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Garlos Magno no Equador
AintroduçãodoTchiloliemSãoTomé
executado na Í orÍaleza imPerial.
os grupos do tchiloli, conhe-
cidos na ilha por tragédías, tèm
cerca de trinta elementos cada um,
e pertencem todos a uma deter-
minada localidade de forros (assim
se chamam os crioulos nativos de
São Tomé). Dentro de certos limites
dramaúrgicos, cada tragêdia repre-
senta uma versâo PróPria da Peça.
Conforme a tradição medieval,
exclusivamente os homens repre-
sentam todos os PaPéis, inclusiva-
mente os de mulheres. Além disso,
o mesmo actor amador representa
sempre a mesma Personagem. Os
papéis, o guarda-rouPa e os textos
transmitem-se no seio das famílias.
Actualmente existem mais gruPos
de tchiloli em São Tomé do que
antes da independência. Em 1969,
havia cinco tragédias3, em 1991
existiam nove gruPosa, entre 1995
e 1998 actuaram 15 gruPos5 e,
segundo informações da Direcção
Nacional da Cultura, em 2OO7
permaneciam 12 tragêàias.
Geralmente um esPecúculo tem
a duração de cerca de seis horas e
é apresentado em teÍra batida num
quintal ou numa Praça Pública, ao
ar livre, durante a grauana (estação
seca), sobretudo Por ocasiâo das
festas anuais dos santos católicos
das vilas e de outras festividades' Â
influência afticana, em termos da
noção de temPo, estendeu as
poucas Páginas do texto original
para representaçÕes bem mais
longas.
O palco rectangular, aberto
pode ser visto de todos os lados'
Os espectadores participam activa-
mente no esPectáculo atrar'ésde
comentários durante asrárias cenas
do teatro. A um lado do Palco
ergue-se a corte alta sobre estacas
de madeira. coberta com ramos de
palmeira. representando o palácio
imperial. No lado oPosto' no chão,
a palhota feita de ramos verdes
."pt t"ttt" a corte baixa da farrúlia
GerhardSeibert*
enlutada dos Mântua. Durante o
espectáculo, um pequeno caixão
colocado numa cadeira no meio do
palco simboliza o Valdevinos
morto.
A maior parte dos versos de sete
sílabas de B. Dias são utilizados
sem quaisquer alterações, contudo,
textos adicionais de Prosa em
portr.rguêsmoderno foram integra-
dos na Íepresentação' Estes domi-
nam as Partes relativas à investi-
gação criminal e aos procedimentos
legais. Em contraste com o texto
original, estes textos modernos são
constantemente adoptados e impro-
visados pelos actores.
Enquanto o argumento da Peça
assume a sua imPortãncia, a dança,
a pantomima e a música não são
menos relevantes no contexto do
espectáculo. Todo o tchiloli é uma
mistura de dança e Pantomima.
Uma orquestra comPosta de
tambores de diferentes tamânhos,
um sino, flautas de bambu e sucalos
(chocalhos) - instrurnento local
feito Por um Pequeno cesto
contendo sementes - fornecem a
música que acomPanha os actores
dançando de um ladoPzrz o outro'
A música é caracterizadamente
monótona, uma única melodia é
retomada.
A questilo da fntrodução do
tchiloü
A data da introdução do texto
de Baltasar Dias em São Tomê não
é consensual. É aceite Por muitos
autores que o tchiloli foi intro-
duzido em SãoTomé no século XVI
por mestres de engenhos de açúcar
àa ilha da Madeira' Esta ideia
baseia-se no facto de o autor do
texto original desta Peça ser um
madeirense do século XVI, e Por a
cultura de açúcar ter sido intro-
duzida em São Tomé, z Partit da
Madeira, durante o início da
m São Tomé e PrínciPe
existem dois teatrosPoPu-
lares do ciclo das histórias
de Cados Magno, nomeadamente z4
Tregédia do Marquês de Mântua e
do Imperador Carloto Magno, em
SâoTomé, e o Auto de FloriPesl, no
Príncipe, apresentado tradicional-
mente em 15 de Agosto, Dia de São
Lourenço. Ambos os teatros sào
exemplos emblemáticos da criouli-
zação cultural e do teatro sincré-
tico. O primeiro, mais conhecido
por tchiloli, é a manifestação cultural
mais divulgada e melhor documen-
tada do arquipélago Pois, desde os
anos de 1960, aPareceram vários
livros e trabalhos áudio-visuais
sobre esse teatro PoPular, não
apenas em pornrguês, mas também
em inglês, francês e alemão- A
palavra crioula tchiloli é sinónima
de teatro e deriva etimologicamente
do português tiroliro (Pifarc), a
flauta transversal que se toca
durante o especúculo2.
O tchiloli baseia-se num texto
escrito por volta de 1540 Por
Baltazar Dias, um dramafurgo cego'
madeirense da escola de Gil
vicente 0465-1530' o seu drama
inspira-se em seis romances ceste-
lhanos que, Por sua vez' derivam
do ciclo carolíngio do século XI'
Este teatro medieval conta a história
de Dom Carloto, filho e herdeiro
do imperador Carlos Magno que
assassina o seu melhor amigo,
Valdevinos, sobrinho do marquês
de Mântua, durante uma caçada,
porque se aPaixonou Por Sibila, a
esposa de Valdevinos. O crime leva
as duas famílias e os seus represen-
antes a debaterem questões de lei,
de iustiça e de governaçào' Os
temas chave desse drama são a
traição e a igualdade perante a lei'
O imperador é confrontado com o
dilema de escolher entre a t'ctiso'l
d'état, o interesse nacional. e o seu
amor paternal. Finalmente' o seu
filho é condenado à morte e
1.6
LATÏruDES n" 36- octobre2009
primeira colonizaçâo da ilha, na
mesma época.
Estateoria é também defendlda
repetidamente pela francesaFrançoise
Gründ, esPecialista em etno-
cenografia e autora de um dos
livros mais recentessobre o teatro
são-tomense,intitulado Tcbiloli'
Cbarlemagne a São Torné 1ur l'íle
du milieu du monde (2006)Ó'Neste
livro Gründ afirma mais Precisa-
mente que o tchiloli teria sido
levado Para São Tomé Por actores
ambulantesda Madeira,que teriam
encenado a Peça a convite dos
olantadores de açúcar na ilha, no
iéculo xvl (P. 55). Contudo, ela
nâo apresenta nenhuma fonte
documental que Possafundamentar
essa afirmação. A tese da introdu-
ção do drama no século XVI foi
lançada inicialmente Por autores
portugueses influenciados Pelos
àonceitos do luso-tropicalismo dos
anos 1960.
Na sua famosa monografia /
Ilha de São Tomé (1961:187), o
geôgraío e poeta Francisco Tenreiro
(tgit-196) menciona o tchiloli
"entre os elementos demonstrativos
da aculturação a que as PoPulações
chegaram em SàoTomé"' Contudo,
Tenreiro relaciona essaaculturação
apenas implicitamente com o início
da colonização da ilha, Pois não
indica nenhuma éPoca exacta'
Mais exPlícito é o Professore
etnólogo Tomaz Ribas(1918-1999)
que, em 1967,Publicou um ^rÍigo
intitulado Baltasar Dias' um dra'
maturSo Quinbentista ainda boje
represántado em S. Tomé, no qual
afirma:
'Parece ser evidente que o
uso de tais representaçõesdeve ter
sido levado para as duas ilhas pelos
colonos metroPolitanos e madei-
renses. Nào esPanta que assim
tenha sido, visto que os Primeiros
contingentes de colonizadores ali
chegados são constituídos em
grande Parte Por minhotos e
madeirenses que introduziram nas
duas ilhas a cultura da caoa e a
rndústria dos engenhosT'" Num
outro artigo sobre o tchiloli, publi-
cado no mesmo ano em São Tomé,
Ribas refere que
*autores do
princípio do século Passado IXIXì
rá se referem a tais representações",
porém, não revela as resPectivas
rf 36- odobíe2009 LAITruDES
referênciass.Ribastambém informa
que a peça foi Publicadaem Lisboa,
em 1661. uma data considera-
velmente posterior à suposta intro-
duçâo em SàoTomé.
Baseando-seem Ribas,em1969,
Fernando Reis, um enfermeiro e
etnógrafo amador em São Tomé,
escreve na sua obra Poao Floga' O
Pouo Brinca. Folclore de São Tomé
e Príncipe que mestres açucareiros
da Madeira teriam introduzido a
peça teatral em São Tomé (P' 54)'
Reis(1969:17)está convencido de
que, iunto a outras manifestações
culturais locais, o tchiloli "ê
testemunho vivo da aculturação
centenáriadeste povo crioulo"'e
constitui prova evidente da vitória
de luso-tropicalismo nestas iÌhas"'
Longa ê ahsta dos autores que,
Ì ìt'
desde entâo, têm rePetido cegà-
mente as teses de Ribas e de Reis
segundo a qual o tchiloli teria sido
inÍoduzido Por mestres de açúcar
madeirenses,no século XVI.
Christian Valbert (1990:33)que
dâ uma interPretação Política ao
tchiloli, segunda a qual Carlos
Magno e a sua corte representarianr
as autoridades coloniais de Lisboa, é
um dos autores que aceita essaideia'
L reaïizadora sueca Solveig
Norcllund, que em 1990 realizo'tt
um documentário sobre a Peça
teatral intitulado An Immorlal Story,
afirma na sinoPse do filme que
"Quando vinham à ilha africana de
São Tomé Pela Primeita vez em
747O, plantadores de açúcar
europeus levaram consigo um
livreteque contava a história sobre
,íllt
t-
o Imperador Carlos Magno e o
itaiiano Marquês de Mânrua."
Juliet Perkins (ú990: 734),
professora de Estudos Portugueses
em Londres, considera Plausívela
tese de Ribas e Reis, mas acha que
a peça nâo podia ser levada Para
SàoTomé pelos Primeiros colonos,
mas por emigrantes sucessivos,
visto que, somente em 1537,
Baftazar Dias obteve de D. João III
o privilégio de imPressãoe venda
das sltas obras. Além disso, ela
especula em ser Possível que o
texto de Dias tenha sido Ìevado
uma segundavez Par^ SàoTomé,
no século XIX, desta vez Pelos
plantadoresde cacau e de café9.
Ilustrando a caqa do seu livro
São Tome e PrínciPe' A Inuenção
cle Uma Sociedade, que trata da
formação clasociedade crioula no
século XVI, com uma foto de um
grupo do tchiloli, a historiadora
Isabel Castro Henriques (2000),
também sugere que esse teatro
tenha sido introduzido nessaépoca'
Na capa, a1arece a informação de
que é uma "fotografia do princípio
do século )O('. Contudo, sem indi-
cação de qualquer fonte documen-
tal, no livro a autora aFirma:"O
Tchiloli assentana representaçào
anr.ralde uma Peça do século XVI,
possiveimente importada Pelos
mestres do açúcar madeirenses,
pois é de autoria do também madei-
,.r,r. ..go BaltasarDias" (P' 109)'
A mesma foto aparece também
numa publicação do Comité
Português de "A Rota do Escravo",
presidido por Castro Henriques,
intitulada Lugares de Memórta da
Escranatura do Tráfico Negreíro.
Ali a legendadafoto diz explicita-
mente que "são ... as rePresenta-
ções teatrais, como o Tchiloli, que
desde o século XVI PÕem em evi-
dência as relações de força que
caracteizavam a sociedade esclava-
gista do arquipélago." @-79.
No artigo O Teatro ern
Português, Publicado na Carnões'
Reuistq de Letras e Culturas
Lusofonas do Instituto Camões,
tambérn DuaÍte Ivo Cruz (2AO6:22),
crítico e historiador do teatro
português, insiste que ".'.o Auto
Carolíngio de&alÍazat Dias chega a
São Tomé no ciclo de cana-de-
açúcar e da emigração/colonização
madeirense".
Possivelmente esta é a tese mais
<lifundida e também mais larga-
mente aceite em São Tomé' Em
Março de 20O9, Por ocasiâo da
candidatura do tchiloli ao Patri-
mónio cultural intangível da
UNESCO,Amâncio Carvalho, res-
ponsável da tragêdia Formíguinba
de Boa Morte, decÌarou que *essa
cultura veio Para aqui devido aos
escravos da cana-de-açitcar, nós os
são-tomenses Pegámos nisto e
demos o nosso ieitolo..."
Novat€s€ sobre adzrtld^
entrada do tchiloli - confirmada
e ignorada
Porém essateoria não Possui
nenhuma base documental, visto
oue o tchiloli não é mencionado
nos Primeiros documentos sobre
SâoTomé. O gruPo mais antigo da
ilha é a Tragédia da Desejada,
funclada em 793517' Os Primeiros
livros sobre São Tomé, Publicados
no século )OX, carecem igualmente
de referências sobre esse teatro
popular.
Servem de exemPlo os livros
Corografia Historica' Ilbas de
S.Tomé e PrínciPe, de Raimundo
José da Cunha Matos, governador
clasilhas de 1816 a 78!7, Publicado
em 7842, onde esse teatro está
ausente; e A ProuínciL de S. Tbomé
e Príncipe e Suas Dqendências, do
médico Manuel Ferreira Ribeiro
(Lisboa, 1877),onde o autorescreve
sobre "usos e costumes dos habi-
tantes", contudo, não menciona o
tchiloli com uma '6nica
Palavta.
António Almada Negreiros
(1868-193D, o pai do artista José
Almada Negreiros (1893-1970), é o
primeiro a referir-se no livro
História EtbnograPhica da llba de
S.Tbomé (Ú895 767, 343) duas
vezes, brevemente, ao tchiloli,
dizendo apenas que é a represen-
Íação avariada? da vida e feitos de
Carlos Magno. Contudo, não acres-
centa nada sobre a sua origem em
Sâo Tomê.
Curiosamente, em 1901, Castro
e Morais, Professor jubilado da
escola princiPal do arquiPélago,
publica um breue esboço dos
costurnes de S. Tomé e PrínciPe
oncle descreve, com alguns deta-
lhes, o Auto da FloriPes e o Danço
Congo, uma dança Pantomímica,
mas nada diz sobre o tchiloli'
Aliás, parece que tambêm o Auto
da FloriPes era desconhecido no
início do século XIX, visto que
Cunha Matos (1776-1839) não o
menciona na sua breve descrição
do Dia de São Lourenço' no
referido livro, Publicado em
784212. O Auto da FloriPes do
Príncipe baseia-sepossivelmente
num texto original Publicado em
Lisboa,em 185813.
Na sua tese de doutoramento
sobre o tchiloli, o dramaturgo Paulo
Alves Pereira (2002:1'85)especula
afirmando que esse drama teria sido
introduzido Por são-tomenses ao
regressarem de Lisboa à ilha, em
meados do século XIX' A sua
suposição baseia-sena versão da
peça utilizada em São Tomé, que
Reis publicou. Segundo este autor'
trata-se da versão de Almeida
Garrett, Publicada em 1843, no
Romanceiro, que tem mais dez
versos do que a versão de Baltasar
Dias do século XVIr4' Citando Alves
Pereira' Ivo Cruz Qffi6:29) confessa'
no artigo referido acima, relativa-
mente à sua introdução Por mestres
madeirenses no séc' XVI, que "esta
tese é obviamente discutível"'
18
LAITI-UDES n" 36- octobe2009
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Além da ausência de fontes
:ìrsróricassobre o tchiloli, todos os
Ìutores citados ignoram completa-
mente António Ambrósio, padre e
i:j-storiadoramador que, já em 1985,
ciefendeu, no seu artigo Para a
Historia do Folclore São-tomense,
publicado na revista Historia, a
Ieoria segundo qual o tchiloli foi
introduzido na ilha apenas no final
do século XIX, por Estanislau
-{ugusto Pinto, um funcionário
português do tribunal. Foi ele que,
emJunho de L880,fundou em São
Tomé a associação recreativa,
dramâtica e musical "Sociedade
Âfricana 23 de Setembro". Este
grupo teatral teria sido o primeiro
a encenar o tchiloli em SãoTomé.
15 Â-b.ório (1985:66) acredita que
Pinto também foi o autor dos textos
adicionais em prosa e português
moderno, acrescentando-os aos
versosde Dias.
Luciano Caetano da Rosa
(7D 4:1.01), professor universitário
português radicado na Alemanha,
acredita que a tese de Ambrósio,
de que o tchiloli foi introduzido por
EstanislauAugusto Pinto, carecede
fundamento. Todavia, nâo funda-
menta a sua rejeiçào no artigo
original de Ambrósio, mas sim no
artigo de Jean-Michel Massa sobre
Originalités du Tcbiloli inserto na
revista InÍernatirnule de I'Imaginaire.
O próprio Massa(199O:22) acha
possível que Pinto tenha reajustado
o texto de Dias, que iá existiria em
SãoTomé.
Sem que se refira à tese de
Ambrósio, Caroline Shaw (1996:
266) escreve a propósito da intro-
dução do drama que "alguns consi-
deram a possibilidade de mestres
de açúcar madeirenses o introd-
zirem no século XVI. Mais Provável
é a sua introdução no século XIX,
altura em que foram publicadas
muitas edições baraÍas e populares
da peça."
O antropólogo Paulo Valverde
Q997:5) é de opinião que 'Parece
ser mais verosímil" que o tchiloli
tenha início na segunda metade do
século XIX. No seu livro Máscara,
Mato e Morte (2000:"1.2),considera
que a tese da introdução Por
imigrantes madeirenses no séc. XVI
em Sâo Tomé como "uma meta-
n'36 - oc{obreã)09 LAITUDES
morfose local do mito dos descobri-
mentos portugueses". Valverde
acha mais provável que o tchiloli
"foi encenado, pela primeira vez,
na segunda metade do século
passado [KX] sob o entusiasmo de
um amador de teatro local ou
mesmo, segundo um dos meus
informantes, de um comerciante
português."
No livrete do CD Tcbiloli S.
Tomé da série z4uiagem dos sons,
produzida por ocasião da EXPO
1998em Lisboa, a etno-musicóloga
Rosa Clara Neves (1998:8), acha a
hipótese de Reis "pouca provável,
uma vez que não é sustentada por
nenhuma das fontes da época nem
por posteriores (cf. Negreiros
i895)."
A polaca Anna Kalewska (2005:
168), investigadora de culturas
lusófonas, e autora duma tese de
doutoramento sobre Baltasar Dias,
defende que, "perante a argumen-
tação e as documentadas afirma-
ções de António Ambrósio e Paulo
AÌves Pereira,podemos aceitar que
o actual tchiloli de São Tomé fosse
introduzido na ilha poi volta de
1880".
Além disso, existem outros
indícios que apoiam a tese de
Ambrósio. No seu livro, Fernando
Reis (1969: 53) escreve que "num
folheto da chamada "literatura de
cordel., esgotado há muito, em
edição daLivraria Lello & Irmão do
Porto, se acha o auto "ATragêdía
do Marquês de Mântua e do
Imperador Carloto Magno" sendo o
nome do autor, Baltasar Dias, o
escritor cego madeirense contem-
porâneo de Gil Vicente... Este
opúsculo, amarelecido e a desfazer-
se pelos anos, foi-nos oferecido por
um ilustre filho de São Tomé, o
senhor Aureliano Aragão...A data
da impressão, infelizmente, não nos
foi possível identificá-Ia."
Há anos comprei num alfarra-
bista um exemplar desse opúsculo
mencionado por Reis que, de facto,
foi publicado em 1907,o que, pelo
menos, indica que essaPeça tivesse
uma certa poPularidade em
Portugal, no início do século )O( e
possivelmente antes, desde a
publicação do Romanceiro de
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BcrauaíLtr"a e do Tráf.co Negreiro.
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de Lusitanistas,Santiagode Compostela,
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em Portugal e nas llbas de São Tomé e
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Tomé: CâmaraMuniciPal de SãoTomé
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1967,pp. 22 a 26. BaltasarDias' Um
Drama^úgo Quinhentista Ainda Hoie
Reoresenádo em S'Tomé. o Comércio
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estudo do teatÍo popular e das danças
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UniversitYPress1996.
. Tenreiro, Francisco. á llba de Sao
ktnê. Lisboa Junta de Investigações
do Ulramar 1961.
. Valbert, Christian. Le Tchiloli de Sâo
Tomé. Un ExemPle de Subversion
Culrurelle. I-esLitterântrq $icaines
de Lanlue Portr,gaise,PP' 437 a 444'
Paris :Íundaç-ão CalousteGulbenkian
19&í.
. Valverde,Paulo. O Tchiloll de S'Tomé
ou alguns mistérios de uma obra
orjrrÃ. Tcbitoli. Rel'ista de S-Tomée
PrínciP. No. 0, 1997,P.5' Máscara,
Mato-eMofte em São Tomé'Oeiras:
Celta Editora 20O0.
20
a peça imPrimia-se em Poilugal
antesde 1886.
É incompreensível que, no seu
livro publicado em 2006, Gründ
não se Íefira ao artigo de 1985 de
António Ambrósio. Pelos vìstos,
além do artigo dele, ela ignora
também as obras de Valverde e
Kalewska, pois estão auseÍÌtes da
bibliografia do seu livro. Em vez
disso, ela baseia-seem Ribas e Reis,
os autores da insPiraçâo luso-
úopicalista dos anos 1P60, cuias
publicações sobre o tchiloli
aparecem na bibliografia do seu
livro.
Teria sido mais adequado que
não tivesse dado uma resposta
concreta à questão da data da
introdução desse teatro em Sâo
Tomé, como fez PosteriorÍnente o
etnólogo e escritor Jean-Yves
Loude, no seu livto CouP de tbéâtre
à São Tomé(2007:L63). Efectiva-
mente a teaÍi^ dos anos 1960,
defendida Por Gründ, não Passade
uma esPeculação bzseada Íra
mitologia colonial daêpoca' Loude
menciona a tese da introdução Por
mestresde açúcar madeirenses, mas
tambéfn que o texto de Dias não
foi publicado antes de 7665 em
Lisboa, quando a cultura de açúcar
em São Tomé i^ rir.ha entrado em
declínio. Daí Loude se Perguntar
quando foi a Peça aPresentadaPela
primeira vez em São Tomé'
Contudo, não dâ nenhuma resPosta
à questâo da origem, Pois acha
mais relevante a própria existência
do tchiloli.
C,onchrsões
Nâo existe nenhum documento
sobre a introdução ou a aPresen-
tação do tchiloli em Sâo Tomé
anterior ao final do século XIX' A
tese, segundo a qual a Peça foi
introduzida na ilha PoÍ mestres de
açÍrcarmadeirenses, no século XVI,
baseia-se no facto de Baltasar Dias'
o autoÍ do original, ser madeirense
e tê-la escrito Por volta de 754O'
Para Ribas e Reis, autores sob
inspiração do luso-tropicalismo dos
anos 1960, esta simPles coinci-
dência era suficiente para Íeclamar
uma aculturação centenâna face à
cultura poÍtuguesa, provando assim
avitíria do luso-tropicalismo nas
ilhas. Em 1985, Ambrósio é o
primeiro autor a defender que o
tchiloli foi introduzido em São
Tomé apenas em fins do século
XD( durante a segunda colonização
do arquipélago. Estatese é apoiada
consecutivamente por outros
investigadores do tchiloli, nomea-
damente Shaw, Neves, Valverde e
Kalewska. Ignorando comPleta-
mente estes autores, em 2006,
Gründ publica um livro sobre o
tchiloli que se aqoiz numa esPe-
culação infundamentada de comen-
adores dos anos 1960 o
' r""õt8"d"trcentro de Estudos
Africanos (cEA) / ISCTE-IUL, Lisboa
1 o Auto de Floripes é tamMm
representado anualmente na Vila das
Néves, Viana de Castelo, em 5 de
Agosto.
z Beia1D4.
3 Reis 1969:
4 Neves t98:11.
5 Valverde 2000:16.
6 Veja também Grcnd1993:123.
7 O tomércio do Porto, 28 de Março
de 1.967,P.13.
8 Ribas 1967'26.
e perkins t996:135.
10o Parvo. "Tchíoli ê catdidato ao
parimônio cultural da UNESCO", 16
Março 2009.
11Pereira 2OO2:217.
12cunha Matos 1916 11842}61
13Baptista 261.gJ, 723.
14Esta afirmação é curiosa, visto que
o próPrio Garrett não atribuiu o
texto original da Peça ao
dramaturgo madeirense (Reis
1969:5ì.
r5Àmbósio19a5:63-
LAÏÏruDES n" 36- octobreã)09

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A introdução do tchiloli em São Tomé e a data controversa

  • 1. Garlos Magno no Equador AintroduçãodoTchiloliemSãoTomé executado na Í orÍaleza imPerial. os grupos do tchiloli, conhe- cidos na ilha por tragédías, tèm cerca de trinta elementos cada um, e pertencem todos a uma deter- minada localidade de forros (assim se chamam os crioulos nativos de São Tomé). Dentro de certos limites dramaúrgicos, cada tragêdia repre- senta uma versâo PróPria da Peça. Conforme a tradição medieval, exclusivamente os homens repre- sentam todos os PaPéis, inclusiva- mente os de mulheres. Além disso, o mesmo actor amador representa sempre a mesma Personagem. Os papéis, o guarda-rouPa e os textos transmitem-se no seio das famílias. Actualmente existem mais gruPos de tchiloli em São Tomé do que antes da independência. Em 1969, havia cinco tragédias3, em 1991 existiam nove gruPosa, entre 1995 e 1998 actuaram 15 gruPos5 e, segundo informações da Direcção Nacional da Cultura, em 2OO7 permaneciam 12 tragêàias. Geralmente um esPecúculo tem a duração de cerca de seis horas e é apresentado em teÍra batida num quintal ou numa Praça Pública, ao ar livre, durante a grauana (estação seca), sobretudo Por ocasiâo das festas anuais dos santos católicos das vilas e de outras festividades' Â influência afticana, em termos da noção de temPo, estendeu as poucas Páginas do texto original para representaçÕes bem mais longas. O palco rectangular, aberto pode ser visto de todos os lados' Os espectadores participam activa- mente no esPectáculo atrar'ésde comentários durante asrárias cenas do teatro. A um lado do Palco ergue-se a corte alta sobre estacas de madeira. coberta com ramos de palmeira. representando o palácio imperial. No lado oPosto' no chão, a palhota feita de ramos verdes ."pt t"ttt" a corte baixa da farrúlia GerhardSeibert* enlutada dos Mântua. Durante o espectáculo, um pequeno caixão colocado numa cadeira no meio do palco simboliza o Valdevinos morto. A maior parte dos versos de sete sílabas de B. Dias são utilizados sem quaisquer alterações, contudo, textos adicionais de Prosa em portr.rguêsmoderno foram integra- dos na Íepresentação' Estes domi- nam as Partes relativas à investi- gação criminal e aos procedimentos legais. Em contraste com o texto original, estes textos modernos são constantemente adoptados e impro- visados pelos actores. Enquanto o argumento da Peça assume a sua imPortãncia, a dança, a pantomima e a música não são menos relevantes no contexto do espectáculo. Todo o tchiloli é uma mistura de dança e Pantomima. Uma orquestra comPosta de tambores de diferentes tamânhos, um sino, flautas de bambu e sucalos (chocalhos) - instrurnento local feito Por um Pequeno cesto contendo sementes - fornecem a música que acomPanha os actores dançando de um ladoPzrz o outro' A música é caracterizadamente monótona, uma única melodia é retomada. A questilo da fntrodução do tchiloü A data da introdução do texto de Baltasar Dias em São Tomê não é consensual. É aceite Por muitos autores que o tchiloli foi intro- duzido em SãoTomé no século XVI por mestres de engenhos de açúcar àa ilha da Madeira' Esta ideia baseia-se no facto de o autor do texto original desta Peça ser um madeirense do século XVI, e Por a cultura de açúcar ter sido intro- duzida em São Tomé, z Partit da Madeira, durante o início da m São Tomé e PrínciPe existem dois teatrosPoPu- lares do ciclo das histórias de Cados Magno, nomeadamente z4 Tregédia do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno, em SâoTomé, e o Auto de FloriPesl, no Príncipe, apresentado tradicional- mente em 15 de Agosto, Dia de São Lourenço. Ambos os teatros sào exemplos emblemáticos da criouli- zação cultural e do teatro sincré- tico. O primeiro, mais conhecido por tchiloli, é a manifestação cultural mais divulgada e melhor documen- tada do arquipélago Pois, desde os anos de 1960, aPareceram vários livros e trabalhos áudio-visuais sobre esse teatro PoPular, não apenas em pornrguês, mas também em inglês, francês e alemão- A palavra crioula tchiloli é sinónima de teatro e deriva etimologicamente do português tiroliro (Pifarc), a flauta transversal que se toca durante o especúculo2. O tchiloli baseia-se num texto escrito por volta de 1540 Por Baltazar Dias, um dramafurgo cego' madeirense da escola de Gil vicente 0465-1530' o seu drama inspira-se em seis romances ceste- lhanos que, Por sua vez' derivam do ciclo carolíngio do século XI' Este teatro medieval conta a história de Dom Carloto, filho e herdeiro do imperador Carlos Magno que assassina o seu melhor amigo, Valdevinos, sobrinho do marquês de Mântua, durante uma caçada, porque se aPaixonou Por Sibila, a esposa de Valdevinos. O crime leva as duas famílias e os seus represen- antes a debaterem questões de lei, de iustiça e de governaçào' Os temas chave desse drama são a traição e a igualdade perante a lei' O imperador é confrontado com o dilema de escolher entre a t'ctiso'l d'état, o interesse nacional. e o seu amor paternal. Finalmente' o seu filho é condenado à morte e 1.6 LATÏruDES n" 36- octobre2009
  • 2. primeira colonizaçâo da ilha, na mesma época. Estateoria é também defendlda repetidamente pela francesaFrançoise Gründ, esPecialista em etno- cenografia e autora de um dos livros mais recentessobre o teatro são-tomense,intitulado Tcbiloli' Cbarlemagne a São Torné 1ur l'íle du milieu du monde (2006)Ó'Neste livro Gründ afirma mais Precisa- mente que o tchiloli teria sido levado Para São Tomé Por actores ambulantesda Madeira,que teriam encenado a Peça a convite dos olantadores de açúcar na ilha, no iéculo xvl (P. 55). Contudo, ela nâo apresenta nenhuma fonte documental que Possafundamentar essa afirmação. A tese da introdu- ção do drama no século XVI foi lançada inicialmente Por autores portugueses influenciados Pelos àonceitos do luso-tropicalismo dos anos 1960. Na sua famosa monografia / Ilha de São Tomé (1961:187), o geôgraío e poeta Francisco Tenreiro (tgit-196) menciona o tchiloli "entre os elementos demonstrativos da aculturação a que as PoPulações chegaram em SàoTomé"' Contudo, Tenreiro relaciona essaaculturação apenas implicitamente com o início da colonização da ilha, Pois não indica nenhuma éPoca exacta' Mais exPlícito é o Professore etnólogo Tomaz Ribas(1918-1999) que, em 1967,Publicou um ^rÍigo intitulado Baltasar Dias' um dra' maturSo Quinbentista ainda boje represántado em S. Tomé, no qual afirma: 'Parece ser evidente que o uso de tais representaçõesdeve ter sido levado para as duas ilhas pelos colonos metroPolitanos e madei- renses. Nào esPanta que assim tenha sido, visto que os Primeiros contingentes de colonizadores ali chegados são constituídos em grande Parte Por minhotos e madeirenses que introduziram nas duas ilhas a cultura da caoa e a rndústria dos engenhosT'" Num outro artigo sobre o tchiloli, publi- cado no mesmo ano em São Tomé, Ribas refere que *autores do princípio do século Passado IXIXì rá se referem a tais representações", porém, não revela as resPectivas rf 36- odobíe2009 LAITruDES referênciass.Ribastambém informa que a peça foi Publicadaem Lisboa, em 1661. uma data considera- velmente posterior à suposta intro- duçâo em SàoTomé. Baseando-seem Ribas,em1969, Fernando Reis, um enfermeiro e etnógrafo amador em São Tomé, escreve na sua obra Poao Floga' O Pouo Brinca. Folclore de São Tomé e Príncipe que mestres açucareiros da Madeira teriam introduzido a peça teatral em São Tomé (P' 54)' Reis(1969:17)está convencido de que, iunto a outras manifestações culturais locais, o tchiloli "ê testemunho vivo da aculturação centenáriadeste povo crioulo"'e constitui prova evidente da vitória de luso-tropicalismo nestas iÌhas"' Longa ê ahsta dos autores que, Ì ìt' desde entâo, têm rePetido cegà- mente as teses de Ribas e de Reis segundo a qual o tchiloli teria sido inÍoduzido Por mestres de açúcar madeirenses,no século XVI. Christian Valbert (1990:33)que dâ uma interPretação Política ao tchiloli, segunda a qual Carlos Magno e a sua corte representarianr as autoridades coloniais de Lisboa, é um dos autores que aceita essaideia' L reaïizadora sueca Solveig Norcllund, que em 1990 realizo'tt um documentário sobre a Peça teatral intitulado An Immorlal Story, afirma na sinoPse do filme que "Quando vinham à ilha africana de São Tomé Pela Primeita vez em 747O, plantadores de açúcar europeus levaram consigo um livreteque contava a história sobre ,íllt t-
  • 3. o Imperador Carlos Magno e o itaiiano Marquês de Mânrua." Juliet Perkins (ú990: 734), professora de Estudos Portugueses em Londres, considera Plausívela tese de Ribas e Reis, mas acha que a peça nâo podia ser levada Para SàoTomé pelos Primeiros colonos, mas por emigrantes sucessivos, visto que, somente em 1537, Baftazar Dias obteve de D. João III o privilégio de imPressãoe venda das sltas obras. Além disso, ela especula em ser Possível que o texto de Dias tenha sido Ìevado uma segundavez Par^ SàoTomé, no século XIX, desta vez Pelos plantadoresde cacau e de café9. Ilustrando a caqa do seu livro São Tome e PrínciPe' A Inuenção cle Uma Sociedade, que trata da formação clasociedade crioula no século XVI, com uma foto de um grupo do tchiloli, a historiadora Isabel Castro Henriques (2000), também sugere que esse teatro tenha sido introduzido nessaépoca' Na capa, a1arece a informação de que é uma "fotografia do princípio do século )O('. Contudo, sem indi- cação de qualquer fonte documen- tal, no livro a autora aFirma:"O Tchiloli assentana representaçào anr.ralde uma Peça do século XVI, possiveimente importada Pelos mestres do açúcar madeirenses, pois é de autoria do também madei- ,.r,r. ..go BaltasarDias" (P' 109)' A mesma foto aparece também numa publicação do Comité Português de "A Rota do Escravo", presidido por Castro Henriques, intitulada Lugares de Memórta da Escranatura do Tráfico Negreíro. Ali a legendadafoto diz explicita- mente que "são ... as rePresenta- ções teatrais, como o Tchiloli, que desde o século XVI PÕem em evi- dência as relações de força que caracteizavam a sociedade esclava- gista do arquipélago." @-79. No artigo O Teatro ern Português, Publicado na Carnões' Reuistq de Letras e Culturas Lusofonas do Instituto Camões, tambérn DuaÍte Ivo Cruz (2AO6:22), crítico e historiador do teatro português, insiste que ".'.o Auto Carolíngio de&alÍazat Dias chega a São Tomé no ciclo de cana-de- açúcar e da emigração/colonização madeirense". Possivelmente esta é a tese mais <lifundida e também mais larga- mente aceite em São Tomé' Em Março de 20O9, Por ocasiâo da candidatura do tchiloli ao Patri- mónio cultural intangível da UNESCO,Amâncio Carvalho, res- ponsável da tragêdia Formíguinba de Boa Morte, decÌarou que *essa cultura veio Para aqui devido aos escravos da cana-de-açitcar, nós os são-tomenses Pegámos nisto e demos o nosso ieitolo..." Novat€s€ sobre adzrtld^ entrada do tchiloli - confirmada e ignorada Porém essateoria não Possui nenhuma base documental, visto oue o tchiloli não é mencionado nos Primeiros documentos sobre SâoTomé. O gruPo mais antigo da ilha é a Tragédia da Desejada, funclada em 793517' Os Primeiros livros sobre São Tomé, Publicados no século )OX, carecem igualmente de referências sobre esse teatro popular. Servem de exemPlo os livros Corografia Historica' Ilbas de S.Tomé e PrínciPe, de Raimundo José da Cunha Matos, governador clasilhas de 1816 a 78!7, Publicado em 7842, onde esse teatro está ausente; e A ProuínciL de S. Tbomé e Príncipe e Suas Dqendências, do médico Manuel Ferreira Ribeiro (Lisboa, 1877),onde o autorescreve sobre "usos e costumes dos habi- tantes", contudo, não menciona o tchiloli com uma '6nica Palavta. António Almada Negreiros (1868-193D, o pai do artista José Almada Negreiros (1893-1970), é o primeiro a referir-se no livro História EtbnograPhica da llba de S.Tbomé (Ú895 767, 343) duas vezes, brevemente, ao tchiloli, dizendo apenas que é a represen- Íação avariada? da vida e feitos de Carlos Magno. Contudo, não acres- centa nada sobre a sua origem em Sâo Tomê. Curiosamente, em 1901, Castro e Morais, Professor jubilado da escola princiPal do arquiPélago, publica um breue esboço dos costurnes de S. Tomé e PrínciPe oncle descreve, com alguns deta- lhes, o Auto da FloriPes e o Danço Congo, uma dança Pantomímica, mas nada diz sobre o tchiloli' Aliás, parece que tambêm o Auto da FloriPes era desconhecido no início do século XIX, visto que Cunha Matos (1776-1839) não o menciona na sua breve descrição do Dia de São Lourenço' no referido livro, Publicado em 784212. O Auto da FloriPes do Príncipe baseia-sepossivelmente num texto original Publicado em Lisboa,em 185813. Na sua tese de doutoramento sobre o tchiloli, o dramaturgo Paulo Alves Pereira (2002:1'85)especula afirmando que esse drama teria sido introduzido Por são-tomenses ao regressarem de Lisboa à ilha, em meados do século XIX' A sua suposição baseia-sena versão da peça utilizada em São Tomé, que Reis publicou. Segundo este autor' trata-se da versão de Almeida Garrett, Publicada em 1843, no Romanceiro, que tem mais dez versos do que a versão de Baltasar Dias do século XVIr4' Citando Alves Pereira' Ivo Cruz Qffi6:29) confessa' no artigo referido acima, relativa- mente à sua introdução Por mestres madeirenses no séc' XVI, que "esta tese é obviamente discutível"' 18 LAITI-UDES n" 36- octobe2009
  • 4. I I 3.1 Lui E: * f E: ï. Ë âi ?; il" ! 1 :, t Além da ausência de fontes :ìrsróricassobre o tchiloli, todos os Ìutores citados ignoram completa- mente António Ambrósio, padre e i:j-storiadoramador que, já em 1985, ciefendeu, no seu artigo Para a Historia do Folclore São-tomense, publicado na revista Historia, a Ieoria segundo qual o tchiloli foi introduzido na ilha apenas no final do século XIX, por Estanislau -{ugusto Pinto, um funcionário português do tribunal. Foi ele que, emJunho de L880,fundou em São Tomé a associação recreativa, dramâtica e musical "Sociedade Âfricana 23 de Setembro". Este grupo teatral teria sido o primeiro a encenar o tchiloli em SãoTomé. 15 Â-b.ório (1985:66) acredita que Pinto também foi o autor dos textos adicionais em prosa e português moderno, acrescentando-os aos versosde Dias. Luciano Caetano da Rosa (7D 4:1.01), professor universitário português radicado na Alemanha, acredita que a tese de Ambrósio, de que o tchiloli foi introduzido por EstanislauAugusto Pinto, carecede fundamento. Todavia, nâo funda- menta a sua rejeiçào no artigo original de Ambrósio, mas sim no artigo de Jean-Michel Massa sobre Originalités du Tcbiloli inserto na revista InÍernatirnule de I'Imaginaire. O próprio Massa(199O:22) acha possível que Pinto tenha reajustado o texto de Dias, que iá existiria em SãoTomé. Sem que se refira à tese de Ambrósio, Caroline Shaw (1996: 266) escreve a propósito da intro- dução do drama que "alguns consi- deram a possibilidade de mestres de açúcar madeirenses o introd- zirem no século XVI. Mais Provável é a sua introdução no século XIX, altura em que foram publicadas muitas edições baraÍas e populares da peça." O antropólogo Paulo Valverde Q997:5) é de opinião que 'Parece ser mais verosímil" que o tchiloli tenha início na segunda metade do século XIX. No seu livro Máscara, Mato e Morte (2000:"1.2),considera que a tese da introdução Por imigrantes madeirenses no séc. XVI em Sâo Tomé como "uma meta- n'36 - oc{obreã)09 LAITUDES morfose local do mito dos descobri- mentos portugueses". Valverde acha mais provável que o tchiloli "foi encenado, pela primeira vez, na segunda metade do século passado [KX] sob o entusiasmo de um amador de teatro local ou mesmo, segundo um dos meus informantes, de um comerciante português." No livrete do CD Tcbiloli S. Tomé da série z4uiagem dos sons, produzida por ocasião da EXPO 1998em Lisboa, a etno-musicóloga Rosa Clara Neves (1998:8), acha a hipótese de Reis "pouca provável, uma vez que não é sustentada por nenhuma das fontes da época nem por posteriores (cf. Negreiros i895)." A polaca Anna Kalewska (2005: 168), investigadora de culturas lusófonas, e autora duma tese de doutoramento sobre Baltasar Dias, defende que, "perante a argumen- tação e as documentadas afirma- ções de António Ambrósio e Paulo AÌves Pereira,podemos aceitar que o actual tchiloli de São Tomé fosse introduzido na ilha poi volta de 1880". Além disso, existem outros indícios que apoiam a tese de Ambrósio. No seu livro, Fernando Reis (1969: 53) escreve que "num folheto da chamada "literatura de cordel., esgotado há muito, em edição daLivraria Lello & Irmão do Porto, se acha o auto "ATragêdía do Marquês de Mântua e do Imperador Carloto Magno" sendo o nome do autor, Baltasar Dias, o escritor cego madeirense contem- porâneo de Gil Vicente... Este opúsculo, amarelecido e a desfazer- se pelos anos, foi-nos oferecido por um ilustre filho de São Tomé, o senhor Aureliano Aragão...A data da impressão, infelizmente, não nos foi possível identificá-Ia." Há anos comprei num alfarra- bista um exemplar desse opúsculo mencionado por Reis que, de facto, foi publicado em 1907,o que, pelo menos, indica que essaPeça tivesse uma certa poPularidade em Portugal, no início do século )O( e possivelmente antes, desde a publicação do Romanceiro de Garrerr. Segundo Perkins (1990:735) BIBLIocRAFIA . Ambrósio, Ântónio. Para a História do Folclore São-tomense.Historia, ne 87, 1985,pp.61-89. . Baptista,Augusto. FlorípesNegru. Coim-bra:Cena Lusófona 2001. . Beia, Maria Olinda. Tiroliro e Txiloli: uma história em comum. Iusorama 24 (1994),pp.96 a 101. . Castroe Morais, Antónìo Maria de Jesus.Um ln'ete esboçodos costumesde S.Tbotttée Prtncipe. Lisboa: 1901. o Comité Português de "A Rota clo Escravo". Lugares de fuIemória da BcrauaíLtr"a e do Tráf.co Negreiro. Lisboa:s.a. o Cruz, Duarte Ivo. O teâtro em português. Da expansão às independências. Camões.ReaistadE Letras e Culturas Ltuófonas. Teatro. 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Em vez disso, ela baseia-seem Ribas e Reis, os autores da insPiraçâo luso- úopicalista dos anos 1P60, cuias publicações sobre o tchiloli aparecem na bibliografia do seu livro. Teria sido mais adequado que não tivesse dado uma resposta concreta à questão da data da introdução desse teatro em Sâo Tomé, como fez PosteriorÍnente o etnólogo e escritor Jean-Yves Loude, no seu livto CouP de tbéâtre à São Tomé(2007:L63). Efectiva- mente a teaÍi^ dos anos 1960, defendida Por Gründ, não Passade uma esPeculação bzseada Íra mitologia colonial daêpoca' Loude menciona a tese da introdução Por mestresde açúcar madeirenses, mas tambéfn que o texto de Dias não foi publicado antes de 7665 em Lisboa, quando a cultura de açúcar em São Tomé i^ rir.ha entrado em declínio. Daí Loude se Perguntar quando foi a Peça aPresentadaPela primeira vez em São Tomé' Contudo, não dâ nenhuma resPosta à questâo da origem, Pois acha mais relevante a própria existência do tchiloli. C,onchrsões Nâo existe nenhum documento sobre a introdução ou a aPresen- tação do tchiloli em Sâo Tomé anterior ao final do século XIX' A tese, segundo a qual a Peça foi introduzida na ilha PoÍ mestres de açÍrcarmadeirenses, no século XVI, baseia-se no facto de Baltasar Dias' o autoÍ do original, ser madeirense e tê-la escrito Por volta de 754O' Para Ribas e Reis, autores sob inspiração do luso-tropicalismo dos anos 1960, esta simPles coinci- dência era suficiente para Íeclamar uma aculturação centenâna face à cultura poÍtuguesa, provando assim avitíria do luso-tropicalismo nas ilhas. Em 1985, Ambrósio é o primeiro autor a defender que o tchiloli foi introduzido em São Tomé apenas em fins do século XD( durante a segunda colonização do arquipélago. Estatese é apoiada consecutivamente por outros investigadores do tchiloli, nomea- damente Shaw, Neves, Valverde e Kalewska. Ignorando comPleta- mente estes autores, em 2006, Gründ publica um livro sobre o tchiloli que se aqoiz numa esPe- culação infundamentada de comen- adores dos anos 1960 o ' r""õt8"d"trcentro de Estudos Africanos (cEA) / ISCTE-IUL, Lisboa 1 o Auto de Floripes é tamMm representado anualmente na Vila das Néves, Viana de Castelo, em 5 de Agosto. z Beia1D4. 3 Reis 1969: 4 Neves t98:11. 5 Valverde 2000:16. 6 Veja também Grcnd1993:123. 7 O tomércio do Porto, 28 de Março de 1.967,P.13. 8 Ribas 1967'26. e perkins t996:135. 10o Parvo. "Tchíoli ê catdidato ao parimônio cultural da UNESCO", 16 Março 2009. 11Pereira 2OO2:217. 12cunha Matos 1916 11842}61 13Baptista 261.gJ, 723. 14Esta afirmação é curiosa, visto que o próPrio Garrett não atribuiu o texto original da Peça ao dramaturgo madeirense (Reis 1969:5ì. r5Àmbósio19a5:63- LAÏÏruDES n" 36- octobreã)09