digestivo distal. Após uma refeição, o PP é
secretado rapidamente na circulação, se mantendo elevado por até 6 horas. No SNC, o PP
exerce uma função predominantemente orexígena quando administrada diretamente no
terceiro ventrículo. No trato gastrointestinal, o PP inibe o esvaziamento gástrico, a secreção
pancreática exócrina e a motilidade da vesícula biliar. Em contraste ao seu efeito central a
infusão intraperitoneal do peptídeo leva a diminuição do apetite e aumento do gasto
energético.

Em trabalhos científicos foram observados alterações na secreção do PP em síndromes
associadas com modificação no hábito alimentar em humanos. Indivíduos com a síndrome de
prader-willi, uma forma genética de obesidade caracterizada por extrema hiperfagia, há uma
menor resposta do PP após as refeições. Uma diminuição na secreção pós-prandial do
peptídeo também foi observada em obesos mórbidos. Enquanto indivíduos com anorexia
nervosa têm uma resposta pós-prandial exacerbada do PP. Em trabalho publicado com
humanos a infusão de 90 minutos do PP reduziu significativamente não só a ingesta alimentar
2 horas após a infusão na refeição como também reduziu o apetite por pelo menos 24 horas.
O PP parece ter um potencial de agir como inibidor do apetite podendo ser utilizado
futuramente     como    uma     opção    de   droga     no   tratamento   da    obesidade.

Ghrelina

A ghrelina é um peptídeo de 28 aminoácidos que se apresenta em duas isoformas: a acilada
e a não acilada. Baseado em sua estrutura é um membro da família do peptídeo motilina e
um ligante natural do receptor dos secretagogos do hormônio do crescimento (GHS - R1A) na
hipófise e hipotálamo. A ghrelina apresenta em curto prazo a função de estimular o apetite,
mas em longo prazo apresenta a função de controlar os estoques de gordura corporal. A
ghrelina em doses fisiológicas rapidamente estimula o apetite e a ingestão alimentar,
sugerindo que este hormônio participe do início da refeição e da fome pré-refeição. A ghrelina
também aumenta a motilidade e esvaziamento gástrico e a secreção ácida. Os níveis
plasmáticos de ghrelina se elevam antes e caem rapidamente após cada refeição, sendo este
peptídeo o originador da fome na hora da refeição. Os animais de laboratório que são
alimentados continuamente apresentam os níveis séricos da ghrelina mais constantes com
pequenos aumentos antes da ingestão alimentar. Em animais e humanos que apresentam um
intervalo entre as refeições, os picos da ghrelina são maiores e controlados pelo sistema
nervoso simpático.

Os nutrientes, principalmente os carboidratos e as proteínas mais que as gorduras levam a
supressão da ghrelina de forma dose dependente. Interessantemente, após a ingestão de
carboidratos, há um rebote excedendo os níveis basais de ghrelina, podendo explicar a
pequena duração da saciedade após refeições com altos níveis de carboidratos. A redução
nos níveis séricos de ghrelina requer a presença de nutrientes na porção distal do intestino
delgado e parece ser mediada pelo sistema nervoso entérico, envolvendo a serotonina e a
secreção de insulina. Os efeitos a longo prazo da ghrelina sugerem o seu papel como
importante sinalizador da regulação da massa corpórea. Os níveis de ghrelina sobem com a
perda de peso,quer por câncer, restrição calórica,caquexia, anorexia nervosa ou exercício
crônico. Em contrapartida, os níveis da ghrelina caem com o ganho de peso por
hiperalimentação, glicocorticóide, uso de antipsicóticos ou tratamento para doença celíaca.
Os receptores da ghrelina estão presentes no núcleo arqueado, no nervo vago e em todo o
seu percurso ao núcleo e trato solitário, uma região do cérebro que recebe informações das
vísceras e estão relacionadas à via NPY/agouti.

A administração crônica de ghrelina aumenta o peso corporal, podendo apresentar efeitos
terapêuticos em doenças que levam a perda de peso. A ghrelina também aumenta a
preferência por gordura e diminui o gasto energético pela redução da atividade simpática do
sistema nervoso autônomo. Os níveis plasmáticos da ghrelina são inversamente
proporcionais ao índice de massa corpórea (IMC). Os indivíduos anoréticos têm este
hormônio elevado que cai a níveis normais com o ganho de peso. Os obesos têm os níveis da
ghrelina suprimidos que normalizam com a perda de peso induzida pela dieta. Entretanto ao
contrario dos magros os obesos não têm uma queda rápida da ghrelina no pós-prandial o que
pode resulta na hiperfagia e manutenção da obesidade. Grande entusiasmo com a ghrelina
tem sido a observação que esta participa do mecanismo de controle do metabolismo dos
carboidratos através dos receptores GHS - R1A no pâncreas. A ghrelina e o seu receptor
GHS - R1A são expressos nas ilhotas pancreáticas. A ghrelina suprime a secreção de insulina
in vitro e in vivo e leva hiperglicemia em roedores e humanos através de mecanismos
parácrinos. Além disso, o tratamento crônico com agonistas do receptor GHS - R1A causam
hiperglicemia e resistência insulínica em humanos. Recentemente foi observado que ratos
ob/ob com deficiência do receptor GHS - R1A têm uma melhora da tolerância a glicose e um
aumento da secreção de insulina.

A perda de peso e melhora da tolerância a glicose na gastroplastia com bypass no pós-
operatório foi associado com uma queda da ghrelina quando comparada com a dieta, sendo
uma das justificativas para a manutenção dos resultados neste procedimento. Estes achados
não foram observados em todos os serviços de cirurgia. Estas diferenças foram devido a
variações nas técnicas cirúrgicas que afetam a integridade do fundo gástrico assim como a
inervação do tubo digestivo.

Em animais, vários estudos têm sido desenvolvidos com o objetivo de diminuir a atividade da
ghrelina. Nesta linha de pesquisa têm sido desenvolvidos antagonistas do receptor da
ghrelina, estes podendo ter espaço no tratamento de obesos diabéticos.

Cirurgia bariátrica

No Brasil ocorreu um grande aumento do número de cirurgias bariátricas. No Brasil, em 1999,
foram realizadas 5.000 cirurgias e, em 2010, mais de 30.000 cirurgias, um aumento de 500%
na última década. Esse crescimento coloca o Brasil na segunda posição do ranking mundial
de cirurgias bariátricas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que realiza anualmente
300 mil procedimentos por ano. A cirurgia bariátrica é o único procedimento que leva a uma
perda de peso em longo prazo e pode melhorar e, em alguns casos, curar o diabetes,
dislipidemia, hipertensão e apnéia do sono.

Atualmente, no Brasil, a derivação gástrica em Y de Roux (GYR) é o procedimento mais
realizado pelos cirurgiões. Esta consiste num pequeno reservatório gástrico que limita as
refeições, uma pequena área de disabsorção e um efeito hormonal através da sinalização dos
peptídeos intestinais que se acredita serem o crucial na eficácia do procedimento. O controle
glicêmico melhora rapidamente após o procedimento de GYR antes mesmo da perda de peso
mostrando que as modificações nestes hormônios intestinais têm grande relevância nesta
modalidade de tratamento.

Estudos mostram que no pós-operatório da GYR ocorre um aumento do PYY e do GLP-1. A
ghrelina por sua vez tem os seus níveis séricos diminuídos ou não aumentados após grande
perda de peso no pós-operatório da GYR. Atualmente a cirurgia bariátrica é o único
procedimento respeitando as suas indicações que consegue resultados efetivos na obesidade
e em suas comorbidades.

Cirurgia x mecanismo de resolução do diabetes

Uma comorbidade que melhora dramaticamente após a gastroplastia é o DM2. Um dos
primeiros estudos acompanhou um grupo de 146 diabéticos. Desses, 121 (83%) ficaram
euglicêmicos após a cirurgia bariátrica, num seguimento de 14 anos. Adicionalmente, 150 dos
152 pacientes com intolerância à glicose se tornaram normoglicêmicos. O Swedish Obese
Subjects Study (SOS) mostrou similar redução na prevalência de diabetes após a
gastroplastia no período de 2,8 a dez anos de seguimento. Recente metanálise estudou o
tipo de procedimento cirúrgico e o grau de resolução do DM2 no pós-operatório. Em relação à
resolução do dm2, houve uma variação que partiu de 98,9% com as derivações
biliopancreáticas, passando por 83,7% para a gastroplastia em Y de Roux, assim como para
71,6% para a gastroplastia vertical.

Várias teorias tentam justificar a efetiva melhora metabólica, muitas vezes evoluindo para a
resolução do quadro de diabetes. O mecanismo mais óbvio para explicar a resolução do
diabetes consiste no impacto da perda de peso com a melhora da sensibilidade insulínica.
Entretanto, esses efeitos benéficos no perfil glicêmico não podem ser explicados apenas pela
perda ponderal. Isso se deve à observação de que a maioria dos pacientes diabéticos, no
momento da alta hospitalar (uma semana após a gastroplastia), já estava sem fazer uso dos
antidiabéticos orais, sem esse fato poder ser justificado exclusivamente pela perda ponderal.
A explicação mais simplória seria de que no pós-operatório imediato os pacientes ficam sem
se alimentar e suas células beta pancreáticas são poupadas. Posteriormente, a perda
ponderal subsequente melhoraria ainda mais a sensibilidade insulínica. Outra teoria que
poderia explicar seria que alterações favoráveis na secreção dos hormônios entéricos
melhorariam a secreção e ação insulínicas. Os principais candidatos seriam a ghrelina, o
peptídeo semelhante ao glucagon (GLP-1) e o PYY (21). A grelina, que tem os níveis séricos
diminuídos ou não-aumentados após a perda de peso no pós-operatório da GYR, exerce
ações diabetogênicas. Portanto, ela age como uma antiincretina, limitando a utilização
glicêmica, e sua supressão no pós-operatório melhoraria o metabolismo dos carboidratos.

Atualmente, acredita-se que a ghrelina varia com o estado nutricional e está relacionado a
respostas alimentares aprendidas. Isto sugere que a ghrelina parece agir como um hormônio
de fase cefálica, aumentando a sua importância na homeostase da glicose. O GLP-1, por sua
vez, é uma incretina produzida pelas células l no íleo distal em resposta ao contato do quimo.
Em humanos a infusão intravenosa do GLP-1 leva a menor ingesta de alimentos por uma
diminuição do apetite alem de uma sensação de plenitude gastrointestinal em diabéticos e
obesos. O GLP-1 potencializa a secreção de insulina e possivelmente a sensibilidade
insulínica. Em roedores, o GLP-1 aumenta a neogênese e a proliferação de células beta
pancreáticas, assim como inibe a sua apoptose. No pós-operatório da GYR os alimentos
chegam mais rapidamente ao íleo distal, podendo elevar o GLP-1 em até 10 vezes, assim
como o PYY e o enteroglucagon, melhorando a utilização periférica de glicose. Já o PYY, um
hormônio gastrointestinal, demonstrou diminuir a ingesta alimentar em humanos e o peso
corpóreo em roedores. Em ratos a infusão do PYY não demonstrou influência sobre a
glicemia de jejum, porém aumenta a captação de glicose no clamp hiperinsulinêmico. Este
efeito é possivelmente mediado pela captação da glicose no músculo e no tecido adiposo e
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Impacto Epidemiológico do Diabetes e suas Complicações

  • 1. Aspectos epidemiológicos do diabetes mellitus e seu impacto no indivíduo e na sociedade Capítulo 1 - Dra. Sandra Roberta Gouvea Ferreira1 O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é considerado uma das grandes epidemias mundiais do século XXI e problema de saúde pública, tanto nos países desenvolvidos como em desenvolvimento. As crescentes incidência e prevalência são atribuídas ao envelhecimento populacional, aos avanços terapêuticos no tratamento da doença, mas, especialmente, ao estilo de vida atual, caracterizado por inatividade física e hábitos alimentares que predispõem ao acúmulo de gordura corporal. A maior sobrevida de indivíduos diabéticos aumenta as chances de desenvolvimento das complicações crônicas da doença que estão associadas ao tempo de exposição à hiperglicemia. Tais complicações - macroangiopatia, retinopatia, nefropatia e neuropatias - podem ser muito debilitantes ao indivíduo e são muito onerosas ao sistema de saúde. A doença cardiovascular é a primeira causa de mortalidade de indivíduos com DM2; a retinopatia representa a principal causa de cegueira adquirida e a nefropatia uma das maiores responsáveis pelo ingresso a programas de diálise e transplante; o pé diabético se constitui em importante causa de amputações de membros inferiores. Assim, procedimentos diagnósticos e terapêuticos (cateterismo, bypass coronariano, fotocoagulação retiniana, transplante renal e outros), hospitalizações, absenteísmo, invalidez e morte prematura elevam substancialmente os custos diretos e indiretos da assistência à saúde da população diabética. Ainda, o DM é acompanhado de outras morbidades que podem tornar os custos totais exorbitantes. Porém, hoje existem amplas evidências sobre a viabilidade da prevenção, tanto da doença como de suas complicações crônicas. O número de indivíduos com DM dá uma idéia da magnitude do problema e estimativas têm sido publicadas para diferentes regiões do mundo, incluindo o Brasil. Em termos mundiais, 135 milhões apresentavam a doença em 1995, 240 milhões em 2005 e há projeção para atingir 366 milhões em 2030, sendo que dois terços habitarão países em desenvolvimento (1,2), como mostra a figura 1. Fig. 01 – Evolução do diabetes no mundo (2000 – 2030) 1 Material extraído de http://www.diabetesebook.org.br/modulo-1/4-fisiologia-e-fisiopatologia-das-celulas-beta-implicacoes-clinicas-e-terapeuticas- e-Books: diabetes na prática clínica
  • 2. No Brasil, o SUS (Sistema único de Saúde) vem progressivamente atendendo desde 1994 um número crescente de pessoas com DM. A figura 2 mostra a evolução destes atendimentos no período de 1998 a 2004. Fig. 02 – Evolução dos atendimentos do SUS no período de 1998 – 2004 Dados sobre prevalência de DM representativos da população residente em 9 capitais brasileiras datam do final da década de 80 (3). Nesta época, estimou-se que, em média, 7,6% dos brasileiros entre 30 e 69 anos de idade apresentavam DM, que incidia igualmente nos dois sexos, mas que aumentava com a idade e a adiposidade corporal. As maiores taxas foram observadas em cidades como São Paulo e Porto Alegre, sugerindo o papel da urbanização e industrialização na patogênese do DM2, conforme mostra a figura 3. Fig. 03 – Prevalência do diabetes no Brasil conforme o Censo Nacional de Diabetes – 1986-1988
  • 3. Um achado relevante foi o de que cerca da metade dos indivíduos diagnosticados diabéticos desconhecia sua condição. Isso significa que os serviços de saúde têm diagnosticado casos de DM tardiamente, dificultando o sucesso do tratamento em termos de prevenção das complicações crônicas. Infelizmente, as informações deste estudo multicêntrico sobre prevalência de DM no Brasil não foram atualizadas. Dados representativos da população de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, foram mais recentemente publicados (4), conforme mostra a figura 4. Fig. 04 – Prevalência de TGD e de DM no estudo de Ribeirão Preto Segundo os dados do estudo de Ribeirão Preto, a prevalência do DM, na faixa dos 30 aos 69 anos, foi de 12,1% (em comparação com o Censo Nacional de Diabetes de 1988, no qual a prevalência nessa mesma faixa etária foi de 7,6%) sugerindo que o DM deve estar se tornando mais prevalente, pelo menos na população adulta residente neste estado. Para uma estimativa mais atualizada da prevalência do DM numa determinada população, como num município, por exemplo, deve-se levar em consideração a prevalência média do DM em 3 faixas etárias: abaixo de 30 anos, entre 30 e 69 anos e com 70 anos ou mais, aplicando esses índices de prevalência às respectivas populações de cada faixa etária, conforme o último censo populacional do IBGE. Com esta metodologia de cálculo, utilizando-se a prevalência do estudo de Ribeirão Preto (12,1%) ao invés da prevalência do Censo Nacional de Diabetes (7,6%) para a faixa etária de 30 a 69 anos, o número estimado de portadores de DM no Brasil é de aproximadamente 10,3 milhões, conforme mostra a figura 6.
  • 4. Fig. 05 – Estimativa da população diabética em 2006 – Prevalência de 12% Dados ainda mais preocupantes têm sido relatados para um subgrupo da nossa população, o de ascendência japonesa (5). Estes apresentam pelo menos o dobro da prevalência de DM quando comparado à população geral brasileira e os pesquisadores têm atribuído este fato tanto ao ambiente ocidental como à predisposição genética, conforme mostra a figura 6. Fig. 06 – Prevalência de diabetes em descendentes de japoneses vivendo no Brasil Com base nas estimativas e projeções sobre os números de indivíduos com DM e hipoteticamente considerando uma ocorrência constante da doença ao longo do tempo, a Sociedade Brasileira de Diabetes criou um “relógio” que continuamente alertaria sobre a ocorrência de novos casos de DM no mundo. Este contador pode ser visto na home page do site da SBD. Apesar das grandes limitações na criação deste relógio, é louvável a iniciativa de relembrar a todo o momento a
  • 5. relevância deste problema de saúde. Para 2006, estima-se que existam 11 milhões de brasileiros com DM (6). Diante deste quadro alarmante sobre a situação do DM, tem-se buscado compreender causas ou fatores determinantes, passo fundamental na tentativa de reverter a progressão desta epidemia. Parte desta pode ser atribuída ao aumento global da expectativa de vida, observado inclusive no Brasil, segundo o IBGE. Isso tem ocorrido principalmente devido à redução da mortalidade infantil, o que também implica em aumento do percentual de casos de DM (7), de acordo com dados do censo de 2005, contidos nohttp://www.ibge.org.br, mostrados na figura 7. Fig. 07 – Expectativa de vida dos brasileiros Não cabe aqui citar os avanços na identificação de fatores causais do DM2, mas é fundamental que se reforce o papel definitivo do estilo de vida moderno que implica em acúmulo de adiposidade corporal, sendo especialmente deletério na região visceral. Como contraprova para a importância do estilo de vida para o risco de DM, estudos de grande porte, conduzidos em diferentes partes do mundo, provaram que hábitos de vida mais saudáveis (dieta balanceada, rica em fibras, visando peso corporal realisticamente adequado, associada à atividade física de, pelo menos, 150 minutos semanais) são capazes - em indivíduos pré-diabéticos - de reduzir seu risco de DM em 58% (8), conforme mostra a figura 8 que resume os resultados do estudo conduzido pelo Finnish Diabetes Prevention Study Group (DPS) sobre a prevenção do DM2 em pessoas com tolerância diminuída à glicose.
  • 6. Fig. 08 – Risco de desenvolver diabetes - Finnish Diabetes Prevention Study Group (DPS) Mais interessante ainda foi a observação no estudo desenvolvido pelo Diabetes Prevention Program Research Group, conduzido nos EUA, no qual a tentativa de prevenção farmacológica da doença, por meio da metformina, trouxe resultados piores que os observados com a mudança do estilo de vida, com reduções no risco de DM de 31% e 58%, respectivamente (9), conforme mostra a figura 9. Outros estudos de intervenção farmacológica, conduzidos em diferentes populações, empregando medicamentos destinados ao tratamento da obesidade ou do DM2, obtiveram sucesso na redução de risco, embora de magnitude inferior à alcançada com mudanças no estilo de vida. Fig. 09 – Eficácia das alterações do estilo de vida na redução cumulativa do diabetes A literatura dispõe de amplas evidências sobre a relevância do bom controle glicêmico e dos demais fatores de risco cardiovascular na prevenção das complicações. Em se tratando do DM2,
  • 7. o UKPDS, que no século passado questionou se a eficácia do controle glicêmico na preveniria as complicações crônicas diabéticas, foi, até certo ponto frustrante. Isto porque, apesar de comprovar significantes benefícios do controle da glicemia na prevenção da microangiopatia (retino e nefropatia) - à semelhança do previamente documentado em portadores de DM1 no DCCT (10) - não demonstrou redução de eventos cardiovasculares e morte (11). Ponderações sobre estes resultados foram diversas na literatura e as razões para tais achados foram em parte explicadas. A figura 10 resume os benefícios do controle da hipertensão e da glicemia em termos de redução relativa de complicações. Fig. 10 – Benefícios do controle da hipertensão e da glicemia sobre a ocorrência de complicações Outro marco importante na prevenção secundária foi a divulgação do estudo Steno-2 que convenceu a sociedade científica da necessidade de se tratar intensivamente os múltiplos fatores de risco (níveis glicêmicos, pressóricos, perfil lipídico e a microalbuminúria) para obter redução significante também dos eventos cardiovasculares e mortalidade em indivíduos com DM2 (12). Tal programa de tratamento intensivo dos múltiplos fatores de risco em pacientes com DM2 e microalbuminúria reduz o risco de eventos cardiovasculares e microvasculares em cerca de 50%, como mostra a figura 11.
  • 8. Fig. 11 – Resultados do estudo STENO 2: eficácia da abordagem intensiva Há consenso de que o indivíduo diabético é de altíssimo risco cardiovascular, comparável àquele não-diabético que já apresentou um infarto do miocárdio (13). O estudo de Haffner e colaboradores mostrou que a incidência de infarto agudo do miocárdio em indivíduos diabéticos sem história prévia de doença arterial coronariana (DAC) é similar àquela dos indivíduos não diabéticos com história prévia de DAC, conforme ilustra a figura 12. Fig. 12 – Incidência de infarto agudo do miocárdio em pacientes diabéticos com ou sem história prévia de doença arterial coronariana Dessa forma, justificam-se as metas rigorosas em termos de valores de glicemia (jejum e pós- prandial), hemoglobina glicada, pressão arterial e lipoproteínas estabelecidas por sociedades científicas como a SBD, American Diabetes Association (14) e American Heart Association. O estudo DECODE avaliou a correlação entre a tolerância à glicose e a mortalidade, fornecendo convincentes evidências sobre a importância de se obter também a normalização da glicemia pós-
  • 9. prandial como uma das metas importantes para a redução do risco cardiovascular (15), como mostra a figura 13. Fig. 13 – Estudo DECODE: a importância da normalização da glicemia pós prandial Um dos grandes questionamentos atuais dos diabetologistas é o quanto abaixar a HbA1c para reduzir o risco de eventos cardiovascular. Estudos desenvolvidos (ACCORD, ADVANCE e VADT) para responder a esta questão trouxeram resultados preocupantes no sentido de relatarem até aumento na mortalidade cardiovascular com controle glicêmico rigoroso de indivíduos com DM2 de longa duração (16). Referências Bibliográficas 1. Wild S, Roglic G, Green A, Sicree R, King H. Global prevalence of diabetes. Estimates for the year 2000 and projections for 2030: Diabetes Care 27(5): 1047-53, 2004. 2. Barceló A, Aedo C, Rajpathak S, Robles S. The cost of diabetes in Latin America and the Caribean: Bull World Health Organ 81(1): 19-27, 2003 3. Malerbi D, Franco LJ. The Brazilian Cooperative Group on the Study of Diabetes Prevalence. Multicenter Study of the Prevalence ofdiabetes mellitus and Impaired Glucose Tolerance in the urban Brazilian population aged 30-69 years: Diabetes Care, 15: 1509-16, 1992. 4. Torquato MTCG, Montenegro Jr RN, Viana LAL, Souza RAHG, Lanna CMM, Lucas JCB et al. Prevalence of diabetes mellitus and impaired glucose tolerance in the urban population aged 30-69 years in Ribeirao Preto (São Paulo), Brazil: Sao Paulo Med J. 121(6): 224-30, 2003. 5. Gimeno SGA, Ferreira SRG, Cardoso MA, Franco LJ, Iunes M. The Japanese-Brazilian Diabetes Study Group. Weight gain in adulthood and risk of developing glucose disturbance - a study of a Japanese- Brazilian population. J Epidemiol 10: 103-10, 2000. 6. http://www.saude.gov.br/ visitado em 23/mar/2011 7. http://www.ibge.gov.br/home/ visitado em 23/mar/2011 8. Tuomilehto J, Lindstrom J, Eriksson JG, Valle TT, Hamalainen H, Hanne-Parikka P, Keinanen-Kiukaanniemi S for the Finnish Diabetes Prevention Program. Prevention of type 2 diabetes mellitus by changes in life style among subjects with impaired glucose tolerance: N Engl J Med 344: 1343-50, 2001. 9. Diabetes Prevention Program Research Group. Reduction of the incidence of type 2 diabetes with life style intervention or metformin: N.Engl J Med 346: 393-403, 2002.
  • 10. 10. The Diabetes Control and Complications Trial Research Group. The effect of intensive treatment of diabetes on the development and progression of long-term complications in insulin-dependent diabetes mellitus. N Engl J Med 329: 977-986, 1993. 11. UK Prospective Diabetes Study (UKPDS) Group. Intensive blood glucose control with sulphonylureas or insulin compared with conventional treatment and risk of complications in patients with type 2 diabetes: Lancet 352: 837-853, 1998. 12. Gæde P, Vedel P, Larsen N, Jensen GVH, Parving H, Pedersen O. Multifactorial Intervention and cardiovascular disease in patients with type 2 diabetes: N Engl J Med 2003, 348: 383-393, 2003. 13. Haffner SM, D’Agostino Rjr, Mykkanen L et al. Insulin sensitivity in subjects with type 2 diabetes. Relationship to cardiovascular risk factors: the insulin resistance atherosclerosis study: Diabetes Care 22: 562-568, 1999. 14. American Diabetes Association: Standards of medical care in diabetes. Diabetes Care 23 (suppl.1): S11- S61, 2010. 15. Glucose tolerance and mortality: comparison of WHO and American Diabetic Association diagnostic criteria The DECODE study group on behalf of the Europe and Diabetes Epidemiology Group. Lancet 354: 617- 621, 1999. 16. Riddle MC. Glycemic control and cardiovascular mortality. Current Opinion in Endocrinology, Diabetes & Obesity 18: 104–109, 2011. DIAGNÓSTICO DO DIABETES Capítulo 2 Dr. Leão Zagury. Dr. Roberto Luis Zagury.Dr. Ricardo de Andrade Oliveira O diabetes mellitus (DM) é um grupo heterogêneo de distúrbios metabólicos caracterizados por hiperglicemia crônica com alterações do metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, resultante de defeitos na secreção ou ação da insulina ou ambas. Independente de sua etiologia, o DM passa por vários estágios clínicos durante sua evolução natural. Atualmente, em todo o mundo ocorre uma pandemia de obesidade e diabetes mellitus (DM) do tipo 2. Dados norte-americanos indicam que naquele país, por exemplo, cerca de 24 milhões de pessoas são afetadas por esta enfermidade, estimando-se, ainda, cerca de 1 milhão e meio de novos casos por ano. Esta epidemia afeta tanto os países desenvolvidos quanto aqueles ainda em desenvolvimento, de modo que se prevê que aumente dramaticamente até o ano de 2025. Entretanto, um número ainda mais expressivo de indivíduos, na faixa de 57 milhões norte- americanos, tem pré-diabetes, termo utilizado para enquadrar aqueles indivíduos cujos níveis glicêmicos encontram-se acima dos valores normais da população não-diabética, porém não preenchem os critérios de DM. Destes, uma parcela considerável já tem lesão de órgãos-alvo, em especial lesões microvasculares características do DM que podem levar a cegueira, insuficiência renal e amputações. O aumento do numero de diabéticos e pré diabéticos se deve ao estilo vida contemporâneo que induz sobrepeso e obesidade. Essas alterações, acompanhadas de predisposição genética e resistência insulínica, resultam no aumento dos níveis glicêmicos. A doença pode ser reconhecida nos estágios iniciais a que chamamos de intolerância a glicose. O DM pode se apresentar com sintomas característicos, como sede, polúria, visão turva, perda ponderal e hiperfagia, e em suas formas mais graves, com cetoacidose ou estado hiperosmolar não-cetótico. Estes últimos, na ausência de tratamento adequado, podem levar ao coma e até a morte. Frequentemente, os sintomas não são evidentes ou estão ausentes, principalmente no estagio de pré-diabetes. Desta forma, hiperglicemia pode já estar presente muito tempo antes do diagnóstico de DM. Consequentemente, o diagnóstico de DM ou pré-diabetes é frequentemente descoberto em decorrência de resultados anormais de exames de sangue ou de urina realizados
  • 11. em avaliação laboratorial, ou quando da descoberta de complicação relacionada ao DM. Estima- se que o número de casos não-diagnosticados seja igual ao dos diagnosticados. Existem evidências sugerindo que as complicações relacionadas ao DM começam precocemente ainda na fase de mínimas alterações na glicemia progredindo nos estágios de pré-diabetes e, posteriormente, DM. Por esse motivo se torna extremamente importante diagnosticar alterações na glicemia precocemente. Níveis glicêmicos elevados em jejum e, principalmente, pós-prandiais implicam em maior risco cardiovascular. Os idosos diabéticos constituem um grupo peculiar, onde os sintomas clássicos costumam estar ausentes e manifestações menos comuns podem ocorrer. Enquanto nos jovens a glicosúria pode ser observada com valores de glicemia acima de 180 mg/dL, nos idosos geralmente só ocorre quando a glicemia ultrapassa 220 mg/dL, em virtude de uma fisiologicamente menor taxa de filtração glomerular nesta faixa etária. Além disso, nesta população é comum a atenuação nos mecanismos da sede. Sintomas como mialgia, fadiga, adinamia, estado confusional e incontinência urinária são frequentes. As dores musculares podem ocorrer em consequência da chamada amiotrofia diabética, condição clínica caracterizada por fraqueza dolorosa e assimétrica na musculatura pélvica, com curso benigno e resolução com o tratamento do DM. Caracteristicamente, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) costuma estar presente nestes indivíduos e tais pacientes apresentam maior taxa de complicações micro e macrovasculares. A diurese osmótica ocorre quando os níveis glicêmicos se tornam muito elevados, acima da taxa de reabsorção tubular, podendo levar aos sinais e sintomas característicos (poliúria, polidipsia e perda ponderal), os quais, em última instância, podem induzir desidratação. Com frequência, estes indivíduos apresentam queixas de turvação visual, nem sempre valorizada, em razão das alterações visuais comuns nessa faixa etária. Infecções fúngicas e bacterianas podem ser o primeiro sinal de descompensação glicêmica tanto em idoso quanto nos mais jovens. Aplica-se o termo pré-diabetes àqueles indivíduos com uma glicemia de jejum alterada (GJA) e/ou tolerância à glicose diminuída (TGD). Define-se GJA valores de glicemia em jejum mais elevados do que o valor de referência normal, porém inferiores aos níveis diagnósticos de DM: GJ entre 100 e 125 mg/dL. Embora a Organização Mundial de Saúde ainda não tenha adotado esse critério, tanto a Sociedade Brasileira de Diabetes assim como a Academia Americana de Diabetes já utilizam tal ponto de corte (GJ normal até 99 mg/dL). Já a TGD é caracterizada por uma alteração na regulação da glicose no estado pós-sobrecarga (TOTG: teste oral de tolerância à glicose com 75 g de dextrosol). Níveis glicêmicos 2 horas após o TOTG entre 140 e 199 mg/dL definem a TGD. O método de escolha para a aferição da glicemia é a mensuração plasmática. Coleta-se o sangue num tubo com fluoreto de sódio, centrifugado, com separação do plasma, que deverá ser congelado para uma posterior utilização. A glicemia de jejum deve ser realizada pela manhã, após jejum de apenas 8 horas. A realização do TOTG deve obedecer a alguns pré-requisitos: jejum entre 10 e 16 horas; ingestão de um mínimo de 150 gramas de carboidrato nos 3 dias que antecedem a realização do teste; atividade física habitual; comunicar a presença de infecções ou medicações que possam interferir no resultado do teste; utilização de 1,75 g de glicose (dextrosol) por quilograma de peso até o máximo de 75 gramas.
  • 12. Aos indivíduos com GJA e/ou TGD, aplica-se, então, a expressão pré-diabetes, em virtude do alto risco de que venham a desenvolver DM no futuro. Tais condições representam um estado intermediário de alteração do metabolismo da glicose, não devendo ser encaradas como uma condição benigna, uma vez que aumentam em até 2 vezes a mortalidade cardiovascular. Cerca de metade dos pacientes portadores de TGD preenchem os critérios de síndrome metabólica. A progressão para DM nos pacientes com GJA é de 6-10% por ano, enquanto que a incidência cumulativa de DM nos portadores de GJA e TGD é da ordem de 60% em 6 anos. No entanto, tais condições não devem ser encaradas como entidades clínicas isoladas e distintas, e sim, como fatores de risco para DM, assim como para doença cardiovascular. Com base nisso, recentemente a Academia Americana de Diabetes definiu as chamadas “Categorias de Risco Aumentado para Diabetes”, nomenclatura vista por vários autores como mais adequada do que o termo pré- diabetes, uma vez que nem todos os indivíduos com esta condição evoluirão para DM. Dentro destas categorias de risco aumentado, encontram-se, além da GJA e TGD, aqueles com níveis de hemoglobina glicada (A1C) entre 5,7 e 6,4%( Tabela 2). Nos últimos anos, o interesse no estudo desta fase que antecede o DM vem aumentando exponencialmente. Ensaios clínicos randomizados mostraram que aos indivíduos de alto risco de progressão para DM (GJA, TGD ou ambos) podem ser oferecidas intervenções que diminuam tal taxa de progressão. Estas medidas incluem: modificação do estilo de vida, qual se mostrou ser muito eficaz com redução do risco significativa; uso de medicações (metformina, acarbose, orlistat, tiazolidinedionas e outros), os quais reduzem em graus variados tais taxas de progressão da doença. O Finish Diabetes Prevention Study (DPS) e o Diabetes Prevention Study (DPP) mostraram que mudanças no padrão alimentar e na atividade física implicaram numa redução do risco de progressão para DM de até 58%. O DPP, o qual testou a metformina (MTF), e o STOP- NIDDM, o qual testou acarbose, identificaram uma redução no risco de progressão para DM de 31% e 32%, respectivamente. O estudo XENDOS, o qual utilizou orlistat por 4 anos em indivíduos obesos e portadores de pré-diabetes, mostrou uma redução de 37% na progressão para DM nestes indivíduos. O ACT-NOW, o qual encontra-se em andamento, avaliará o impacto da pioglitazona neste contexto. O estudo NAVIGATOR, o qual avaliou o papel na nateglinida e do valsartan sobre a progressão para DM, no entanto, não encontrou redução de risco alguma. A ADA, em sua mais recente diretriz (2011) recomenda, de modo consensual, a MTF como única droga a ser considerada no estado de pré-diabetes, em virtude do baixo custo, segurança e persistência de seu efeito a longo prazo. É válido, no entanto, registrar que foi significativamente
  • 13. menos eficaz do que modificação do estilo de vida e atividade física, as quais indubitavelmente devem ser sempre tentadas ao máximo. Ela deve, portanto, ser considerada para aqueles pacientes de muito alto risco (vários fatores de risco para DM e/ou hiperglicemia progressiva e de grande magnitude). Ressalta-se, ainda, que no estudo DPP ela foi mais eficaz até do que a modificação do estilo de vida nos indivíduos com índice de massa corporal maior que 35 kg/m2 e não foi mais eficaz do que o placebo naqueles com idade superior a 60 anos. Há décadas o diagnóstico de DM vem se baseando na GJ e no TOTG, utilizando os níveis de GJ e sua associação com retinopatia para se definir o ponto de corte acima do qual o risco de comprometimento da retina aumenta. Com base nisso, chegou-se aos pontos de corte de 126 mg/dL em jejum e 200 mg/dL após a sobrecarga de glicose anidra. A hemoglobina glicada, também conhecida como glicohemoglobina ou HbA1C, embora seja utilizada desde 1958 como ferramenta na avaliação do controle glicêmico de diabéticos, passou a ser cada vez mais empregada e aceita pela comunidade científica após 1993 quando foi validada pelos estudos DCCT (Diabetes Control and Complications Trial) e UKPDS (United Kingdom Proscpective Diabetes Study). A A1C é sabidamente um marcador de hiperglicemia crônica, refletindo a média dos níveis glicêmicos nos últimos 2 a 3 meses. Tem impacto crucial no acompanhamento dos diabéticos, uma vez que possui uma boa correlação com lesão microvascular e, em menor proporção, com lesão macrovascular. Até pouco tempo sua utilidade era apenas para acompanhamento do controle glicêmico, e não, para fins diagnósticos, uma vez que não havia padronização adequada do método. Atualmente já existe padronização do teste, que deve ser realizado pelo método de cromatografia líquida de alta performance (HPLC). O HPLC foi validado em diferentes populações com uma boa reprodutibilidade entre elas e permanece estável após a coleta, o que não ocorre quando se afere a glicose diretamente. É válido lembrar que, mesmo quando se realiza a dosagem da glicemia nas condições ideais, há chance de erro pré-analítico, de modo que reduções na ordem de 3 a 10 mg/dL na glicemia plasmática podem ocorrer mesmo em não-diabéticos, determinando erro de até 12% dos indivíduos. A determinação da A1C, além de não requerer jejum, tem as seguintes vantagens: maior estabilidade pré-analítica, menor interferência de outras condições agudas que possam interferir com a glicemia como infecções e outros estresses metabólicos. Recomenda-se que os laboratórios clínicos usem preferencialmente os métodos de ensaio certificados pelo National Glycohemoglobin Standardization Program (NGSP) com rastreabilidade de desempenho analítico ao método utilizado no DCCT (HPLC). Com base nisso, em 2009, após publicação em seu compêndio oficial, a ADA passou a adotar a hemoglobina glicada como mais uma ferramenta diagnóstica para o DM. Valores de A1C maiores ou iguais a 6,5% indicam o diagnóstico de DM(Tabela 3). O ponto de corte de 6,5% não é arbitrário, e representa o ponto de inflexão da curva de prevalência de retinopatia, assim como ocorre com os valores diagnósticos da GJ e TOTG. Os já consagrados e conhecidos critérios diagnósticos de DM baseados na GJ e no TOTG permanecem válidos e inalterados.
  • 14. Referências Bibliográficas 1. Position Statement of the American Diabetes Association: Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care 2011, 34:Supplement 1,S62-S69. 2. International Expert Committee: International Expert Committee report on the role of the A1C assay in the diagnosis of diabetes. Diabetes Care 2009; 32:1327-1334. 3. Nathan D, Davidson MB, Defronzo RA et al. Impaired fasting glucose and impaired glucose tolerance. Diabetes Care 2007; 30:753-759. 4. Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Report of the Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care 1997; 20:1183-1197. 5. Kahn CR. Diabetes: definição, genética e patogênese. Em: Joslin – Diabetes Mellitus, Parte III. Definição, diagnóstico e classificação do diabetes mellitus e da homeostasia da glicose. Bennett, PH e Knowler WC, ARTMED EDITORA AS, 345-353, 2009. 6. Santaguida PL, Balion C, Hunt D et al. Diagnosis, prognosis, and treatment of impaired glucose tolerance and impaired fasting glucose. AHRQ Study 128:1-12, 2006. 7. Genuth S, Alberti KG, Bennett P et al. Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus type 2. Follow-up report on the diagnosis of diabetes mellitus. Diabetes Care 2003; 26:3160-3167. 8. Edelman D, Olsen MK, Dudley TK et al. Utility of hemoglobin A1C in predicting diabetes risk. J Gen Intern Med 2004; 19:1175-1180. 9. Barzilay JI, Spiekerman CS, Wahl P et al. Cardiovascular disease in older adults with glucose disorders: comparison of American Diabetes Association criteria for diabetes mellitus with WHO criteria. Lancet 354: 622-625, 1999. 10. Engelgau MM, Thompson TJ, Herman WH et al. Comparison of fasting and 2 hours glucose and A1C levels for diagnosing diabetes. Diagnostic criteria and performance revisited. Diabetes Care 1997; 20:785-791. 11. Valerio, CM, Zagury L. Prevenção do diabetes mellitus tipo 2. Em: Tratamento Atual do Diabetes Mellitus. Leão Zagury, RL Zagury (Eds.). Editora Guanabara Koogan: 71-75, 2009. FISIOLOGIA E FISIOPATOLOGIA DAS CÉLULAS BETA: IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E TERAPÊUTICAS Capítulo 3 - Dr. Lício Velloso. Dr. Augusto Pimazoni Netto O Pâncreas Endócrino A porção endócrina do pâncreas é composta por agregados celulares denominados ilhotas de Langerhans (Fig. 1) distribuídas no parênquima pancreático em um número que varia de 300 mil a 1,5 milhão, compostas por quatro tipos celulares [1,2]:
  • 15. Células alfa, produtoras de glucagon (15-20% do total); Células beta, produtoras de insulina (70-80%); Células delta, produtoras de somatostatina (5%); Células PP produtoras de peptídeo pancreático (1%) (Figura 2). Fig. 01 - Estrutura das ilhotas de Langerhans Fig. 02 - Células secretoras nas ilhotas de Langerhans Com os avanços alcançados na obtenção e caracterização de células-tronco, torna-se importante conhecer a origem embrionária e as características de expressão gênica do pâncreas endócrino, e particularmente da célula beta. Evidências histológicas revelam que o pâncreas endócrino se origina a partir de precursores do epitélio endodérmico [3], que podem ser identificados, por volta da metade da gestação, como agregados de poucas células ainda fundidas ao epitélio dos ductos pancreáticos em formação. Ainda durante o segundo terço do período gestacional, ilhotas já apresentando características mais próximas às de adultos, podem ser vistas ligadas a ductos pancreáticos. Somente poucas semanas antes do final da gestação serão identificadas ilhotas totalmente envoltas por parênquima pancreático exócrino e com morfologia e distribuição celular definitiva [4]. Os mecanismos de diferenciação celular que levam ao desenvolvimento das células beta são alvos de intensa investigação, pois podem revelar meios de se obter células produtoras de insulina a partir de precursores indiferenciados. Genes da família Notch são expressos em ductos pancreáticos e parecem atuar como repressores do desenvolvimento de células do pâncreas endócrino [5]. Sua supressão faz com que genes comprometidos com as diferentes linhagens endócrinas possam ser ativados. Desses, os mais importantes são; Pdx1, envolvido na ativação do gene da insulina e de GLUT2; Isl1, envolvido no controle transcricional do gene da insulina; genes da família Pax, importantes na maturação da célula beta; e genes Nkx, importantes na expansão numérica da população de células beta [6]. Produção e Secreção de Insulina A expressão do gene da insulina é restrita à célula beta pancreática, o que confere a esse tipo celular o controle total sobre o único hormônio hipoglicemiante existente [7]. O gene da insulina se localiza no cromossomo 2 (2p21) sendo composto por 3 exons que codificam uma proteína
  • 16. imatura denominada pré-proinsulina [8], a partir da qual formar-se a pró-insulina com 86 aminoácidos. Este peptídeo é então direcionado para grânulos secretórios, onde, por ação de três enzimas, PC2, PC3 e carboxipeptidase H, gerará a insulina com 51 aminoácidos e o peptídeo C, o qual é armazenado e secretado em concentração equimolar à insulina (Fig. 3) [9]. Fig. 03 - As moléculas de insulina e de peptídeo C Mutações no gene da insulina são raras, porém algumas formas são relacionadas ao desenvolvimento de DM por levarem à produção de uma forma de insulina com baixa atividade biológica. Pacientes com tais mutações são hiperinsulinêmicos e inicialmente intolerantes à glicose, progredindo para a hiperglicemia. De forma interessante e diferente do que ocorre com pacientes com forma clássica de DM2, tais indivíduos tem resposta normal à insulina exógena [10]. Sob condições fisiológicas, as concentrações sanguíneas da glicose oscilam numa faixa estreita. Tal fenômeno, que garante simultaneamente oferta adequada de nutrientes aos tecidos e proteção contra a neuroglicopenia, só é possível graças a um sistema hormonal integrado e eficiente, composto por um hormônio hipoglicemiante, a insulina, e alguns hormônios hiperglicemiantes como, o glucagon, o cortisol, a adrenalina e o hormônio de crescimento. Por se tratar do único hormônio hipoglicemiante, a insulina dispõe de um eficiente e finamente regulado sistema de controle de secreção. A glicose é o principal estimulador da secreção de insulina (Fig. 4). Sua entrada na célula beta é garantida por um transportador de alta capacidade e baixa afinidade denominado GLUT2. Após sua entrada, a glicose é fosforilada em glicose-6-fosfato pela ação da enzima glicoquinase (hexoquinase IV), sendo a seguir direcionada à glicólise, etapa que consome 90% da glicose transportada ao interior da célula beta e responsável pela geração de piruvato [11]. Mutações do gene da glicoquinase não são infrequentes e levam a uma forma de DM chamada MODY2 (maturity-onset diabetes of the young). Fig. 04 - Mecanismo de ação dos secretagogos de insulina
  • 17. O piruvato é direcionado à mitocôndria, transformado em acetil CoA e metabolizado pelo ciclo de Krebs para produção de ATP (Fig. 4). Com o aumento da relação ATP/ADP no intracelular, ocorre o fechamento de canais de K+ - ATP dependentes o que leva à despolarização da membrana. A abertura dos canais de Ca2+ - voltagem dependente permite influxo de Ca2+ para a célula beta, que ativa um complexo sistema efetor, cujo resultado é a secreção de insulina (Fig. 4) [11]. Além da glicose, poucos nutrientes (leucina, a glutamina, a alanina, a arginina, a frutose, e alguns ácidos graxos) podem induzir de forma independente ou de forma potencializadora (do efeito primário da glicose) a secreção de insulina [12]. Vários mecanismos complementares desempenham papel importante na regulação da secreção basal e estimulada da insulina, sendo os mais importantes, os hormonais, particularmente o glucagon, a somatostatina, a adrenalina, o cortisol, o hormônio de crescimento, a leptina e a própria insulina; e os neurais, que por estímulo colinérgico aumentam, e por estímulo adrenérgico inibem a secreção da insulina [13,17]. É importante ressaltar que alguns medicamentos em uso clínico modulam a secreção de insulina por atuarem em etapas fundamentais do processo secretório. As sulfoniluréias e as glinidas se ligam a uma proteína componente dos canais de K+ - ATP dependentes, chamada SUR1. Tal interação promove o fechamento desses canais, despolarizando a célula beta e induzindo a abertura de canais de Ca2+ - voltagens dependentes. Referência ao DM Neonatal De forma inversa, a diazoxida também interage com proteínas SUR1, porém neste caso impedindo o fechamento dos canais de K+ - ATP dependentes, mesmo quando a relação ATP/ADT intracelular favorece tal evento. Essa droga, utilizada em algumas condições oftalmológicas, inibe a secreção de insulina estimulada por glicose. Bloqueadores de canais de Ca2+ como verapamil e nifedipina, utilizados no tratamento da hipertensão arterial, reduzem o influxo de Ca2+ e inibem a secreção de insulina induzida por glicose, entretanto seu efeito inibitório, por ser moderado, raramente se torna um problema na prática clínica [18] Distúrbios funcionais das Ilhotas Pancreáticas nas principais Forma de DM As perdas funcionais, totais ou parciais, da capacidade produtora e secretória da célula beta pancreática, foram consideradas, em tempos pregressos, como um fenômeno presente apenas em DM tipo 1, em algumas formas genéticas de diabetes, hoje reconhecidos como MODY, e em algumas formas de DM decorrentes da perda funcional pancreática produzida por drogas, agentes tóxicos ou doenças do pâncreas exócrino que afetem a função endócrina. Hoje, reconhece-se que na forma mais prevalente de DM, o DM2, a perda funcional da célula beta é condição sine qua non para o desenvolvimento do quadro hiperglicêmico. Fig. 05 - Perda da função pancreática com o decorrer do tempo de diabetes
  • 18. Serão discutidas a seguir as principais características dos distúrbios funcionais da célula beta no DM1A, DM2 e em algumas formas de MODY. Diabetes mellitus tipo 1A A destruição progressiva e específica das células beta pancreáticas por mecanismo autoimune é a base fisiopatológica do DM1A. As razões pelas quais alguns indivíduos na população passam, em um determinado momento de suas vidas, a apresentar reatividade autoimune contra antígenos próprios da célula beta é questão de intensa investigação. Entre as razões mais aceitas no momento, encontram-se a falha na seleção linfocitária no timo durante a ontogênese do sistema imune; a expressão anômala de auto-antígenos através de algumas moléculas do MHC (o que explicaria o risco relativo elevado oferecido por alguns genótipos de HLA, particularmente DR3 e DR4); a infecção por alguns tipos de vírus ou bactérias em indivíduos geneticamente predispostos; ou ainda a exposição a fármacos, alimentos ou a outros fatores ambientais pouco conhecidos [19]. A destruição da célula beta é dependente de uma resposta imunológica predominantemente celular, com ativação de linfócitos T- CD4 e -CD8. Em modelos animais, a doença pode ser induzida independente da presença de linfócitos T-CD8, mas não da presença de T-CD4, o que sugere que a expressão ?, coordenada por taisg? e IFNblocal de citocinas, principalmente TNF-alfa, IL-1 linfócitos, é fator necessário à destruição celular. Na prática clínica, detecta-se a presença de autoanticorpos contra antígenos da célula beta em todos os pacientes com DM1A. Tais anticorpos não desempenham papel importante na destruição das células insulino- produtoras, mas servem como marcadores da doença e são utilizados como fatores preditivos para screening populacional ou na investigação de indivíduos sob risco acentuado de desenvolver a doença. Os principais autoanticorpos que podem ser determinados por métodos disponíveis em laboratórios de referência são ICA, insulina, GAD65 e ICA512 [20,21]. Como a lesão das células beta pancreáticas é dependente de mecanismos autoimunes estudos clínicos com uso de imunossupressores, na tentativa de se impedir a progressão da doença, foram realizados nas últimas décadas. O uso do potente imunossupressor ciclosporina A foi capaz de deter o avanço da doença enquanto em uso, entretanto as consequências da potente imunossupressão associadas a outros efeitos colaterais do fármaco inviabilizam seu uso clínico. Outras abordagens imunossupressoras ou imunomoduladoras como metotrexate, nicotinamida, BCG, timodulina e insulinoterapia oral, tiveram resultados insatisfatórios no controle da doença [22]. MODY Maturity-onset diabetes of the young é definido como uma forma de DM monogênica, dominante, decorrente de mutações em genes que levam a disfunção da célula beta. De uma forma geral, há baixa produção de insulina frente a necessidades básicas periféricas. Pacientes são jovens, magros e há recorrência familiar por pelo menos duas gerações. De acordo com dados de vários estudos populacionais os genes mais frequentemente envolvidos são: HNF-1 alfa (MODY3), 52% dos casos; e, glicoquinase (MODY2), 14% dos casos; outros genes afetados de forma mais rara são HNF-4 alfa (MODY1) e HNF-1 beta (MODY5). Aproximadamente 10% dos pacientes que preenchem critérios clínicos e familiares para diagnóstico de MODY não têm genes envolvidos identificados [24]. Diabetes Mellitus Tipo 2
  • 19. A incapacidade da célula beta em responder à crescente demanda periférica de insulina, observada durante a evolução progressiva da insulino-resistência em indivíduos intolerantes à glicose, é aceito hoje como o fenômeno determinante no desenvolvimento do DM2. Alguns fatos corroboram tal conceito. Primeiro, todos os pacientes com DM2 tem disfunção mensurável da célula beta; segundo, a magnitude da insulino-resistência, após instalada sofre pequeno ou nenhum incremento com o tempo, por outro lado, a deterioração da função da célula beta é progressiva; terceiro, há perda progressiva da resposta da célula beta à terapêutica com sulfoniluréias [20]. A primeira e mais marcante evidência clínica da disfunção da célula beta em pacientes com predisposição para DM2 é a perda da primeira fase de secreção de insulina. (Fig.6). Fig. 06 - As duas fases da secreção fisiológica da insulina Alterações na segunda fase de secreção e modificação no padrão pulsátil de secreção aparecem com a evolução da doença. Durante a evolução da resistência à insulina, particularmente em indivíduos obesos, observa-se aumento progressivo da concentração sanguínea basal de insulina. Esse incremento pode ser mantido em algumas pessoas, e perdido em outras. As primeiras se manterão normoglicêmicas e resistentes à insulina, enquanto as segundas perderão definitivamente a capacidade de manter a homeostase da glicose [23]. Várias causas têm sido apontadas como determinantes da perda funcional da célula beta. Alguns polimorfismos, como do fator de transcrição TCF7L2 ou da proteína Kir6.2, foram identificados em populações especificas, porém alterações genéticas comuns a múltiplas populações não foram identificadas. Entre causas aparentemente não-genéticas discutem-se os papéis da disfunção mitocondrial com aumento da produção de espécies reativas de oxigênio, da glicotoxicidade, da lipotoxicidade, do estresse de retículo endoplasmático e finalmente da própria ação autócrina e parácrina da insulina, promovendo controle de sua própria síntese e secreção [14,15,23]. Dada a complexidade genética e a multifatorialidade ambiental de DM2, acredita-se que no futuro distintos mecanismos fisiopatológicos serão caracterizados, todos levando a um quadro clínico comum com coexistência da resistência à insulina e falência da célula beta. Resistência à insulina X deficiência insulínica: aspectos clínicos e implicações terapêuticas.
  • 20. Conforme mencionado, a hiperglicemia do DM2 resulta de dois mecanismos básicos, a resistência periférica à ação da insulina e a deficiência da produção deste hormônio pelas células beta do pâncreas, como mostra a figura 7. Fig. 07 - Fatores geradores da hiperglicemia Tais mecanismos podem ser precipitados pela presença de certos fatores como uma predisposição genética, a obesidade, a inatividade física e o envelhecimento, que interferem ou na reserva funcional das células beta ou na sensibilidade tecidual à insulina ou em ambos os defeitos. É difícil definir, para cada paciente, qual a participação do componente de resistência à insulina e da deficiência insulínica mas, na maioria dos casos, as duas condições coexistem em proporções diferentes para diferentes pacientes. Os indivíduos obesos são em geral mais resistentes à insulina, apresentam insulinemia elevada e mais frequentemente intolerância à glicose. Uma linha de investigação sugere o envolvimento do acúmulo de gordura visceral na gênese da resistência à insulina. Porém, não está totalmente esclarecido qual defeito ocorre primeiro. A perda de função da célula beta é um fator que aparece precocemente no desenvolvimento do DM2. Em condições normais, a secreção insulínica ocorre em dois picos ao se iniciar uma refeição: o primeiro pico é necessário para a utilização da glicose proveniente da refeição e também para sinalizar o fígado e inibir a produção endógena de glicose logo após a refeição. No indivíduo sadio, as duas fases de secreção de insulina estão preservadas enquanto no portador de DM, há perda da primeira fase e atraso na segunda fase deste processo (figura 8). Fig. 08 - No portador de DM2, o estímulo de glicose não promove a primeira fase da secreção de insulina Há evidências de que o declínio da função da célula beta possa ocorrer até 10 anos antes do momento do diagnóstico. Como o diagnóstico do DM em geral é feito tardiamente, o que se
  • 21. observa é que ao diagnosticar a doença o paciente já apresenta deficiência na capacidade secretória de insulina da ordem de 50%. Na evolução do DM, cada um dos mecanismos básicos tem um padrão de evolução específico, podendo ter início até 10 anos antes do diagnóstico. Na fase inicial do processo, tanto a resistência à insulina como a deficiência insulínica apresentam uma curva ascendente, refletindo a situação clínica que ocorre progressivamente na fase de pré-diabetes: à medida que a resistência à insulina progride, as células beta respondem com aumento inicial na secreção de insulina, com o objetivo de superar os efeitos hiperglicemiantes da resistência à insulina. Em geral, quando a doença é diagnosticada já existe um estado de deficiência insulínica progressivo, manifesto por níveis cada vez mais baixos de insulinemia. Entretanto, é importante salientar que a resistência à insulina pode aumentar substancialmente se o indivíduo continuar a ganhar peso, devido à hipertrofia do tecido adiposo particularmente visceral. Por outro lado, quando o indivíduo perde 5% a 10% do peso corpóreo, essa perda aparentemente discreta já apresenta um impacto positivo importante na diminuição da resistência à insulina, o que se reflete por necessidades de doses menores de antidiabéticos, que eventualmente poderão ser inclusive suspensos se o componente de resistência à insulina for significativo e se a perda de peso for mais acentuada. Glicotoxidade e Lipotoxicidade como fatores Hiperglicemiantes A glicotoxicidade caracteriza-se por efeitos adversos da hiperglicemia crônica sobre a função da célula beta e incluem três consequências distintas: diminuição da tolerância à glicose; exaustão das células beta e redução da massa de células beta por apoptose. A diminuição da tolerância à glicose deve-se a uma refratariedade reversível do mecanismo de liberação da insulina produzida após a exposição a níveis elevados de glicemia devida a auto-oxidação da célula beta. Nessas circunstâncias, ocorre um mecanismo fisiológico adaptativo para preservar a célula beta, reduzindo a primeira fase de produção de insulina e promovendo menor supressão da liberação hepática de glicose após as refeições, aumentando ainda mais a hiperglicemia pós-prandial. A consequência prática direta da glicotoxicidade é a incapacidade de alguns pacientes com glicemia bastante elevada, geralmente acima de 300 mg/dl em jejum, no sentido de não conseguirem uma redução adequada dos níveis glicêmicos apenas com o tratamento oral, necessitando de um período variável de terapia insulínica para restaurar os níveis glicêmicos para patamares aceitáveis. Para muitos pacientes, essa conduta terapêutica controla a glicotoxicidade e permite que o paciente passe a responder adequadamente aos antidiabéticos orais.
  • 22. Fig. 09 - Fatores geradores da hiperglicemia A lipotoxidade geralmente ocorre em portadores de DM2 e obesidade, com adiposidade visceral. Neste caso, são os níveis elevados de ácidos graxos, por períodos prolongados, que resultam em resposta diminuída das células beta aos níveis de glicose sanguínea. Em condições normais, os ácidos graxos são uma forma de energia para as células beta mas se tornam tóxicos quando em concentrações cronicamente elevadas e em indivíduos geneticamente predispostos ao DM2. Os efeitos deletérios dos ácidos graxos são mediados pela presença do excesso de glicose, uma vez que os lípides aumentados não alteram a função das células beta em modelos animais mantidos em níveis normais de glicemia. Implicações terapêuticas da resistência à insulina e da deficiência insulínica Atualmente, dispomos de várias opções farmacológicas para o tratamento do DM2, as quais foram desenvolvidas graças aos conhecimentos adquiridos sobre a fisiopatologia da resistência à insulina e da deficiência insulínica. Os medicamentos que agem combatendo a resistência periférica à ação da insulina exercem seus efeitos terapêuticos através de dois mecanismos básicos: estimulando a captação de glicose pelos músculos e tecido adiposo e reduzindo a liberação de glicose pelo fígado. Este grupo de fármacos é conhecido como “grupo dos sensibilizadores da insulina” e inclui duas classes terapêuticas: as biguanidas (metformina) e as glitazonas. Ambas apresentam os mecanismos de ação semelhantes, porém, com intensidades e tecidos distintos. Por exemplo, a metformina age preponderantemente no fígado, reduzindo a liberação hepática de glicose, mas também age secundariamente em nível dos músculos e do tecido adiposo, diminuindo a resistência à ação da insulina. Por outro lado, a preponderância de mecanismos de ação é inversa no caso das glitazonas, ou seja, estas agem preponderantemente nos músculos e no tecido adiposo e também apresentam ação redutora sobre a liberação de glicose pelo fígado, embora em menor escala que a metformina. Por outro lado, o grupo terapêutico que age estimulando a produção interna de insulina pelas células beta é representado pelos chamados “secretagogos de insulina”, os quais podem ser de curta duração (como as glinidas, para uso prandial, com duração aproximada de 2 horas) ou de duração mais ampliada (como as sulfoniluréias, para cobertura insulínica por períodos de 12 a 24 horas). É importante notar que os sensibilizadores da ação periférica da insulina não costumam causar hipoglicemia, mesmo quando o paciente não se alimenta nos horários previstos. Por outro lado, os secretagogos de insulina de duração mais prolongada continuarão a exercer seu efeito
  • 23. estimulador da secreção de insulina pelas células beta, independentemente do paciente ter ou não se alimentado nos horários previstos. Por essa razão, deve-se sempre ter em mente a possibilidade da ocorrência de hipoglicemias nestes pacientes, principalmente quando as refeições não acontecem nas quantidades e nos horários previstos. Outro grupo terapêutico é constituído por fármacos que retardam a absorção intestinal da glicose e, assim, reduzem a hiperglicemia pós-prandial. Esses quatro grupos terapêuticos mencionados e seus respectivos mecanismos de ação estão resumidos na figura 10 a seguir. Fig. 10 - Os diferentes mecanismos de ação dos antidiabéticos orais Mais recentemente, uma nova classe de medicamentos está sendo introduzida, com uma abordagem terapêutica direcionada à inibição da secreção de glucagon, um hormônio produzido pelas células alfa das ilhotas pancreáticas e que apresenta um efeito oposto ao da insulina, ou seja, um efeito hiperglicemiante. Os chamados hormônios intestinais ou incretinas exercem fisiologicamente essa função. Dois grupos terapêuticos exercem uma ação farmacológica semelhante à das incretinas: os incretinomiméticos e os inibidores da enzima DPP-IV. Por se tratar de agentes terapêuticos ainda não lançados em alguns países, ainda não se definiu a participação desse grupo nos algoritmos de tratamento do DM2. Devido à grande atualidade deste tema, sugerimos a leitura de capítulos específicos sobre o assunto mencionados a seguir. Referências bibliográficas 1. Yamaoka T, Itakura M: Development of pancreatic islets (review). Int J Mol Med 3:247-261, 1999 2. Argenton F, Zecchin E, Bortolussi M: Early appearance of pancreatic hormone-expressing cells in the zebrafish embryo. Mech Dev 87:217-221, 1999 3. Bonner-Weir S: Regulation of pancreatic beta-cell mass in vivo. Recent Prog Horm Res 49:91-104, 1994 4. Dubois PM: Ontogeny of the endocrine pancreas.Horm Res 32:53-60, 1989 5. Apelqvist A, Li H, Sommer L, Beatus P, Anderson DJ, Honjo T, Hrabe de Angelis M, Lendahl U, Edlund H: Notch signalling controls pancreatic cell differentiation.Nature 400:877-881, 1999 6. Weissman IL: Stem cells: units of development, units of regeneration, and units in evolution. Cell 100:157- 168, 2000 7. Orci L: The insulin factory: a tour of the plant surroundings and a visit to the assembly line. The Minkowski lecture 1973 revisited. Diabetologia 28:528-546, 1985 8. Bell GI, Pictet RL, Rutter WJ, Cordell B, Tischer E, Goodman HM: Sequence of the human insulin gene. Nature 284:26-32, 1980
  • 24. 9. Guest PC, Rhodes CJ, Hutton JC: Regulation of the biosynthesis of insulin-secretory-granule proteins. Co- ordinate translational control is exerted on some, but not all, granule matrix constituents. Biochem J 257:431-437, 1989 10. Steiner DF, Tager HS, Chan SJ, Nanjo K, Sanke T, Rubenstein AH: Lessons learned from molecular biology of insulin-gene mutations. Diabetes Care 13:600-609, 1990 11. Malaisse WJ: Glucose-sensing by the pancreatic B-cell: the mitochondrial part. Int J Biochem 24:693-701, 1992 12. Gylfe E: Nutrient secretagogues induce bimodal early changes in cytoplasmic calcium of insulin-releasing ob/ob mouse beta-cells. J Biol Chem 263:13750-13754, 1988 13. Ahren B: Autonomic regulation of islet hormone secretion--implications for health and disease. Diabetologia 43:393-410, 2000 14. Velloso LA, Carneiro EM, Crepaldi SC, Boschero AC, Saad MJ: Glucose- and insulin-induced phosphorylation of the insulin receptor and its primary substrates IRS-1 and IRS-2 in rat pancreatic islets. FEBS Lett 377:353-357, 1995 15. Araujo EP, Amaral ME, Filiputti E, De Souza CT, Laurito TL, Augusto VD, Saad MJ, Boschero AC, Velloso LA, Carneiro EM: Restoration of insulin secretion in pancreatic islets of protein-deficient rats by reduced expression of insulin receptor substrate (IRS)-1 and IRS-2. J Endocrinol 181:25-38, 2004 16. Araujo EP, Amaral ME, Souza CT, Bordin S, Ferreira F, Saad MJ, Boschero AC, Magalhaes EC, Velloso LA: Blockade of IRS1 in isolated rat pancreatic islets improves glucose-induced insulin secretion. FEBS Lett 531:437-442, 2002 17. De Souza CT, Gasparetti AL, Pereira-da-Silva M, Araujo EP, Carvalheira JB, Saad MJ, Boschero AC, Carneiro EM, Velloso LA: Peroxisome proliferator-activated receptor gamma coactivator-1-dependent uncoupling protein-2 expression in pancreatic islets of rats: a novel pathway for neural control of insulin secretion. Diabetologia 46:1522-1531, 2003 18. Ashcroft FM, Gribble FM: ATP-sensitive K+ channels and insulin secretion: their role in health and disease. Diabetologia 42:903-919, 1999 19. Barker JM: Clinical review: Type 1 diabetes-associated autoimmunity: natural history, genetic associations, and screening. J Clin Endocrinol Metab 91:1210-1217, 2006 20. Cnop M, Welsh N, Jonas JC, Jorns A, Lenzen S, Eizirik DL: Mechanisms of pancreatic beta-cell death in type 1 and type 2 diabetes: many differences, few similarities. em>Diabetes 54 Suppl 2:S97-107, 2005 21. Velloso LA, Kampe O, Hallberg A, Christmanson L, Betsholtz C, Karlsson FA: Demonstration of GAD-65 as the main immunogenic isoform of glutamate decarboxylase in type 1 diabetes and determination of autoantibodies using a radioligand produced by eukaryotic expression. J Clin Invest 91:2084-2090, 1993 22. Goudy KS, Tisch R: Immunotherapy for the prevention and treatment of type 1 diabetes. Int Rev Immunol 24:307-326, 2005 23. Prentki M, Nolan CJ: Islet beta cell failure in type 2 diabetes.J Clin Invest 116:1802-1812, 2006 24. Velho G, Robert JJ: Maturity-onset diabetes of the young (MODY): genetic and clinical characteristics. Horm Res 57 Suppl 1:29-33, 2002 O sistema renina-angiotensina na resistência à insulina e hipertensão Capítulo 4 - Dra. Sandra Ferreira Introdução DM e hipertensão arterial (HA), isoladamente, estão associados à elevada morbi-mortalidade cardiovascular. Estudos epidemiológicos revelam que HA é cerca de 2 vezes mais frequente nos indivíduos diabéticos quando comparados à população não-diabética (figura 1). A associação das 2 doenças é amplamente conhecida e tal fato potencializa os efeitos deletérios sobre o sistema cardiovascular. O Multiple Risk Factor Intervention Trial - MRFIT
  • 25. mostrou que, em particular no portador de DM, à medida que a pressão arterial (PA) se eleva cresce a taxa de mortalidade por esta causa (figura 2). Fig. 01 - Frequência da hipertensão arterial na população diabética e não diabética. Fig. 02 - Aumento da mortalidade proporcional ao aumento da pressão arterial em indivíduos com ou sem diabetes. A resistência à insulina – defeito básico na etiopatogenia do DM tipo 2 – é considerada um elo fisiopatogênico entre o DM e a HA. Os mecanismos intracelulares geradores da redução da ação hormonal são hoje satisfatoriamente conhecidos. Amplas evidências confirmam a associação da HA a outras condições de resistência à insulina, como é o caso da obesidade e DM tipo 2, integrantes da chamada síndrome metabólica. A HA presente no espectro da síndrome metabólica é considerada “sal-sensível”, ou seja, responsiva às variações no consumo de sal. Em resposta à resistência tecidual à ação da insulina, há secreção insulínica aumentada pelas células beta e consequente hiperinsulinemia. Concentrações elevadas de insulina exacerbam seus efeitos sobre a reabsorção renal de sódio, bem como ativam do sistema nervoso simpático; ambos os efeitos contribuem para elevar a PA. Porém, este raciocínio fisiopatológico para gênese de HA esbarrava nos resultados conflitantes de experimentos nos quais a insulina administrada no intravascular determinava efeito vasodilatador. O estado de resistência à insulina, presente inclusive em células do endotélio de indivíduos com síndrome metabólica, explica, em parte, o aparente efeito hemodinâmico contraditório.
  • 26. Hoje se sabe que a condição de resistência à insulina é um fator relevante para a instalação de estado pró-hipertensivo. A angiotensina II, potente agente vasoconstritor, está envolvida no desenvolvimento de ambas, resistência à insulina e HA; agentes que inibem a ação da angiotensina (inibidores da enzima conversora da angiotensina ou bloqueadores do seu receptor) não apenas reduzem a PA, mas também são capazes de restaurar a sensibilidade à insulina. Com base nestas observações postulou-se que destas interrelações da angiotensina II às vias de sinalização de insulina poder-se-ia compreender como a angiotensina geraria resistência à insulina, predispondo à intolerância à glicose, além de elevação da PA. Estudos experimentais apontam efeito inibidor da angiotensina II sobre a secreção de insulina; em paralelo, estudos in vitro evidenciam o mecanismo intracelular pelo qual a angiotensina reduz a captação de glicose. Os mecanismos que elevam a PA do indivíduo com manifestações da síndrome metabólica são múltiplos, mas certamente envolve, dentre outros, o sistema renina-angiotensina- aldosterona (SRAA), como gerador e mantenedor dos níveis pressóricos aumentados. Em adição ao efeito vasoconstritor direto da angiotensina II, este hormônio estimula a secreção adrenal de aldosterona, cuja ação principal é a reabsorção renal de sódio, aumentando o débito cardíaco e a PA. Um estado hiperglicêmico crônico provoca hiperfiltração glomerular e per se desencadeia mecanismos renais retentores de sal. O conteúdo corporal de sódio aumentado em indivíduos com DM potencializa a ação pressórica da angiotensina II. Além da vasoconstrição, estimulando receptores AT1 e AT2 presentes nos túbulos proximais, a angiotensina II contribui para agravar a retenção de sódio e água. Na musculatura lisa vascular e nos rins, a angiotensina II exerce sua ação essencialmente via receptores AT1, sobre os quais atua importante classe de agentes anti-hipertensivos (bloqueadores do receptor da angiotensina – BRAs), largamente empregados na prática clínica para controle da PA. Adicionalmente, há evidências in vitro de que a angiotensina II, atuando sobre seus receptores AT2, possa ser dotada de efeitos promotores de proliferação celular na parede vascular. A somatória de ações vasoconstritoras, tróficas e sobre a volemia resulta em papel definitivo do SRAA na elevação da PA em indivíduos com DM. Porém, a retenção renal de sódio tende, em médio prazo, a determinar compensatoriamente supressão deste sistema. Assim, a manutenção de níveis pressóricos aumentados deve ser, portanto, dependente de mecanismos outros, especialmente a ativação do sistema nervoso simpático. Já se observou que indivíduos diabéticos apresentam sensibilidade vascular aumentada a substâncias vasopressoras como a angiotensina II e noradrenalina. Alterações no transporte de cátions na musculatura lisa do vaso, provocada pela hiperinsulinemia, pode resultar em aumento do cálcio e sódio intracelular, o que o torna hiperativo a estímulos com substâncias endógenas vasopressoras. Fechando-se um ciclo vicioso, o comprometimento do fluxo sanguíneo para a musculatura esquelética, principal sítio de ação da insulina, poderia agravar um estado de resistência à insulina.
  • 27. Outra linha de investigação reforça a estreita ligação do SRAA com anormalidades do metabolismo da glicose, distribuição central da adiposidade corporal e HA. Adiposidade excessiva comumente precede a instalação do DM tipo 2. O tecido adiposo – especialmente visceral – tem sido implicado na ativação do SRAA, uma vez que pré-adipócitos humanos são capazes de produzir angiotensinogênio, a enzima conversora e de secretar angiotensina II. Outros genes controladores da produção de substâncias relevantes para este sistema (da renina, proteína ligadora da renina e do receptor 1 da angiotensina) são expressos em pré- adipócitos, reforçando a participação deste tecido no controle da PA. Achados em tecido adiposo visceral humano comprovam ser este metabolicamente mais ativo que o subcutâneo, sendo importante fonte de angiotensinogênio para a circulação, além do fígado. A renina é responsável pela transformação deste precursor hormonal em angiotensina I. Em órgãos- alvo, sob a ação da enzima conversora da angiotensina (ECA), é convertida à forma ativa, a angiotensina II, que estimula a síntese adrenal de mineralocorticóides e, consequentemente, a expansão do volume extracelular (figura 3). Fig. 03 - Fatores envolvidos na gênese da hipertensão arterial. Mais recentemente, foi identificado novo fator sintetizado no tecido adiposo, cuja ação principal é estimular a produção e liberação de minerolocorticóide pelas adrenais. Este novo hormônio representa mais um elo fisiopatogênico da obesidade com a HA. Além do angiotensinogênio e do fator liberador de mineralocorticóide que interferem mais diretamente no controle da PA, o tecido adiposo produz outros hormônios (leptina, resistina, adiponectina) e citocinas (TNF-alfa, PAI-1, interleucinas) que atuam na sensibilidade à insulina, função endotelial e/ou na hemodinâmica, contribuindo para aterogênese e risco de fenômenos trombo-embólicos. A este conjunto de anormalidades presente em indivíduos obesos somam-se as consequências da resistência à insulina sobre o metabolismo lipídico. A dislipidemia também desempenha papel fundamental no processo aterosclerótico do indivíduo obeso diabético hipertenso, conforme abordado neste e-book. Partículas pequenas e densas de LDL-colesterol penetram mais facilmente no espaço subendotelial, desencadeando a formação de células espumosas, inflamação e espessamento da parede arterial, que oferecem resistência ao fluxo sanguíneo, contribuindo, assim, para elevar os níveis pressóricos. No que diz respeito aos efeitos intracelulares da angiotensina II sobre a sensibilidade à
  • 28. insulina, os achados na sua maior parte associam este hormônio à resistência à insulina, apesar de alguns sugerirem que em condições normais a angiotensina II melhoraria a sensibilidade. Resultados obtidos estudos in vitro e in vivo auxiliam no entendimento destas divergências (Folli F, Saad MJ, Velloso L, Hansen H, Carandente O, Feener EP, Kahn CR. Crosstalk between insulin and angiotensin II signalling systems. Exp Clin Endocrinol Diabetes 1999; 107:133-9). À semelhança da insulina, observou-se que a angiotensina II, atuando via receptores AT1, estimula a fosforilação dos substratos do receptor de insulina (IRS-1 e IRS- 2), os quais habitualmente ativariam a PI3-kinase e, em última análise, promoveria o transporte de glicose. Porém, em contraste com o efeito da insulina, a angiotensina II inibe a atividade desta enzima, comprometendo a captação de glicose. Em situações de hiperatividade do SRAA (por exemplo, na obesidade), há comprometimento da via de sinalização da insulina, agravando para resistência à insulina e anormalidades características da síndrome metabólica. Conforme apresentado na figura 4, é aceito que indivíduos com acúmulo de gordura visceral apresentam diversos mecanismos ativadores do SRAA, predispondo-os à HA. Somando aos efeitos decorrentes da hiperinsulinemia (retenção de sódio e água, ativação simpática e hipertrofia da parede arterial), da resistência à insulina e vasoconstrição induzidas pela angiotensina no processo hipertensivo, outros investigadores aventam que o excesso de gordura intra-abdominal poderia estimular o SRAA por compressão mecânica dos rins, favorecendo a liberação de renina pelo aparelho justaglomerular. Ainda em decorrência da obesidade, a apnéia do sono tem sido implicada na geração ou perpetuação da HA por estímulo simpático e da córtex adrenal (Lavie P et al. BMJ 2000; 320:479-482). Numa linha oposta, outros defendem que a ativação do SRAA é que seria geradora de hipertrofia do tecido adiposo, obesidade central e a resistência à insulina. Assim, é possível que estas relações causa-efeito na PA, envolvendo o SRAA e a adiposidade corporal, sejam bidirecionais e se retroalimentem na geração da HA. Fig. 04 - Possíveis mecanismos geradores de hipertensão arterial associada à obesidade.
  • 29. Referências bibliográficas 1. Reaven GM, Lithell H, Landsberg L. Hypertension and associated metabolic abnormalities: the role of insulin resistance and the sympathoadrenal system. N Engl J Med 334: 374–381, 1996. 2. Rao RH. Effects of angiotensin II on insulin sensitivity and fasting glucose metabolism in rats. Am J Hypertens 7: 655-660, 1994. 3. Baum M. Insulin stimulates volume absorption in the rabbit proximal convoluted tubule. J Clin Invest 79: 1104-1109, 1987. 4. Rowe JW, Young JB, Minaker KL et al. Effect of insulin and glucose infusions on sympathetic nervous system activity in normal man. Diabetes 30: 219-225, 1981. 5. Richey JM, Ader M, Moore D, Bergman RN. Angiotensin II induces insulin resistance independent of changes in interstitial insulin. Am J Physiol 277: E920–E926, 1999. 6. Romero JC, Reckelhoff JF. State-of-the-Art lecture. Role of angiotensin and oxidative stress in essential hypertension. Hypertension34: 943–949, 1999. 7. Higashiura K, Ura N, Takada T, Li Y, Torii T, Togashi N, Takada M et al. The effects of an angiotensin- converting enzyme inhibitor and an angiotensin II receptor antagonist on insulin resistance in fructose-fed rats. Am J Hypertens2000; 13: 290–297. 8. Velloso LA, Folli F, Sun XJ, White MF, Saad MJ, Kahn CR. Cross-talk between the insulin and angiotensin signaling systems. Proc Natl Acad Sci USA 93: 12490–12495, 1996. 9. Chu KY, Lau T, Carisson PO, Leung PS. Angiotensin II type 1 receptor blockade improves beta-cell function and glucose tolerance in a mouse model of type 2 diabetes. Diabetes 2006; 55:367-74. 10. Folli F, Saad MJ, Velloso L, Hansen H, Carandente O, Feener EP, Kahn CR. Crosstalk between insulin and angiotensin II signaling systems. Exp Clin Endocrinol Diabetes 1999; 107:133-9. 11. Mulvany MJ. Pathophysiology of vascular smooth vessel in hypertension. J Hypertens 2 (suppl. III): 413- 420, 1986. 12. Baron AD, Brechtel-Hook G, Johnson A, Hardin D. Skeletal muscle blood flow. A possible link between insulin resistance and blood pressure. Hypertension 21: 129–135, 1993. 13. Massiera F, Bloch-Faure M, Ceiler D, Murakami K, Fukamizu A, Gasc JM, Quignard-Boulange A, Negrel R et al. Adipose angiotensinogen is involved in adipose tissue growth and blood pressure regulation. FASEB J 15(14): 2727-2729, 2001. 14. Giacchetti G, Faloia E, Sardu C, Camilloni MA, Mariniello B, Gatti C, Garrapa GGM. Gene expression of angiotensinogen in adipose tissue of obese patients. Intern J Obes 24(2): S142-143, 2000. 15. Ehrhart-Bornstein M, Lamounier-Zepter V, Schraven A, Langenbach J, Willenberg HS et al. Human adipocytes secrete mineralocorticoid-releasing factors. Proc Natl Acad Sci 2003; 100(24):14211–6. 16. Van Harmelen V, Elizalde M, Ariapart P, Bergstedt-Lindqvist S, Reynisdottir S, Hoffstedt J1, Lundkvist I, Bringman S, Arner P. The association of human adipose angiotensinogen gene expression with abdominal fat distribution in obesity. Intern J Obes 24: 673-678, 2000. 17. Mehta PK, Griendling KK. Angiotensin II cell signaling: physiological and pathological effects in the cardiovascular system. Am J Physiol Cell Physiol 292: C82-C97, 2007. 18. Juan C-C, Chien Y, Wu LY, Yang WM, Chang C-L, Lai Y-H, Ho P-H et al. Angiotensin II enhances insulin sensitivity in vitro and in vivo. Endocrinology 146(5):2246-2254, 2005. 19. Ogihara T, Tomoichiro A, Katsuyuki A, Yuko C, Hideyuki S, Motonobu A, Nobuhiro S, Hiraku O, Yukiko O, Midori F et al. Angiotensin II–induced insulin resistance is associated with enhanced insulin signaling. Hypertension 40: 872-876, 2002. 20. Bulcão C, Ferreira SRG, Giuffrida FMA, Ribeiro-Filho FF. The new adipose tissue and adipocytokynes. Cur Diabetes Rev 2(1): 19-28, 2006. 21. Rosenbaum P, Ferreira SRG. An update on cardiovascular risk of the metabolic syndrome. Arq Bras Endocrinol Metabol 47(3): 220-227, 2003.
  • 30. 22. Chobanian AV, Hill M. National Heart, Lung and Blood Institute Workshop on Sodium and Blood Pressure: a critical review of current scientific evidence. Hypertension 35: 858-863, 2000. 23. Hall JE, Brands MW, Henegar JR, Sheck EW. Abnormal kidney function as a cause and a consequence of obesity hypertension. Clin Exp Pharmacol Physiol 25: 58-64, 1998. 24. Lavie P, Herer P, Hoffstein V. Obstructive sleep apnoea syndrome as a risk factor for hypertension: population study. BMJ 2000; 320:479-482. O papel dos hormônios intestinais no controle glicêmico Capítulo 5. Dr. Ney Cavalcanti.Dr. Daniel da Costa Lins Introdução Hoje sabemos ser o trato gastrointestinal o nosso maior órgão endócrino. Ele produz muitos hormônios, dos quais conhecemos apenas alguns, que desempenham importantes ações na nossa homeostase. Os primeiros estudos com os hormônios gastrointestinais sugeriam que as suas ações se restringiam apenas ao funcionamento do tubo digestivo, como secreção ácida do estômago e contração da vesícula biliar. Somente a partir de 1973 quando foi demonstrado, que um deles, a colecistoquinina (CCK) tinha influência sobre o apetite, surgiu aumento de interesse nestes peptídeos e a descoberta de que também outros destes hormônios tinham ações fora do sistema digestivo. O sistema nervoso central (SNC) os receptores para estes peptídeos se localizam principalmente para o controle no hipotálamo e tronco encefálico. É através dessas mensagens que controlamos a nossa fome, saciedade e gasto energético. Estudos recentes indicam a existência de um sistema no tubo digestivo que identifica a presença de alimentos e sinaliza o SNC via mecanismos neurais e endócrinos a regular a curto prazo o apetite e a saciedade. Neste capítulo será discutida a função do trato gastrointestinal no balanço energético e avaliar a possibilidade de utilização destes peptídeos ou seus receptores como novas rotas no controle da obesidade e suas comorbidades. Colecistoquinina (CCK) A colecistoquinina (CCK) é um peptídeo produzido pelas células I do duodeno e jejuno, assim como no cérebro e no sistema nervoso entérico. A CCK é secretada em resposta aos nutrientes no lúmen intestinal, especialmente gorduras e proteínas. Esta molécula de CCK é clivada em pelo menos 6 peptídeos que se ligam aos seus receptores. Há dois tipos distintos de receptores para a CCK. O receptor CCK1 predomina no tubo digestivo enquanto o receptor CCK 2 predomina no cérebro. Apesar de a CCK apresentar como funções principais o controle da vesícula biliar, da saciedade e das secreções pancreáticas, este peptídeo também exerce ação relevante no controle do metabolismo dos carboidratos. A CCK exerce suas funções no controle glicêmico via receptor CCK2 no pâncreas. Em ratos a CCK estimula a secreção de insulina “in vivo” ou em cultura de pâncreas. Em humanos, níveis acima do fisiológico estimulam a secreção de insulina. Entretanto o bloqueio do receptor da CCK não diminui a secreção de insulina pós- prandial. Estes resultados levam a conclusão que a CCK pode estimular a secreção de insulina, mas não é essencial para a secreção pancreática de insulina. O uso da CCK reduz a hiperglicemia e estimula a proliferação de células beta em ratos após injúria pancreática. A demonstração através da infusão de CCK-8 do aumento da secreção da insulina pós-prandial em humanos sem alterar significativamente os níveis de GIP, GLP-1 e glucagon sugerem que o CCK pode ser explorado no futuro como uma forma de tratamento para o DM2.
  • 31. Glucagon-like peptídeo 1 (GLP-1) O GLP-1 é um peptídeo intestinal de 30 aminoácidos produzido pelas células l localizadas no íleo distal e colón. O GLP-1 é rapidamente secretado no intestino distal logo após a refeição. A secreção deste peptídeo é controlada pela combinação de estímulos neurais e endócrinos. Posteriormente o contato direto do nutriente com as células l do intestino também estimulam a secreção do GLP-1. Figura 1 – As diversas ações fisiológicas do GLP-1 A maioria do GLP-1 circulante é degradado pela enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4) em apenas 2 minutos. Os receptores do GLP-1 são expressos no trato intestinal, pâncreas endócrino e SNC. O GLP-1 na fisiologia da alimentação tem grande importância no "ileal brake" mecanismo inibitório no qual o trato intestinal distal regula a passagem de alimentos através do tubo digestivo. O GLP-1 através do "ileal brake" inibe a motilidade do trato gastrintestinal, reduz as secreções gastroentéricas e diminui o esvaziamento gástrico. O GLP-1 diminui o apetite em várias espécies animais inclusive no homem. A injeção periférica do GLP-1 aumenta a saciedade em indivíduos de peso normal, obesos e em diabéticos. Pacientes tratados tanto com o GLP-1 ou agonistas do receptor do GLP-1 perderam peso em estudos de até 2 anos. Os efeitos anoréticos são mediados principalmente através do receptor GLP-1 r, porque o efeito está ausente em ratos com deficiência deste receptor e são prontamente revertidos com o bloqueio seletivo através do antagonista do GLP-1 r.
  • 32. Figura 2 – Ações fisiológicas dos inibidores da DPP-IV A constatação que os obesos apresentavam um menor nível circulante de GLP-1 e uma resposta pós-prandial atenuada trouxe ânimo no meio científico com a utilização do agonista do GLP-1 na perda de peso. Porém a observação de casos de hipoglicemia com este peptídeo em pacientes não diabéticos limitou o seu uso como droga antiobesidade isoladamente. A secreção de GLP-1 tem se mostrado deficiente em pacientes com DM2.Estudos recentes indicam que a redução do efeito incretínico nos pacientes com DM2, esteja mais relacionado a hiperglicemia crônica, do que um defeito primário na ação do GLP-1.No momento, as pesquisas clínicas estão focadas no efeito incretínico do GLP-1 e seu uso como droga hipoglicemiante. O GLP-1 aumenta a secreção de insulina glicose dependente, inibe a secreção de glucagon e aumenta o crescimento de células beta pancreáticas. A infusão subcutânea por 6 semanas do GLP-1 melhorou o controle glicêmico em pacientes diabéticos descompensados. O maior obstáculo para o uso da molécula do GLP-1 é o seu tempo de meia vida curto via inativação pelo DPP-4. Por isso alguns agonistas do GLP-1 resistentes a degradação do DPP-4 (exenatida e liraglutida) e drogas inibidoras do DPP-4 (vidagliptina e sidagliptina) foram desenvolvidas como uma nova classe de agentes hipoglicemiantes. Os ensaios clínicos com os incretinomiméticos (exenatida e liraglutida) mostraram uma redução nas glicemias de jejum, pós-prandial e hemoglobina glicada (1 a 2%) associado à perda de peso. O efeito adverso mais comum com os agonistas do GLP-1 foi a náusea, porém de forma leve e que melhorava com o passar do tempo. Os inibidores da DPP-4 (sidagliptina, vidagliptina e saxagliptina) reduziram a hemoglobina glicada em 0,5 a 1% com menos efeitos adversos e sem ganho de peso. Esta nova classe de medicamento parece também expandir a massa de células beta em estudos pré-clinicos.
  • 33. Estudo recente com pacientes no pós-operatório de gastroplastia com bypass sem perda de peso importante ainda já apresentavam um aumento no GLP-1 pós-prandial. Este trabalho sugere que a modificação na anatomia do tubo digestivo pela cirurgia faria com que o alimento entrasse em contato mais rápido com as células l levando a esta resposta hormonal. O GLP-1 apresenta importância fisiológica na homeostasia da energia e no metabolismo dos carboidratos, transformando esta molécula num atrativo para o tratamento da diabetes mellitus tipo 2, pois a hiperestimulação do receptor do GLP-1 leva a uma melhora do controle glicêmico, mantendo ou até reduzindo o peso corporal. Polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) O GIP é uma incretina secretada pelas células k após absorção de carboidratos e lipídios. Estas células estão presentes principalmente no intestino delgado, porém mais densamente no duodeno. A secreção do GIP é muito aumentada em resposta ingestão alimentar aumentando 10 a 20 vezes a sua concentração plasmática. O GIP assim como o GLP-1 quando secretado é degradado pela enzima DPP-4 tendo a sua atividade biológica de apenas 5 a 7 minutos em humanos. A principal ação do GIP é estimular a secreção de insulina glicose dependente. A diminuição ou anulação da ação do GIP em experimentos animais gerou uma deficiência de insulina após a administração de glicose, demonstrando a função do GIP como uma incretina essencial. O GIP é uma potente incretina em indivíduos normais, porém as suas ações glicoregulatórias via GIP exógeno estão diminuídas nos diabéticos tipo 2. A secreção do GIP basal e pós-prandial em pacientes diabéticos tipo 2 é praticamente normal quando comparada a indivíduos sadios. Alguns trabalhos mostram que aproximadamente 50% dos parentes não diabéticos de primeiro grau dos diabéticos tipo 2 já apresentam uma menor responsividade ao GIP. Portanto, a redução das ações insulinotrópicas do GIP nos diabéticos pode ser devido à combinação de defeitos adquiridos e genéticos.
  • 34. Figura 3 – Mecanismos de estimulação das células beta do pâncreas para a produção de insulina. A cirurgia bariátrica, principalmente a derivação gástrica em Y de Roux, que inclui o bypass do intestino delgado, seria esperada a redução do GIP. Porém alguns trabalhos demonstraram uma não modificação e outros grupos aumento do GIP no pós-operatório. A diferença na secreção deste peptídeo pode ser devido a variações na técnica cirúrgica. O impacto da alteração da dinâmica da secreção do GIP no pós-operatório e seus efeitos hipoglicemiantes não ficaram bem elucidados até o momento. Oxintomodulina A oxintomodulina assim como o GLP-1 é um produto do gene do pré-pró-glucagon secretado na circulação pelas células l no período pós-prandial. Originalmente caracterizado como um inibidor da secreção ácida gástrica, este peptídeo também reduz a ingesta alimentar quando administrado centralmente a roedores ou perifericamente a roedores e humanos. A oxintomodulina estimula a secreção de insulina, lentifica o esvaziamento gástrico e inibe a secreção de ghrelina. A oxintomodulina se liga ao receptor do GLP-1. Trabalho recente mostrou que a oxintomodulina quando administrada subcutaneamente em indivíduos com obesidade e sobrepeso por 4 semanas levou a uma significativa perda de peso de 2,3 kg comparada com 0,5 kg do grupo controle. Além disto, a oxintomodulina parece ter um efeito no aumento do gasto energético. Recente trabalho demonstrou através de calorimetria indireta um aumento de 25% no gasto calórico com a utilização deste peptídeo. Estudo recente demonstrou um aumento na oxintomodulina no pós-operatório da Gastroplastia em Y de Roux (GYR) quando comparado ao grupo de tratamento clínico. De maneira similar ao GLP-1 a oxintomodulina aumenta secreção de insulina e pode ser considerada uma incretina. O aumento da oxintomodulina sugere uma contribuição indireta desta na melhora do controle glicêmico após GYR. A oxintomodulina é uma das primeiras terapias que demonstra diminuição do apetite associado a aumento espontâneo do gasto energético. A sua limitação assim como o GLP-1 é a inativação em grande parte pela enzima dipeptidil peptidase 4 (DPP-4). Na prática clinica seria necessário à utilização de análogos resistentes a degradação como opção no tratamento da obesidade.
  • 35. Peptideo YY (PYY) O PYY é um peptídeo de 36 aminoácidos da família do PP e do NPY. O PYY é produzido pelas células l do trato gastrointestinal principalmente na sua porção distal do íleo, cólon e reto. O PYY apresenta uma secreção pós-prandial bifásica, inicialmente estimulada pela inervação do tubo digestivo seguida pelo estímulo direto dos alimentos no intestino distal. As células l do intestino secretam o PYY chegando a um platô sérico 1 a 2 horas após a refeição sendo influenciado pelo tipo de alimento e tamanho da refeição. O PYY circula em duas isoformas: o PYY 1-36 e o PYY 3-36. O PYY 3-36 que atua como peptídeo com efeito anorético resulta da clivagem do DPP-4. O PYY apresenta inúmeras ações no trato gastrointestinal como o retardo do esvaziamento gástrico, inibição da secreção gástrica e pancreática e uma maior absorção ileal de fluidos e eletrólitos. A administração periférica do PYY 3-36 também inibe a ingestão de alimentos e reduz o ganho de peso em ratos e primatas e melhora o controle glicêmico em ratos diabéticos. Em humanos a infusão intravenosa do PYY diminui a fome e a ingesta alimentar em 36% sem causar náusea ou alterar o paladar. Os obesos apresentam níveis plasmáticos mais baixos do PYY e uma relativa deficiência em sua secreção pós-prandial o que poderia contribuir para a manutenção da obesidade. Entretanto, esses indivíduos obesos se mantêm sensíveis as ações anoréticas do PYY 3-36 quando administrado perifericamente. O mecanismo pelo qual o PYY 3-36 reduz o apetite é controverso. A sua ação parece ser através do receptor Y2 inibindo a atividade dos neurônios NPY/AGRP e estimulando as células POMC/CART no núcleo arqueado do hipotálamo. Os estudos com a cirurgia bariátrica têm trazido novas descobertas na fisiologia do PYY. Estudo recente mostrou uma resposta pós-prandial do PYY aumentada no pós-operatório precoce da gastroplastia com bypass, mesmo sem uma perda ponderal significativa em 6 semanas. A secreção do PYY no pós-operatório da cirurgia bariátrica apresenta diferentes respostas de acordo com a técnica cirúrgica utilizada, podendo influenciar na perda e manutenção de peso desta diferentes técnicas. Estudo recente demonstrou um aumento nos níveis de PYY3-36 um mês depois da GYR, este efeito não foi observado após uma perda de peso com restrição alimentar. Similar a Ghrelina, há estudos recentes que sugerem efeitos mais diretos do PYY na sensibilidade à insulina, no entanto, o papel de PYY independente da ingestão de alimentos ainda precisa ser confirmada. A administração em longo prazo do PYY 3-36 por uma rota diferente (oral ou nasal) pode contribuir efetivamente no tratamento da obesidade e suas comorbidades. Polipeptídeo pancreático (PP) O PP e um peptídeo de 36 aminoácidos produzido pelas células f do pâncreas, mas também secretado pelo pâncreas exócrino e tubo digestivo distal. Após uma refeição, o PP é secretado rapidamente na circulação, se mantendo elevado por até 6 horas. No SNC, o PP exerce uma função predominantemente orexígena quando administrada diretamente no terceiro ventrículo. No trato gastrointestinal, o PP inibe o esvaziamento gástrico, a secreção pancreática exócrina e a motilidade da vesícula biliar. Em contraste ao seu efeito central a infusão intraperitoneal do peptídeo leva a diminuição do apetite e aumento do gasto
  • 36. energético. Em trabalhos científicos foram observados alterações na secreção do PP em síndromes associadas com modificação no hábito alimentar em humanos. Indivíduos com a síndrome de prader-willi, uma forma genética de obesidade caracterizada por extrema hiperfagia, há uma menor resposta do PP após as refeições. Uma diminuição na secreção pós-prandial do peptídeo também foi observada em obesos mórbidos. Enquanto indivíduos com anorexia nervosa têm uma resposta pós-prandial exacerbada do PP. Em trabalho publicado com humanos a infusão de 90 minutos do PP reduziu significativamente não só a ingesta alimentar 2 horas após a infusão na refeição como também reduziu o apetite por pelo menos 24 horas. O PP parece ter um potencial de agir como inibidor do apetite podendo ser utilizado futuramente como uma opção de droga no tratamento da obesidade. Ghrelina A ghrelina é um peptídeo de 28 aminoácidos que se apresenta em duas isoformas: a acilada e a não acilada. Baseado em sua estrutura é um membro da família do peptídeo motilina e um ligante natural do receptor dos secretagogos do hormônio do crescimento (GHS - R1A) na hipófise e hipotálamo. A ghrelina apresenta em curto prazo a função de estimular o apetite, mas em longo prazo apresenta a função de controlar os estoques de gordura corporal. A ghrelina em doses fisiológicas rapidamente estimula o apetite e a ingestão alimentar, sugerindo que este hormônio participe do início da refeição e da fome pré-refeição. A ghrelina também aumenta a motilidade e esvaziamento gástrico e a secreção ácida. Os níveis plasmáticos de ghrelina se elevam antes e caem rapidamente após cada refeição, sendo este peptídeo o originador da fome na hora da refeição. Os animais de laboratório que são alimentados continuamente apresentam os níveis séricos da ghrelina mais constantes com pequenos aumentos antes da ingestão alimentar. Em animais e humanos que apresentam um intervalo entre as refeições, os picos da ghrelina são maiores e controlados pelo sistema nervoso simpático. Os nutrientes, principalmente os carboidratos e as proteínas mais que as gorduras levam a supressão da ghrelina de forma dose dependente. Interessantemente, após a ingestão de carboidratos, há um rebote excedendo os níveis basais de ghrelina, podendo explicar a pequena duração da saciedade após refeições com altos níveis de carboidratos. A redução nos níveis séricos de ghrelina requer a presença de nutrientes na porção distal do intestino delgado e parece ser mediada pelo sistema nervoso entérico, envolvendo a serotonina e a secreção de insulina. Os efeitos a longo prazo da ghrelina sugerem o seu papel como importante sinalizador da regulação da massa corpórea. Os níveis de ghrelina sobem com a perda de peso,quer por câncer, restrição calórica,caquexia, anorexia nervosa ou exercício crônico. Em contrapartida, os níveis da ghrelina caem com o ganho de peso por hiperalimentação, glicocorticóide, uso de antipsicóticos ou tratamento para doença celíaca. Os receptores da ghrelina estão presentes no núcleo arqueado, no nervo vago e em todo o seu percurso ao núcleo e trato solitário, uma região do cérebro que recebe informações das vísceras e estão relacionadas à via NPY/agouti. A administração crônica de ghrelina aumenta o peso corporal, podendo apresentar efeitos terapêuticos em doenças que levam a perda de peso. A ghrelina também aumenta a preferência por gordura e diminui o gasto energético pela redução da atividade simpática do
  • 37. sistema nervoso autônomo. Os níveis plasmáticos da ghrelina são inversamente proporcionais ao índice de massa corpórea (IMC). Os indivíduos anoréticos têm este hormônio elevado que cai a níveis normais com o ganho de peso. Os obesos têm os níveis da ghrelina suprimidos que normalizam com a perda de peso induzida pela dieta. Entretanto ao contrario dos magros os obesos não têm uma queda rápida da ghrelina no pós-prandial o que pode resulta na hiperfagia e manutenção da obesidade. Grande entusiasmo com a ghrelina tem sido a observação que esta participa do mecanismo de controle do metabolismo dos carboidratos através dos receptores GHS - R1A no pâncreas. A ghrelina e o seu receptor GHS - R1A são expressos nas ilhotas pancreáticas. A ghrelina suprime a secreção de insulina in vitro e in vivo e leva hiperglicemia em roedores e humanos através de mecanismos parácrinos. Além disso, o tratamento crônico com agonistas do receptor GHS - R1A causam hiperglicemia e resistência insulínica em humanos. Recentemente foi observado que ratos ob/ob com deficiência do receptor GHS - R1A têm uma melhora da tolerância a glicose e um aumento da secreção de insulina. A perda de peso e melhora da tolerância a glicose na gastroplastia com bypass no pós- operatório foi associado com uma queda da ghrelina quando comparada com a dieta, sendo uma das justificativas para a manutenção dos resultados neste procedimento. Estes achados não foram observados em todos os serviços de cirurgia. Estas diferenças foram devido a variações nas técnicas cirúrgicas que afetam a integridade do fundo gástrico assim como a inervação do tubo digestivo. Em animais, vários estudos têm sido desenvolvidos com o objetivo de diminuir a atividade da ghrelina. Nesta linha de pesquisa têm sido desenvolvidos antagonistas do receptor da ghrelina, estes podendo ter espaço no tratamento de obesos diabéticos. Cirurgia bariátrica No Brasil ocorreu um grande aumento do número de cirurgias bariátricas. No Brasil, em 1999, foram realizadas 5.000 cirurgias e, em 2010, mais de 30.000 cirurgias, um aumento de 500% na última década. Esse crescimento coloca o Brasil na segunda posição do ranking mundial de cirurgias bariátricas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, que realiza anualmente 300 mil procedimentos por ano. A cirurgia bariátrica é o único procedimento que leva a uma perda de peso em longo prazo e pode melhorar e, em alguns casos, curar o diabetes, dislipidemia, hipertensão e apnéia do sono. Atualmente, no Brasil, a derivação gástrica em Y de Roux (GYR) é o procedimento mais realizado pelos cirurgiões. Esta consiste num pequeno reservatório gástrico que limita as refeições, uma pequena área de disabsorção e um efeito hormonal através da sinalização dos peptídeos intestinais que se acredita serem o crucial na eficácia do procedimento. O controle glicêmico melhora rapidamente após o procedimento de GYR antes mesmo da perda de peso mostrando que as modificações nestes hormônios intestinais têm grande relevância nesta modalidade de tratamento. Estudos mostram que no pós-operatório da GYR ocorre um aumento do PYY e do GLP-1. A ghrelina por sua vez tem os seus níveis séricos diminuídos ou não aumentados após grande perda de peso no pós-operatório da GYR. Atualmente a cirurgia bariátrica é o único
  • 38. procedimento respeitando as suas indicações que consegue resultados efetivos na obesidade e em suas comorbidades. Cirurgia x mecanismo de resolução do diabetes Uma comorbidade que melhora dramaticamente após a gastroplastia é o DM2. Um dos primeiros estudos acompanhou um grupo de 146 diabéticos. Desses, 121 (83%) ficaram euglicêmicos após a cirurgia bariátrica, num seguimento de 14 anos. Adicionalmente, 150 dos 152 pacientes com intolerância à glicose se tornaram normoglicêmicos. O Swedish Obese Subjects Study (SOS) mostrou similar redução na prevalência de diabetes após a gastroplastia no período de 2,8 a dez anos de seguimento. Recente metanálise estudou o tipo de procedimento cirúrgico e o grau de resolução do DM2 no pós-operatório. Em relação à resolução do dm2, houve uma variação que partiu de 98,9% com as derivações biliopancreáticas, passando por 83,7% para a gastroplastia em Y de Roux, assim como para 71,6% para a gastroplastia vertical. Várias teorias tentam justificar a efetiva melhora metabólica, muitas vezes evoluindo para a resolução do quadro de diabetes. O mecanismo mais óbvio para explicar a resolução do diabetes consiste no impacto da perda de peso com a melhora da sensibilidade insulínica. Entretanto, esses efeitos benéficos no perfil glicêmico não podem ser explicados apenas pela perda ponderal. Isso se deve à observação de que a maioria dos pacientes diabéticos, no momento da alta hospitalar (uma semana após a gastroplastia), já estava sem fazer uso dos antidiabéticos orais, sem esse fato poder ser justificado exclusivamente pela perda ponderal. A explicação mais simplória seria de que no pós-operatório imediato os pacientes ficam sem se alimentar e suas células beta pancreáticas são poupadas. Posteriormente, a perda ponderal subsequente melhoraria ainda mais a sensibilidade insulínica. Outra teoria que poderia explicar seria que alterações favoráveis na secreção dos hormônios entéricos melhorariam a secreção e ação insulínicas. Os principais candidatos seriam a ghrelina, o peptídeo semelhante ao glucagon (GLP-1) e o PYY (21). A grelina, que tem os níveis séricos diminuídos ou não-aumentados após a perda de peso no pós-operatório da GYR, exerce ações diabetogênicas. Portanto, ela age como uma antiincretina, limitando a utilização glicêmica, e sua supressão no pós-operatório melhoraria o metabolismo dos carboidratos. Atualmente, acredita-se que a ghrelina varia com o estado nutricional e está relacionado a respostas alimentares aprendidas. Isto sugere que a ghrelina parece agir como um hormônio de fase cefálica, aumentando a sua importância na homeostase da glicose. O GLP-1, por sua vez, é uma incretina produzida pelas células l no íleo distal em resposta ao contato do quimo. Em humanos a infusão intravenosa do GLP-1 leva a menor ingesta de alimentos por uma diminuição do apetite alem de uma sensação de plenitude gastrointestinal em diabéticos e obesos. O GLP-1 potencializa a secreção de insulina e possivelmente a sensibilidade insulínica. Em roedores, o GLP-1 aumenta a neogênese e a proliferação de células beta pancreáticas, assim como inibe a sua apoptose. No pós-operatório da GYR os alimentos chegam mais rapidamente ao íleo distal, podendo elevar o GLP-1 em até 10 vezes, assim como o PYY e o enteroglucagon, melhorando a utilização periférica de glicose. Já o PYY, um hormônio gastrointestinal, demonstrou diminuir a ingesta alimentar em humanos e o peso corpóreo em roedores. Em ratos a infusão do PYY não demonstrou influência sobre a glicemia de jejum, porém aumenta a captação de glicose no clamp hiperinsulinêmico. Este efeito é possivelmente mediado pela captação da glicose no músculo e no tecido adiposo e