O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
Manual Dos Dialogos Contra O Racismo
1. Contribuições para a Campanha
“Onde Você Guarda o seu Racismo?”
Contribuições para a Campanha “Onde você guarda o seu racismo?”
2. 2
I. Os Diálogos Contra o Racismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04
II. A Campanha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 06
- Por que uma campanha contra o racismo?
- Que campanha é essa?
- O que é “guardar”?
- Vamos gerar debates reais e virtuais
III. Alguns dados sobre a configuração racista de nossa sociedade . . . . . 07
- Pobreza
- Trabalho e renda
- Mulher negra
- Empresas
- Saúde
- Violência
- Educação
- Apartheid digital
- Meios de comunicação
IV. Questões que pautam a discussão do racismo no Brasil . . . . . . . . .15
- Racismo à brasileira: o racismo cordial
- É possível definir quem é negro no Brasil?
- A pobreza é o problema?
- Lutar contra o racismo é praticar racismo ao contrario?
V. Algumas definições rápidas de termos chaves . . . . . . . . . . . . 18
- Ação afirmativa
- A importação de modelos e conflitos
- Apartheid
- Branquitude
- Cotas
- Direitos humanos
- Discriminação
- Discriminação racial
- Diversidade
- Eqüidade
- Estereótipo
- Gênero
- Interseccionalidade
- Meritocracia
- Mestiçagem
- Mulato
- Políticas universalistas
- Preconceito
- Racismo
VI. Por que defender as cotas nas universidades? Respondendo algumas questões . 23
- Por quê cotas para afrodescendentes nas universidades?
- Cotas: uma discriminação ao contrário?
- Política de cotas passa atestado de incompetência dos negros?
- As cotas criam clima de guerra entre alunos negros e brancos?
- Com as cotas, a qualidade do ensino vai cair ainda mais
- Cota é demagogia e má fé
VII. Compilação das principais leis nacionais e internacionais sobre o racismo . . 26
VIII. Relação de entidades que participaram dos Diálogos entre 2001 e 2004 . . 31
3. 3
sta publicação foi elaborada como subsídio para a Campanha “Onde você
E
guarda o seu racismo?”
É dirigida às entidades que apóiam a campanha e reúne alguns dos
argumentos que podem ser úteis como subsídio para futuras discussões em outros
momentos e lugares.
Sistematiza um terreno já conhecido e, também, procura colocar em foco, de
uma forma diferente, questões que muitas vezes levam a impasses.
Certamente defende uma posição ativamente anti-racista.
Portanto, não se preocupou em incluir os argumentos em defesa da atual
situação ou que tendem a ser úteis a essa defesa.
Mesmo assim, quem lê estas contribuições vai descobrir que essas questões
estão presentes: a publicação é uma espécie de resposta a elas.
Esta contribuição pretende não só explicar como os Diálogos entre as 40
entidades chegaram a ponto de lançar uma campanha pública, mas apresentar
algumas posições que se tornaram consensuais durante o processo.
I - Os Diálogos contra o Racismo
4. 4
M
uitas pessoas concordam, em princípio, sobre a necessidade de uma
sociedade sem racismo. Mas, na prática, no Brasil, até agora, têm sido
pessoas e entidades do movimento negro que vêm se empenhando na
construção dessa sociedade. Os Diálogos contra o Racismo surgiram porque
pessoas e entidades constataram a necessidade de envolver organizações e
pessoas fora do movimento negro nessa luta.
A ocasião da constatação de que há poucas organizações e pessoas
envolvidas com o combate ao racismo no Brasil, foi nos preparativos para a III
Conferência Mundial Contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas
Correlatas de Intolerância. A III Conferência Mundial contra o Racismo, a
Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância teve lugar
em Durban, na África do Sul, de 31 de agosto a 7 de setembro de 2001.
A Conferência teve por objetivo fazer um diagnóstico
mundial das formas de racismo, discriminação e intolerância
(racial, de gênero, étnica, religiosa, contra migrantes),
identificar suas vítimas, elaborar medidas de prevenção e
combate ao racismo e obter dos governos o compromisso
de providenciar recursos para combater o problema,
implementando estratégias de promoção da igualdade e
erradicação do racismo.
Como resultado final, a III Conferência Mundial produziu uma Declaração e
um Plano de Ação. Esses dois documentos contêm recomendações para os
governos e apontam para áreas de atenção no combate ao racismo, à xenofobia e a
outras intolerâncias. Para informações sobre a Conferência de Durban ver site:
www.un.org/WCAR/ http://www.un.org/spanish/CMCR/
A partir dos processos da Conferência de Durban, um conjunto de redes e
organizações da sociedade civil brasileira iniciou a construção de alianças e
parcerias para que fosse reconhecida a importância do tema do racismo para todos
e todas, dando fim à compartimentalização do debate.
No período pós-Durban, os Diálogos Contra o Racismo deram continuidade a
esse processo de sensibilização e acolhimento de pessoas e organizações com
vistas, também, a aproximar organizações de diferentes movimentos sociais, criando
um fórum para que expusessem claramente posições, tensões e contradições e, a
partir daí, lançassem as bases para a confiança política entre interlocutores.
Foram realizados, no Rio de Janeiro entre 2001 e 2003, quatro Diálogos
Contra O Racismo, que reuniram pessoas e organizações interessadas. As idéias
sobre possíveis estratégias e caminhos de ação na luta contra o racismo estiveram
presentes desde o primeiro Diálogo e foram se ampliando à medida que as
discussões avançavam.
A primeira reunião foi marcada por arestas e conflitos na perspectiva de uma
aliança. Os debates sobre essa possibilidade esbarravam nos limites e condições
de alianças entre os participantes, cuja experiência de vida e entendimento sobre a
questão eram diferenciadas.
5. 5
Assim, na segunda reunião dos Diálogos, avanços foram feitos no sentido de
propostas efetivas de ação contra a discriminação racial. Os participantes
consideraram como uma enorme vantagem para o Diálogo o fato de que, apesar de
diferenças de tamanho e alcance, todas as entidades envolvidas tinham direito de
propor e de decidir igualmente.
No terceiro Diálogo, salientou-se a necessidade de incorporar novos
parceiros e organizações da sociedade civil. Observou-se, em especial, a
importância de sua ampliação para chegar ao público em geral, assim como a de
aproximar diferentes organizações para, a partir da discussão, romper o silêncio e
quebrar a solidão.
No quarto Diálogo foi esboçado um projeto de Campanha publicitária e uma
atividade pública foi realizada, convidando várias entidades e pessoas para
apresentar ações que vêm dando certo no combate ao preconceito racial no País e
engajar instituições, empresas e pessoas em um diálogo permanente. Na ocasião
foram mostrados filmes, depoimentos e casos de ações afirmativas que se
multiplicam pelo Brasil (em empresas, na mídia, nas escolas, nos órgãos de governo
e nas universidades).
Os Diálogos foram realizados a partir de Seminários, reuniões, conversas, e
no quarto Diálogo as organizações participantes avaliaram a possibilidade de se
realizar uma campanha pública destinada a estimular uma discussão ampla das
relações raciais e propor formas de combater a
desigualdade racial, nas diversas instâncias e instituições
da sociedade. Portanto, a Campanha é um passo inicial para
estimular o debate sobre o racismo, na perspectiva de criar
um consenso favorável a políticas e ações públicas. Um
passo fundamental: conseguir franquear a palavra para
quem quer falar sobre racismo. A ocultação tem sido a marca
do racismo no Brasil. Tanto é que, no país, temos variados “chavões” para colocar
no lugar: “apartheid social”, “democracia racial” e outros eufemismos para manter o
mito das relações raciais cordiais.
“O racismo no Brasil, em sua camuflada concretude, só ganha contornos de
questão política a partir do momento em que os
sujeitos que são por ele, direta e cotidianamente
atingidos, amplificam suas vozes de maneira que
é impossível não serem ouvidas. Talvez a
sociedade brasileira já seja capaz de ouvi-las,
mas ainda não consegue entendê-las em seu
sentido ético e político...” (Taciana Gouveia / SOS
Corpo, Jornal Fêmea 129/2003)
http://www.cfemea.org.br/jornalfemea/edicoes.asp?ano=2003)
“Você não é racista, certo?“ / Cartaz da
Conferência Mundial Contra o Racismo
“Se a nossa força é a palavra, só tem uma forma de exercer o diálogo: abrir o
diálogo para os que não puderam ainda falar, nem ser ouvidos. Que nosso diálogo
seja provocador de outros diálogos.” (Iradj Egrari, da Comunidade Baha’i.)
II - A campanha
6. 6
A Campanha “Onde Você Guarda o Seu Racismo?” é realizada pelos Diálogos
Contra o Racismo, iniciativa que reúne mais de 40 instituições da sociedade civil
na luta pela união de pensamentos voltados para a igualdade racial no Brasil.
A Campanha “Onde Você Guarda o Seu Racismo?” nasceu de uma
provocação antiga que ativistas do movimento negro têm feito para organizações da
sociedade civil, envolvidas na luta contra a discriminação e a exclusão social: “o
Brasil é o único país no mundo em que não se constituiu um setor anti-racista que
não seja negro. A campanha representa um momento de manifestação pública do
setor não negro, um posicionamento político efetivamente e explicitamente anti-
racista”. (Sueli Carneiro, filósofa, coordenadora do Geledés – Instituto da Mulher Negra)
. Por que uma campanha contra o racismo?
Pela razão mais óbvia. O racismo existe, faz mal e se manifesta de diferentes
formas. Às vezes são atitudes discretas, sutis, quase imperceptíveis. Outras vezes
são agressões, presentes em um olhar, um comentário, uma “piada” ou uma reação
física.
Os Diálogos Contra o Racismo têm a missão de combinar propostas de
mudanças de atitudes com a divulgação consistente de informações nos meios de
comunicação.
. Que campanha é essa?
O projeto tem vários objetivos, como a troca
de idéias, o sentimento coletivo de
compromisso com a igualdade, mudanças de
hábitos, atitudes e pensamentos. O
caminho? Pensar e agir para mudar as
relações raciais no Brasil, demonstrando e
discutindo as várias formas de guardar o
racismo, todas elas são nocivas, destrutivas
e contagiosas.
. O que é “guardar”
Os dicionários dizem que é o mesmo que defender, conservar, manter,
preservar. Então não importa se você guarda o seu racismo na
cabeça, no coração, nas palavras ou em qualquer outro lugar. Se
você admite que guarda esse sentimento em algum lugar, é hora de
repensar seus conceitos e tomar atitudes. Converse com sua família, com seus
amigos, ensine, troque idéias, denuncie abusos se for necessário, mas faça
acontecer nossa luta contra o racismo: uma luta pela igualdade racial.
O racismo permeia nossa sociedade e para se ver livre dele, precisamos
tomar posição a respeito. A jornalista Miriam Leitão diz que a sociedade brasileira é
como um alcoólatra: bebe e não admite o mau que faz. O problema não é sentir
culpa pelo passado, é entendê-lo e transformar as possibilidades futuras.
7. 7
. Vamos gerar debates reais e virtuais
A campanha foi desenvolvida para funcionar em qualquer estrutura social:
instituições, escolas, empresas, sindicatos, mídia e órgãos governamentais, com
apoio não só da campanha pública, mas também do site dos Diálogos -
www.dialogoscontraoracism.org.br. A idéia é que os Diálogos que desembocaram
na iniciativa desta Campanha se proliferem, gerando discussões sinceras e
construtivas em muitos ambientes físicos e virtuais.
Resumindo: “A campanha é inovadora porque criada por brancos e não brancos,
fato inédito na sociedade brasileira, e por essa razão tende a mobilizar e a
sensibilizar para que se crie uma coalizão contra o racismo. Ela pode
ajudar a sociedade a entender que o problema do racismo é um
problema de todo mundo e não apenas da raça negra. Resolver o
racismo tem que ser um compromisso de todas as pessoas que
querem igualdade, que querem justiça, que querem pessoas felizes. A
campanha pode, ainda, ajudar a afirmar: “Bom; a questão do racismo
não é um problema do movimento negro”. "O racismo é um problema
também do meu movimento: do meu bairro; do meu sindicato; é um problema de
todo mundo que quer um mundo melhor.” (Silvia Camurça, coordenadora executiva da
Articulação de Mulheres Brasileiras)
III. Alguns dados sobre as desigualdades raciais no Brasil
O
Brasil é o maior país do mundo em população afrodescendente, fora do
continente africano.
O Brasil foi o último país a abolir a escravidão negra.
Foi também o país que mais importou africanos para serem escravizados: 4
milhões de pessoas.
“Os/as afrodescendentes são
Habitantes do Brasil
mais de 79 milhões de homens,
mulheres, crianças. Formam a
segunda maior população negra do
afrodescen-
mundo — atrás apenas da Nigéria.
dentes
brancos Representam 46% dos brasileiros.
Transbordam nas áreas pobres. São
quase invisíveis no topo da pirâmide
social. E enfrentam uma desvantagem
quase monótona nos indicadores
socioeconômicos: do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) à taxa de analfabetismo; do desemprego ao salário
médio; das condições adequadas de saneamento ao acesso doméstico à internet.”
(Flávia Oliveira, IETS O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade)
Pobreza
“Em todo o mundo... Minorias étnicas continuam a ser desproporcionalmente
pobres, desproporcionalmente afetadas pelo desemprego e desproporcionalmente
menos escolarizadas que os grupos dominantes. Estão sub-representadas nas
8. 8
estruturas políticas e super-representadas nas prisões. Têm menos acesso a
serviços de saúde de qualidade e, conseqüentemente, menor expectativa de vida.
Estas, e outras formas de injustiça racial, são a cruel realidade do nosso tempo, mas
não precisam ser inevitáveis no nosso futuro.” (Kofi Annan, Secretário Geral da ONU.
Março 2001)
Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) revelam que dos
22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros.
“A se considerar apenas o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos
brancos, o Brasil se colocaria entre os países de bom desenvolvimento humano (46º
lugar, numa lista de 173 nações). Mas, ao se considerar somente o IDH dos negros,
o País despencaria para o 105º lugar. O IDH leva em consideração uma série de
variáveis como escolaridade, acesso à saúde e renda. Neste último quesito, o vão
que separa os dois grupos é de cerca de 40%. Enquanto a renda per capita média
dos negros era de R$ 162,84 em 2000, a dos brancos atingia R$ 406,77.”
(reportagem OESP 16/02/03)
Trabalho e renda
Segundo dados de 2001 sobre a população ocupada de 25 anos ou mais de
idade, 41,1% dos brancos que trabalhavam ocupavam empregos formais
(empregados com carteira assinada ou funcionários). No entanto, esse era o caso
de apenas 33,1% dos afrodescendentes. Dos empregados sem carteira assinada,
são 12,3% dos empregados brancos, contra 17,3% dos empregados
afrodescendentes.
50%
40%
30%
Emp. formal
20% Emp. informal
10%
0%
brancos afrodescendentes
Dados divulgados pelo Ministério do Trabalho e da Justiça revelam que o
rendimento médio dos homens brancos é de 6,3 salários mínimos - SM; da mulher
branca é de 3,6 SM; do homem negro é de 2,9 SM e da mulher negra 1,7 SM. Ou
seja, as mulheres ganham em média metade do que ganham os homens, sendo que
as mulheres negras ganham quatro vezes menos que os homens brancos. O
emprego doméstico continua sendo a principal fonte de ocupação feminina, sendo
que 56% dessa categoria são mulheres negras, no entanto, apenas 1/3 tem seus
direitos trabalhistas assegurados. De uma forma geral, as mulheres negras têm um
maior índice de desemprego. Em 2000, na região metropolitana de São Paulo, a
taxa de desemprego dos homens era de 15%, a das mulheres brancas alcançava
18,9%, enquanto a das mulheres negras chegava a 25,1%.
9. 9
6,3
3,6 homem branco
2,9
mulher branca
1,7
homem negro
mulher negra
renda em salários mínimos
Mulher negra
“A discussão das desigualdades que atingem as mulheres negras no Brasil
comumente aponta para a presença de uma tríplice discriminação: por ser mulher,
negra e pobre. Se por um lado esse esquema de análise torna mais fácil a
compreensão de três poderosos fatores determinantes da violência estrutural que
nos atinge, por outro requer a compreensão de que a mulher negra, enquanto ser
indivisível, vivencia simultaneamente graus extremos de violência decorrente do
sexismo, do racismo e dos preconceitos de classe social, em um bloco monolítico e
tantas vezes pesado demais.”
1
(Jurema Werneck - A vulnerabilidade
escultura em marfim http://www.redesaude.org.br/jornal/html/body_jr23-jurema.html)
“No caso das mulheres negras, a discriminação é dupla, de gênero e de raça.
Muitas são submetidas a trabalhos precários, de baixa remuneração, violência e
abuso sexual, além do abandono que as obriga a assumirem sozinhas o sustento de
suas famílias.“ (Pres. Luiz Inácio Lula da Silva – discurso de posse da SEPPIR -
Secretaria Especial de Políticas para a Igualdade Racial)
As mulheres negras brasileiras estão entre os contingentes de maior pobreza
e indigência do país. Possuem uma menor escolaridade, com uma taxa de
analfabetismo 3 vezes maior que as mulheres brancas, além de uma menor
expectativa de vida. São trabalhadoras informais sem acesso à previdência,
residentes em ambientes insalubres e responsáveis pelo cuidado e sustento do
grupo familiar. Por sua vez, doenças que atingem mais as mulheres negras
brasileiras, como hipertensão arterial ou anemia falciforme, não são objeto de
nenhuma política específica de atendimento, levando ao agravamento da saúde
dessa população.
As mulheres negras estão, em sua maioria, em postos de trabalho mais
vulneráveis e precários (52,5%), ao lado de 37% das mulheres não-negras. Por
1
Site de leiloeiro. Sem referência de autoria.
10. 10
outro lado, apenas 4,3% das trabalhadoras negras ocupam postos de direção,
gerência ou planejamento, ao lado de 12,8% das mulheres ocupadas não-negras.
gráfico OIT – Organização Internacional do Trabalho – maio 2003
http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/info/download/presskit.pdf
As famílias chefiadas por mulheres correspondem a cerca de um terço das
famílias brasileiras. Nesse universo, as mulheres afro-brasileiras encabeçam 60%
do total das famílias sem rendimento ou com rendimento mensal inferior a um
Salário Mínimo. Já entre as famílias que recebem três ou mais salários mínimos, a
participação das chefiadas por mulheres afro-brasileiras cai para 29%.
Empresas
Do discurso à prática, ainda há muito a ser feito pelas empresas que se dizem
socialmente responsáveis. Essa é a conclusão de uma pesquisa feita pelo IBASE
(Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas).
O estudo mostra que, entre 2000 e 2002, o percentual de empregados pretos
e pardos aumentou de 8,5% para 13,7%, enquanto o de mulheres passou de 28%
para 30,1%. No entanto, negros, pardos e mulheres ainda são minoria em cargos
de chefia. São apenas 4,3% de pretos e pardos e 16,4% de mulheres nesses
postos.
A comparação foi feita analisando 561 balanços sociais publicados por 231
empresas nesse período. A maioria das empresas é de grande e médio porte.
Em 2002, um estudo do Instituto Ethos de Responsabilidade Social mostrou
que, em 94% das empresas pesquisadas, os cargos de diretoria eram ocupados por
brancos. (reportagem OESP 22/02/03)
Os empreendedores negros representam 22% do total de empregadores
brasileiros (contra 76% de empresários brancos), segundo um estudo do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) feito em 1999 pelo economista Marcelo Neri e
pelo estatístico Alexandre Pinto.
11. 11
gráficos OIT – maio 2003
http://www.ilo.org/public/portugue/region/ampro/brasilia/info/download/presskit.pdf
Saúde
A situação de desigualmente vivida pelos afrodescendentes no setor da
saúde reflete a desigualdade verificada no plano sócio-econômico.
Os índices de mortalidade infantil revelam 37,3% de mortes em cada mil
crianças brancas e 62,3% entre as crianças negras. Crianças negras apresentavam
índice de mortalidade 21% maior do que o das brancas (para cada mil nascidos
vivos morriam 76 brancos e 96 negros).
A anestesia no parto não é dada a mais de 12% das mulheres afro-brasileiras,
enquanto apenas 6% das mulheres brancas não têm acesso a esse serviço.
A expectativa de vida dos negros brasileiros é seis anos inferior à dos
brancos, eles têm 50% a mais de chance de morrer de Aids ou de causas externas
12. 12
(acidentes e violência) e uma renda familiar média equivalente a apenas 42% da
renda de famílias brancas. A expectativa de vida dos negros ao nascer, por
exemplo, é de 68 anos, em comparação com 74 para os brancos. De acordo com
um levantamento, em 2000, a taxa de mortalidade por AIDS no país foi de 11 por
100 mil para as mulheres brancas e 21 por 100 mil para as negras. Entre os
homens, os índices são de 22,77 por 100 mil para os brancos e 41,75 por 100 mil
para os negros.
Violência
Se observarmos o Brasil por composição das causas da mortalidade da
população branca do sexo masculino, entre 15 e 25 anos, 78% do total de mortes
nessa faixa etária são causadas por fatores externos, sendo que desses, 38,1% são
homicídios. Para os pretos esse percentual está também em torno dos 78%.
Porém, a taxa de homicídio entre os brancos é de 38,1%; para os negros, 52,6%.
Na Região Sudeste, dos jovens brancos que morrem, entre 15 e 25 anos, 45% são
por homicídios, entre os negros, o percentual sobe para 61%.
Na pesquisa "Discriminação Racial e Preconceito de Cor no Brasil", a
15%
51%
Fundação Perseu Abramo revela que 51% dos negros declararam já ter sofrido
discriminação por parte da polícia. Entre pessoas que se declararam da cor branca,
esse número cai para 15%. A Fundação avaliou, com 5003 entrevistas, a
discriminação racial e o preconceito de cor nos quesitos institucionais: polícia,
escola, trabalho, saúde e lazer. O índice de discriminação por parte da polícia é o
maior de todos.
Em São Paulo, Sérgio Adorno, pesquisador do Núcleo de Violência da USP,
demonstrou que o viés racial está presente nas decisões da Justiça paulista.
Analisando casos de roubo rigorosamente idênticos, Adorno constatou que negros
eram condenados em 68,8% dos casos e brancos em apenas 59,4% dos casos.
Túlio Kahn, pesquisador do
negros 280,5 Ilanud – Instituto Latino-americano das
Nações Unidas para Prevenção do
Delito e Tratamento do Delinqüente,
brancos 76,8 lembra que a taxa de encarceramento
por cem mil habitantes, em São
Paulo, é de 76,8 para brancos e 280,5
0 100 200 300 para negros. No Rio de Janeiro,
também, os negros estão sobre-
representados na população prisional,
pois constituem 40% da população do estado e 60% da população encarcerada.
(www.cesec.ucam.edu.br/artigos/Midia_body_JL31.htm - 9k)
13. 13
Educação
Em 2001, as taxas de analfabetismo para
pessoas de 15 anos ou mais de idade, ainda
eram duas vezes mais elevadas para os
afrodescendentes (18%) do que para os
brancos (8%). Mesmo no Nordeste, região
que possui as taxas mais altas do país, o
analfabetismo ainda era mais expressivo
entre os afrodescendentes (26%) do que
entre os brancos (19%). No Sudeste, onde
são encontradas as menores taxas do Brasil, os afrodescendentes (11,5%) também
apresentam uma taxa significativamente superior a dos brancos (5,4%). (Desigualdade
Racial: Indicadores Socioeconômicos – Brasil, 1991-2001 - Sônia Tiê Shicasho (Org.), IPEA,
Brasília, 2002)
No ensino fundamental, os pretos e pardos representam 53,2% do total de
alunos, e os brancos são 46,4%. Já na pós-graduação, o índice de participação de
afrodescendentes é de 17,6%, enquanto os brancos somam 81,5% do total.
(Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística de 2002 tabulados
pelo INEP – Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira –
http://www.inep.gov.br/informativo/informativo66.htm)
Considerando o caso dos chamados analfabetos funcionais, ou seja, adultos
com menos de quatro anos de estudo, nos dados relativos ao ano de 1999, observa-
se que 26,4% dos brancos se enquadram nessa categoria, contra 46,9% dos
afrodescendentes. “Portanto, em 1999, temos um diferencial de mais de 20 pontos
percentuais entre negros e brancos, e quase a metade da população negra com
mais de 25 anos pode ser considerada analfabeta funcional”. (Ricardo Henriques,
2000:31)
“Baseada em dados do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) de
2001, a pesquisa mostra que, dos 3,7 milhões de alunos matriculados na 4ª série em
escolas públicas e privadas, 12% se declararam negros e 44%, brancos. O
percentual de negros diminui para 8% na 8ª série e para apenas 6% no 3º ano do
ensino médio. O caminho é inverso para brancos: 46% e 54%, respectivamente.”
(Luciana Constantino, Agência Câmara)
(parte do gráfico) Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001.
http://www.iets.inf.br/acervo/Artigos/Analfabetismo%20no%20Brasil.pdf
“No Brasil, a última carantonha da discriminação brotou no campus da USP
no começo de março. Segundo o jornal O Globo, pela primeira vez (!) em sua
história, a USP realizou um censo étnico entre seus 39.000 estudantes de
14. 14
graduação e constatou que há apenas 1,3% de negros.” Colunista Luiz Felipe de
Alencastro, historiador e professor titular da Universidade de Paris/Sorbonne. (Revista Veja.
19/03/03)
“De um total aproximado de 1.050 diplomatas brasileiros em ação, só uma
parcela de 0,7% não é branca.” (OESP. 06/02/03)
Apartheid digital
O Mapa da Exclusão Digital de 2001 revela: entre os brasileiros que têm
computador, 79,77% são brancos, 15,32% são pardos e 2,42%, pretos, o que
significa que, para cada preto/pardo com acesso à informatização, existem 3,5
brancos.
“A chance de um branco ter acesso a computador é muito maior.
Considerando condições iguais de renda e anos de estudo - ou seja, pessoas que
são iguais em tudo, menos na raça -, a possibilidade de um branco ter acesso à
Internet é 167% maior”, afirmou Marcelo Neri, do Centro de Políticas Sociais da
FGV/RJ. Para ele, essa diferença justifica a criação de programas de inclusão
digital específicos voltados para afrodescendentes. (Revista Veja. 09/04/03)
afrodescen- Apartheid digital
dentes
brancos
Meios de comunicação
E qual seria o lugar do negro brasileiro na sociedade da informação?
Conforme Bernardo Ajzenberg, “ombudsman” da Folha de São Paulo, em seu
artigo Os invisíveis, “a discriminação racial... continua como tema tabu, sob disfarce,
de há muito desmascarado, da suposta democracia racial. E não configuraria
exagero afirmar que o seja justamente pelo grau de explosividade que carrega.
Com raríssimas exceções, o racismo e suas mazelas não freqüentam as pautas
diárias, estão alijados de qualquer iniciativa regular e permanente...” (Folha de S.
Paulo. 28/8/01).
“O racismo – o não reconhecimento da desigualdade racial e das suas
perversas conseqüências – se expressa em várias dimensões da vida social: no
mercado de trabalho, nos meios de comunicação, na educação, na saúde. O Brasil
sempre teve a ideologia de se afirmar como país branco. A mídia televisiva
expressa como nenhum outro instrumento este projeto de nação. A ação afirmativa
da Rede Globo, com a maior audiência do país, continua firme e forte, são um
15. 15
mínimo de 3 e um máximo de 6 negros no elenco de suas novelas que tem em geral
mais de 100 figurantes.” (Jacira Melo, diretora geral do Instituto Patrícia Galvão. 2004)
“A imprensa oferece a sua contribuição cumprindo a função de construir um
consenso negativo em relação ao tema seja se posicionando editorialmente, seja
ofertando preferencialmente os seus espaços às vozes contrárias e mantendo na
invisibilidade ou com espaços menores seus defensores. Articulam-se ao duplo
interesse de permanência do “status quo” excludente e, como alerta o sociólogo
José Ricardo, em artigo na Lista Racial online, “essa campanha contra as cotas
revela ainda o interesse das escolas privadas e do monopólio dos cursinhos de pré-
vestibular caríssimos, que assim têm reduzidas suas margens de alunos aprovados.“
E que são possuidores de gordas fatias do mercado publicitário nesses veículos de
comunicação.” (Sueli Carneiro, em coluna no Correio Braziliense. 28/02/03)
“A imprensa passa a cumprir papel retrógrado, virando propagandista do
racismo cordial brasileiro, colocando-se ao lado dos privilégios históricos da parcela
da população beneficiada pela invisibilidade dos negros e pela alegada ilegitimidade
da reparação das desigualdades sociais, que tentam naturalizar (e perpetuar), como
agora, ao tentar justificar que a pobreza não tem cor.” (Roberto de Carvalho, publicitário
e ativista social; artigo no site do Observatório da Imprensa em http://www.observatorioda
imprensa.com.br/artigos/da020420033.htm)
“Se há um tema em que toda a imprensa é unânime é no combate ao
sistema de cotas implantado este ano pela primeira vez na
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). O tema é polêmico,
gera paixões, acirra posições. E o pior: ameaça parcela significativa
da classe média branca com o risco real de perda
de direitos. Os jornais diários, as revistas
Orgulho de ser negro! semanais, todo o sistema midiático usou
expressões como ‘fracasso’, ‘fiasco’, ‘equívoco’
para qualificar a experiência [da UERJ]. Mas o
Orgulho de ser negra! mais grave – e preconceituoso – é a contraposição
‘mérito’ versus ‘cotas’, como se fossem coisas
antagônicas. Aos que passam no vestibular por
alcançarem boas notas é atribuído o qualificativo de "mérito"; por outro lado, os que
ingressam pelo sistema de cotas, ingressam por ‘cotas’, o que quer dizer, sem nota
suficiente – o que significa sem mérito. Uma boa nota, na imprensa, é vista apenas
como mérito. Ora, os mesmos dados e os mesmos resultados podem servir como
argumento para mostrar que apenas quem tem acesso a boas escolas consegue
boas notas, independentemente do mérito, aqui no sentido estrito do termo.”
(Victor Gentilli, jornalista; artigo no site Observatório da Imprensa em
www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da260220031.htm)
IV. Questões que pautam a discussão do racismo no Brasil
Racismo à brasileira: o racismo cordial
Pesquisa de opinião realizada pela Fundação Perseu Abramo revela que
87% dos brasileiros reconhecem que há racismo no Brasil. Curiosamente,
96% não se assumem como racistas. Assim, chegamos a um dos pontos-
chave da nossa Campanha: existe racismo sem racistas?
16. 16
”Nós estamos aqui para tratar de problemas com os quais ninguém gosta de
ser identificado: preconceito racial, discriminação, intolerância, racismo. Tem gente
até que acredita que eles não existem no Brasil. Ou pensa que, quando ocorrem,
prejudicam apenas algumas minorias. A realidade é bem diferente: esses males,
aparentemente invisíveis, causam muito sofrimento entre nós... Essa situação
injusta e cruel é produto da nossa História – da escravidão que durou quatro séculos
no Brasil, deixando marcas profundas em nosso convívio social –, mas é também
resultado da ausência de políticas públicas voltadas para superá-la.” (Pres. Luis
Inácio Lula da Silva, discurso de posse da SEPPIR, março de 2003)
“O mito da democracia racial foi forjado nos anos 30. Favoreceu a
industrialização e a modernização das estruturas sociais do país, mas tornou-se
poderoso instrumento de preservação do baixo perfil do papel ocupado por negros e
negras...” ( Marcelo Paixão, O Globo)
“Derrubamos o mito da Democracia Racial. Tentaram substituir, então, esse
mito pelo Racismo Cordial, no entanto, o amadurecimento político do movimento
negro venceu! Não há hoje mais como afirmar que não existe racismo, ou ainda de
que a convivência entre brancos e negros é pacífica, diante dos dados da exclusão.”
(Neide Fonseca, advogada, presidenta do INSPIR - Instituto Sindical Interamericano
pela Igualdade Racial; artigo na edição de maio/2002 da Revista Eparrei, CCMN)
É possível definir quem é negro no Brasil?
“...Em nosso país ser negro é uma escolha de identidade, a da ancestralidade
africana. Então ser negro é, essencialmente, um posicionamento político. .. Para
fins de estudos demográficos, a classificação racial do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) é a oficial do Brasil, que adota como critério básico
que a coleta do dado se baseie na autoclassificação. Isto é, a pessoa escolhe, num
rol de cinco itens (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) em qual ela se aloca. ...
Para a demografia, população negra é o somatório de preto+pardo. O conceito de
raça é uma convenção arbitrária, enquadra-se como uma categoria descritiva da
antropologia, baseada nas características aparentes das pessoas.”
(Fátima Oliveira. Identidade racial/étnica. Publicado em O TEMPO, BH, MG e republicada
em Afirma - www.afirma.inf.br/htm/politica/especial_20_de_novembro_03.htm)
“Todo este debate sobre as cotas e quem é negro é apenas uma distração
que mascara questões mais sérias que não têm sido tratadas. (...) Qualquer porteiro
sabe quem é negro e deve ser mandado para a entrada de serviço, assim como
qualquer policial sabe quem é negro e deve ser parado na rua e ordenado a mostrar
a identidade.” (Zulu Araújo, diretor da Fundação Palmares; The New York Times. 05/04/03)
“Está provado que não há diferenças biológicas entre os
seres humanos. É na cultura, na vida em sociedade, que surgem
as diferenciações.” (Rosana Heringer, do Centro de Estudos Afro-
Brasileiros da Universidade Cândido Mendes/RJ; OESP. 16/02/03)
“A autodeclaração é a única forma possível. A questão é
como o indivíduo se percebe e não como o outro o percebe. Do
contrário, haveria um viés discriminatório.” (Nilcéa Freire, ex-reitora
da UERJ; Globo. 23/02/03)
17. 17
A pobreza é o problema?
“O racismo, ao contrário do que muita gente alardeia, não é o mesmo que
miséria ou pobreza. Discriminação, preconceito e opressão de classe são
DIFERENTES de discriminação, preconceito e opressão de gênero ou de raça/etnia.
Cada uma possui dinâmicas de surgimento e de operacionalidade que lhes são
peculiares, logo nenhuma se funde, ou se confunde, com a outra, embora possam
ser reforçadas quando se abatem sobre a mesma pessoa. Cada uma exige políticas
específicas adequadas. Urge que o governo entenda, por sensibilidade ou por dever
de ofício, que políticas universalistas são insuficientes para abolir o racismo.”
(Fátima Oliveira, médica e secretária executiva da Rede
Feminista de Saúde (O Tempo, BH, MG. 19/03/03)
“Não podemos esquecer que no país a pobreza tem cor. Ela é negra. E se
sobrepõe à cor um predomínio regional, que é nordestino. Sem enfrentar a pobreza
da população afrodescendente não alcançaríamos resultados. Só com políticas
universais é muito difícil reduzir desigualdades.” (Ricardo Henriques, economista e ex-
secretário-executivo do Ministério da Assistência e Promoção Social, segundo o qual existe
no país um consenso de que a “desigualdade é natural”; entrevista em FS. 27/01/03)
“As estatísticas mostram que pretos e pardos estão próximos entre si na
perversidade do quadro social brasileiro e distante dos brancos. E não há pobre
branco? Há, mas eles são em menor número e, por alguma razão, os brancos
pobres são mais atingidos pelas políticas universalistas de inclusão. Ricardo
Henriques mostra, em seu livro sobre o assunto, que entre os 20% mais pobres do
país há mais meninas negras fora da escola do que meninas brancas.” (colunista
Miriam Leitão; O GLOBO. 22/12/02)
''A pobreza no Brasil é um problema grave, mas
sozinha não explica a exclusão social do país. O racismo, a
questão de gênero e as diferenças regionais são fatores
determinantes desta situação... A pobreza no Brasil é um
problema grave, mas sozinha não explica a exclusão social
do país.'' (Sílvio Kaloustian, oficial de projetos do Unicef.
Correio Braziliense, seção Brasil, 26/06/03)
“Vamos continuar achando e admitindo que a mulher
negra e o homem negro são bons para dançar, são bons para jogar futebol, são
bons para disputar as Olimpíadas, mas que para outras atividades: gerente de
banco tem que ser branco, dentista, médico têm que ser branco, advogado tem que
ser branco, chefe em repartição pública tem que ser branco. Até dentro das
fábricas, e está aqui um negro saído de dentro da fábrica, o companheiro Vicentinho,
sabe que se, numa empresa, houver dois trabalhadores para serem escolhido para
um deles ser chefe, se houver um negro e um branco, pode ficar certo de que o
branco será escolhido para ser o chefe daquela fábrica.” (Pres. Luiz Inácio Lula da
Silva, em discurso de posse da SEPPIR, março de 2003).
Lutar contra o racismo não é praticar o racismo ao contrário?
Ser negro e ser branco não são dois lados da mesma moeda. A injustiça
gerada pelo racismo significa que a inversão das posições não é possível, a não ser
em um exercício retórico, acintosamente experimental. O que muitas vezes se
chama de ‘racismo ao contrário’ é uma explicitação de um padrão: o racismo é
destacado porque de repente o negro reivindica ser a norma, em um dia-a-dia em
18. 18
que os brancos estão acostumados a prerrogativas especiais. O que ofende é a
explicitação dessa situação. Ignoramos ou esquecemos de pronunciar, em geral, a
frase que vem primeiro, quando se protesta reivindicações negras: “Tudo bem que a
sociedade é racista, mas isso é racismo ao contrário.” Lutar contra o racismo
implica em aplicar medidas que efetivamente diminuem o privilégio de ser branco, ao
igualar as condições do ‘jogo’ social.
Muitas vezes se diz, “os negros também são
racistas”. Negros discriminam negros porque internalizaram a valorização do
branco; como existem mulheres que perpetuam valores machistas, também há
negros que discriminam outros negros. Quanto à resistência ou até rejeição de
brancos por negros, o chamado racismo ao contrário, deve-se ao fato de os negros
estarem tentando inverter os valores vigentes.
V. Algumas definições rápidas de termos chaves:
ção Afirmativa: Políticas de ação afirmativa têm como objetivo corrigir os
A efeitos presentes da discriminação praticada no passado, concretizando o ideal
de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como educação e
emprego.
Ações afirmativas são um conjunto de políticas públicas de caráter
compulsório, facultativo ou voluntário concebidas com vistas à promoção de
populações historicamente discriminadas e ao combate à discriminação. Cotas são
só uma delas. Outras são: incentivos fiscais para quem emprega negros, por
exemplo.
“As políticas de ação afirmativa – não apenas relacionadas a negros e
mestiços, mas a quaisquer outros segmentos – buscam corrigir distorções para, a
partir daí, promover a igualdade. Não apenas na área educacional, mas econômica,
trabalhista, empresarial. Devem ser incansavelmente debatidas, mas nunca
descartadas, sob pena de o país jamais se livrar do selo da desigualdade que o
retém no Terceiro Mundo.” (colunista Flávia Oliveira; O GLOBO. 23/02/03)
“Toda a publicidade do Executivo federal deverá contemplar a diversidade
racial brasileira, sempre que houver o uso de imagens de pessoas. ... Os casos
excepcionais deverão ser justificados, com base em critérios técnicos.” (ofício-circular
distribuído pela Secretaria de Comunicação de Governo da Presidência da República;
OESP. 25/02/03)
A importação de modelos e conflitos - Muitas vezes, se contesta ações
afirmativas como “importação de modelos”. Diz-se, inclusive, que a
polarização negro-branco é uma coisa dos Estados Unidos, não brasileira.
Veja como é possível sair pela tangente: "Isso é retrocesso. Não adianta
querermos importar um preconceito racial americano, que não temos, porque a
nossa formação étnica, graças aos portugueses, aos pretos e aos índios, é
19. 19
fundamentalmente distante e distinta da origem racista das populações norte-
americanas". Deputado José Thomaz Nonô (PFL-AL).
E na tangente, muitas vezes, se fica, seduzida por essa comparação
fantasiosa, desligada de qualquer referência estável. O racismo comparativo
substitui a discussão de propostas e contra-propostas para a criação de condições
de igualdade racial no Brasil.
partheid – Foi um dos regimes de discriminação mais cruéis de que se tem
A notícia no mundo. A palavra quer dizer separação na língua africâner, de um
setor de eurodescendentes sul-africanos. O sistema de apartheid atingia a
habitação, o emprego, a educação e os serviços públicos e
vigorou na África do Sul de 1948 até 1990. A Constituição
sul-africana da época tirou a cidadania da maioria negra,
dando aos negros “passaportes” para transitar dentro do
próprio país. Supostamente, eram cidadãos de “países independentes” no interior
pobre do país. Além disso, os negros não podiam ser proprietários de terras, não
tinham direito de participação na política e nas cidades eram obrigados a viver em
zonas residenciais separadas dos brancos, como o eram, também, os mestiços. Os
casamentos e relações sexuais entre pessoas de grupos raciais diferentes eram
ilegais.
B
ranquitude – Ser branco é um ideal estético, segundo Guerreiro Ramos. Muniz
Sodré afirma que a civilização européia é uma espécie de “modelo identitário
das elites nacionais.” Para Kabengelê Munanga, a cor não é uma questão biológica,
mas uma das “categorias cognitivas herdadas da história da colonização, apesar da
nossa percepção da diferença situar-se no campo do visível.”
Na prática, ser branco exige pele clara, feições européias, cabelo liso; ser
branco no Brasil é uma função social e implica desempenhar um papel que carrega
em si uma certa autoridade ou respeito automático, permitindo trânsito, eliminando
barreiras. Ser branco não exclui “ter sangue negro” ou indígena.
C
otas – “Quanto à confusão entre cotas e ação afirmativa, o professor José
Murilo de Carvalho escreveu com propriedade: ‘Cota é apenas uma forma de
ação afirmativa (...). Ação afirmativa é toda política voltada para a correção de
desigualdades sociais geradas ao longo do processo histórico de cada sociedade.
Baseia-se na convicção de que a justiça social exige que a igualdade não seja
apenas legal e formal (...)’.” (editorial Jornal do Brasil; JB. 23/03/03)
D
ireitos Humanos – Princípios universais interdependentes e indivisíveis que
obrigam os estados a proteger, respeitar, promover e garantir direitos no âmbito
político, civil, econômico, social e cultural.
iscriminação – Diz respeito a toda distinção, exclusão ou restrição baseada no
D sexo, gênero, raça, cor da pele, linhagem, origem nacional ou étnica, orientação
sexual, condição social, religião, idade, deficiência etc., que tenha por objeto ou
por resultado anular ou depreciar o reconhecimento, gozo ou exercício e em
condições de igualdade entre toda e todos aos direitos humanos e liberdades
fundamentais em todas as esferas, incluindo a pública, privada, política, econômica,
cultural ou civil.
20. 20
iscriminação Racial – A Convenção Internacional para a Eliminação de todas
D as Normas de Discriminação Racial da ONU, em seu artigo primeiro diz que a
discriminação social “significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou
preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a
finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e/ou exercício, em
bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos
político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública."
(Convenção ratificada pelo Brasil em 27 de março de 1968).
iversidade – Em 2001, a Conferência Geral da UNESCO aprovou, por
D unanimidade, a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural. Fala do
reconhecimento das diferenças como necessário à realização dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, para a paz e a segurança e define a
diversidade cultural como patrimônio comum da humanidade:
“A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço.
Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade
de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que
compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e
de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano,
tão necessária como a diversidade biológica para a natureza.
Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e
deve ser reconhecida e consolidada em beneficio das gerações
presentes e futuras.” (Artigo 1)
Essa é a posição comum de todos os governos que participam da
UNESCO. A diversidade se constrói a partir de diferenças. Para que se
efetive o potencial da diversidade, é preciso dar valor à diferença. Ou
seja, o conceito de diversidade apresenta os mesmos problemas que o
de mestiçagem (ver mais abaixo): se a gente não reconhece os
elementos constitutivos como diferentes, a diversidade se reduz a panos
quentes que se aplicam em situações de conflito. Para resolver o
conflito racial brasileiro, com suas dimensões econômicas, sociais e
políticas, é preciso reconhecer as diferenças antes de chegar a nosso
patrimônio cultural comum; esse patrimônio não é só uma valorização
abstrata da diversidade, mas a luta pela justiça social.
qüidade – Configura um princípio de justiça redistributiva, proporcional, que se
E pauta mais pelas necessidades de pessoas e coletivos e por um senso
reparador de dívidas, do que pela sua igualdade formal diante da lei.
Representa o aprofundamento do princípio de igualdade formal de todos diante da
lei. Ele implica que pessoas e coletivos que se encontram em circunstâncias
especiais ou que são diferentes sejam tratados de forma especial ou diferente.
stereótipo – Um estereótipo é um conjunto de traços que supostamente
E caracterizam a um grupo, deformando sua imagem da mesma maneira que
quando se faz uma caricatura, com todos os perigos de distorção e
empobrecimento da percepção social.
G ênero – O vocábulo "gênero" começou a ser utilizado no Brasil entre as
décadas de 1980 e 1990, em decorrência do impacto político do feminismo,
para marcar que as diferenças entre homens e mulheres não são apenas de ordem
física, biológica.
21. 21
Gênero busca explicar as relações sociais entre homens e mulheres. Esse conceito
foi utilizado como categoria de análise primeiramente pela antropologia, que coloca
o "ser mulher" ou "ser homem" como uma construção social. A palavra gênero,
tirada da gramática, foi utilizada para identificar essa construção, diferenciando-a do
sexo biológico.
Podemos afirmar que a categoria gênero – a despeito de suas distintas utilizações –
tem viabilizado um maior reconhecimento do ideário feminista, assim como das
desigualdades estruturais que afetam distintamente homens e mulheres,
contribuindo para inscrever, no campo das políticas públicas, a pertinência do tema
e da utilização do termo.
I
nterseccionalidade – “O termo 'interseccionalidade' se refere às articulações
entre a discriminação de gênero, a homofobia, o racismo e a exploração de
classe. (Maylei Blackwell e Nadine Naber - Revista de Estudos Feministas, Vol.10, No.1,
jan. 2002).
eritocracia – Um sistema em que se avança a partir de capacidade e
M realizações; uma elite composta de realizadores talentosos; a liderança
exercida por tal elite.
“A meritocracia faz parte do ideário liberal puro, que incentiva a livre
competição a partir da idéia de que todos são iguais perante a lei, portanto, todos
teriam as mesmas condições para competir. Quem sempre teve privilégios por
causa da cor da pele (branca) que mérito tem em ocupar sempre os lugares de
destaque?” (Neide Fonseca, advogada, é presidenta do INSPIR - Instituto Sindical
Interamericano pela Igualdade Racial; artigo na edição de maio/2002 da Revista Eparrei).
M
estiçagem – Quando se fala de mestiçagem, é importante não fazer qualquer
concessão à ideologia da mistura como antídoto ao racismo. A identificação do
Brasil como país mestiço foi, no início do século XX, uma resposta da auto-estima
brasileira à ideologia do embranquecimento, foi uma inovação emancipatória no
discurso de identidade nacional. Mas a história da mestiçagem como característica
nacional vem de antes. No Brasil Colônia, os mestiços eram valorizados porque
eram considerados mais adaptados ao trabalho nos trópicos e porque teriam meio
caminho andado entre o “mal” do negro e o “bem” do branco. A mestiçagem,
historicamente, foi engendrada pela violência e a dominação, assim como pela
resposta que os dominados deram. Mas a tendência hoje é de aderir à mistura
racial como qualidade atemporal, enquanto o branco continua ocupando posições de
prestígio e poder.
“O elogio à mestiçagem e a crítica ao conceito de raça vêm se prestando
historicamente para nublar a percepção social sobre as práticas racialmente
discriminatórias na nossa sociedade.” (Sueli Carneiro, coordenadora executiva do
Geledés)
ulato – O dicionário Houaiss nos dá uma “sexta” acepção: “aquele que é filho
M de pai branco e de mãe preta (ou vice-versa)”. O primeiro verbete de “mulato”
é o mesmo que “jumento”. Não é por acaso, portanto, que muitas pessoas
mais conscientes dos efeitos do racismo não querem ser denominados “mulatos”.
Experimente com as conotações da palavra “mulata”, para sentir o desprezo
embutido na palavra.
22. 22
Duas formas fundamentais de discriminação cruzam a sociedade, todas as
relações sociais no Brasil: o racismo e o sexismo. Gênero e raça são eixos
estruturantes dos padrões de desigualdade e exclusão social no Brasil. É
impossível eliminar esses padrões de desigualdade e exclusão sem enfrentar – ao
mesmo tempo – as desigualdades e a discriminação de gênero e raça.
olíticas universalistas – O princípio da universalidade refere-se à
P responsabilidade dos governos de assegurarem a todas as pessoas, sem
distinção de qualquer tipo, o acesso aos serviços públicos e aos direitos sociais:
saúde e educação pública e gratuita, todos os direitos da previdência e da
assistência social.
“A defesa intransigente das políticas universalistas no Brasil guarda, por
identidade de propósitos, parentesco com o mito da democracia racial. Ambas
realizam a façanha de cobrir com um manto ''democrático e igualitário'' processos de
exclusão racial e social que perpetuam privilégios. Postergam igualmente o
enfrentamento das desigualdades que conformam a pobreza e a exclusão social”.
(Sueli Carneiro - Correio Braziliense. 30/04/2003)
P reconceito – Como seu nome o indica, é um "pré" conceito uma opinião que se
emite antecipadamente, sem contar com informação suficiente para
poder emitir um verdadeiro julgamento, fundamentado, elaborado. Ao
contrário do que se possa pensar, são “opiniões” individuais. Em geral,
nascem da repetição irrefletida de pré-julgamentos que já ouvimos
antes mais de uma vez. (Ver também Estereótipo.)
acismo – É a convicção de que existe uma relação entre as características
físicas
e inteligência
R hereditárias, como a cor da pele, e determinados traços de caráter
ou manifestações culturais.
O racismo subentende ou afirma claramente que existem raças puras, que
estas são superiores às demais e que tal superioridade autoriza uma hegemonia
política e histórica, pontos de vista contra os quais se levantam objeções
consideráveis.
Ao longo da história, a crença na existência de raças superiores e inferiores --
racismo -- foi utilizada para justificar a escravidão e o domínio de determinados
povos por outros.
VI. Por que defender as cotas nas universidades? Algumas respostas
Diante do vulto da questão no debate público, esse tema também
ocupa um espaço de significativo nestas contribuições.
Apresentam-se a seguir algumas posições que explicam por quê
e para que defender as cotas.
elizmente, a primeira mentira [de que não há preconceito racial no Brasil] está
“F sendo desfeita graças à luta do movimento negro brasileiro pelo
23. 23
estabelecimento de cota racial para ingresso na universidade. Essa proposta
conseguiu vencer a barreira da indiferença enfrentada pelo movimento negro, ao
tentar provocar o debate sobre o racismo brasileiro. O despertar da imaginação
brasileira para a realidade do racismo disfarçado que impera em nossa sociedade já
seria suficiente para justificar a proposta de cota.” (Cristóvam Buarque, ex-Ministro da
Educação, O Liberal 19/09/01)
“As cotas têm três grandes importâncias. Primeiro, fomentam a discussão
sobre a cidadania coletiva; segundo, qualificam as políticas afirmativas e refinam os
critérios para implantá-las. Em terceiro lugar, obrigam o debate sobre as vagas nas
universidades públicas.” (Mario Sergio Cortella, educador e professor da PUC-SP;
entrevista em IstoÉ 05/03/03)
“A introdução na agenda política do conceito de Ações
Afirmativas, bem como das cotas raciais, passa por este
reconhecimento da emergência de um movimento negro
como força política e social legítima amparada e reconhecida
pela Constituição e pela sociedade civil.” (José Ricardo
d’Almeida, sociólogo; artigo no site do Observatório da Imprensa -
www.observatoriodaimprensa.com.br/cadernos/cid190320031.htm)
“As cotas são o início de uma luta bem maior e mais
ampla e é óbvio que não resolvem o problema de um país
que teve como motor da economia a escravidão. (...) Ser
favorável às cotas significa, inclusive, ter disposição para
debater com brancos e negros a importância de uma medida que, convenhamos, é
reformista na essência, mas que, diante de tão rigoroso e intenso processo de
exclusão, torna-se necessária.” (Gislene Bosnich, jornalista e socióloga; artigo no site
Novae - http://www.novae.inf.br/gislene/cotas.htm)
“Essa discussão sobre cotas raciais revelou o incômodo de uma parcela
privilegiada historicamente. Antes das cotas ninguém se revelava. Mas quando
resolveram fazer justiça dizendo que entrariam mais afrodescendentes no ensino
superior a chiadeira começou.” (leitor Alexandre A. Magalhães, Rio de Janeiro/RJ; O
GLOBO. 19/02/03)
“As forças em ação contra as cotas colaboram para colocar a pá de cal no
velho mito da democracia racial. Graças às cotas, o racismo brasileiro vê-se
obrigado a abandonar a sua hipócrita ‘cordialidade’.” (Sueli Carneiro, coordenadora
executiva do Geledés; Correio Braziliense. 28/02/03)
Por quê cotas para afrodescendentes nas universidades?
“A cota para ingresso universitário pode ser um instrumento de justiça racial e
de dignidade nacional. Depois de quatro séculos de escravidão e um século sem
terra para trabalhar, sem educação para os filhos, os negros brasileiros têm direito a
uma política de discriminação afirmativa que recupere para alguns dos seus os
direitos que lhes são negados.” (Cristóvam Buarque, ex-Ministro da Educação; O Liberal.
19/09/01)
“O Brasil das ruas é, em grande parte, negro ou pardo. O Brasil das
universidades é quase que integralmente branco. É um dos resultados mais visíveis
– e vergonhosos – do apartheid social que ainda vitima os descendentes de
escravos africanos. Para tentar reverter esse quadro de injustiça, foi estabelecido
24. 24
recentemente em algumas universidades do país o regime de cotas.” (Revista Veja.
26/02/03)
“Esta política é absolutamente correta em termos filosóficos e éticos. Eu não
tenho dúvida disto. Afinal, este país tem uma enorme dívida devido à injustiça que
foi a escravidão no Brasil”. (Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça; The New York
Times. 05/04/03)
www.cambito.com.br/tiras – Desigualdades
“...Foi mais de meio século de políticas afirmativas pró-estrangeiros. Naquela
época, nenhum setor da inteligência brasileira objetou que estava sendo dado tudo
aos imigrantes e nada aos afrodescendentes que, recém-libertados da escravidão,
enchiam as periferias das cidades porque não receberam terras – como prometeram
os abolicionistas – nem escola, educação, atendimento médico e outras
necessidades básicas da cidadania.”
(Roberto de Carvalho, publicitário e ativista social; artigo no site do Observatório da
Imprensa em www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/da020420033.htm)
Cotas: uma discriminação ao contrário?
“As cotas não são uma ‘discriminação às avessas’, mas uma discriminação
positiva - no sentido jurídico do termo. Como o concurso de acesso às
universidades trata como iguais pessoas que na origem sócio-histórica são
desiguais, a política de cotas vem corrigir essa falsa igualdade, dando condições de
eqüidade para os que, de outra maneira, ficam prejudicados na competição.”
(Fernando Conceição, jornalista e professor da Faculdade de Comunicação da UFBA; Folha
de S.Paulo. 02/12/02)
“Quem não é racista não vai se tornar por causa da disputa. Os alunos estão
defendendo um interesse com o direito que têm de fazê-lo. Não é racismo. De
qualquer forma, é preciso observar que, quando se discute dar vagas para quem
vem da rede pública, não há resistência nem ações, como quando se quer dar para
a comunidade negra.” (Mario Sergio Cortella, educador e professor da PUC-SP; entrevista
em IstoÉ. 05/03/03)
Política de cotas passa atestado de incompetência dos negros?
“Outro tipo de mensagem vem sendo usada. É a que procura envergonhar e
estimular nos negros o complexo de inferioridade e culpa em relação à entrada nas
universidades via cotas induzindo-os a considerar que as cotas seriam um atestado
de sua incapacidade, que sua entrada nessas condições representaria o
sepultamento do ensino superior. São argumentos que convidam os negros a
25. 25
aceitarem a competição desigual instituída ou a conformar-se ao vaticínio imposto
pelo racismo que os títulos universitários permanecem monopólio dos grupos social
e racialmente hegemônicos.” (Sueli Carneiro, filósofa e ativista do Geledés; Correio
Braziliense. 28/02/03)
[Perguntada se a UERJ teme ficar marcada como a universidade que tem
mais da metade dos alunos aprovados por cota:] “O que marca a qualidade de uma
universidade não é o perfil socioeconômico do seu estudante nem a sua cor. E sim
a qualidade do conhecimento que ela produz, do profissional que ela bota no
mercado de trabalho. Não posso sequer admitir que a UERJ passe a ser
estigmatizada porque tem mais pretos e pardos e mais pobres.” (Nilcéa Freire, ex-
reitora da UERJ; O GLOBO. 23/02/03)
As cotas criam clima de guerra entre alunos negros e brancos?
www.cambito.com.br/tiras – Desigualdades
“As cotas raciais, além de justas politicamente, favorecem uma verdadeira
integração entre os alunos negros e brancos no ambiente universitário, e é apenas
um dos diversos ganhos que os míopes sociais teimam em omitir, além do que a
diversidade estimula a criatividade, fortalece a tolerância e a democracia.”
(José Ricardo d’Almeida, sociólogo; artigo no site do Observatório da Imprensa -
www.observatoriodaimprensa.com.br/cadernos/cid190320031.htm)
Com as cotas, a qualidade do ensino vai cair ainda mais
“O fato de um negro entrar com nota abaixo da de um branco não vai reduzir
a qualidade do curso, mas vai exigir que a faculdade se adapte a esses alunos nos
primeiros anos. É preciso haver uma equalização do conhecimento.” (Hélio Santos,
economista e ativista do movimento negro; reportagem Revista Época. 17/02/03)
“Propagar que o ensino cairá de qualidade só amplia o preconceito ao
considerar que aqueles oriundos de camadas mais pobres são incapazes de vencer
eventuais desnivelamentos. Por que não disseram isso daqueles que entraram nas
mesmas universidades com notas semelhantes, porém sem cotas?” (Fernando
Peregrino, Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação; O Dia. 21/03/03)
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Cota é demagogia e má fé
“A cota universitária, racial ou social, pode contribuir para
corrigir a discriminação e ser um toque positivo na imagem do Brasil no exterior.
Mas a verdadeira política para atender os interesses da população pobre seria uma
cota de 100% dos jovens terminando o ensino médio em escolas com qualidade. Se
isso for feito, beneficiaremos todos os pobres, a maior parte dos quais negros – isso
em função de preconceito e discriminação seculares.” (Cristóvam Buarque, ex-Ministro
da Educação; O Liberal. 19/09/01)
“O sistema [de cotas] permite ir equilibrando a desigualdade, enquanto se
busca melhoria substancial do ensino público.” (Jorge Werthein, representante da
Unesco no Brasil; O Estado de São Paulo. 19/02/03)
VII. Compilação das principais leis nacionais e internacionais sobre o
racismo
O racismo é crime?
Sim, é um crime previsto na Constituição Federal,
promulgada no dia 05 de outubro de 1988, é inafiançável
e imprescritível;
O que é crime inafiançável e imprescritível?
É o crime para o qual não cabe fiança e não prescreve
nunca. Se o crime for praticado nesta data, a vítima não
tem prazo limitado para responsabilizar o autor do crime.
O que deve fazer uma pessoa quando se sentir vítima de racismo ou
discriminação racial?
A primeira providência é procurar uma testemunha, após, dirigir-se a um
Distrito Policial, narrar o ocorrido à autoridade policial quando deverá ser
lavrado um Boletim de Ocorrência ou um Termo Circunstanciado. Também
poderá procurar o representante do Ministério Público para que, se
confirmado o crime de racismo, ingressar com as medidas legais cabíveis.
Poderá, também, constituir advogado/a.
Onde encontrar a legislação que coíbe o racismo e a discriminação racial?
Segue a legislação que proíbe a discriminação e que garante os direitos civis
de todos/as os/as brasileiros/as.
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1. Na CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, nos seguintes artigos:
Artigo 1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
democrático de direito e tem como fundamentos:
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
...
Artigo 3º: Os objetivos fundamentais da República são:
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras
formas de discriminação;
Artigo 4º: A República Federativa do Brasil rege-se
nas suas relações internacionais pelos seguintes
princípios:
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
Artigo 5º: Todos são iguais perante e lei, sem distinção de qualquer natureza;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória aos direitos e liberdades
fundamentais;
XLI I - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito
à pena de reclusão.
2. Na Lei nº 7.716 de 05 de janeiro de 1989, a também conhecida por LEI
CAÓ: que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor,
etnia, religião e procedência nacional, O bem jurídico tutelado “in casu” é o
direito à igualdade;
3. Na Lei 9.459 de 13 de maio de1997: acrescenta o parágrafo 3º no Artigo
140º do Código Penal, como crime de injúria real, no caso da injúria consistir
na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, e a
pena de 3 anos de reclusão e multa. Trata-se da proteção da honra
subjetiva da pessoa;
Exemplo: Uma pessoa que ingressa num estabelecimento e ali se desentende
com a proprietária, uma mulher negra, e diz a ela que só podia ser coisa
preto, que era por isso que ela não fazia negócio com preto,etc.. A vítima
pode propor uma ação judicial por injúria real, está caracterizado o crime.
Como deve proceder alguém que fora vítima de Injúria Real?
Por tratar-se de um crime de ação privada, a vítima deverá constituir um/a
advogado/a que ingressará com o processo. A vítima tem o prazo de seis
meses para propor a ação, a partir da data da ocorrência do crime.
A lei também coíbe a discriminação na mídia?
Sim, a Lei 8.081 de 21 de setembro de 1990, altera a Lei 7.716, a Lei Caó,
Artigo 20º – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de
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raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, a pena é de reclusão de 1 a
3 anos e multa;
Parágrafo 2º - Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por
intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer
natureza, a pena é de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
Exemplo: Um radialista num programa transmitido na Comarca de São
Carlos, interior de São Paulo, narrou um furto em que participaram 3 ladrões
sendo 1 negro e 2 brancos. O radialista disse: “só podia ser preto (...). Cana
neles, principalmente no preto”. O radialista foi incurso neste artigo da Lei
7.716/89, e condenado com sentença confirmada pelo Tribunal de Justiça de
São Paulo – Apelação Criminal nº 153.122.3/0, 5ª Câmara Criminal de Férias
de julho de 1995, relator Desembargador Celso Limongi.
4. No CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - Lei 8.078 de 11 de
setembro de 1990: dispõe no Artigo 37, que é proibida toda a publicidade
enganosa ou abusiva. E no parágrafo 2º: “É abusiva, dentre outras, a
publicidade discriminatória de qualquer natureza (...).
5. No ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE – Lei 8.069, de 13
de julho de 1990. Na proteção da criança e do
adolescente, dispõe no seu:
Artigo 5º - Nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão, punido na forma da lei qualquer atentado,
por ação ou omissão a seus direitos fundamentais.
6. Na LEI DA TORTURA:- A Lei 9.455 de 07 de abril de 1997 - prevê em
seu Artigo 1º, inciso I, letra c: “Constitui crime de tortura:
I –constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,
causando-lhe sofrimento físico ou mental:
c) “em razão de discriminação racial ou religiosa”.
Em Nível Internacional:
O Brasil é signatário de inúmeras Declarações Internacionais, o que significa
que se obriga a cumprir as normas nelas estabelecidas:
A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, de 1948,
dispõe:
Artigo 1º - todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos são dotados de razão e consciências e devem agir em relação uns
aos outros com espírito de fraternidade;
Artigo 2º - toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de
29. 29
raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, ou de outra natureza, origem
nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
A CONVENÇÃO nº 111, de 1958 – Discriminação em Matéria de Emprego
e Profissão:
Artigo 2º - Qualquer membro para o qual a presente Convenção se encontre
em vigor compromete-se a formular e aplicar uma política nacional que tenha
por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos
nacionais, a igualdade de oportunidades e de tratamento em matéria de
emprego e profissão, como objetivo de eliminar toda discriminação nessa
matéria.
A CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS
FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL DE 21 DE DEZEMBRO DE 1965
Artigo II – Os Estados partes condenam a discriminação racial e
comprometem-se a adotar, por todos os meios apropriados, e sem tardar,
uma política de eliminação da discriminação racial em todas as suas formas e
de promoção de entendimento entre as raças.
Artigo III – Os Estados partes especialmente condenam a segregação racial
e o apartheid e comprometem-se a proibir e a eliminar nos territórios sob sua
jurisdição todas as práticas dessa natureza.
Artigo V – Os Estados partes comprometem-se a proibir e a eliminar a
discriminação racial em todas as suas formas e a garantir o direito de cada
um à igualdade perante a lei, sem distinção de raça, cor, ou de origem
nacional ou étnica.
Artigo VI – Os Estados partes assegurarão a qualquer pessoa que estiver
sob sua jurisdição, proteção e recursos efetivos perante os tribunais nacionais
e outros órgãos do Estado competente, contra quaisquer atos de
discriminação racial que, contrariamente à presente Convenção, violarem
seus direitos individuais e sua liberdades fundamentais, assim como o direito
de pedir a esses tribunais uma satisfação ou reparação justa e adequada por
qualquer dano de que foi vítima em decorrência de tal discriminação.
Artigo VII – os Estados partes comprometem-se a
tomar as medidas inéditas e eficazes, principalmente
no campo do ensino, educação, da cultura, e da
informação, para lutas contra os preconceitos que
levem à discriminação racial e para promover o
entendimento, a tolerância e a amizade entre nações
e grupos raciais e étnicos, assim como propagar o
objetivo e princípios da Carta das Nações Unidas, da
Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial e da
presente Convenção.
Quando o policial pode revistar o cidadão?
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“É comum a Polícia Militar ou Civil, com o objetivo de combater a violência e
proporcionar mais segurança à população, principalmente nas grandes
capitais brasileiras, fazer blitz pelas ruas, procurando drogas, suspeitos,
irregularidades com documentos de carros e etc. Mais comum ainda, em
particular nos bairros da periferia, é o policial bater nas portas das casas para
revistá-las e a seus moradores. Mas, como a população deve se comportar
ao ser abordada por um policial, tanto na rua, como em sua casa?”
“O poder da polícia autoriza o policial a fazer a vistoria em automóveis e a
revista pessoal, sendo que esta não poderá ser íntima, a não ser na delegacia
e guardando respeito à privacidade, intimidade e moralidade do revistado, ou
seja, uma mulher não poderá ser revistada por homem, e não se exigirá que
se dispa em público”, afirma o advogado Ricardo Azevedo Leitão, mestre em
Direito Constitucional e professor de MBA em Administração e Negócios da
ESPM.
Segundo o constitucionalista, se durante a solicitação de revista, pessoal ou
em carro, o policial abusar do seu poder impondo a sua autoridade através de
gritos, humilhações moral ou física, o revistado deverá
denunciar o seu comportamento à Corregedoria. “Se
o policial abusar do seu poder e invadir ou revistar a
casa, o cidadão deverá apresentar reclamação contra
o policial também na Corregedoria, bastando apenas
anotar a delegacia (no caso de policial civil) e o nome
do oficial. Se for policial militar, deve-se anotar o
nome do batalhão, que deve estar visível na farda, e o
nome de guerra do mesmo”, comenta Azevedo Leitão.
“O policial não poderá invadir uma residência sem
mandado de busca e apreensão”, comenta Leitão.
E complementa: “As exceções ficam por conta de
delito em flagrante, ou seja, se forem ouvidos gritos
de uma pessoa que está sendo espancada, então o
policial pode entrar, ou em caso de emergência,
para o salvamento de vítimas”. O professor ressalta
que se esses dois fatos não estiverem ocorrendo, “o
policial só poderá entrar na casa do cidadão com um mandado em mãos,
devidamente assinado por um Juiz, onde estará o propósito da averiguação”.
(Silvia Helena Martins - silvia.martins@mundonegro.com.br
http://www.mundonegro.com.br/noticias/index.php?noticiaID=228)
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VIII - Relação de entidades que participaram dos Diálogos entre 2001 e 2004
Observatório da Cidadania,
Ibase,
Abong,
Centro de Estudos Afro-Brasileiros UCAM,
Criola-Rio,
CFEMEA,
Comunidade Bahaí (Brasília),
Fase (Rio),
Instituto Patricia Galvão/AMB (SP),
CESEC-UCAM (Rio),
Rede Dawn (Rio),
CEDEC (SP),
Geledés/Instituto da Mulher Negra (SP),
Inesc (Brasília),
Redeh (Rio),
SOS Corpo (Recife)
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Esta publicação dos Diálogos contra o Racismo foi
produzido por Nilza Iraci e Liv Sovik com as valiosas
colaborações de Fátima Oliveira, Jacira Melo, Marisa Sanematsu,
Sonia Maria Pereira do Nascimento, Rodnei Jericó.
Agradecemos a todas as pessoas que revisaram o texto e
enviaram sugestões para melhorá-lo e enriquecê-lo.
Dezembro/2004