1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL - UFMS
FACULDADE DE DIREITO - FADIR
FREDERICO RIBEIRO BARCELLOS DE SOUZA
REFORMAS PROCESSUAIS EM BUSCA DO DIREITO À
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EM PRAZO RAZOÁVEL
Campo Grande - MS
Outubro de 2010
3. FREDERICO RIBEIRO BARCELLOS DE SOUZA
REFORMAS PROCESSUAIS EM BUSCA DO DIREITO À
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL EM PRAZO RAZOÁVEL
Trabalho final de graduação apresentado como
requisito para colação de grau no Curso de
Graduação em Direito da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul, turma 2010 matutino,
sob a orientação da Prof. Aurélio Tomaz da
Silva Briltes.
Campo Grande - MS
Outubro de 2010
4. AGRADECIMENTOS
À minha família, pelo carinho e compreensão, sobretudo meus pais, Simone e
Valdemar, apoio incondicional em meus projetos, sendo inimaginável ter chegado até
aqui sem vocês;
Aos amigos e colegas de turma, pelo apoio e incentivo nas horas difíceis;
principalmente Natã, Carol, Natália, pelos dias e noites de companheirismo em
bibliotecas;
Ao professor Aurélio Tomaz da Silva Briltes, pela orientação e disposição,
sempre presente auxiliando sobremaneira na elaboração do texto;
No mais, a Coltrane, Miles Davis, Muddy Waters, Paul Butterfield, Robert
Johnson, Bowie, Hendrix, Dave Brubeck, Arthur Lee, Robert Fripp, Clapton, Bach,
Beethoven, Tchaikovsky e tantos outros que me acompanharam, inspiraram e
impulsionaram, na solitude durante madrugadas a fio, a vencer este desafio;
A todos vocês meu muito obrigado!
5. “Levei vinte anos para fazer sucesso da
noite pro dia”
gjgghghjggkgkhgk(Eddie Cantor)
6. RESUMO
A duração excessiva dos processos judiciais é problema que aflige não a sociedade
brasileira, mas é notado em praticamente todo o mundo. No Brasil, com a edição da
Emenda Constitucional 45 em 2004, foi adicionado ao rol de direitos e garantias
fundamentais a garantia da duração razoável do processo. A partir da aproximação
do assunto com a teoria dos direitos fundamentais faz com que a celeridade seja
encarada sob o ponto de vista humanístico, buscando-se então a qualidade da
prestação jurisdicional por meio da negação do excesso, seja de rapidez ou lentidão.
O tema entrou definitivamente na agenda dos operadores de direito com o Projeto
de Lei do Senado n. 166, que irá instituir o novo Código de Processo Civil, pautado
fortemente pelos valores da celeridade processual.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Processual Civil; Emenda 45; Razoável Duração do
Processo; Conselho Nacional de Justiça; Novo Código de Processo Civil;.
7. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................9
1 O DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO......................................................11
1.1 O MUNDO GLOBALIZADO E A CULTURA DA ACELERAÇÃO....................................11
1.2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO........................15
1.3 CAUSAS DA MOROSIDADE.........................................................................................18
1.4 O PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE E O DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO...20
1.5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL...................................................................................................................28
1.5.1 Responsabilidade Civil do Estado: Conceito, Evolução e Pressupostos..............28
1.5.2 Responsabilidade Civil por Atos Judiciais.............................................................32
1.5.3 Responsabilidade Civil pela Violação à Garantia do Prazo Razoável...................34
1.6 CONCLUSÕES PARCIAIS..............................................................................................37
2 ESTADO ATUAL DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO: MECANISMOS DE AGILIZAÇÃO E
SIMPLIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS..........................................................................41
2.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL 45..................................................................................41
2.1.1 As Ondas Renovatórias do Acesso à Justiça.........................................................42
2.2 O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA........................................................................44
2.2.1 As Metas do CNJ.....................................................................................................47
2.3 A INFORMATIZAÇÃO DOS PROCESSOS.......................................................................53
2.3.1 A Informatização das Varas Cíveis em Campo Grande...........................................55
2.4 AS SÚMULAS VINCULANTES.........................................................................................57
8. 3 COMENTÁRIOS ACERCA DO ANTEPROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL........................................................................................................................................63
3.1 A CONJUNTURA DA ELABORAÇÃO DO NOVO CÓDIGO: UMA ADVERTÊNCIA........65
3.2 PONTOS POLÊMICOS DO ANTEPROJETO..................................................................69
CONCLUSÃO........................................................................................................................... 74
REFERÊNCIAS.........................................................................................................................76
9. INTRODUÇÃO
A excessiva duração dos processos judiciais não é preocupação que surgiu
hoje, nem é restrita à realidade brasileira. É uma mazela existente em grande parte
dos Judiciários mundo afora. O texto aqui desenvolvido irá traçar linhas sobre este
problema. Verificar-se-á que o tema abordado é deveras complexo e jamais se
resolverá sem muita vontade política e esforço daqueles que compõem a máquina
judiciária e, numa visão mais ampla, de todos aqueles que lidam com a Justiça. Mas
imaginar que meras alterações em legislação, por mais profundas que sejam,
possam sanar o problema por si só, é refutar uma grande realidade: o Judiciário
precisa se renovar – não só as Leis – para acompanhar o desenvolvimento errante
desta sociedade.
Nos idos dos anos 90, o legislador começou a se atentar para o tema e o
atual Código de Processo Civil começou a ser reformado. Desde então, inúmeras
reformas se sucederam na tentativa de tornar o processo civil brasileiro mais efetivo
e dinâmico, o adaptando à realidade atual, de informações na velocidade da luz e
complexidade das relações humanas. Desta feita, o atual Código possui inúmeras
emendas, adicionando instrumentos mais adequados para a efetiva prestação da
tutela jurisdicional, como por exemplo, a tutela específica.
O constituinte derivado também se movimentou e em 2004 editou a Emenda
Constitucional 45, que ficou conhecida como “reforma do Judiciário”, alterando
diversos dispositivos na Carta Maior, inclusive adicionando a duração razoável do
processo no rol de direitos e garantias fundamentais. Com ela, criou-se também o
Conselho Nacional de Justiça.
Com o estabelecimento do CNJ como órgão fiscalizador da atuação do Poder
Judiciário, referido Poder começou a ser observado com mais atenção. Detectaram-
se deficiências e mudanças foram propostas no sentido de se aperfeiçoar a
prestação da atividade jurisdicional. Nesse diapasão que foram editadas as famosas
“dez metas para o Judiciário” em 2009 e, por conseguinte, em 2010, que serão
também mencionadas neste texto.
10. Pois nesta esteira vem o presente trabalho, analisar o que foi já feito nesse
sentido, observar mais de perto essas recentes mudanças, diagnosticar as causas
da morosidade judicial e comentar sobre a efetividade do processo civil em geral. O
objetivo perquirido, pois, é de definir o direito fundamental de acesso à justiça,
confrontá-lo com outros direitos inerentes aos litigantes e definir o campo de atuação
do legislador neste sentido. Não só se analisará o campo legislativo do problema -
até por que o problema não se resolve com meras alterações em diplomas legais -
mas também observar o quanto as outras causas (como problemas na estrutura de
Tribunais) contribuem para agravar este quadro.
Esta faceta do problema (estrutura do Judiciário) será abordada mais
profundamente no Capítulo II, inclusive verificando-se a informatização processos e
procedimentos em varas e tribunais, destinando um estudo localizado, com a
informatização das varas cíveis em Campo Grande. Já no campo legislativo também
existem mudanças em curso. Em 2009 foi elaborado no Senado o Projeto de Lei n.
166, que instituirá o Novo Código de Processo Civil. O mister maior deste novo
código, como vem sendo propalado por seus criadores e pela comunidade jurídica, é
exatamente de tornar o processo mais efetivo, com menos entraves e barreiras, para
que o jurisdicionado consiga de fato exercer seus direitos pleiteados, consagrando
assim o pleno acesso à Justiça. Alguns pontos polêmicos serão abordados, contudo
vale o lembrete de que o Projeto de Lei não foi votado, existindo tão somente um
Anteprojeto para o Novo Código, pendente de mudanças e reformas. Mudanças
estas que vêm sendo propostas pela comunidade jurídica por meio de audiências
públicas da qual o autor teve oportunidade de participar em Campo Grande. Por
mais que o texto ainda não tenha sido promulgado, já vem repercutindo nos
bastidores jurídicos, e como seu objeto interfere diretamente no assunto abordado, o
texto dedicará um capítulo para sua analise.
Enfim, o problema aqui exposto merece atenção da comunidade jurídica e
dos operadores de direito
11. 1. O DIREITO FUNDAMENTAL AO PROCESSO JUSTO
1.1 O MUNDO GLOBALIZADO E A CULTURA DA ACELERAÇÃO
Vivemos em uma sociedade regida pelo tempo. É uma afirmação eloquente,
mas retrata com fidelidade a marca de nossa era. Encara-se a aceleração como um
verdadeiro fetiche, um valor máximo. Compartilhamos a cultura do fast food: tudo
deve ser apresentado de modo fragmentado e o mais rápido possível. O tempo
passa a ser o verdadeiro termômetro das relações sociais, um verdadeiro bem-
maior. Também fala-se muito em crise da modernidade, pois, para alguns, este
discurso teria se exaurido no século XX, diante da impotência do discurso
totalizante, de idéias e soluções gerais para enfrentar problemas de uma sociedade
cada vez mais complexa, individualista e fragmentada.
Na sociedade pós-moderna, então, o poder não reside mais na propriedade
dos meios de produção (como ocorreu outrora na Revolução Industrial e ascenção
do capitalismo moderno), mas senão no conhecimento e informação, que circulam
em velocidade acentuada em virtude do avanço tecnológico.1
O mundo moderno exige que algumas decisões sejam tomadas com base em
juízos de probabilidade, no sentido de que direitos prováveis sejam tutelados em
detrimento daqueles improváveis. A própria legislação já prevê mecanismos nesse
sentido2. O micro ganha lugar de destaque em relação ao macro. Pode-se afirmar
que este paradigma retrata, de certa forma, uma adaptação do Direito e do processo
aos postulados da pós-modernidade. Evidente que tal adaptação não pode ser
integral, sob pena de se desmantelar toda a racionalidade do sistema jurídico, que
1
SARMENTO, Daniel. apud.RAMOS, Carlos Henrique. Processo Civil e o Principio da Razoável
duração do Processo. Curitiba: Juruá Editora.2008. p. 48.
2
Art. 273, Código de Processo Civil: “O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou
parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca,
se convença da verossimilhança da alegação e: I – Haja fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação; II – fique caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório do réu”.
12. deve, como regra geral, ser marcado pela ampla reflexão e estabilidade. Enfim, o
breve panorama exposto aqui tem a finalidade de atuar como uma forma de
advertência. O processo, no fim, é nada mais que a racionalização ou formalização
de um diálogo humano, mas delimitado por requisitos formais (ditados pelo
ordenamento jurídico), que logre cumprir suas diretrizes constitucionais.
Desta forma, a questão da duração excessiva dos processos está longe de
ser uma peculiaridade da experiência jurídica brasileira. É um problema que aflige
diversas sociedades, incluindo-se aqui aqueles tidos como mais desenvolvidos na
escala mundial, tanto que, hodiernamente, não há discussão alguma sobre reformas
processuais que, ou não mencione expressamente, ou que tenha como fundamento
a questão da morosidade da prestação da tutela jurisdicional. A consagração da
garantia do processo sem dilações indevidas faz parte dos modernos movimentos
do incremento do acesso à justiça, em seu aspecto substancial.Não divergente é a
lição do professor Boaventura de Sousa Santos3:
O problema da morosidade da justiça é, numa perspectiva
comparada, talvez o mais universal de todos os problemas com que
se defrontam os tribunais em nossos dias. Não assumindo a mesma
acuidade em todos os países é, no entanto, sentido em todos eles e,
virtualmente, também em todos é objecto de debate político.
Compreende-se que assim seja. A maior ou menor rapidez com que
é exercida a garantia dos direitos é parte integrante e principal dessa
garantia e, portanto, da qualidade da cidadania, na medida em que
esta se afirma pelo exercício dos direitos. Por esta via, o problema da
morosidade da justiça constitui um importante interface entre o
sistema judicial e o sistema político, particularmente em regimes
democráticos.
Como visto, a preocupação em torno das dilações indevidas dos feitos
perante os tribunais já é sentida a nível global. Referidas dilações configuram um
enorme obstáculo para que o processo cumpra seus compromissos institucionais.
Ao contrário do que reza o dito popular, justiça que tarda, falha sim. O tempo pode (e
causa) o perecimento de pretensões, danos imensuráveis, tanto econômicos, quanto
psicológicos, estimula “aventuras jurídicas” e a adoção de posturas temerárias das
partes, e acaba, como última consequência, por gerar descrença ao Judiciário e ao
Estado em sua acepção mais ampla. Saindo do campo processual/jurídico em strictu
3
SANTOS, Boaventura de Sousa apud RAMOS, Carlos Henrique. Processo Civil e o
Principio da Razoável duração do Processo. Curitiba: Juruá Editora.2008. p. 50.
13. sensu, a morosidade é fator que pode, e, de fato o faz, frear o crescimento
econômico ao desestimular investimentos pela falta de eficiência judiciária. Como
pode observar-se, a questão aqui em pauta extrapola os limites jurídicos e técnicos
do assunto, é tema de extrema relevância que afeta a todos, com suas importantes
repercussões.
Mas como, afinal, chegou-se a essa discussão, de que o processo tarda
demais para atingir seu provimento final? De quando data essa preocupação? Pode-
se argumentar que, no passado, até não muito distante, não se tinha esse olhar
crítico sobre o Judiciário e a forma pela qual prestava sua tutela. Tanto é verdade,
que o inciso LXXVIII só foi adicionado ao rol de direitos e garantias fundamentais do
Art. 5º da Constituição Federal com a Emenda Constitucional n. 45, a chamada
“Reforma do Judiciário”, em 2004. Dito inciso prega que “a todos, no âmbito judicial
e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação”. Por que o constituinte originário, em
1988, já não fez expressamente essa previsão? Pode-se concluir que a
preocupação com a duração excessiva na tramitação dos feitos tenha se acentuado
nos últimos anos, sendo dita atenção voltada para ela no sentido de agilizar o
processo e inclusive, inserir no rol de garantias fundamentais sua duração por prazo
razoável.
Mas o aumento de demandas em tramitação nos tribunais não é
necessariamente um mau sintoma na sociedade brasileira. A crescente demanda
pode ser encarada como a disseminação do ideal de cidadania, operada pela
Constituição Cidadã de 1988. Neste texto se assegurou a todos os cidadãos
inúmeros direitos e os instrumentos a perquiri-los. Consta no Art. 5, XXXV, “a lei não
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O simples
aumento da população já seria, por si só, causa de sobrecarga de trabalho. Mas
nem é este o ponto. Na verdade, à medida que vão se disseminando os
conhecimentos dos direitos, a consciência de cidadania, a percepção de carências e
flagelos e o sentimento de que se pode fazer algo, paralelamente emerge, na
população até então inerte, a busca da demanda judicial, e aumenta-se muito a
percentagem dos que litigam, pleiteiam, batem às portas da Justiça para
salvaguardarem-se. Some-se a isso fatores como a crescente complexidade da vida
14. social e econômica, o incremento dos negócios e relações interpessoais, terá que o
plexo de possíveis litígios que surgiriam (e surgem) cresceu em progressão
geométrica, ao passo que o crescimento e aparelhamento das instituições judiciárias
em mera progressão aritmética.
Os grandes avanços sociais dos últimos anos deram-se no campo da
facilitação do acesso à justiça, o que é um feito a ser fervorosamente comemorado,
pois rompeu com obstáculos ilegítimos que o interrompiam, entretanto, no outro lado
da balança, surge o desafio de dar eficiência ao aparelho estatal para que absorva,
de maneira satisfatória, a crescente demanda. Concluindo, a população tomou
conhecimento de que ao Judiciário compete assegurar seus direitos de cidadão,
ocorre que aquele ainda não foi aparelhado para esta realidade.
Surgiu então – e nos últimos anos se acentuou bastante – a necessidade
imperiosa de se adequar o ônus do tempo do processo entre as partes através da
aceleração processual. Contudo, é necessário ressaltar, se de um lado a demora
dos feitos é algo prejudicial e deve ser combatido, por outro lado também é uma
consequência natural de um regime que deve assegurar um patamar mínimo de
garantias e prerrogativas processuais. Deve-se distinguir a demora natural da
demora patológica. Um tempo mínimo sempre será necessário, para o exercício do
contraditório, para o magistrado ter contato com as provas, para se convencer e
prolatar sua sentença com prudência, enfim, a pratica regular dos atos processuais
corriqueiros. Deve-se acelerar o processo de maneira que não se prive os
jurisdicionados de seus direitos processuais básicos. Não se pode cair na armadilha
da “justiça instantânea”, da rapidez acima de tudo. Não está equivocado Aury Lopes
Júnior ao afirmar que há de se ter certa cautela com o perigo da chamada
“aceleração garantista”4, pois não se pode cair no extremo, no qual a duração do
processo é abreviada para violar, e não para garantir. A celeridade deve ser
encarada como a qualidade da prestação jurisdicional e a negação do excesso, seja
este excesso de rapidez ou de lentidão.
4
LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade
Garantista). 2ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 126.
15. Este, sem dúvida, é o maior desafio dos processualistas e legisladores
contemporâneos, o norte da maioria das reformas processuais passa pela de
tramitação dos feitos.
1.2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O PROCESSO CIVIL BRASILEIRO
Atualmente o Judiciário brasileiro passa por uma crise institucional. Durante
anos desempenhou suas funções e nunca foi colocado em tanta evidencia como é
submetido nos dias de hoje. Talvez a falta de informações de um período de Estado
de exceção dificultasse o acesso a dados e estatísticas ou a tecnologia da época
não permitia tamanha troca de informações quanto é vista agora, com a transmissão
de dados e execução de tarefas se dá instantaneamente pela Internet. Ou talvez
somente não existisse a vontade ou necessidade de se observar o funcionamento
do Judiciário mais atentamente. Enfim, fato é que os tempos definitivamente
mudaram.
Hoje os olhos da sociedade e, sobretudo, dos aplicadores do Direito se
voltaram com mais atenção para a atuação do Poder Judiciário. Dele espera-se
“mais e melhor”, espera-se seu aperfeiçoamento, seu aprimoramento, para que
consiga, de fato, cumprir sua missão institucional. Sobre esta missão são
dispensados maiores comentários acerca de sua importância. Um Judiciário forte e
independente é elementar para a consolidação do Estado Democrático de Direito e
da própria Democracia. É o guardião da Constituição Federal - sobretudo dos
Direitos Fundamentais- é garantidor das liberdades do indivíduo, balanceando sua
condição de impotência perante o Estado.
Diante de tamanha importância, começou a ser observado mais de perto.
Enquanto o mundo todo se moderniza e se questiona a todo momento, em busca de
melhores respostas para seus problemas, por que não os juízes e tribunais não
fariam o mesmo? Nunca se olhou com tanta atenção para o dia a dia de uma vara,
cartório ou tribunal. O que era, muitas vezes, feito sob a vontade subjetiva de cada
autoridade, hoje tem regras, metas e prazos que devem ser observados.
16. Simplificam-se os procedimentos, colhem-se resultados e todos parecem estar
ganhando.
Não só o comportamento temerário das partes e a má gestão de processos
que contribuem para a chamada “morosidade processual”. Esses somente são uma
ponta da corda, chamada de “subjetiva”, pois lida com questões atinentes aos
sujeitos envolvidos na relação processual. Também há culpa no arcabouço de
mecanismos existentes para quem simplesmente não quer obedecer ao comando
judicial e litigar com boa-fé, protelando ao máximo o trânsito em julgado e o
cumprimento efetivo das decisões. A própria legislação, sobretudo o Código de
Processo Civil, possui sua parcela de responsabilidade. Mas não se quer aqui
atribuir ao Código vigente a pecha de obsoleto e inútil, mas o fato é que as relações
jurídicas mudaram, assumindo feixes inimagináveis naqueles longínquos 1973, data
de promulgação do Codex, de sorte que a legislação deve se adaptar para
acompanhar e solucionar, de maneira satisfatória, às demandas da sociedade.
Jamais devemos nos olvidar que o Estado e a Lei estão a serviço da sociedade,
jamais o contrário. Se esta evolui, aqueles devem acompanhá-la.
O Código de Processo Civil de 1973 (ou também conhecido como Código
Buzaid, em referencia a seu mentor, Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça) foi à
época um primor de excelência e tecnicidade. Em vigor até hoje, trouxe inovações e
estabeleceu na doutrina processual civil a rigidez e padrões de institutos que
utilizamos até hoje. Separou em livros distintos o processo de conhecimento, de
execução e de cautelar, seguindo tendências modernas à época.5 Seu livro que trata
do processo de conhecimento é completo e técnico, abordou desde a jurisdição,
passa pela inicial, trata o direito de defesa, recursos, etc. Estabeleceu padrões e
possibilitou a consolidação do processo civil como ciência autônoma. O valor dessa
contribuição é incomensurável, pois se conhecemos a sistemática do processo civil
hoje do jeito que ele é, com todas suas nuances e técnicas, muito se deve ao
Código de Buzaid, arquiteto dessa sistemática.
5
Exposição de Motivos, Código de Processo Civil de 1973 “O projeto está dividido em cinco
livros. O primeiro se ocupa com o processo de conhecimento; o segundo, com o processo de
execução; o terceiro, com o processo cautelar; o quarto, com os procedimentos especiais; e o quinto,
com as disposições gerais e transitórias.A matéria dos três primeiros livros corresponde à função
jurisdicional de conhecimento, de execução e cautelar. A dogmática do processo civil moderno
sanciona esta classificação. O processo cautelar foi regulado no Livro III, porque é um tertium genus,
que contém a um tempo as funções do processo de conhecimento e de execução. O seu elemento
específico é prevenção”.
17. Mas o que não imaginava Alfredo Buzaid (e seria impossível fazê-lo) era que
as relações e lides levadas para analise do Judiciário se tornariam tão complexas
como hoje são. Hoje temos lides coletivas, interesses difusos, processos em massa,
demandas repetitivas. A modernização da sociedade e o amplo acesso ao Judiciário
(corroborado pelo ditame constitucional “a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito”, consagrado no art. 5º, XXXV da Carta Maior)
possibilitaram essa chamada “indústria de processos”, para a qual não estavam
preparados nossos tribunais. Como dito acima, o Código de 1973 foi um primor de
técnica e consolidou os institutos processuais, mas foi projetado para lidar com lides
individuais, possibilitando ao Juiz ater-se ao caso concreto e decidir, um a um, as
demandas a ele levadas. Isso fica evidente no art. 189, II, do atual código, que
impõe ao magistrado a obrigação de decidir em 10 dias. Em 1973 isso poderia de
fato ocorrer, mas atualmente é praticamente impossível. A realidade que se vive
hodiernamente é completamente diferente àquela época distante. Existem
processos que estão conclusos para sentença por meses ou até anos sem decisão.
Como citado acima, a sociedade mudou e a Lei deve acompanhar suas mudanças,
a fim de resolver de maneira satisfatória os conflitos que surgiram nos últimos anos.
1.3 AS CAUSAS DA MOROSIDADE
Após anotações acerca da cultura da aceleração na qual vivemos e
considerações sobre o nosso processo civil, uma breve analise historia, neste
capítulo o objetivo é dissecar o sistema judicial para, sem a pretensão de querer ser
conclusivo, mas buscar apontar algumas causas que “sufocam” o Judiciário
brasileiro. Deve-se, contudo, ressaltar que a consequência gerada no estágio atual
não é exclusivamente imputada a uma ou outra a causa, sendo o problema
resultante de um plexo de fatores, que reunidos em seu conjunto, trouxeram à tona o
problema como hoje conhecemos. De início, para adotar uma posição metodológica,
vamos valer-se dos ensinamentos de José Rogério de Cruz e Tucci6, que buscou
delimitar ordenadamente os fatores básicos causadores da morosidade na justiça,
6
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Tempo e Processo: uma análise empírica das repercussões do
tempo na fenomenologia processual. São Paulo: RT, 1998, p. 89.
18. tais quais: a) institucionais, que dizem respeito a uma eficiente administração
judiciária; b) de ordem técnica e subjetiva, relativos a alguns aspectos da ordem
processual positiva, e ao preparo dos operadores de direito; c) derivados da
insuficiência material, relativos às condições de trabalho, instalações, número de
funcionários, etc.
Interessante reparar que todos esses fatores podem ser identificados nos
diversos ordenamentos, variando a intensidade com a qual um ou outro contribui
para a lentidão. Como já foi dito, a morosidade dos processos está longe de ser um
problema somente da justiça brasileira. Na realidade, estamos diante de um dos
maiores desafios dos judiciários do mundo afora.
Tecendo breves comentários acerca de cada um dos fatores acima
elencados, começar-se-á pelos institucionais. Estes podem ser associados,
principalmente, à falta de politicas públicas que priorizem o problema da
morosidade. Além, quando este tema vem à tona, somente fatores de ordem técnica
são abordados, sendo os valores de ordem cultural, política ou econômica deixados
de lado.
As questões de ordem técnica são certamente mais debatidas, como por
exemplo a reforma do procedimento de execução, a redução dos recursos, o novo
código de processo civil, mas isoladamente dos demais fatores, fazem que os
esforços legislativos sejam inadequados. Mesmo com inúmeras mudanças e
reformas no processo, o direito processual continua ineficaz para fazer valer, num
espaço de tempo razoável, o direito assegurado na lei material. Por sua vez os
fatores de ordem subjetiva não podem ser jamais deixados de lado. Estes dizem
respeito ao material humano que opera a máquina judiciária, ou seja, o cerne de
tudo, o que molda e faz o sistema moldar-se, ou seja, os juízes, serventuários da
justiça e advogados. Importantíssimo a valoração dos atributos individuais e
subjetivos, pois por mais que seja a lei aperfeiçoada, sem profissionais capazes,
dedicados e engajados não se pode conceber uma boa justiça. Aqui entra em
evidência o papel das universidades, do ensino jurídico, que deveria se atentar mais
a esse aspecto importantíssimo de nossa ordem jurídica. O ensino ministrado deixa
a desejar nesse aspecto, muitas vezes a universidade e os professores se
preocupando em formar técnicos, na acepção estrita da palavra, o que não parece
19. prudente. É de extrema importância a mudança de mentalidade dos operadores de
direito nesse aspecto, para que não se deixem acomodar e se comprometam com
os ideais de uma sociedade democrática, com a prestação de um serviço público de
excelência, marcado pelo fim de posturas burocráticas no desempenho de suas
funções.
Por fim os fatores derivados da insuficiência material. Pode-se afirmar que é
um grande empecilho à prestação judicial em tempo razoável a falta de
infraestrutura dos tribunais, compreendido aqui a desproporção do número de
trabalho por números de juízes/funcionários existentes. Mais além de chamar a
atenção para maior aporte financeiro no setor, deve-se atentar para o correto
gerenciamento de recursos já existentes, que devem ser utilizados com
racionalidade e de acordo com prioridades estabelecidas. De certa forma, o CNJ
(Conselho Nacional de Justiça, órgão que será estudado em mais detalhes em
capitulo adiante) já veio justamente com esse mister, o de aplicar ao Judiciário um
modelo de gestão, para que se otimize os recursos existentes, de sorte que dito
órgão será abordado em específico em posterior capítulo
Este obstáculo da insuficiência material coloca em xeque a garantia do
processo em duração razoável. Esta garantia constitucional não se dirige somente
ao legislador, mas ao Executivo e ao Judiciário, daí que seu enfrentamento não
pode ser desvinculado ao estudo de custas, despesas e possibilidades financeira
pelo Estado.
Concluindo, tem-se que as causas da morosidade processual dividem-se em
institucionais, de ordem técnica e derivados da insuficiência material. As causas
derivadas de insuficiência material dependem diretamente de vontade política
estatal para serem solucionadas. Falta ao ente público a vontade política de investir
seriamente no fortalecimento do Judiciário para que, ao menos, os fatores derivados
de desta causa sejam, ao menos, mitigados.
1.4 PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE E O DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO
20. O Princípio da Razoável duração do Processo já foi abordado neste trabalho,
inclusive com suas causas e abordado dentro da realidade brasileira. Para arrematar
o assunto e partir para a analise do principio da efetividade, não pode-se deixar de
citar as precisas palavras de Nicolo Trocker, citado pelo eminente processualista
paranaense Luiz Guilherme Marinoni7. Segundo Trocker, “uma justiça realizada com
atraso é sobretudo um grave mal social; provoca danos econômicos (imobilizando
bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência e acentua a discriminação
entre os que podem esperar e aqueles que, esperando, tudo podem perder. Um
processo que se desenrola por longo tempo, torna-se um cômodo instrumento de
ameaça e pressão, uma arma formidável nas mãos do mais forte, para ditar ao
adversário as condições de sua rendição. Se o tempo do processo prejudica o autor
que tem razão, tal prejuízo aumenta de tamanho na proporção da necessidade do
demandante, o que confirma o que já dizia Carnelutti há muito tempo, isto é, que a
duração do processo agrava progressivamente o peso sobre as costas da parte
mais fraca”.
Já é patente o mal que a demora processual causa à sociedade,
considerando um indivíduo por si só ou a sociedade como um todo. Mas e o
princípio da efetividade, qual seu sentido e significado, sua real mensuração neste
contexto? O princípio da efetividade está diretamente relacionado com o
mandamento constitucional do processo em tempo razoável. Este é recente
inovação do legislador constitucional, mas indubitavelmente em nosso ordenamento
jurídico já existia convenção nesse sentido. A Convenção Americana sobre Direitos
Humanos – Pacto de São José da Costa Rica (da qual o Brasil é signatário) já
estabelecia ser a prestação jurisdicional em tempo adequado um dos direitos
fundamentais do ser humano. Também deita raízes no artigo 6º, inciso I, da
Convenção Européia dos Direitos do Homen e das Liberdades Fundamentais, que
estabelece “toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada
equitativamente e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e
imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou
sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida”.
7
TROCKER, Nicolo. apud. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. 2ªed. rev. e atual.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 156.
21. A razoabilidade do tempo é agora previsto expressamente na Constituição
Federal e não pode ser entendida como norma vaga, como posições já se
manifestaram, mas é sim autoaplicável, como direito fundamental que é. Pois bem,
de repente o legislador e o aplicador do direito se viu diante de um dilema. Existe um
princípio, autoaplicável, mas que prescinde de parâmetros e balizas para ser aferido
de maneira razoável o atendimento (ou não) do mandamento constitucional. Como
fixar, então, esse prazo? Quais elementos devem ser levados em consideração para
se atestar o cumprimento da ordem do legislador? Surgiu, destarte, a necessidade
de encontrar-se parâmetros para sua aplicação.
Estudando o tema e preocupado exatamente com essa mesma questão de
importante relevância, Robson Carlos de Oliveira8 assinalou que a “Corte Européia
dos Direitos do Homem fixou três critérios, três parâmetros que balizariam quando
um processo teve duração razoável e se atingiu aos fins preconizados pela Estado
de Direito”. Podem ser assim descritos com as devidas adaptações à nossa
realidade: a) a complexidade do objeto do processo, vale dizer, a complexidade e a
natureza da causa posta em discussão e sujeita ao crivo jurisdicional; b) o
comportamento do litigantes e de seus procuradores, e na esfera penal, dos
advogados de defesa; c) a atuação do órgão jurisdicional, o qual deve ter agora a
redobrada atenção para não mais permitir a chicana processual ou atos que
importem em dilação desnecessária do processo, passando a ter o poder-dever de
impor as multas e sanções já contidas no Código de Processo Civil, em especial nos
artigos 14, parágrafo único, 17 e 18, além das medidas de apoio às técnicas de
cumprimento de sentença que condena o devedor em obrigação de entrega de
coisa, fazer ou não fazer.
Nesse último item foi focada a necessidade de existir um comprometimento
do juiz com a sua atividade. Ele é parte chave no processo e a demora ou não da
decisão definitiva, passa por sua responsabilidade, em maior ou menor grau,
dependendo do caso. Deve o magistrado buscar soluções dentro do ambiente que
lhe é oferecido para trabalhar contra a longevidade excessiva dos processos sob
sua responsabilidade e, portanto, abandonar aquela velha concepção de que o
8
OLIVEIRA, Robson Carlos de. O princípio da razoável duração do processo, explicitado pela
EC 45 de 08.12.2004 e sua aplicação à execução civil. In: Reforma do Judiciário e primeiras
reflexões sobre a Emenda Constitucional 45/2004. Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues
Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 656.
22. processo é um fim em si mesmo, tornando-se excessivamente processualista, em
detrimento da concretude do direito material em voga. Aqui vem à tona a lembrança
de que o processo é um mero instrumento de realização do direito material e
somente existe em função deste. Ou ainda, na síntese do professor José Roberto
dos Santos Bedaque9, “o processualista deve aceitar a natureza instrumental do
processo civil, solucionando as questões maiores do processo com os dados
inerentes ao direito substancial que a regula, revendo seus institutos fundamentais e
relativizando a autonomia do próprio processo”.
Em sua mão, o princípio da efetividade está ligado ao ideal da máxima
coincidência possível, da qual já tratava com maestria Chiovenda, em uma de suas
citações mais famosas, que “na medida do que for praticamente possível, o
processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente
aquilo que tem o direito de obter”. Ora, da leitura dessa simples construção pode-se
extrair o sentido do Princípio da Efetividade. E também extrair outras conclusões.
Numa interpretação primária, pode-se concluir de plano que se não houver
coincidência absoluta entre o direito que a parte tem e o resultado que obteve em
juízo, o processo não será efetivo. Essa é uma exegese em sentido estrito do
princípio. Mas evidentemente que o processo ser efetivo signifique somente isso.
Nas palavras de Leonardo Ferres da Silva Ribeiro10, “o processo civil não só precisa
estar apto a efetivar todos os direitos assegurados, mas também, e principalmente,
a fazê-lo da forma mais ágil, célere e eficaz, com o menor dispêndio de tempo e de
recursos possível, traduzindo assim uma preocupação social”.
É verdade que a efetividade se afere também na observação da diferença
entre o que se postulou e o que se conseguiu em juízo. Quando se obteve aquilo
exatamente que se postulou, o processo foi, enfim, efetivo; quando obtém-se a
menor do que se tem direito, ele não foi. Ocorre, todavia, que obter-se tudo que tem
direito não é tradução necessária que o processo foi efetivo para aquele que
buscava seu direito, pois, para configurar-se a efetividade, mister também aferir se a
9
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – Influência do Direito Material sobre
o Processo. 5ª Ed, São Paulo: Malheiros, 2009, p. 15.
10
RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. Prestação Jurisdicional Efetiva: uma garantia
constitucional. In: Processo e Constituição. Estudos em homenagem ao professor José Carlos
Barbosa Moreira. Luis Fux, Nelson Nery Jr., Teresa Arruda Alvim Wambier (coord.) São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2006, p. 155.
23. tutela jurisdicional foi conferida dentro de um prazo razoável, que possibilite à parte
que possui o direito de fruir do bem da vida obtido. De nada adianta, caso o bem
obtido seja gozado pelos herdeiros e sucessores, já que o autor inicial faleceu no
curso da ação, que tardou a atingir um provimento final.
Não é também só se observando a ótica do autor que se desvenda a
efetividade ou não do processo. Ora, não é pelo fato de que o autor vem a juízo e
narra um direito que julga ter e tem seu pedido julgado improcedente que o processo
não é considerado efetivo. Pois o foi em relação ao réu, que obteve o mister
conferido aos litigantes no polo passivo, ou seja, a improcedência da demanda.
Provou ao juízo que o direito invocado pelo autor não pertencia a este, mas ao réu,
que convenceu o julgador dessa tese. Houve, portanto, o atendimento ao postulado
da máxima coincidência possível, pois o réu obteve o reconhecimento de seu direito,
e, por conseguinte, a improcedência da demanda, ou até mesmo, um plus, pelo
pedido via reconvenção. Nesse sentido, as palavras precisas de José Carlos
Barbosa Moreira11, “em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do
processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica
utilidade a que faz jus segundo o ordenamento” e arremata “cumpre que se possa
atingir resultado semelhante com o mínimo dispêndio de tempo e energia”.
Mas surge em evidência nos tempos atuais uma outra questão, transcende os
problemas da celeridade. Com o advento da Emenda Constitucional 45, que
adicionou o famoso inciso LXXVIII ao Artigo 5º, passou-se a discutir com mais fervor
a questão da morosidade processual, e com ela outro debate emergiu. A discussão
acerca da “efetividade-celeridade-segurança jurídica”. Um valor não se confunde
com o outro. Na realidade, entendo que a efetividade é um valor máximo, princípio
maior de nosso processo, princípio que, por sua vez, se decompõe em celeridade e
segurança jurídica. Estes últimos são princípios corolários da efetividade,
preceituadores de ideais conflituosos e que estão em evidência principalmente pelo
anteprojeto do novo Código de Processo Civil em trâmite no Congresso. Ao
anteprojeto existem críticas e elogios, sendo sua meta maior reduzir a morosidade
excessiva dos processos. Tal propósito é nobre, mas, segundo alguns estudiosos do
assunto, a segurança jurídica tem sido mitigada sobremaneira, não sido dispendida
11
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de Direito Processual, sétima série. Saraiva: São
Paulo, 2001..
24. a devida atenção pelo legislador, suscitando questionamentos acerca dessa
“supressão do contraditório”. Porém, esse tema deixaremos para tratar em capítulo
posterior, quando da abordagem do Novo Código em detalhes.
De volta à efetividade, seu conceito é exatamente este, da conjugação de
princípios. Nas palavras de José Roberto dos Santos Bedaque12 “o processo efetivo
é aquele que, observado o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade,
proporciona às partes o resultado almejado pelo direito material. Pretende-se
aprimorar o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela jurisdicional. Mas
constitui perigosa ilusão pensar que simplesmente conferir-lhe celeridade é
suficiente para conseguir a tão almejada efetividade. Não se nega a necessidade de
reduzir a demora, mas não se pode fazê-lo em detrimento do mínimo de segurança,
valor igualmente essencial ao processo justo. Em princípio, não há efetividade sem
contraditório e ampla defesa. A celeridade é apenas mais uma das garantias que
compõe a ideia de devido processo legal, e não a única. A morosidade excessiva
não pode servir de desculpa para o sacrifício de valores também fundamentais, pois
ligados à segurança do processo”. Além do binômio celeridade - segurança jurídica,
decorrentes da efetividade processual, esta ainda para ser atingida de maneira
plena uma adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica de dada
sociedade, o direito a uma justiça adequadamente organizada e formada por juízes
inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo da realização da
ordem jurídica justa; o direito a preordenação dos instrumentos processuais capazes
de promover a efetiva tutela de direitos; e por fim o direito à remoção de todos os
obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à justiça com tais características.
Estes requisitos estão intimamente ligados à teoria da cláusula de reserva do
possível, que adapta a ordem jurídica à realidade socioeconômica existente.
Arrematando a questão da efetividade como conjugação de princípios,
precisas as palavras de José Carlos Barbosa Moreira, no sentido de que “se uma
Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça
muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é
12
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 3ª Ed.
São Paulo: Malheiros, 2010. p. 49.
25. que a prestação jurisdicional venha ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é
preciso acelerá-la, muito bem; não, contudo, a qualquer preço”13.
Pois bem, como explanado acima, a efetividade é um princípio maior,
decorrente da conjugação de celeridade e segurança jurídica. As reformas que
vierem precisam, portanto, de eliminar entraves e desafogar o Judiciário, mas sem
se descuidar das garantias processuais que permeiam o contraditório. É uma tarefa
árdua.
Contudo, tudo que foi exposto acima se situa predominantemente no campo
teórico das coisas. Não é porque o legislador constitucional derivado se atentou à
morosidade e inseriu na Carta Maior uma cláusula aberta destinada a resolver o
problema, que estes seriam, como que em passe de mágica, resolvidos da noite pro
dia. Se isoladamente considerada e sem as medidas concretas, de apoio à
prestação jurisdicional, é ilusório acreditar que este entrave simplesmente se
resolva. Na realidade, parece que a razoável duração do processo é somente a
ponta do iceberg, já que abaixo dos limites da relação processual existem problemas
gigantescos para serem solucionados, sem os quais, jamais se poderá dar
cumprimento à norma constitucional em comento.
Daí que o legislador não somente se preocupou em dar ao princípio status de
direito fundamental, mas vem realizando esforços concretos, no sentido da
agilização, que serão comentados com maior detidão em capítulo subsequente. O
fato é que somente a reforma operada pela Emenda 45 não foi suficiente para a
solução do problema. Há que se buscar alternativas o tempo todo, pois o desafio
também se renova, o que exige novas ideias e soluções para novos obstáculo. O
que não se pode deixar ocorrer é que a norma constitucional se torne “letra morta”.
Continuam a existir “pontos de estrangulamento” depois da reforma que
devem ser atacados da maneira correta, nunca se olvidando do princípio da
efetividade e sua faceta da segurança jurídica. As medidas em concreto serão
analisadas em capítulo oportuno, mas algumas considerações podem ser feitas
desde já, a título de exemplificação. Por exemplo, o comportamento do Juiz no
processo. Ora, não se concebe mais a figura do Juiz como mero expectador do
13
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Apud BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do
Processo e Técnica Processual, cit., p.49.
26. processo. Deve existir maior participação deste, não deixando de lado a inércia da
jurisdição, mas, uma vez provocada e desencadeado o processo, o Juiz passa a
integrá-lo, devendo conduzir o feito de maneira que propicie as partes as
oportunidades de tecerem suas alegações e coibir eventuais abusos de direito. Deve
o magistrado impulsionar o processo em direção à sentença, assegurando os
princípios inerentes ao devido processo legal (tanto o processo em prazo razoável,
quanto a observância do contraditório e ampla defesa), evitando chicanas
processuais e impondo as penalidades que a lei reserva ao litigante de má-fé.
Deve o julgador estar antenado à realidade social, preocupado com um justo
resultado e perquirir a verdade real, determinando, se julgar conveniente e
necessário, a realização de provas ex offício, sem que se tenha por ferido o princípio
da imparcialidade. Na medida que determina a realização de certa prova que julga
indispensável para seu convencimento, não sabe qual será o resultado dessa prova,
que poderá beneficiar ou um, ou outro dos litigantes, mas não há que se falar em
quebra da imparcialidade.
Concluindo, não se admite, portanto, que formalidades excessivas e
desnecessárias atrapalhe o bom andamento do processo. Nunca se pode esquecer
que o processo é sempre um instrumento de concretização do direito material, sob
pena de inverter-se o fim pelos meios. O processo não é (e devido a sua natureza
instrumental) nunca será um fim em si mesmo, devendo ser constantemente
renovado, com novas soluções, à medida que no plano dos fatos novos problemas
vão surgindo. Não se pode atacar o problema de hoje com a solução de ontem, e é
por isso que o processo está em constante mutação. Evidentemente que as
reformas devem ser pautadas pelo respeito à segurança jurídica e não ferir, por
exemplo, direitos adquiridos, mas não há como se defender um processo com
normas estáticas para toda a eternidade. As mudanças de regras e também de
comportamentos são essenciais para o desenvolvimento da Justiça, e, em última
analise, da própria sociedade.
No sentido da mudança de comportamentos, com o enfoque na figura do
magistrado, anotou João Batista Lopes “a postura burocrática e protocolar do juiz
entra em conflito aberto com as tendências atuais do processo civil e, por isso, deve
ser afastada. Não se concebe, no estágio atual da doutrina processual brasileira,
27. que a parte seja prejudicada pelo apego ao fetichismo das formas e à dogmática
tradicional”. 14
1.5 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA DEMORA NA PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL
A responsabilidade civil do Estado sempre foi um tema que suscitou muita
polêmica e discordâncias no campo doutrinário e jurisprudencial. Houve muitas
batalhas judiciais até que a posição de nossos tribunais se tornasse clara, como
sedimentado na doutrina atual. Contudo, no que tange à responsabilidade civil por
danos causados pela atividade jurisdicional o tema é bastante esquecido, seja na
imputação de responsabilidade a agentes judiciais, ou, especialmente, no que diz
respeito à violação da garantia da duração razoável do processo. Ora, se a própria
garantia é vista com extrema tolerância pelos agentes públicos e pelos julgadores,
no campo da responsabilização do Estado os reflexos não poderiam ser diversos.
No Brasil é um tema não muito ventilado, mas o direito à indenização por
prestação jurisdicional em prazo inadequado tem sido reconhecido e aplicado em
alguns sistemas pelo mundo afora, sobretudo em prática na Corte Europeia de
Direitos Humanos. É certo que possui caráter eminentemente paliativo e não
resolverá o problema do estrangulamento, pois para isso são necessárias medidas
frontais, estruturais, porém é certo também que a reparação pode ser um
instrumento útil a minorar o sofrimento de quem sofreu prejuízos advindos tá tutela
jurisdicional excessivamente morosa.
1.5.1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – CONCEITO, EVOLUÇÃO E
PRESSUPOSTOS
14
LOPES, João Batista. A prova no direito processual civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
28. Responsabilidade, em sua acepção jurídica, significa, em apertada síntese, o
mesmo que a obrigação de reparar um dano, quando decorrente de ato ilícito, ou
obrigação decorrente de cláusula contratual. Já se tratando de responsabilidade civil
do Estado, ninguém melhor do que um dos maiores expoentes do Direito Público
Brasileiro, Celso Antônio Bandeira de Mello para nos emprestar seus ensinamentos:
Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do
Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os
danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe
sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais,
lícitos e ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos.
Como qualquer outro sujeito, o Poder Público pode vir a se encontrar
na situação de quem causou prejuízo a alguém, do que lhe resulta
obrigação de recompor os agravos patrimoniais oriundos da ação ou
abstenção lesiva. Esta noção é, hoje, curial no direito público.15
Depreende-se que o Estado, igualmente como nas relações particulares,
pode provocar danos a terceiros, no exercício de suas funções administrativas. E
como postulado republicano de que ninguém está acima da Lei, pressuposto
elementar do Estado Democrático de Direito, deve o Estado como ente
personificado se submeter à ordem jurídica e ser responsabilizado nos causos em
que causar danos a particulares.
Neste sentido a lição histórica de Norberto Bobbio, que com a maestria que
lhe é peculiar, arrematou: “É com o nascimento do Estado de direito que ocorre a
passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos cidadãos. No
Estado despótico, os indivíduos singulares só tem deveres e não direitos. No Estado
absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados. No
Estado de Direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados, mas
também direitos públicos. O Estado de Direito é o Estado dos cidadãos”.16
A evolução jurisprudencial e doutrinária pode ser apresentada e explanada
por meio de algumas fases bem delimitadas, que serão relatadas de maneira
sintética, de forma meramente ilustrativa.
15
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo:
Malheiros, 2005.
16
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 15ª tir. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de
Janeiro. Campus: 1992. p. 61.
29. Inicialmente, nos primórdios do Direito Público vigia o “princípio da
irresponsabilidade do Estado”, o qual obviamente representava uma enorme
desproteção dos administrados frente aos atos do Estado. Se revestia de um certo
grau de absolutismo, sendo vigente em épocas de dinastias e déspotas, sob o
argumento de que a responsabilidade pecuniária estatal frente aos súditos
representaria um entrave à execução dos serviços públicos. Podia somente o lesado
propor uma demanda frente ao causador do dano, do agente público responsável,
mas jamais frente ao Estado, pois a máxima adotada à época era de que “the king
can do no wrong”, ou, em livre tradução, “o rei nunca erra”.17
Com a queda dos Estados Absolutistas a partir da Revolução Francesa em
1789, esse modelo déspota foi sendo abandonado. Em seu lugar houve a ascensão
da “teoria civilista da culpa”, ou seja, o modelo aquiliano, que imputa a
responsabilidade ao sujeito em decorrência da culpa. O modelo estipulava a
responsabilização do Estado no caso de ação culposa de seu agente.18 Os atos
públicos, segundo esta doutrina, eram divididos em dois subespécies. Os atos de
império e atos de gestão. A responsabilização estatal frente aos primeiros era
impossível, pois o princípios de direito público regeriam a atuação de modo a
proteger a figura estatal. Quanto aos últimos poderiam implicar a responsabilização
do Estado, com uma condição: desde que a conduta do agente público que causou
o dano fosse dotada de culpa.
Já se pode imaginar a dificuldade por distinguir uns atos de outros, o que
gerou enormes questionamentos dos indivíduos lesados por atos estatais, fato que
acabou por fazer surgir outra teoria para nortear a matéria, a doutrina conhecida
como “publicista”. Sob esta égide, para a atribuição da responsabilidade ao Estado,
bastava a comprovação do mau funcionamento de determinado serviço público, sem
necessariamente a atribuição do dano a determinado agente. A culpa seria imputada
genericamente à Administração. Segundo o professor Carvalho Filho 19, esta teoria
também é conhecida como “teoria do órgão” é marcada pela premissa de que o
órgão não se distingue do ente. Deste modo, a existência do órgão carrega uma
17
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros,
2004. p. 235.
18
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007. p. 474.
19
CARVALHO FILHO, cit., p. 273.
30. premissa insuperável, a de que ele pertence a um ente uno, qual seja, o próprio
Estado. Por essa razão, desnecessária a imputação ao órgão ou funcionário
determinado, bastando a vinculação da responsabilidade diretamente à pessoa
jurídica a qual o funcionário culpado é vinculado, o que, em última análise, é sempre
o Estado.
Por fim, após todas as etapas evolutivas, elencadas em apertada síntese
acima, o direito moderno alcançou a tese da “teoria da responsabilidade objetiva do
Estado”. Dita teoria baseia-se na premissa de que a responsabilidade do Estado
independe de culpa, bastando a mera relação da conduta administrativa e o dano
sofrido pelo administrado (nexo de causalidade). Assenta-se sobre o risco
administrativo, postulado pelo qual o Estado deve arcar com o risco natural de seu
amplo plexe de atividades. Ou, citando outra vez Carvalho Filho, “uma maior
quantidade de poderes deve corresponder um risco maior”.20
Já no ordenamento jurídico pátrio, a responsabilidade civil objetiva do Estado
obteve chancela constitucional, devido a sua inserção no §6º, do art. 37 do Texto
Maior, que aqui será transcrito expressamente: “As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos
danos causados que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Com o advento dessa cláusula no texto constitucional não há mais dúvidas
acerca da responsabilidade objetiva que o Estado possui frente aos administrados,
resguardando ao Ente Público o direito de regresso ao agente causador, quando
proceder com dolo ou culpa. Porém, o direito de regresso evidentemente não o
exime da responsabilidade, devendo reparar o prejuízo e depois regressar contra
seu agente culpado.
1.5.2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS JUDICIAIS
20
CARVALHO FILHO, cit., p. 476.
31. Já no que diz respeito à responsabilização estatal pelos atos praticados pelo
Poder Judiciário, a doutrina e jurisprudência foi oscilante ao longo do tempo. De
acordo com os seguidores da tese da irresponsabilidade alguns argumentos podem
ser trazidos à baila, como por exemplo; O Judiciário é soberano e independente, os
juízes devem agir com independências em suas funções, sem o temor de que suas
decisões possam ensejar sua responsabilidade perante o jurisdicionado; que o
magistrado não é funcionário público; entre outros argumentos. Parte da doutrina
também sustenta que o dever de indenizar só seria imposto se fosse expressamente
previsto em Lei, ou na hipótese de culpa manifesta no dever de julgar.
A independência do Judiciário e de qualquer Poder da República é
inquestionável. É princípio maior republicano, concebido por Montesquieu e
consagrado em nossa Carta Maior e de quase totalidade dos Estados do planeta.
Cada Poder tem sua independência e autonomia, porém o ponto nevrálgico aqui
comentado não é a independência por si só. Esta não lhe confere imunidade, que
seria o resultado de se colocar um ou outro Poder acima do Estado Democrático.
Ora, a soberania é do Estado como um todo e não há nenhum poder que dele possa
se sobrepor. A responsabilidade do Estado em face de atos jurisdicionais deve
persistir até pela questão da isonomia, pois todos os poderes estão sujeitos ao
princípio da legalidade, expoente do direito público.
Independência, neste sentido, significa estritamente a ausência de
interferências externas, de quem quer que seja, em suas decisões, mas jamais
irresponsabilidade. Caso contrário os outros poderes reivindicariam essa mesma
“imunidade”, o que colocaria em xeque o sistema como um todo.
O Poder Judiciário como órgão integrante do Estado e prestador de serviço
público (e indelegável) deve sim estar sujeito ao controle. Todo poder deve estar
sujeito a controle, pois sem controle, tende o poder a caminhar para o arbítrio.
Nesse sentido, a ilustre professora Maria Sylvia Zanella di Pietro21. Porém, por óbvio
que referido controle não seria pleno, sob pena de interferência de outros poderes
em suas questões, violando a cláusula de separação dos poderes.
21
“Infelizmente, as garantias da magistratura acabam por gerar uma falsa ideia de intangibilidade e
infalibilidade do magistrado, não reconhecida aos demais agentes públicos”. (DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 629).
32. Entretanto, para uma elucidação mais ampla do tema sob comento, a doutrina
geralmente cinge a atividade do judiciário, com vistas à facilitar a abordagem.
Estabeleceu-se a responsabilidade pelos “atos tipicamente jurisdicionais” e a
responsabilidade pela “atividade judiciária”. No parágrafo anterior, ao comentar a
hipótese de responsabilização do Estado por atos judiciais, concluiu-se que deve ser
feita de maneira ponderada, de maneira que não fique a menor, com a total
irresponsabilidade do Estado nesse sentido, conforme advogado por alguns22; nem
uma responsabilidade excessiva, de forma a interferir na atividade típica das funções
judiciárias. Mas como chegar ao meio termo? Foi a partir daí que a doutrina dividiu
os atos nas duas categorias citadas.
Nas primeiras, atos tipicamente jurisdicionais, mais nebulosa é a imputação
de responsabilidade. Arguir-se-á no sentido da independência do Judiciário, e, de
fato, plausível os argumentos. Não se defende a total responsabilização do
judiciário, por todo e qualquer ato, mas o posicionamento aqui é no sentido de
refutar a irresponsabilidade do Poder Judiciário. Isso é uma tese que não se pode
coadunar, sob pena da já descrita acima “imunidade” deste ou de qualquer Poder.
Desta forma, nos atos jurisdicionais típicos, de mérito de decisões judiciais, é difícil a
interferência e imputação de responsabilidades. A solução nestes casos são as que
o próprio ordenamento jurídico confere, como a ação rescisória ou a ação anulatória
(querela nulitatis insanabilis). Daí que atualmente a responsabilidade por atos
judiciais típicos só é admitida a partir da hipótese prevista no art. 5º, LXXV da
Constituição Federal (erro judiciário no processo penal). De resto, a coisa julgada
põe uma pedra em discussões acerca de mérito de decisões judiciais, que serão
atacadas pelos remédios próprios da Judiciário.
Em outra mão, quanto à atividade judiciária já é mais pacífica a possibilidade
de responsabilização do Estado, nos casos em que há desídia por parte do
magistrado, como por exemplo, retardando injustificadamente o andamento dos
feitos sob sua responsabilidade, perda de autos, etc; negligência de serventuários,
falhas no serviço judiciário, entre outras inúmeras hipóteses possíveis. Tanto é assim
que um órgão de controle do Judiciário já se encontra em pleno funcionamento, o
Conselho Nacional de Justiça, que por mais que seja um órgão do Poder Judiciário,
o fiscaliza, mas não o mérito de suas decisões, em regra, sua fiscalização se dá no
22
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ªed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 877.
33. âmbito administrativo, não interferindo na autonomia do magistrado. O CNJ será
abordado em detalhes no próximo capítulo.
Assim, assentado o entendimento da possibilidade de responsabilidade pela
atividade judiciária, e não pelo mérito ou atos tipicamente jurisdicionais, fértil se
torna o campo para a discussão da responsabilidade civil do Estado pela violação da
garantia da duração razoável do processo.
1.5.3. RESPONSABILIDADE CIVIL PELA VIOLAÇÃO À GARANTIA DO PRAZO
RAZOÁVEL
O tema que será abordado a partir de agora é, de certa forma, esquecido pela
doutrina nacional. Na verdade, com o iminente advento do novo Código de Processo
Civil, as recentes reformas operadas no Judiciário para tentar solucionar a crise dos
“pontos de estrangulamento”, é que o assunto vem sido debatido de forma mais
recorrente pelo meio jurídico e acadêmico.
Desta forma, uma parte da doutrina sustenta que, com base no supracitado
Art. 37, §6º e sua atribuição de responsabilidade objetiva à atividade estatal as
dilações indevidas e danos decorrentes de paralisações injustificadas em virtude de
falhas no serviço judiciário. Argui-se que a demora injustificada na prestação do
serviço jurisdicional, serviço essencialmente público e indelegável, entraria no
conceito de “serviço público imperfeito”, indenizável portanto.
Outra parcela de doutrina refuta essa responsabilização plena e objetiva,
defendendo que somente nos casos da demora decorrer de funcionamento anormal
do serviço judiciário ela deva ocorrer. Caso contrário, como a garantia do da duração
razoável do processo traz consigo uma certa carga de indeterminação conceitual,
em demorando o processo por sobrecarga de serviço meramente, ou por falhas
estruturais, dever-se-ia adentrar ao estudo da responsabilidade com culpa.23
23
CARVALHO FILHO, José dos Santos. cit., p. 497.
34. Porém, ao se analisar a fundo este argumento, cair-se-á numa redundância.
Ora, senão vejamos. Embora não explicito, tal posicionamento induz à crença de
que a sobrecarga de serviço impossibilitou o Estado justifica razoavelmente a
demora por parte do ente público. Porém, trocando em miúdos, se houve aparente
sobrecarga de trabalho e o Estado não foi capaz de absorver de maneira
satisfatória, há uma evidente falha no serviço público. Não pode se atirar à
Constituição Federal que assegura aos cidadãos seus mais básicos direitos a culpa
pela demora. Se a Carta Maior assegura a todos o direito de ação, o direito de
petição, o direito ao processo em prazo razoável é ônus do Estado, sim, atender a
esses mandamentos constitucionais. E não o contrário (adaptar a Constituição às
limitações estatais).
Sedimentada a ideia de que o Estado tem sim a possibilidade de reparar o
dano causado atrasos injustificados na prestação jurisdicional decorrentes de
funcionamento anormal de suas instituições, outro tema que suscita discussão é a
da possibilidade do Estado realizar a denunciação à lide, nos termos do Art. 70 e
seguintes do Código de Processo Civil, ao funcionário que deu causa à morosidade
injustificada. Ora, a denunciação de agentes públicos em situações de reparação de
danos é pacífica, expressamente citada no art. 37, §6º da Constituição Federal
(assegurado ao Estado o direito de regresso contra o agente, quando este incorrer
em dolo ou culpa). O ponto nevrálgico que surge é a de saber se o Estado pode
realizar a denunciação do magistrado nestes termos, com base no artigo supracitado
e tenha o julgador incorrido nas hipóteses do art. 133 do mesmo código. Transcritos
aqui serão os referidos artigos para elucidação do assunto:
Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo
domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o
direito que da evicção Ihe resulta;
II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de
obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor
pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a
posse direta da coisa demandada;
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar,
em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Art. 133. Responderá por perdas e danos o juiz, quando:
I - no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude;
35. II - recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que
deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.
Parágrafo único. Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no
no II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao
juiz que determine a providência e este não Ihe atender o pedido
dentro de 10 (dez) dias.
Os argumentos mais comuns contrários à denunciação seriam aqueles que
dizem respeito à diversidade de fundamentos da responsabilização do Estado e de
seu agente. De qualquer forma, tendo o prejudicado a possibilidade de reparação,
assegurado estará de qualquer forma, o direito do Estado regressar ante seu agente
que agiu com culpa. Anote-se que, de uma forma ou de outra, os agentes estarão
sujeitos, em última analise, às sanções e procedimentos administrativos
disciplinares, conforme o caso, em virtude de sua responsabilidade funcional.
Eventualmente, as partes também poderão ser responsabilizadas, não por
dilações indevidas, mas sim por litigância de má-fé, caso incorram nas condutas do
art. 17 do Código de Processo Civil. A aplicação da sanção em tela é incumbência
do juiz condutor do feito. Evidente que se a dilação indevida for provocada por
alguma das partes não há que se falar em responsabilização do Estado, pois neste
caso, ausente estaria o requisito indispensável a toda e qualquer responsabilização,
objetiva ou não, o nexo de causalidade. Sem este, impossível imputar algum dano
ao Estado ou a quem quer que seja.
Finalmente, cabe uma ressalva que, se não for dada a devida atenção, pode
acabar por confundir um e outro conceito. Não se pode ter a responsabilidade
objetiva como inversão do ônus da prova. A responsabilidade objetiva é somente o
fator que pode imputá-la sem o elemento culpa, essencial no estabelecimento da
responsabilidade aquiliana, própria do direito privado. É isso e nada mais. Caso
fosse ônus da prova, o demandante se eximiria de provar o fato constitutivo de seu
direito e não é isso que de fato ocorre. Aquele que pleiteia algo contra o Estado sob
o manto da responsabilidade objetiva deve provar todos os elementos constitutivos
de seu direito, qual seja, o nexo causal entre o fato lesivo e o dano e o montante a
ser indenizado, excetuando-se a culpa, dispensável nestes casos. Isso não significa
dizer que o juiz não poderá inverter o ônus para facilitar o acesso à justiça ou
36. quando a produção da prova necessária se tornar excessivamente difícil, de forma
que impediria o exercício do direito. O que se refuta é a vinculação automática entre
um instituto e outro. Não é diferente as palavras de Hely Lopes Meirelles, cujas
palavras vão neste sentido.24
Neste sentido, as demandas que versem sobre dilações indevidas e a sua
indenização caberá ao demandante provar e demonstrar expressamente a extensão
dos danos que efetivamente sofreu. Não é demais recordar que a indenização a
maior do dano é ilícita, na modalidade de enriquecimento ilícito. Por essa a razão da
discriminação, na maior precisão possível do dano sofrido e indenizável com vistas a
se evitar o enriquecimento ilícito, que seria a tentativa de se reparar um ato ilícito
com outro ato ilícito.
Assim é que a indenização por danos materiais deve ser, evidentemente,
comprovada com forte material probatório ao passo que possível reparação de dano
moral não deve ser grande a ponto de causar enriquecimento ilícito e nem pouca a
ponto de não ter a capacidade de prevenir futuras violações. Essa lição já é antiga e
provém do “caráter punitivo” do dano moral.
1.6 CONCLUSÕES PARCIAIS
Ao fim da primeira parte deste trabalho, algumas conclusões podem ser
extraídas. Iniciou-se com uma abordagem a atual cultura pós-moderna da
aceleração, da massificação, da alta complexidade das relações entre indivíduos e
sujeitos, do tempo como termômetro das relações institucionais e sociais, da
substituição do micro pelo macro, etc. É claro que estas mudanças sociais afetam
diretamente o mundo jurídico, até em decorrência deste ser um espelho da
sociedade em geral. Responde aos anseios e vive em função desta. Atualmente é
inegável a massificação de processos nos tribunais, sendo que existem “verdadeiros
clientes” do Judiciário, nas palavras Ophir Cavalcante Júnior, como grandes
24
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
p. 570.
37. corporações e o próprio ente público, cujas demandas são responsáveis por uma
avalanche de ações e recursos, com a qual não estava preparado nosso sistema,
que foi projetado sob uma ótica de demanda individual.
Para isso, observou, é preciso "uma mudança de cultura, em que o
Estado passe a respeitar mais os direitos dos cidadãos, pois é ele o
maior responsável pela grande litigiosidade existente hoje no País".
Dados do CNJ e da OAB apontam que 70% dos quase 80 milhões de
ações em tramitação no Judiciário do país são processos envolvendo
o Estado, representados por União, Estados e Municípios.
Esse excesso de litígios, segundo Ophir, ocorre em parte em função
de múltiplos problemas ou demandas da sociedade que passam pelo
aparelho estatal. Ele citou entre eles as contendas da sociedade
brasileira com a Previdência Social, as perdas de planos econômicos
cobradas por aplicadores e consumidores, calote dos precatórios,
questões tributárias, contestações a planos de cargos e salários,
entre outros.
Nesse contexto, Ophir disse que além de uma mudança de cultura
por parte do Estado, que altere a postura de desrespeito a direitos
dos cidadãos, é preciso também uma "melhoria da estrutura do
Judiciário". Dentre os vários aspectos legais comentados pelo
presidente nacional da OAB, o que mais chamou atenção foi a forte
objeção, no Congresso, à possibilidade de, depois de contestada a
petição inicial, o autor mudar o pedido.25
Para enfrentar essa massificação instrumentos devem ser introduzidos no
sistema, mas com a ressalva já feita de nunca se descuidar da segurança jurídica e
das garantias do contraditório, sob pena de tornar o processo inefetivo. Como
abordado, efetividade não se traduz em celeridade, necessariamente. É um princípio
que decorre da conjugação desta com a segurança jurídica.
Após, passou-se uma breve releitura sobre o histórico do processo civil
brasileiro, desde o Código Buzaid de 1973 até os dias de hoje. Foram abordadas as
problemáticas da época e as de hoje e a incapacidade do sistema posto de
combater os problemas atuais. Para problemas atuais precisa-se de soluções atuais.
Entretanto, não se deixou de enaltecer o Código de Buzaid por ser um primor de
tecnicidade, que seguramente marcará época. Os institutos que podem ser
observados corriqueiramente no dia a dia forense, como a delimitação de
25
“Estado é o maior cliente do Judiciário”. Disponível em
<http://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=20765>. Acesso em: 11 out. 2010.
38. competências, intervenção de terceiros, citações, decisões do juiz em geral, são
lições de grande valia decorrentes do Código de 1973.
Em seguida, passou-se a uma analise acerca das possíveis causas da
morosidade excessiva em julgar. Tecnicamente, dividiu-se em três principais fatores,
quais sejam; amente os fatores básicos causadores da morosidade na justiça, tais
quais: institucionais, que dizem respeito a uma eficiente administração judiciária; de
ordem técnica e subjetiva, relativos a alguns aspectos da ordem processual positiva,
e ao preparo dos operadores de direito; derivados da insuficiência material, relativos
às condições de trabalho, instalações, número de funcionários, etc. Dita separação
serve de referência no sentido de auxiliar os estudiosos a procurarem soluções
viáveis, já que ao se segregar as causas pormenorizadamente, facilita-se a tarefa de
enfrentar os problemas.
Foi abordado também a possibilidade da aplicação da teoria da reserva do
possível na efetivação do direito a prestação jurisdicional em prazo razoável.
Afastou-se a possibilidade, principalmente em razão de que o direito em questão
consta no rol dos direitos fundamentais, possuindo, portanto, aplicação plena e
imediata. Colacionou-se jurisprudência a respeito.
Continuando, debruçou-se o texto sobre o princípio da efetividade
propriamente dito e sua correlação com o princípio da razoável duração do
processo. Concluiu-se que apesar de possuírem cargas axiológicas semelhantes,
não se podem confundir. Caso o princípio da razoável duração seja exageradamente
considerado, ao ponto das reformas, sob o pretexto de agilizar as demandas, acabar
por prejudicar o princípio da segurança jurídica, o princípio da efetividade restará
prejudicado.
Por fim, abordou-se o tema da responsabilidade civil do Estado pela violação
à garantia do prazo razoável. Concluiu-se pela possibilidade de indenização caso
haja danos decorrentes da atividade judiciária, como erro cartorário, dilações
injustificadas que causem prejuízos, etc, negando-se a possibilidade de indenização
por atos tipicamente judiciais, como decisões judiciais strictu sensu.
39. 2. ESTADO ATUAL DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO: MECANISMOS DE
AGILIZAÇÃO E SIMPLIFICAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS
2.1 A EMENDA CONSTITUCIONAL 45
O sistema constitucional advindo da redemocratização do país culminou na
elaboração, em Assembleia livre, da Constituição Federal de 1988. Esta apresenta
alguns pontos que merecem reparos, daí a propalação da palavra “reforma”. Apesar
da chamada Constituição Cidadã ditar uma gama de direitos e estruturar de maneira
democrática a máquina estatal, percebeu-se que a atividade judiciária necessitava
de reformas.
Inicialmente, foram operadas reformas em âmbito infraconstitucional, na
legislação processual, notadamente as realizadas pelas Leis 9494/97 – que
generalizou a antecipação de tutela, importantíssimo instrumento colocado à
disposição do Juiz para trazer efetividade ao processo; Lei 10.352/01, que reformou
o sistema recursal e Lei 10.444/02, cujas alterações significaram expressivas
mudanças no processo/fase de execução.
Percebeu-se, entretanto, que mudanças mais abruptas eram necessárias, não
somente da legislação processual, mas algo mais amplo, significativo, que alterasse
a fundação do sistema. Neste contexto histórico surgiu a Emenda Constitucional 45,
promulgada em 08/12/2004, com o intuito de adequar o funcionamento da Justiça
aos anseios de uma sociedade cada vez mais desenvolvida e complexa.
Com toda a certeza a Emenda Constitucional 45 não foi e nem será a solução
dos problemas do Judiciário, seria até pretensioso uma crença forte neste sentido. A
solução, como abordado no texto, envolve um plexe de fatores, cujas complexas
causas requerem soluções das mais diversas categorias e naturezas. Na realidade,
em benefícios processuais propriamente ditos a emenda não foi eficaz para se
40. resolver substancialmente os pontos de estrangulamento. Contudo, representa uma
conclamação da sociedade e dos operadores para um debate profícuo e estrutural
acerca do problema, algo que era necessário no momento. Passados seis anos de
sua promulgação, percebe-se que a mentalidade de operadores de Direito
atualmente é no sentido de se alcançar a maior efetividade no processo,
repensando o Judiciário neste sentido, para que atinja de fato seu mister
institucional.
Contudo, para se compreender melhor o contexto no qual a reforma foi
elaborada, deve-se adentrar noutro assunto de grande relevância. Dita
compreensão permitirá aos operadores de direito adotarem premissas
metodológicas para a interpretação do texto e das reformas propriamente ditas. Um
parênteses será aberto, enfim, para abordar a inspiradora lição das “ondas
renovatórias do acesso à justiça”.
2.1.1 AS ONDAS RENOVATÓRIAS DO ACESSO À JUSTIÇA
No aspecto do acesso à justiça, foi elaborado pela doutrina três grandes fases
de elaboração científica, que ficaram conhecidas como as “três ondas do acesso à
justiça”. Os maiores expoentes desta doutrina foram, notadamente, Mauro
Cappeletti e Bryant Garth. As três ondas são, pela ordem26: a)os óbices econômicos;
b) os óbices em relação à tutela de direitos transindividuais;c) a satisfação do
usuário da atividade jurisdicional.
Algumas considerações acerca destas três ondas, que, segundo a doutrina,
são as grandes dificuldades dos judiciários em cumprir seu mister com
satisfatoriedade, ou seja, entreves econômicos, a dificuldade em lidar com direitos
transindividuais e, por fim, a satisfação de seu usuário, ou seja, o jurisdicionado, que
é o último interessado e afetado pelos defeitos e virtudes do serviço prestado.
26
CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet.
Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editora, 1998.
41. Primeiramente, a dogmática jurídica, sobretudo a dogmática processual,
preocupou-se, com uma certa dose de razão, dos óbices econômicos em se
conseguir o acesso à justiça. Com razão porque este entrave é o de mais difícil
superação. Se o indivíduo fosse obrigado a suportar as pesadas custas processuais,
grande parcela dos jurisdicionados brasileiros estariam com seu direito de ação
severamente prejudicado. Contudo, neste aspecto, o direito brasileiro já está de fato
preparado a enfrentar a questão. A Lei 1060/50, com cerca de sessenta anos de
idade, já garante aos economicamente carentes a possibilidade de demandar,
independentemente do pagamento de despesas do processo.
Com os mecanismos adequados a superar eventuais óbices de natureza
econômica de acesso à justiça, verificou-se que nem todas as posições, interesses e
direitos subjetivos estavam aptos à proteção por meio da atividade jurisdicional. Os
instrumentos que estavam colocados à disposição não conseguiam suprir, com
razoável efetividade, a gama de interesses merecedores de atenção. Daí que a
atenção do legislador brasileiro se voltou à encontrar soluções, instrumentos aptos a
tutelar os chamados direitos transindividuais.
Atualmente, o ordenamento jurídico pátrio avançou sobremaneira. A
legislação oferece um leque de instrumentos que possuem o condão de suportar
adequadamente a tutela de direitos transindividuais. Dentre os diplomas, destacam-
se a Lei 4717/65 (Ação Popular), a Lei 7347/85 (Ação Civil Pública) e a 8072/90
(Código de Defesa do Consumidor).
A última e terceira onda é afetada diretamente pelo assunto tratado neste
trabalho. A derradeira onda é aquela que avalia a satisfação do usuário da atividade
jurisdicional. Justiça que não atende satisfatoriamente aos anseios dos interessados
é falha, e, de certo modo, impede a expressão de cidadania do mais necessitado.
Justiça tardia somente atende aos interesses daquele que pode esperar. O cidadão
comum não pode esperar. Conclui-se que, para destravar o terceiro óbice de acesso
à Justiça as reformas processuais que garantam maior celeridade são
imprescindíveis. Atualmente, não há como se falar em acesso pleno à Justiça sem
reformas que garantam sua resposta em tempo razoável. Acesso pleno não se
42. traduz, puro e simplesmente, no direito de ação. Compreende algo maior, como, por
exemplo, a efetividade do processo, que o instrumento processual tenha de fato o
condão de fazer valer o direito material postulado, seja adequado para tal.
2.2 O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA
O Conselho Nacional de Justiça é um órgão do Poder Judiciário, criado após
a supracitada Emenda Constitucional 45/2004, que o adicionou ao rol do Art. 92 da
Carta Magna. Foi criado com o objetivo básico voltado à reformulação de quadros e
meios no Judiciário, sobretudo no que diz respeito ao controle e à transparência
administrativa e processual. Sua sede é na Capital Federal e área de atuação é todo
o território nacional. Compõe-se de 15 membros, nomeados pelo Presidente da
República depois de aprovada a escolha por maioria absoluta do Senado Federal.
Os membros são definidos pelo Art. 103-B da Constituição Federal, verbis:
Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15
(quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma)
recondução, sendo:
I - o Presidente do Supremo Tribunal Federal;
II - um Ministro do Superior Tribunal de Justiça, indicado pelo
respectivo tribunal;
III - um Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, indicado pelo
respectivo tribunal;
IV - um desembargador de Tribunal de Justiça, indicado pelo
Supremo Tribunal Federal;
V - um juiz estadual, indicado pelo Supremo Tribunal Federal;
VI - um juiz de Tribunal Regional Federal, indicado pelo Superior
Tribunal de Justiça;
VII - um juiz federal, indicado pelo Superior Tribunal de Justiça;
VIII - um juiz de Tribunal Regional do Trabalho, indicado pelo Tribunal
Superior do Trabalho;
IX - um juiz do trabalho, indicado pelo Tribunal Superior do Trabalho;
X - um membro do Ministério Público da União, indicado pelo
Procurador-Geral da República;
XI - um membro do Ministério Público estadual, escolhido pelo
Procurador-Geral da República dentre os nomes indicados pelo
órgão competente de cada instituição estadual;
43. XII - dois advogados, indicados pelo Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil;
XIII - dois cidadãos, de notável saber jurídico e reputação ilibada,
indicados um pela Câmara dos Deputados e outro pelo Senado
Federal.
Como se nota, a composição do Conselho é mista, sendo formado por
representantes da magistratura federal (inclusive do trabalho), estadual, membros do
Ministério Público, advogados e cidadãos. A Presidência do Conselho cabe,
obrigatoriamente, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao passo que a
Corregedoria cabe ao membro proveniente do Superior Tribunal de Justiça.
Ainda em 2004, antes da efetiva instalação do Conselho, a AMB (Associação
dos Magistrados Brasileiros) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI
3.367), aduzindo vício formal de constitucionalidade além de afronta aos artigos 2º e
18 da Carta Maior. Ambos os argumentos restaram afastados pelo Supremo,
segundo o qual a presença de não magistrados na composição do Conselho não
viola a Tripartição dos Poderes: “(..) Subsistência do núcleo político do princípio,
mediante preservação da função jurisdicional, típica do Judiciário, e das condições
materiais do seu exercício imparcial e independente”. Ainda neste sentido, no
mesmo julgamento, asseverou o Min. Relator: “pode ser que tal presença seja capaz
de erradicar um dos mais evidentes males dos velhos organismos de controle, em
qualquer país do mundo: o corporativismo, essa moléstia institucional que
obscurece os procedimentos investigativos, debilita as medidas sancionatórias e
desprestigia o Poder”27
Pela simples leitura do Art. 103-B, §4º, percebe-se nitidamente que o CNJ não
possui caráter jurisdicional, derrubando ainda mais a tese de que sua composição
com membros não magistrados violaria a tripartição dos poderes. Suas funções, de
acordo com a Carta Maior, são:
§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa
e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres
funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições
que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:
27
ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 13.04.2005.
44. I - zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do
Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no
âmbito de sua competência, ou recomendar providências;
II - zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante
provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por
membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los,
revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências
necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da
competência do Tribunal de Contas da União;
III - receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos
do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares,
serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro
que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem
prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais,
podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a
remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou
proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras
sanções administrativas, assegurada ampla defesa;
IV - representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a
administração pública ou de abuso de autoridade;
V - rever, de ofício ou mediante provocação, os processos
disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de
um ano;
VI - elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e
sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes
órgãos do Poder Judiciário;
VII - elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar
necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as
atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do
Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao
Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.
Depreende-se, portanto, que o CNJ não exerce função jurisdicional e, mais,
suas decisões não estão acima do Judiciário, podendo serem revistas pelo
Supremo Tribunal Federal, conforme o supracitado julgamento da ADI 3.367 e o Art.
102, I, da Constituição Federal. As atribuições, como se compreende da leitura do
artigo transcrito, são meramente administrativas do próprio Poder Judiciário, restrita
ao controle financeiro, administrativo e disciplinar; além de “planejamento
estratégico, com a proposição de políticas judiciárias, trabalhando como um
instrumento efetivo de desenvolvimento do Poder Judiciário28”.
Estando estabelecidas as características nucleares deste órgão, importante
para o estudo em questão, passar-se-á a uma abordagem acerca de suas “metas”
28
“O Que é o CNJ?”. Disponível em <www.cnj.jus.br>. Acesso em: 13 out. 2010.
45. para o Judiciário, tema que alterou frontalmente a rotina de cartórios e tribunais
brasileiros.
2.2.1. As Metas do CNJ
No início do ano de 2009, o Conselho Nacional de Justiça editou metas a
serem seguidas pelos Tribunais, de todos os níveis e todo território nacional, com o
fito de aprimorar a prestação jurisdicional e agilizar os processos em tramitação.
Estas metas ficaram conhecidas como “metas de nivelamento do Judiciário”.29
Apesar de não serem mandamentais, ou seja, não possuírem o condão de obrigar
os Tribunais a realizarem as diretrizes propostas, por fim as metas acabaram por
impactar de grande forma o dia a dia forense em cartórios e varas por todo o Brasil.
Tribunais expediram resoluções de modo a normatizar e gerar obrigações no sentido
de se cumprir a meta. Alguns com maior aceitação e outros com mais resistência às
mudanças, as metas de fato interferiram no cotidiano forense.
Nesse sentido, apresenta-se no site do Conselho Nacional de Justiça uma
síntese acerca das metas, verbis:
No 2º Encontro Nacional do Judiciário, realizado no dia 16 de
fevereiro, em Belo Horizonte (MG), os tribunais brasileiros traçaram
10 metas que o Judiciário deve atingir no ano de 2009 para
proporcionar maior agilidade e eficiência à tramitação dos processos,
melhorar a qualidade do serviço jurisdicional prestado e ampliar o
acesso do cidadão brasileiro à justiça. Atualmente, o Judiciário está
empenhado em alcançar a Meta 2: “Identificar os processos judiciais
mais antigos e adotar medidas concretas para o julgamento de todos
os distribuídos até 31.12.2005 (em 1º, 2º grau ou tribunais
superiores)”. O objetivo é assegurar o direito constitucional à
“razoável duração do processo judicial”, o fortalecimento da
democracia, além de eliminar os estoques de processos
responsáveis pelas altas taxas de congestionamento. Neste sentido,
os tribunais e associações sob a coordenação do Conselho Nacional
de Justiça, criaram a campanha “Meta 2: bater recordes é garantir
29
“Poder Judiciário Nacional terá que cumprir 10 metas até o final do ano”. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=6601:poder-judiciario-
nacional-tera-que-cumprir-10-metas-ate-o-final-do-ano&catid=1:notas&Itemid=169>. Acesso em:
18 out. 2010