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A ARANHA E O OURIÇO Texto de  Soledade Martinho Costa  (do livro «Histórias que o Verão me Contou») Imagens de pesquisa da internet Montagem de Helena Gonçalves 2009
- Se não me engano, é a raposa que lá vem, mais os seus raposecos. Caminha à surrelfa, a manhosa, por entre o matagal! – Diz a aranha, de atalaia no alto da teia onde vive.
- Nesse caso, o melhor é esconder-me. – Comenta, precavido, o ouriço-cacheiro, olhar míope, na distância do mato.
- Nem os espinhos lhe valem, compadre Ouriço? – Zomba a aranha, agora presa no fiozinho da teia.
- Valerem, sempre valem, ora essa! Mas com a Raposa, nunca fiando… - A mim, não me apoquenta ela. – Torna a aranha. - E de que valia à Raposa apoquentá-la?! Não lhe servia nem para a cova de um dente!
- À falta de melhor, quem sabe. – Replica a aranha, sem se dar por vencida. - A mim, sim. A mim ferrava ela o dente, se pudesse. Eu é que lhe troco as voltas. - A esconder-se, não? – Troça a aranha sob a teia, em equilíbrios de trapezista.
E logo o outro, a mostrar ofensa: - A senhora Aranha sabe muito bem que não sou medroso. Sou asseado, trabalhador, e não gosto de zaragatas…Medroso, não. Quanto muito, sou prudente. - Tem razão, senhor Ouriço-Cacheiro, tem razão. Pronto, não se zangue, eu só estava a brincar. - Pois, mas há coisas com as quais não se brinca. O que tenho é motivos para me esconder da Raposa, só isso…
E a aranha, curiosa, suspensa da teia: - Motivos? Que motivos? Ora conte, senhor Ouriço-Cacheiro, conte lá que sou toda ouvidos! E o ouriço, que destrói os ratos e os insectos, e à noitinha trabalha nas hortas, a limpá-las das lesmas e dos caracóis, não se faz rogado e põe-se a contar:
- É assim: quando a Raposa quer apanhar um Ouriço, e ele se enrola numa bola de espinhos, para defender-se, tem o feio costume de lhe fazer chichi em cima. Enojado, o Ouriço desenrola-se, e ela ferra-lhe o dente aqui, na parte inferior do corpo, onde os Ouriços não têm picos. – E mostra a zona do corpito, desprovida de cerdas.
- E era uma vez um Ouriço, calculo! – Exclama a aranha, arrepiada, na pontinha da teia. - Nem mais. – Remata o ouriço-cacheiro. - Então, é melhor esconder-se e depressa, ó senhor Ouriço. Olhe que a Raposa não tarda aí!
- Como estamos ainda no Verão, segue com os filhotes a caminho das searas. Antes ou depois da ceifa, no restolho, não lhe vão faltar ratos, arganazes e passarada com fartura. Por isso, muda de covil, a espertalhona…
E o ouriço-cacheiro, numa pressa, enrola-se, bolinha de picos, bem escondido dos olhos da raposa matreira. A aranha, essa, lá fica, oito patitas a tecer a teia, sem motivo para alarme.

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A Aranha E O Ouriço

  • 1. A ARANHA E O OURIÇO Texto de Soledade Martinho Costa (do livro «Histórias que o Verão me Contou») Imagens de pesquisa da internet Montagem de Helena Gonçalves 2009
  • 2. - Se não me engano, é a raposa que lá vem, mais os seus raposecos. Caminha à surrelfa, a manhosa, por entre o matagal! – Diz a aranha, de atalaia no alto da teia onde vive.
  • 3. - Nesse caso, o melhor é esconder-me. – Comenta, precavido, o ouriço-cacheiro, olhar míope, na distância do mato.
  • 4. - Nem os espinhos lhe valem, compadre Ouriço? – Zomba a aranha, agora presa no fiozinho da teia.
  • 5. - Valerem, sempre valem, ora essa! Mas com a Raposa, nunca fiando… - A mim, não me apoquenta ela. – Torna a aranha. - E de que valia à Raposa apoquentá-la?! Não lhe servia nem para a cova de um dente!
  • 6. - À falta de melhor, quem sabe. – Replica a aranha, sem se dar por vencida. - A mim, sim. A mim ferrava ela o dente, se pudesse. Eu é que lhe troco as voltas. - A esconder-se, não? – Troça a aranha sob a teia, em equilíbrios de trapezista.
  • 7. E logo o outro, a mostrar ofensa: - A senhora Aranha sabe muito bem que não sou medroso. Sou asseado, trabalhador, e não gosto de zaragatas…Medroso, não. Quanto muito, sou prudente. - Tem razão, senhor Ouriço-Cacheiro, tem razão. Pronto, não se zangue, eu só estava a brincar. - Pois, mas há coisas com as quais não se brinca. O que tenho é motivos para me esconder da Raposa, só isso…
  • 8. E a aranha, curiosa, suspensa da teia: - Motivos? Que motivos? Ora conte, senhor Ouriço-Cacheiro, conte lá que sou toda ouvidos! E o ouriço, que destrói os ratos e os insectos, e à noitinha trabalha nas hortas, a limpá-las das lesmas e dos caracóis, não se faz rogado e põe-se a contar:
  • 9. - É assim: quando a Raposa quer apanhar um Ouriço, e ele se enrola numa bola de espinhos, para defender-se, tem o feio costume de lhe fazer chichi em cima. Enojado, o Ouriço desenrola-se, e ela ferra-lhe o dente aqui, na parte inferior do corpo, onde os Ouriços não têm picos. – E mostra a zona do corpito, desprovida de cerdas.
  • 10. - E era uma vez um Ouriço, calculo! – Exclama a aranha, arrepiada, na pontinha da teia. - Nem mais. – Remata o ouriço-cacheiro. - Então, é melhor esconder-se e depressa, ó senhor Ouriço. Olhe que a Raposa não tarda aí!
  • 11. - Como estamos ainda no Verão, segue com os filhotes a caminho das searas. Antes ou depois da ceifa, no restolho, não lhe vão faltar ratos, arganazes e passarada com fartura. Por isso, muda de covil, a espertalhona…
  • 12. E o ouriço-cacheiro, numa pressa, enrola-se, bolinha de picos, bem escondido dos olhos da raposa matreira. A aranha, essa, lá fica, oito patitas a tecer a teia, sem motivo para alarme.