O documento discute a questão do divórcio no evangelho de Mateus. Jesus não estava legislando uma nova lei sobre casamento, mas corrigindo as interpretações errôneas dos escribas e fariseus. Ele condenava a prática de dar cartas de divórcio por qualquer motivo, tornando mulheres inocentes em adúlteras. A Bíblia não proíbe o recasamento após o divórcio.
Divórcio na Bíblia: Jesus corrige torções da lei, não proíbe recasar
1. EXEGESE: A QUESTÃO DO DIVORCIO.
Pf. Eduardo Sales de Lima1
TEXTO BASE: MATEUS 5;31 E 32
Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio.
Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de
relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar
com a repudiada comete adultério.
O Texto acima trata-se que uma questão legal da nação de Israel, não é uma questão
teológica, mas jurídica, por isso, para entende-lo será preciso mergulhar na cultura e no
sistema jurídico Israelense da época de Jesus.
O Dr. Vaux, em sua pesquisa sobre Israel aponta duas escolas de interpretação: a de
Shammai, mais rigorosa, aceitando o divórcio apenas em caso de adultério e má conduta, e a
escola de Hillel, cuja interpretação era mais abrangente, aceitando o divórcio por qualquer
motivo. Ambas tomam por base o texto de Dt 24:1:
“Se um homem tomar uma mulher e se casar com ela, e se ela não for
agradável aos seus olhos, por ter ele achado coisa indecente nela, e se ele lhe
lavrar um termo de divórcio, e lho der na mão, e a despedir de casa”
O livro de Eclesiástico autoriza o divórcio caso a esposa não obedeça o marido Eclo
25:26. Assim o sistema jurídico judaico era dúbio quanto a aceitação dos motivos para o
divórcio.
Atualmente a Igreja Pentecostal em Geral tem aceitado a interpretação da escola de
Shammai, (o que é muito bom, pois outros textos dos profetas referem-se ao adultério como
característica principal do divórcio Is 50:1; Jr 3:1,8), e autoriza o divórcio apenas em caso de
adultério. Entretanto a Igreja Pentecostal, como um todo, tem defendido uma heresia, ou
seja, um ensino não bíblico. É ensinado que a pessoa divorciada não pode contrair novas
núpcias, “recasar”. Entretanto essa não era a posição jurídica do Judaísmo, e nem mesmo a
posição de Jesus.
Para o sistema legal judaico a mulher com carta de divórcio poderia se casar novamente,
o que não poderia era separar-se segunda vez e voltar para o primeiro marido:
“Dt 24:2-4 e se ela, saindo da sua casa, for e se casar com outro homem;
e se este a aborrecer, e lhe lavrar termo de divórcio, e lho der na mão, e a
despedir da sua casa ou se este último homem, que a tomou para si por mulher,
vier a morrer, então, seu primeiro marido, que a despediu, não poderá tornar a
desposá-la para que seja sua mulher, depois que foi contaminada, pois é
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Eduardo Sales de Lima: Mestre em Teologia do NT; Especialista em Diálogo Inter-religioso; Coordenador
do CETAD – Centro de Estudos Teológicos da Assembléias de Deus em Maringá; Professor e orientador
nas áreas de Bíblia; Teologia; Missões e Família Cristã; Atualmente serve a Deus como Presbítero na
Assembléia de Deus em Maringá/PR. Blog: http://teologiasalesiana.blogspot.com.br
2. abominação perante o SENHOR; assim, não farás pecar a terra que o
SENHOR, teu Deus, te dá por herança”.
Para entender os ditos de Jesus: Contexto Maior Mt 5:31,32
Existe uma estrutura no Sermão da Montanha: A base está em Mt 5:20 onde Jesus faz
uma advertência para que a justiça dos discípulos excedesse a justiça dos fariseus, e na
sequência começa a apresentar a lei, a justiça dos fariseus e a justiça que excede. Os tópicos
da lei são iniciados pelo termo “Ouviste o que foi dito” que estão em 5:21,27,38,43. Assim,
nossa perícope está entre Mt 5:27 a 38.
A primeira pergunta: Qual é o objetivo de Jesus? Legislar nova Lei? Não. Mas corrigir as
torções da lei praticadas pelos escribas e fariseus de Mt 5:20. A Maior parte dos Fariseus
seguia a escola liberal de Hillel. No texto Jesus inicia condenando os fariseus que olhavam
para mulheres com olhar impuro Mt 5:28 (não era um divórcio causado pela mulher) apenas
o olhar já fazia do fariseu um adultero, esse é o sentido da lei, transformar o interior, não
punir os erros. O termo “Também” (5:31 e 33) amplia a questão não inicia outra. Há uma
ligação da atitude adultera dos judeus em desejar uma mulher e o divórcio. Assim, aquele
que liberta/repudia sua mulher e dá carta de divórcio, exceto por pornéia/Relações sexuais
ilícitas (Shammai), faz/expõe a mulher a tornar-se adultera (Moichaw) a voz média do verbo
é traduzida pela voz ativa, assim o culpado é o sujeito, ou seja o fariseu; e aquele que se casa
com a livre/repudiada, é tornado adultero ou comete adultério. A questão que Jesus está
tratando não é do recasamento, mas da prática de dar carta de divórcio por qualquer coisa,
tornando uma pessoa não adultera em adultera. Assim, quem produzia o adultério era a
própria lei que estava sendo torcida pelo judaísmo.
No texto acima Jesus não está sancionado uma lei sobre o casamento, nem proibindo o
recasamento, tanto porque a própria lei de Deus o permitia. Jesus está questionando a atitude
dos fariseus que desejando outra mulher, repudiavam as esposas por qualquer desagrado,
jurando falsamente (5:33-37), e dando uma carta de divórcio que representava socialmente
um adultério, e levava a esposa fiel e o outro homem a um casamento que socialmente era
considerado adultério.
Um fato interessante do texto de Mt 5:32-33 é a ausência da carta de divórcio, assim,
alguns comentaristas afirmam que, repudiar a mulher e não dar carta de divórcio, exceto em
caso de relações sexuais ilícitas, expõe-na ao adultério, e o que casou-se com a libertada
também.
Outro texto relevante para compreensão da questão está em Mt 19:3-12
Nesse texto a intenção dos fariseus vem a tona: Procuravam experimentar Jesus vs.3;
perguntaram se é lícito repudiar a mulher por “qualquer motivo” (Fariseus da escola de
Hillel) Jesus responde com argumento teológico dizendo que não separe o homem o que
Deus uniu, ou seja, separa é ir contra Deus. Os fariseus replicaram com Moisés: Por que
Moisés mandou dar carta de divórcio e repudiar? Vs.7; No verso 9 Jesus expõe a mesma
questão de Mt 5:32-33, de forma mais clara:
Eu, porém, vos digo: quem repudiar sua mulher, não sendo por causa de
relações sexuais ilícitas, e casar com outra comete adultério e o que casar com
a repudiada comete adultério.
3. Nesse texto Jesus inclui “e casar com outra comete adultério”, assim Jesus revela o
verdadeiro sentimento dos fariseus, “casar com outra”; o vs.10 revela a safadeza farisaica, se
essa é a condição do homem (Fidelidade) melhor é não casar.
Jesus novamente não condena o recasamento, mas o adultério oculto na lei. Os fariseus
torciam a lei para fazer com que a mulher fosse culpada e eles pudessem repudiar sem dar
carta de divórcio ou com carta de divórcio apontando o adultério, dessa forma não eram
obrigados a pagar a multa por violação do contrato de casamento (Joachim Jeremias), e
socialmente tornavam-se bem vistos. Jesus está condenando essa atitude de destruir o
próximo para obter vantagem financeira e social.
Assim, a interpretação do senso comum é inválida:
Jesus não está tratando da questão do recasamento, mas da intenção pervertida do Fariseu, e
da injustiça produzida pela carta de divórcio.
A carta de Divórcio é muito diferente do divórcio brasileiro: A carta de divórcio do judaísmo
representa que a mulher é uma adultera. Carta de divórcio é certificado de infidelidade
conjugal e o homem que casou com a mulher com a carta só pode ser o adultero que traiu
o “justo fariseu”. Ou seja, somente o cúmplice da traição (que na verdade não existiu) se
casaria com uma mulher com certificado de infidelidade, assim, dificilmente ela se
casaria novamente porque nenhum homem iria assumir um adultério que não cometeu.
Assim quando o texto diz: “a expõe ao adultério” não está dizendo que a mulher
adulterou, ou que adulterará, pois pela lei a repudiada é livre para assumir novas núpcias,
entretanto a carta de divórcio “sem justa explicação” faz com que a sociedade trate a
mulher como uma adultera; e o homem que casou com ela também não adulterou por
casar-se, pois ela estava livre pela lei para contrair novas núpcias; entretanto será
considerado cúmplice do adultério que gerou o divórcio, mesmo que não o seja.
O senso comum autoriza o recasamento somente em caso de adultério, que é pior. E os casos
de injustiça e opressão são penalizados com a impossibilidade do casamento. Em algumas
igrejas o radicalismo chega a proibir todo e qualquer tipo de núpcias, indo totalmente
contra a lei de Deus em Dt 24:2-3.
No texto de Lucas 16:18 Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete adultério; e
aquele que casa com a mulher repudiada pelo marido também comete adultério. Segue a
mesma interpretação.
No texto de Marcos 10:4-12
A idéia está centralizada em 10:10-11 “Em casa, voltaram os discípulos a interrogá-lo
sobre este assunto. E ele lhes disse: Quem repudiar sua mulher e casar com outra comete
adultério contra aquela. E, se ela repudiar seu marido e casar com outro, comete
adultério”. O texto deve ser completado com as idéias dos outros, o repúdio era autorizado,
a banalização do repúdio era o problema, assim como a identificação do casamento como
sendo uma instituição social e não religiosa. Para Jesus é justamente por ser de Deus que
deve ser preservado, entretanto o adultério é considerado apenas contra o cônjuge e não
contra Deus. Assim, Jesus continua apenas repreendendo os fariseus e suas torções da lei e
da justiça para proveito próprio.
Qual a intenção de Jesus em comparar o divorcio (permitido por lei) com o adultério (maior
perversão no sistema legal judaico) revelar “Com o vosso direito encobris injustiça terrível”
4. Assim, a Bíblia não condena o recasamento nem o divórcio, entretanto ressalta várias
vezes o valor do casamento, o cuidado por ser instituição divina, o cuidado pela mulher,
muitas vezes oprimida e fragilizada pelas injustiças da lei judaica. Adultério para Jesus em
relação ao casamento é o ato de desejar outra pessoa estando ainda casado(a), jurar em falso
(criar situação de divórcio afim de parecer inocente) planejando casar-se com outra pessoa, e
casar-se após o divórcio. A parte oprimida pela injustiça da lei não está em adultério, está
livre pela lei, entretanto é mal vista pela sociedade, de forma que, tanto a mulher
repudiada/livre e seu novo resgatador/casamento são vistos como adultério.
Conselhos para lidar com casos de adultério na Igreja Atual sem ferir a Bíblia
Identificar o reto Papel do Pastor
O Pastor não é Juiz, assim não lhe cabe o julgamento das partes, antes
como Cristo a defesa das partes é seu principal propósito (Jo 8 – A mulher
adultera).
Na atualidade a igreja toma partido e procura destruir as pessoas
envolvidas como se estivesse limpando a sujeira da casa (Que atire a primeira
pedra quem não tem nenhum pecado).
Se o caso não é público, não o torne público. Trate no gabinete, e
qualquer pessoa que comentar (fofocar) use da prerrogativa pastoral e corrija de
forma a controlar pessoalmente o caso.
Se forem líderes tome cuidado para não perde-los. O acompanhamento
pessoal é o melhor caminho, mas tome cuidado, algumas famílias tendem a
querer manipular o pastor e suas decisões. Se conseguirem uma vez sempre
tentarão chantageá-lo para fazer suas vontades. (A ovelha não deve mandar no
pastor, mas respeitá-lo)
Se forem crentes novos ou fracos, a estratégia de Satanás é produzir
comentários e fofocas de forma a deixá-los constrangidos e afastá-los da Igreja,
nessa estratégia satanás faz com que os irmãos da igreja tomem partido de Deus
e excluam os “pecadores” de seu meio social terminando de destruir a pessoa.
Indo totalmente contra a Bíblia.
Se o caso for público. É preciso que o Pastor use da prerrogativa pastoral.
Informe a Igreja que o Pastor é você, que está cuidando do casal pessoalmente,
peça orações, pois o papel do pastor e da igreja é restaurar as vidas e não
promover o julgamento antecipado (tentar retirar o joio Mt 13:29). O desejo de
satanás é produzir ira e revolta no coração de forma que o desejo se torne contra
o irmão e não a favor (1Jo 3:15; 4:20-21).
Orientar as famílias envolvidas diretamente. Explicar os textos, ensinar sobre a
possibilidade do recasamento como lei de Deus, explicar os erros de interpretação do
passado e acompanhar as famílias promovendo restauração e abolindo o senso de
julgamento e destruição.
O Casal deve ser acompanhado de perto. Deve ser ouvido e auxiliado em seus
traumas e dificuldades. É importante avaliar o amor enquanto intimidade, pois nestes
casos, como um dos cônjuges possui experiência, ou quando ambos possuem, vários
estágios do relacionamento são antecipados o que poderia prejudicar o casamento.
Ore e peça a Deus sabedoria para poder acompanhar o casal.