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Anais do IV Seminário Nacional
O CONCEITO DE LIBERDADE EM NICOLAU MAQUIAVEL
Aleandra Ferreira da Silva**
Kelly Reina de Carvalho***
Ticiane Machado de Oliveira****
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é entender o conceito de liberdade nas obras “O Príncipe” e
os “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio” do renascentista florentino do século
XVI - Nicolau Maquiavel. A apreensão do significado da noção de liberdade em Maquiavel
pode oferecer um caminho seguro para o entendimento do seu pensamento político, uma vez
que este conceito desempenhava um papel fundamental no universo histórico e intelectual da
Renascença. Recorremos à pesquisa bibliográfica como suporte para a realização de uma
análise histórica do nosso objeto de investigação, procurando identificar as questões colocadas
pelas transformações que se processavam no período em que viveu e produziu Nicolau
Maquiavel e que estimularam as suas reflexões teóricas. O autor mantém o tradicional sentido
de liberdade como autogoverno e independência externa. Porém, rompe com o pensamento
anterior ao considerar que a liberdade resulta dos conflitos entre dois agentes políticos
distintos: o povo e os poderosos; do mesmo modo as leis e instituições que garantem a sua
manutenção são o efeito da oposição dessas forças. A liberdade de ação do homem na “pólis”,
frente à atuação da fortuna, resulta da posse da “virtù”, qualidade essencial a um governante.
Assim, em Maquiavel o conceito de liberdade não assume o sentido subjetivo, de liberdade
individual, tão caro aos renascentistas.
TEXTO COMPLETO
Introdução
Nicolau Maquiavel, cientista político florentino, do século XVI, tem sido muito
estudado ao longo dos séculos. Atualmente, no Brasil, muito se tem escrito a seu respeito,
além de terem-se multiplicado as edições de suas obras. Analisado como fundador da ciência
política moderna, é bibliografia obrigatória em muitos cursos de graduação e pós-graduação, o
que demonstra a importância e atualidade do seu pensamento.
Do mesmo modo, tem sido um dos mais polêmicos e discutidos pensadores,
recebendo diversas interpretações como: defensor do absolutismo; anticristão, ou até mesmo
visionário. Os que assim o qualificam esquecem, todavia, que Maquiavel não parte de
pressupostos morais ou cristãos ao escrever sobre política; seu realismo o levou a escrever
sobre coisas úteis, sendo suas obras direcionadas à ação política, em defesa da Razão de
Estado
***
Acadêmica do curso de direito/UEM e participante do PIBIC
****
Acadêmica do curso de direito/UEM e bolsista do PIBIC
*****
Acadêmica do curso de direito/UEM e participante do PIBIC
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
Como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais
conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se
possa imaginar .(Maquiavel; cap. XV, p.63)
Pretendemos analisar a obra de Maquiavel tendo como foco principal de interesse o
conceito de liberdade. Mais especificamente procuraremos responder a seguinte indagação:
qual é, exatamente, o significado que assume em Maquiavel, o conceito de liberdade; como
ele se relaciona com os demais conceitos de fortuna e virtù, e qual sua importância no
complexo edifício do pensamento do renovado florentino?
Em termos mais gerais, pode-se afirmar que a liberdade “designa o estado de ser livre
ou de não estar sob o controle de outrem, de estar desimpedido, de não sofrer restrições nem
imposições” (Dicionário de Ciências Sociais, p. 689). Mas, além dessa conotação mais ampla,
o conceito de liberdade tem sido definido de diversas maneiras e em diversos contextos,
segundo sua esfera de ação ou alcance. Assim, tem-se falado em liberdade individual,
liberdade social, liberdade política, liberdade moral, e outras. Trata-se, portanto, de um
conceito que foi sendo historicamente redefinido, uns enfatizando mais um sentido que outro.
À época de Maquiavel, este conceito recebeu duas acepções fundamentações: a
primeira, subjetiva, enfatizando a liberdade individual; e a segunda, destacando mais a
liberdade política. Sendo assim, é um conceito basilar para a compreensão das origens do
pensamento político moderno e sua evolução posterior. Do mesmo modo, é conceito
fundamental para esclarecer o pensamento de Maquiavel.
Nesta pesquisa, a exploração desse conceito, no entanto, não é feita com base em toda
produção literária do autor, mas se atém, basicamente, a dois textos principais, quais sejam: “O
Príncipe” e “Discursos”.
Temos como objetivo principal compreender o significado que a noção de liberdade
assume no pensamento do autor, em especial nos textos citados, assim como identificar os
pressupostos teórico-metodológicos empregados por Maquiavel, e o espaço que o
determinismo e a própria liberdade ocupam nesses pressupostos
As reflexões teóricas de Nicolau Maquiavel foram estimuladas durante a Renascença
Italiana, presente desde os fins da Idade Média. Tem relação com o movimento voltado para a
defesa da independência das cidades repúblicas do norte da Itália. Por isso, recorremos à
análise histórica para a efetivação do estudo acerca do conceito de liberdade, procurando
recuperar o contexto histórico e intelectual em que viveu Maquiavel, assim como identificar as
questões colocadas por sua época. É importante destacar a prioridade dada à leitura de textos
do próprio Maquiavel buscando, no entanto, relacioná-los com o pensamento de outros autores
do período, especialmente os pré-humanistas e os humanistas cívicos.
Como veremos neste artigo, as formulações de Maquiavel acerca da liberdade, ao
mesmo tempo que sofreram algumas vinculações com a tradição ideológica anterior, têm um
caráter de inovação do qual o próprio autor estava bastante consciente. Na introdução ao Livro
Primeiro dos “Discursos” Maquiavel afirma o seguinte acerca do seu labor intelectual:
Embora os homens, por natureza invejosos, tenham tornado o descobrimento de
novos métodos e sistemas tão perigosos quanto a descoberta de terras e mares
desconhecidos - pois se inclinam por essência mais à crítica do que ao elogio - ,
tomei a decisão de seguir uma senda ainda não trilhada, movido pelo natural desejo
que sempre me levou sem receios aos empreendimentos que considero úteis. (p.17)
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Anais do IV Seminário Nacional
I- O IDEAL DE LIBERDADE NO PERÍODO DO RENASCIMENTO
1.1. O homem como centro do universo
A Baixa Idade Média, período que se estende do século XI ao XIV, é uma época que
se caracteriza, principalmente, pelo ressurgimento do comércio e das cidades no ocidente
europeu. A Itália e a região de Flandres são o centro propulsor desse dinamismo, que aliado a
outros fatores como o crescimento populacional, o desenvolvimento de novas tecnologias
agrícolas e o aumento da produção rural iria, progressivamente, destruir as bases de
sustentação do modo de produção feudal dominante até então.
A economia de subsistência e de trocas naturais tendia a ser suplantada pela
economia monetária, a influência das cidades passou a prevalecer sobre os campos,
a dinâmica do comércio a forçar a mudança e a ruptura das corporações de ofícios
medievais. A nova camada dos mercadores enriquecidos, a burguesia, procurava de
todas as formas conquistar um poder político e um prestígio social correspondentes
a sua opulência material. (Sevcenko, 1984, p.6)
Mas, toda essa expansão econômica entra em crise no século XIV, sendo apontadas
como causas principais desse colapso: a Peste Negra, a Guerra dos 100 Anos e as revoltas
populares. Dessa crise, saem fortalecidos o comércio, a atividade manufatureira, as atividades
financeiras e a monarquia. Tantas foram as transformações ocorridas após esse período de
crise que o século XV passou a ser caracterizado como um período de Revolução Comercial.
Na verdade, o processo que estava ocorrendo e que se intensificou no século seguinte,
foi a destruição da ordem feudal e o surgimento do modo de produção capitalista. Embora
muitos historiadores louvem as mudanças processadas como ocorrências necessárias à
destruição do antigo modo de produção, Marx demonstra no texto A chamada acumulação
primitiva, que este processo não teve nada de idílico, que, pelo contrário, ele se baseou na
conquista, na escravização, na rapina e no assassinato. Para este autor,
O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira ao
trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma
em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e converte em
assalariados os produtores diretos... (K. Marx, 1982, p. 83)
A partir desse quadro turbulento, percebemos o desenvolvimento de uma nova ordem
social e cultural. A associação entre a burguesia e a monarquia garantiu a expansão do
comércio, das atividades financeiras e a organização dos Estados-Nacionais. Estes últimos
deveriam criar as condições políticas necessárias ao desenvolvimento da nova ordem
econômica-social.
Ainda no século XIV, teve início o Renascimento, movimento cultural que se iniciou
na Itália e que depois expandiu-se para outros países europeus. Este movimento que se
caracterizou pela renovação nas letras, nas artes plásticas, na música, no teatro, nos
procedimentos científicos, enfim, na cultura em geral, não foi homogêneo em suas
manifestações particulares, mas significou, sempre, a busca de transformação na velha forma
de ser e de pensar própria do período medieval. No renascimento tiveram destaque os
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
chamados humanistas, que se empenharam numa reforma cultural e educacional a partir da
valorização dos autores clássicos.
Os humanistas consideravam a Antigüidade Clássica como a mais expressiva cultura.
Por isso começaram, a partir dos ensinamentos dos autores clássicos, a reinterpretar toda a
cultura acumulada até então, inclusive o próprio Evangelho. Exaltavam o indivíduo, sua
liberdade de atuação, sua capacidade de ação e participação na vida das cidade. Essa crença no
homem tornou-se a preocupação principal dos humanistas, atitude que ficou conhecida como
antropocentrismo, ou seja, o homem como centro do universo. O antropocentrismo foi
necessário para que a visão sobre as capacidades humanas correspondessem aos propósitos de
expansão comercial da burguesia.
Essa “nova classe” começa a utilizar parte da sua riqueza para a construção de
palácios e financiamento de atividades artísticas. Também príncipes e monarcas tranformaram-
se em financiadores das artes, passando por isso a serem chamados de mecenas (protetores das
artes). Tinham como objetivo não só a autopromoção, mas também a difusão de novos hábitos,
valores e comportamentos.
Como característica principal do Renascimento e do movimento humanista, temos a
atividade crítica. Os humanistas voltaram-se para o mundo concreto dos homens e passaram a
valorizar a divindade presente em cada homem e a liberdade individual. Mas nem todos
puderam pensar livremente, sendo perseguidos tanto pelo poder temporal como pelo espiritual.
De qualquer forma, o antropocentrismo foi a forma típica de manifestação do ideal de
liberdade individual entre os intelectuais do período.
Para o trabalhador, essa liberdade individual significou a luta incansável pela
sobrevivência. Para Marx, o trabalhador só se tornou livre porque lhe “roubaram todos os seus
meios de produção e o privaram de todas as garantias que as velhas instituições feudais
asseguravam a sua existência...” (K. Marx, 1982, p. 830)
Desta forma, os homens desse período deveriam começar a enfrentar a luta feroz pela
concorrência, regra fundamental da nova ordem social que se instalava.
O sucesso ou o fracasso nessa nova luta dependeria, segundo Maquiavel, o
introdutor da ciência política precisamente nesse momento, de quatro fatores
básicos: acaso, engenho, astúcia e riqueza; para os pensadores renascentistas, os
humanistas, a educação seria o fator decisivo. (Sevcenko,1984, p.10)
1.2. A tradição republicana das cidades-Estado italianas e o ideal de liberdade
No fim do período medieval, a palavra “libertas” é utilizada para defender a tradição
republicana das cidades-Estado italianas - forma de organização política difundida no Norte da
Itália, desde o início do século XII - frente às pretensões temporais do Papa (no sul da Itália); e
as ambições de domínio do Império (no norte); e como contraposição às pretensões das
famílias ricas (signori). A partir dos fins do século XIII, os pré-humanistas e os escolásticos
deram a esse termo o sentido de independência política e autogoverno republicano.
Os pensadores escolásticos tiveram como ideal esse conceito de liberdade. Marsílio
de Pádua (século XIV) em “O Defensor da paz” e Bartolo de Saxoferrato (século XIV), no
“Tratado sobre o governo da cidade” esclarecem que o sistema republicano é a melhor forma
de governo para as cidades italianas. Nesse ponto, divergem e criticam São Tomás pois este
acreditava que a monarquia é a melhor forma de governo. Este gosto pela república possui
suas bases na nova imagem de Roma Antiga; acreditam que Roma possuiu seu apogeu no
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Anais do IV Seminário Nacional
período republicano. Mesmo acreditando na liberdade republicana, esses pensadores sabem
que “em seu tempo prevalece uma tendência a ser tragada, por tiranos, as instituições livres
das cidades-Estado.” (Skinner, 1996, p.76).
Os escolásticos acreditam que o principal perigo para a liberdade das cidades-
repúblicas está na facção, na discórdia entre os cidadãos. Estes acreditam, assim como os
retóricos, que para garantir a paz, e consequentemente a liberdade, “é necessário considerar o
bem de cada cidadão em particular como sendo o bem da cidade como um todo”. (Skinner,
1996, p.78).
Marsílio de Pádua e Bartolo de Saxoferrato elaboraram a doutrina da soberania
popular. Para eles, o governante tem que ser parte do corpo inteiro dos cidadãos, nunca poderá
fazer leis que sejam contrárias aos cidadãos.
Os dois pensadores não proporcionaram apenas a defesa mais completa e mais
sistemática da liberdade republicana contra o advento dos déspotas: também
introduziram um engenhoso método de se argumentar contra os apologistas da
tirania em seus próprios termos (...) a maior defesa dos déspotas de fins do Duzentos
e de seus sucessores tomava a forma da tese de que, enquanto a conservação
republicana tendia a um caos político, o governo de signore único sempre trazia
consigo a garantia da paz (...) Marsílio e Bartolo concedem que o valor fundamental
na vida política consiste na conservação da paz. Mas negam que esta seja
incompatível com a preservação da liberdade.(Skinner, 1996, p.85 e 86)
No século XV, os humanistas cívicos se originaram devido à crise política da Itália;
era um “humanismo enraizado em ‘uma nova filosofia do engajamento político e da vida
ativa’ e devotado à celebração das liberdades republicanas florentinas” (Skinner, 1996,p.93).
Ao contrário dos escolásticos, eles não viam as facções como um perigo; sua idéia central era
que a liberdade republicana só podia ser preservada com o equilíbrio entre as partes
constituintes da cidade (tradição iniciada por Aristóteles) - monárquica, aristocrática e o povo.
Os humanistas cívicos definem o conceito de liberdade, como o tradicional, independência e
autogoverno. Entre os autores que se destacam nesse período, temos Salutati, Bruni, Alberti,
Vergerio e muitos outros. Esses autores possuíam um otimismo exagerado, acreditavam que o
aumento da riqueza privada era excelente para a vida da República. Ao contrário dos
escolásticos, não vêem perigo nas facções; para eles, o maior perigo à República eram as
tropas mercenárias: “... tais tropas a soldo eram capazes, ao mesmo tempo que defendiam a
República, de constituir uma ameaça bastante séria a ela” (Skinner, 1996, p.97).
Esses humanistas atacavam a monarquia, diziam que a forma de governo popular era
a mais correta pois tratava todos os cidadãos como iguais. Bruni comenta o mérito da
República em sua obra “Oração”. Eles se orgulhavam de fazer parte de uma república.
Estabeleciam uma associação entre liberdade e poder. O melhor exemplo disso, para Bruni
seria Roma pois, para ele, o povo romano atingiu a grandeza enquanto possuía liberdade, no
momento que a perdeu, veio a decadência.
Uma outra associação que faziam os humanistas cívicos era entre a perfeição
constitucional e a liberdade. Essa associação foi estabelecida a partir do exemplo
proporcionado por Veneza que, de acordo com os autores do período, especialmente Pier Paolo
Vergerio, teria conseguido em sua Constituição fundir as três formas tradicionais de governo -
monarquia, aristocracia e democracia - numa forma mista mais eficiente. Nesta forma mista, o
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
Doge representa o elemento monárquico, o Senado o aristocrático e o Grande Conselho, o
democrático. Gasparo Contarini, autor veneziano, ao responder à questão corrente em sua
época sobre a manutenção de uma “segurança tão boa e serena” em Veneza, numa época em
que a Itália estava dilacerada por guerras e lutas internas, também ressaltou o sucesso da
Constituição veneziana.
Os humanistas do último período, contudo, começaram a sentir que estavam vivendo
em uma era que a “virtù” e a “ragione” não tinham mais condições de conter os golpes da
fortuna à medida em que a terrível história da Itália, no século XVI, se desenvolvia. Com o
fim do governo popular em Roma (1527) e em Florença (1530), o fim da tradição do
republicanismo italiano foi inevitável.
II- MAQUIAVEL, UM HOMEM DO SEU TEMPO: (1469 – 1527)
2.1. A inserção na política como vocação
O pensador político Nicolau Maquiavel nasceu em Florença no dia 03 de maio de
1469. Seus pais, o advogado Bernardo de Nicolau Maquiavel e Bartollomea Melli, pertenciam
à velha nobreza rural italiana . Sobre a sua formação, sabe-se que aprendeu o latim e conhecia
muitas obras clássicas; só nos “Discursos” utilizou mais de vinte autores. Seus estudos da
Antigüidade, feito por uma razão profissional, trouxeram grandes contribuições devido a sua
revolucionária interpretação.
Maquiavel passou 15 anos atuando na vida política, ocupou dois cargos públicos e só
se afastou da política quando as circunstâncias o obrigaram. Seu interesse apaixonado pelas
coisas do Estado se evidencia nesta frase: Não sei falar de seda ou de lã, benefícios ou perdas;
preciso discorrer sobre as coisas do Estado ou fazer voto de silêncio (Maquiavel,1513)
Suas obras tratam de questões propostas por sua época. Sua vida confunde-se com a
história italiana e sua atuação como funcionário público permitiu que presenciasse fatos
históricos decisivos para o destino da Itália.
O caso do frei dominicano Savonarola, a quem Maquiavel chama “profeta
desarmado”, suscita a questão da necessidade de exércitos próprios para a manutenção de um
governo. Com as missões diplomáticas, desenvolvidas desde que se tornou 2º Chanceler da
República Florentina em 1498, Maquiavel conhece os Estados Nacionais, principalmente a
França, que toma como exemplo de organização estatal. É também na condição de diplomata
que conhece o ‘condottiere” César Bórgia, seu exemplo de homem de “virtù” – em 1502. Esse
contato com o filho do Papa Alexandre VI, fez com que o autor se preocupasse com a
unificação da Itália e em colocar os fins políticos acima dos morais e éticos.
Ele mesmo afirma que suas obras foram o resultado da sua vivência no âmbito da
política e do seu estudo dos autores clássicos“Trata-se do registro de tudo o que sei, tudo o que
me ensinaram uma longa experiência e o estudo contínuo das coisas do mundo” (trecho da
carta a Buondelmonte e Ruccellai)
É no exílio que escreve suas principais obras: “O Príncipe” (1513) e “Discursos”
(1513 – 1517). Assim, foi preciso sua tragédia pessoal – sua demissão com a restauração do
governo despótico dos Médici em 1512 – para que a humanidade recebesse seu pensamento
revolucionário. Maquiavel ainda escreveu diversos textos políticos, poesias e a famosa peça de
teatro “A Mandrágora”, sátira que descreve os costumes da sociedade florentina; de 1520 a
1521, passa a escrever as “Histórias Florentina”, obra encomendada pelos Médici.
6
Anais do IV Seminário Nacional
No entanto, a fascinação pela política o acompanhou até o fim dos seus dias como
bem o demonstra seu epistolário. O “Consiglio Maggiore” de Florença, reunido a 10 de julho
de 1527, analisou a proposta de se nomear Maquiavel como Secretário da República de
Florença, após a nova queda dos Médici. Nesta sessão duríssima, muitas vozes se levantaram
contra Maquiavel acusando-o de aliado dos antigos senhores. Poucos ressaltaram a
contribuição que ele trouxe com seu trabalho para a defesa da liberdade republicana. O
resultado das discussões foi a negativa de se atribuir a Maquiavel o cargo pretendido,
esgotando-se a esperança do cidadão abandonado pela “fortuna” de prosseguir o exercício da
única atividade na qual manifestava com paixão a sua “virtù” : a política. Maquiavel veio a
falecer neste mesmo ano.
2.2. Maquiavel frente a crise italiana e a formação dos Estados Nacionais.
“O Príncipe” e os “Discursos” podem ser melhor compreendidos, assim como os
objetivos do autor, se considerarmos o contexto histórico em que foram produzidos. O
objetivo final específico de ambas as obras – determinar a política a ser seguida pela Itália
para solucionar seus conflitos e chegar à unificação – pode ser explicado quando tomamos a
crise política e econômica, pela qual a Itália passava, como a principal preocupação deste
florentino. Sua resposta a esta questão reflete a crise do ideal republicano elaborado com base
no conceito de liberdade.
Durante o século XVI as formas despóticas de principado triunfaram por quase toda a
península, o que fez com que os interesses pelos tradicionais valores republicanos
diminuíssem. Em determinadas cidades, como Milão e Nápoles, essa transformação se limitou
à vitória de novos senhores mais poderosos. Porém, em Florença e Roma, que possuíam uma
ativa tradição republicana, essa vitória foi antecedida por uma longa resistência.
Assim, no início do século XVI a Itália era composta por ducados, repúblicas e
principados que brigavam entre si utilizando-se de tropas mercenárias, e que muitas vezes
recorriam às monarquias da Europa Ocidental em suas disputas. Enquanto alguns pequenos
estados estavam sob o controle do Império Germânico, a Espanha e a França disputavam a
posse de vários territórios italianos.
Nos principados, a ilegitimidade do poder de seus déspotas, devido à falta de tradição
dinástica, levava a uma instabilidade constante. A força militar dos Estados italianos, formada
por tropas mercenárias, tornavam a sua conquista e manutenção ainda mais instável. Alguns
dos líderes destas tropas, os chamados “condottieri”, aproveitavam-se para tomar o poder das
cidades que os contratavam. Neste cenário de lutas, a astúcia política, a traição e os
homicídios, são os meios utilizados. Daí a importância da força bruta como elemento da
política.
A Itália, embora tivesse sido o berço do capitalismo comercial, estava em franca
decadência econômica. A atividade comercial na Itália desenvolveu-se em íntima dependência
com o sistema feudal. Com a crise deste sistema a Itália entrou em decadência. No restante da
Europa, a crise do século XIV fortaleceu o comércio e as atividades manufatureiras que,
graças à formação dos Estados Absolutistas, puderam passar por um desenvolvimento
vultuoso durante o século XV. A Igreja, cujo poder temporal havia sido construído
principalmente pelo Papa Alexandre VI, não era forte o bastante para controlar todos os
Estados, mas o era o suficiente para impedir a unificação da Itália sob o comando de um
príncipe secular. A situação piorou ainda mais quando os Estados absolutistas europeus
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
solucionaram a crise que ameaçava suas atividades comerciais com a descoberta de novas
rotas de comércio para a Ásia, África e América, tirando, assim, a hegemonia comercial do
Mar Mediterrâneo, controlado pelos italianos.
Portanto, a realidade estudada e retratada por Maquiavel é a de uma Itália
politicamente instável, sem exércitos próprios, invadida por Estados estrangeiros, organizada
anacronicamente em cidades–estados, ou seja, sem um poder central forte que a unificasse.
Uma realidade na qual nem a liberdade nem a segurança eram possíveis.
2.3. As bases teórico–metodológicas de um pensamento revolucionário
Para estudar a realidade política concreta, Nicolau Maquiavel adota um método
empírico de investigação baseado na teoria cíclica da história e em uma explicação pessimista
da psicologia humana.
O autor partilha da mesma visão da história defendida pelos humanistas cívicos
florentinos do início do século XIV. Abandonando a visão linear, sustentada por Santo
Agostinho e que prevaleceu durante a Idade Média, retomaram os humanistas a teoria
aristotélica de que a história se desenvolveu numa série de ciclos recorrentes. A inovação de
Maquiavel está na proposta revolucionária do autor de estudar os fatos do passado para prever
o futuro de qualquer república ou principado e poder, assim, utilizar as soluções dadas pelos
grandes homens e, na ausência delas, aproveitar as semelhanças de circunstâncias entre o
passado e o futuro para aplicar o remédio necessário. Sobre este objetivo Maquiavel faz a
seguinte observação:
E se a tentativa for falha e de escassa utilidade, devido a pobreza do meu espírito, à
insuficiente experiência das coisas de hoje ou ao pouco conhecimento do passado,
terá ao menos o mérito de abrir caminho a quem, dotado de maior vigor, eloqüência
e discernimento, possa alcançar a meta. Enfim, se este trabalho não me der glória,
também não me servirá de condenação. (Maquiavel, 1982, p.17).
Diz o autor que essa “ignorância do espírito genuíno da história” leva os homens a
julgarem tal imitação impossível:
Como se o sol, o céu, os homens e os elementos não fossem os mesmos de outrora;
como se a sua ordem, seu rumo e seu poder tivessem sido alterados. (Maquiavel,
1982, p.18).
Deste referencial, o autor retira o seu entendimento sobre a natureza humana. Para o
ilustre florentino, os homens são egoístas, visam satisfazer seu próprio interesse, sendo
motivados pelo desejo de conquista; e só deixam de praticar o mal pela coerção da lei. É essa
condição humana que o autor dá como pressuposto da ação política e que fundamenta a defesa
da autonomia da política frente à moral e à ética.
Maquiavel é considerado o precursor da ciência política por fundamentá-la em leis
próprias, independentes da moral e da religião. Assim, ele estabelece essa ciência em seus
próprios termos, a partir da “realidade efetiva das coisas” e não de especulações filosóficas.
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Anais do IV Seminário Nacional
3. A LIBERDADE EM “O PRÍNCIPE”
O “Príncipe”, de Nicolau Maquiavel, tem sido uma obra muito lida e criticada desde
a sua publicação. Para alguns autores, Maquiavel, nesta obra, teria se revelado defensor do
absolutismo na medida em que detalha o governo do príncipe; outros autores, como Rousseau,
acreditam que Maquiavel, por não poder se dirigir diretamente ao povo, simulou dar lições aos
príncipes; para Antonio Gramsci, a finalidade de O Príncipe poderia ter a seguinte formulação:
Na realidade, parece ser possível dizer que, não obstante o Príncipe ter uma
destinação precisa, o livro não foi escrito para ninguém e para todos; foi escrito
para um hipotético ‘homem providencial’que poderia manifestar-se da mesma forma
como tinha-se manifestado Valentino ou outros ‘condottieri’, do nada, sem tradição
dinástica, pelas suas qualidades militares excepcionais. A conclusão do Príncipe
justifica todo o livro, inclusive no que se refere às massas populares que realmente
ignoram os meios empregados para alcançar um fim, se este fim é historicamente
progressista, ele resolve os problemas essenciais da época e estabelece uma ordem
na qual seja possível avançar, atuar, trabalhar tranqüilamente. (Antonio Gramsci,
1980,p.134)
Acreditamos, portanto, que seu objetivo genérico era explicar como surge e se
mantém o Estado Moderno e não com as formas e regimes de governo. Entendemos que o
interlocutor de Maquiavel era o príncipe, na medida em que seu objetivo final e específico era
a unificação da Itália. Isso fica claro no capítulo XXVI, pois Maquiavel faz um apelo à família
Medici para libertar e unificar a Itália. O autor considerava ser aquele o momento adequado
para este fim, já que Lorenzo de Medici, príncipe de Florença, tinha o apoio do papado -
grande empecillho para a unificação - por ser Leão X membro da família:
(...) vossa ilustre casa, a qual, com a fortuna e valor, favorecida por Deus e pela
Igreja - a cuja frente está agora -, poderá constituir-se cabeça desta redenção.(cap.
XXVI, p. 108)
O conceito de liberdade na obra “O Príncipe” se apresenta com um sentido tradicional
de autogoverno republicano e independência externa. Fica claro a oposição entre liberdade e o
governo do príncipe, na medida em que o autor valoriza positivamente as repúblicas:
Estes domínios assim adquiridos são, ou acostumados à sujeição a um
príncipe ou são livres. (cap. I, p. 5)
Estados habituados a reger-se por leis próprias e em liberdade.(cap.V, p.21)
Quem se torna senhor de uma cidade tradicionalmente livre e não a destrói
será destruído por ela. Tais cidades têm sempre por bandeira, nas rebeliões, a
liberdade e suas antigas leis, que não esquecem nunca, nem com o correr do tempo,
nem por influência dos benefícios recebidos.(cap.V, p.21 e 22)
Maquiavel acredita que a política é o resultado do conflito entre autores políticos
distintos, ou seja, o povo e os poderosos. Rompe, desse modo, com a tradição anterior, ao ver
nos conflitos uma garantia de manutenção da liberdade. Os pré-humanistas, ao contrário, viam
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HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
nas facções existentes no interior das cidades-Repúblicas italianas uma ameaça à paz interna e,
conseqüentemente, à liberdade. No capítulo V, já há indícios dessas novas idéias que se
confirmam no capítulo IX:
Nas repúblicas, há mais vida, o ódio é mais poderoso, maior é o desejo de vingança.
Não deixam nem podem deixar repousar a memória da antiga liberdade.(cap V, p.22)
É que em todas as cidades se encontram estas duas tendências diversas e isto nasce
do fato de que o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes
desejam governar e oprimir o povo. Destes dois apetites diferentes nasce nas cidades
um destes três efeitos: principado, liberdade, desordem.(cap.IX, p.39)
Nessa obra, o valor principal é a segurança. Quentin Skinner considera que
Maquiavel põe a segurança como valor máximo da vida política; consideramos não ser
possível fazer essa afirmação já que há um claro posicionamento a favor das repúblicas, assim
como nos pré-humanistas e humanistas cívicos. O que Maquiavel estabelece é que no governo
fundado no poder pessoal, o príncipe pode dar ao povo a paz, mas não a liberdade; ao garantir
a segurança do povo, o príncipe garante a manutenção do seu poder. Por ser o povo um agente
político poderoso, precisa o príncipe do seu apoio para estar seguro no seu estado:
Um príncipe deve ter duas razões de receio: uma de ordem interna, por parte
de seus súditos, outra de ordem externa, por parte dos poderosos de fora (...) quando
as questões externas estão em calma deve sempre recear que conspirem
secretamente, perigo de que o príncipe se afasta se não se tornou odiado ou
desprezado, e se tiver feito com que o povo esteja satisfeito com ele.(cap. XIX, p.77 e
78)
No capítulo XIX, ao falar de como se evitar o ser desprezado e odiado por seus
súditos, Maquiavel estabelece um paralelo entre alguns imperadores romanos que perderam
seus estados por não conseguirem satisfazer a um só tempo aos soldados e ao povo. Segundo o
autor, se naquele período os imperadores deveriam evitar o ódio da maioria mais poderosa,
constituída pelos soldados, em sua época, o príncipe deveria buscar o apoio do povo.
E, se naquela época era necessário satisfazer mais aos soldados do que ao
povo, agora é mais necessário a todos os príncipes(...)satisfazer mais ao povo do que
ao exército, porque este é menos poderoso do que aquele.(cap. XIX, p.84)
Os humanistas cívicos estabelecem um conceito de liberdade subjetiva,
relacionando os elementos fortuna e virtù; destacam a capacidade criativa do homem.
Maquiavel desconsidera a questão da liberdade individual, enfatizando o autor a liberdade em
termos políticos. A virtù reflete a capacidade de ação política; é um pré-requisito de liderança
de um governante. Ele acredita que a fortuna (sorte ou ocasião) não tem o poder de comandar
todas as nossas ações, deixando aos homens, pelo menos, metade do poder de atuação. No
capítulo XXV, Maquiavel compara a fortuna a um rio impetuoso que só demonstra sua fúria
onde não há diques para contê-lo; do mesmo modo, o poder da fortuna pode ser manipulado
por um homem de virtù. Num primeiro sentido, a fortuna aparece como um momento
previamente antecipado pelo príncipe virtuoso.
10
Anais do IV Seminário Nacional
(...) o que todo príncipe prudente deve fazer: não só remediar o presente, mas prever
os casos futuros e preveni-los com toda a perícia, de forma que se lhes possa
facilmente levar corretivo, e não deixar que se aproximem os acontecimentos.(cap.
III, p.12)
Num segundo momento, ela é a circunstância adequada que permite que a atuação do
homem tenha êxito; a fortuna surge como um complemento da virtù.
(...) conclui-se que eles não receberam da fortuna mais do que ocasião de poder
amoldar as coisas como melhor lhes aprouve. Sem aquela ocasião, suas qualidades
pessoais se teriam apagado, e sem essas virtudes a ocasião lhes teria sido vã (...)
foram suas virtudes que lhes deram o conhecimento daquelas oportunidades.(cap.VI,
p.24)
Seguindo esse raciocínio, o homem de virtù deve combinar sua conduta com as
particularidades do seu tempo, não devendo contar somente com a sorte ou a virtude de
outrem. Partindo da visão cíclica da história - constituída por fases que se repetem - o autor
propõe que o príncipe siga os exemplos de homens ilustres, pois ainda que não seja possível
imitá-los, sempre se utiliza muitas coisas.
Maquiavel introduz um elemento novo ao conceito de virtù, na medida que enfatiza o
uso da força, pois o príncipe deve dominar a arte da guerra. O homem deve saber equilibrar,
em suas ações, a natureza humana e a animal; já que nem sempre é suficiente o uso das leis, o
príncipe deve se utilizar das qualidades do leão (força) e da raposa (astúcia).
O maior rompimento do autor com a tradição anterior, é quando ele diferencia virtù
e virtudes. Para os humanistas cívicos, o homem adquire a virtù quando possui as virtudes
cristãs e as cardeais. Maquiavel acredita que o príncipe deve ser realista e aprender a ser mau,
se assim ditar a necessidade. Essa crença é baseada em sua visão pessimista da natureza
humana. Embora, os homens em geral sejam maus, sempre existirão aqueles com capacidade
de virtù, necessária para atuar politicamente.
(...)Encontrar-se-ão coisas que parecem virtudes e que, se fossem praticadas, lhe
acarretariam a ruína, e outras que poderão parecer vícios e que, sendo seguidas,
trazem a segurança e o bem-estar do governante.(cap.XV, p.64)
Deste modo, ele conclui que o príncipe não precisa possuir todas as boas qualidades,
porém precisa aparentar possui-las porque os homens se fazem “notar através das qualidades
que lhes acarretam reprovação ou louvor.”(p.63). Assim, nenhuma qualidade é boa ou má
abstratamente e, sim, de acordo com as circunstâncias. O bem e o mal são resultados da ação
do homem:
Nas ações de todos os homens, máxime dos príncipes, onde não há tribunal para que
recorrer, o que importa é o êxito bom ou mau. Procure, pois, um príncipe, vencer e
conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e
louvados por todos, porque o vulgo é levado pelas aparências e pelos resultados dos
fatos consumados...(cap.XVIII, p.75)
11
HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
Para Maquiavel, a religião só interessa do ângulo da política, ou seja, como ideologia
com a função de manter o povo unido. Desprezando qualquer interpretação transcendental,
estabelece a política em bases distanciadas da moral.
Essas questões só podem ser entendidas se explicitarmos o compromisso primordial
com o Estado. Maquiavel não se preocupa em desenvolver uma teoria do Estado, no sentido
de explicar o que é o Estado e porque ele surge, mas parte da constatação da sua existência e
da necessidade de conservá-lo e reforçá-lo. Como afirma Jean-Jacques Chevallier, para
Maquiavel a razão de Estado era a única finalidade: “Sua prosperidade, sua grandeza.
Finalidade para além do bem e do mal, tal como, pelo menos, a moral corrente os define e os
prescreve para os indivíduos.” (Chevallier, 1982, p.268)
Ou, nas palavras de Gruppi: “O Estado, para Maquiavel, não tem mais a função de
assegurar a felicidade e a virtude, segundo afirmava Aristóteles. Também não é mais, como
para os pensadores da Idade Média - uma preparação dos homens ao reino de Deus. Para
Maquiavel, o Estado passa a ter suas próprias características, faz política, segue sua técnica e
suas próprias leis.” (Gruppi, 1980, p. 10)
4. A LIBERDADE NOS “DISCURSOS”
Maquiavel analisa a história da república romana, descrita por Tito Lívio*
, para
comparar as instituições romanas com as de seu tempo de modo a estabelecer meios eficazes
de garantir a liberdade. Assim, ele busca demonstrar suas idéias a respeito da história cíclica,
de como utilizar exemplos da Antigüidade. Seu objetivo final, assim como no Príncipe, é
buscar soluções para a crise enfrentada pela Itália e chegar a sua unificação.
Esta obra foi dedicada a Zenóbio Buondelmonti e Cosmo Ruccellari, amigos que
participavam das discussões nos Hortos Oricellari. Neste local, pertencente a Ruccellari - que
sugeriu este tema ao autor -, reuniam-se pensadores que se opunham ao regime dos Médici.
Maquiavel, no “Príncipe”, se dirige aos governantes; no entanto, nos “Discursos”, se
empenha em dar conselhos ao “corpo inteiro de cidadãos”. Mas, não se pode deduzir deste
fato, como fazem alguns autores, que exista uma grande contradição entre os dois textos.
Luciano Gruppi, por exemplo, afirma o seguinte, ao comparar as colocações contidas no
Príncipe com as dos Discursos:
Com isso, Maquiavel contradiz profundamente o que ele próprio havia escrito
nos ‘Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio’, isto é, que o poder baseia-se
na democracia, no consentimento do povo, entendendo-se como povo a burguesia do
seu tempo. Mas agora Maquiavel pensa na construção de um Estado unitário e
moderno, portanto, do Estado absoluto, e descreve o que será o processo da
formação dos Estados unitários.(Gruppi, 1980,p.11)
De uma certa forma, esta afirmação de Gruppi se assemelha a de outros intérpretes
que acreditam que Maquiavel se manifesta um republicano nos “Discursos” e um monarquista
no Príncipe. Acreditamos ser difícil manter esta interpretação na medida que, em primeiro
* Tito Lívio escreveu a história de Roma em 142 livros, abrangendo um período que vai desde a fundação da
cidade até o ano 9º antes de Cristo. Esta obra é dividida em décadas, ou seja, conjunto de 10 livros. Maquiavel
estuda a primeira década, ou o conjunto dos 10 primeiros livros que cobrem um período que vai de 750 a.C. até o
ano 294 a.C.
12
Anais do IV Seminário Nacional
lugar, nos dois textos, Maquiavel reconhece de forma positiva o papel do povo como autor
político significativo. Inclusive ele chega a afirmar no Príncipe que, no fundo, a grande fonte
de segurança para o príncipe reside em não ser odiado pelo povo. Por outro lado, como
afirmamos no ítem anterior, mesmo no Príncipe, Maquiavel sempre vê positivamente as
repúblicas. Em algumas passagens, ele usa o termo república como sinônimo de liberdade.
Nos “Discursos”, estão presentes os conceitos chaves apresentados no “Príncipe”: a
fortuna e a virtù constituindo a ação humana. Há a mesma distinção entre virtù e virtudes, que
o leva a estabelecer a política em base próprias.
Nos “Discursos”, estão presentes os conceitos chaves apresentados no “Príncipe”: a
fortuna e a virtù constituindo a ação humana. Há a mesma distinção entre virtù e virtudes, que
o leva a estabelecer a política em base próprias.
Para a boa compreensão dos Discursos de Maquiavel, é essencial reconhecer
seu compromisso fundamental com esse mesmo conjunto de valores (...)
Naturalmente, é certo que os Discursos contêm numerosas referências que remetem
ao Príncipe, assim como por vezes enunciam de forma mais completa vários temas
que ocupam posição de destaque na primeira obra: encontramos neles a mesma
polaridade entre virtù e fortuna; a mesma ênfase no papel que cabe a força bruta
para vencer a inimizade da Fortuna; e a mesma moralidade política original e
revolucionária, fundada numa mesma distinção - radical - entre a virtù e as virtudes.
(Skinner,1996, p.176)
Maquiavel, no início dos Discursos, explica a origem das cidades com base na defesa
da liberdade. Essa se apresenta no sentido tradicional de independência externa e
autogoverno. A respeito dos Estados fundados por naturais do país, diz que este caso ocorre
quando:
(...) os habitantes, disseminados por muitas vilas de limitada população, têm
dificuldade de viver em segurança, já que nenhuma dessas vilas, pela sua
localização e reduzido tamanho, pode resistir com as próprias forças à agressão de
eventuais atacantes(...) Para prevenir este perigo, os habitantes, espontaneamente ou
movidos pela tribo de maior autoridade, decidem habitar em conjunto um local de
sua escolha que ofereça maior comodidade e cuja defesa seja mais fácil. (Livro I,
cap.I, p.19)
Diz o autor que os governos surgiram porque no começo do mundo:
(...) os habitantes da terra eram pouco numerosos, e viveram por muito tempo
dispersos, como animais. Com o crescimento da população, os homens se reuniram
e, para melhor se defender, começaram a distinguir os mais robustos e mais
corajosos, que passaram a respeitar como chefe(...) e, pelo temor de sofrer as
mesmas injúrias que outros tinham sofrido, procurou-se erigir a barreira das leis
contra os maus, impondo penalidades aos que tentassem desrespeitá-la.(Livro I,
cap.II, p.24)
13
HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
A liberdade constitui o valor fundamental dos “Discursos”; as idéias a seu respeito
estão presentes no “Príncipe”, mas se encontram melhor esclarecidas naquela obra. Nela
aparecem as seguintes formulações: relação entre os conflitos e a liberdade; crítica à ilusão
constitucional e associação entre a liberdade e a potência.
Para os humanistas cívicos, a liberdade estaria segura se a Constituição inicial fosse
mantida. Contudo, Maquiavel acredita que “as cidades cuja constituição é imperfeita, mas têm
príncipes bons, susceptíveis de aprimoramento, podem, de acordo com os acontecimentos,
chegar à perfeição” (Livro I, cap.II, p. 23). Para o autor, o tipo de governo mais sólido e
estável é aquele em que o príncipe, a aristocracia e o povo governam o Estado controlando-se
mutuamente. A liberdade, “a priori”, não está garantida em nenhum sistema; na república, é
mais encontrada. Seu exemplo de liberdade é a república romana, que chegou a esta ordem
perfeita devido ao conflito entre os poderosos e o povo. Esse conflito, entre os que querem
dominar e os que desejam não ser oprimidos, é que conserva a liberdade. Dessa desunião
nascem as leis e regulamentos favoráveis à liberdade, sendo que dessas leis nasce a boa
educação e essa gera a virtude do povo, afastando-o da corrupção - inaptidão para viver em
liberdade, ou seja, quando o povo não identifica o interesse público com o particular.
Para Maquiavel, os homens “estão condenados a garantir o seu destino
exclusivamente pelo poder” (Livro I, cap.I, p.20), não se contentando em viver com o que tem.
Ao tratar a quem se deve confiar a defesa da liberdade, o autor considera quem é mais nocivo
a uma república: os que querem adquirir o poder e aqueles que não o querem perder. Conclui o
capítulo 5º com a seguinte afirmação:
No entanto, as dificuldades são criadas mais freqüentemente pelos que já
possuem; o temor de perder o que se tem provoca paixão igual à causada pelo desejo
de adquirir. É natural aos homens não se considerarem proprietários tranqüilos a
não ser quando podem acrescentar algo aos bens de que já dispõem. É preciso
considerar, também, que quanto mais um indivíduo possui, mais aumenta o seu
poder; é mais fácil para ele provocar alterações da ordem. E, o que é bem mais
funesto, sua ambição desenfreada acende o desejo de posse no coração dos que não
o tinham, seja como vingança, para despojar os inimigos, seja para compartilhar as
honrarias e riquezas de que querem fazer uso ilícito. (Livro I, capV, p. 35)
No Livro Segundo dos “Discursos”, Maquivel dedica-se à análise das ações dos
romanos para expendirem seu Império. No Livro Primeiro, analisa as questões relativas à
fundação, ao governo interno da cidade. Pensamos que neste livro existem muitas reflexões de
Maquiavel que permitem uma associação entre a liberdade e a potência, aqui entendida como
desejo de expansão, de domínio.
No capítulo segundo deste Livro, onde Maquiavel discorre sobre a resistência que os
povos conquistados pelos romanos opuseram ao seu domínio, ele afirma claramente a
correlação entre a liberdade, o poder e a riqueza.
Percebe-se facilmente de onde nasce o amor à liberdade dos povos; a
experiência nos mostra que as cidades crescem em poder e em riqueza enquanto são
livres. É maravilhoso, por exemplo, como cresceu a grandeza de Atenas durante os
cem anos que se sucederam à ditadura de Pisistrato. Contudo, mais admirável ainda
é a grandeza alcançada pela república romana depois que foi libertada dos seus
reis... (p.177)
14
Anais do IV Seminário Nacional
E, para Maquiavel, a liberdade é a base da prosperidade porque o interesse coletivo
predomina sobre o interesse particular:
Compreende-se a razão disto: não é o interesse particular que faz a grandeza
dos Estados, mas o interesse coletivo. E é evidente que o interesse comum só é
respeitado nas repúblicas: tudo o que pode trazer vantagem geral é nelas conseguido
sem obstáculos. Se uma certa medida prejudica um ou outro indivíduo são tantos os
que ela favorece, que se chega sempre a fazê-la prevalecer, a despeito das
resistências, devido ao pequeno número de pessoas prejudicadas”. (p.198)
CONCLUSÃO
A apreensão do significado do conceito de liberdade, nas obras “O Príncipe” e os
“Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio”, confirmou a sua importância para o
entendimento do pensamento político de Nicolau Maquiavel. As discussões desenvolvidas em
torno da liberdade estão relacionadas com a sua preocupação maior que é a compreensão do
Estado. Por serem a liberdade e a segurança os valores fundamentais da vida política, por si
mesmas - justificam a autonomia dos fins políticos frente à moral e à ética, isto é, “a razão do
Estado”.
As questões que envolvem o conceito de liberdade em Nicolau Maquiavel vinculam-
se a uma tradição ideológica desenvolvida desde os pré-humanistas até os humanistas cívicos.
Da mesma forma que estes teóricos, Maquiavel defende a liberdade política entendida como
autogoverno e independência externa. Embora partindo desta tradição, o autor apresenta uma
noção inovadora da liberdade. Para Maquiavel, a política resulta de dois agentes políticos com
interesses diversos: o povo e os poderosos. É do conflito entre essas forças opostas que a
liberdade surge e é preservada, já que as leis e instituições que a garantem são, também,
conseqüências dessa desunião. Ele critica a utopia constitucional, que via na manutenção das
leis iniciais, estabelecidas com a fundação do Estado, a segurança da liberdade; Maquiavel
entende que nenhuma lei, por si só, garante a liberdade. Para isso, é preciso a atuação
constante destas fontes de oposição para elaborar novas leis que se adaptem às necessidade. A
liberdade se apresenta como uma fonte de potência na medida em que somente em povos
livres, o interesse coletivo predomina sobre o interesse particular.
No pensamento do autor, não há na relação entre a fortuna e a virtù a preocupação
com a liberdade em um sentido individual, valor tão destacado pelos renascentistas. Esta é
sempre estabelecida do ponto de vista da política, já que a virtù não é encarada como uma
mera qualidade pessoal, mas no sentido político de fazer o que for necessário no momento
oportuno. Um homem de virtù tem a capacidade necessária para alcançar êxito em suas ações
políticas, ou seja, de vencer a oposição da fortuna ou utilizar-se das circunstâncias propícias
para sua atuação.
Conclui-se que a liberdade, no autor analisado, só foi entendida quando relacionada
às questões essenciais de sua reflexão teórica: o Estado e a política.
Originado de uma fecunda tradição cívica, à qual Maquiavel estava ligado por
nascimento, afeição e razão, o conceito de liberdade se fará presente nos séculos subseqüentes
à fecunda elaboração do secretário florentino, nas novas formulações do pensamento político
15
HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil”
moderno, seja na tendência liberal ou, na assim chamada, tendência democrática-burguesa.
Mas irá influenciar também, o pensamento socialista e comunista.
Gostaríamos de concluir este artigo, retomando uma afirmação de Maquiavel nos
“Discursos”, a qual acreditamos sugestivas para esclarecer a forma como o próprio Maquiavel
via o papel do intelectual na época conturbada em que viveu:
Ousarei, portanto, expor sem rebuços o que penso daqueles tempos e do nosso, para
avisar os jovens que fujam de uns e imitem os outros, sempre que tiverem ocasião. É
dever do homem honesto apontar o caminho do bem, que o rigor da época e da sorte
não lhe permite trilhar, na esperança de que, dentre todos os que puderam
compreendê-lo, haja um, favorito dos céus, que siga esse caminho.(Maquiavel, 1994,
p. 191)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- Obras de Maquiavel
- MAQUIAVEL, Nicolau. Carta a F. Vettori, de 09/04/1513.
- ____________ Carta a F. Vettori, de 10/12/1513.
- ____________ Discurso sobre a maneira de prover-se de dinheiro, 1513.
- ____________Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. 2. ed. revista. Tradução
de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1982.
- ____________ O príncipe. Tradução de Lívio Xavier. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
- _____________ A vida de Castruccio Castracani. Belfagor, o Arquidiabo. Tradução de
Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. 2ª ed. p. 45 - 70.
- Obras sobre Maquiavel
- ARAÚJO, Cícero. As raízes do pensamento liberal. Palestra apresentada à Universidade
Estadual de Maringá, em 1996.
- GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 4. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1980.
- GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. As concepções de Estado em Marx,
Engels, Lênin e Gramsci. Porto Alegre: L&PM Editores, 1980.
- HALE, J.R. Maquiavel e a Itália da Renascença. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1963.
-MEGALE, Januário. O príncipe de Maquiavel: roteiro de leitura. São Paulo: Editora Ática
S.A, 1993.
- SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia
das Letras, 1996. p. 25 - 210.
- Texto integral do processo verbal do Conselho Maior de Florença, realizado em 10 de junho
de 1527, no qual se apresentou a proposta de nomear Nicolau Maquiavel como Secretário
da República de Firenza. In PREZZOLINI, Giuseppe. Vita di Machiavelli: Itália:
Arnoldo Mondadori Editori, 1927. (Tradução de Maria Rosemary C. C. Sheen)
- WEFFORT, Francisco C. (org.) Os clássicos da política. São Paulo: Editora Ática S.A., 1991.
Vol. 1. p. 25-50.
16
Anais do IV Seminário Nacional
- Obras de caráter geral
- HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 20.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1985. p. 11 - 164.
- MARX, Karl. A Chamada Acumulação Primitiva. In: O Capital; crítica da economia política.
São Paulo: Editora Difel, 1985. V. 2. L. 1. p. 828 - 83.
- MARK, Karl & ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Editorial Presença. p.7-102.
- SEVCENKO, Nicolau. O renascimento. São Paulo: Atual Editora Ltda, 1984.
- Dicionários e enciclopédias
- BOBBIO, Noberto e outros. Dicionário de política. 2.ed. Brasília: Universidade de Brasília,
1986.
- BRUGGER,Walter. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Editora Herder, 1964.
- __________ Dicionário de filosofia. São Paulo: Ed. Pedagógica e Universitária, 1987.
- DICIONÁRIO BRASILEIRO DE LÍNGUA PORTUGUESA ILUSTRADO. Editora Abril,
1972.
- DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS. Rio de Janeiro: F.G.V., 1986.
- ENCICLOPÉDIAABRIL. 2.ed. São Paulo: Editora Victor Civita, 1971. V7.
-FINANCE, Joseph de. Enciclopédia luso-brasileira de cultura. Lisboa: Editora Verbo,
1971. V.2.
- HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira, 1988.
- INFORMAÇÕES PRÁTICAS E OBJETIVAS: Enciclopédia. São Paulo: Difusão Cultural do
Livro Ltda. V. 5, p. 1727.
- JULIA, Didier. Dicionário de filosofia. R.J.: Ed. Larousse do Brasil, 1969.
- MANFEL, José. Novo dicionário jurídico brasileiro. Rio de Janeiro. V. 3.
- MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Buenos Aires: Editorial Sulamericana, 1975.
- NASCENTES, Antenor. Dicionário de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Academia
Brasileira de Letras, 1943.
- NOVÍSSIMA ENCICLOPÉDIA UNIVERSAL BRASIL. Dicionário Enciclopédico. 1980, V.
4, p. 966.
- OLIVEIRA, Cândido de. Dicionário-mor da língua portuguesa. São Paulo: Livro-mor
Editora Ltda. v. 3.
- PLÁCIDO & SILVA. Vocabulário jurídico. São Paulo: Ed. Forense, 1963. V. 3.
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  • 1. Anais do IV Seminário Nacional O CONCEITO DE LIBERDADE EM NICOLAU MAQUIAVEL Aleandra Ferreira da Silva** Kelly Reina de Carvalho*** Ticiane Machado de Oliveira**** RESUMO O objetivo desta pesquisa é entender o conceito de liberdade nas obras “O Príncipe” e os “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio” do renascentista florentino do século XVI - Nicolau Maquiavel. A apreensão do significado da noção de liberdade em Maquiavel pode oferecer um caminho seguro para o entendimento do seu pensamento político, uma vez que este conceito desempenhava um papel fundamental no universo histórico e intelectual da Renascença. Recorremos à pesquisa bibliográfica como suporte para a realização de uma análise histórica do nosso objeto de investigação, procurando identificar as questões colocadas pelas transformações que se processavam no período em que viveu e produziu Nicolau Maquiavel e que estimularam as suas reflexões teóricas. O autor mantém o tradicional sentido de liberdade como autogoverno e independência externa. Porém, rompe com o pensamento anterior ao considerar que a liberdade resulta dos conflitos entre dois agentes políticos distintos: o povo e os poderosos; do mesmo modo as leis e instituições que garantem a sua manutenção são o efeito da oposição dessas forças. A liberdade de ação do homem na “pólis”, frente à atuação da fortuna, resulta da posse da “virtù”, qualidade essencial a um governante. Assim, em Maquiavel o conceito de liberdade não assume o sentido subjetivo, de liberdade individual, tão caro aos renascentistas. TEXTO COMPLETO Introdução Nicolau Maquiavel, cientista político florentino, do século XVI, tem sido muito estudado ao longo dos séculos. Atualmente, no Brasil, muito se tem escrito a seu respeito, além de terem-se multiplicado as edições de suas obras. Analisado como fundador da ciência política moderna, é bibliografia obrigatória em muitos cursos de graduação e pós-graduação, o que demonstra a importância e atualidade do seu pensamento. Do mesmo modo, tem sido um dos mais polêmicos e discutidos pensadores, recebendo diversas interpretações como: defensor do absolutismo; anticristão, ou até mesmo visionário. Os que assim o qualificam esquecem, todavia, que Maquiavel não parte de pressupostos morais ou cristãos ao escrever sobre política; seu realismo o levou a escrever sobre coisas úteis, sendo suas obras direcionadas à ação política, em defesa da Razão de Estado *** Acadêmica do curso de direito/UEM e participante do PIBIC **** Acadêmica do curso de direito/UEM e bolsista do PIBIC ***** Acadêmica do curso de direito/UEM e participante do PIBIC 1
  • 2. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” Como é meu intento escrever coisa útil para os que se interessarem, pareceu-me mais conveniente procurar a verdade pelo efeito das coisas, do que pelo que delas se possa imaginar .(Maquiavel; cap. XV, p.63) Pretendemos analisar a obra de Maquiavel tendo como foco principal de interesse o conceito de liberdade. Mais especificamente procuraremos responder a seguinte indagação: qual é, exatamente, o significado que assume em Maquiavel, o conceito de liberdade; como ele se relaciona com os demais conceitos de fortuna e virtù, e qual sua importância no complexo edifício do pensamento do renovado florentino? Em termos mais gerais, pode-se afirmar que a liberdade “designa o estado de ser livre ou de não estar sob o controle de outrem, de estar desimpedido, de não sofrer restrições nem imposições” (Dicionário de Ciências Sociais, p. 689). Mas, além dessa conotação mais ampla, o conceito de liberdade tem sido definido de diversas maneiras e em diversos contextos, segundo sua esfera de ação ou alcance. Assim, tem-se falado em liberdade individual, liberdade social, liberdade política, liberdade moral, e outras. Trata-se, portanto, de um conceito que foi sendo historicamente redefinido, uns enfatizando mais um sentido que outro. À época de Maquiavel, este conceito recebeu duas acepções fundamentações: a primeira, subjetiva, enfatizando a liberdade individual; e a segunda, destacando mais a liberdade política. Sendo assim, é um conceito basilar para a compreensão das origens do pensamento político moderno e sua evolução posterior. Do mesmo modo, é conceito fundamental para esclarecer o pensamento de Maquiavel. Nesta pesquisa, a exploração desse conceito, no entanto, não é feita com base em toda produção literária do autor, mas se atém, basicamente, a dois textos principais, quais sejam: “O Príncipe” e “Discursos”. Temos como objetivo principal compreender o significado que a noção de liberdade assume no pensamento do autor, em especial nos textos citados, assim como identificar os pressupostos teórico-metodológicos empregados por Maquiavel, e o espaço que o determinismo e a própria liberdade ocupam nesses pressupostos As reflexões teóricas de Nicolau Maquiavel foram estimuladas durante a Renascença Italiana, presente desde os fins da Idade Média. Tem relação com o movimento voltado para a defesa da independência das cidades repúblicas do norte da Itália. Por isso, recorremos à análise histórica para a efetivação do estudo acerca do conceito de liberdade, procurando recuperar o contexto histórico e intelectual em que viveu Maquiavel, assim como identificar as questões colocadas por sua época. É importante destacar a prioridade dada à leitura de textos do próprio Maquiavel buscando, no entanto, relacioná-los com o pensamento de outros autores do período, especialmente os pré-humanistas e os humanistas cívicos. Como veremos neste artigo, as formulações de Maquiavel acerca da liberdade, ao mesmo tempo que sofreram algumas vinculações com a tradição ideológica anterior, têm um caráter de inovação do qual o próprio autor estava bastante consciente. Na introdução ao Livro Primeiro dos “Discursos” Maquiavel afirma o seguinte acerca do seu labor intelectual: Embora os homens, por natureza invejosos, tenham tornado o descobrimento de novos métodos e sistemas tão perigosos quanto a descoberta de terras e mares desconhecidos - pois se inclinam por essência mais à crítica do que ao elogio - , tomei a decisão de seguir uma senda ainda não trilhada, movido pelo natural desejo que sempre me levou sem receios aos empreendimentos que considero úteis. (p.17) 2
  • 3. Anais do IV Seminário Nacional I- O IDEAL DE LIBERDADE NO PERÍODO DO RENASCIMENTO 1.1. O homem como centro do universo A Baixa Idade Média, período que se estende do século XI ao XIV, é uma época que se caracteriza, principalmente, pelo ressurgimento do comércio e das cidades no ocidente europeu. A Itália e a região de Flandres são o centro propulsor desse dinamismo, que aliado a outros fatores como o crescimento populacional, o desenvolvimento de novas tecnologias agrícolas e o aumento da produção rural iria, progressivamente, destruir as bases de sustentação do modo de produção feudal dominante até então. A economia de subsistência e de trocas naturais tendia a ser suplantada pela economia monetária, a influência das cidades passou a prevalecer sobre os campos, a dinâmica do comércio a forçar a mudança e a ruptura das corporações de ofícios medievais. A nova camada dos mercadores enriquecidos, a burguesia, procurava de todas as formas conquistar um poder político e um prestígio social correspondentes a sua opulência material. (Sevcenko, 1984, p.6) Mas, toda essa expansão econômica entra em crise no século XIV, sendo apontadas como causas principais desse colapso: a Peste Negra, a Guerra dos 100 Anos e as revoltas populares. Dessa crise, saem fortalecidos o comércio, a atividade manufatureira, as atividades financeiras e a monarquia. Tantas foram as transformações ocorridas após esse período de crise que o século XV passou a ser caracterizado como um período de Revolução Comercial. Na verdade, o processo que estava ocorrendo e que se intensificou no século seguinte, foi a destruição da ordem feudal e o surgimento do modo de produção capitalista. Embora muitos historiadores louvem as mudanças processadas como ocorrências necessárias à destruição do antigo modo de produção, Marx demonstra no texto A chamada acumulação primitiva, que este processo não teve nada de idílico, que, pelo contrário, ele se baseou na conquista, na escravização, na rapina e no assassinato. Para este autor, O processo que cria o sistema capitalista consiste apenas no processo que retira ao trabalhador a propriedade de seus meios de trabalho, um processo que transforma em capital os meios sociais de subsistência e os de produção e converte em assalariados os produtores diretos... (K. Marx, 1982, p. 83) A partir desse quadro turbulento, percebemos o desenvolvimento de uma nova ordem social e cultural. A associação entre a burguesia e a monarquia garantiu a expansão do comércio, das atividades financeiras e a organização dos Estados-Nacionais. Estes últimos deveriam criar as condições políticas necessárias ao desenvolvimento da nova ordem econômica-social. Ainda no século XIV, teve início o Renascimento, movimento cultural que se iniciou na Itália e que depois expandiu-se para outros países europeus. Este movimento que se caracterizou pela renovação nas letras, nas artes plásticas, na música, no teatro, nos procedimentos científicos, enfim, na cultura em geral, não foi homogêneo em suas manifestações particulares, mas significou, sempre, a busca de transformação na velha forma de ser e de pensar própria do período medieval. No renascimento tiveram destaque os 3
  • 4. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” chamados humanistas, que se empenharam numa reforma cultural e educacional a partir da valorização dos autores clássicos. Os humanistas consideravam a Antigüidade Clássica como a mais expressiva cultura. Por isso começaram, a partir dos ensinamentos dos autores clássicos, a reinterpretar toda a cultura acumulada até então, inclusive o próprio Evangelho. Exaltavam o indivíduo, sua liberdade de atuação, sua capacidade de ação e participação na vida das cidade. Essa crença no homem tornou-se a preocupação principal dos humanistas, atitude que ficou conhecida como antropocentrismo, ou seja, o homem como centro do universo. O antropocentrismo foi necessário para que a visão sobre as capacidades humanas correspondessem aos propósitos de expansão comercial da burguesia. Essa “nova classe” começa a utilizar parte da sua riqueza para a construção de palácios e financiamento de atividades artísticas. Também príncipes e monarcas tranformaram- se em financiadores das artes, passando por isso a serem chamados de mecenas (protetores das artes). Tinham como objetivo não só a autopromoção, mas também a difusão de novos hábitos, valores e comportamentos. Como característica principal do Renascimento e do movimento humanista, temos a atividade crítica. Os humanistas voltaram-se para o mundo concreto dos homens e passaram a valorizar a divindade presente em cada homem e a liberdade individual. Mas nem todos puderam pensar livremente, sendo perseguidos tanto pelo poder temporal como pelo espiritual. De qualquer forma, o antropocentrismo foi a forma típica de manifestação do ideal de liberdade individual entre os intelectuais do período. Para o trabalhador, essa liberdade individual significou a luta incansável pela sobrevivência. Para Marx, o trabalhador só se tornou livre porque lhe “roubaram todos os seus meios de produção e o privaram de todas as garantias que as velhas instituições feudais asseguravam a sua existência...” (K. Marx, 1982, p. 830) Desta forma, os homens desse período deveriam começar a enfrentar a luta feroz pela concorrência, regra fundamental da nova ordem social que se instalava. O sucesso ou o fracasso nessa nova luta dependeria, segundo Maquiavel, o introdutor da ciência política precisamente nesse momento, de quatro fatores básicos: acaso, engenho, astúcia e riqueza; para os pensadores renascentistas, os humanistas, a educação seria o fator decisivo. (Sevcenko,1984, p.10) 1.2. A tradição republicana das cidades-Estado italianas e o ideal de liberdade No fim do período medieval, a palavra “libertas” é utilizada para defender a tradição republicana das cidades-Estado italianas - forma de organização política difundida no Norte da Itália, desde o início do século XII - frente às pretensões temporais do Papa (no sul da Itália); e as ambições de domínio do Império (no norte); e como contraposição às pretensões das famílias ricas (signori). A partir dos fins do século XIII, os pré-humanistas e os escolásticos deram a esse termo o sentido de independência política e autogoverno republicano. Os pensadores escolásticos tiveram como ideal esse conceito de liberdade. Marsílio de Pádua (século XIV) em “O Defensor da paz” e Bartolo de Saxoferrato (século XIV), no “Tratado sobre o governo da cidade” esclarecem que o sistema republicano é a melhor forma de governo para as cidades italianas. Nesse ponto, divergem e criticam São Tomás pois este acreditava que a monarquia é a melhor forma de governo. Este gosto pela república possui suas bases na nova imagem de Roma Antiga; acreditam que Roma possuiu seu apogeu no 4
  • 5. Anais do IV Seminário Nacional período republicano. Mesmo acreditando na liberdade republicana, esses pensadores sabem que “em seu tempo prevalece uma tendência a ser tragada, por tiranos, as instituições livres das cidades-Estado.” (Skinner, 1996, p.76). Os escolásticos acreditam que o principal perigo para a liberdade das cidades- repúblicas está na facção, na discórdia entre os cidadãos. Estes acreditam, assim como os retóricos, que para garantir a paz, e consequentemente a liberdade, “é necessário considerar o bem de cada cidadão em particular como sendo o bem da cidade como um todo”. (Skinner, 1996, p.78). Marsílio de Pádua e Bartolo de Saxoferrato elaboraram a doutrina da soberania popular. Para eles, o governante tem que ser parte do corpo inteiro dos cidadãos, nunca poderá fazer leis que sejam contrárias aos cidadãos. Os dois pensadores não proporcionaram apenas a defesa mais completa e mais sistemática da liberdade republicana contra o advento dos déspotas: também introduziram um engenhoso método de se argumentar contra os apologistas da tirania em seus próprios termos (...) a maior defesa dos déspotas de fins do Duzentos e de seus sucessores tomava a forma da tese de que, enquanto a conservação republicana tendia a um caos político, o governo de signore único sempre trazia consigo a garantia da paz (...) Marsílio e Bartolo concedem que o valor fundamental na vida política consiste na conservação da paz. Mas negam que esta seja incompatível com a preservação da liberdade.(Skinner, 1996, p.85 e 86) No século XV, os humanistas cívicos se originaram devido à crise política da Itália; era um “humanismo enraizado em ‘uma nova filosofia do engajamento político e da vida ativa’ e devotado à celebração das liberdades republicanas florentinas” (Skinner, 1996,p.93). Ao contrário dos escolásticos, eles não viam as facções como um perigo; sua idéia central era que a liberdade republicana só podia ser preservada com o equilíbrio entre as partes constituintes da cidade (tradição iniciada por Aristóteles) - monárquica, aristocrática e o povo. Os humanistas cívicos definem o conceito de liberdade, como o tradicional, independência e autogoverno. Entre os autores que se destacam nesse período, temos Salutati, Bruni, Alberti, Vergerio e muitos outros. Esses autores possuíam um otimismo exagerado, acreditavam que o aumento da riqueza privada era excelente para a vida da República. Ao contrário dos escolásticos, não vêem perigo nas facções; para eles, o maior perigo à República eram as tropas mercenárias: “... tais tropas a soldo eram capazes, ao mesmo tempo que defendiam a República, de constituir uma ameaça bastante séria a ela” (Skinner, 1996, p.97). Esses humanistas atacavam a monarquia, diziam que a forma de governo popular era a mais correta pois tratava todos os cidadãos como iguais. Bruni comenta o mérito da República em sua obra “Oração”. Eles se orgulhavam de fazer parte de uma república. Estabeleciam uma associação entre liberdade e poder. O melhor exemplo disso, para Bruni seria Roma pois, para ele, o povo romano atingiu a grandeza enquanto possuía liberdade, no momento que a perdeu, veio a decadência. Uma outra associação que faziam os humanistas cívicos era entre a perfeição constitucional e a liberdade. Essa associação foi estabelecida a partir do exemplo proporcionado por Veneza que, de acordo com os autores do período, especialmente Pier Paolo Vergerio, teria conseguido em sua Constituição fundir as três formas tradicionais de governo - monarquia, aristocracia e democracia - numa forma mista mais eficiente. Nesta forma mista, o 5
  • 6. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” Doge representa o elemento monárquico, o Senado o aristocrático e o Grande Conselho, o democrático. Gasparo Contarini, autor veneziano, ao responder à questão corrente em sua época sobre a manutenção de uma “segurança tão boa e serena” em Veneza, numa época em que a Itália estava dilacerada por guerras e lutas internas, também ressaltou o sucesso da Constituição veneziana. Os humanistas do último período, contudo, começaram a sentir que estavam vivendo em uma era que a “virtù” e a “ragione” não tinham mais condições de conter os golpes da fortuna à medida em que a terrível história da Itália, no século XVI, se desenvolvia. Com o fim do governo popular em Roma (1527) e em Florença (1530), o fim da tradição do republicanismo italiano foi inevitável. II- MAQUIAVEL, UM HOMEM DO SEU TEMPO: (1469 – 1527) 2.1. A inserção na política como vocação O pensador político Nicolau Maquiavel nasceu em Florença no dia 03 de maio de 1469. Seus pais, o advogado Bernardo de Nicolau Maquiavel e Bartollomea Melli, pertenciam à velha nobreza rural italiana . Sobre a sua formação, sabe-se que aprendeu o latim e conhecia muitas obras clássicas; só nos “Discursos” utilizou mais de vinte autores. Seus estudos da Antigüidade, feito por uma razão profissional, trouxeram grandes contribuições devido a sua revolucionária interpretação. Maquiavel passou 15 anos atuando na vida política, ocupou dois cargos públicos e só se afastou da política quando as circunstâncias o obrigaram. Seu interesse apaixonado pelas coisas do Estado se evidencia nesta frase: Não sei falar de seda ou de lã, benefícios ou perdas; preciso discorrer sobre as coisas do Estado ou fazer voto de silêncio (Maquiavel,1513) Suas obras tratam de questões propostas por sua época. Sua vida confunde-se com a história italiana e sua atuação como funcionário público permitiu que presenciasse fatos históricos decisivos para o destino da Itália. O caso do frei dominicano Savonarola, a quem Maquiavel chama “profeta desarmado”, suscita a questão da necessidade de exércitos próprios para a manutenção de um governo. Com as missões diplomáticas, desenvolvidas desde que se tornou 2º Chanceler da República Florentina em 1498, Maquiavel conhece os Estados Nacionais, principalmente a França, que toma como exemplo de organização estatal. É também na condição de diplomata que conhece o ‘condottiere” César Bórgia, seu exemplo de homem de “virtù” – em 1502. Esse contato com o filho do Papa Alexandre VI, fez com que o autor se preocupasse com a unificação da Itália e em colocar os fins políticos acima dos morais e éticos. Ele mesmo afirma que suas obras foram o resultado da sua vivência no âmbito da política e do seu estudo dos autores clássicos“Trata-se do registro de tudo o que sei, tudo o que me ensinaram uma longa experiência e o estudo contínuo das coisas do mundo” (trecho da carta a Buondelmonte e Ruccellai) É no exílio que escreve suas principais obras: “O Príncipe” (1513) e “Discursos” (1513 – 1517). Assim, foi preciso sua tragédia pessoal – sua demissão com a restauração do governo despótico dos Médici em 1512 – para que a humanidade recebesse seu pensamento revolucionário. Maquiavel ainda escreveu diversos textos políticos, poesias e a famosa peça de teatro “A Mandrágora”, sátira que descreve os costumes da sociedade florentina; de 1520 a 1521, passa a escrever as “Histórias Florentina”, obra encomendada pelos Médici. 6
  • 7. Anais do IV Seminário Nacional No entanto, a fascinação pela política o acompanhou até o fim dos seus dias como bem o demonstra seu epistolário. O “Consiglio Maggiore” de Florença, reunido a 10 de julho de 1527, analisou a proposta de se nomear Maquiavel como Secretário da República de Florença, após a nova queda dos Médici. Nesta sessão duríssima, muitas vozes se levantaram contra Maquiavel acusando-o de aliado dos antigos senhores. Poucos ressaltaram a contribuição que ele trouxe com seu trabalho para a defesa da liberdade republicana. O resultado das discussões foi a negativa de se atribuir a Maquiavel o cargo pretendido, esgotando-se a esperança do cidadão abandonado pela “fortuna” de prosseguir o exercício da única atividade na qual manifestava com paixão a sua “virtù” : a política. Maquiavel veio a falecer neste mesmo ano. 2.2. Maquiavel frente a crise italiana e a formação dos Estados Nacionais. “O Príncipe” e os “Discursos” podem ser melhor compreendidos, assim como os objetivos do autor, se considerarmos o contexto histórico em que foram produzidos. O objetivo final específico de ambas as obras – determinar a política a ser seguida pela Itália para solucionar seus conflitos e chegar à unificação – pode ser explicado quando tomamos a crise política e econômica, pela qual a Itália passava, como a principal preocupação deste florentino. Sua resposta a esta questão reflete a crise do ideal republicano elaborado com base no conceito de liberdade. Durante o século XVI as formas despóticas de principado triunfaram por quase toda a península, o que fez com que os interesses pelos tradicionais valores republicanos diminuíssem. Em determinadas cidades, como Milão e Nápoles, essa transformação se limitou à vitória de novos senhores mais poderosos. Porém, em Florença e Roma, que possuíam uma ativa tradição republicana, essa vitória foi antecedida por uma longa resistência. Assim, no início do século XVI a Itália era composta por ducados, repúblicas e principados que brigavam entre si utilizando-se de tropas mercenárias, e que muitas vezes recorriam às monarquias da Europa Ocidental em suas disputas. Enquanto alguns pequenos estados estavam sob o controle do Império Germânico, a Espanha e a França disputavam a posse de vários territórios italianos. Nos principados, a ilegitimidade do poder de seus déspotas, devido à falta de tradição dinástica, levava a uma instabilidade constante. A força militar dos Estados italianos, formada por tropas mercenárias, tornavam a sua conquista e manutenção ainda mais instável. Alguns dos líderes destas tropas, os chamados “condottieri”, aproveitavam-se para tomar o poder das cidades que os contratavam. Neste cenário de lutas, a astúcia política, a traição e os homicídios, são os meios utilizados. Daí a importância da força bruta como elemento da política. A Itália, embora tivesse sido o berço do capitalismo comercial, estava em franca decadência econômica. A atividade comercial na Itália desenvolveu-se em íntima dependência com o sistema feudal. Com a crise deste sistema a Itália entrou em decadência. No restante da Europa, a crise do século XIV fortaleceu o comércio e as atividades manufatureiras que, graças à formação dos Estados Absolutistas, puderam passar por um desenvolvimento vultuoso durante o século XV. A Igreja, cujo poder temporal havia sido construído principalmente pelo Papa Alexandre VI, não era forte o bastante para controlar todos os Estados, mas o era o suficiente para impedir a unificação da Itália sob o comando de um príncipe secular. A situação piorou ainda mais quando os Estados absolutistas europeus 7
  • 8. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” solucionaram a crise que ameaçava suas atividades comerciais com a descoberta de novas rotas de comércio para a Ásia, África e América, tirando, assim, a hegemonia comercial do Mar Mediterrâneo, controlado pelos italianos. Portanto, a realidade estudada e retratada por Maquiavel é a de uma Itália politicamente instável, sem exércitos próprios, invadida por Estados estrangeiros, organizada anacronicamente em cidades–estados, ou seja, sem um poder central forte que a unificasse. Uma realidade na qual nem a liberdade nem a segurança eram possíveis. 2.3. As bases teórico–metodológicas de um pensamento revolucionário Para estudar a realidade política concreta, Nicolau Maquiavel adota um método empírico de investigação baseado na teoria cíclica da história e em uma explicação pessimista da psicologia humana. O autor partilha da mesma visão da história defendida pelos humanistas cívicos florentinos do início do século XIV. Abandonando a visão linear, sustentada por Santo Agostinho e que prevaleceu durante a Idade Média, retomaram os humanistas a teoria aristotélica de que a história se desenvolveu numa série de ciclos recorrentes. A inovação de Maquiavel está na proposta revolucionária do autor de estudar os fatos do passado para prever o futuro de qualquer república ou principado e poder, assim, utilizar as soluções dadas pelos grandes homens e, na ausência delas, aproveitar as semelhanças de circunstâncias entre o passado e o futuro para aplicar o remédio necessário. Sobre este objetivo Maquiavel faz a seguinte observação: E se a tentativa for falha e de escassa utilidade, devido a pobreza do meu espírito, à insuficiente experiência das coisas de hoje ou ao pouco conhecimento do passado, terá ao menos o mérito de abrir caminho a quem, dotado de maior vigor, eloqüência e discernimento, possa alcançar a meta. Enfim, se este trabalho não me der glória, também não me servirá de condenação. (Maquiavel, 1982, p.17). Diz o autor que essa “ignorância do espírito genuíno da história” leva os homens a julgarem tal imitação impossível: Como se o sol, o céu, os homens e os elementos não fossem os mesmos de outrora; como se a sua ordem, seu rumo e seu poder tivessem sido alterados. (Maquiavel, 1982, p.18). Deste referencial, o autor retira o seu entendimento sobre a natureza humana. Para o ilustre florentino, os homens são egoístas, visam satisfazer seu próprio interesse, sendo motivados pelo desejo de conquista; e só deixam de praticar o mal pela coerção da lei. É essa condição humana que o autor dá como pressuposto da ação política e que fundamenta a defesa da autonomia da política frente à moral e à ética. Maquiavel é considerado o precursor da ciência política por fundamentá-la em leis próprias, independentes da moral e da religião. Assim, ele estabelece essa ciência em seus próprios termos, a partir da “realidade efetiva das coisas” e não de especulações filosóficas. 8
  • 9. Anais do IV Seminário Nacional 3. A LIBERDADE EM “O PRÍNCIPE” O “Príncipe”, de Nicolau Maquiavel, tem sido uma obra muito lida e criticada desde a sua publicação. Para alguns autores, Maquiavel, nesta obra, teria se revelado defensor do absolutismo na medida em que detalha o governo do príncipe; outros autores, como Rousseau, acreditam que Maquiavel, por não poder se dirigir diretamente ao povo, simulou dar lições aos príncipes; para Antonio Gramsci, a finalidade de O Príncipe poderia ter a seguinte formulação: Na realidade, parece ser possível dizer que, não obstante o Príncipe ter uma destinação precisa, o livro não foi escrito para ninguém e para todos; foi escrito para um hipotético ‘homem providencial’que poderia manifestar-se da mesma forma como tinha-se manifestado Valentino ou outros ‘condottieri’, do nada, sem tradição dinástica, pelas suas qualidades militares excepcionais. A conclusão do Príncipe justifica todo o livro, inclusive no que se refere às massas populares que realmente ignoram os meios empregados para alcançar um fim, se este fim é historicamente progressista, ele resolve os problemas essenciais da época e estabelece uma ordem na qual seja possível avançar, atuar, trabalhar tranqüilamente. (Antonio Gramsci, 1980,p.134) Acreditamos, portanto, que seu objetivo genérico era explicar como surge e se mantém o Estado Moderno e não com as formas e regimes de governo. Entendemos que o interlocutor de Maquiavel era o príncipe, na medida em que seu objetivo final e específico era a unificação da Itália. Isso fica claro no capítulo XXVI, pois Maquiavel faz um apelo à família Medici para libertar e unificar a Itália. O autor considerava ser aquele o momento adequado para este fim, já que Lorenzo de Medici, príncipe de Florença, tinha o apoio do papado - grande empecillho para a unificação - por ser Leão X membro da família: (...) vossa ilustre casa, a qual, com a fortuna e valor, favorecida por Deus e pela Igreja - a cuja frente está agora -, poderá constituir-se cabeça desta redenção.(cap. XXVI, p. 108) O conceito de liberdade na obra “O Príncipe” se apresenta com um sentido tradicional de autogoverno republicano e independência externa. Fica claro a oposição entre liberdade e o governo do príncipe, na medida em que o autor valoriza positivamente as repúblicas: Estes domínios assim adquiridos são, ou acostumados à sujeição a um príncipe ou são livres. (cap. I, p. 5) Estados habituados a reger-se por leis próprias e em liberdade.(cap.V, p.21) Quem se torna senhor de uma cidade tradicionalmente livre e não a destrói será destruído por ela. Tais cidades têm sempre por bandeira, nas rebeliões, a liberdade e suas antigas leis, que não esquecem nunca, nem com o correr do tempo, nem por influência dos benefícios recebidos.(cap.V, p.21 e 22) Maquiavel acredita que a política é o resultado do conflito entre autores políticos distintos, ou seja, o povo e os poderosos. Rompe, desse modo, com a tradição anterior, ao ver nos conflitos uma garantia de manutenção da liberdade. Os pré-humanistas, ao contrário, viam 9
  • 10. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” nas facções existentes no interior das cidades-Repúblicas italianas uma ameaça à paz interna e, conseqüentemente, à liberdade. No capítulo V, já há indícios dessas novas idéias que se confirmam no capítulo IX: Nas repúblicas, há mais vida, o ódio é mais poderoso, maior é o desejo de vingança. Não deixam nem podem deixar repousar a memória da antiga liberdade.(cap V, p.22) É que em todas as cidades se encontram estas duas tendências diversas e isto nasce do fato de que o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes, e estes desejam governar e oprimir o povo. Destes dois apetites diferentes nasce nas cidades um destes três efeitos: principado, liberdade, desordem.(cap.IX, p.39) Nessa obra, o valor principal é a segurança. Quentin Skinner considera que Maquiavel põe a segurança como valor máximo da vida política; consideramos não ser possível fazer essa afirmação já que há um claro posicionamento a favor das repúblicas, assim como nos pré-humanistas e humanistas cívicos. O que Maquiavel estabelece é que no governo fundado no poder pessoal, o príncipe pode dar ao povo a paz, mas não a liberdade; ao garantir a segurança do povo, o príncipe garante a manutenção do seu poder. Por ser o povo um agente político poderoso, precisa o príncipe do seu apoio para estar seguro no seu estado: Um príncipe deve ter duas razões de receio: uma de ordem interna, por parte de seus súditos, outra de ordem externa, por parte dos poderosos de fora (...) quando as questões externas estão em calma deve sempre recear que conspirem secretamente, perigo de que o príncipe se afasta se não se tornou odiado ou desprezado, e se tiver feito com que o povo esteja satisfeito com ele.(cap. XIX, p.77 e 78) No capítulo XIX, ao falar de como se evitar o ser desprezado e odiado por seus súditos, Maquiavel estabelece um paralelo entre alguns imperadores romanos que perderam seus estados por não conseguirem satisfazer a um só tempo aos soldados e ao povo. Segundo o autor, se naquele período os imperadores deveriam evitar o ódio da maioria mais poderosa, constituída pelos soldados, em sua época, o príncipe deveria buscar o apoio do povo. E, se naquela época era necessário satisfazer mais aos soldados do que ao povo, agora é mais necessário a todos os príncipes(...)satisfazer mais ao povo do que ao exército, porque este é menos poderoso do que aquele.(cap. XIX, p.84) Os humanistas cívicos estabelecem um conceito de liberdade subjetiva, relacionando os elementos fortuna e virtù; destacam a capacidade criativa do homem. Maquiavel desconsidera a questão da liberdade individual, enfatizando o autor a liberdade em termos políticos. A virtù reflete a capacidade de ação política; é um pré-requisito de liderança de um governante. Ele acredita que a fortuna (sorte ou ocasião) não tem o poder de comandar todas as nossas ações, deixando aos homens, pelo menos, metade do poder de atuação. No capítulo XXV, Maquiavel compara a fortuna a um rio impetuoso que só demonstra sua fúria onde não há diques para contê-lo; do mesmo modo, o poder da fortuna pode ser manipulado por um homem de virtù. Num primeiro sentido, a fortuna aparece como um momento previamente antecipado pelo príncipe virtuoso. 10
  • 11. Anais do IV Seminário Nacional (...) o que todo príncipe prudente deve fazer: não só remediar o presente, mas prever os casos futuros e preveni-los com toda a perícia, de forma que se lhes possa facilmente levar corretivo, e não deixar que se aproximem os acontecimentos.(cap. III, p.12) Num segundo momento, ela é a circunstância adequada que permite que a atuação do homem tenha êxito; a fortuna surge como um complemento da virtù. (...) conclui-se que eles não receberam da fortuna mais do que ocasião de poder amoldar as coisas como melhor lhes aprouve. Sem aquela ocasião, suas qualidades pessoais se teriam apagado, e sem essas virtudes a ocasião lhes teria sido vã (...) foram suas virtudes que lhes deram o conhecimento daquelas oportunidades.(cap.VI, p.24) Seguindo esse raciocínio, o homem de virtù deve combinar sua conduta com as particularidades do seu tempo, não devendo contar somente com a sorte ou a virtude de outrem. Partindo da visão cíclica da história - constituída por fases que se repetem - o autor propõe que o príncipe siga os exemplos de homens ilustres, pois ainda que não seja possível imitá-los, sempre se utiliza muitas coisas. Maquiavel introduz um elemento novo ao conceito de virtù, na medida que enfatiza o uso da força, pois o príncipe deve dominar a arte da guerra. O homem deve saber equilibrar, em suas ações, a natureza humana e a animal; já que nem sempre é suficiente o uso das leis, o príncipe deve se utilizar das qualidades do leão (força) e da raposa (astúcia). O maior rompimento do autor com a tradição anterior, é quando ele diferencia virtù e virtudes. Para os humanistas cívicos, o homem adquire a virtù quando possui as virtudes cristãs e as cardeais. Maquiavel acredita que o príncipe deve ser realista e aprender a ser mau, se assim ditar a necessidade. Essa crença é baseada em sua visão pessimista da natureza humana. Embora, os homens em geral sejam maus, sempre existirão aqueles com capacidade de virtù, necessária para atuar politicamente. (...)Encontrar-se-ão coisas que parecem virtudes e que, se fossem praticadas, lhe acarretariam a ruína, e outras que poderão parecer vícios e que, sendo seguidas, trazem a segurança e o bem-estar do governante.(cap.XV, p.64) Deste modo, ele conclui que o príncipe não precisa possuir todas as boas qualidades, porém precisa aparentar possui-las porque os homens se fazem “notar através das qualidades que lhes acarretam reprovação ou louvor.”(p.63). Assim, nenhuma qualidade é boa ou má abstratamente e, sim, de acordo com as circunstâncias. O bem e o mal são resultados da ação do homem: Nas ações de todos os homens, máxime dos príncipes, onde não há tribunal para que recorrer, o que importa é o êxito bom ou mau. Procure, pois, um príncipe, vencer e conservar o Estado. Os meios que empregar serão sempre julgados honrosos e louvados por todos, porque o vulgo é levado pelas aparências e pelos resultados dos fatos consumados...(cap.XVIII, p.75) 11
  • 12. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” Para Maquiavel, a religião só interessa do ângulo da política, ou seja, como ideologia com a função de manter o povo unido. Desprezando qualquer interpretação transcendental, estabelece a política em bases distanciadas da moral. Essas questões só podem ser entendidas se explicitarmos o compromisso primordial com o Estado. Maquiavel não se preocupa em desenvolver uma teoria do Estado, no sentido de explicar o que é o Estado e porque ele surge, mas parte da constatação da sua existência e da necessidade de conservá-lo e reforçá-lo. Como afirma Jean-Jacques Chevallier, para Maquiavel a razão de Estado era a única finalidade: “Sua prosperidade, sua grandeza. Finalidade para além do bem e do mal, tal como, pelo menos, a moral corrente os define e os prescreve para os indivíduos.” (Chevallier, 1982, p.268) Ou, nas palavras de Gruppi: “O Estado, para Maquiavel, não tem mais a função de assegurar a felicidade e a virtude, segundo afirmava Aristóteles. Também não é mais, como para os pensadores da Idade Média - uma preparação dos homens ao reino de Deus. Para Maquiavel, o Estado passa a ter suas próprias características, faz política, segue sua técnica e suas próprias leis.” (Gruppi, 1980, p. 10) 4. A LIBERDADE NOS “DISCURSOS” Maquiavel analisa a história da república romana, descrita por Tito Lívio* , para comparar as instituições romanas com as de seu tempo de modo a estabelecer meios eficazes de garantir a liberdade. Assim, ele busca demonstrar suas idéias a respeito da história cíclica, de como utilizar exemplos da Antigüidade. Seu objetivo final, assim como no Príncipe, é buscar soluções para a crise enfrentada pela Itália e chegar a sua unificação. Esta obra foi dedicada a Zenóbio Buondelmonti e Cosmo Ruccellari, amigos que participavam das discussões nos Hortos Oricellari. Neste local, pertencente a Ruccellari - que sugeriu este tema ao autor -, reuniam-se pensadores que se opunham ao regime dos Médici. Maquiavel, no “Príncipe”, se dirige aos governantes; no entanto, nos “Discursos”, se empenha em dar conselhos ao “corpo inteiro de cidadãos”. Mas, não se pode deduzir deste fato, como fazem alguns autores, que exista uma grande contradição entre os dois textos. Luciano Gruppi, por exemplo, afirma o seguinte, ao comparar as colocações contidas no Príncipe com as dos Discursos: Com isso, Maquiavel contradiz profundamente o que ele próprio havia escrito nos ‘Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio’, isto é, que o poder baseia-se na democracia, no consentimento do povo, entendendo-se como povo a burguesia do seu tempo. Mas agora Maquiavel pensa na construção de um Estado unitário e moderno, portanto, do Estado absoluto, e descreve o que será o processo da formação dos Estados unitários.(Gruppi, 1980,p.11) De uma certa forma, esta afirmação de Gruppi se assemelha a de outros intérpretes que acreditam que Maquiavel se manifesta um republicano nos “Discursos” e um monarquista no Príncipe. Acreditamos ser difícil manter esta interpretação na medida que, em primeiro * Tito Lívio escreveu a história de Roma em 142 livros, abrangendo um período que vai desde a fundação da cidade até o ano 9º antes de Cristo. Esta obra é dividida em décadas, ou seja, conjunto de 10 livros. Maquiavel estuda a primeira década, ou o conjunto dos 10 primeiros livros que cobrem um período que vai de 750 a.C. até o ano 294 a.C. 12
  • 13. Anais do IV Seminário Nacional lugar, nos dois textos, Maquiavel reconhece de forma positiva o papel do povo como autor político significativo. Inclusive ele chega a afirmar no Príncipe que, no fundo, a grande fonte de segurança para o príncipe reside em não ser odiado pelo povo. Por outro lado, como afirmamos no ítem anterior, mesmo no Príncipe, Maquiavel sempre vê positivamente as repúblicas. Em algumas passagens, ele usa o termo república como sinônimo de liberdade. Nos “Discursos”, estão presentes os conceitos chaves apresentados no “Príncipe”: a fortuna e a virtù constituindo a ação humana. Há a mesma distinção entre virtù e virtudes, que o leva a estabelecer a política em base próprias. Nos “Discursos”, estão presentes os conceitos chaves apresentados no “Príncipe”: a fortuna e a virtù constituindo a ação humana. Há a mesma distinção entre virtù e virtudes, que o leva a estabelecer a política em base próprias. Para a boa compreensão dos Discursos de Maquiavel, é essencial reconhecer seu compromisso fundamental com esse mesmo conjunto de valores (...) Naturalmente, é certo que os Discursos contêm numerosas referências que remetem ao Príncipe, assim como por vezes enunciam de forma mais completa vários temas que ocupam posição de destaque na primeira obra: encontramos neles a mesma polaridade entre virtù e fortuna; a mesma ênfase no papel que cabe a força bruta para vencer a inimizade da Fortuna; e a mesma moralidade política original e revolucionária, fundada numa mesma distinção - radical - entre a virtù e as virtudes. (Skinner,1996, p.176) Maquiavel, no início dos Discursos, explica a origem das cidades com base na defesa da liberdade. Essa se apresenta no sentido tradicional de independência externa e autogoverno. A respeito dos Estados fundados por naturais do país, diz que este caso ocorre quando: (...) os habitantes, disseminados por muitas vilas de limitada população, têm dificuldade de viver em segurança, já que nenhuma dessas vilas, pela sua localização e reduzido tamanho, pode resistir com as próprias forças à agressão de eventuais atacantes(...) Para prevenir este perigo, os habitantes, espontaneamente ou movidos pela tribo de maior autoridade, decidem habitar em conjunto um local de sua escolha que ofereça maior comodidade e cuja defesa seja mais fácil. (Livro I, cap.I, p.19) Diz o autor que os governos surgiram porque no começo do mundo: (...) os habitantes da terra eram pouco numerosos, e viveram por muito tempo dispersos, como animais. Com o crescimento da população, os homens se reuniram e, para melhor se defender, começaram a distinguir os mais robustos e mais corajosos, que passaram a respeitar como chefe(...) e, pelo temor de sofrer as mesmas injúrias que outros tinham sofrido, procurou-se erigir a barreira das leis contra os maus, impondo penalidades aos que tentassem desrespeitá-la.(Livro I, cap.II, p.24) 13
  • 14. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” A liberdade constitui o valor fundamental dos “Discursos”; as idéias a seu respeito estão presentes no “Príncipe”, mas se encontram melhor esclarecidas naquela obra. Nela aparecem as seguintes formulações: relação entre os conflitos e a liberdade; crítica à ilusão constitucional e associação entre a liberdade e a potência. Para os humanistas cívicos, a liberdade estaria segura se a Constituição inicial fosse mantida. Contudo, Maquiavel acredita que “as cidades cuja constituição é imperfeita, mas têm príncipes bons, susceptíveis de aprimoramento, podem, de acordo com os acontecimentos, chegar à perfeição” (Livro I, cap.II, p. 23). Para o autor, o tipo de governo mais sólido e estável é aquele em que o príncipe, a aristocracia e o povo governam o Estado controlando-se mutuamente. A liberdade, “a priori”, não está garantida em nenhum sistema; na república, é mais encontrada. Seu exemplo de liberdade é a república romana, que chegou a esta ordem perfeita devido ao conflito entre os poderosos e o povo. Esse conflito, entre os que querem dominar e os que desejam não ser oprimidos, é que conserva a liberdade. Dessa desunião nascem as leis e regulamentos favoráveis à liberdade, sendo que dessas leis nasce a boa educação e essa gera a virtude do povo, afastando-o da corrupção - inaptidão para viver em liberdade, ou seja, quando o povo não identifica o interesse público com o particular. Para Maquiavel, os homens “estão condenados a garantir o seu destino exclusivamente pelo poder” (Livro I, cap.I, p.20), não se contentando em viver com o que tem. Ao tratar a quem se deve confiar a defesa da liberdade, o autor considera quem é mais nocivo a uma república: os que querem adquirir o poder e aqueles que não o querem perder. Conclui o capítulo 5º com a seguinte afirmação: No entanto, as dificuldades são criadas mais freqüentemente pelos que já possuem; o temor de perder o que se tem provoca paixão igual à causada pelo desejo de adquirir. É natural aos homens não se considerarem proprietários tranqüilos a não ser quando podem acrescentar algo aos bens de que já dispõem. É preciso considerar, também, que quanto mais um indivíduo possui, mais aumenta o seu poder; é mais fácil para ele provocar alterações da ordem. E, o que é bem mais funesto, sua ambição desenfreada acende o desejo de posse no coração dos que não o tinham, seja como vingança, para despojar os inimigos, seja para compartilhar as honrarias e riquezas de que querem fazer uso ilícito. (Livro I, capV, p. 35) No Livro Segundo dos “Discursos”, Maquivel dedica-se à análise das ações dos romanos para expendirem seu Império. No Livro Primeiro, analisa as questões relativas à fundação, ao governo interno da cidade. Pensamos que neste livro existem muitas reflexões de Maquiavel que permitem uma associação entre a liberdade e a potência, aqui entendida como desejo de expansão, de domínio. No capítulo segundo deste Livro, onde Maquiavel discorre sobre a resistência que os povos conquistados pelos romanos opuseram ao seu domínio, ele afirma claramente a correlação entre a liberdade, o poder e a riqueza. Percebe-se facilmente de onde nasce o amor à liberdade dos povos; a experiência nos mostra que as cidades crescem em poder e em riqueza enquanto são livres. É maravilhoso, por exemplo, como cresceu a grandeza de Atenas durante os cem anos que se sucederam à ditadura de Pisistrato. Contudo, mais admirável ainda é a grandeza alcançada pela república romana depois que foi libertada dos seus reis... (p.177) 14
  • 15. Anais do IV Seminário Nacional E, para Maquiavel, a liberdade é a base da prosperidade porque o interesse coletivo predomina sobre o interesse particular: Compreende-se a razão disto: não é o interesse particular que faz a grandeza dos Estados, mas o interesse coletivo. E é evidente que o interesse comum só é respeitado nas repúblicas: tudo o que pode trazer vantagem geral é nelas conseguido sem obstáculos. Se uma certa medida prejudica um ou outro indivíduo são tantos os que ela favorece, que se chega sempre a fazê-la prevalecer, a despeito das resistências, devido ao pequeno número de pessoas prejudicadas”. (p.198) CONCLUSÃO A apreensão do significado do conceito de liberdade, nas obras “O Príncipe” e os “Discursos sobre a Primeira Década de Tito Lívio”, confirmou a sua importância para o entendimento do pensamento político de Nicolau Maquiavel. As discussões desenvolvidas em torno da liberdade estão relacionadas com a sua preocupação maior que é a compreensão do Estado. Por serem a liberdade e a segurança os valores fundamentais da vida política, por si mesmas - justificam a autonomia dos fins políticos frente à moral e à ética, isto é, “a razão do Estado”. As questões que envolvem o conceito de liberdade em Nicolau Maquiavel vinculam- se a uma tradição ideológica desenvolvida desde os pré-humanistas até os humanistas cívicos. Da mesma forma que estes teóricos, Maquiavel defende a liberdade política entendida como autogoverno e independência externa. Embora partindo desta tradição, o autor apresenta uma noção inovadora da liberdade. Para Maquiavel, a política resulta de dois agentes políticos com interesses diversos: o povo e os poderosos. É do conflito entre essas forças opostas que a liberdade surge e é preservada, já que as leis e instituições que a garantem são, também, conseqüências dessa desunião. Ele critica a utopia constitucional, que via na manutenção das leis iniciais, estabelecidas com a fundação do Estado, a segurança da liberdade; Maquiavel entende que nenhuma lei, por si só, garante a liberdade. Para isso, é preciso a atuação constante destas fontes de oposição para elaborar novas leis que se adaptem às necessidade. A liberdade se apresenta como uma fonte de potência na medida em que somente em povos livres, o interesse coletivo predomina sobre o interesse particular. No pensamento do autor, não há na relação entre a fortuna e a virtù a preocupação com a liberdade em um sentido individual, valor tão destacado pelos renascentistas. Esta é sempre estabelecida do ponto de vista da política, já que a virtù não é encarada como uma mera qualidade pessoal, mas no sentido político de fazer o que for necessário no momento oportuno. Um homem de virtù tem a capacidade necessária para alcançar êxito em suas ações políticas, ou seja, de vencer a oposição da fortuna ou utilizar-se das circunstâncias propícias para sua atuação. Conclui-se que a liberdade, no autor analisado, só foi entendida quando relacionada às questões essenciais de sua reflexão teórica: o Estado e a política. Originado de uma fecunda tradição cívica, à qual Maquiavel estava ligado por nascimento, afeição e razão, o conceito de liberdade se fará presente nos séculos subseqüentes à fecunda elaboração do secretário florentino, nas novas formulações do pensamento político 15
  • 16. HISTEDBR - Grupo de Estudos e Pesquisas “História, Sociedade e Educação no Brasil” moderno, seja na tendência liberal ou, na assim chamada, tendência democrática-burguesa. Mas irá influenciar também, o pensamento socialista e comunista. Gostaríamos de concluir este artigo, retomando uma afirmação de Maquiavel nos “Discursos”, a qual acreditamos sugestivas para esclarecer a forma como o próprio Maquiavel via o papel do intelectual na época conturbada em que viveu: Ousarei, portanto, expor sem rebuços o que penso daqueles tempos e do nosso, para avisar os jovens que fujam de uns e imitem os outros, sempre que tiverem ocasião. É dever do homem honesto apontar o caminho do bem, que o rigor da época e da sorte não lhe permite trilhar, na esperança de que, dentre todos os que puderam compreendê-lo, haja um, favorito dos céus, que siga esse caminho.(Maquiavel, 1994, p. 191) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - Obras de Maquiavel - MAQUIAVEL, Nicolau. Carta a F. Vettori, de 09/04/1513. - ____________ Carta a F. Vettori, de 10/12/1513. - ____________ Discurso sobre a maneira de prover-se de dinheiro, 1513. - ____________Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio. 2. ed. revista. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília. 1982. - ____________ O príncipe. Tradução de Lívio Xavier. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987. - _____________ A vida de Castruccio Castracani. Belfagor, o Arquidiabo. Tradução de Sérgio Bath. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982. 2ª ed. p. 45 - 70. - Obras sobre Maquiavel - ARAÚJO, Cícero. As raízes do pensamento liberal. Palestra apresentada à Universidade Estadual de Maringá, em 1996. - GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980. - GRUPPI, Luciano. Tudo começou com Maquiavel. As concepções de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci. Porto Alegre: L&PM Editores, 1980. - HALE, J.R. Maquiavel e a Itália da Renascença. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1963. -MEGALE, Januário. O príncipe de Maquiavel: roteiro de leitura. São Paulo: Editora Ática S.A, 1993. - SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 25 - 210. - Texto integral do processo verbal do Conselho Maior de Florença, realizado em 10 de junho de 1527, no qual se apresentou a proposta de nomear Nicolau Maquiavel como Secretário da República de Firenza. In PREZZOLINI, Giuseppe. Vita di Machiavelli: Itália: Arnoldo Mondadori Editori, 1927. (Tradução de Maria Rosemary C. C. Sheen) - WEFFORT, Francisco C. (org.) Os clássicos da política. São Paulo: Editora Ática S.A., 1991. Vol. 1. p. 25-50. 16
  • 17. Anais do IV Seminário Nacional - Obras de caráter geral - HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 20.ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985. p. 11 - 164. - MARX, Karl. A Chamada Acumulação Primitiva. In: O Capital; crítica da economia política. São Paulo: Editora Difel, 1985. V. 2. L. 1. p. 828 - 83. - MARK, Karl & ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Editorial Presença. p.7-102. - SEVCENKO, Nicolau. O renascimento. São Paulo: Atual Editora Ltda, 1984. - Dicionários e enciclopédias - BOBBIO, Noberto e outros. Dicionário de política. 2.ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1986. - BRUGGER,Walter. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Editora Herder, 1964. - __________ Dicionário de filosofia. São Paulo: Ed. Pedagógica e Universitária, 1987. - DICIONÁRIO BRASILEIRO DE LÍNGUA PORTUGUESA ILUSTRADO. Editora Abril, 1972. - DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS. Rio de Janeiro: F.G.V., 1986. - ENCICLOPÉDIAABRIL. 2.ed. São Paulo: Editora Victor Civita, 1971. V7. -FINANCE, Joseph de. Enciclopédia luso-brasileira de cultura. Lisboa: Editora Verbo, 1971. V.2. - HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988. - INFORMAÇÕES PRÁTICAS E OBJETIVAS: Enciclopédia. São Paulo: Difusão Cultural do Livro Ltda. V. 5, p. 1727. - JULIA, Didier. Dicionário de filosofia. R.J.: Ed. Larousse do Brasil, 1969. - MANFEL, José. Novo dicionário jurídico brasileiro. Rio de Janeiro. V. 3. - MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Buenos Aires: Editorial Sulamericana, 1975. - NASCENTES, Antenor. Dicionário de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1943. - NOVÍSSIMA ENCICLOPÉDIA UNIVERSAL BRASIL. Dicionário Enciclopédico. 1980, V. 4, p. 966. - OLIVEIRA, Cândido de. Dicionário-mor da língua portuguesa. São Paulo: Livro-mor Editora Ltda. v. 3. - PLÁCIDO & SILVA. Vocabulário jurídico. São Paulo: Ed. Forense, 1963. V. 3. 17