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TÓPICOS
DE
ÁLGEBRA
1a
Edição - 2008
SOMESB
SOCIEDADE MANTENEDORA DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DA BAHIA S/C LTDA.
WILLIAM OLIVEIRA
PRESIDENTE
SAMUEL SOARES
SUPERINTENDENTE ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO
GERMANO TABACOF
SUPERINTENDENTE DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO
PEDRO DALTRO GUSMÃO DA SILVA
SUPERINTENDENTE DE DESENVOLVIMENTO E PLANEJAMENTO ACADÊMICO
FTC-EAD
FACULDADE DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS – ENSINO A DISTÂNCIA
REINALDO DE OLIVEIRA BORBA
DIRETOR GERAL
MARCELO NERY
DIRETOR ACADÊMICO
ROBERTO FREDERICO MERHY
DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÕES
MÁRIO FRAGA
DIRETOR COMERCIAL
JEAN CARLO NERONE
DIRETOR DE TECNOLOGIA
ANDRÉ PORTNOI
DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO
RONALDO COSTA
GERENTE DE DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÕES
JANE FREIRE
GERENTE DE ENSINO
LUÍS CARLOS NOGUEIRA ABBEHUSEN
GERENTE DE SUPORTE TECNOLÓGICO
OSMANE CHAVES
COORD. DE TELECOMUNICAÇÕES E HARDWARE
JOÃO JACOMEL
COORD. DE PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO
MATERIAL DIDÁTICO
PRODUÇÃO ACADÊMICA PRODUÇÃO TÉCNICA
JANE FREIRE JOÃO JACOMEL
GERENTE DE ENSINO COORDENAÇÃO
ANA PAULA AMORIM CARLOS MAGNO BRITO ALMEIDA SANTOS
SUPERVISÃO REVISÃO DE TEXTO
GECIARA DA SILVA CARVALHO PAULO HENRIQUE RIBEIRO DO NASCIMENTO
COORDENADOR DE CURSO REVISÃO DE CONTEÚDO
ADRIANO PEDREIRA CATTAI
RICARDO LUIZ QUEIROZ FREITAS PAULO HENRIQUE RIBEIRO DO NASCIMENTO
AUTOR(A) EDIÇÃO EM LATEX2ε
EQUIPE
ALEXANDRE RIBEIRO, ANGÉLICA JORGE, BRUNO LEMOS CEFAS GOMES, CLAUDER FILHO, DANILO BARROS DIEGO DORIA
ARAGÃO, FÁBIO GONÇALVES, FRANCISCO FRANÇA JÚNIOR, HERMÍNIO FILHO, ISRAEL DANTAS, LUCAS DO VALE, MARCIO
SERAFIM, MARIUCHA PONTE, RUBERVAL DA FONSECA E TATIANA COUTINHO.
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Sumário
Bloco 1: Teoria de Números e Polinômios 6
Tema 1: Números Inteiros e Congruências 6
Números Inteiros 6
1.1 Sistemas de Numeração ............................................................................ 6
1.1.1 O Processo de Contagem. ..................................................................... 6
1.1.2 A Representação de um Número em uma Base .............................................. 7
1.2 Princípios da Indução e Boa Ordenação ........................................................... 8
1.2.1 Primeira Forma do Princípio da Indução ...................................................... 9
1.2.2 Segunda Forma do Princípio da Indução ...................................................... 10
1.2.3 O Princípio da Boa Ordenação ................................................................ 11
1.2.4 Exercícios Propostos ........................................................................... 13
1.3 Divisão Euclidiana e Critérios de Divisibilidade .................................................... 13
1.3.1 O Algoritmo da Divisão......................................................................... 13
1.3.2 Mudança de Base .............................................................................. 17
1.3.3 Critérios de Divisibilidade ...................................................................... 19
1.3.4 Exercícios Propostos ........................................................................... 19
1.4 Números Primos e o Teorema Fundamental da Aritmética ........................................ 20
1.4.1 Números Primos ............................................................................... 20
1.4.2 Crivo de Eratóstenes ........................................................................... 21
1.4.3 O Teorema Fundamental da Aritmética . ....................................................... 22
1.4.4 Exercícios Propostos ........................................................................... 24
1.5 MMC e MDC ........................................................................................ 25
1.5.1 Máximo Divisor Comum ........................................................................ 25
1.5.2 Mínimo Múltiplo Comum ....................................................................... 32
1.5.3 Exercícios Propostos ........................................................................... 35
1.6 Introdução ........................................................................................... 35
1.7 Definição e Propriedades ........................................................................... 36
1.7.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 39
1.8 Classes de Congruência ............................................................................ 40
1.8.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 47
Tema 2: Polinômios 48
Divisão de Polinômios 48
2.1 Corpos .............................................................................................. 48
2.1.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 50
2.2 Definições e Operações ............................................................................ 50
2.2.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 52
2.3 Lema da Divisão de Euclides ....................................................................... 52
2.3.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 56
2.4 MDC e MMC ........................................................................................ 56
2.4.1 Máximo Divisor Comum ........................................................................ 56
2.4.2 Mínimo Múltiplo Comum ....................................................................... 60
2.4.3 Exercícios Propostos ........................................................................... 61
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 3
2.5 Raízes e Fatoração ................................................................................. 62
2.5.1 O Algoritmo de Briot-Ruffini .................................................................... 62
2.5.2 Exercícios Propostos ........................................................................... 64
2.6 O Teorema Fundamental da Álgebra ............................................................... 64
2.6.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 67
2.7 Fatoração em Polinômios Irredutíveis .............................................................. 67
2.7.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 70
Bloco 2: Grupos 71
Tema 3: Grupos, Subgrupos e Homomorfismos. 71
Teoria de Grupos 71
3.1 Grupos .............................................................................................. 71
3.1.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 75
3.2 Subgrupos........................................................................................... 76
3.2.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 78
3.3 Homomorfismo ...................................................................................... 78
3.3.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 79
3.4 Isomorfismo ......................................................................................... 79
3.4.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 80
Tema 4: Outros Tipos de Grupos 81
Grupos Cíclicos 81
4.1 Potências e Múltiplos ............................................................................... 81
4.1.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 83
4.2 Grupos Cíclicos ..................................................................................... 83
4.2.1 Grupos Cíclicos Infinitos ....................................................................... 84
4.2.2 Grupos Cíclicos Finitos ........................................................................ 85
4.2.3 Exercícios Propostos ........................................................................... 86
4.3 Grupos Gerados Por Subconjuntos. ................................................................ 86
4.4 Classes Laterais .................................................................................... 87
4.4.1 Proposições Sobre Classes Laterais .......................................................... 88
4.4.2 Teorema de Lagrange .......................................................................... 89
4.4.3 Exercícios Propostos ........................................................................... 89
4.5 Subgrupos Normais ................................................................................. 90
4.5.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 90
4.6 Grupos Quocientes ................................................................................. 90
4.6.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 91
4.7 Teorema do Isomorfismo............................................................................ 91
4.7.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 92
4.8 Anel ................................................................................................. 92
4.9 Exemplos Importantes de Anéis .................................................................... 93
Referências Bibliográficas 94
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA4
Caro aluno,
A Álgebra Moderna é um ramo da Matemática que estuda a teoria dos números e as estruturas
algébricas tais como grupos, anéis e corpos.
A construção dos conjuntos numéricos clássicos como os naturais, inteiros, racionais e reais se
constituem em partes importantes da Álgebra. Outras estruturas associadas a conjuntos de Matrizes
e Polinômios também são abordadas no estudo da disciplina.
O objetivo do nosso trabalho é o uso de um texto ameno, que procura motivar cada conceito
introduzido e, dentro do possível, apresentá-lo dentro de um contexto histórico. Um texto que admita
a inexperiência inicial do aluno, mas que fosse capaz de acompanhar sua evolução com o decorrer
do curso. Tentamos adotar o mesmo enfoque empregado no ensino básico, tornando nosso texto
uma fonte de consulta imediata para os professores daqueles níveis.
O Princípio da indução é bastante abordado devido à sua importância para a demonstração da
maior parte dos resultados obtidos para números naturais, números inteiros e polinômios.
No Bloco Temático 1, veremos, no Tema 1, os inteiros e o conceito de congruências. No Tema
2, estudaremos os polinômios salientando a similaridade destes com os inteiros em diversos teore-
mas. Já no Bloco Temático 2, trataremos, no Tema 3, do estudo de uma estrutura algébrica muito
importante denominada Grupo e por fim no Tema 4 apresentaremos vários tipos importantes de car-
acterização dessas estruturas e uma breve introdução ao estudo dos anéis, os quais se constituem
numa outra estrutura algébrica importante da álgebra Moderna.
Encontra-se disponível nesse material, além de vários exercícios resolvidos e exemplos de apli-
cação, questões propostas, ao final de cada seção.
Esse trabalho foi elaborado com bastante cuidado, sendo que cada tópico da teoria foi cuidadosa-
mente pensado com o objetivo de facilitar o seu aprendizado. Os erros são previsíveis. Portanto,
para que possamos melhorar este material a sua contribuição será necessária.
Prof. Ricardo Luiz Queiroz Freitas.
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
BLOCO 01
Teoria de Números e Polinômios
TEMA 01 Números Inteiros e Congruências
Números Inteiros
1.1 Sistemas de Numeração
1.1.1 O Processo de Contagem
O conceito de número, com o qual estamos acostumados, evoluiu muito lentamente. Para o homem civi-
lizado de hoje, o numero natural é um ente puramente matemático, uma conquista de seu pensamento.
Todos os tipos de sociedades foram obrigadas a desenvolver um conceito de número e, associado a este,
algum processo de contagem. O processo de contagem passou a ser definido, então, a partir de um conjunto
familiar ao qual se fazia corresponder os objetos a serem contados.Estes conjuntos eram chamados conjuntos
de contagem e poderiam estar associados, por exemplo, aos dedos da mão, do pé, pedras e etc. Com a
evolução da humanidade, o homem sentiu que era necessário sistematizar o processo de contagem, e os
povos de diversas partes do mundo desenvolveram vários tipos de sistema de contagem. Estabelecia-se
então um conjunto de símbolos juntamente com algumas regras que permitem contar, representar e enunciar
os números. Alguns desses conjuntos continham cinco, outros dez, doze, vinte ou até sessenta símbolos,
chamados “símbolos básicos”.
Hoje, o processo de contagem consiste em fazer corresponder os objetos a serem contados com o conjunto
N = {1, 2, 3, . . .}.
A possibilidade de se estender indefinidamente a seqüência numérica e, portanto, a existência de números
arbitrariamente grandes, foi uma descoberta difícil. Arquimedes (287-212 a.C.), em sua monografia “O contador
de Areia, descreve um método para enunciar um número maior do que o número de grãos de areia suficiente
para encher a esfera das estrelas fixas (então considerada como “Todo” isto é, o Universo). Em outras palavras,
Arquimedes descreveu um número maior do que o número de elementos do maior conjunto de contagem
possível: o Universo.
Tendo sido escolhido o conjunto de símbolos básicos, os primeiros sistemas de numeração, em grande
maioria, tinha por regra formar os numerais pela repetição de símbolos básicos e pela soma de seus valores.
Assim eram os sistemas egípcio, grego e romano.
Por volta de 3000 a.C. os egípcios usavam figuras para representar seus numerais. Tinham então um
sistema que consistia em separar os objetos a serem contados em grupos de dez, mas não tinham um símbolo
para zero. Portanto, pra representar cada múltiplo de dez, eles utilizavam um símbolo diferente dos básicos.
Por volta de 400 a.C., os gregos utilizavam letras para representar os números.
Como essas notações eram aditiva apresentavam um grande inconveniente: à medida que os números
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA6
maiores são escritos, mais símbolos devam representá-los (já que utilizar apenas os símbolos antes empre-
gados torna a representação do número demasiadamente extensa). Entretanto, essa dificuldade é superada
atribuindo-se importância à posição que um símbolo ocupa na representação de um número. Assim já era o
sistema desenvolvido pelos babilônios por volta de 1800 a.C. Estes usavam grupos de 60 elementos e seus
símbolos eram combinações de cunhas verticais ( representando a unidade) e angulares (representando a
dezena), dando origem ao que se chama sistema sexagesimal - ainda nos tempos de hoje utilizamos esse
sistema ao medir o tempo em horas, minutos e segundos e os ângulos em graus. Um símbolo em uma seqüên-
cia fica então multiplicado por 60 cada vez que avançamos uma casa à esquerda. Estes sistemas posicionais
serão estudados mais adiante, a partir do conceito de base de numeração.
Os babilônios também não tinham um símbolo que representasse o zero, mas nas posições em que ele
deveria aparecer era deixado um espaço em branco, ficando a cargo do leitor a tarefa de adivinhar, pelo
contexto o valor correto que estava sendo representado.
A origem do zero é incerta; entretanto, os maias da América central, que possuíam um sistema vigesimal
posicional, já faziam uso dele por volta de 300 d.C.
Atualmente, quase todos os povos do mundo usam o mesmo sistema de numeração e aproximadamente os
mesmos algoritmos para efetuar as operações básicas da aritmética. Esse sistema quase que universalmente
adotado é conhecido como sistema numérico hindu-arábico, por acreditar-se ter sido ele inventado pelos indi-
anos e introduzido na Europa pelos árabes.
Esse sistema é decimal posicional. Ele é decimal, pois faz uso de dez símbolos (chamados algarismo): nove
para representar os números de um a nove e outro para representar posições vazias ou o número zero. Usamos
os algarismos 0,1,2,3,4,5,6,7,8 e 9. É posicional, pois todos os números podem ser expressos por meio desses
algarismos, que têm valor alterado à medida que eles avançam para a esquerda na representação do número:
cada mudança para a esquerda multiplica seu valor por dez. É o que passaremos a explicar.
1.1.2 A Representação de um Número em uma Base
Vimos, na seção anterior que a cada sistema de numeração posicional está associado um conjunto de
símbolos (algarismos), a partir dos quais escrevemos todos os outros números. Chamamos de base do sistema
à quantidade destes símbolos. Por exemplo, os babilônios usavam um sistema sexagesimal (isto é, de base
60), e hoje utilizamos o sistema decimal, ou seja, de base 10.
A razão de utilizarmos base 10 é convencional e, provavelmente, é conseqüência do fato de quase todos os
povos terem usado os dedos das mãos para contar. Temos então que no nosso sistema todo número pode ser
representado por uma seqüência
anan−1...a1a0,
em que cada algarismo ai ∈ {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}. O que cada algarismo representa depende de sua posição
nessa seqüência, de acordo com a seguinte regra: cada vez que deslocamos uma casa para a esquerda na
seqüência anterior, o valor do algarismo fica multiplicado por dez.
Generalizando: se o número de elementos de um conjunto é representado por uma seqüência anan−1 . . . a1a0,
esse conjunto tem an grupos de 10n
elementos, mais an−1 grupos de 10n−1
e assim por diante, até a1 grupos de
10 mais a0 elementos; ou seja, ele tem
an · 10n
+ an−1 · 10n−1
+ . . . + a1 · 10 + a0
elementos.
De forma análoga, podemos escrever qualquer número natural em outra base, bastando para isso tomar
quantidades de símbolos maior ou menor que dez e escrevermos o número com a mesma notação acima,
sendo que, ao invés de usarmos grupos de dez usaríamos grupos com outro número de elementos.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 7
Na verdade, não é difícil demonstrar que podemos ter sistemas de numeração posicionais com qualquer
base b ∈ N. Uma vez selecionada a base b , escolhemos b símbolos para representar os números de “0′′
a
“b − 1′′
. Se b ≤ 10, podemos utilizar os nossos algarismos hindu-arábicos. Caso contrário, ou seja, se b > 10,
podemos utilizar os mesmos algarismos hindu-arábicos de 0 até 9 e escrever outros símbolos ( por exemplo,
as letras do alfabeto) para representar os números 10, . . ., b − 1.
Resumindo, se b ∈ N , qualquer número inteiro não-negativo a pode ser escrito como
a = anbn
+ ... + a1b + a0,
em que os coeficientes ai , i = 0, 1, ..., n tomam valores de 0 a b − 1.
O número a é representado posicionalmente na base b pela seqüência
anan−1 . . . a2a1a0
e escrevemos a = (anan−1 . . . a2a1a0)b. Convencionamos não escrever o subscrito b quando estamos utilizando
a base 10, que é usual. Para cada i ∈ N, o símbolo ai representa, portanto, um múltiplo de alguma potência
da base, a potência dependendo da posição na qual o algarismo aparece, de modo que ao mover um símbolo
uma casa para a esquerda este tem seu valor multiplicado por b.
A afirmação de que é possível representar um número natural a em uma base b faz parte de um resultado
conhecido como Teorema de Representação de um número em uma base, o qual estudaremos mais adiante.
Este teorema nos garante não só a existência, mas também a unicidade dessa representação, uma vez fixada
a base. Veremos também um algoritmo que nos permite obter a representação de um número natural qualquer
em uma base.
1.2 Princípios da Indução e Boa Ordenação
Na Matemática, muitos resultados são admitidos como verdadeiros desde que possam ser demonstrados,
isto é, deduzidos de resultados já conhecidos (teoremas, proposições,lemas, corolários, etc.), ou então de
afirmações aceitas como verdadeiras de forma intuitiva, ou seja, que não possuem uma demonstração formal
(axiomas, postulados, princípios). A seguir descreveremos os números naturais a partir de uma indispensável
ferramenta na demonstração de muitos teoremas: o Postulado do Princípio da Indução Finita. Veremos, assim,
como utilizá-lo na demonstração de várias afirmações a respeito dos números naturais.
Toda a teoria dos números naturais pode ser desenvolvida a partir dos axiomas devido a Giussepe Peano
(1858-1932). Dados, como objetos não definidos, um conjunto N, cujos elementos são chamados números
naturais, e uma função s : N → N. Para cada n ∈ N, o número s(n), valor que a função s assume no ponto n, é
chamado o sucessor de n.
A função s satisfaz aos seguintes axiomas:
(i) s : N → N é injetiva, isto é, dados m, n ∈ N, s(m) = s(n) ⇒ m = n. Em outras palavras, dois números que
têm o mesmo sucessor são iguais.
(ii) N − s(N) consta de um só elemento, ou seja, existe um único número natural que não é sucessor de
nenhum outro. Ele se chama “um” e é representado pelo símbolo 1. Assim, qualquer que seja n ∈ N,
tem-se 1 = s(n).
(iii) Se X ⊂ N é um subconjunto tal que 1 ∈ X e para todo n ∈ X tem-se também s(n) ∈ X, então X = N.
Não desenvolveremos, aqui, as demais definições de operações entre naturais e suas propriedades, bem
como as relações de ordem entre naturais, lembrando que estas definições e propriedades são obtidas por
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA8
indução, ou seja, a partir dos axiomas dados acima ( para detalhes, o leitor pode consultar...). O terceiro
axioma é, exatamente, o Princípio da Indução e o enunciaremos de outra forma, a qual será mais conveniente
para se trabalhar.
1.2.1 Primeira Forma do Princípio da Indução
Suponhamos que uma afirmação seja válida em muitos casos particulares e que seja impossível considerar
todos os casos possíveis - por exemplo, uma afirmativa a respeito de todos os números naturais. Como se pode
determinar se essa afirmativa é válida em geral? Na maior parte das vezes podemos resolver essa questão
aplicando um método de indução matemática (indução completa), baseado no
Princípio da Indução Matemática - primeira forma:
Suponha que para cada número natural n se tenha uma afirmativa P(n) que satisfaça as seguintes pro-
priedades:
(i)P(1) é verdadeira;
(ii) sempre que a afirmativa for válida para um número natural arbitrário n = k, ela será válida para o seu
sucessor n = k + 1 (ou seja, P(k) verdadeira implica P(k + 1) verdadeira).
Então P(n) é verdadeira para todo número natural n.
As hipóteses do Princípio da Indução (quer dizer, os ítens 1 e 2 acima) possuem significados específicos. A
primeira hipótese cria, digamos assim, a base para se fazer a indução. A segunda hipótese nos dá o direito de
passar de um número inteiro para o seu sucessor (de k para k +1), ou seja, o direito de uma extensão ilimitada
desta base. Observe que o item ii é uma implicação possuindo uma hipótese (P(k) é verdadeira) e uma tese
(P(k + 1) é verdadeira). Assim, provar o item ii significa provar que a hipótese acarreta a tese. A hipótese do
item ii é chamada hipótese de indução.
ER 1. Calcular a soma
Sn =
1
1 · 2
+
1
2 · 3
+
1
3 · 4
+ · · · +
1
n(n + 1)
.
Solução: Sabemos que S1 =
1
2
, S2 =
2
3
, S3 =
3
4
, S4 =
4
5
.
Observando os valores das somas S1, S2, S3, S4, tentaremos provar, usando o método de indução
matemática que
Sn =
n
n + 1
para todo natural n.A afirmação vale para n = 1, pois S1 =
1
2
. Supondo válido para n = k, isto é,
Sk =
1
1 · 2
+
1
2 · 3
+ · · · +
1
k(k + 1)
=
k
k + 1
.
Provaremos que vale para n = k + 1, ou seja,
Sk+1 =
k + 1
k + 2
.
De fato,
Sk+1 =
1
1 · 2
+
1
2 · 3
+ · · · +
1
k(k + 1)
+
1
(k + 1)(k + 2)
= Sk +
1
(k + 1)(k + 2)
.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 9
Pela hipótese de indução, Sk =
k
k + 1
. Logo,
Sk+1 = Sk +
1
(k + 1)(k + 2)
=
k
k + 1
+
1
(k + 1)(k + 2)
=
k2
+ 2k + 1
(k + 1)(k + 2)
=
k + 1
k + 2
Verificadas as hipóteses do Princípio da Indução Matemática, podemos então afirmar que, para todo natural
n.
Sn =
n
n + 1
O método de indução matemática se baseia no fato de que, depois de cada número inteiro k, existe um
sucessor (k + 1) e que cada número inteiro maior do que 1 pode ser alcançado mediante um número finito de
passos, a partir de 1.
Nota 1. Muitas vezes uma afirmação sobre números inteiros é aceita a partir de um número n0 fixo (não
necessariamente n = 1). Assim, podemos reescrever o Princípio da Indução Matemática da seguinte
forma:
1.1 Teorema. [Formulação equivalente do Princípio da Indução] Suponha que, para cada número inteiro
n ≥ n0, se tenha uma afirmativa P(n) satisfazendo as seguintes propriedades:
(i)P(n0) é verdadeira;
(ii) sempre que a afirmativa for válida para um inteiro n = k ≥ n0 ela também será válida para n = k + 1.
Então P(n) é verdadeira para todo número inteiro n ≥ n0.
1.2.2 Segunda Forma do Princípio da Indução
Algumas vezes no princípio da indução a validade de P(k + 1) não pode ser obtida facilmente apenas da
validade de P(k), dependendo também da validade de algum P(r) tal que 1 ≤ r ≤ k.
Nesses casos podemos usar uma outra forma do princípio da indução, a qual apresentamos a seguir.
1.2 Teorema. (Princípio da Indução Matemática - segunda forma) Seja r um número inteiro. Suponha que,
para todo inteiro n ≥ r, se tenha uma afirmativa P(n) que satisfaça as seguintes propriedades:
(i) P(r) é verdadeira;
(ii) P(m) verdadeira para todo natural m com r ≤ m ≤ k implica P(k + 1) verdadeira.
Então P(n) é verdadeira para todo n ≥ r
Nota 2. Note que aqui também a condição (ii) consiste em uma implicação. Sua hipótese, como antes,
é chamada hipótese de indução. A diferença entre as duas formas do Princípio da Indução Matemática
está exatamente na hipótese de Indução: na primeira forma, supõe-se que P(k) seja verdadeira e, na
segunda, supõe-se que
P(k), P(k − 1), ..., P(r + 1), P(r)
sejam todas verdadeiras.
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA10
Por ser uma afirmação sobre números naturais, a segunda forma do principio da Indução pode ser provada
usando-se a primeira forma. Vejamos:
Demonstração da segunda forma do princípio da Indução: Para mostrar que a afirmativa P(n) é verdadeira
para todo natural n ≥ r, tomaremos o conjunto
S = {n ∈ Z : n ≥ r e P(r), P(r + 1), . . . , P(n) são verdadeiras}
e mostraremos, usando a primeira forma do Princípio da Indução, que
S = {n ∈ Z : n ≥ r}
Pela condição (i) temos que P(r) é verdadeira, ou seja, r ∈ S. Seja, k ≥ r tal que k ∈ S. Logo, pela
definição de S, P(r), P(r + 1), ..., P(k) são verdadeiras e então, pela condição (ii), temos que P(k + 1) também
é verdadeira, donde (k + 1) ∈ S.
Temos, assim, pelo terceiro axioma de Peano, que todos os inteiros n tais que n ≥ r pertencem a S, ou seja:
S = n ∈ Z : n ≥ r,
Desta forma, concluímos que P(n) é verdadeira para todo n ≥ r.
1.2.3 O Princípio da Boa Ordenação
Uma outra propriedade importante dos números naturais é o Princípio da Boa Ordenação, também con-
hecido como Princípio do Menor Inteiro. Tal princípio também é muito útil na demonstração de resultados a
respeito dos números inteiros. Veremos mais tarde que o princípio da indução e da boa ordenação, na ver-
dade, se equivalem, e que podemos tomar qualquer um deles como postulado e provar o outro.
Um conjunto S ⊂ R é dito limitado inferiormente, se existe um número a ∈ R tal que a ≤ s para todo s ∈ S.
Nesse caso, a é uma cota inferior para o conjunto S. Se a cota inferior está no conjunto S, dizemos que a é o
menor elemento de S.
1.3 Teorema. (Princípio da Boa Ordenação) Seja S ⊂ Z um conjunto não-vazio e limitado inferiormente.
Então S possui um menor elemento.
Exemplo 1.1. No conjunto {6, 8, 10, 12, 14, . . .} dos números pares maiores do que 4, temos que 6 é o menor
elemento.
Exemplo 1.2. O conjunto dos números inteiros
Z = {0, ±1, ±2, ±3, . . .}
não possui menor elemento, pois, se z ∈ Z então (z − 1) ∈ Z, isto é, Z não é limitado inferiormente.
De acordo com o exemplo anterior, não podemos esperar que conjuntos não-limitados inferiormente pos-
suam um menor elemento. O próximo exemplo mostra que mesmo conjuntos que são limitados inferiormente
podem não possuir um menor elemento.
Exemplo 1.3. Considere o conjunto dos números racionais positivos
Q+
=
Òm
n
; m e n são naturais positivos
Ó
,
ou seja, o conjunto de todas as frações positivas. Note que 0 é menor do que todos os elementos de Q+
.
Assim, concluímos que Q+
é limitado inferiormente. Mas, 0 não é menor elemento de Q+
pois 0 /∈ Q+
. Iremos
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 11
mostrar que Q+
não possui menor elemento. Suponha, por absurdo, que a ∈ Q+
seja o menor elemento de
Q+
. Como
a
2
também pertence a Q+
e
a
2
< a chegamos a uma contradição.
Em geral, qualquer resultado sobre os números inteiros que pode ser demonstrado usando-se o Princípio
da Indução, também pode ser demonstrado usando-se o Princípio da Boa Ordenação.
A seguir daremos uma demonstração do princípio da boa ordenação utilizando a segunda forma do princípio
da indução. A melhor forma de se obter tal resultado é considerarmos um conjunto S ⊂ Z de inteiros maiores
do que o inteiro a e supormos que S não possui menor elemento. Então provaremos que este conjunto só pode
ser o conjunto vazio e desta forma podemos concluir que, se S for um conjunto de inteiros maiores do que o
inteiro a e S = ∅, então S possui menor elemento. Vejamos, então a prova:
Demonstração do Princípio da Boa Ordenação: Seja S ⊂ Z um conjunto não-vazio e limitado inferiormente.
seja a ∈ Z uma cota inferior para S. Suponhamos que S não possua menor elemento.
Temos então que a /∈ S pois, caso contrário, a seria o menor elemento de S. Suponhamos que a, a + 1, a +
2, . . . , a + k não estejam em S (segunda forma do Princípio da Indução). Afirmamos que a + (k + 1) /∈ S. De
fato, se a + (k + 1) ∈ S então a + (k + 1) seria o menor elemento de S, pois todos os inteiros maiores do que a e
menores do que a+(k +1) não estão em S; como S não possui menor elemento, concluímos que a+(k +1) /∈ S.
Logo, pela segunda forma do Principio da Indução, nenhum elemento de Z maior do que a está em S.
Como S ⊂ Z é um conjunto de números maiores do que a, só podemos ter S = ∅. Concluímos que a única
possibilidade de S não possuir menor elemento é quando S = ∅ o que mostra o Princípio da Boa Ordenação.
A segunda forma do Princípio da Indução e o Princípio da Boa Ordenação foram apresentados como teo-
remas: a segunda forma do Princípio da Indução foi provada utilizando-se a primeira forma, enquanto que o
Princípio da Boa Ordenação resultou da segunda forma do Princípio da Indução.
Dizemos que duas afirmações A e B são equivalentes se A implica B (notação: A ⇒ B) e, reciprocamente,
B implica A (notação: B ⇒ A) e escrevemos A ⇔ B, que se lê: A se, e somente se, B.
Observe que já demonstramos que a primeira forma do Princípio da Indução implica a segunda forma, e que
esta implica o Princípio da Boa Ordenação. Assim, para completarmos a verificação que esses Princípios são
todos equivalentes, basta mostrarmos que o Princípio da Boa Ordenação implica a primeira forma do Princípio
da Indução. É o que faremos a seguir.
1.4 Teorema. O Princípio da Boa Ordenação implica a primeira forma do Princípio da Indução.
Prova: Seja P(n) uma afirmativa à respeito dos números inteiros, tais que
(a) P(n0) é verdadeira;
(b) Se k ≥ n0, P(k) verdadeira implica P(k + 1) verdadeira.
Queremos mostrar que P(n) é verdadeira para todo n ≤ n0. Para isso, definimos o conjunto
S = {n ∈ Z; n ≥ n0 e P(n) é falsa} .
Vamos mostrar, usando o Princípio da Boa Ordenação, que S = ∅, donde podemos concluir o desejado.
Claramente S é um conjunto limitado inferiormente. Suponhamos que S não seja vazio. Então, pelo
Princípio da Boa Ordenação, S tem um menor elemento k0 ∈ S. Temos que k0 = n0 pois, por hipótese,
P(n0) é uma afirmação verdadeira. Logo, k0 > n0. Isso quer dizer que k0 − 1 /∈ S e também que P(k0 − 1) é
uma afirmação verdadeira (pois k0 é a primeira afirmativa falsa). Mas isso é uma contradição com a hipótese
(b):P(k0 − 1) verdadeira implica P(k0) verdadeira. P
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA12
1.2.4 Exercícios Propostos
EP 1.1. Mostre, por indução, a validade de
1 + 23
+ 33
+ . . . + n3
=
n(n + 1)
2
2
.
EP 1.2. Prove, usando o princípio da indução, que o número de diagonais dn de um polígono convexo de n
lados é dado por
dn =
n(n − 3)
2
.
EP 1.3. Encontre a lei geral sugerida para as somas abaixo e, em seguida, mostre tal lei por indução.
1 +
1
2
= 2 −
1
2
,
1 +
1
2
+
1
4
= 2 −
1
4
,
1 +
1
2
+
1
4
+
1
8
= 2 −
1
8
.
1.3 Divisão Euclidiana e Critérios de Divisibilidade
Por volta de 300 a.C., Euclides de Alexandria (325-265 a.C.) escreveu o mais antigo texto matemático
grego conhecido até nossos dias, denominado Os elementos. Alguns capítulos da obra são sobre teoria de
números. Para os gregos, a palavra número significava o que hoje denominamos número natural e se refere
a um número como AB e não usa as expressões “é múltiplo de” ou “é dividido por”, mas “é medido por” ou
“mede”, respectivamente. O modelo concreto de número utilizado por Euclides era um segmento de reta de
comprimento igual a esse número, sendo a unidade de medida u escolhida arbitrariamente; por exemplo, o
número 7 era entendido como o seguimento AB, como na seguinte figura:
A B
u
Uma característica dos inteiros é que um número nem sempre divide o outro, e Euclides interessava-se
particularmente pelo estudo dessa relação, ou seja, pela teoria da divisibilidade. Resultados sobre os inteiros
já eram encontrados na obra de Euclides, com demonstrações que são utilizadas até hoje, apenas reescritas
numa notação moderna.
Nesta seção apresentaremos o importante resultado sobre números inteiros conhecido como o Lema da
Divisão de Euclides e mostraremos também outros teoremas como conseqüência desse lema, além de alguns
critérios de divisibilidade.
1.3.1 O Algoritmo da Divisão
Utilizando o modelo de número utilizado por Euclides, sejam os segmentos AB e CD de forma que o
comprimento de CD seja maior do que o comprimento de AB e suponhamos que o segmento CD possa ser
obtido pela justaposição do segmento AB num certo número de vezes. Dessa forma, podemos dizer que CD
possui AB como parte exata ou que AB pode servir para medir CD. A partir dessa idéia podemos obter a
definição abstrata de múltiplo.
1.5 Definição. Dados os números naturais a e b, dizemos que a é múltiplo de b, se existe um número natural
n tal que a = nb.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 13
No entanto, se o segmento AB não for uma parte exata do segmento CD, teremos que o segmento AB cabe
em CD um número máximo de vezes mais um segmento restante, por exemplo MN, o qual possui comprimento
menor do que o de AB.
Dessa forma, se os segmentos CD e AB representam os números naturais a e b, respectivamente, temos
que a = nb + r, em que r < b é o número natural que representa o segmento MN e n é o número máximo de
segmentos do tamanho de AB que cabe em CD.
Este é o enunciado, para os números naturais , do que hoje conhecemos como Lema da Divisão de Euclides
o qual demonstraremos através da indução matemática.
Sejam a e b números naturais. Vemos que existe somente duas possibilidades: ou a é múltiplo de b, isto
é, a = qb, em que q ∈ N, ou a está compreendido entre dois múltiplos consecutivos de b como indica a figura
abaixo.
qb a (q + 1)b
Nesse caso, temos que a distância de a a qb é menor do que a distância entre dois múltiplos consecutivos
de b. Assim, podemos escrever a = qb + r, em que 0 < r < b.
Nota 3. Até agora, consideramos o “1” como o primeiro número natural. No Lema de Euclides, a seguir,
consideraremos “0” como número natural. É uma simples convenção a questão do zero ser ou não um
número natural.
1.6 Teorema. (Lema da Divisão de Euclides) Sejam a e b números naturais, com b > 0. Então existem
números naturais q e r, com 0 ≤ r < b, de modo que a = qb + r.
Prova: Faremos a demonstração por indução em a.
Se a = 0, escolhemos q = 0 e r = 0, obtendo 0 = 0 · b + 0. Nesse caso, o resultado está demonstrado.
Seja então a > 0 (inclusive menor que b) e suponhamos, por indução, que o resultado seja válido para o
número natural (a − 1): existem q′
, r′
∈ N, tais que
(a − 1) = q′
b + r′
,
em que 0 ≤ r′
< b. Logo, a = q′
b + r′
+ 1 com 1 ≤ r′
+ 1 ≤ b.
Se r′
+ 1 < b, tomamos q = q′
e r = r′
+ 1, o que mostra o resultado. Se, por outro lado, r′
+ 1 = b temos
que
a = q′
b + b = (q′
+ 1)b,
e basta tomar, nesse caso, q = q′
+ 1 e r = 0.
Portanto, o Lema da Divisão de Euclides nos garante que, dados a, b ∈ N, com b > 0, sempre podemos
achar o quociente q e o resto r da divisão de a por b, o que fazíamos desde o ensino básico, para pares
particulares de números naturais a e b.
Podemos agora nos perguntar se o quociente e o resto são únicos. A nossa experiência nos diz que a
resposta a essa pergunta é afirmativa: há muito tempo sabemos que existe uma única “resposta certa” para
a divisão de a por b (verifique que essa unicidade fica clara ao considerarmos o nosso modelo geométrico).
Para demonstrar formalmente esse fato, vamos supor que (q′
, r′
) e (q′′
, r′′
) sejam dois pares de números
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA14
naturais tais que
a = q′
b + r′
, a = q′′
b + r′′
,
com 0 ≤ r′
< b e 0 ≤ r′′
< b.
Queremos concluir que q′
= q′′
e r′
= r′′
.
Se tivéssemos q′
> q′′
, obteríamos após subtrair membro a membro as equações acima que (q′
−q′′
)b =
r′′
−r′
, e como q′
−q′′
é um número natural não-nulo, q′
−q′′
≥ 1 e, portanto, (q′
−q′′
)b ≥ b. Logo, obteríamos
r′′
− r′
≥ b, o que é absurdo, já que 0 ≤ r′
< b e 0 ≤ r′′
< b. Assim, não podemos ter q′
> q′′
. Analogamente,
não podemos ter q′′
> q′
e, portanto ,q′
= q′′
. Como
r′
= a − q′
b = a − q′′
b = r′′
,
está provada, então, a unicidade no Lema da Divisão de Euclides.
Queremos, agora, estender o Lema de Euclides para o conjunto dos inteiros
Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .} .
Estes podem ser representados sobre uma reta escolhendo um ponto arbitrário como posição do zero
(chamado origem) e associando os pontos à direita do zero aos números naturais e os pontos à esquerda do
zero aos números inteiros negativos:
−2 −1 0 1 2
Temos, então, que o ponto correspondente a 2 fica à direita da origem e a duas unidades dessa, enquanto
que o número −2 fica à esquerda da origem, também a duas unidades dessa. Assim a cada inteiro b está
associado um número natural que é a distância de b à origem chamado valor absoluto de b. P
1.7 Definição. O valor absoluto de um número inteiro b, denotado por |b|, é
|b| =
b , se b ≥ 0
−b , se b < 0.
Nota 4. Para todo b ∈ Z, |b| é um número natural. Além disso, |b| = | − b|.
Podemos, agora, estender a definição de múltiplo para os inteiros.
1.8 Definição. Dados dois inteiros a e b, dizemos que a é múltiplo de b, se existe um inteiro q tal a = qb.
Exemplo 1.4. 8 é múltiplo de 4, pois 8 = 2 · 4; 8 também é múltiplo de −4 pois 8 = (−2)(−4); −8 é múltiplo
de 4 e de −4, pois −8 = (−2)4 = 2(−4).
Dado um inteiro b = 0, destacando na reta os múltiplos deste, temos que, para todo inteiro a, ou a é múltiplo
de b ou a está entre dois múltiplos consecutivos de b:
q|b| a (q + 1)|b|
Como estamos agora considerando também números negativos, podemos exprimir o fato de a estar entre
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 15
os múltiplos consecutivos de b, q|b| e (q + 1)|b|, de duas maneiras:
a = q|b| + r, com 0 < r < |b|, ou a = (q + 1)|b| + r, com − |b| < r < 0.
Trabalharemos sempre com a primeira forma exigindo, assim, que o resto seja não-negativo.
Exemplo 1.5. Se a = 8 e b = 3, escreveremos 8 = 2 · 3 + 2 ao invés de 8 = 3 · 3 + (−1). Dessa forma, o
quociente da divisão de 8 por 3 é 2 e o resto também é 2.
Se a = −8 e b = 3, escreveremos −8 = (−3)3 + 1 e não −8 = (−2)3 − 2, ou seja, o quociente da divisão de
−8 por 3 é −3 e o resto é 1. Quais são os quocientes e os restos das divisões de 8 por −3 e de −8 por −3?
Enunciaremos agora o Lema da Divisão de Euclides para números inteiros.
1.9 Teorema. (Lema da Divisão de Euclides para inteiros) Sejam a e b inteiros, com b = 0. Então existem
inteiros q e r, com 0 ≤ r < |b|, tais que a = qb + r. Além disso, são únicos os inteiros q e r satisfazendo essas
condições.
Prova: Supondo a existência do quociente q e do resto r, podemos considerar quatro casos:
1. a ≥ 0 e b > 0; 2. a ≥ 0 e b < 0; 3. a < 0 e b > 0; 4. a < 0 e b < 0.
Observe que o caso 1 é uma repetição do Lema de Euclides para os naturais. Os outros casos possuem
demonstrações análogas e por isso mostraremos apenas o caso 4 deixando os outros a cargo do leitor.
Como a < 0 e b < 0, temos −a > 0, −b > 0 e |b| = −b. Pelo Lema de Euclides para naturais, existem
q′
, r′
∈ N tais que −a = q′
(−b) + r′
, com 0 ≤ r′
< −b. Se r′
= 0, temos a = q′
b e, então, basta fazer q = q′
e
r = 0. Se r′
> 0, temos a = q′
b + (−r′
) e, portanto,
a = q′
b + b − b + (−r′
) = (q′
+ 1)b + (−b − r′
)
e, então, basta fazer q = q′
+ 1 e r = −b − r′
, pois, como 0 < r′
< −b, temos, após adicionar b a todos os
membros, b < b + r′
< 0 ⇒ 0 < −b − r′
< −b = |b|, uma vez que, por hipótese, b < 0. P
A unicidade de q e r pode ser provada de forma similar àquela feita para números naturais e também
deixamos a cargo do leitor.
Exemplo 1.6. Se a ∈ Z, então a = 2q + r, em que q, r ∈ Z e 0 ≤ r < 2. Assim, a = 2q ou a = 2q + 1. Os
números da primeira forma são chamados pares e os da segunda forma ímpares.
ER 2. Mostre que o quadrado de um inteiro qualquer é da forma 3k ou 3k + 1, com k ∈ N.
Solução: De fato, usando o Lema de Euclides concluímos que qualquer inteiro a pode ser escrito na
forma a = 3q + r, em que r ∈ 0, 1, 2. Portanto, a2
= 9q2
+ 6qr + r2
= 3(3q2
+ 2qr) + r2
.
Analisando a expressão acima, temos os seguintes casos a considerar:
(i) se r = 0, então a2
= 3(3q2
+ 2qr) = 3k, em que k = 3q2
+ 2qr; (observe que k ∈ N pois a2
≥ 0, ∀ a ∈ Z)
(ii) se r = 1, então a2
= 3(3q2
+ 2qr) + 1 = 3k + 1, em que k = 3q2
+ 2qr;
(iii) se r = 2, então a2
= 3(3q2
+ 2qr) + 4 = 3(3q2
+ 2qr + 1) + 1 = 3k + 1, em que k = 3q2
+ 2qr + 1, k ∈ N
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA16
Veremos, agora, propriedades importantes sobre o caso em que a divisão euclidiana é exata (r = 0).
Quando a é múltiplo de b, dizemos também que b divide a ou que b é divisor de a e escrevemos b | a. Se b
não divide a, denotamos b ∤ a.
Exemplo 1.7. Observe que 3 | (−21), pois −21 = 3(−7). No entanto 2 ∤ 3, pois não existe n ∈ Z tal que
3 = 2n. Note ainda que 0 | 0 porque 0 = k0 para todo k ∈ Z. Também temos que n | 0 para todo n ∈ Z, pois
0 = n · 0. Por outro lado 0 ∤ n, n = 0, pois não existe k ∈ Z tal que n = k · 0. Temos ainda que a | a para todo
a ∈ Z, pois a = 1a.
1.10 Proposição. Sejam a,b e c inteiros quaisquer. Então vale:
(i) se a | b, então a | (−b);
(ii)se a | b e a | c, então a | (b + c);
(iii) se a | b e a | (b + c), então a | c;
(iv) se a | b e b | a, então a = ±b;
(v) se a | b e a | c, então a | (bx + cy) para quaisquer x, y ∈ Z;
(vi) se a | b e b | c, então a | c.
Prova: Faremos as provas de (ii), (v) e (vi). Os outros ítens são provados de forma similar e deixaremos
como exercício.
(ii) Se a | b, então existe q ∈ Z tal que b = aq. Se a | c, existe p ∈ Z tal que c = ap. Logo, somando
membro a membro teremos
b + c = aq + ap = a(q + p).
Como (q + p) ∈ Z, concluímos que a | (b + c).
(v) Se a | b, então existe k ∈ Z tal que b = ka. Se a | c, existe t ∈ Z tal que c = ta. Multiplicando
essas duas equações por x e y teremos xb = xka e yc = yta. Somando-se membro a membro obtemos
xb + yc = xka + yta = (xk + yt)a. Como (xk + yt) ∈ Z temos que a | (bx + cy).
(vi) Como a | b e b | c, existem inteiros k1 e k2 com b = k1a e c = k2b. Substituindo o valor de b na
equação c = k2b teremos c = k2k1a o que implica que a | c uma vez que k2k1 ∈ Z. P
Nota 5. A recíproca de (ii) não é verdadeira, ou seja, não podemos garantir que se a | (b + c), então a | b
e a | c. Por exemplo, 5 | (8 + 2) mas 5 ∤ 8 e 5 ∤ 2
1.3.2 Mudança de Base
Vimos que um número natural arbitrário a possui uma representação posicicional numa base qualquer b .
Essa representação é dada por uma seqüência anan−1 . . . a1a0, em que cada ai (i = 0, 1, . . . , n) assume um valor
em {0, 1, . . ., b − 1} de forma que podemos escrever
a = anbn
+ an−1bn−1
+ . . . + a1b + a0.
Demonstraremos, formalmente, que essa representação sempre existe e que, escolhida a base b, ela é
única. Antes vejamos um exemplo:
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 17
ER 3. Represente 32 na base 5.
Solução: Para representar 32 na base 5, de acordo com o raciocínio utilizado na seção 1.1.2, devemos
efetuar as seguintes divisões:
32 = 6 · 5 + 2
6 = 1 · 5 + 1
1 = 0 · 5 + 1
Dessa forma, temos que
32 = 6 · 5 + 2 = (1 · 5 + 1) · 5 + 2 = 1 · 52
+ 1 · 5 + 2,
isto é, a representação de 32 na base 5 é (112)5, sendo que os algarismos 1, 1 e 2 são exatamente os restos
das divisões efetuadas, tomados de baixo para cima.
Generalizando, podemos obter um algoritmo para a representação de um número natural a qualquer numa
base b através de sucessivas divisões e obtenções dos restos das mesmas, da seguinte forma:
a = q0b + a0, 0 ≤ a0 < b
q0 = q1b + a1, 0 ≤ a1 < b
...
qn−1 = 0 · b + an, 0 ≤ an < b
Observe que qn−1 é o último quociente não nulo e, como os quocientes vão decrescendo, necessariamente,
devemos ter qn = 0, para algum n.
De acordo com o exercício resolvido anteriormente, a representação de a na base b é, então, (anan−1 . . . a1a0)b.
1.11 Teorema. Dado um número natural a ≥ 0 e um natural b ≥ 2, existe e é única a representação de a na
base b.
Prova: A afirmação é claramente válida para a = 0. Seja a > 0 e suponhamos, por indução, que o
resultado seja válido para para todo natural c, com 0 ≤ c < a. Ou seja, vamos supor que c possa ser escrito
de forma única como
c = anbn
+ an−1bn−1
+ ... + a1b + a0,
em que 0 ≤ ai < b.
Vamos mostrar que o resultado vale para o natural a.
Pelo Lema de Euclides, existem e são únicos os naturais q ≥ 0 e 0 ≤ r < b, tais que a = qb + r.
Se q = 0, então a = r e a coincide com sua representação na base b. Considerando agora q > 0, uma
vez que b ≥ 2, teremos que
a = qb + r ≥ 2q + r ≥ 2q > q.
Assim, pela hipótese de indução, podemos escrever de modo único
q = anbn
+ an−1bn−1
+ ... + a1b + a0
e, portanto,
a = qb + r = anbn+1
+ an−1bn
+ ... + a1b2
+ a0b + r,
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA18
com 0 ≤ r < b. Conseguimos, assim, uma representação de a na base b. A unicidade segue imediatamente
da unicidade de q e r, dadas pelo Lema da Divisão de Euclides, e da unicidade da representação de q na
base b, de acordo com a hipótese de indução. P
1.3.3 Critérios de Divisibilidade
Nesta parte apresentaremos algumas idéias sobre como deduzir critérios de divisibilidade de números na
base 10. Os resultados usam, basicamente, as definições de múltiplos e divisores e suas respectivas pro-
priedades. Eventualmente, precisaremos lembrar do desenvolvimento do binômio de Newton para a conclusão
de certas multiplicidades nas deduções desses critérios.
1.12 Proposição. (Critério de divisibilidade por 2) Um número natural a é divisível por 2 se, e somente se, o
algarismo das unidades for divisível por 2.
Prova: Seja anan−1 . . . a2a1a0 a representação de a ∈ N na base 10. Assim,
a = an10n
+ . . . + a2102
+ a110 + a0,
em que os algarismos ai assumem valores de 0 a 9.
Colocando o número 10 em evidência a partir da segunda parcela, teremos:
a = 10 an10n−1
+ . . . + a210 + a1 + a0 = 10m + a0,
em que m = an10n−1
+ . . . + a210 + a1 é um inteiro.
Se 2 | a = 10m + a0 e uma vez que 2 | 10m temos pelo item (iii) da proposição anterior que 2 | a0.
Reciprocamente, suponhamos que o algarismo das unidades de a seja divisível por 2, isto é, suponhamos
que 2 | a0. Como a = 10m + a0 temos , pela mesma proposição item (ii), que 2 | a. P
1.3.4 Exercícios Propostos
EP 1.4. Prove os itens (i), (iii) e (iv) da Proposição 1.10.
EP 1.5. Seja a ∈ Z. Mostre que, na divisão de a2
por 8, os restos possíveis são 0, 1 ou 4.
EP 1.6. Se m e n forem inteiros ímpares, mostre que m2
− n2
é divisível por 8.
EP 1.7. Mostre que, dados 3 inteiros consecutivos, um deles é múltiplo de 3.
EP 1.8. Transforme para a base 10 os seguintes números
(a) (2351)7 (b) (1001110)2
EP 1.9. Expresse o número 274 na base 5.
EP 1.10. Mostre critérios de divisibilidade por 5 e por 3. Para isso, use raciocínios similares aos critérios de
divisibilidade por 2 e por 9, respectivamente.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 19
1.4 Números Primos e o Teorema Fundamental da Aritmética
Veremos nesta seção que determinados números naturais podem ser escritos como produto de dois fatores
positivos menores que ele (por exemplo, 10 = 2 · 5 ). No entanto, existem outros que não admitem tal escrita
( por exemplo, 1,3,17 e 19 ). Veremos também que qualquer inteiro pode ser construído multiplicativamente a
partir de certos números de forma única, a menos de ordenação dos fatores.
1.4.1 Números Primos
1.13 Definição. Seja n ∈ N, com n > 1. Dizemos que n é um número primo, se seus únicos divisores positivos
são a unidade e ele mesmo. Caso contrário, dizemos que n é composto.
De outra forma podemos dizer que um número natural n é primo se, sempre que escrevemos n = ab, com
a, b ∈ N, temos necessariamente que a = 1 e b = n ou a = n e b = 1. Conseqüentemente, um número natural
n é composto, se existem a, b ∈ N, com 1 < a < n e 1 < b < n, tais que n = ab. Observe que o número 1 não é
primo nem composto.
ER 4. Determine todos os números primos p que são iguais a um quadrado perfeito menos 1.
Solução: Se p = n2
− 1, então temos que p = (n + 1)(n − 1). Pela definição de número primo só existem
duas possibilidades: n + 1 = 1 e n − 1 = p ou n + 1 = p e n − 1 = 1.
Do primeiro sistema de equações temos, para solução, n = 0 e p = −1, o que não convém, pois p ∈ N,
por definição. Já do segundo sistema, temos n = 2 e p = 3. Segue que p = 3.
De acordo com a definição apresentada, para decidir se um determinado número n é primo, é necessário
verificar a divisibilidade dele por todos os números naturais menores do que ele, o que fica extremamente
trabalhoso à medida que avançamos na seqüência dos números naturais. Entretanto, é suficiente testar a
divisibilidade de n pelos primos menores do que a sua raiz quadrada.
Antes de provarmos esse resultado, gostaríamos de observar que, se considerarmos o conjunto dos divi-
sores positivos diferentes da unidade de um número natural n ≥ 2 (por exemplo, n = 12, 17 e 25), então o seu
menor elemento é sempre um número primo. Esse é o fato que fundamenta a demonstração de nosso lema:
1.14 Lema. Seja n ∈ N, com n ≥ 2. Então n admite um divisor primo.
Prova: Considere o conjunto S dos divisores positivos de n, além da unidade, ou seja:
S = {d ∈ N : d ≥ 2 e d | n} .
É claro que S é um conjunto não-vazio, pois o próprio n está em S. Assim, pelo principio da Boa Orde-
nação, S possui um menor elemento d0. Mostraremos que d0 é primo. Com efeito, se d0 não fosse primo,
existiriam números naturais a e b tais que d0 = ab, com
2 ≤ a ≤ (d0 − 1) e 2 ≤ b ≤ (d0 − 1).
Uma vez que a | d0 e d0 | n, temos pela proposição 1.10 item (vi) que a | n. Além disso, a ≥ 2, de onde
concluímos que a ∈ S. Chegamos, assim, a um absurdo pois a é menor do que o menor elemento de S. P
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA20
Mostraremos agora um resultado devido ao matemático grego Eratóstenes, que viveu por volta de 230 anos
antes de Cristo.
1.15 Proposição. Se um número natural n ≥ 2 não é divisível por nenhum número primo p tal que p2
≤ n,
então ele é primo.
Prova: Suponhamos, por absurdo, que n não seja divisível por nenhum número primo p tal que p2
≤ n e
que não seja primo. Seja q o menor número primo que divide n; então, n = qn1, com q ≤ n1. Segue daí que
q2
≤ qn1 = n. Logo, n é divisível por um número primo q tal que q2
≤ n, o que é um absurdo.
Portanto, o primeiro passo para se decidir se um dado número n é primo consiste na determinação de
todos os números primos menores que
√
n. (Determine, por exemplo, se n = 1969 é primo). P
É conveniente então, temos à nossa disposição uma lista de primos. Várias tabelas de números primos, até
certo limite, já foram calculadas. Antigamente essas tabelas eram baseadas num algoritmo ou crivo, desen-
volvido por Eratóstenes (276-194 a.C.), e cujo princípio abordaremos a seguir.
1.4.2 Crivo de Eratóstenes
Escrevem-se, na ordem natural, todos os números naturais entre 2 e n. Em seguida, eliminam-se todos os
números inteiros compostos que são múltiplos dos primos p tais que p ≤
√
n, isto é: primeiro elimine todos os
múltiplos 2k de 2, com k ≥ 2; a seguir, todos os múltiplos 3k de 3, com k ≥ 2; depois os múltiplos 5k de 5,
com k ≥ 2; e assim sucessivamente, para todo primo p ≤
√
n. Os números que sobraram na lista são todos os
primos entre 2 e n.
ER 5. Construa a tabela de todos os primos menores que 100.
Solução: Como
√
100 = 10, pelo crivo de Eratóstenes devemos eliminar da lista dos números naturais
de 2 a 100 todos os múltiplos dos primos p tais que p ≤ 10, ou seja, os múltiplos de p = 2, 3, 5 e 7. Assim,
obtemos:
2 3 4 5 6 7 8 9 10 11
12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
22 23 24 25 26 27 28 29 30 31
32 33 34 35 36 37 38 39 40 41
42 43 44 45 46 47 48 49 50 51
52 53 54 55 56 57 58 59 60 61
62 63 64 65 66 67 68 69 70 71
72 73 74 75 76 77 78 79 80 81
82 83 84 85 86 87 88 89 90 91
92 93 94 95 96 97 98 99 100
Segue-se, então, do crivo de Eratóstenes, que os primos entre 1 e 100 são:
2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 71, 73, 79, 83, 89 e 97.
Os problemas de determinação de números primos têm fascinado bastante os matemáticos, desde épocas
remotas. Uma das demonstrações mais antigas em teoria de números que chegou até nós foi a prova da
infinitude dos números primos, que se encontra mo Livro IX d’Os elementos de Euclides. Apresentaremos essa
demonstração usando linguagem moderna.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 21
1.16 Teorema. Existem infinitos números primos.
Prova: Suponhamos, por absurdo, que exista somente uma quantidade finita de números primos. Sejam
eles p1, p2, . . . , pk . Considere então o número
m = p1p2 . . . pk + 1
Como m é maior que qualquer um dos primos p1, ldots, pk, segue-se da nossa hipótese que m não é
primo. Logo, pelo Lema 1.14, m admite um divisor primo, que teria de ser um dos primos p1, ldots, pk . Mas
nenhum desses pode dividir m. De fato, se p fosse primo que divide m, então p teria que dividir 1 também, já
que
1 = m − p1p2 . . . pk .
Portanto, qualquer que seja k ∈ N, o conjunto {p1, p2, . . . , pk } não pode conter todos os primos. P
Muitas questões interessantes sobre números primos não foram respondidas até hoje. Por exemplo, dize-
mos que dois primos são gêmeos se eles são números ímpares consecutivos. Assim 3 e 5 e 7, 11 e 13 são
números primos gêmeos. Um antigo problema, que até hoje não foi resolvido, é se existe ou não um número
infinito de primos gêmeos.
1.4.3 O Teorema Fundamental da Aritmética
Veremos agora que qualquer inteiro pode ser construído multiplicativamente a partir de números primos. De
fato, se um número não é primo, podemos decompô-lo até que os seus fatores sejam todos primos.
Exemplo 1.8.
360 = 3 · 120 = 3 · 30 · 4 = 3 · 3 · 10 · 2 · 2 = 3 · 3 · 5 · 2 · 2 · 2 = 23
· 32
· 5.
Consideraremos que uma decomposição de um número primo p é dada por ele mesmo.
Observamos agora que, se um número foi expresso como produto de primos, podemos dispor esses fa-
tores primos em qualquer ordem. A experiência nos diz que, a menos de arbitrariedade da ordenação, tal
decomposição é única. Tal afirmação não é tão simples de se demonstrar, embora pareça óbvia pela nossa
experiência no uso da decomposição em fatores primos. A demonstração clássica desse resultado, conhecido
como o “Teorema Fundamental da Aritmética”, dada por Euclides, está baseada em um método (ou algoritmo)
para o cálculo do máximo divisor comum de dois números, e diz respeito apenas à existência da fatoração
de um número natural em primos. Acredita-se que Euclides conhecia a unicidade dessa fatoração e que, por
dificuldades de notação, não conseguiu estabelecer a demonstração desse resultado, a qual será apresentada
a seguir. As demonstrações, tanto da existência quanto da unicidade, serão feitas pelo Princípio da Indução, o
qual só começou a ser utilizado muito depois da época de Euclides.
Dividiremos a demonstração desse teorema em duas partes: a primeira mostrará a existência dessa fa-
toração em números primos, a segunda mostrará a unicidade dessa fatoração, a menos da ordem dos fatores.
1.17 Teorema. (Teorema Fundamental da Aritmética) Todo número natural n ≤ 2 pode ser escrito como um
produto de números primos. Essa decomposição é única, a menos da ordem dos fatores.
Prova: Seja P(n) a afirmativa: n é um número primo ou pode ser escrito como um produto de números
primos. P(2) é verdadeira, pois 2 é primo. Suponhamos a afirmativa verdadeira para todo número m com
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA22
2 ≤ m ≤ k e provemos que P(k + 1) é verdadeira.
• Se k + 1 for primo, então P(k + 1) é verdadeira.
• Se k + 1 não for um número primo, então k + 1 pode ser escrito como
k + 1 = ab, em que 2 ≤ a ≤ k e 2 ≤ b ≤ k.
Portanto, pela hipótese de indução, ou a e b podem ser escritos como produto de primos, ou são números
primos. Logo k + 1 = ab é também um produto de números primos , a saber, o produto dos números primos
da fatoração de a multiplicados pelos números primos da fatoração de b. Isso completa a primeira parte da
demonstração: provamos que todo número natural k > 1 pode ser decomposto como produto de fatores
primos.
Para mostrar a unicidade dessa decomposição, consideramos
S = {n ∈ N : n ≤ 2 e n tem duas decomposições distintas em fatores primos} .
Suponhamos, por absurdo, S = ∅. Logo, pelo Principio da Boa Ordenação, S tem um menor elemento m.
Assim,
m = p1p2 . . . pr = q1q2 . . . qs,
são duas fatorações distintas de m como produto de números primos. Reordenando esses primos, se
necessário, podemos supor que
p1 ≤ p2 ≤ . . . ≤ pr eq1 ≤ q2 ≤ . . . ≤ qs.
Notemos que p1 = q1. De fato, caso contrário, teríamos duas decomposições diferentes para um número
natural menor do que m (a saber, o número natural m/p1), contrariando assim o fato de m ser o elemento
mínimo de S. Observe que temos
m
p1
≥ 2. Assim, podemos assumir que p1 < q1.
Definimos, então
m′
= m − (p1q2q3 . . . qs).
Substituindo m pelas expressões dadas nas igualdades acima, obtemos
m′
= p1p2 . . . pr − p1q2 . . . qs = p1(p2 . . . pr − q2 . . . qs)
m′
= q1q2 . . . qs − p1q2 . . . qs = (q1 − p1)(q2q3 . . . qs).
Por definição, temos m′
< m. Por outro lado, a penúltima igualdade nos mostra que m′
≥ 2 pois p1 | m′
.
Assim, m′
tem decomposição única como produto de fatores primos.
Se for (p2 . . . pr − q2 . . . qs) ≥ 2, podemos decompor esse termo como produto de fatores primos. Caso
contrário, (p2 . . . pr − q2 . . . qs) = 1. De qualquer modo, vemos que p1 é um fator na decomposição de m′
em
fatores primos.
A mesma decomposição em fatores primos pode ser feita com respeito à última igualdade. Como p1 <
q2 ≤ . . . ≤ qs, necessariamente o fator primo p1 deve estar presente na decomposição que (q1 − p1). Mas
isso quer dizer que q1 − p1 = cp1 para algum inteiro c e, portanto, q1 = (c + 1)p1, contrariando o fato de ser
q1 > p1. Temos, assim, um absurdo, o que prova que S = ∅ e completa a demonstração. P
ER 6. Determine todos os números primos p tais que 3p + 1 seja um quadrado perfeito.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 23
Solução: Se 3p + 1 = n2
, então 3p = n2
− 1 e, portanto,
(n + 1)(n − 1) = 3p.
Observe que não podemos ter nem n + 1 = 1 nem n − 1 = 1. Isso implica que devemos ter n + 1 ≥ 2 e
n−1 ≥ 2. Já que temos dois números primos do lado direito da igualdade anterior, pelo Teorema Fundamental
da Aritmética, n + 1 e n − 1 são ambos primos. Mais do que isso, só existem duas possibilidades:
n + 1 = 3 e n − 1 = p, ou n + 1 = p e n − 1 = 3.
No primeiro sistema de equações temos n = 2 e p = 1 o que não convém, uma vez que p é primo. Já no
segundo sistema temos n = 4 e p = 5 e portanto concluímos que a única solução para o problema é p = 5.
O próximo resultado é uma conseqüência imediata do Teorema Fundamental da Aritmética.
1.18 Corolário. Todo número inteiro não-nulo diferente de ±1 pode ser escrito como ±1 vezes o produto de
números primos. Essa expressão é única, exceto pela ordem na qual os fatores primos aparecem.
1.19 Definição. Um número negativo q cujo simétrico −q é um número natural primo é chamado número
primo negativo.
Exemplo 1.9. Temos então que 2, 3 e 5 são números primos, enquanto que −2, −3 e −5 são primos negativos.
Nota 6. Observemos que, na fatoração de um número inteiro a, o mesmo primo p pode aparecer várias
vezes. Agrupando esses primos, podemos escrever a decomposição de a como:
a = (±1)pr1
1 pr2
2 . . . prn
n ,
em que 0 < p1 < p2 < . . . < pn e ri > 0 para i = 1, 2, . . ., n.
Quando nos referirmos a uma decomposição (ou fatoração) de um número inteiro em números primos,
estaremos nos referindo a essa decomposição, em que os primos são todos positivos. Assim, por exemplo,
aceitamos as decomposições 40 = 23
· 5 e −12 = −(22
· 3). Mas não aceitamos as decomposições 40 =
(−23
) · (−5) e −12 = 22
· (−3).
1.20 Corolário. Sejam a, b ∈ Z e p um número primo. Se p for um fator de ab, então p é um fator de a ou p é
um fator de b.
Prova: Já sabemos que m | n se, e somente se, m | (−n); portanto é suficiente mostrar esse resultado
para a eb números naturais.
Se p não fosse um fator de a nem de b, então as fatorações de a e b em produtos de primos levaria a uma
fatoração de ab não contendo p. Por outro lado como, por hipótese, p é um fator de ab, existiria um q ∈ N tal
que pq = ab. Então, o produto de p por uma fatoração de q daria uma fatoração de ab em primos contendo
p, contrariando a unicidade da decomposição de ab em primos. P
1.4.4 Exercícios Propostos
EP 1.11. Encontre todos os pares de primos p e q tais que p − q = 3.
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA24
EP 1.12. Mostre que 7 é o único número primo da forma n3
− 1.
EP 1.13. Mostre que o único número primo n tal que 3n + 1 é um quadrado é 5.
EP 1.14. Verifique entre os números 239, 241, 247, 253 e 1789 quais são primos.
EP 1.15. Uma das afirmativas abaixo sobre números naturais é FALSA. Qual é ela?
(a) Dado um número primo, existe sempre um número primo maior do que ele.
(b) Se dois números não primos são primos entre si, um deles é ímpar.
(c) Um número primo é sempre ímpar.
(d) O produto de três números naturais consecutivos é múltiplo de 6.
(e) A soma de três números naturais consecutivos é múltiplo de três.
1.5 MMC e MDC
1.5.1 Máximo Divisor Comum
Considere a e b números inteiros positivos. Queremos saber se existe um número c > 1 que divide simul-
taneamente a e b, isto é, que seja um divisor comum de a e b. Por exemplo, se a = 12 e b = 8, temos c = 4
ou c = 2. No entanto, se a = 7 e b = 5, não existe tal número c.
Chamaremos de máximo divisor comum de dois inteiros positivos a e b ao maior dos divisores comuns
de a e b. Nos exemplos antes considerados, temos então que 4 é o máximo divisor comum dos números 12
e 8, enquanto 1 é o máximo divisor comum dos números 7 e 5. Assim, podemos generalizar para os números
inteiros a seguinte definição:
1.21 Definição. defmdc Dados dois inteiros a e b, não simultaneamente nulos, dizemos que um inteiro d é o
máximo divisor comum de a e b, se d satisfaz:
(i) d | a e d | b;
(ii) se c ∈ Z for tal que c | a e c | b, então c ≤ d.
Se d for máximo divisor comum de a e b, escrevemos d = mdc(a, b) ou simplesmente d = (a, b), quando
não houver dúvidas quanto à notação.
1.22 Definição. Dizemos que dois números inteiros são primos entre si, se o máximo divisor comum entre
eles for igual a 1.
Nota 7. O leitor deve observar que, na definição de máximo divisor comum, exigimos a e b não simul-
taneamente nulos porque, caso contrário, qualquer inteiro c seria um divisor de a e b, o que tornaria
impossível tomar o maior desses números.
1.23 Proposição. Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos. Então:
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 25
(i) mdc(a, b) > 0;
(ii) se a = 0 e b = 0, então mdc(a, b) ≤ min {|a|, |b|};
(iii) é único o mdc(a, b);
(iv) mdc(a, b) = mdc(b, a);
(v) mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|);
(vi) se a = 0, mdc(a, 0) = |a|.
Em um dos exercícios propostos desta seção convidamos o leitor a demonstrar os resultados acima.
O máximo divisor comum de a e b sempre existe, pois o conjunto de divisores positivos de a e b é não-vazio,
uma vez que 1 divide tanto a quanto b e limitado superiormente, pelo item (ii) da proposição 1.23. Dessa forma,
tal conjunto possui um maior elemento.
ER 7. Obter o máximo divisor comum de 24 e −18.
Solução: Como D−18 = {±18, ±9, ±6, ±3, ±2, ±1} e D24 = {±24, ±12, ±8, ±4, ±3, ±2, ±1} são, respecti-
vamente, os conjuntos dos divisores de −18 e 24, então o conjunto dos divisores comuns de 24 e −18 é:
D−18 ∩ D24 = {±6, ±4, ±3, ±2, ±1}.
Assim, mdc(−18, 24) = 6.
Este processo para se encontrar o mdc se torna bastante trabalhoso, caso os números a e b sejam muito
grandes. Euclides descreveu um método mais prático conhecido atualmente como o “Algoritmo de Euclides” o
qual estudaremos a seguir.
É fácil ver que se a e b forem inteiros positivos e b | a, então mdc(a, b) = b.
O Algoritmo de Euclides usa, basicamente, o resultado do Lema da Divisão Euclidiana, já estudado por nós.
ER 8. Calcule o mdc(15, 4).
Solução: Fazendo as divisões sucessivas de 15 por 4 teremos
15 = 3 · 4 + 3
4 = 1 · 3 + 1
3 = 3 · 1 + 0
ou, como escrevemos desde o ensino fundamental:
3 1 3 ← quocientes
15 4 3 1
3 1 0 ← restos
Assim, mdc(a, b) = 1, que é o ultimo resto não-nulo obtido nas divisões sucessivas.
1.24 Lema. Se b for não-nulo e a = qb + r, então mdc(a, b) = mdc(b, r).
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA26
Prova: Seja d o máximo divisor comum de a e b.
Como r = a − qb(por hipótese) e d divide tanto a quanto b, concluímos que d | r e, portanto, d | b e d | r.
Por outro lado, se u for um inteiro tal que u | b e u | r, então u | a (pois a = qb + r). Portanto, como d é
o máximo divisor comum de a e b concluímos que u ≤ d, ou seja, d satisfaz a definição do máximo divisor
comum de b e r, como queríamos demonstrar.
Agora fica mais fácil entender o algoritmo de Euclides. Sejam a e b inteiros positivos e b ≤ a. Dividindo a
por b obtemos
a = q1b + r1, com 0 ≤ r1 < b ≤ a
e, pelo lema, mdc(a, b) = mdc(b, r1). Se r1 = 0, então mdc(a, b) = mdc(b, 0) = b.
Caso contrário, podemos dividir b por r1, obtendo
b = q2r1 + r2, com 0 ≤ r2 < r1 < b ≤ a
e mdc(b, r1) = mdc(r1, r2). Se r2 = 0, então mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, 0) = r1.
Se r2 = 0, e obtendo r3 = 0, . . . , rn = 0, podemos escrever
a = q1b + r1, 0 < r1 < b
b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1
r1 = q3r2 + r3, 0 < r2 < r1
...
rn−2 = qnrn−1 + rn, 0 < rn < rn−1rn−1 = qn+1rn
e então, por aplicação sucessiva do lema,
mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, r2) = . . . = mdc(rn−1, rn) = mdc mdc(rn, 0) = rn.
Observe que, com certeza, obteremos um resto nulo em algum momento desse processo, já que é decres-
cente a seqüência,
b > r1 > r2 > r3 > . . . > 0
e entre 0 e b só existe um número finito de números naturais. P
Para formalizar a demonstração do processo descrito anteriormente, usaremos o Princípio da indução.
1.25 Teorema. (Máximo Divisor Comum - Algoritmo de Euclides) Sejam a e b dois números naturais não-nulos,
com a ≥ b. Dividindo sucessivamente segundo o algoritmo de Euclides, obtemos:
a = q1b + r1, 0 < r1 < b
b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1
r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2
...
rn−2 = qnrn−1 + rn, 0 < rn < rn−1
rn−1 = qn+1rn.
Temos, então, que o máximo divisor comum de a e b é rn, o último resto não-nulo obtido nesse algoritmo.
No caso de r1 = 0, então mdc(a, b) = b.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 27
Prova: Sabemos que, se a = q0b, então mdc(a, b) = b. Provaremos o caso geral, fazendo indução sobre
a quantidade de passos do algoritmo de Euclides. Sendo assim, consideremos a seguinte afirmação: se, ao
aplicamos o algoritmo de Euclides a dois números, obtivermos o primeiro resto nulo após n + 1 passos, então
mdc(a, b) é igual ao último resto não-nulo obtido neste algoritmo, isto é, o resto rn obtido no passo n.
Observe que o número de passos é contado pelo índice do quociente qj . Dessa forma, no algoritmo
apresentado no enunciado do teorema, foram necessários n + 1 passos para se obter o primeiro resto nulo; o
resto rn é o máximo divisor comum procurado.
Se n = 1 (isto é, se o primeiro resto nulo ocorrer no segundo passo), o Lema 1.24 garante a veracidade
da afirmação, pois,
mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, 0) = r1.
Suponhamos, agora, que a afirmação seja verdadeira toda vez que (n + 1) passos forem necessários
para se obter o primeiro resto nulo. Consideremos agora que o primeiro resto nulo na aplicação do algoritmo
de Euclides aos números a e b ocorra após (n + 2) passos, isto é,
a = q1b + r1, 0 < r1 < b
b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1
r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2
...
rn−2 = qnrn−1 + rn, 0 < rn < rn−1
rn−1 = qn+1rn + rn+1, 0 < rn+1 < rn
rn = qn+2rn+1.
Queremos provar que mdc(a, b) = rn+1.
De fato, temos que o algoritmo de Euclides, aplicado aos números b e r1, produziu o primeiro resto
nulo após (n + 1) passos e pela hipótese de indução, mdc(r1, b) = rn+1. Mas, pelo Lema 1.24, temos que
mdc(a, b) = mdc(b, r1), o que completa a prova. P
Nota 8. Como, pela proposição 1.23, mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|), podemos também utilizar o algoritmo
dado para calcular o máximo divisor comum de inteiros negativos.
ER 9. Calcule o mdc(726, −275).
Solução: Como o mdc(726, −275) é igual ao mdc(726, 275), podemos aplicar o algoritmo de Euclides a
mdc(726, 275):
726 = 2 · 275 + 176
275 = 1 · 176 + 99
176 = 1 · 99 + 77
99 = 1 · 77 + 22
77 = 3 · 22 + 11
22 = 2 · 11,
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA28
ou seja,
2 1 1 1 3 2
726 275 176 99 77 22 11
176 99 77 22 11 0
e, portanto, mdc(726, −275) = 11.
Dizemos que um número c é combinação linear nos inteiros dos números a e b, se existem inteiros x, y tais
que c = xa+yb. É interessante notar, então, que o máximo divisor comum de 726 e −275 é combinação desses
números:
11 = 77 − 3 · 22
= 77 − 3(99 − 1 · 77) = 4 · 77 − 3 · 99
= 4(176 − 1 · 99) − 3 · 99 = 4 · 176 − 7 · 99
= 4 · 176 − 7(275 − 1 · 176) = 11 · 176 − 7 · 275
= 11(726 − 2 · 275) − 7 · 275 = 11 · 726 + 29(−275).
A próxima proposição mostra que o que foi feito com 726 e −275 pode ser feito com quaisquer inteiros a e
b; para isso, basta percorrer o algoritmo de Euclides no sentido contrário.
1.26 Proposição. Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos. Então existem inteiros x e y tais que
mdc(a, b) = xa + yb.
Prova: No caso de um deles ser nulo, por exemplo b, temos que
mdc(a, b) = mdc(a, 0) = |a| = (±1)a + y0
para qualquer inteiro y e x = ±1, dependendo de a ser positivo ou negativo.
Se ambos são não-nulos basta provar o resultado para inteiros positivos. De fato, se mdc(|a|, |b|) =
x|a| + y|b| para certos números x e y, então mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|) = (±)ax + (±)by.
Sejam, então, a e b dois números inteiros positivos. Se b | a, então mdc(a, b) = b = a · 0 + b · 1. Se
b ∤ a, então mdc(a, b) pode ser calculado pelo algoritmo de Euclides e a demonstração será feita por indução
no número de passos do algoritmo. Para isso, suponhamos que, ao aplicarmos o algoritmo de Euclides aos
números inteiros positivos a e b, obtenhamos o primeiro resto nulo após (n+1) passos e que, nessa situação,
existam inteiros x e y tal que rn = xa + yb (lembre-se que rn = mdc(a, b)).
A afirmação é verdadeira se dois passos são necessários ( observe que o caso em que apenas um passo
é necessário já foi considerado), pois, se r2 = 0, então,
a = q1b + r1, 0 < r1 < b
b = q2r1,
ou seja,
r1 = a − q1b = 1a + (−q1)b.
Suponhamos que a afirmava seja verdadeira toda vez que (n+1) passos forem necessários para se obter
o primeiro resto nulo. Consideraremos inteiros a e b tais que, aplicando-se o algoritmo de Euclides a eles,
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 29
obtemos o primeiro resto nulo após (n + 2) passos:
a = q1b + r1, 0 < r1 < b
b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1
r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2
...
rn−2 = qnrn−1 + rn, 0 < rn < rn−1
rn−1 = qn+1rn + rn+1, 0 < rn+1 < rn
rn = qn+2rn+1.
Logo, aplicando-se o algoritmo de Euclides a b e r1, obtemos o primeiro resto nulo após (n + 1) passos.
Portanto, pela hipótese de indução, existem inteiros w e x tais que,
rn+1 = mdc(b, r1) = wb + xr1.
Mas, como a = q1b + r1, temos que r1 = a − q1b; portanto,
rn+1 = wb + x(a − q1b)x = xa + (w − q1x)b,
que é o resultado desejado com y = w − q1x. P
Nota 9. Percebamos, no entanto, que os inteiros x e y dados pela Proposição 1.26 não são únicos.
Podemos observar, por exemplo, que vale 2 = mdc(6, 4). Mas
1 · 6 + (−1)4 = 2 e 3 · 6 + (−4)4 = 2.
Em geral, também não vale a recíproca da Proposição 1.26, pois,
2 · 6 + (−2)4 = 4 e mdc(6, 4) = 4.
Entretanto, se existirem inteiros x e y tais que xa + yb = 1, então mdc(a, b) = 1 (veja o exercício proposto
1.17). Esse é o único caso em que a recíproca da Proposição 1.26 é verdadeira.
ER 10. Mostre que, se p for primo e p ∤ a, então mdc(a, p) = 1.
Solução: Seja d = mdc(a, p). Então d | a e d | p. Como p é primo temos que d = 1 ou d = p. Se for
d = p, teríamos que p | a o que contraria a hipótese. Logo d = 1.
A partir do resultado acima e da proposição 1.26 podemos dar uma outra demonstração do corolário 1.20
1.27 Corolário. Seja p um número primo. Se p | ab e p ∤ a, então p | b.
Prova: Como mdc(a, p) = 1, existem inteiros x e y tais que xa + yp = 1. Multiplicando-se essa igualdade
por b obtemos:
xab + ypb = b.
Como p | ab e p | ypb, concluímos pela proposição 1.10 item (v) que p | b. P
Apresentamos, a seguir, uma caracterização do máximo divisor comum, que corresponde a uma definição
equivalente à dada no início desta seção.
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA30
1.28 Proposição. Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos. O inteiro d é o máximo divisor comum de
a e b se, e somente se, d satisfizer as seguintes propriedades:
(i) d > 0;
(ii) d | a e d | b;
(iii) Se c ∈ Z for tal que c | a e c | b, então c | d.
Prova: Se d = mdc(a, b), então é claro que d satisfaz as propriedades (i) e (ii). Para mostrar (iii),
considere um inteiro c tal que c | a e c | b. Logo, existem inteiros a1 e b1 tais que a = a1c e b = b1c. De acordo
com a Proposição 1.26, existem inteiros x e y tais que,
d = xa + yb.
Então,
d = xa1c + yb1c = c(xa1 + yb1),
ou seja, c | d. Isso mostra que mdc(a, b) satisfaz as propriedades (i)-(iii).
Devemos agora provar que, se d for um inteiro satisfazendo (i)-(iii), então d satisfaz a definição 1.28, isto
é, é o máximo divisor comum de a e b. Para isso, falta apenas mostrar que, se c for um inteiro tal qual c | a e
c | b, então c ≤ d. Mas, uma vez que (iii) se verifica, existe um inteiro c1 tal que, d = cc1 = |c||c1| (pois d > 0),
ou seja, c ≤ |c| ≤ d, como queríamos provar. P
Essa definição equivalente será bastante usada para a demonstração de diversas propriedades do máximo
divisor comum de dois números inteiros que se seguirão.
1.29 Proposição. Sejam a, b e c inteiros não-nulos. Então vale:
(i) se c | ab e mdc(b, c) = 1, então c | a;
(ii) se mdc(a, c) = mdc(b, c) = 1, então mdc(ab, c) = 1;
(iii) se mdc(a, b) = d, então mdc
a
d
,
b
d
= 1;
(iv) se a | c e b | c, então
ab
mdc(a, b)
| c;
(v) se a | c, b | c e mdc(a, b) = 1, então ab | c.
Prova: (i) A demonstração é praticamente uma repetição da prova do corolário 1.27. De fato, existem
x, y inteiros tais que xb + yc = 1. Multiplicando-se essa igualdade por a teremos xba + yca = a. Logo c | a,
uma vez que c | ab e c | yca.
Consideremos a afirmativa (ii). Seja d = mdc(ab, c). Como mdc(a, c) = 1, existem inteiros x e y tais que
xa + yc = 1 e, portanto, xab + ycb = b.
Como d | ab e d | c, temos que d | b; portanto, d | b e d | c, o que implica que d | mdc(b, c) = 1 (item iii
da proposição 1.28). Como d > 0, concluímos que d = 1.
Para o item (iii), considere d = mdc(a, b). Logo, existem inteiros a1 e b1 tais que a = a1d e b = b1d. Por
outro lado, também existem inteiros x e y tais que, d = xa + yb. Assim, d = xa1d + yb1d. Dividindo essa
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 31
igualdade por d, obtemos 1 = xa1 + yb1, ou seja 1 = x
a
d
+ y
b
d
.
De acordo com a observação 9, podemos concluir que
1 = mdc
a
d
,
b
d
,
verificando, assim, o item (iii). P
Deixamos os ítens (iv) e (v) a cargo do leitor.
É conhecido de todos nós, desde o ensino básico, que o máximo divisor comum de dois inteiros positivos
a e b é o número obtido ao se tomar o produto de todos os fatores primos comuns de a e b, cada um desses
fatores sendo escolhido com o menor dos expoentes que aparece nas fatorações de a e b. Demonstraremos
agora esse resultado.
1.30 Proposição. Sejam a e b inteiros positivos não simultaneamente nulos, com decomposições em fatores
primos dadas por
a = pm1
1 . . . pms
s qk1
1 . . . qkt
t ,
b = pn1
1 . . . pns
s rl1
1 . . . rlu
u ,
em que os primos pi , qj, rk são todos distintos (i ∈ {1, . . . , s} , j ∈ {1, . . . , t} e k ∈ {1, . . . , u}) e todos os
expoentes são positivos. Então,
mdc(a, b) = px1
1 . . . pxs
s ,
em que xi = min {mi , ni }, para i = 1, . . . , s.
Prova: Seja
d = px1
1 . . . pxs
s .
Vamos mostrar que d satisfaz as condições da Proposição 1.28. Claramente d > 0. Como xi ≤ mi e xi ≤ ni
(para i = 1, . . . , s), temos que
a = a1d, em que a1 = pm1−x1
1 . . . pms −xs
s qk1
1 . . . qut
t e b = b1d, em que b1 = pn1−x1
1 . . . pns −xs
s rl1
1 . . . rlu
u .
mostrando que d | a e d | b.
Se c | a e c | b temos, pelo Teorema Fundamental da Aritmética, que c pode ser escrito como
c = pe1
1 . . . pes
s
em que 0 ≤ ei ≤ min {mi , ni }, para i = 1, . . . , s.
Como ei ≤ xi (para i = 1, . . . , s), temos que
d = px1
1 . . . pxs
s = (pe1
1 . . . pes
s )(px1−e1
1 . . . pxs −es
s = cpx1−e1
1 . . . pxs −es
s ),
ou seja, c | d, o que conclui a demonstração. P
1.5.2 Mínimo Múltiplo Comum
Veremos nesse tópico que se a e b forem inteiros não nulos, podemos considerar os múltiplos comuns
deles: ±ab, ±2ab, ±3ab, . . . O menor inteiro positivo que seja múltiplo tanto de a quanto de b (o qual existe, pelo
Principio da Boa Ordenação) é chamado mínimo múltiplo comum de a e b:
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA32
1.31 Definição. Sejam a e b inteiros não-nulos. Um inteiro m é mínimo múltiplo comum de a e b, se m satisfizer
as seguintes propriedades:
(i) m > 0;
(ii) a | m e b | m;
(iii) se c ∈ Z for tal que a | c, b | c e c > 0, então m ≤ c.
Se m for múltiplo comum de a e b, escrevemos m = mmc(a, b) ou simplesmente m = [a, b], quando não
houver dúvidas quanto à notação.
ER 11. Prove que se a = −6 e b = 15, então mmc(−6, 15) = 30.
Solução: De fato, o conjunto dos múltiplos de −6 é M−6 = {0, ±6, ±12, ±18, ±24, ±30, . . .} e o dos
múltiplos de 15 é M15 = {0, ±15, ±30, ±45, ±60, . . .}. Portanto,
M−6 ∩ M15 = {0, ±30, ±60, . . .} ,
e portanto mmc(−6, 15) = 30.
1.32 Proposição. Sejam a e b inteiros não nulos. Então valem as seguintes propriedades:
(i) mmc(a, b) ≥ max {|a|, |b|};
(ii) é único o mmc(a, b);
(iii) mmc(a, b) = mmc(b, a);
(iv) mmc(a, b) = mmc(|a|, |b|).
As demonstrações dessas propriedades também farão parte dos exercícios propostos para o leitor ( ver
exercício proposto 1.19).
Daremos, agora, uma definição equivalente de mínimo múltiplo comum substituindo a terceira propriedade
de sua definição por outra envolvendo divisibilidade.
1.33 Proposição. Sejam a e b inteiros não-nulos. Um inteiro m é mínimo múltiplo comum de a e b, se, e
somente se, satisfaz:
(i) m > 0;
(ii) a | m e b | m;
(iii) se c ∈ Z for tal que a | c e b | c, então m ÷ c.
Prova: Se m = mmc(a, b), precisamos mostrar apenas que m satisfaz a condição (iii) acima.
Considere c um inteiro qualquer tal que a | c e b | c. Pelo Lema de Euclides, temos que
c = qm + r, com 0 ≤ r < m.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 33
Logo, r = c − qm. Uma vez que c e m são múltiplos de a e b, temos que r é múltiplo tanto de a quanto de b.
Mas, pela definição de mínimo múltiplo comum temos, se r > 0, que m ≤ r, o que é absurdo. Dessa forma,
concluímos que r = 0, ou seja, m | c.
Supondo agora m satisfazendo (i) -(iii). Queremos mostrar que m = mmc(a, b). Afirmamos que se c for
um inteiro tal que c > 0, a | c e b | c, então m ≤ c. De fato„ pela condição (iii), temos que m | c, ou seja,
c = qm para algum q ∈ Z. Como m > 0 e c > 0, então q > 0, isto é, q ≥ 1. Consequentemente, c = qm gem
provando assim a proposição.
Veremos agora um resultado muito conhecido de todos nós desde o ensino médio. Esse resultado diz
que que o mínimo múltiplo comum de dois números inteiros positivos a e b é o número obtido ao se tomar
o produto de todos os fatores primos comuns de a e b, cada um desses fatores sendo tomado com o maior
dos expoentes que aparece nas decomposições de a e b. Na verdade, aprendíamos também que devemos
tomar os fatores não comuns com maiores expoentes. No nosso caso, iremos considerar as decomposições
de a e b com exatamente os mesmos fatores primos, permitindo assim a existência de expoentes nulos. Por
exemplo, 20 = 22
· 30
· 5 e 15 = 20
· 3 · 5. P
1.34 Proposição. Sejam a e b inteiros positivos, com decomposições em fatores primos como descritas
anteriormente, ou seja,
a = pr1
1 pr2
2 . . . prk
k e b = ps1
1 ps2
2 . . . psk
k ,
em que cada fator pi é um número primo distinto, r1 ≥ 0 e si ≥ 0 ( para i = 1, . . . , k). Então
mmc(a, b) = pt1
1 pt2
2 . . . ptk
k ,
em que ti = max {ri , si }.
Prova: Seja m = mmc(a, b). Como m é múltiplo de a, todos os fatores primos p1, . . . , pk aparecem na
fatoração de m, com expoentes maiores ou iguais a r1, . . . , rk , respectivamente. De forma análoga, como m
também é múltiplo de b, os expoentes de p1, . . . , pk na fatoração de m são maiores ou iguais a s1, . . . , sk ,
respectivamente. Mais geralmente, qualquer múltiplo comum c de a e b é da forma c = q(pt1
1 pt2
2 . . . ptk
k , em
que q é um inteiro e ti ≥ max {ri , si }.
Além disso, todo inteiro dessa forma é múltiplo comum de a e b, pois podemos escrevê-lo como
c = aq pt1−r1
1 . . . ptk −rk
k e c = bq pt1−s1
1 . . . ptk −sk
k ,
em que os expoentes ti − ri e ti − si ≥ 0 são não negativos, para todo i = 1, . . . , k. Assim, o menor múltiplo
comum positivo de a e b é obtido quando temos q = 1 e ti = max {ri , si } para i = 1, . . . , k. P
A próxima proposição é muito importante por relacionar o máximo divisor comum e o mínimo múltiplo comum
de dois inteiros não nulos.
1.35 Proposição. Se a e b forem inteiros não-nulos, então
mmc(a, b) =
|ab|
mdc(a, b)
.
Prova: Se d = mdc(a, b), certamente
|ab|
d
é um inteiro; como a = 0, b = 0 e d > 0, temos que
|ab|
d
> 0.
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA34
Além disso, como d é divisor de a e b, existem inteiros a1 e b1 tais que a = a1d e b = b1d. Logo
|ab|
d
= |a1||b1|d = ±a|b1| = ±|a1|b,
mostrando que
|ab|
d
é múltiplo de a e b. Mas, se c for um múltiplo de a e b, a Proposição 1.29 garante que
ab
d
| c, donde
|ab|
d
| c. Portanto, pela Proposição 2.15, temos que
|ab|
d
= mmc(a, b). P
1.5.3 Exercícios Propostos
EP 1.16. Provar a proposição 1.23.
EP 1.17. Mostre que, se existem inteiros x e y tais que ax + by = 1, então mdc(a, b) = 1.
EP 1.18. Provar os itens (iv) e (v) da proposição 1.29.
EP 1.19. Provar a proposição 1.32.
EP 1.20. Mostre que dois inteiros consecutivos são sempre primos entre si.
EP 1.21. Usando o algoritmo de Euclides, calcule, para os pares a e b dados o d = mdc(a, b). Além disso,
escreva d = ax + by e calcule o mmc(a, b).
(a) a = 232 e b = 136;
(b) a = −25 e b = 5.
EP 1.22. Uma fábrica produz dados com três tamanhos: pequeno, médio e grande, com 6, 7 e 8 cm de
aresta, respectivamente. O fabricante deseja remeter a sua produção em caixas cúbicas do mesmo tamanho,
de forma que os dados fiquem bem ajustados na caixa que ela contenha um mesmo tipo de dado. Determine
o menor tamanho possível para cada caixa.
Congruências
1.6 Introdução
É impossível avançar no estudo dos números inteiros sem introduzir a teoria de congruências. O desen-
volvimento desta parte da Álgebra está intimamente relacionado ao nome do grande matemático alemão Carl
Friedrich Gauss (1777 - 1855). Sua contribuição à teoria dos números foi essencial, e seu trabalho mais im-
portante sobre o assunto é o livro Disquisitiones arithmeticae, publicado em 1801. Em seu primeiro capítulo,
Gauss desenvolve a álgebra das congruências e apresenta algumas aplicações, como a “prova dos nove fora”.
A introdução de congruência torna natural a criação de um novo “sistema” numérico, no qual são definidas
operações de adição e multiplicação: os conjuntos da forma Zm. Nesse conjunto, utilizando resultados devidos
a Fermat e Euler, somos capazes de obter resultados surpreendentes: sem efetuar as operações envolvidas,
podemos facilmente obter o resto da divisão de um número extraordinariamente grande por outro número -
como em 71010
dividido por 23, por exemplo.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 35
1.7 Definição e Propriedades
A partir de agora, teremos particular interesse nos números inteiros com relação aos restos que eles deixam
ao serem divididos por um outro inteiro. Essa teoria se aplica principalmente quando consideramos fenômenos
periódicos. Vejamos alguns exemplos destes fenômenos:
Exemplo 1.10. Queremos determinar o horário que chegaremos a um certo destino, sabendo que essa
viagem dura, com paradas e pernoites, 73 horas e que o horário da partida é às 17 horas. Para isso, basta
obter o resto da divisão de 73 + 17 = 90 por 24, já que o dia tem 24 horas:
90 = 24 · 3 + 18.
Assim, o horário de chegada será às 18 horas.
Exemplo 1.11. Comprei um carro e vou pagá-lo em 107 prestações mensais. Se estamos em março, em
qual mês terminarei de pagá-lo? Aqui a repetição se dá de 12 em 12 meses. Considerando a numeração usual
dos meses, temos que março corresponde a 3. Somando 3 a 107, obtemos 110, que corresponde a fevereiro,
pois 110 = 9 · 12 + 2.
No exemplo 1.10, gostaríamos de identificar os inteiros que deixam o mesmo resto quando divididos por
24. Assim, se agora são 5 horas, daqui a 24 horas serão novamente 5 horas. Gostaríamos, então de identificar
5 com 29, números que deixam o mesmo resto quando divididos por 24. Teríamos, nesse caso, 24 tipos de
inteiros: os que deixam resto 0, 1, 2, . . ., 22 e 23 quando divididos por 24.
No Exemplo 1.11, gostaríamos de identificar os inteiros que deixam o mesmo resto quando divididos por 12.
De fato, se estamos no mês 3 (março), daqui a 12 meses estaremos novamente em março. Assim, gostaríamos
de identificar 3 com 3 + 12 = 15. Note que esses números deixam resto 3 quando divididos por 12. Nesse
exemplo, temos 12 tipos de inteiros: os que deixam resto 0, 1, . . . e 11 quando divididos por 12.
A noção de congruência nos permite fazer tais identificações como veremos a seguir.
1.36 Proposição. Os inteiros a e b deixam o mesmo resto quando divididos pelo inteiro m = 0 se, e somente
se, m divide (a − b).
Prova: Se a e b deixarem o mesmo resto r quando divididos por m, então
a = qm + r e b = tm + r, em que 0 ≤ r < |m|
Para certos inteiros q e t. Logo a − b = (q − t)m, ou seja, m | (a − b). Reciprocamente, se m | (a − b), existe
k ∈ Z tal que a = b + km.
Por outro lado, o Lema da Divisão de Euclides garante que existem inteiros q e r tais que a = qm +r, com
0 ≤ r < |m|. Logo, b + km = qm + r e, portanto, b = (q − k)m + r, com 0 ≤ r < |m|.
A unicidade do resto no Lema da Divisão de Euclides garante que r é o resto da divisão de b por m. P
1.37 Definição. Seja m um inteiro fixo ou não-nulo. Dizemos que os inteiros a e b são congruentes módulo
m, se m dividir a diferença a − b. Nesse caso, escrevemos.
a ≡ b(mod m).
Dados a, b ∈ Z e 0 = m ∈ Z, para verificar que a ≡ b(mod m), de acordo com a proposição 1.36, temos
duas possibilidades: mostrar diretamente que m | (a − b),isto é, exibir um inteiro k tal que a − b = km, ou então
mostrar que a e b deixam o mesmo resto quando divididos por m.
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA36
Exemplo 1.12. Temos que 11 ≡ 3(mod 2) pois 2 | (11 − 3). Também 90 ≡ 18(mod 24), pois 90 = 3 · 24 + 18 e
3111 ≡ 3813(mod9), pois 3111 e 3813 deixam resto 6 quando divididos por 9. Finalmente, −2 ≡ 2(mod 4), pois
4 | (−2 − 2).
1.38 Proposição. Sejam m um inteiro não-nulo e a, b e c inteiros quaisquer. Então a congruência módulo m
satisfaz:
(i) a ≡ a(mod m) (propriedade reflexiva);
(ii) Se a ≡ b(mod m), então b ≡ a(mod m) (propriedade simétrica);
(iii) Se a ≡ b(mod m) e b ≡ c(mod m), então a ≡ c(mod m) (propriedade transitiva).
Prova:
(i) a ≡ a(mod m), pois m | (a − a).
(ii) a ≡ b(mod m) ⇒ m | (a − b) ⇒ m | (−(a − b)) ⇔ m | (b − a) ⇒ b ≡ a(mod m).
(iii) Se a ≡ b(mod m) e b ≡ c(mod m), então existem inteiros k1 e k2 tais que a − b = k1m e b − c = k2m.
Somando-se, membro a membro, estas últimas equações, obtemos a − c = (k1 + k2)m o que implica a ≡
c(mod m). P
Uma relação entre pares de elementos que satisfaz as três propriedades acima (reflexiva, simétrica e tran-
sitiva) é chamada uma relação de equivalência. Dessa forma a proposição anterior mostra que a congruência
módulo m é uma relação de equivalência.
A proposição seguinte mostra resultados imediatos, cujas demonstrações são deixadas a cargo do leitor.
1.39 Proposição. Sejam a, b inteiros quaisquer e m um inteiro não-nulo. Então:
(i) a ≡ b(mod 1);
(ii) a ≡ 0(mod m) se, e somente se, m | a;
(iii) a ≡ b(mod m) se, e somente se, a ≡ b(mod −m).
Como conseqüência do item (iii) da proposição anterior, na congruência módulo m podemos supor sempre
que m > 0. Isso é o que faremos a partir de agora. Isso quer dizer que podemos identificar um inteiro qualquer
a com o seu resto na divisão por m como mostra a próxima proposição.
1.40 Proposição. Todo inteiro a é congruente módulo m a exatamente um dos valores:
0, 1, 2, 3, . . ., m − 1.
Prova: Se a for um inteiro qualquer e m > 0, então, pelo Lema da Divisão de Euclides, existem inteiros q
e r tais que
a = qm + r, com 0 ≤ r < m − 1.
Como q e r são univocamente determinados, temos o resultado. P
Exemplo 1.13. Se a for um inteiro qualquer e m = 2, temos apenas duas possibilidades: se a for par,
a ≡ 0(mod 2); se a for ímpar, a ≡ 1(mod 2).
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 37
Veremos, a seguir, que propriedades válidas para a igualdade de números inteiros são também verdadeiras
para a congruência módulo m:
1.41 Proposição. Seja m um inteiro positivo fixo. Então:
(i) se a ≡ b(mod m) e a′
≡ b′
(mod m), então
(a + a′
) ≡ (b + b′
)(mod m) e aa′
≡ bb′
(mod m);
(ii) se a ≡ b(mod m), então, para qualquer inteiro k, temos que
(a + k) ≡ (b + k)(mod m) e ak ≡ bk(mod m);
(iii) se a ≡ b(mod m) e k > 0, então
ak ≡ bk(mod mk).
Prova: Mostraremos apenas a segunda parte do item (i). Num dos exercícios propostos dessa seção, o
leitor é convidado a concluir a prova. Se a ≡ b mod m) e a′
≡ b′
(mod m), então existem inteiros k e t tais que
a = b + km e a′
= b′
+ tm. Assim, multiplicando-se membro a membro as duas últimas equações, teremos
aa′
= bb′
+ btm + b′
km + ktm2
⇒ aa′
− bb′
= m(bt + b′
k + ktm),
ou seja,
aa′
≡ bb′
(mod m).
P
ER 12. Mostre que Nenhum número da forma 8n + 7 pode ser escrito como a soma dos quadrados de três
inteiros. Mais precisamente, se k = 8n + 7 para certo inteiro n, então não existem inteiros a, b e c tais que
k = a2
+ b2
+ c2
.
Solução: De fato, se k = 8n + 7, então k ≡ 7(mod 8). Por outro lado, se fosse k = a2
+ b2
+ c2
para
inteiros a, b e c, então teríamos,
a2
+ b2
+ c2
≡ 7(mod 8).
ER 13. Que valores o quadrado de um inteiro pode assumir módulo 8?
Solução: Se m for um inteiro, então m é congruente a um único elemento rm ∈ {0, 1, . . . , 7}. Mas, então,
m2
≡ r2
m(mod 8). Verificamos, imediatamente:
rm = 0 ⇒ m2
≡ 0(mod 8),
rm = 1 ⇒ m2
≡ 1(mod 8),
rm = 2 ⇒ m2
≡ 4(mod 8),
rm = 3 ⇒ m2
≡ 1(mod 8),
rm = 4 ⇒ m2
≡ 0(mod 8),
rm = 5 ⇒ m2
≡ 1(mod 8),
rm = 6 ⇒ m2
≡ 4(mod 8),
rm = 7 ⇒ m2
≡ 1(mod 8).
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA38
Assim, não há maneira de combinar os quadrados de a2
, b2
e c2
de modo a produzir um número congruente
a 7. De fato, pelo menos um desses números deve ser congruente a 4 módulo 8: se todos eles fossem
congruentes a 0 ou 1, a soma seria congruente a, no máximo, 3 módulo 8. Se for a2
≡ 4(mod 8), então,
claramente, não podemos tomar b2
e c2
congruentes a 0 ou 1, pois a soma seria congruente a, no máximo, 6
módulo 8. Se tomarmos também b congruente a 4, a soma a2
+ b2
é congruente a 0 módulo 8 e, como não
há número cujo quadrado seja congruente a 7 módulo 8, a2
+ b2
+ c2
não é congruente a 7 módulo 8.
Uma propriedade que é válida quando lidamos com a igualdade de números, mas que não é válida no caso
da congruência módulo m, é a lei do cancelamento: se ab ≡ ac(mod m), não é necessariamente verdade que
b ≡ c(mod m). Com efeito,
3 · 4 ≡ 3 · 8(mod 12),
mas 4 não é congruente a 8 módulo 12.
No entanto, com uma hipótese adicional a lei do cancelamento pode ser utilizada em congruências.
1.42 Proposição. Se ac ≡ bc(mod m) e mdc(c, m) = 1, então a ≡ b(mod m).
Prova: Se ac ≡ bc(mod m), então m | (a − b)c. Como mdc(c, m) = 1, temos m | (a − b), ou seja,
a ≡ b(mod m). P
Entretanto, se mdc(c, m) = 1, o melhor resultado que conseguimos é o seguinte:
1.43 Corolário. Se ac ≡ bc(mod m) e mdc(c, m) = d, então a ≡ b mod
m
d
.
Prova: De ac ≡ bc(mod m) temos ac − bc = c(a − b) = km. Se dividirmos os dois membros por d,
teremos
c
d
(a − b) = k
m
d
. Logo, (
m
d
) |
c
d
(a − b) e, como mdc(
m
d
,
c
d
) = 1 ( ver proposição 1.29 item iii )
temos por essa mesma proposição item (i) que (
m
d
) | (a − b) o que implica a ≡ b mod
m
d
. P
A seguir, apresentamos mais algumas propriedades de congruências em diferentes módulos e regras para
cancelamento.
1.44 Proposição. Sejam a e b inteiros quaisquer, e sejam m, d, r e s inteiros positivos.
(i) Se a ≡ b(mod m) e d | m, então a ≡ b(mod d);
(ii) se a ≡ b(mod r) e a ≡ b(mod s), então a ≡ b(mod mmc(r, s));
(iii) se ra ≡ rb(mod m), então a ≡ b mod
m
mdc(r, m)
;
(iv) se ra ≡ rb(mod rm), então a ≡ b(mod m).
As demonstrações ficam a cargo do leitor (ver exercícios propostos).
1.7.1 Exercícios Propostos
EP 1.23. Demonstre o restante da proposição 1.41.
EP 1.24. Prove a proposição 1.44.
TÓPICOS DE ÁLGEBRA 39
EP 1.25. Mostre que, se a ≡ b(mod m), então an
≡ bn
(mod m) para todo inteiro positivo n.
EP 1.26. Se a = (72)6
+ (72)5
+ 2, mostre que 7 | a.
EP 1.27. Suponha que a ≡ b(mod m) e c ≡ d(mod m). Mostre que ax + cy ≡ bx + dy(mod m) para quaisquer
x, y ∈ Z.
EP 1.28. Resolva as congruências:
(a) 3 ≡ 3(mod 5);
(b) 3 ≡ 1(mod 6).
EP 1.29. Encontre todos os inteiros x, com 0 ≤ x < n, satisfazendo as congruências módulo n dadas a
seguir. Se a congruência não possuir solução, justifique.
(a) n = 6 e 4x ≡ 2(mod n);
(b) n = 11 e 5x ≡ 1(mod n).
1.8 Classes de Congruência
A congruência módulo m permite a identificação de todos os números que deixam o mesmo resto quando
divididos por m. Essa identificação nos permite a criação de outros “sistemas” numéricos.
1.45 Definição. Sejam m um inteiro fixo e a um inteiro qualquer. Denotamos por [a]m a classe de congruência
de a módulo m, isto é, o conjunto formado por todos os inteiros que são congruentes a a módulo m:
[a]m = {x ∈ Z : x ≡ a(mod m)} .
ER 14. Determine a classe de congruência de 3 módulo 12 e 15 módulo 12.
Solução: Seja m = 12. Se a = 3, então,
[a]12 = {x ∈ Z : x ≡ 3(mod 12)}
= {x ∈ Z : 12 | (x − 3)}
= {x ∈ Z : x = 12k + 3 para algum k ∈ Z}
= {. . . , −21, −9, 3, 15, . . .}
Por outro lado,
[15]12 = {x ∈ Z : x ≡ 15(mod 12)} .
Como 15 ≡ 3(mod 12), então x ≡ 15(mod12) se, e somente se, x ≡ 3(mod 12), pela propriedade transitiva
de congruência vista na Proposição 1.38. Logo,
[15]12 = {x ∈ Z : x ≡ 3(mod 12)} = [3]12.
Para mostrar alguns dos próximos resultados, precisaremos lembrar a definição de igualdade entre dois
conjuntos. Para mostrar que dois conjuntos são iguais, devemos provar que eles possuem os mesmos elemen-
tos. Assim, A = B se, e somente se, A ⊂ B (todo elemento de A é elemento de B) e B ⊂ A (todo elemento de
B é elemento de A).
FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA40
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  • 4. Sumário Bloco 1: Teoria de Números e Polinômios 6 Tema 1: Números Inteiros e Congruências 6 Números Inteiros 6 1.1 Sistemas de Numeração ............................................................................ 6 1.1.1 O Processo de Contagem. ..................................................................... 6 1.1.2 A Representação de um Número em uma Base .............................................. 7 1.2 Princípios da Indução e Boa Ordenação ........................................................... 8 1.2.1 Primeira Forma do Princípio da Indução ...................................................... 9 1.2.2 Segunda Forma do Princípio da Indução ...................................................... 10 1.2.3 O Princípio da Boa Ordenação ................................................................ 11 1.2.4 Exercícios Propostos ........................................................................... 13 1.3 Divisão Euclidiana e Critérios de Divisibilidade .................................................... 13 1.3.1 O Algoritmo da Divisão......................................................................... 13 1.3.2 Mudança de Base .............................................................................. 17 1.3.3 Critérios de Divisibilidade ...................................................................... 19 1.3.4 Exercícios Propostos ........................................................................... 19 1.4 Números Primos e o Teorema Fundamental da Aritmética ........................................ 20 1.4.1 Números Primos ............................................................................... 20 1.4.2 Crivo de Eratóstenes ........................................................................... 21 1.4.3 O Teorema Fundamental da Aritmética . ....................................................... 22 1.4.4 Exercícios Propostos ........................................................................... 24 1.5 MMC e MDC ........................................................................................ 25 1.5.1 Máximo Divisor Comum ........................................................................ 25 1.5.2 Mínimo Múltiplo Comum ....................................................................... 32 1.5.3 Exercícios Propostos ........................................................................... 35 1.6 Introdução ........................................................................................... 35 1.7 Definição e Propriedades ........................................................................... 36 1.7.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 39 1.8 Classes de Congruência ............................................................................ 40 1.8.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 47 Tema 2: Polinômios 48 Divisão de Polinômios 48 2.1 Corpos .............................................................................................. 48 2.1.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 50 2.2 Definições e Operações ............................................................................ 50 2.2.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 52 2.3 Lema da Divisão de Euclides ....................................................................... 52 2.3.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 56 2.4 MDC e MMC ........................................................................................ 56 2.4.1 Máximo Divisor Comum ........................................................................ 56 2.4.2 Mínimo Múltiplo Comum ....................................................................... 60 2.4.3 Exercícios Propostos ........................................................................... 61 TÓPICOS DE ÁLGEBRA 3
  • 5. 2.5 Raízes e Fatoração ................................................................................. 62 2.5.1 O Algoritmo de Briot-Ruffini .................................................................... 62 2.5.2 Exercícios Propostos ........................................................................... 64 2.6 O Teorema Fundamental da Álgebra ............................................................... 64 2.6.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 67 2.7 Fatoração em Polinômios Irredutíveis .............................................................. 67 2.7.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 70 Bloco 2: Grupos 71 Tema 3: Grupos, Subgrupos e Homomorfismos. 71 Teoria de Grupos 71 3.1 Grupos .............................................................................................. 71 3.1.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 75 3.2 Subgrupos........................................................................................... 76 3.2.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 78 3.3 Homomorfismo ...................................................................................... 78 3.3.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 79 3.4 Isomorfismo ......................................................................................... 79 3.4.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 80 Tema 4: Outros Tipos de Grupos 81 Grupos Cíclicos 81 4.1 Potências e Múltiplos ............................................................................... 81 4.1.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 83 4.2 Grupos Cíclicos ..................................................................................... 83 4.2.1 Grupos Cíclicos Infinitos ....................................................................... 84 4.2.2 Grupos Cíclicos Finitos ........................................................................ 85 4.2.3 Exercícios Propostos ........................................................................... 86 4.3 Grupos Gerados Por Subconjuntos. ................................................................ 86 4.4 Classes Laterais .................................................................................... 87 4.4.1 Proposições Sobre Classes Laterais .......................................................... 88 4.4.2 Teorema de Lagrange .......................................................................... 89 4.4.3 Exercícios Propostos ........................................................................... 89 4.5 Subgrupos Normais ................................................................................. 90 4.5.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 90 4.6 Grupos Quocientes ................................................................................. 90 4.6.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 91 4.7 Teorema do Isomorfismo............................................................................ 91 4.7.1 Exercícios Propostos ........................................................................... 92 4.8 Anel ................................................................................................. 92 4.9 Exemplos Importantes de Anéis .................................................................... 93 Referências Bibliográficas 94 FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA4
  • 6. Caro aluno, A Álgebra Moderna é um ramo da Matemática que estuda a teoria dos números e as estruturas algébricas tais como grupos, anéis e corpos. A construção dos conjuntos numéricos clássicos como os naturais, inteiros, racionais e reais se constituem em partes importantes da Álgebra. Outras estruturas associadas a conjuntos de Matrizes e Polinômios também são abordadas no estudo da disciplina. O objetivo do nosso trabalho é o uso de um texto ameno, que procura motivar cada conceito introduzido e, dentro do possível, apresentá-lo dentro de um contexto histórico. Um texto que admita a inexperiência inicial do aluno, mas que fosse capaz de acompanhar sua evolução com o decorrer do curso. Tentamos adotar o mesmo enfoque empregado no ensino básico, tornando nosso texto uma fonte de consulta imediata para os professores daqueles níveis. O Princípio da indução é bastante abordado devido à sua importância para a demonstração da maior parte dos resultados obtidos para números naturais, números inteiros e polinômios. No Bloco Temático 1, veremos, no Tema 1, os inteiros e o conceito de congruências. No Tema 2, estudaremos os polinômios salientando a similaridade destes com os inteiros em diversos teore- mas. Já no Bloco Temático 2, trataremos, no Tema 3, do estudo de uma estrutura algébrica muito importante denominada Grupo e por fim no Tema 4 apresentaremos vários tipos importantes de car- acterização dessas estruturas e uma breve introdução ao estudo dos anéis, os quais se constituem numa outra estrutura algébrica importante da álgebra Moderna. Encontra-se disponível nesse material, além de vários exercícios resolvidos e exemplos de apli- cação, questões propostas, ao final de cada seção. Esse trabalho foi elaborado com bastante cuidado, sendo que cada tópico da teoria foi cuidadosa- mente pensado com o objetivo de facilitar o seu aprendizado. Os erros são previsíveis. Portanto, para que possamos melhorar este material a sua contribuição será necessária. Prof. Ricardo Luiz Queiroz Freitas. APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA
  • 7. BLOCO 01 Teoria de Números e Polinômios TEMA 01 Números Inteiros e Congruências Números Inteiros 1.1 Sistemas de Numeração 1.1.1 O Processo de Contagem O conceito de número, com o qual estamos acostumados, evoluiu muito lentamente. Para o homem civi- lizado de hoje, o numero natural é um ente puramente matemático, uma conquista de seu pensamento. Todos os tipos de sociedades foram obrigadas a desenvolver um conceito de número e, associado a este, algum processo de contagem. O processo de contagem passou a ser definido, então, a partir de um conjunto familiar ao qual se fazia corresponder os objetos a serem contados.Estes conjuntos eram chamados conjuntos de contagem e poderiam estar associados, por exemplo, aos dedos da mão, do pé, pedras e etc. Com a evolução da humanidade, o homem sentiu que era necessário sistematizar o processo de contagem, e os povos de diversas partes do mundo desenvolveram vários tipos de sistema de contagem. Estabelecia-se então um conjunto de símbolos juntamente com algumas regras que permitem contar, representar e enunciar os números. Alguns desses conjuntos continham cinco, outros dez, doze, vinte ou até sessenta símbolos, chamados “símbolos básicos”. Hoje, o processo de contagem consiste em fazer corresponder os objetos a serem contados com o conjunto N = {1, 2, 3, . . .}. A possibilidade de se estender indefinidamente a seqüência numérica e, portanto, a existência de números arbitrariamente grandes, foi uma descoberta difícil. Arquimedes (287-212 a.C.), em sua monografia “O contador de Areia, descreve um método para enunciar um número maior do que o número de grãos de areia suficiente para encher a esfera das estrelas fixas (então considerada como “Todo” isto é, o Universo). Em outras palavras, Arquimedes descreveu um número maior do que o número de elementos do maior conjunto de contagem possível: o Universo. Tendo sido escolhido o conjunto de símbolos básicos, os primeiros sistemas de numeração, em grande maioria, tinha por regra formar os numerais pela repetição de símbolos básicos e pela soma de seus valores. Assim eram os sistemas egípcio, grego e romano. Por volta de 3000 a.C. os egípcios usavam figuras para representar seus numerais. Tinham então um sistema que consistia em separar os objetos a serem contados em grupos de dez, mas não tinham um símbolo para zero. Portanto, pra representar cada múltiplo de dez, eles utilizavam um símbolo diferente dos básicos. Por volta de 400 a.C., os gregos utilizavam letras para representar os números. Como essas notações eram aditiva apresentavam um grande inconveniente: à medida que os números FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA6
  • 8. maiores são escritos, mais símbolos devam representá-los (já que utilizar apenas os símbolos antes empre- gados torna a representação do número demasiadamente extensa). Entretanto, essa dificuldade é superada atribuindo-se importância à posição que um símbolo ocupa na representação de um número. Assim já era o sistema desenvolvido pelos babilônios por volta de 1800 a.C. Estes usavam grupos de 60 elementos e seus símbolos eram combinações de cunhas verticais ( representando a unidade) e angulares (representando a dezena), dando origem ao que se chama sistema sexagesimal - ainda nos tempos de hoje utilizamos esse sistema ao medir o tempo em horas, minutos e segundos e os ângulos em graus. Um símbolo em uma seqüên- cia fica então multiplicado por 60 cada vez que avançamos uma casa à esquerda. Estes sistemas posicionais serão estudados mais adiante, a partir do conceito de base de numeração. Os babilônios também não tinham um símbolo que representasse o zero, mas nas posições em que ele deveria aparecer era deixado um espaço em branco, ficando a cargo do leitor a tarefa de adivinhar, pelo contexto o valor correto que estava sendo representado. A origem do zero é incerta; entretanto, os maias da América central, que possuíam um sistema vigesimal posicional, já faziam uso dele por volta de 300 d.C. Atualmente, quase todos os povos do mundo usam o mesmo sistema de numeração e aproximadamente os mesmos algoritmos para efetuar as operações básicas da aritmética. Esse sistema quase que universalmente adotado é conhecido como sistema numérico hindu-arábico, por acreditar-se ter sido ele inventado pelos indi- anos e introduzido na Europa pelos árabes. Esse sistema é decimal posicional. Ele é decimal, pois faz uso de dez símbolos (chamados algarismo): nove para representar os números de um a nove e outro para representar posições vazias ou o número zero. Usamos os algarismos 0,1,2,3,4,5,6,7,8 e 9. É posicional, pois todos os números podem ser expressos por meio desses algarismos, que têm valor alterado à medida que eles avançam para a esquerda na representação do número: cada mudança para a esquerda multiplica seu valor por dez. É o que passaremos a explicar. 1.1.2 A Representação de um Número em uma Base Vimos, na seção anterior que a cada sistema de numeração posicional está associado um conjunto de símbolos (algarismos), a partir dos quais escrevemos todos os outros números. Chamamos de base do sistema à quantidade destes símbolos. Por exemplo, os babilônios usavam um sistema sexagesimal (isto é, de base 60), e hoje utilizamos o sistema decimal, ou seja, de base 10. A razão de utilizarmos base 10 é convencional e, provavelmente, é conseqüência do fato de quase todos os povos terem usado os dedos das mãos para contar. Temos então que no nosso sistema todo número pode ser representado por uma seqüência anan−1...a1a0, em que cada algarismo ai ∈ {0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9}. O que cada algarismo representa depende de sua posição nessa seqüência, de acordo com a seguinte regra: cada vez que deslocamos uma casa para a esquerda na seqüência anterior, o valor do algarismo fica multiplicado por dez. Generalizando: se o número de elementos de um conjunto é representado por uma seqüência anan−1 . . . a1a0, esse conjunto tem an grupos de 10n elementos, mais an−1 grupos de 10n−1 e assim por diante, até a1 grupos de 10 mais a0 elementos; ou seja, ele tem an · 10n + an−1 · 10n−1 + . . . + a1 · 10 + a0 elementos. De forma análoga, podemos escrever qualquer número natural em outra base, bastando para isso tomar quantidades de símbolos maior ou menor que dez e escrevermos o número com a mesma notação acima, sendo que, ao invés de usarmos grupos de dez usaríamos grupos com outro número de elementos. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 7
  • 9. Na verdade, não é difícil demonstrar que podemos ter sistemas de numeração posicionais com qualquer base b ∈ N. Uma vez selecionada a base b , escolhemos b símbolos para representar os números de “0′′ a “b − 1′′ . Se b ≤ 10, podemos utilizar os nossos algarismos hindu-arábicos. Caso contrário, ou seja, se b > 10, podemos utilizar os mesmos algarismos hindu-arábicos de 0 até 9 e escrever outros símbolos ( por exemplo, as letras do alfabeto) para representar os números 10, . . ., b − 1. Resumindo, se b ∈ N , qualquer número inteiro não-negativo a pode ser escrito como a = anbn + ... + a1b + a0, em que os coeficientes ai , i = 0, 1, ..., n tomam valores de 0 a b − 1. O número a é representado posicionalmente na base b pela seqüência anan−1 . . . a2a1a0 e escrevemos a = (anan−1 . . . a2a1a0)b. Convencionamos não escrever o subscrito b quando estamos utilizando a base 10, que é usual. Para cada i ∈ N, o símbolo ai representa, portanto, um múltiplo de alguma potência da base, a potência dependendo da posição na qual o algarismo aparece, de modo que ao mover um símbolo uma casa para a esquerda este tem seu valor multiplicado por b. A afirmação de que é possível representar um número natural a em uma base b faz parte de um resultado conhecido como Teorema de Representação de um número em uma base, o qual estudaremos mais adiante. Este teorema nos garante não só a existência, mas também a unicidade dessa representação, uma vez fixada a base. Veremos também um algoritmo que nos permite obter a representação de um número natural qualquer em uma base. 1.2 Princípios da Indução e Boa Ordenação Na Matemática, muitos resultados são admitidos como verdadeiros desde que possam ser demonstrados, isto é, deduzidos de resultados já conhecidos (teoremas, proposições,lemas, corolários, etc.), ou então de afirmações aceitas como verdadeiras de forma intuitiva, ou seja, que não possuem uma demonstração formal (axiomas, postulados, princípios). A seguir descreveremos os números naturais a partir de uma indispensável ferramenta na demonstração de muitos teoremas: o Postulado do Princípio da Indução Finita. Veremos, assim, como utilizá-lo na demonstração de várias afirmações a respeito dos números naturais. Toda a teoria dos números naturais pode ser desenvolvida a partir dos axiomas devido a Giussepe Peano (1858-1932). Dados, como objetos não definidos, um conjunto N, cujos elementos são chamados números naturais, e uma função s : N → N. Para cada n ∈ N, o número s(n), valor que a função s assume no ponto n, é chamado o sucessor de n. A função s satisfaz aos seguintes axiomas: (i) s : N → N é injetiva, isto é, dados m, n ∈ N, s(m) = s(n) ⇒ m = n. Em outras palavras, dois números que têm o mesmo sucessor são iguais. (ii) N − s(N) consta de um só elemento, ou seja, existe um único número natural que não é sucessor de nenhum outro. Ele se chama “um” e é representado pelo símbolo 1. Assim, qualquer que seja n ∈ N, tem-se 1 = s(n). (iii) Se X ⊂ N é um subconjunto tal que 1 ∈ X e para todo n ∈ X tem-se também s(n) ∈ X, então X = N. Não desenvolveremos, aqui, as demais definições de operações entre naturais e suas propriedades, bem como as relações de ordem entre naturais, lembrando que estas definições e propriedades são obtidas por FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA8
  • 10. indução, ou seja, a partir dos axiomas dados acima ( para detalhes, o leitor pode consultar...). O terceiro axioma é, exatamente, o Princípio da Indução e o enunciaremos de outra forma, a qual será mais conveniente para se trabalhar. 1.2.1 Primeira Forma do Princípio da Indução Suponhamos que uma afirmação seja válida em muitos casos particulares e que seja impossível considerar todos os casos possíveis - por exemplo, uma afirmativa a respeito de todos os números naturais. Como se pode determinar se essa afirmativa é válida em geral? Na maior parte das vezes podemos resolver essa questão aplicando um método de indução matemática (indução completa), baseado no Princípio da Indução Matemática - primeira forma: Suponha que para cada número natural n se tenha uma afirmativa P(n) que satisfaça as seguintes pro- priedades: (i)P(1) é verdadeira; (ii) sempre que a afirmativa for válida para um número natural arbitrário n = k, ela será válida para o seu sucessor n = k + 1 (ou seja, P(k) verdadeira implica P(k + 1) verdadeira). Então P(n) é verdadeira para todo número natural n. As hipóteses do Princípio da Indução (quer dizer, os ítens 1 e 2 acima) possuem significados específicos. A primeira hipótese cria, digamos assim, a base para se fazer a indução. A segunda hipótese nos dá o direito de passar de um número inteiro para o seu sucessor (de k para k +1), ou seja, o direito de uma extensão ilimitada desta base. Observe que o item ii é uma implicação possuindo uma hipótese (P(k) é verdadeira) e uma tese (P(k + 1) é verdadeira). Assim, provar o item ii significa provar que a hipótese acarreta a tese. A hipótese do item ii é chamada hipótese de indução. ER 1. Calcular a soma Sn = 1 1 · 2 + 1 2 · 3 + 1 3 · 4 + · · · + 1 n(n + 1) . Solução: Sabemos que S1 = 1 2 , S2 = 2 3 , S3 = 3 4 , S4 = 4 5 . Observando os valores das somas S1, S2, S3, S4, tentaremos provar, usando o método de indução matemática que Sn = n n + 1 para todo natural n.A afirmação vale para n = 1, pois S1 = 1 2 . Supondo válido para n = k, isto é, Sk = 1 1 · 2 + 1 2 · 3 + · · · + 1 k(k + 1) = k k + 1 . Provaremos que vale para n = k + 1, ou seja, Sk+1 = k + 1 k + 2 . De fato, Sk+1 = 1 1 · 2 + 1 2 · 3 + · · · + 1 k(k + 1) + 1 (k + 1)(k + 2) = Sk + 1 (k + 1)(k + 2) . TÓPICOS DE ÁLGEBRA 9
  • 11. Pela hipótese de indução, Sk = k k + 1 . Logo, Sk+1 = Sk + 1 (k + 1)(k + 2) = k k + 1 + 1 (k + 1)(k + 2) = k2 + 2k + 1 (k + 1)(k + 2) = k + 1 k + 2 Verificadas as hipóteses do Princípio da Indução Matemática, podemos então afirmar que, para todo natural n. Sn = n n + 1 O método de indução matemática se baseia no fato de que, depois de cada número inteiro k, existe um sucessor (k + 1) e que cada número inteiro maior do que 1 pode ser alcançado mediante um número finito de passos, a partir de 1. Nota 1. Muitas vezes uma afirmação sobre números inteiros é aceita a partir de um número n0 fixo (não necessariamente n = 1). Assim, podemos reescrever o Princípio da Indução Matemática da seguinte forma: 1.1 Teorema. [Formulação equivalente do Princípio da Indução] Suponha que, para cada número inteiro n ≥ n0, se tenha uma afirmativa P(n) satisfazendo as seguintes propriedades: (i)P(n0) é verdadeira; (ii) sempre que a afirmativa for válida para um inteiro n = k ≥ n0 ela também será válida para n = k + 1. Então P(n) é verdadeira para todo número inteiro n ≥ n0. 1.2.2 Segunda Forma do Princípio da Indução Algumas vezes no princípio da indução a validade de P(k + 1) não pode ser obtida facilmente apenas da validade de P(k), dependendo também da validade de algum P(r) tal que 1 ≤ r ≤ k. Nesses casos podemos usar uma outra forma do princípio da indução, a qual apresentamos a seguir. 1.2 Teorema. (Princípio da Indução Matemática - segunda forma) Seja r um número inteiro. Suponha que, para todo inteiro n ≥ r, se tenha uma afirmativa P(n) que satisfaça as seguintes propriedades: (i) P(r) é verdadeira; (ii) P(m) verdadeira para todo natural m com r ≤ m ≤ k implica P(k + 1) verdadeira. Então P(n) é verdadeira para todo n ≥ r Nota 2. Note que aqui também a condição (ii) consiste em uma implicação. Sua hipótese, como antes, é chamada hipótese de indução. A diferença entre as duas formas do Princípio da Indução Matemática está exatamente na hipótese de Indução: na primeira forma, supõe-se que P(k) seja verdadeira e, na segunda, supõe-se que P(k), P(k − 1), ..., P(r + 1), P(r) sejam todas verdadeiras. FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA10
  • 12. Por ser uma afirmação sobre números naturais, a segunda forma do principio da Indução pode ser provada usando-se a primeira forma. Vejamos: Demonstração da segunda forma do princípio da Indução: Para mostrar que a afirmativa P(n) é verdadeira para todo natural n ≥ r, tomaremos o conjunto S = {n ∈ Z : n ≥ r e P(r), P(r + 1), . . . , P(n) são verdadeiras} e mostraremos, usando a primeira forma do Princípio da Indução, que S = {n ∈ Z : n ≥ r} Pela condição (i) temos que P(r) é verdadeira, ou seja, r ∈ S. Seja, k ≥ r tal que k ∈ S. Logo, pela definição de S, P(r), P(r + 1), ..., P(k) são verdadeiras e então, pela condição (ii), temos que P(k + 1) também é verdadeira, donde (k + 1) ∈ S. Temos, assim, pelo terceiro axioma de Peano, que todos os inteiros n tais que n ≥ r pertencem a S, ou seja: S = n ∈ Z : n ≥ r, Desta forma, concluímos que P(n) é verdadeira para todo n ≥ r. 1.2.3 O Princípio da Boa Ordenação Uma outra propriedade importante dos números naturais é o Princípio da Boa Ordenação, também con- hecido como Princípio do Menor Inteiro. Tal princípio também é muito útil na demonstração de resultados a respeito dos números inteiros. Veremos mais tarde que o princípio da indução e da boa ordenação, na ver- dade, se equivalem, e que podemos tomar qualquer um deles como postulado e provar o outro. Um conjunto S ⊂ R é dito limitado inferiormente, se existe um número a ∈ R tal que a ≤ s para todo s ∈ S. Nesse caso, a é uma cota inferior para o conjunto S. Se a cota inferior está no conjunto S, dizemos que a é o menor elemento de S. 1.3 Teorema. (Princípio da Boa Ordenação) Seja S ⊂ Z um conjunto não-vazio e limitado inferiormente. Então S possui um menor elemento. Exemplo 1.1. No conjunto {6, 8, 10, 12, 14, . . .} dos números pares maiores do que 4, temos que 6 é o menor elemento. Exemplo 1.2. O conjunto dos números inteiros Z = {0, ±1, ±2, ±3, . . .} não possui menor elemento, pois, se z ∈ Z então (z − 1) ∈ Z, isto é, Z não é limitado inferiormente. De acordo com o exemplo anterior, não podemos esperar que conjuntos não-limitados inferiormente pos- suam um menor elemento. O próximo exemplo mostra que mesmo conjuntos que são limitados inferiormente podem não possuir um menor elemento. Exemplo 1.3. Considere o conjunto dos números racionais positivos Q+ = Òm n ; m e n são naturais positivos Ó , ou seja, o conjunto de todas as frações positivas. Note que 0 é menor do que todos os elementos de Q+ . Assim, concluímos que Q+ é limitado inferiormente. Mas, 0 não é menor elemento de Q+ pois 0 /∈ Q+ . Iremos TÓPICOS DE ÁLGEBRA 11
  • 13. mostrar que Q+ não possui menor elemento. Suponha, por absurdo, que a ∈ Q+ seja o menor elemento de Q+ . Como a 2 também pertence a Q+ e a 2 < a chegamos a uma contradição. Em geral, qualquer resultado sobre os números inteiros que pode ser demonstrado usando-se o Princípio da Indução, também pode ser demonstrado usando-se o Princípio da Boa Ordenação. A seguir daremos uma demonstração do princípio da boa ordenação utilizando a segunda forma do princípio da indução. A melhor forma de se obter tal resultado é considerarmos um conjunto S ⊂ Z de inteiros maiores do que o inteiro a e supormos que S não possui menor elemento. Então provaremos que este conjunto só pode ser o conjunto vazio e desta forma podemos concluir que, se S for um conjunto de inteiros maiores do que o inteiro a e S = ∅, então S possui menor elemento. Vejamos, então a prova: Demonstração do Princípio da Boa Ordenação: Seja S ⊂ Z um conjunto não-vazio e limitado inferiormente. seja a ∈ Z uma cota inferior para S. Suponhamos que S não possua menor elemento. Temos então que a /∈ S pois, caso contrário, a seria o menor elemento de S. Suponhamos que a, a + 1, a + 2, . . . , a + k não estejam em S (segunda forma do Princípio da Indução). Afirmamos que a + (k + 1) /∈ S. De fato, se a + (k + 1) ∈ S então a + (k + 1) seria o menor elemento de S, pois todos os inteiros maiores do que a e menores do que a+(k +1) não estão em S; como S não possui menor elemento, concluímos que a+(k +1) /∈ S. Logo, pela segunda forma do Principio da Indução, nenhum elemento de Z maior do que a está em S. Como S ⊂ Z é um conjunto de números maiores do que a, só podemos ter S = ∅. Concluímos que a única possibilidade de S não possuir menor elemento é quando S = ∅ o que mostra o Princípio da Boa Ordenação. A segunda forma do Princípio da Indução e o Princípio da Boa Ordenação foram apresentados como teo- remas: a segunda forma do Princípio da Indução foi provada utilizando-se a primeira forma, enquanto que o Princípio da Boa Ordenação resultou da segunda forma do Princípio da Indução. Dizemos que duas afirmações A e B são equivalentes se A implica B (notação: A ⇒ B) e, reciprocamente, B implica A (notação: B ⇒ A) e escrevemos A ⇔ B, que se lê: A se, e somente se, B. Observe que já demonstramos que a primeira forma do Princípio da Indução implica a segunda forma, e que esta implica o Princípio da Boa Ordenação. Assim, para completarmos a verificação que esses Princípios são todos equivalentes, basta mostrarmos que o Princípio da Boa Ordenação implica a primeira forma do Princípio da Indução. É o que faremos a seguir. 1.4 Teorema. O Princípio da Boa Ordenação implica a primeira forma do Princípio da Indução. Prova: Seja P(n) uma afirmativa à respeito dos números inteiros, tais que (a) P(n0) é verdadeira; (b) Se k ≥ n0, P(k) verdadeira implica P(k + 1) verdadeira. Queremos mostrar que P(n) é verdadeira para todo n ≤ n0. Para isso, definimos o conjunto S = {n ∈ Z; n ≥ n0 e P(n) é falsa} . Vamos mostrar, usando o Princípio da Boa Ordenação, que S = ∅, donde podemos concluir o desejado. Claramente S é um conjunto limitado inferiormente. Suponhamos que S não seja vazio. Então, pelo Princípio da Boa Ordenação, S tem um menor elemento k0 ∈ S. Temos que k0 = n0 pois, por hipótese, P(n0) é uma afirmação verdadeira. Logo, k0 > n0. Isso quer dizer que k0 − 1 /∈ S e também que P(k0 − 1) é uma afirmação verdadeira (pois k0 é a primeira afirmativa falsa). Mas isso é uma contradição com a hipótese (b):P(k0 − 1) verdadeira implica P(k0) verdadeira. P FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA12
  • 14. 1.2.4 Exercícios Propostos EP 1.1. Mostre, por indução, a validade de 1 + 23 + 33 + . . . + n3 = n(n + 1) 2 2 . EP 1.2. Prove, usando o princípio da indução, que o número de diagonais dn de um polígono convexo de n lados é dado por dn = n(n − 3) 2 . EP 1.3. Encontre a lei geral sugerida para as somas abaixo e, em seguida, mostre tal lei por indução. 1 + 1 2 = 2 − 1 2 , 1 + 1 2 + 1 4 = 2 − 1 4 , 1 + 1 2 + 1 4 + 1 8 = 2 − 1 8 . 1.3 Divisão Euclidiana e Critérios de Divisibilidade Por volta de 300 a.C., Euclides de Alexandria (325-265 a.C.) escreveu o mais antigo texto matemático grego conhecido até nossos dias, denominado Os elementos. Alguns capítulos da obra são sobre teoria de números. Para os gregos, a palavra número significava o que hoje denominamos número natural e se refere a um número como AB e não usa as expressões “é múltiplo de” ou “é dividido por”, mas “é medido por” ou “mede”, respectivamente. O modelo concreto de número utilizado por Euclides era um segmento de reta de comprimento igual a esse número, sendo a unidade de medida u escolhida arbitrariamente; por exemplo, o número 7 era entendido como o seguimento AB, como na seguinte figura: A B u Uma característica dos inteiros é que um número nem sempre divide o outro, e Euclides interessava-se particularmente pelo estudo dessa relação, ou seja, pela teoria da divisibilidade. Resultados sobre os inteiros já eram encontrados na obra de Euclides, com demonstrações que são utilizadas até hoje, apenas reescritas numa notação moderna. Nesta seção apresentaremos o importante resultado sobre números inteiros conhecido como o Lema da Divisão de Euclides e mostraremos também outros teoremas como conseqüência desse lema, além de alguns critérios de divisibilidade. 1.3.1 O Algoritmo da Divisão Utilizando o modelo de número utilizado por Euclides, sejam os segmentos AB e CD de forma que o comprimento de CD seja maior do que o comprimento de AB e suponhamos que o segmento CD possa ser obtido pela justaposição do segmento AB num certo número de vezes. Dessa forma, podemos dizer que CD possui AB como parte exata ou que AB pode servir para medir CD. A partir dessa idéia podemos obter a definição abstrata de múltiplo. 1.5 Definição. Dados os números naturais a e b, dizemos que a é múltiplo de b, se existe um número natural n tal que a = nb. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 13
  • 15. No entanto, se o segmento AB não for uma parte exata do segmento CD, teremos que o segmento AB cabe em CD um número máximo de vezes mais um segmento restante, por exemplo MN, o qual possui comprimento menor do que o de AB. Dessa forma, se os segmentos CD e AB representam os números naturais a e b, respectivamente, temos que a = nb + r, em que r < b é o número natural que representa o segmento MN e n é o número máximo de segmentos do tamanho de AB que cabe em CD. Este é o enunciado, para os números naturais , do que hoje conhecemos como Lema da Divisão de Euclides o qual demonstraremos através da indução matemática. Sejam a e b números naturais. Vemos que existe somente duas possibilidades: ou a é múltiplo de b, isto é, a = qb, em que q ∈ N, ou a está compreendido entre dois múltiplos consecutivos de b como indica a figura abaixo. qb a (q + 1)b Nesse caso, temos que a distância de a a qb é menor do que a distância entre dois múltiplos consecutivos de b. Assim, podemos escrever a = qb + r, em que 0 < r < b. Nota 3. Até agora, consideramos o “1” como o primeiro número natural. No Lema de Euclides, a seguir, consideraremos “0” como número natural. É uma simples convenção a questão do zero ser ou não um número natural. 1.6 Teorema. (Lema da Divisão de Euclides) Sejam a e b números naturais, com b > 0. Então existem números naturais q e r, com 0 ≤ r < b, de modo que a = qb + r. Prova: Faremos a demonstração por indução em a. Se a = 0, escolhemos q = 0 e r = 0, obtendo 0 = 0 · b + 0. Nesse caso, o resultado está demonstrado. Seja então a > 0 (inclusive menor que b) e suponhamos, por indução, que o resultado seja válido para o número natural (a − 1): existem q′ , r′ ∈ N, tais que (a − 1) = q′ b + r′ , em que 0 ≤ r′ < b. Logo, a = q′ b + r′ + 1 com 1 ≤ r′ + 1 ≤ b. Se r′ + 1 < b, tomamos q = q′ e r = r′ + 1, o que mostra o resultado. Se, por outro lado, r′ + 1 = b temos que a = q′ b + b = (q′ + 1)b, e basta tomar, nesse caso, q = q′ + 1 e r = 0. Portanto, o Lema da Divisão de Euclides nos garante que, dados a, b ∈ N, com b > 0, sempre podemos achar o quociente q e o resto r da divisão de a por b, o que fazíamos desde o ensino básico, para pares particulares de números naturais a e b. Podemos agora nos perguntar se o quociente e o resto são únicos. A nossa experiência nos diz que a resposta a essa pergunta é afirmativa: há muito tempo sabemos que existe uma única “resposta certa” para a divisão de a por b (verifique que essa unicidade fica clara ao considerarmos o nosso modelo geométrico). Para demonstrar formalmente esse fato, vamos supor que (q′ , r′ ) e (q′′ , r′′ ) sejam dois pares de números FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA14
  • 16. naturais tais que a = q′ b + r′ , a = q′′ b + r′′ , com 0 ≤ r′ < b e 0 ≤ r′′ < b. Queremos concluir que q′ = q′′ e r′ = r′′ . Se tivéssemos q′ > q′′ , obteríamos após subtrair membro a membro as equações acima que (q′ −q′′ )b = r′′ −r′ , e como q′ −q′′ é um número natural não-nulo, q′ −q′′ ≥ 1 e, portanto, (q′ −q′′ )b ≥ b. Logo, obteríamos r′′ − r′ ≥ b, o que é absurdo, já que 0 ≤ r′ < b e 0 ≤ r′′ < b. Assim, não podemos ter q′ > q′′ . Analogamente, não podemos ter q′′ > q′ e, portanto ,q′ = q′′ . Como r′ = a − q′ b = a − q′′ b = r′′ , está provada, então, a unicidade no Lema da Divisão de Euclides. Queremos, agora, estender o Lema de Euclides para o conjunto dos inteiros Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .} . Estes podem ser representados sobre uma reta escolhendo um ponto arbitrário como posição do zero (chamado origem) e associando os pontos à direita do zero aos números naturais e os pontos à esquerda do zero aos números inteiros negativos: −2 −1 0 1 2 Temos, então, que o ponto correspondente a 2 fica à direita da origem e a duas unidades dessa, enquanto que o número −2 fica à esquerda da origem, também a duas unidades dessa. Assim a cada inteiro b está associado um número natural que é a distância de b à origem chamado valor absoluto de b. P 1.7 Definição. O valor absoluto de um número inteiro b, denotado por |b|, é |b| = b , se b ≥ 0 −b , se b < 0. Nota 4. Para todo b ∈ Z, |b| é um número natural. Além disso, |b| = | − b|. Podemos, agora, estender a definição de múltiplo para os inteiros. 1.8 Definição. Dados dois inteiros a e b, dizemos que a é múltiplo de b, se existe um inteiro q tal a = qb. Exemplo 1.4. 8 é múltiplo de 4, pois 8 = 2 · 4; 8 também é múltiplo de −4 pois 8 = (−2)(−4); −8 é múltiplo de 4 e de −4, pois −8 = (−2)4 = 2(−4). Dado um inteiro b = 0, destacando na reta os múltiplos deste, temos que, para todo inteiro a, ou a é múltiplo de b ou a está entre dois múltiplos consecutivos de b: q|b| a (q + 1)|b| Como estamos agora considerando também números negativos, podemos exprimir o fato de a estar entre TÓPICOS DE ÁLGEBRA 15
  • 17. os múltiplos consecutivos de b, q|b| e (q + 1)|b|, de duas maneiras: a = q|b| + r, com 0 < r < |b|, ou a = (q + 1)|b| + r, com − |b| < r < 0. Trabalharemos sempre com a primeira forma exigindo, assim, que o resto seja não-negativo. Exemplo 1.5. Se a = 8 e b = 3, escreveremos 8 = 2 · 3 + 2 ao invés de 8 = 3 · 3 + (−1). Dessa forma, o quociente da divisão de 8 por 3 é 2 e o resto também é 2. Se a = −8 e b = 3, escreveremos −8 = (−3)3 + 1 e não −8 = (−2)3 − 2, ou seja, o quociente da divisão de −8 por 3 é −3 e o resto é 1. Quais são os quocientes e os restos das divisões de 8 por −3 e de −8 por −3? Enunciaremos agora o Lema da Divisão de Euclides para números inteiros. 1.9 Teorema. (Lema da Divisão de Euclides para inteiros) Sejam a e b inteiros, com b = 0. Então existem inteiros q e r, com 0 ≤ r < |b|, tais que a = qb + r. Além disso, são únicos os inteiros q e r satisfazendo essas condições. Prova: Supondo a existência do quociente q e do resto r, podemos considerar quatro casos: 1. a ≥ 0 e b > 0; 2. a ≥ 0 e b < 0; 3. a < 0 e b > 0; 4. a < 0 e b < 0. Observe que o caso 1 é uma repetição do Lema de Euclides para os naturais. Os outros casos possuem demonstrações análogas e por isso mostraremos apenas o caso 4 deixando os outros a cargo do leitor. Como a < 0 e b < 0, temos −a > 0, −b > 0 e |b| = −b. Pelo Lema de Euclides para naturais, existem q′ , r′ ∈ N tais que −a = q′ (−b) + r′ , com 0 ≤ r′ < −b. Se r′ = 0, temos a = q′ b e, então, basta fazer q = q′ e r = 0. Se r′ > 0, temos a = q′ b + (−r′ ) e, portanto, a = q′ b + b − b + (−r′ ) = (q′ + 1)b + (−b − r′ ) e, então, basta fazer q = q′ + 1 e r = −b − r′ , pois, como 0 < r′ < −b, temos, após adicionar b a todos os membros, b < b + r′ < 0 ⇒ 0 < −b − r′ < −b = |b|, uma vez que, por hipótese, b < 0. P A unicidade de q e r pode ser provada de forma similar àquela feita para números naturais e também deixamos a cargo do leitor. Exemplo 1.6. Se a ∈ Z, então a = 2q + r, em que q, r ∈ Z e 0 ≤ r < 2. Assim, a = 2q ou a = 2q + 1. Os números da primeira forma são chamados pares e os da segunda forma ímpares. ER 2. Mostre que o quadrado de um inteiro qualquer é da forma 3k ou 3k + 1, com k ∈ N. Solução: De fato, usando o Lema de Euclides concluímos que qualquer inteiro a pode ser escrito na forma a = 3q + r, em que r ∈ 0, 1, 2. Portanto, a2 = 9q2 + 6qr + r2 = 3(3q2 + 2qr) + r2 . Analisando a expressão acima, temos os seguintes casos a considerar: (i) se r = 0, então a2 = 3(3q2 + 2qr) = 3k, em que k = 3q2 + 2qr; (observe que k ∈ N pois a2 ≥ 0, ∀ a ∈ Z) (ii) se r = 1, então a2 = 3(3q2 + 2qr) + 1 = 3k + 1, em que k = 3q2 + 2qr; (iii) se r = 2, então a2 = 3(3q2 + 2qr) + 4 = 3(3q2 + 2qr + 1) + 1 = 3k + 1, em que k = 3q2 + 2qr + 1, k ∈ N FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA16
  • 18. Veremos, agora, propriedades importantes sobre o caso em que a divisão euclidiana é exata (r = 0). Quando a é múltiplo de b, dizemos também que b divide a ou que b é divisor de a e escrevemos b | a. Se b não divide a, denotamos b ∤ a. Exemplo 1.7. Observe que 3 | (−21), pois −21 = 3(−7). No entanto 2 ∤ 3, pois não existe n ∈ Z tal que 3 = 2n. Note ainda que 0 | 0 porque 0 = k0 para todo k ∈ Z. Também temos que n | 0 para todo n ∈ Z, pois 0 = n · 0. Por outro lado 0 ∤ n, n = 0, pois não existe k ∈ Z tal que n = k · 0. Temos ainda que a | a para todo a ∈ Z, pois a = 1a. 1.10 Proposição. Sejam a,b e c inteiros quaisquer. Então vale: (i) se a | b, então a | (−b); (ii)se a | b e a | c, então a | (b + c); (iii) se a | b e a | (b + c), então a | c; (iv) se a | b e b | a, então a = ±b; (v) se a | b e a | c, então a | (bx + cy) para quaisquer x, y ∈ Z; (vi) se a | b e b | c, então a | c. Prova: Faremos as provas de (ii), (v) e (vi). Os outros ítens são provados de forma similar e deixaremos como exercício. (ii) Se a | b, então existe q ∈ Z tal que b = aq. Se a | c, existe p ∈ Z tal que c = ap. Logo, somando membro a membro teremos b + c = aq + ap = a(q + p). Como (q + p) ∈ Z, concluímos que a | (b + c). (v) Se a | b, então existe k ∈ Z tal que b = ka. Se a | c, existe t ∈ Z tal que c = ta. Multiplicando essas duas equações por x e y teremos xb = xka e yc = yta. Somando-se membro a membro obtemos xb + yc = xka + yta = (xk + yt)a. Como (xk + yt) ∈ Z temos que a | (bx + cy). (vi) Como a | b e b | c, existem inteiros k1 e k2 com b = k1a e c = k2b. Substituindo o valor de b na equação c = k2b teremos c = k2k1a o que implica que a | c uma vez que k2k1 ∈ Z. P Nota 5. A recíproca de (ii) não é verdadeira, ou seja, não podemos garantir que se a | (b + c), então a | b e a | c. Por exemplo, 5 | (8 + 2) mas 5 ∤ 8 e 5 ∤ 2 1.3.2 Mudança de Base Vimos que um número natural arbitrário a possui uma representação posicicional numa base qualquer b . Essa representação é dada por uma seqüência anan−1 . . . a1a0, em que cada ai (i = 0, 1, . . . , n) assume um valor em {0, 1, . . ., b − 1} de forma que podemos escrever a = anbn + an−1bn−1 + . . . + a1b + a0. Demonstraremos, formalmente, que essa representação sempre existe e que, escolhida a base b, ela é única. Antes vejamos um exemplo: TÓPICOS DE ÁLGEBRA 17
  • 19. ER 3. Represente 32 na base 5. Solução: Para representar 32 na base 5, de acordo com o raciocínio utilizado na seção 1.1.2, devemos efetuar as seguintes divisões: 32 = 6 · 5 + 2 6 = 1 · 5 + 1 1 = 0 · 5 + 1 Dessa forma, temos que 32 = 6 · 5 + 2 = (1 · 5 + 1) · 5 + 2 = 1 · 52 + 1 · 5 + 2, isto é, a representação de 32 na base 5 é (112)5, sendo que os algarismos 1, 1 e 2 são exatamente os restos das divisões efetuadas, tomados de baixo para cima. Generalizando, podemos obter um algoritmo para a representação de um número natural a qualquer numa base b através de sucessivas divisões e obtenções dos restos das mesmas, da seguinte forma: a = q0b + a0, 0 ≤ a0 < b q0 = q1b + a1, 0 ≤ a1 < b ... qn−1 = 0 · b + an, 0 ≤ an < b Observe que qn−1 é o último quociente não nulo e, como os quocientes vão decrescendo, necessariamente, devemos ter qn = 0, para algum n. De acordo com o exercício resolvido anteriormente, a representação de a na base b é, então, (anan−1 . . . a1a0)b. 1.11 Teorema. Dado um número natural a ≥ 0 e um natural b ≥ 2, existe e é única a representação de a na base b. Prova: A afirmação é claramente válida para a = 0. Seja a > 0 e suponhamos, por indução, que o resultado seja válido para para todo natural c, com 0 ≤ c < a. Ou seja, vamos supor que c possa ser escrito de forma única como c = anbn + an−1bn−1 + ... + a1b + a0, em que 0 ≤ ai < b. Vamos mostrar que o resultado vale para o natural a. Pelo Lema de Euclides, existem e são únicos os naturais q ≥ 0 e 0 ≤ r < b, tais que a = qb + r. Se q = 0, então a = r e a coincide com sua representação na base b. Considerando agora q > 0, uma vez que b ≥ 2, teremos que a = qb + r ≥ 2q + r ≥ 2q > q. Assim, pela hipótese de indução, podemos escrever de modo único q = anbn + an−1bn−1 + ... + a1b + a0 e, portanto, a = qb + r = anbn+1 + an−1bn + ... + a1b2 + a0b + r, FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA18
  • 20. com 0 ≤ r < b. Conseguimos, assim, uma representação de a na base b. A unicidade segue imediatamente da unicidade de q e r, dadas pelo Lema da Divisão de Euclides, e da unicidade da representação de q na base b, de acordo com a hipótese de indução. P 1.3.3 Critérios de Divisibilidade Nesta parte apresentaremos algumas idéias sobre como deduzir critérios de divisibilidade de números na base 10. Os resultados usam, basicamente, as definições de múltiplos e divisores e suas respectivas pro- priedades. Eventualmente, precisaremos lembrar do desenvolvimento do binômio de Newton para a conclusão de certas multiplicidades nas deduções desses critérios. 1.12 Proposição. (Critério de divisibilidade por 2) Um número natural a é divisível por 2 se, e somente se, o algarismo das unidades for divisível por 2. Prova: Seja anan−1 . . . a2a1a0 a representação de a ∈ N na base 10. Assim, a = an10n + . . . + a2102 + a110 + a0, em que os algarismos ai assumem valores de 0 a 9. Colocando o número 10 em evidência a partir da segunda parcela, teremos: a = 10 an10n−1 + . . . + a210 + a1 + a0 = 10m + a0, em que m = an10n−1 + . . . + a210 + a1 é um inteiro. Se 2 | a = 10m + a0 e uma vez que 2 | 10m temos pelo item (iii) da proposição anterior que 2 | a0. Reciprocamente, suponhamos que o algarismo das unidades de a seja divisível por 2, isto é, suponhamos que 2 | a0. Como a = 10m + a0 temos , pela mesma proposição item (ii), que 2 | a. P 1.3.4 Exercícios Propostos EP 1.4. Prove os itens (i), (iii) e (iv) da Proposição 1.10. EP 1.5. Seja a ∈ Z. Mostre que, na divisão de a2 por 8, os restos possíveis são 0, 1 ou 4. EP 1.6. Se m e n forem inteiros ímpares, mostre que m2 − n2 é divisível por 8. EP 1.7. Mostre que, dados 3 inteiros consecutivos, um deles é múltiplo de 3. EP 1.8. Transforme para a base 10 os seguintes números (a) (2351)7 (b) (1001110)2 EP 1.9. Expresse o número 274 na base 5. EP 1.10. Mostre critérios de divisibilidade por 5 e por 3. Para isso, use raciocínios similares aos critérios de divisibilidade por 2 e por 9, respectivamente. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 19
  • 21. 1.4 Números Primos e o Teorema Fundamental da Aritmética Veremos nesta seção que determinados números naturais podem ser escritos como produto de dois fatores positivos menores que ele (por exemplo, 10 = 2 · 5 ). No entanto, existem outros que não admitem tal escrita ( por exemplo, 1,3,17 e 19 ). Veremos também que qualquer inteiro pode ser construído multiplicativamente a partir de certos números de forma única, a menos de ordenação dos fatores. 1.4.1 Números Primos 1.13 Definição. Seja n ∈ N, com n > 1. Dizemos que n é um número primo, se seus únicos divisores positivos são a unidade e ele mesmo. Caso contrário, dizemos que n é composto. De outra forma podemos dizer que um número natural n é primo se, sempre que escrevemos n = ab, com a, b ∈ N, temos necessariamente que a = 1 e b = n ou a = n e b = 1. Conseqüentemente, um número natural n é composto, se existem a, b ∈ N, com 1 < a < n e 1 < b < n, tais que n = ab. Observe que o número 1 não é primo nem composto. ER 4. Determine todos os números primos p que são iguais a um quadrado perfeito menos 1. Solução: Se p = n2 − 1, então temos que p = (n + 1)(n − 1). Pela definição de número primo só existem duas possibilidades: n + 1 = 1 e n − 1 = p ou n + 1 = p e n − 1 = 1. Do primeiro sistema de equações temos, para solução, n = 0 e p = −1, o que não convém, pois p ∈ N, por definição. Já do segundo sistema, temos n = 2 e p = 3. Segue que p = 3. De acordo com a definição apresentada, para decidir se um determinado número n é primo, é necessário verificar a divisibilidade dele por todos os números naturais menores do que ele, o que fica extremamente trabalhoso à medida que avançamos na seqüência dos números naturais. Entretanto, é suficiente testar a divisibilidade de n pelos primos menores do que a sua raiz quadrada. Antes de provarmos esse resultado, gostaríamos de observar que, se considerarmos o conjunto dos divi- sores positivos diferentes da unidade de um número natural n ≥ 2 (por exemplo, n = 12, 17 e 25), então o seu menor elemento é sempre um número primo. Esse é o fato que fundamenta a demonstração de nosso lema: 1.14 Lema. Seja n ∈ N, com n ≥ 2. Então n admite um divisor primo. Prova: Considere o conjunto S dos divisores positivos de n, além da unidade, ou seja: S = {d ∈ N : d ≥ 2 e d | n} . É claro que S é um conjunto não-vazio, pois o próprio n está em S. Assim, pelo principio da Boa Orde- nação, S possui um menor elemento d0. Mostraremos que d0 é primo. Com efeito, se d0 não fosse primo, existiriam números naturais a e b tais que d0 = ab, com 2 ≤ a ≤ (d0 − 1) e 2 ≤ b ≤ (d0 − 1). Uma vez que a | d0 e d0 | n, temos pela proposição 1.10 item (vi) que a | n. Além disso, a ≥ 2, de onde concluímos que a ∈ S. Chegamos, assim, a um absurdo pois a é menor do que o menor elemento de S. P FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA20
  • 22. Mostraremos agora um resultado devido ao matemático grego Eratóstenes, que viveu por volta de 230 anos antes de Cristo. 1.15 Proposição. Se um número natural n ≥ 2 não é divisível por nenhum número primo p tal que p2 ≤ n, então ele é primo. Prova: Suponhamos, por absurdo, que n não seja divisível por nenhum número primo p tal que p2 ≤ n e que não seja primo. Seja q o menor número primo que divide n; então, n = qn1, com q ≤ n1. Segue daí que q2 ≤ qn1 = n. Logo, n é divisível por um número primo q tal que q2 ≤ n, o que é um absurdo. Portanto, o primeiro passo para se decidir se um dado número n é primo consiste na determinação de todos os números primos menores que √ n. (Determine, por exemplo, se n = 1969 é primo). P É conveniente então, temos à nossa disposição uma lista de primos. Várias tabelas de números primos, até certo limite, já foram calculadas. Antigamente essas tabelas eram baseadas num algoritmo ou crivo, desen- volvido por Eratóstenes (276-194 a.C.), e cujo princípio abordaremos a seguir. 1.4.2 Crivo de Eratóstenes Escrevem-se, na ordem natural, todos os números naturais entre 2 e n. Em seguida, eliminam-se todos os números inteiros compostos que são múltiplos dos primos p tais que p ≤ √ n, isto é: primeiro elimine todos os múltiplos 2k de 2, com k ≥ 2; a seguir, todos os múltiplos 3k de 3, com k ≥ 2; depois os múltiplos 5k de 5, com k ≥ 2; e assim sucessivamente, para todo primo p ≤ √ n. Os números que sobraram na lista são todos os primos entre 2 e n. ER 5. Construa a tabela de todos os primos menores que 100. Solução: Como √ 100 = 10, pelo crivo de Eratóstenes devemos eliminar da lista dos números naturais de 2 a 100 todos os múltiplos dos primos p tais que p ≤ 10, ou seja, os múltiplos de p = 2, 3, 5 e 7. Assim, obtemos: 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 61 62 63 64 65 66 67 68 69 70 71 72 73 74 75 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 100 Segue-se, então, do crivo de Eratóstenes, que os primos entre 1 e 100 são: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23, 29, 31, 37, 41, 43, 47, 53, 59, 61, 71, 73, 79, 83, 89 e 97. Os problemas de determinação de números primos têm fascinado bastante os matemáticos, desde épocas remotas. Uma das demonstrações mais antigas em teoria de números que chegou até nós foi a prova da infinitude dos números primos, que se encontra mo Livro IX d’Os elementos de Euclides. Apresentaremos essa demonstração usando linguagem moderna. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 21
  • 23. 1.16 Teorema. Existem infinitos números primos. Prova: Suponhamos, por absurdo, que exista somente uma quantidade finita de números primos. Sejam eles p1, p2, . . . , pk . Considere então o número m = p1p2 . . . pk + 1 Como m é maior que qualquer um dos primos p1, ldots, pk, segue-se da nossa hipótese que m não é primo. Logo, pelo Lema 1.14, m admite um divisor primo, que teria de ser um dos primos p1, ldots, pk . Mas nenhum desses pode dividir m. De fato, se p fosse primo que divide m, então p teria que dividir 1 também, já que 1 = m − p1p2 . . . pk . Portanto, qualquer que seja k ∈ N, o conjunto {p1, p2, . . . , pk } não pode conter todos os primos. P Muitas questões interessantes sobre números primos não foram respondidas até hoje. Por exemplo, dize- mos que dois primos são gêmeos se eles são números ímpares consecutivos. Assim 3 e 5 e 7, 11 e 13 são números primos gêmeos. Um antigo problema, que até hoje não foi resolvido, é se existe ou não um número infinito de primos gêmeos. 1.4.3 O Teorema Fundamental da Aritmética Veremos agora que qualquer inteiro pode ser construído multiplicativamente a partir de números primos. De fato, se um número não é primo, podemos decompô-lo até que os seus fatores sejam todos primos. Exemplo 1.8. 360 = 3 · 120 = 3 · 30 · 4 = 3 · 3 · 10 · 2 · 2 = 3 · 3 · 5 · 2 · 2 · 2 = 23 · 32 · 5. Consideraremos que uma decomposição de um número primo p é dada por ele mesmo. Observamos agora que, se um número foi expresso como produto de primos, podemos dispor esses fa- tores primos em qualquer ordem. A experiência nos diz que, a menos de arbitrariedade da ordenação, tal decomposição é única. Tal afirmação não é tão simples de se demonstrar, embora pareça óbvia pela nossa experiência no uso da decomposição em fatores primos. A demonstração clássica desse resultado, conhecido como o “Teorema Fundamental da Aritmética”, dada por Euclides, está baseada em um método (ou algoritmo) para o cálculo do máximo divisor comum de dois números, e diz respeito apenas à existência da fatoração de um número natural em primos. Acredita-se que Euclides conhecia a unicidade dessa fatoração e que, por dificuldades de notação, não conseguiu estabelecer a demonstração desse resultado, a qual será apresentada a seguir. As demonstrações, tanto da existência quanto da unicidade, serão feitas pelo Princípio da Indução, o qual só começou a ser utilizado muito depois da época de Euclides. Dividiremos a demonstração desse teorema em duas partes: a primeira mostrará a existência dessa fa- toração em números primos, a segunda mostrará a unicidade dessa fatoração, a menos da ordem dos fatores. 1.17 Teorema. (Teorema Fundamental da Aritmética) Todo número natural n ≤ 2 pode ser escrito como um produto de números primos. Essa decomposição é única, a menos da ordem dos fatores. Prova: Seja P(n) a afirmativa: n é um número primo ou pode ser escrito como um produto de números primos. P(2) é verdadeira, pois 2 é primo. Suponhamos a afirmativa verdadeira para todo número m com FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA22
  • 24. 2 ≤ m ≤ k e provemos que P(k + 1) é verdadeira. • Se k + 1 for primo, então P(k + 1) é verdadeira. • Se k + 1 não for um número primo, então k + 1 pode ser escrito como k + 1 = ab, em que 2 ≤ a ≤ k e 2 ≤ b ≤ k. Portanto, pela hipótese de indução, ou a e b podem ser escritos como produto de primos, ou são números primos. Logo k + 1 = ab é também um produto de números primos , a saber, o produto dos números primos da fatoração de a multiplicados pelos números primos da fatoração de b. Isso completa a primeira parte da demonstração: provamos que todo número natural k > 1 pode ser decomposto como produto de fatores primos. Para mostrar a unicidade dessa decomposição, consideramos S = {n ∈ N : n ≤ 2 e n tem duas decomposições distintas em fatores primos} . Suponhamos, por absurdo, S = ∅. Logo, pelo Principio da Boa Ordenação, S tem um menor elemento m. Assim, m = p1p2 . . . pr = q1q2 . . . qs, são duas fatorações distintas de m como produto de números primos. Reordenando esses primos, se necessário, podemos supor que p1 ≤ p2 ≤ . . . ≤ pr eq1 ≤ q2 ≤ . . . ≤ qs. Notemos que p1 = q1. De fato, caso contrário, teríamos duas decomposições diferentes para um número natural menor do que m (a saber, o número natural m/p1), contrariando assim o fato de m ser o elemento mínimo de S. Observe que temos m p1 ≥ 2. Assim, podemos assumir que p1 < q1. Definimos, então m′ = m − (p1q2q3 . . . qs). Substituindo m pelas expressões dadas nas igualdades acima, obtemos m′ = p1p2 . . . pr − p1q2 . . . qs = p1(p2 . . . pr − q2 . . . qs) m′ = q1q2 . . . qs − p1q2 . . . qs = (q1 − p1)(q2q3 . . . qs). Por definição, temos m′ < m. Por outro lado, a penúltima igualdade nos mostra que m′ ≥ 2 pois p1 | m′ . Assim, m′ tem decomposição única como produto de fatores primos. Se for (p2 . . . pr − q2 . . . qs) ≥ 2, podemos decompor esse termo como produto de fatores primos. Caso contrário, (p2 . . . pr − q2 . . . qs) = 1. De qualquer modo, vemos que p1 é um fator na decomposição de m′ em fatores primos. A mesma decomposição em fatores primos pode ser feita com respeito à última igualdade. Como p1 < q2 ≤ . . . ≤ qs, necessariamente o fator primo p1 deve estar presente na decomposição que (q1 − p1). Mas isso quer dizer que q1 − p1 = cp1 para algum inteiro c e, portanto, q1 = (c + 1)p1, contrariando o fato de ser q1 > p1. Temos, assim, um absurdo, o que prova que S = ∅ e completa a demonstração. P ER 6. Determine todos os números primos p tais que 3p + 1 seja um quadrado perfeito. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 23
  • 25. Solução: Se 3p + 1 = n2 , então 3p = n2 − 1 e, portanto, (n + 1)(n − 1) = 3p. Observe que não podemos ter nem n + 1 = 1 nem n − 1 = 1. Isso implica que devemos ter n + 1 ≥ 2 e n−1 ≥ 2. Já que temos dois números primos do lado direito da igualdade anterior, pelo Teorema Fundamental da Aritmética, n + 1 e n − 1 são ambos primos. Mais do que isso, só existem duas possibilidades: n + 1 = 3 e n − 1 = p, ou n + 1 = p e n − 1 = 3. No primeiro sistema de equações temos n = 2 e p = 1 o que não convém, uma vez que p é primo. Já no segundo sistema temos n = 4 e p = 5 e portanto concluímos que a única solução para o problema é p = 5. O próximo resultado é uma conseqüência imediata do Teorema Fundamental da Aritmética. 1.18 Corolário. Todo número inteiro não-nulo diferente de ±1 pode ser escrito como ±1 vezes o produto de números primos. Essa expressão é única, exceto pela ordem na qual os fatores primos aparecem. 1.19 Definição. Um número negativo q cujo simétrico −q é um número natural primo é chamado número primo negativo. Exemplo 1.9. Temos então que 2, 3 e 5 são números primos, enquanto que −2, −3 e −5 são primos negativos. Nota 6. Observemos que, na fatoração de um número inteiro a, o mesmo primo p pode aparecer várias vezes. Agrupando esses primos, podemos escrever a decomposição de a como: a = (±1)pr1 1 pr2 2 . . . prn n , em que 0 < p1 < p2 < . . . < pn e ri > 0 para i = 1, 2, . . ., n. Quando nos referirmos a uma decomposição (ou fatoração) de um número inteiro em números primos, estaremos nos referindo a essa decomposição, em que os primos são todos positivos. Assim, por exemplo, aceitamos as decomposições 40 = 23 · 5 e −12 = −(22 · 3). Mas não aceitamos as decomposições 40 = (−23 ) · (−5) e −12 = 22 · (−3). 1.20 Corolário. Sejam a, b ∈ Z e p um número primo. Se p for um fator de ab, então p é um fator de a ou p é um fator de b. Prova: Já sabemos que m | n se, e somente se, m | (−n); portanto é suficiente mostrar esse resultado para a eb números naturais. Se p não fosse um fator de a nem de b, então as fatorações de a e b em produtos de primos levaria a uma fatoração de ab não contendo p. Por outro lado como, por hipótese, p é um fator de ab, existiria um q ∈ N tal que pq = ab. Então, o produto de p por uma fatoração de q daria uma fatoração de ab em primos contendo p, contrariando a unicidade da decomposição de ab em primos. P 1.4.4 Exercícios Propostos EP 1.11. Encontre todos os pares de primos p e q tais que p − q = 3. FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA24
  • 26. EP 1.12. Mostre que 7 é o único número primo da forma n3 − 1. EP 1.13. Mostre que o único número primo n tal que 3n + 1 é um quadrado é 5. EP 1.14. Verifique entre os números 239, 241, 247, 253 e 1789 quais são primos. EP 1.15. Uma das afirmativas abaixo sobre números naturais é FALSA. Qual é ela? (a) Dado um número primo, existe sempre um número primo maior do que ele. (b) Se dois números não primos são primos entre si, um deles é ímpar. (c) Um número primo é sempre ímpar. (d) O produto de três números naturais consecutivos é múltiplo de 6. (e) A soma de três números naturais consecutivos é múltiplo de três. 1.5 MMC e MDC 1.5.1 Máximo Divisor Comum Considere a e b números inteiros positivos. Queremos saber se existe um número c > 1 que divide simul- taneamente a e b, isto é, que seja um divisor comum de a e b. Por exemplo, se a = 12 e b = 8, temos c = 4 ou c = 2. No entanto, se a = 7 e b = 5, não existe tal número c. Chamaremos de máximo divisor comum de dois inteiros positivos a e b ao maior dos divisores comuns de a e b. Nos exemplos antes considerados, temos então que 4 é o máximo divisor comum dos números 12 e 8, enquanto 1 é o máximo divisor comum dos números 7 e 5. Assim, podemos generalizar para os números inteiros a seguinte definição: 1.21 Definição. defmdc Dados dois inteiros a e b, não simultaneamente nulos, dizemos que um inteiro d é o máximo divisor comum de a e b, se d satisfaz: (i) d | a e d | b; (ii) se c ∈ Z for tal que c | a e c | b, então c ≤ d. Se d for máximo divisor comum de a e b, escrevemos d = mdc(a, b) ou simplesmente d = (a, b), quando não houver dúvidas quanto à notação. 1.22 Definição. Dizemos que dois números inteiros são primos entre si, se o máximo divisor comum entre eles for igual a 1. Nota 7. O leitor deve observar que, na definição de máximo divisor comum, exigimos a e b não simul- taneamente nulos porque, caso contrário, qualquer inteiro c seria um divisor de a e b, o que tornaria impossível tomar o maior desses números. 1.23 Proposição. Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos. Então: TÓPICOS DE ÁLGEBRA 25
  • 27. (i) mdc(a, b) > 0; (ii) se a = 0 e b = 0, então mdc(a, b) ≤ min {|a|, |b|}; (iii) é único o mdc(a, b); (iv) mdc(a, b) = mdc(b, a); (v) mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|); (vi) se a = 0, mdc(a, 0) = |a|. Em um dos exercícios propostos desta seção convidamos o leitor a demonstrar os resultados acima. O máximo divisor comum de a e b sempre existe, pois o conjunto de divisores positivos de a e b é não-vazio, uma vez que 1 divide tanto a quanto b e limitado superiormente, pelo item (ii) da proposição 1.23. Dessa forma, tal conjunto possui um maior elemento. ER 7. Obter o máximo divisor comum de 24 e −18. Solução: Como D−18 = {±18, ±9, ±6, ±3, ±2, ±1} e D24 = {±24, ±12, ±8, ±4, ±3, ±2, ±1} são, respecti- vamente, os conjuntos dos divisores de −18 e 24, então o conjunto dos divisores comuns de 24 e −18 é: D−18 ∩ D24 = {±6, ±4, ±3, ±2, ±1}. Assim, mdc(−18, 24) = 6. Este processo para se encontrar o mdc se torna bastante trabalhoso, caso os números a e b sejam muito grandes. Euclides descreveu um método mais prático conhecido atualmente como o “Algoritmo de Euclides” o qual estudaremos a seguir. É fácil ver que se a e b forem inteiros positivos e b | a, então mdc(a, b) = b. O Algoritmo de Euclides usa, basicamente, o resultado do Lema da Divisão Euclidiana, já estudado por nós. ER 8. Calcule o mdc(15, 4). Solução: Fazendo as divisões sucessivas de 15 por 4 teremos 15 = 3 · 4 + 3 4 = 1 · 3 + 1 3 = 3 · 1 + 0 ou, como escrevemos desde o ensino fundamental: 3 1 3 ← quocientes 15 4 3 1 3 1 0 ← restos Assim, mdc(a, b) = 1, que é o ultimo resto não-nulo obtido nas divisões sucessivas. 1.24 Lema. Se b for não-nulo e a = qb + r, então mdc(a, b) = mdc(b, r). FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA26
  • 28. Prova: Seja d o máximo divisor comum de a e b. Como r = a − qb(por hipótese) e d divide tanto a quanto b, concluímos que d | r e, portanto, d | b e d | r. Por outro lado, se u for um inteiro tal que u | b e u | r, então u | a (pois a = qb + r). Portanto, como d é o máximo divisor comum de a e b concluímos que u ≤ d, ou seja, d satisfaz a definição do máximo divisor comum de b e r, como queríamos demonstrar. Agora fica mais fácil entender o algoritmo de Euclides. Sejam a e b inteiros positivos e b ≤ a. Dividindo a por b obtemos a = q1b + r1, com 0 ≤ r1 < b ≤ a e, pelo lema, mdc(a, b) = mdc(b, r1). Se r1 = 0, então mdc(a, b) = mdc(b, 0) = b. Caso contrário, podemos dividir b por r1, obtendo b = q2r1 + r2, com 0 ≤ r2 < r1 < b ≤ a e mdc(b, r1) = mdc(r1, r2). Se r2 = 0, então mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, 0) = r1. Se r2 = 0, e obtendo r3 = 0, . . . , rn = 0, podemos escrever a = q1b + r1, 0 < r1 < b b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1 r1 = q3r2 + r3, 0 < r2 < r1 ... rn−2 = qnrn−1 + rn, 0 < rn < rn−1rn−1 = qn+1rn e então, por aplicação sucessiva do lema, mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, r2) = . . . = mdc(rn−1, rn) = mdc mdc(rn, 0) = rn. Observe que, com certeza, obteremos um resto nulo em algum momento desse processo, já que é decres- cente a seqüência, b > r1 > r2 > r3 > . . . > 0 e entre 0 e b só existe um número finito de números naturais. P Para formalizar a demonstração do processo descrito anteriormente, usaremos o Princípio da indução. 1.25 Teorema. (Máximo Divisor Comum - Algoritmo de Euclides) Sejam a e b dois números naturais não-nulos, com a ≥ b. Dividindo sucessivamente segundo o algoritmo de Euclides, obtemos: a = q1b + r1, 0 < r1 < b b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1 r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2 ... rn−2 = qnrn−1 + rn, 0 < rn < rn−1 rn−1 = qn+1rn. Temos, então, que o máximo divisor comum de a e b é rn, o último resto não-nulo obtido nesse algoritmo. No caso de r1 = 0, então mdc(a, b) = b. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 27
  • 29. Prova: Sabemos que, se a = q0b, então mdc(a, b) = b. Provaremos o caso geral, fazendo indução sobre a quantidade de passos do algoritmo de Euclides. Sendo assim, consideremos a seguinte afirmação: se, ao aplicamos o algoritmo de Euclides a dois números, obtivermos o primeiro resto nulo após n + 1 passos, então mdc(a, b) é igual ao último resto não-nulo obtido neste algoritmo, isto é, o resto rn obtido no passo n. Observe que o número de passos é contado pelo índice do quociente qj . Dessa forma, no algoritmo apresentado no enunciado do teorema, foram necessários n + 1 passos para se obter o primeiro resto nulo; o resto rn é o máximo divisor comum procurado. Se n = 1 (isto é, se o primeiro resto nulo ocorrer no segundo passo), o Lema 1.24 garante a veracidade da afirmação, pois, mdc(a, b) = mdc(b, r1) = mdc(r1, 0) = r1. Suponhamos, agora, que a afirmação seja verdadeira toda vez que (n + 1) passos forem necessários para se obter o primeiro resto nulo. Consideremos agora que o primeiro resto nulo na aplicação do algoritmo de Euclides aos números a e b ocorra após (n + 2) passos, isto é, a = q1b + r1, 0 < r1 < b b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1 r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2 ... rn−2 = qnrn−1 + rn, 0 < rn < rn−1 rn−1 = qn+1rn + rn+1, 0 < rn+1 < rn rn = qn+2rn+1. Queremos provar que mdc(a, b) = rn+1. De fato, temos que o algoritmo de Euclides, aplicado aos números b e r1, produziu o primeiro resto nulo após (n + 1) passos e pela hipótese de indução, mdc(r1, b) = rn+1. Mas, pelo Lema 1.24, temos que mdc(a, b) = mdc(b, r1), o que completa a prova. P Nota 8. Como, pela proposição 1.23, mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|), podemos também utilizar o algoritmo dado para calcular o máximo divisor comum de inteiros negativos. ER 9. Calcule o mdc(726, −275). Solução: Como o mdc(726, −275) é igual ao mdc(726, 275), podemos aplicar o algoritmo de Euclides a mdc(726, 275): 726 = 2 · 275 + 176 275 = 1 · 176 + 99 176 = 1 · 99 + 77 99 = 1 · 77 + 22 77 = 3 · 22 + 11 22 = 2 · 11, FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA28
  • 30. ou seja, 2 1 1 1 3 2 726 275 176 99 77 22 11 176 99 77 22 11 0 e, portanto, mdc(726, −275) = 11. Dizemos que um número c é combinação linear nos inteiros dos números a e b, se existem inteiros x, y tais que c = xa+yb. É interessante notar, então, que o máximo divisor comum de 726 e −275 é combinação desses números: 11 = 77 − 3 · 22 = 77 − 3(99 − 1 · 77) = 4 · 77 − 3 · 99 = 4(176 − 1 · 99) − 3 · 99 = 4 · 176 − 7 · 99 = 4 · 176 − 7(275 − 1 · 176) = 11 · 176 − 7 · 275 = 11(726 − 2 · 275) − 7 · 275 = 11 · 726 + 29(−275). A próxima proposição mostra que o que foi feito com 726 e −275 pode ser feito com quaisquer inteiros a e b; para isso, basta percorrer o algoritmo de Euclides no sentido contrário. 1.26 Proposição. Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos. Então existem inteiros x e y tais que mdc(a, b) = xa + yb. Prova: No caso de um deles ser nulo, por exemplo b, temos que mdc(a, b) = mdc(a, 0) = |a| = (±1)a + y0 para qualquer inteiro y e x = ±1, dependendo de a ser positivo ou negativo. Se ambos são não-nulos basta provar o resultado para inteiros positivos. De fato, se mdc(|a|, |b|) = x|a| + y|b| para certos números x e y, então mdc(a, b) = mdc(|a|, |b|) = (±)ax + (±)by. Sejam, então, a e b dois números inteiros positivos. Se b | a, então mdc(a, b) = b = a · 0 + b · 1. Se b ∤ a, então mdc(a, b) pode ser calculado pelo algoritmo de Euclides e a demonstração será feita por indução no número de passos do algoritmo. Para isso, suponhamos que, ao aplicarmos o algoritmo de Euclides aos números inteiros positivos a e b, obtenhamos o primeiro resto nulo após (n+1) passos e que, nessa situação, existam inteiros x e y tal que rn = xa + yb (lembre-se que rn = mdc(a, b)). A afirmação é verdadeira se dois passos são necessários ( observe que o caso em que apenas um passo é necessário já foi considerado), pois, se r2 = 0, então, a = q1b + r1, 0 < r1 < b b = q2r1, ou seja, r1 = a − q1b = 1a + (−q1)b. Suponhamos que a afirmava seja verdadeira toda vez que (n+1) passos forem necessários para se obter o primeiro resto nulo. Consideraremos inteiros a e b tais que, aplicando-se o algoritmo de Euclides a eles, TÓPICOS DE ÁLGEBRA 29
  • 31. obtemos o primeiro resto nulo após (n + 2) passos: a = q1b + r1, 0 < r1 < b b = q2r1 + r2, 0 < r2 < r1 r1 = q3r2 + r3, 0 < r3 < r2 ... rn−2 = qnrn−1 + rn, 0 < rn < rn−1 rn−1 = qn+1rn + rn+1, 0 < rn+1 < rn rn = qn+2rn+1. Logo, aplicando-se o algoritmo de Euclides a b e r1, obtemos o primeiro resto nulo após (n + 1) passos. Portanto, pela hipótese de indução, existem inteiros w e x tais que, rn+1 = mdc(b, r1) = wb + xr1. Mas, como a = q1b + r1, temos que r1 = a − q1b; portanto, rn+1 = wb + x(a − q1b)x = xa + (w − q1x)b, que é o resultado desejado com y = w − q1x. P Nota 9. Percebamos, no entanto, que os inteiros x e y dados pela Proposição 1.26 não são únicos. Podemos observar, por exemplo, que vale 2 = mdc(6, 4). Mas 1 · 6 + (−1)4 = 2 e 3 · 6 + (−4)4 = 2. Em geral, também não vale a recíproca da Proposição 1.26, pois, 2 · 6 + (−2)4 = 4 e mdc(6, 4) = 4. Entretanto, se existirem inteiros x e y tais que xa + yb = 1, então mdc(a, b) = 1 (veja o exercício proposto 1.17). Esse é o único caso em que a recíproca da Proposição 1.26 é verdadeira. ER 10. Mostre que, se p for primo e p ∤ a, então mdc(a, p) = 1. Solução: Seja d = mdc(a, p). Então d | a e d | p. Como p é primo temos que d = 1 ou d = p. Se for d = p, teríamos que p | a o que contraria a hipótese. Logo d = 1. A partir do resultado acima e da proposição 1.26 podemos dar uma outra demonstração do corolário 1.20 1.27 Corolário. Seja p um número primo. Se p | ab e p ∤ a, então p | b. Prova: Como mdc(a, p) = 1, existem inteiros x e y tais que xa + yp = 1. Multiplicando-se essa igualdade por b obtemos: xab + ypb = b. Como p | ab e p | ypb, concluímos pela proposição 1.10 item (v) que p | b. P Apresentamos, a seguir, uma caracterização do máximo divisor comum, que corresponde a uma definição equivalente à dada no início desta seção. FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA30
  • 32. 1.28 Proposição. Sejam a e b inteiros não simultaneamente nulos. O inteiro d é o máximo divisor comum de a e b se, e somente se, d satisfizer as seguintes propriedades: (i) d > 0; (ii) d | a e d | b; (iii) Se c ∈ Z for tal que c | a e c | b, então c | d. Prova: Se d = mdc(a, b), então é claro que d satisfaz as propriedades (i) e (ii). Para mostrar (iii), considere um inteiro c tal que c | a e c | b. Logo, existem inteiros a1 e b1 tais que a = a1c e b = b1c. De acordo com a Proposição 1.26, existem inteiros x e y tais que, d = xa + yb. Então, d = xa1c + yb1c = c(xa1 + yb1), ou seja, c | d. Isso mostra que mdc(a, b) satisfaz as propriedades (i)-(iii). Devemos agora provar que, se d for um inteiro satisfazendo (i)-(iii), então d satisfaz a definição 1.28, isto é, é o máximo divisor comum de a e b. Para isso, falta apenas mostrar que, se c for um inteiro tal qual c | a e c | b, então c ≤ d. Mas, uma vez que (iii) se verifica, existe um inteiro c1 tal que, d = cc1 = |c||c1| (pois d > 0), ou seja, c ≤ |c| ≤ d, como queríamos provar. P Essa definição equivalente será bastante usada para a demonstração de diversas propriedades do máximo divisor comum de dois números inteiros que se seguirão. 1.29 Proposição. Sejam a, b e c inteiros não-nulos. Então vale: (i) se c | ab e mdc(b, c) = 1, então c | a; (ii) se mdc(a, c) = mdc(b, c) = 1, então mdc(ab, c) = 1; (iii) se mdc(a, b) = d, então mdc a d , b d = 1; (iv) se a | c e b | c, então ab mdc(a, b) | c; (v) se a | c, b | c e mdc(a, b) = 1, então ab | c. Prova: (i) A demonstração é praticamente uma repetição da prova do corolário 1.27. De fato, existem x, y inteiros tais que xb + yc = 1. Multiplicando-se essa igualdade por a teremos xba + yca = a. Logo c | a, uma vez que c | ab e c | yca. Consideremos a afirmativa (ii). Seja d = mdc(ab, c). Como mdc(a, c) = 1, existem inteiros x e y tais que xa + yc = 1 e, portanto, xab + ycb = b. Como d | ab e d | c, temos que d | b; portanto, d | b e d | c, o que implica que d | mdc(b, c) = 1 (item iii da proposição 1.28). Como d > 0, concluímos que d = 1. Para o item (iii), considere d = mdc(a, b). Logo, existem inteiros a1 e b1 tais que a = a1d e b = b1d. Por outro lado, também existem inteiros x e y tais que, d = xa + yb. Assim, d = xa1d + yb1d. Dividindo essa TÓPICOS DE ÁLGEBRA 31
  • 33. igualdade por d, obtemos 1 = xa1 + yb1, ou seja 1 = x a d + y b d . De acordo com a observação 9, podemos concluir que 1 = mdc a d , b d , verificando, assim, o item (iii). P Deixamos os ítens (iv) e (v) a cargo do leitor. É conhecido de todos nós, desde o ensino básico, que o máximo divisor comum de dois inteiros positivos a e b é o número obtido ao se tomar o produto de todos os fatores primos comuns de a e b, cada um desses fatores sendo escolhido com o menor dos expoentes que aparece nas fatorações de a e b. Demonstraremos agora esse resultado. 1.30 Proposição. Sejam a e b inteiros positivos não simultaneamente nulos, com decomposições em fatores primos dadas por a = pm1 1 . . . pms s qk1 1 . . . qkt t , b = pn1 1 . . . pns s rl1 1 . . . rlu u , em que os primos pi , qj, rk são todos distintos (i ∈ {1, . . . , s} , j ∈ {1, . . . , t} e k ∈ {1, . . . , u}) e todos os expoentes são positivos. Então, mdc(a, b) = px1 1 . . . pxs s , em que xi = min {mi , ni }, para i = 1, . . . , s. Prova: Seja d = px1 1 . . . pxs s . Vamos mostrar que d satisfaz as condições da Proposição 1.28. Claramente d > 0. Como xi ≤ mi e xi ≤ ni (para i = 1, . . . , s), temos que a = a1d, em que a1 = pm1−x1 1 . . . pms −xs s qk1 1 . . . qut t e b = b1d, em que b1 = pn1−x1 1 . . . pns −xs s rl1 1 . . . rlu u . mostrando que d | a e d | b. Se c | a e c | b temos, pelo Teorema Fundamental da Aritmética, que c pode ser escrito como c = pe1 1 . . . pes s em que 0 ≤ ei ≤ min {mi , ni }, para i = 1, . . . , s. Como ei ≤ xi (para i = 1, . . . , s), temos que d = px1 1 . . . pxs s = (pe1 1 . . . pes s )(px1−e1 1 . . . pxs −es s = cpx1−e1 1 . . . pxs −es s ), ou seja, c | d, o que conclui a demonstração. P 1.5.2 Mínimo Múltiplo Comum Veremos nesse tópico que se a e b forem inteiros não nulos, podemos considerar os múltiplos comuns deles: ±ab, ±2ab, ±3ab, . . . O menor inteiro positivo que seja múltiplo tanto de a quanto de b (o qual existe, pelo Principio da Boa Ordenação) é chamado mínimo múltiplo comum de a e b: FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA32
  • 34. 1.31 Definição. Sejam a e b inteiros não-nulos. Um inteiro m é mínimo múltiplo comum de a e b, se m satisfizer as seguintes propriedades: (i) m > 0; (ii) a | m e b | m; (iii) se c ∈ Z for tal que a | c, b | c e c > 0, então m ≤ c. Se m for múltiplo comum de a e b, escrevemos m = mmc(a, b) ou simplesmente m = [a, b], quando não houver dúvidas quanto à notação. ER 11. Prove que se a = −6 e b = 15, então mmc(−6, 15) = 30. Solução: De fato, o conjunto dos múltiplos de −6 é M−6 = {0, ±6, ±12, ±18, ±24, ±30, . . .} e o dos múltiplos de 15 é M15 = {0, ±15, ±30, ±45, ±60, . . .}. Portanto, M−6 ∩ M15 = {0, ±30, ±60, . . .} , e portanto mmc(−6, 15) = 30. 1.32 Proposição. Sejam a e b inteiros não nulos. Então valem as seguintes propriedades: (i) mmc(a, b) ≥ max {|a|, |b|}; (ii) é único o mmc(a, b); (iii) mmc(a, b) = mmc(b, a); (iv) mmc(a, b) = mmc(|a|, |b|). As demonstrações dessas propriedades também farão parte dos exercícios propostos para o leitor ( ver exercício proposto 1.19). Daremos, agora, uma definição equivalente de mínimo múltiplo comum substituindo a terceira propriedade de sua definição por outra envolvendo divisibilidade. 1.33 Proposição. Sejam a e b inteiros não-nulos. Um inteiro m é mínimo múltiplo comum de a e b, se, e somente se, satisfaz: (i) m > 0; (ii) a | m e b | m; (iii) se c ∈ Z for tal que a | c e b | c, então m ÷ c. Prova: Se m = mmc(a, b), precisamos mostrar apenas que m satisfaz a condição (iii) acima. Considere c um inteiro qualquer tal que a | c e b | c. Pelo Lema de Euclides, temos que c = qm + r, com 0 ≤ r < m. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 33
  • 35. Logo, r = c − qm. Uma vez que c e m são múltiplos de a e b, temos que r é múltiplo tanto de a quanto de b. Mas, pela definição de mínimo múltiplo comum temos, se r > 0, que m ≤ r, o que é absurdo. Dessa forma, concluímos que r = 0, ou seja, m | c. Supondo agora m satisfazendo (i) -(iii). Queremos mostrar que m = mmc(a, b). Afirmamos que se c for um inteiro tal que c > 0, a | c e b | c, então m ≤ c. De fato„ pela condição (iii), temos que m | c, ou seja, c = qm para algum q ∈ Z. Como m > 0 e c > 0, então q > 0, isto é, q ≥ 1. Consequentemente, c = qm gem provando assim a proposição. Veremos agora um resultado muito conhecido de todos nós desde o ensino médio. Esse resultado diz que que o mínimo múltiplo comum de dois números inteiros positivos a e b é o número obtido ao se tomar o produto de todos os fatores primos comuns de a e b, cada um desses fatores sendo tomado com o maior dos expoentes que aparece nas decomposições de a e b. Na verdade, aprendíamos também que devemos tomar os fatores não comuns com maiores expoentes. No nosso caso, iremos considerar as decomposições de a e b com exatamente os mesmos fatores primos, permitindo assim a existência de expoentes nulos. Por exemplo, 20 = 22 · 30 · 5 e 15 = 20 · 3 · 5. P 1.34 Proposição. Sejam a e b inteiros positivos, com decomposições em fatores primos como descritas anteriormente, ou seja, a = pr1 1 pr2 2 . . . prk k e b = ps1 1 ps2 2 . . . psk k , em que cada fator pi é um número primo distinto, r1 ≥ 0 e si ≥ 0 ( para i = 1, . . . , k). Então mmc(a, b) = pt1 1 pt2 2 . . . ptk k , em que ti = max {ri , si }. Prova: Seja m = mmc(a, b). Como m é múltiplo de a, todos os fatores primos p1, . . . , pk aparecem na fatoração de m, com expoentes maiores ou iguais a r1, . . . , rk , respectivamente. De forma análoga, como m também é múltiplo de b, os expoentes de p1, . . . , pk na fatoração de m são maiores ou iguais a s1, . . . , sk , respectivamente. Mais geralmente, qualquer múltiplo comum c de a e b é da forma c = q(pt1 1 pt2 2 . . . ptk k , em que q é um inteiro e ti ≥ max {ri , si }. Além disso, todo inteiro dessa forma é múltiplo comum de a e b, pois podemos escrevê-lo como c = aq pt1−r1 1 . . . ptk −rk k e c = bq pt1−s1 1 . . . ptk −sk k , em que os expoentes ti − ri e ti − si ≥ 0 são não negativos, para todo i = 1, . . . , k. Assim, o menor múltiplo comum positivo de a e b é obtido quando temos q = 1 e ti = max {ri , si } para i = 1, . . . , k. P A próxima proposição é muito importante por relacionar o máximo divisor comum e o mínimo múltiplo comum de dois inteiros não nulos. 1.35 Proposição. Se a e b forem inteiros não-nulos, então mmc(a, b) = |ab| mdc(a, b) . Prova: Se d = mdc(a, b), certamente |ab| d é um inteiro; como a = 0, b = 0 e d > 0, temos que |ab| d > 0. FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA34
  • 36. Além disso, como d é divisor de a e b, existem inteiros a1 e b1 tais que a = a1d e b = b1d. Logo |ab| d = |a1||b1|d = ±a|b1| = ±|a1|b, mostrando que |ab| d é múltiplo de a e b. Mas, se c for um múltiplo de a e b, a Proposição 1.29 garante que ab d | c, donde |ab| d | c. Portanto, pela Proposição 2.15, temos que |ab| d = mmc(a, b). P 1.5.3 Exercícios Propostos EP 1.16. Provar a proposição 1.23. EP 1.17. Mostre que, se existem inteiros x e y tais que ax + by = 1, então mdc(a, b) = 1. EP 1.18. Provar os itens (iv) e (v) da proposição 1.29. EP 1.19. Provar a proposição 1.32. EP 1.20. Mostre que dois inteiros consecutivos são sempre primos entre si. EP 1.21. Usando o algoritmo de Euclides, calcule, para os pares a e b dados o d = mdc(a, b). Além disso, escreva d = ax + by e calcule o mmc(a, b). (a) a = 232 e b = 136; (b) a = −25 e b = 5. EP 1.22. Uma fábrica produz dados com três tamanhos: pequeno, médio e grande, com 6, 7 e 8 cm de aresta, respectivamente. O fabricante deseja remeter a sua produção em caixas cúbicas do mesmo tamanho, de forma que os dados fiquem bem ajustados na caixa que ela contenha um mesmo tipo de dado. Determine o menor tamanho possível para cada caixa. Congruências 1.6 Introdução É impossível avançar no estudo dos números inteiros sem introduzir a teoria de congruências. O desen- volvimento desta parte da Álgebra está intimamente relacionado ao nome do grande matemático alemão Carl Friedrich Gauss (1777 - 1855). Sua contribuição à teoria dos números foi essencial, e seu trabalho mais im- portante sobre o assunto é o livro Disquisitiones arithmeticae, publicado em 1801. Em seu primeiro capítulo, Gauss desenvolve a álgebra das congruências e apresenta algumas aplicações, como a “prova dos nove fora”. A introdução de congruência torna natural a criação de um novo “sistema” numérico, no qual são definidas operações de adição e multiplicação: os conjuntos da forma Zm. Nesse conjunto, utilizando resultados devidos a Fermat e Euler, somos capazes de obter resultados surpreendentes: sem efetuar as operações envolvidas, podemos facilmente obter o resto da divisão de um número extraordinariamente grande por outro número - como em 71010 dividido por 23, por exemplo. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 35
  • 37. 1.7 Definição e Propriedades A partir de agora, teremos particular interesse nos números inteiros com relação aos restos que eles deixam ao serem divididos por um outro inteiro. Essa teoria se aplica principalmente quando consideramos fenômenos periódicos. Vejamos alguns exemplos destes fenômenos: Exemplo 1.10. Queremos determinar o horário que chegaremos a um certo destino, sabendo que essa viagem dura, com paradas e pernoites, 73 horas e que o horário da partida é às 17 horas. Para isso, basta obter o resto da divisão de 73 + 17 = 90 por 24, já que o dia tem 24 horas: 90 = 24 · 3 + 18. Assim, o horário de chegada será às 18 horas. Exemplo 1.11. Comprei um carro e vou pagá-lo em 107 prestações mensais. Se estamos em março, em qual mês terminarei de pagá-lo? Aqui a repetição se dá de 12 em 12 meses. Considerando a numeração usual dos meses, temos que março corresponde a 3. Somando 3 a 107, obtemos 110, que corresponde a fevereiro, pois 110 = 9 · 12 + 2. No exemplo 1.10, gostaríamos de identificar os inteiros que deixam o mesmo resto quando divididos por 24. Assim, se agora são 5 horas, daqui a 24 horas serão novamente 5 horas. Gostaríamos, então de identificar 5 com 29, números que deixam o mesmo resto quando divididos por 24. Teríamos, nesse caso, 24 tipos de inteiros: os que deixam resto 0, 1, 2, . . ., 22 e 23 quando divididos por 24. No Exemplo 1.11, gostaríamos de identificar os inteiros que deixam o mesmo resto quando divididos por 12. De fato, se estamos no mês 3 (março), daqui a 12 meses estaremos novamente em março. Assim, gostaríamos de identificar 3 com 3 + 12 = 15. Note que esses números deixam resto 3 quando divididos por 12. Nesse exemplo, temos 12 tipos de inteiros: os que deixam resto 0, 1, . . . e 11 quando divididos por 12. A noção de congruência nos permite fazer tais identificações como veremos a seguir. 1.36 Proposição. Os inteiros a e b deixam o mesmo resto quando divididos pelo inteiro m = 0 se, e somente se, m divide (a − b). Prova: Se a e b deixarem o mesmo resto r quando divididos por m, então a = qm + r e b = tm + r, em que 0 ≤ r < |m| Para certos inteiros q e t. Logo a − b = (q − t)m, ou seja, m | (a − b). Reciprocamente, se m | (a − b), existe k ∈ Z tal que a = b + km. Por outro lado, o Lema da Divisão de Euclides garante que existem inteiros q e r tais que a = qm +r, com 0 ≤ r < |m|. Logo, b + km = qm + r e, portanto, b = (q − k)m + r, com 0 ≤ r < |m|. A unicidade do resto no Lema da Divisão de Euclides garante que r é o resto da divisão de b por m. P 1.37 Definição. Seja m um inteiro fixo ou não-nulo. Dizemos que os inteiros a e b são congruentes módulo m, se m dividir a diferença a − b. Nesse caso, escrevemos. a ≡ b(mod m). Dados a, b ∈ Z e 0 = m ∈ Z, para verificar que a ≡ b(mod m), de acordo com a proposição 1.36, temos duas possibilidades: mostrar diretamente que m | (a − b),isto é, exibir um inteiro k tal que a − b = km, ou então mostrar que a e b deixam o mesmo resto quando divididos por m. FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA36
  • 38. Exemplo 1.12. Temos que 11 ≡ 3(mod 2) pois 2 | (11 − 3). Também 90 ≡ 18(mod 24), pois 90 = 3 · 24 + 18 e 3111 ≡ 3813(mod9), pois 3111 e 3813 deixam resto 6 quando divididos por 9. Finalmente, −2 ≡ 2(mod 4), pois 4 | (−2 − 2). 1.38 Proposição. Sejam m um inteiro não-nulo e a, b e c inteiros quaisquer. Então a congruência módulo m satisfaz: (i) a ≡ a(mod m) (propriedade reflexiva); (ii) Se a ≡ b(mod m), então b ≡ a(mod m) (propriedade simétrica); (iii) Se a ≡ b(mod m) e b ≡ c(mod m), então a ≡ c(mod m) (propriedade transitiva). Prova: (i) a ≡ a(mod m), pois m | (a − a). (ii) a ≡ b(mod m) ⇒ m | (a − b) ⇒ m | (−(a − b)) ⇔ m | (b − a) ⇒ b ≡ a(mod m). (iii) Se a ≡ b(mod m) e b ≡ c(mod m), então existem inteiros k1 e k2 tais que a − b = k1m e b − c = k2m. Somando-se, membro a membro, estas últimas equações, obtemos a − c = (k1 + k2)m o que implica a ≡ c(mod m). P Uma relação entre pares de elementos que satisfaz as três propriedades acima (reflexiva, simétrica e tran- sitiva) é chamada uma relação de equivalência. Dessa forma a proposição anterior mostra que a congruência módulo m é uma relação de equivalência. A proposição seguinte mostra resultados imediatos, cujas demonstrações são deixadas a cargo do leitor. 1.39 Proposição. Sejam a, b inteiros quaisquer e m um inteiro não-nulo. Então: (i) a ≡ b(mod 1); (ii) a ≡ 0(mod m) se, e somente se, m | a; (iii) a ≡ b(mod m) se, e somente se, a ≡ b(mod −m). Como conseqüência do item (iii) da proposição anterior, na congruência módulo m podemos supor sempre que m > 0. Isso é o que faremos a partir de agora. Isso quer dizer que podemos identificar um inteiro qualquer a com o seu resto na divisão por m como mostra a próxima proposição. 1.40 Proposição. Todo inteiro a é congruente módulo m a exatamente um dos valores: 0, 1, 2, 3, . . ., m − 1. Prova: Se a for um inteiro qualquer e m > 0, então, pelo Lema da Divisão de Euclides, existem inteiros q e r tais que a = qm + r, com 0 ≤ r < m − 1. Como q e r são univocamente determinados, temos o resultado. P Exemplo 1.13. Se a for um inteiro qualquer e m = 2, temos apenas duas possibilidades: se a for par, a ≡ 0(mod 2); se a for ímpar, a ≡ 1(mod 2). TÓPICOS DE ÁLGEBRA 37
  • 39. Veremos, a seguir, que propriedades válidas para a igualdade de números inteiros são também verdadeiras para a congruência módulo m: 1.41 Proposição. Seja m um inteiro positivo fixo. Então: (i) se a ≡ b(mod m) e a′ ≡ b′ (mod m), então (a + a′ ) ≡ (b + b′ )(mod m) e aa′ ≡ bb′ (mod m); (ii) se a ≡ b(mod m), então, para qualquer inteiro k, temos que (a + k) ≡ (b + k)(mod m) e ak ≡ bk(mod m); (iii) se a ≡ b(mod m) e k > 0, então ak ≡ bk(mod mk). Prova: Mostraremos apenas a segunda parte do item (i). Num dos exercícios propostos dessa seção, o leitor é convidado a concluir a prova. Se a ≡ b mod m) e a′ ≡ b′ (mod m), então existem inteiros k e t tais que a = b + km e a′ = b′ + tm. Assim, multiplicando-se membro a membro as duas últimas equações, teremos aa′ = bb′ + btm + b′ km + ktm2 ⇒ aa′ − bb′ = m(bt + b′ k + ktm), ou seja, aa′ ≡ bb′ (mod m). P ER 12. Mostre que Nenhum número da forma 8n + 7 pode ser escrito como a soma dos quadrados de três inteiros. Mais precisamente, se k = 8n + 7 para certo inteiro n, então não existem inteiros a, b e c tais que k = a2 + b2 + c2 . Solução: De fato, se k = 8n + 7, então k ≡ 7(mod 8). Por outro lado, se fosse k = a2 + b2 + c2 para inteiros a, b e c, então teríamos, a2 + b2 + c2 ≡ 7(mod 8). ER 13. Que valores o quadrado de um inteiro pode assumir módulo 8? Solução: Se m for um inteiro, então m é congruente a um único elemento rm ∈ {0, 1, . . . , 7}. Mas, então, m2 ≡ r2 m(mod 8). Verificamos, imediatamente: rm = 0 ⇒ m2 ≡ 0(mod 8), rm = 1 ⇒ m2 ≡ 1(mod 8), rm = 2 ⇒ m2 ≡ 4(mod 8), rm = 3 ⇒ m2 ≡ 1(mod 8), rm = 4 ⇒ m2 ≡ 0(mod 8), rm = 5 ⇒ m2 ≡ 1(mod 8), rm = 6 ⇒ m2 ≡ 4(mod 8), rm = 7 ⇒ m2 ≡ 1(mod 8). FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA38
  • 40. Assim, não há maneira de combinar os quadrados de a2 , b2 e c2 de modo a produzir um número congruente a 7. De fato, pelo menos um desses números deve ser congruente a 4 módulo 8: se todos eles fossem congruentes a 0 ou 1, a soma seria congruente a, no máximo, 3 módulo 8. Se for a2 ≡ 4(mod 8), então, claramente, não podemos tomar b2 e c2 congruentes a 0 ou 1, pois a soma seria congruente a, no máximo, 6 módulo 8. Se tomarmos também b congruente a 4, a soma a2 + b2 é congruente a 0 módulo 8 e, como não há número cujo quadrado seja congruente a 7 módulo 8, a2 + b2 + c2 não é congruente a 7 módulo 8. Uma propriedade que é válida quando lidamos com a igualdade de números, mas que não é válida no caso da congruência módulo m, é a lei do cancelamento: se ab ≡ ac(mod m), não é necessariamente verdade que b ≡ c(mod m). Com efeito, 3 · 4 ≡ 3 · 8(mod 12), mas 4 não é congruente a 8 módulo 12. No entanto, com uma hipótese adicional a lei do cancelamento pode ser utilizada em congruências. 1.42 Proposição. Se ac ≡ bc(mod m) e mdc(c, m) = 1, então a ≡ b(mod m). Prova: Se ac ≡ bc(mod m), então m | (a − b)c. Como mdc(c, m) = 1, temos m | (a − b), ou seja, a ≡ b(mod m). P Entretanto, se mdc(c, m) = 1, o melhor resultado que conseguimos é o seguinte: 1.43 Corolário. Se ac ≡ bc(mod m) e mdc(c, m) = d, então a ≡ b mod m d . Prova: De ac ≡ bc(mod m) temos ac − bc = c(a − b) = km. Se dividirmos os dois membros por d, teremos c d (a − b) = k m d . Logo, ( m d ) | c d (a − b) e, como mdc( m d , c d ) = 1 ( ver proposição 1.29 item iii ) temos por essa mesma proposição item (i) que ( m d ) | (a − b) o que implica a ≡ b mod m d . P A seguir, apresentamos mais algumas propriedades de congruências em diferentes módulos e regras para cancelamento. 1.44 Proposição. Sejam a e b inteiros quaisquer, e sejam m, d, r e s inteiros positivos. (i) Se a ≡ b(mod m) e d | m, então a ≡ b(mod d); (ii) se a ≡ b(mod r) e a ≡ b(mod s), então a ≡ b(mod mmc(r, s)); (iii) se ra ≡ rb(mod m), então a ≡ b mod m mdc(r, m) ; (iv) se ra ≡ rb(mod rm), então a ≡ b(mod m). As demonstrações ficam a cargo do leitor (ver exercícios propostos). 1.7.1 Exercícios Propostos EP 1.23. Demonstre o restante da proposição 1.41. EP 1.24. Prove a proposição 1.44. TÓPICOS DE ÁLGEBRA 39
  • 41. EP 1.25. Mostre que, se a ≡ b(mod m), então an ≡ bn (mod m) para todo inteiro positivo n. EP 1.26. Se a = (72)6 + (72)5 + 2, mostre que 7 | a. EP 1.27. Suponha que a ≡ b(mod m) e c ≡ d(mod m). Mostre que ax + cy ≡ bx + dy(mod m) para quaisquer x, y ∈ Z. EP 1.28. Resolva as congruências: (a) 3 ≡ 3(mod 5); (b) 3 ≡ 1(mod 6). EP 1.29. Encontre todos os inteiros x, com 0 ≤ x < n, satisfazendo as congruências módulo n dadas a seguir. Se a congruência não possuir solução, justifique. (a) n = 6 e 4x ≡ 2(mod n); (b) n = 11 e 5x ≡ 1(mod n). 1.8 Classes de Congruência A congruência módulo m permite a identificação de todos os números que deixam o mesmo resto quando divididos por m. Essa identificação nos permite a criação de outros “sistemas” numéricos. 1.45 Definição. Sejam m um inteiro fixo e a um inteiro qualquer. Denotamos por [a]m a classe de congruência de a módulo m, isto é, o conjunto formado por todos os inteiros que são congruentes a a módulo m: [a]m = {x ∈ Z : x ≡ a(mod m)} . ER 14. Determine a classe de congruência de 3 módulo 12 e 15 módulo 12. Solução: Seja m = 12. Se a = 3, então, [a]12 = {x ∈ Z : x ≡ 3(mod 12)} = {x ∈ Z : 12 | (x − 3)} = {x ∈ Z : x = 12k + 3 para algum k ∈ Z} = {. . . , −21, −9, 3, 15, . . .} Por outro lado, [15]12 = {x ∈ Z : x ≡ 15(mod 12)} . Como 15 ≡ 3(mod 12), então x ≡ 15(mod12) se, e somente se, x ≡ 3(mod 12), pela propriedade transitiva de congruência vista na Proposição 1.38. Logo, [15]12 = {x ∈ Z : x ≡ 3(mod 12)} = [3]12. Para mostrar alguns dos próximos resultados, precisaremos lembrar a definição de igualdade entre dois conjuntos. Para mostrar que dois conjuntos são iguais, devemos provar que eles possuem os mesmos elemen- tos. Assim, A = B se, e somente se, A ⊂ B (todo elemento de A é elemento de B) e B ⊂ A (todo elemento de B é elemento de A). FTC EAD | LICENCIATURA EM MATEMÁTICA40