1. A sempiterna questão de um esquecimento selectivo
Pensar a Palestina também é uma questão de uma memória afectada pelo vírus do
esquecimento colectivo e selectivo dos factos, para alimentar uma fábula entranhada de
princípios humanísticos propositadamente deturpados e desviados da origem. Aqueles
princípios que não promovem a nossa pertença comum à Humanidade, mas realçam
subtilmente a supremacia de uns sobre outros, o ocidente sobre o resto, o norte sobre o sul,
uma cultura sobre outra, os ricos sobre os pobres 1 , sempre na lógica dicotómica propagando e
formulando dogmatismos, onde se configuram e inscrevem «maus extremismos» e «bons
extremismos» (também!). Curiosamente, a recuperação de uma memória histórica tem sido
uma questão central no nosso mundo. Recuperamos a memória das línguas aceitando o seu
irremediável desaparecimento, recuperamos (tardiamente é certo!) as memórias sujas dos
nossos tiranos ditatoriais, dos nossos «colaboracionistas», dos nossos colonialismos, dos
nossos pactos silenciosos com guerras viciadas, etc. Tratamos de recuperar ou salvar os
patrimónios materiais e imateriais e à revelia dos factos continuamos a limar mitos e fantasias
para assegurar a supremacia de uma cultura ocidental com olhos atentos virados para o
«exótico». O Outro não é mais que um prolongamento a recuperar e moldar à nossa imagem.
O grande problema é que isto tem-nos levado a excessos e deturpações ingénuas e
avassaladoras.
No início de todos os anos, somos abundantemente regados por discursos imbuídos de
um significado desviante propagando o erro e o simulacro. Não nos iludamos com declarações
de intenções e mensagens falaciosas, mas eludamos os mensageiros dessas mensagens ou
então enfrentemo-los e confrontemo-los! 2 . Na contemporaneidade, o esquecimento, o desvio,
1
Daí termos ouvido o Ministro israelita do Interior, Eli Yishai, dizer "The goal of the operation is to send Gaza
back to the Middle Ages. Only then will Israel be calm for forty years." («O objectivo da operação é de reenviar
Gaza para a idade média. Só então Israel ficará calma por quarenta anos») (Tradução nossa). Fonte:
http://www.aljazeera.com/indepth/opinion/2012/11/2012111912538816887.html . Ler também este artigo de
opinião de A. Gresh: http://blog.mondediplo.net/2012-11-18-Gaza-Nous-les-ramenerons-au-Moyen-Age
2
Referência ao alegre e ignaro descaramento das palavras proferidas pelo Presidente da República portuguesa a 1
de Janeiro de 2012 quando nos disse: «(...) No ano que agora começa, as dificuldades não irão ser menores.
1
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2. a fragmentação e a multiplicação de dados é a arma dos governos e dos media a saldo daquilo
que nos têm dito ser os «maiores interesses», essa coisa impalpável, não identificável!. É
através do uso de uma língua numa linguagem formatada obedecendo a princípios falseados e
chavões desviantes que genuinamente somos levados a acreditar, em nome de uma
humanidade que se limita ao nosso indivíduo ocidental, e a defender uma forma de viver no
mundo, sendo que implica pactuarmos com este novo tipo de OVNI, Objecto Voraz Não
Identificável (Os tais interesses maiores que, por questões óbvias, nos deixam no limbo da
indefinição. Não se sabe bem a que se aplica a palavra «maiores», nem se sabe ao certo de
cujos interesses se trata!) e seus fiéis satélites.
Neste contexto, voltando à Palestina, as razões deste histórico esquecimento, ou desta
limpeza histórica, são de várias ordens, todas elas ancoradas no sôfrego desejo de supremacia
do ocidente. Vejamos algumas, tendo em mente, contudo que as opções políticas dos
sucessivos governos de Israel têm obedecido a um verdadeiro programa enraizado no século
XIX 3 . Primeiro, no que nos concerne, estamos confrontados com aquela vergonha colectiva
que nos toca na nossa íntima construção identitária, devido à elaboração e reiteração de uma
responsabilidade e culpabilidade colectiva do ocidente no Holocausto. Por um lado, isto
reafirma um desejo evidente de supremacia ocidental, revestindo o rosto de uma certa
concepção da humanidade e da ideia da democracia, com base numa ideologia colonialista
ultrapassada que, com toda a crueza e frieza, se investiu num neocolonialismo fornecendo e
continuando de fornecer aos governos sionistas de políticas colonialistas, por necessária
oposição ao que podemos referir como sionismo cultural 4 , todos os motivos de chantagem
Esta é uma realidade que não pode ser iludida.(...)» http://www.presidencia.pt/?idc=22&idi=60565 Falta-nos
saber como fazer para eludir a realidade da sua mensagem para 2013.
3
Referimo-nos ao fundador do sionismo Theodor Herzl (1860 —1904) sobre quem se pode ler mais aqui:
http://en.wikipedia.org/wiki/Theodor_Herzl e a um programa de colonização explicitado nos diários de Herzl:
"When we occupy the land, we shall bring immediate benefits to the state that receives us. We must expropriate
gently the private property on the estates assigned to us. We shall try to spirit the penniless population across the
border by procuring employment for it in the transit countries, while denying it any employment in our country."
The Complete Diaries of Theodor Herzl", vol. 1 (New York: Herzl Press and Thomas Yoseloff, 1960), pp. 88, 90
4
http://en.wikipedia.org/wiki/Ahad_Ha%27am e http://en.wikipedia.org/wiki/Martin_Buber
2
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3. histórica e os instrumentos bélicos, capacidades financeiras e estratégicas de se realizar
concretamente no terreno, enquanto política de Estado. Este Estado auto proclamado como
sendo a «única democracia do Médio Oriente», mas que revela sérios indícios de ser um
estado com tendências totalitárias a todos os níveis, sendo de guardar memória que o Sionismo
foi considerado como «uma forma de racismo e de discriminação racial» pela resolução 3379
da Assembleia Geral da ONU, datada de 10 de Novembro de 1975 5 e que esta resolução foi
anulada, pela resolução 4686, a 16 de Dezembro de 1991 6 , em condições pouco claras, em
termos de justificação suficientemente válida, posto que envolveu a respectiva chantagem
exercida pelo governo de Israel e constituiu-se como condição prévia para iniciar as
negociações de Paz de Madrid. Por outro lado, o estado de Israel através dos seus
representantes, delegados e/ou embaixadores está continuadamente a relembrar-nos a nossa
culpa para alimentar uma adesão e apoio incondicional. Neste caso, basta relembrar as
palavras proferidas pelo embaixador de Israel 7 na Fundação Gulbenkian, em Outubro 2012,
tentando fomentar a culpa do povo português por meio da acusação, da coação e da ingerência
no contexto da educação.
Segundo, partindo desta culpabilização colectiva, Israel beneficia do supremo direito
de se estar continuadamente a defender e de ter todo o apoio de um certo ocidente para tal 8 .
Apesar de cada suposto «acto de defensa», que se alimenta na manipulação mediática e
naquele dilema tão apreciado pela natureza humana, ou seja, saber aquele que tem as culpas de
5
http://daccess-dds-ny.un.org/doc/RESOLUTION/GEN/NR0/000/92/IMG/NR000092.pdf?OpenElement
6
http://www.un.org/documents/ga/res/46/a46r086.htm
7
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/embaixador-de-israel-diz-que-portugal-tem-uma-nodoa-que-os-judeus-
nao-esquecem-1569558 e respectiva reacção do governo: http://www.publico.pt/politica/noticia/governo-
manifestou-desagrado-ao-embaixador-de-israel-1570518
8
Veja-se a recente declaração do Presidente norte-americano Obama (http://www.cbsnews.com/8301-250_162-
57551535/obama-israel-has-right-to-defend-itself/ ) relativamente à operação chumbo fundido (o relatório
Goldstone [ http://www2.ohchr.org/english/bodies/hrcouncil/docs/12session/A-HRC-12-48.pdf ]e os artigos de
Norman Finkelstein [http://normanfinkelstein.com/] são bastante esclarecedor sobre o assunto ). No que concerne
a mais recente «defesa» intitulada: Pilar de Defesa, sabemos que se tratou mais de uma operação de retaliação do
que de defesa. É importante notar que cada «defesa» Israelita tem um nome pomposo iludindo a nossa razão,
mas, pensando melhor, posto que se tem um nome, há um plano prévio, não é propriamente um acto espontâneo
de defesa!
3
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4. ter sido o «primeiro» a atacar, isto constituindo-se frequentemente na base do esquecimento
fomentado pelos medias e convocado para dar lugar a autênticos massacres da população civil
palestiniana.
Terceiro, porque verificamos que a legitimidade de Israel está sempre a ser evocada
pelos seus mais variados defensores e representantes, indicando, claramente, que esta
preocupação constante de legitimidade, apenas confirma o receio da evidência e da
consciência das suas bases ilegítimas. A criação do Estado de Israel fundamentou-se numa
série de ilegalidades, abusos e desejo de poder e cegueira do mundo ocidental, tal como os
acordos Sykes–Picot recentemente questionados pela Turquia 9 , tal como a evidente
«ilegalidade» da declaração Balfour 10 e ainda a intervenção da SDN/ONU nas resoluções que
definem territórios, sendo que não vai ao encontro da Carta das Nações Unidas 11 e finalmente
por Israel nunca ter cumprido com os requisitos da resolução 273 12 , datada de Maio 1949, que
o admitia no seio da ONU. Podemos intuir que estes factos justificam a permanente e quase
doentia insistência de Israel em querer ser reconhecido, quando já o foi historicamente por
vários países, inclusive pela OLP, em 1993, com Arafat 13 . Este reconhecimento foi um
compromisso com uma série de acontecimentos nitidamente injustos para com o povo
palestino. Contudo, desde 2011, temos vindo a saber da insistência de Israel em ser
reconhecido como estado judeu 14 . Esta última exigência que nos deve levar a uma longa e
necessária reflexão, tem vindo a ser legitimada pelo silêncio, pela condescendência, pela
reiterada culpa «comum» do mundo ocidental, apesar de não ir ao encontro dos grandes
argumentos que rotulam Israel como sendo a «única democracia» do médio oriente e apesar de
não ter sido uma questão discutida no seio da sociedade civil de Israel. O aparecimento de um
9
Veja-se este artigo de opinião: http://weekly.ahram.org.eg/2011/1066/in2.htm
10
http://en.wikipedia.org/wiki/Balfour_Declaration
11
http://www.un.org/en/documents/charter/
12
http://unispal.un.org/UNISPAL.NSF/0/83E8C29DB812A4E9852560E50067A5AC
13
Ler a correspondência trocada entre Arafat e Rabin aqui: http://www.monde-diplomatique.fr/cahier/proche-
orient/lettre93-fr
14
http://blog.mondediplo.net/2011-05-18-L-Etat-juif-contre-les-juifs mas também
http://blog.mondediplo.net/2011-08-01-Israel-Etat-juif-Doutes-francais e http://www.huffingtonpost.com/mj-
rosenberg/the-bogus-demand-to-recog_b_765218.html
4
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5. estado religioso, uma teocracia, mesmo sendo um estado de raiz judeo-cristã deve suscitar
algum receio junto de todos os estados chamados, ou com desejos, «democráticos». Por outro
lado, a justificação religiosa destas exigências deve ser revisitada à luz da realidade expressa
por Shlomo Sand no livro intitulado «Como foi inventado o povo judeu» 15
Quarto, porque recentemente verificámos num artigo acompanhado de um mapa
delineando e salientando as questões de autonomia energética de Israel 16 , uma postura que vai
nitidamente ao encontro das múltiplas intervenções levadas ilegalmente a cabo revelando o
desejo do ocidente de «reinstalar» o seu poder na região.
Então, desviam-se todos princípios básicos que regem a nossa humanidade, alimenta-
se a mentira, fomenta-se o esquecimento para engordar o desejo de poder do ocidente? Vale
tudo? Mesmo pactuar com um lento e cruel genocídio?
15
Ler o artigo de M. Rodrigues sobre o livro: http://www.odiario.info/?p=2727
16
http://www.voltairenet.org/article174007.html
5
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