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Jorge Barbosa




Ortega y Gasset: A Razão Vital


Preparado por: Jorge Nunes Barbosa

21 de Julho de 2010




Jorge Barbosa   web.mac.com/jbarbo00
Jorge Barbosa




Ortega y Gasset: a Razão Vital


A Crítica ao Idealismo e ao realismo: a “Razão Vital”


O raciovitalismo ou teoria da razão vital é uma concepção da racionalidade criada por Ortega y Gasset. Este autor que,
como Nietzsche, critica a ditadura, no mundo ocidental, de uma razão abstracta de origem socrática, defende que não
devemos aceitar nem o ponto de vista unilateral do vitalismo, nem o não menos unilateral ponto de vista do racionalismo.
Isto é, não podemos reduzir o humano a um mero fenómeno biológico, mas muito menos podemos aceitar uma razão que
está para além da vida e a considera em função de si mesma. “A razão pura não pode suplantar a vida: a cultura do
intelecto abstracto não é, por contraposição à espontânea, uma outra vida que se baste a si mesma e possa desalojar
aquela. Não é mais do que uma breve ilha que flutua no mar da vitalidade primária. Longe de a poder substituir, tem de
apoiar-se nela, alimentar-se dela como cada um dos membros vive do organismo inteiro”. Assim, a superação do ponto de
vista do idealismo realiza-se, segundo Ortega, partindo de um dado fundamental que é o da “minha vida”, o da vida de
cada um. Por outro lado, Ortega também se opôs à tese idealista - sobretudo kantiana - segundo a qual as coisas devem
acomodar-se às funções do pensamento (como formas a priori do conhecimento). Com efeito, defende que, embora esta
perspectiva tenha conduzido a bons resultados no estudo da realidade natural, fracassou completamente na busca de
compreensão do ser humano, porque “o homem não tem natureza, mas só história”. Com esta tese, Ortega liga-se de
algum modo à tradição do vitalismo que, desde Dilthey a Bergson, tinha destacado a impossibilidade de o método, utilizado
para o estudo da natureza, se adequar ao estudo da realidade humana. Seria necessário voltar a pensar radicalmente fora
dos esquemas do realismo e do idealismo.

Para Ortega, é preciso pensar a realidade realmente radical que é a vida, uma vez que quer a natureza quer o entendimento
se referem a ela. Mas a razão capaz de pensar esta realidade radical - a vida - não pode ser a razão pura; não pode ser a
razão mecânica, nem a razão físico-matemática, mas a razão vital. Assim, e, de algum modo, num sentido idêntico ao de
certas posições defendidas pelo pragmatismo1, Ortega subordina o estudo da ciência, a técnica e a cultura, ao estudo geral
e globalizante da vida, distanciando-se claramente das posições contrárias que subordinam a vida à inteligência.

Esta posição sustenta que nenhum saber diz respeito directamente às próprias coisas, mas à nossa atitude perante elas, e,
portanto, Ortega recusa a crença num ser em si das coisas, independente de nós. Consequentemente, afirma que o ser
das coisas deve entender-se a partir da sua relação connosco. Por isso, concebe o saber como um saber a qué atenerse.



1   “Não se confunda a escassa estima que merece o pragmatismo como filosofia e tese geral com um desdém preconcebi-
do, arbitrário e beato para com o facto do praticismo humano, em benefício da pura contemplação. Aqui tentamos torcer o
pescoço a toda a beatice, inclusive à beatice científica e cultural que se extasia diante do puro conhecimento sem dele fazer
uma questão dramática”. Qué es Filosofia?, 1993
Ortega y Gasset: A Razão Vital
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Esta reivindicação da vida não deve entender-se à maneira irracionalista que advoga instintos ou impulsos obscuros, mas
que a vida deve ser entendida como realidade radical, e o raciovitalismo como uma teoria da realidade.




Nem racionalismo, nem Irracionalismo


Para Ortega y Gasset existe primazia da vida sobre a razão. Este é o seu lado do “vitalismo”. No entanto, este vitalismo,
longe de se constituir em desprezo pela razão, é a constatação do seu carácter relativo, ou, em todo o caso, não absoluto.
Para superar a oposição vitalismo/racionalismo, Ortega propõe o seu conceito de razão vital ou raciovitalismo. Deste modo,
valoriza a racionalidade, mas está consciente de que a racionalidade mergulha as suas raízes nas necessidades vitais, e
coloca-a ao serviço da vida que é a realidade autenticamente radical. “A minha vida” é o ponto de partida radical da
filosofia.

1.       Não é Possível Renunciar à Razão.

Todas as dimensões cognitivas do ser humano (razão, memória, entendimento, imaginação…) e as construções a que dão
lugar (cultura, filosofia, ciência…) estão alicerçadas inevitavelmente na vida. Perante as formas radicais do irracionalismo,
que negam a validade destas dimensões, Ortega, pelo contrário, considera-as legítimas, na justa medida em que se
constituam como instrumentos que a própria vida utiliza para solucionar os problemas com que se defronta 2. Não se pode
viver sem crenças: elas salvam-nos do caos originário da vida. O mundo da cultura e da razão é a valsa, onde podemos
navegar sem naufragar, evitando o naufrágio que é a própria existência; a razão é útil para a vida, o pensamento é “uma
função vital, como a digestão ou a circulação sanguínea”, diz Ortega. A cultura e a razão têm uma dupla face: por um lado,
na medida em que respondem à utilidade do sujeito, sendo a expressão das suas peculiaridades, são determinadas por leis
subjectivas; no entanto, por outro lado, distinguem-se de outras actividades vitais, como a digestão, porque a sua própria
essência aspira à universalidade, à objectividade.

O erro do irracionalismo consiste em esquecer esta dimensão fundamental da vida humana: o seu apetite pela
objectividade, pela verdade, pela universalidade. O erro do racionalismo consiste em renunciar à vida, em inventar um
sujeito alheio à realidade concreta e histórica. Não existe a razão sem mais; nem o irracionalismo é possível: a razão é vital,
porque a história é um seu constituinte intrínseco.




2.       O Raciovitalismo Aceita as Dimensões Irracionais da Existência.

Ortega acredita que as dimensões irracionais da existência se manifestam, não só, no mundo da vida, mas também na
própria matemática (os números irracionais, por exemplo) e nas ciências naturais (a própria noção de causa não é
racionalmente justificável). O racionalismo terá tentado ocultar a dimensão irracional da existência. Pelo contrário, o




2   “...Antes de ser físico, ele é homem e, ao sê-lo, preocupa-se com o Universo, isto é, ele filosofa - melhor ou pior - técnica
ou espontaneamente, de modo culto ou selvagem. (…) Resulta esta (a raiz da filosofia), portanto, não da meta-física, mas
da ante-física. Nasce da própria vida e, (…), esta não pode evitar, ainda que de modo muito elementar, filosofar”. Qué es
Filosofia?, 1993
Ortega y Gasset: A Razão Vital
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raciovitalismo mostra que a ordem e a ligação entre as coisas do mundo da vida não coincide plenamente com a ordem e a
ligação das nossas ideias, dos nossos pensamentos, da nossa razão.




3.       Razão, Sim; Racionalismo, Não.

Ortega não está contra o uso da razão. A sua crítica dirige-se contra o racionalismo, contra o exagero no uso da razão,
daquela razão que desconhece os seus limites vitais e históricos, contra o desprezo pela vida concreta e pelas
circunstâncias de cada um. Considera que todas as teorias têm de ser racionais e conceptuais, mas, ao mesmo tempo,
não podem ignorar a vida. Aceita, portanto, a razão, mas não a identifica com a razão matemática, ou com a razão
abstracta. A razão vital mostra que uma dimensão fundamental da vida é o “saber a qué atenerse”, é saber dar-se conta,
sendo, portanto, impossível viver sem razão. A razão é um instrumento da vida para superar o caos originário da
existência3.

Torna-se, então, necessário superar as posições tanto do subjectivismo quanto do idealismo:


                  “… o mundo exterior não existe sem o meu pensá-lo, mas o mundo exterior não é o meu
                 pensamento, eu não sou teatro nem mundo - sou frente a este teatro, sou com o mundo, somos
                 o mundo e eu. E, generalizando, diremos: o mundo não é uma realidade subsistente em si com
                 independência de mim - mas é o que é para mim ou perante mim e, para já, nada mais. Até
                 aqui, caminhamos com o idealismo. Mas acrescentamos: como o mundo é somente o que me
                 parece que é, será só ser aparente e não há razão nenhuma que obrigue a buscar-lhe uma
                 substância por trás dessa aparência - nem a buscá-la num cosmos substante, como os antigos,
                 nem a fazer de mim mesmo uma substância que leve sobre si, como conteúdos seus ou
                 representações, as coisas que vejo e toco e cheiro e imagino. Este é o grande preconceito
                 antigo que a ideologia actual deve eliminar. (…) Eu sou quem agora o vê, ele é o que agora eu
                 vejo - sem ele e outras coisas como ele, o meu ver não existiria, isto é, não existiria eu. Sem
                 objectos não há sujeito. O erro do idealismo foi converter-se em subjectivismo, em sublinhar a
                 dependência em que as coisas estão de que eu as pense, da minha subjectividade, mas não se
                 aperceber que a minha subjectividade depende também de que existam objectos. O erro foi
                 fazer que o eu engolisse o mundo, em vez de os deixar a ambos inseparáveis, imediatos e
                 juntos, mas, por isso, diferentes.

                 Necessitamos, pois, de corrigir o ponto de partida da filosofia. O dado radical do Universo não é
                 simplesmente: o pensamento existe ou eu, pensante, existo; mas que se existe o pensamento
                 existem, ipso facto, eu que penso e o mundo em que penso, e existe um com o outro, sem
                 separação possível. Mas nem eu sou um ser substancial, nem o mundo tão-pouco - mas ambos
                 somos em activa correlação; eu sou o que vê o mundo e o mundo é o que é visto por mim. Eu
                 sou para o mundo e o mundo é para mim. Se não há coisas que ver, pensar e imaginar, eu não
                 veria, pensaria ou imaginaria - isto é, não seria. (…)




3   “A filosofia não brota por ser útil, mas tão-pouco pela acção irracional de um desejo veemente. É constitutivamente ne-
cessária ao intelecto”.
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             A tragédia do idealismo radicava em que havendo transmudado alquimicamente o mundo em
             “subjecto”, em conteúdo de um sujeito, encerrava este dentro de si e, assim, não havia maneira
             de explicar claramente como, se este teatro é somente uma imagem minha e um pedaço de
             mim, parece tão completamente diferente de mim. (…) A consciência não é reclusão, mas, pelo
             contrário, é essa estranhíssima realidade primária, suposto de toda outra, que consiste em que
             alguém, eu, sou eu precisamente quando me apercebo de coisas, do mundo.

             Mas - que é isto? Com que tropeçámos sem querer? Isso, esse facto radical de alguém que vê e
             odeia e quer um mundo e nele se move e por ele sofre e nele se esforça - é o que desde sempre
             se chama no mais humilde e universal vocábulo “a minha vida”. Que é isto? É, simplesmente,
             que a realidade primordial, o facto de todos os factos, o dado para o Universo, o que me é
             concedido é… a “minha vida”, - não eu sozinho, não a minha consciência hermética, estas
             coisas são já interpretações, a interpretação idealista. É-me dada a minha vida, e a minha vida é,
             acima de tudo, um achar-me eu no mundo. (…)

             Portanto, o problema radical da filosofia é definir esse modo de ser, essa realidade a que
             chamamos a nossa vida. Pois bem, viver é o que ninguém pode fazer por mim - a vida é
             intransferível -, não é um conceito abstracto, é o meu ser individualíssimo”.

             Qué es Filosofia?, en Obras completas, Revista de Occidente, Madrid 1966-69, pp. 401-404




Apesar de tudo, esta radicalidade da vida exige no homem um saber, que é saber de que dar-se conta, e este é o
fundamento da razão para Ortega. A noção do saber de que dar-se conta (saber a qué atenerse) surge ligada a uma outra
grande tese de Ortega y Gasset, a do perspectivismo e circunstancialismo: “yo no soy yo; yo soy yo y mi circunstancia”.
Tomada fora do contexto, a fusão de uma razão vital como a descrita com o perspectivismo poderia dar lugar a uma
concepção relativista. Mas esta não corresponde de forma alguma ao pensamento de Ortega, pois, para ele, essa fusão
deve efectuar-se numa dimensão concreta, e a fusão da razão vital e do perspectivismo é-nos proporcionada pela história.
Assim sendo, a razão vital constitui-se como razão histórica, já que o homem não tem natureza, mas história. Deste modo,
Ortega supera o ponto de vista meramente biologista da racionalidade, que tão em voga esteve entre vários seguidores das
correntes vitalistas da sua época.




4.     A Questão do “Nosso Tempo”.

Segundo Ortega, a modernidade baseia-se no conceito racionalista e idealista da subjectividade. O problema do nosso
tempo é, então, a superação desse conceito e, com ela, a superação do racionalismo e do idealismo, como propedêutica
para a preparação de uma nova época.

Para Ortega, todo o tempo tem a sua missão e a sua tarefa. Quando os homens deixam de se preocupar com a missão e a
tarefa do seu tempo, mantendo-se em formas espirituais do passado, não vivem à altura dos tempos. Considera que a
época moderna e o espírito filosófico que a sustenta está em crise e que deve ser superada, através de novas crenças
(convicções que “nos possuem a nós e que nós possuímos”, e que configuram a nossa visão do mundo e da realidade) e
através de novas formas culturais e vitais. As crenças são as nossas convicções íntimas, aquelas que nos permitem saber

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de que devemos dar-nos conta, que nos permitem andar pela vida; as nossas crenças são as nossa cosmovisões, as
nossas interpretações do mundo; se não as tivéssemos, ou melhor, se elas não nos tivessem a nós, seríamos seres
errantes em direcção a lugar nenhum, a partir de sítio nenhum.

A superação do racionalismo e do idealismo não é uma questão meramente técnica, mas a aceitação do nosso próprio
destino histórico.

Recordemos que o racionalismo e o idealismo defendem ambos o seguinte:

         ★      A razão é a dimensão básica do ser humano;

         ★      A razão está acima das particularidades de cada homem, é atemporal;

         ★      A razão a-histórica apresenta-se como o instrumento adequado para o desenvolvimento da filosofia 4, da
                ciência, da moral e da política;

         ★      O mundo é, então, o produto da razão, um dado da própria subjectividade. As coisas do mundo são
                conteúdos de consciência.

Pelo contrário, para Ortega a razão deve submeter-se à vida, e não o inverso. Este é precisamente o tema, a que chama do
“nosso tempo”. “Este é o estádio da evolução europeia que coincide com a nossa geração. Os termos do problema (…)
aparecem numa posição rigorosamente inversa àquela em que se apresentaram ao espírito de Sócrates. O nosso tempo
fez uma descoberta oposta à do seu tempo: ele surpreendeu a linha em que começa o poder da razão; a nós, é-nos dado
ver, pelo contrário, o ponto em que termina. A nossa missão é, pois, contrária à sua. Através da racionalidade, voltámos a
descobrir a espontaneidade. Isto não significa um retorno à ingenuidade primogénita, semelhante à que pretendia
Rousseau. A razão, a cultura more geométrico5 é uma aquisição eterna. Mas é preciso corrigir o misticismo socrático,
racionalista, culturalista, que ignora os seus limites, ou não deduz fielmente as consequências dessa limitação. A razão é
simplesmente uma forma e função da vida. A cultura é um instrumento biológico e nada mais. Se a cultura se coloca numa
posição contrária à vida, transforma-se numa subversão da parte contra o todo. É urgente reduzi-la ao seu ofício. O tema
do nosso tempo consiste em submeter a razão à vitalidade. Dentro de poucos anos parecerá absurdo que se tenha exigido
que a vida se pusesse ao serviço da cultura. A missão do tempo novo é precisamente inverter a relação e mostrar que é a
cultura, a razão, a arte, a ética quem deve servir a vida.”6




5.       O Historicismo: A Razão Histórica.

Ortega sempre defendeu que o “homem não tem natureza, tem história”. Opunha-se assim à concepção substancialista da
realidade que se iniciou com a filosofia de Parménides e o seu conceito de ser. Segundo ele, a filosofia moderna entendeu a
razão como uma razão pura (Kant), com muito de razão matemática (Descartes, Espinosa). A modernidade pensou que a
racionalidade, assim entendida, seria a porta do progresso da humanidade, geradora de uma nove época. Este ideal de


4   Para Ortega, a filosofia é o conhecimento radical do mundo, de tudo o que existe, do cosmos. A prática da vida filosófica
leva o homem à descoberta da vida como realidade primordial.

5   Seguramente uma referência, não explícita, sobretudo a Espinosa.

6   El tema de nuestro tiempo, en Obras completas III, Revista de Occidente, Madrid 1966-69, pp. 177-178
Ortega y Gasset: A Razão Vital
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razão ilustrada permitiu compreender e dominar em boa medida o mundo natural. Mas esta mesma racionalidade não
serviu para compreender o problema fundamental do Homem, que é ele próprio. Poucos momentos históricos souberam
tanto a respeito do homem e, ao mesmo tempo, tão pouco. Por isso, do mesmo modo que Husserl criticava a razão
científica como reducionista, assim também Ortega pensa que a razão moderna fracassou, pelo que seria necessário
superar este tipo de racionalidade. Ela não falhou na sua tentativa de explicar a natureza das coisas, porque se apresenta
como objecto, como sucessão de objectos substancializados e susceptíveis de uma explicação matemática. Mas não
conseguiu explicar o mundo propriamente humano, o próprio do homem, que não tem natureza, mas tem história e que,
como tal, não é objectivável nem matematizável de forma estática.

Impõe-se, então, uma superação da razão substanciadora e matematizante, sem cair por isso no irracionalismo, por
exemplo, de Nietzche. Para Ortega, a razão é um instrumento legítimo e válido de explicação do real, mas não qualquer tipo
de razão e, seguramente, não a razão objectivante. É necessário, segundo ele, propor uma razão histórica. Para o seu
projecto de razão, Ortega propõe uma distinção interessante entre Explicar e Compreender.

1.     Explicar - Uma coisa ou uma realidade é explicada quando conseguimos ter ideias claras e um conhecimento das
       leis físicas, ou de outro tipo, que expliquem o comportamento ou a causa de algo, como fazem as ciências positivas,
       empíricas e matemáticas. Esta racionalidade explica o como de algo.

2.     Compreender - Compreendemos algo quando compreendemos o sentido de algo e não somente as leis que o
       explicam. Esta racionalidade explica o porquê, a razão de ser, de algo. Ora, o mundo especificamente humano é o
       mundo do sentido do que o homem faz, dos seus costumes, das suas crenças, dos seus valores.

Uma coisa, com efeito, é explicar um fenómeno físico, como uma tempestade, pelas suas causas naturais, e outra é
compreender o sentido dessa tempestade para os homens (como algo desejado, algo temido, um castigo dos deuses, uma
bênção, etc.). Deste modo, o mundo da explicação não anula nem esgota o mundo da inteligência do sentido para o
homem. Daqui resulta o perspectivsmo de Ortega: uma tempestade não é vista de forma igual por todos os homens, nem é
entendida do mesmo modo por todos, e isto independentemente de a explicação científica ser una e conhecida.

É, então, necessário pensar uma racionalidade que sirva para compreender o sentido do mundo do homem, que permita
que compreendamos o próprio homem, coisa que não pode ser feita por uma razão supostamente pura que está privada
de poder apreender o homem na sua realidade concreta e encarnada, no seu aqui e agora histórico, na sua singularidade.
O homem não tem, pois, uma natureza que seja absolutamente uniforme em todos os seres humanos, mas o homem vai-
se construindo a si mesmo na história, no seu fazer; o homem é essencialmente um ser do futuro. Torna-se necessário
compreender, não só, a fisicalidade do ser humano, mas também a complexidade da sua própria biografia (a nível
individual), assim como as circunstâncias em que o homem vive com os outros homens, com a sua vocação particular, e
com o destino que une os homens aos homens do seu tempo e aos homens que os precederam no tempo.Por isso, não
basta explicar as circunstâncias do passado, é também necessário compreendê-las. E, para isso, há que utilizar categorias
adequadas e não reducionistas do humano, como faz, por exemplo, o materialismo dialéctico mono-explicativo. Se, por
vezes, nos dá muito trabalho entender a nossa própria biografia, como poderemos entender as dos outros? Segundo
Ortega, a compreensão dos outros desenvolve-se em duas perspectivas:

1.     O “outro” diferente de nós que tem as suas circunstâncias particulares que são suas em exclusividade;

2.     No entanto, apesar das diferenças e particularidades individuais, o “outro” é também um homem como nós.




Ortega y Gasset: A Razão Vital
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6.     Eu sou eu e a minha circunstância.




Na sua obra Meditaciones del Quijote, escrita em 1914, já aparece a famosa frase que marca o talento filosófico de Ortega
y Gasset. Esta frase implica algumas teses específicas:

1.     A circunstância é o mundo vital do homem. A circunstância é tudo o que rodeia o homem, na medida em que
       ele a percebe como sua: a cultura, a sociedade concreta, a sua cultura específica, as suas crenças, etc. Para além
       destas “circunstâncias” exteriores à própria subjectividade, Ortega acrescenta em algumas obras também tudo
       aquilo que é dado ao homem: o seu corpo, o seu carácter, o seu modo de ser, as suas qualidades e aptidões, etc.

2.     O mundo é um dado originário. Contra o racionalismo cartesiano, Ortega defende que o dado é um dado
       imediato; o imediato não é só a consciência, mas também as nossas circunstâncias: encontramo-nos sempre, como
       algo dado, instalados num mundo, com pessoas concretas. Não existe em primeiro lugar a percepção da
       consciência, ou uma apercepção transcendental a que se acrescentariam (com dificuldades, segundo Descartes) as
       coisas externas. Pelo contrário: a consciência subjectiva do homem, o seu ser “eu” forma-se inevitavelmente na sua
       relação com os outros e com o mundo. Não faz falta a tentativa (falhada) de Descartes de “fundamentar” a
       existência extramental dos outros homens, nem das coisas extensas. A existência dos outros é um “a priori”, algo
       imediatamente dado, que não tem de ser deduzido de uma autoconsciência prévia.

3.     O mundo extramental não é independente do eu. O mundo não é uma construção do eu, como pretendia o
       idealismo subjectivo. Mas também não existem coisas com completa independência do eu. O “mundo” não deve ser
       identificado, sem mais, com a Natureza; tão pouco se identifica com o “cosmos”, conjunto ordenado do físico. O
       mundo é-o para o ser humano; o mundo é o que o ser humano percebe, com a sua perspectiva peculiar. O mundo
       nem sequer é “tudo o que é o caso”, como dissera Wittgenstein; o mundo é tudo aquilo que tem relação com o
       homem. O “ser” do mundo das coisas é um ser-para, um ser em relação com a vida, com a sua possibilidade de ser
       utilizado pelo homem. Poderá haver cosmos, poderá haver natureza, mas não haveria mundo se não fosse para um
       homem.




7.     O Perspectivismo de Ortega.




O perspectivismo é uma doutrina básica de Ortega y Gasset. Consiste em afirmar duas coisas:

1.     Que todo o conhecimento está ancorado sempre num ponto de vista, numa situação concreta, numa circunstância;

2.     Que, na sua própria essência, a própria realidade é multiforme, atendendo à pluralidade de pontos de vista.

Para Ortega, a unidade que engloba em si a natureza e o entendimento aparece-nos sempre em perspectiva. O ser do
mundo não nos é dado, é sempre uma perspectiva. A perspectiva surge assim como uma condição epistemológica para
captar a autêntica realidade: “onde está a minha pupila, não há nenhuma outra”. O eu e o mundo formam uma totalidade
concreta e indivisa, cujo núcleo é a vida do homem. A vida humana não é coisa, nem matéria, nem essência, nem é algo
dado; o homem não é uma res cogitans, mas uma res dramatica: um drama, uma unidade dramática de eu e mundo, isto


Ortega y Gasset: A Razão Vital
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é, do eu e da sua circunstância7. Não existe porque pensa, pensa porque existe. Deste modo, inverte-se o ponto de partida
cartesiano, e o centro de gravidade da reflexão filosófica encontra-se no pré-reflexivo que é a própria vida: “viver é não ter
outro remédio senão arrazoar diante da inexorável circunstância”. Mas, embora o ser do mundo seja perspectiva e o eu
circunstancial, isso não significa a defesa do mero relativismo. Ortega tenta conciliar a multiplicidade de perspectivas na
unidade da verdade, o que o conduz à reflexão sobre a história. Por isso, a razão vital é sobretudo razão histórica, já que a
circunstância é sempre circunstância histórica concreta, e o eu é sempre um ser que se encontra no mundo, que se
caracteriza pela sua temporeidade. Por outro lado, o eu é um projecto, uma futurização, na sua circunstância concreta.

Se a perspectiva é a construção de uma imagem em função do ponto de vista do observador, o perspectivismo, como
concepção filosófica, supõe que toda a representação é dependente do sujeito que a constitui. Na história da filosofia, este
termo associa-se geralmente a Nietzche e, mais apropriadamente, a Ortega y Gasset. Em certo sentido, a “monadologia”
de Leibniz é também um perspectivismo (cada mónada é uma perspectiva única do universo). A realidade oferece-se, pois,
em perspectivas individuais. O ser do mundo não nos é dado de uma vez por todas, mas é sempre uma perspectiva que
surge como uma condição epistemológica para captar a autêntica realidade, uma vez que cada vida pessoal é um ponto de
vista sobre o universo.

         “De diferentes pontos de vista, dois homens observam a mesma paisagem. No entanto, não vêem
         o mesmo. A situação distinta faz com que a paisagem se organize diante de ambos de maneira
         distinta. O que, para um, ocupa o primeiro plano e mostra com vigor todos os seus detalhes, para
         outro, fica em segundo plano e mantém-se obscuro e apagado. Para além disso, como as coisas
         postas umas atrás das outras se ocultam no todo ou em parte, cada um deles perceberá porções
         de paisagem que não chegam ao outro. Faria sentido que cada um declarasse falsa a paisagem
         do outro? Não, evidentemente: tão real é uma como a outra. Mas tão pouco faria sentido que,
         concordando entre eles que as suas paisagens não eram coincidentes, as julgassem ilusórias. Isso
         levar-nos-ia a supor que haveria uma terceira paisagem autêntica, que não se teria submetido às
         mesmas condições das outras duas. Ora bem, essa paisagem arquétipo não existe nem pode
         existir. A realidade cósmica é de tal ordem que só pode ser vista sob uma determinada
         perspectiva. A perspectiva de um dos componentes da realidade, longe de ser a sua deformação,
         é a sua organização. Uma realidade que, vista de qualquer ponto resultasse sempre idêntica, é um
         conceito absurdo.

         O que acontece com a visão dos olhos acontece igualmente em tudo o resto. Todo o
         conhecimento o é de um ponto de vista determinado. A species aeternitatis, de Espinosa, o ponto
         de vista ubíquo, absoluto, não existe propriamente: é um ponto de vista fictício e abstracto. Não
         temos de duvidar da sua utilidade instrumental para certos misteres do conhecimento; mas não
         devemos esquecer que, a partir dele, não se vê o real. O ponto de vista abstracto só proporciona
         abstracções. (…)

         Cada vida é, então, um ponto de vista sobre o universo. Em rigor, o que ela vê não o pode ver
         outra. Cada indivíduo - pessoa, povo, época - é um órgão insubstituível para a conquista da
         verdade. (…)



7   A “circunstância”, para Ortega é como o “mundo”: trata-se do conjunto de realidades em que o homem se situa e que
determinam as suas possibilidades existenciais e vitais, e o seu destino.
Ortega y Gasset: A Razão Vital
                                                                                                  8
Jorge Barbosa




         O erro inveterado consistia em supor que a realidade tinha por si só, e independentemente do
         ponto de vista que sobre ela se tomasse, uma fisionomia própria. Pensando assim, é claro, toda a
         visão dela a partir de um ponto determinado não coincidiria com esse seu aspecto absoluto, e,
         portanto, seria falsa. Mas dá-se o caso de que a realidade, como uma paisagem, tem infinitas
         perspectivas, todas elas igualmente verídicas e autênticas. A única perspectiva falsa é essa que
         pretende ser a única”8 .

Este perspectivismo permite a Ortega superar tanto o cepticismo como o racionalismo. Para além disso, a perspectiva
não tem origem num ponto de vista abstracto, já que o eu não algo dado, mas uma unidade dramática de eu e mundo,
isto é, do eu e da sua circunstância. A circunstância e a perspectiva articulam-se permitindo o acesso à verdade; o
ponto de articulação é proporcionado pela história. Por isso, o perspectivismo de Ortega conduz, a partir de uma razão
vital (o raciovitalismo) a uma razão histórica, uma vez que a circunstância é sempre circunstância histórica concreta, e a
perspectiva é a de um eu que parte dessa circunstância.

Também Nietzche (embora mais radicalmente, numa perspectiva subjectivista, a que Ortega se opõe) defende uma
posição perspectivista, que concebe como articulação entre conhecimento e necessidades vitais. Esta tese
fundamenta-se numa concepção:

         a.     do ser como devir (no qual não existem verdades absolutas, pois toda a verdade é interpretação),

         b.     e do conhecimento como a sua união com as necessidades vitais.

Outros autores, como Merleau-Ponty e Samuel Alexander, também defenderam teses perspectivistas muito semelhantes
à de Ortega y Gasset.




8   El tema de nuestro tiempo, em Obras completas, Revista de Occidente, Madrid 1966-1969, vol. III, pp. 199-201
Ortega y Gasset: A Razão Vital
                                                                                                  9
Jorge Barbosa




Em Síntese

O perspectivismo de Ortega y Gasset dirige-se:

1.     Contra o objectivismo da verdade, entendida como dogmatismo, que defende que existe a verdade, que é una,
       que é a mesma para todos os homens e que deve ser entendida em termos idênticos por todos.

2.     Contra o subjectivismo. Para o subjectivismo, não haveria um acordo possível entre os sujeitos, pois a percepção
       da verdade seria exclusivamente a de cada um

Enquanto o objectivismo considera que o sujeito deve adaptar-se à coisa ou objecto, que é inalterável e sempre o
mesmo, o subjectivismo acha o contrário: toda a percepção é subjectiva e não é possível objectividade alguma. O
destino do subjectivismo é um relativismo quase solipsista.

Ortega afirma que é preciso superar ambas as perspectivas. O objectivismo falha ao esquecer que qualquer percepção
repousa num ponto de vista peculiar: a perspectiva é algo intrínseco à realidade humana, pelo que a percepção da
realidade não é unívoca, mas múltipla. O subjectivismo, segundo ele, falha ao considerar que as perspectivas
particulares são irreconciliáveis entre si. É aí que falha precisamente: a perspectiva falsa é aquela que clama ser a única
perspectiva verdadeira.

A verdade, então, tem origem numa perspectiva, mas é possível apreendê-la, ainda que cada um a veja do seu ponto
de vista exclusivo.

Um copo de água nunca é visto exactamente igual pelos dois olhos, ou por mil, mas todos eles vêem um
copo de água.




.




Ortega y Gasset: A Razão Vital
                                                                                               10

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A Razão Vital - Ortega y Gasset

  • 1. Jorge Barbosa Ortega y Gasset: A Razão Vital Preparado por: Jorge Nunes Barbosa 21 de Julho de 2010 Jorge Barbosa web.mac.com/jbarbo00
  • 2. Jorge Barbosa Ortega y Gasset: a Razão Vital A Crítica ao Idealismo e ao realismo: a “Razão Vital” O raciovitalismo ou teoria da razão vital é uma concepção da racionalidade criada por Ortega y Gasset. Este autor que, como Nietzsche, critica a ditadura, no mundo ocidental, de uma razão abstracta de origem socrática, defende que não devemos aceitar nem o ponto de vista unilateral do vitalismo, nem o não menos unilateral ponto de vista do racionalismo. Isto é, não podemos reduzir o humano a um mero fenómeno biológico, mas muito menos podemos aceitar uma razão que está para além da vida e a considera em função de si mesma. “A razão pura não pode suplantar a vida: a cultura do intelecto abstracto não é, por contraposição à espontânea, uma outra vida que se baste a si mesma e possa desalojar aquela. Não é mais do que uma breve ilha que flutua no mar da vitalidade primária. Longe de a poder substituir, tem de apoiar-se nela, alimentar-se dela como cada um dos membros vive do organismo inteiro”. Assim, a superação do ponto de vista do idealismo realiza-se, segundo Ortega, partindo de um dado fundamental que é o da “minha vida”, o da vida de cada um. Por outro lado, Ortega também se opôs à tese idealista - sobretudo kantiana - segundo a qual as coisas devem acomodar-se às funções do pensamento (como formas a priori do conhecimento). Com efeito, defende que, embora esta perspectiva tenha conduzido a bons resultados no estudo da realidade natural, fracassou completamente na busca de compreensão do ser humano, porque “o homem não tem natureza, mas só história”. Com esta tese, Ortega liga-se de algum modo à tradição do vitalismo que, desde Dilthey a Bergson, tinha destacado a impossibilidade de o método, utilizado para o estudo da natureza, se adequar ao estudo da realidade humana. Seria necessário voltar a pensar radicalmente fora dos esquemas do realismo e do idealismo. Para Ortega, é preciso pensar a realidade realmente radical que é a vida, uma vez que quer a natureza quer o entendimento se referem a ela. Mas a razão capaz de pensar esta realidade radical - a vida - não pode ser a razão pura; não pode ser a razão mecânica, nem a razão físico-matemática, mas a razão vital. Assim, e, de algum modo, num sentido idêntico ao de certas posições defendidas pelo pragmatismo1, Ortega subordina o estudo da ciência, a técnica e a cultura, ao estudo geral e globalizante da vida, distanciando-se claramente das posições contrárias que subordinam a vida à inteligência. Esta posição sustenta que nenhum saber diz respeito directamente às próprias coisas, mas à nossa atitude perante elas, e, portanto, Ortega recusa a crença num ser em si das coisas, independente de nós. Consequentemente, afirma que o ser das coisas deve entender-se a partir da sua relação connosco. Por isso, concebe o saber como um saber a qué atenerse. 1 “Não se confunda a escassa estima que merece o pragmatismo como filosofia e tese geral com um desdém preconcebi- do, arbitrário e beato para com o facto do praticismo humano, em benefício da pura contemplação. Aqui tentamos torcer o pescoço a toda a beatice, inclusive à beatice científica e cultural que se extasia diante do puro conhecimento sem dele fazer uma questão dramática”. Qué es Filosofia?, 1993 Ortega y Gasset: A Razão Vital 1
  • 3. Jorge Barbosa Esta reivindicação da vida não deve entender-se à maneira irracionalista que advoga instintos ou impulsos obscuros, mas que a vida deve ser entendida como realidade radical, e o raciovitalismo como uma teoria da realidade. Nem racionalismo, nem Irracionalismo Para Ortega y Gasset existe primazia da vida sobre a razão. Este é o seu lado do “vitalismo”. No entanto, este vitalismo, longe de se constituir em desprezo pela razão, é a constatação do seu carácter relativo, ou, em todo o caso, não absoluto. Para superar a oposição vitalismo/racionalismo, Ortega propõe o seu conceito de razão vital ou raciovitalismo. Deste modo, valoriza a racionalidade, mas está consciente de que a racionalidade mergulha as suas raízes nas necessidades vitais, e coloca-a ao serviço da vida que é a realidade autenticamente radical. “A minha vida” é o ponto de partida radical da filosofia. 1. Não é Possível Renunciar à Razão. Todas as dimensões cognitivas do ser humano (razão, memória, entendimento, imaginação…) e as construções a que dão lugar (cultura, filosofia, ciência…) estão alicerçadas inevitavelmente na vida. Perante as formas radicais do irracionalismo, que negam a validade destas dimensões, Ortega, pelo contrário, considera-as legítimas, na justa medida em que se constituam como instrumentos que a própria vida utiliza para solucionar os problemas com que se defronta 2. Não se pode viver sem crenças: elas salvam-nos do caos originário da vida. O mundo da cultura e da razão é a valsa, onde podemos navegar sem naufragar, evitando o naufrágio que é a própria existência; a razão é útil para a vida, o pensamento é “uma função vital, como a digestão ou a circulação sanguínea”, diz Ortega. A cultura e a razão têm uma dupla face: por um lado, na medida em que respondem à utilidade do sujeito, sendo a expressão das suas peculiaridades, são determinadas por leis subjectivas; no entanto, por outro lado, distinguem-se de outras actividades vitais, como a digestão, porque a sua própria essência aspira à universalidade, à objectividade. O erro do irracionalismo consiste em esquecer esta dimensão fundamental da vida humana: o seu apetite pela objectividade, pela verdade, pela universalidade. O erro do racionalismo consiste em renunciar à vida, em inventar um sujeito alheio à realidade concreta e histórica. Não existe a razão sem mais; nem o irracionalismo é possível: a razão é vital, porque a história é um seu constituinte intrínseco. 2. O Raciovitalismo Aceita as Dimensões Irracionais da Existência. Ortega acredita que as dimensões irracionais da existência se manifestam, não só, no mundo da vida, mas também na própria matemática (os números irracionais, por exemplo) e nas ciências naturais (a própria noção de causa não é racionalmente justificável). O racionalismo terá tentado ocultar a dimensão irracional da existência. Pelo contrário, o 2 “...Antes de ser físico, ele é homem e, ao sê-lo, preocupa-se com o Universo, isto é, ele filosofa - melhor ou pior - técnica ou espontaneamente, de modo culto ou selvagem. (…) Resulta esta (a raiz da filosofia), portanto, não da meta-física, mas da ante-física. Nasce da própria vida e, (…), esta não pode evitar, ainda que de modo muito elementar, filosofar”. Qué es Filosofia?, 1993 Ortega y Gasset: A Razão Vital 2
  • 4. Jorge Barbosa raciovitalismo mostra que a ordem e a ligação entre as coisas do mundo da vida não coincide plenamente com a ordem e a ligação das nossas ideias, dos nossos pensamentos, da nossa razão. 3. Razão, Sim; Racionalismo, Não. Ortega não está contra o uso da razão. A sua crítica dirige-se contra o racionalismo, contra o exagero no uso da razão, daquela razão que desconhece os seus limites vitais e históricos, contra o desprezo pela vida concreta e pelas circunstâncias de cada um. Considera que todas as teorias têm de ser racionais e conceptuais, mas, ao mesmo tempo, não podem ignorar a vida. Aceita, portanto, a razão, mas não a identifica com a razão matemática, ou com a razão abstracta. A razão vital mostra que uma dimensão fundamental da vida é o “saber a qué atenerse”, é saber dar-se conta, sendo, portanto, impossível viver sem razão. A razão é um instrumento da vida para superar o caos originário da existência3. Torna-se, então, necessário superar as posições tanto do subjectivismo quanto do idealismo: “… o mundo exterior não existe sem o meu pensá-lo, mas o mundo exterior não é o meu pensamento, eu não sou teatro nem mundo - sou frente a este teatro, sou com o mundo, somos o mundo e eu. E, generalizando, diremos: o mundo não é uma realidade subsistente em si com independência de mim - mas é o que é para mim ou perante mim e, para já, nada mais. Até aqui, caminhamos com o idealismo. Mas acrescentamos: como o mundo é somente o que me parece que é, será só ser aparente e não há razão nenhuma que obrigue a buscar-lhe uma substância por trás dessa aparência - nem a buscá-la num cosmos substante, como os antigos, nem a fazer de mim mesmo uma substância que leve sobre si, como conteúdos seus ou representações, as coisas que vejo e toco e cheiro e imagino. Este é o grande preconceito antigo que a ideologia actual deve eliminar. (…) Eu sou quem agora o vê, ele é o que agora eu vejo - sem ele e outras coisas como ele, o meu ver não existiria, isto é, não existiria eu. Sem objectos não há sujeito. O erro do idealismo foi converter-se em subjectivismo, em sublinhar a dependência em que as coisas estão de que eu as pense, da minha subjectividade, mas não se aperceber que a minha subjectividade depende também de que existam objectos. O erro foi fazer que o eu engolisse o mundo, em vez de os deixar a ambos inseparáveis, imediatos e juntos, mas, por isso, diferentes. Necessitamos, pois, de corrigir o ponto de partida da filosofia. O dado radical do Universo não é simplesmente: o pensamento existe ou eu, pensante, existo; mas que se existe o pensamento existem, ipso facto, eu que penso e o mundo em que penso, e existe um com o outro, sem separação possível. Mas nem eu sou um ser substancial, nem o mundo tão-pouco - mas ambos somos em activa correlação; eu sou o que vê o mundo e o mundo é o que é visto por mim. Eu sou para o mundo e o mundo é para mim. Se não há coisas que ver, pensar e imaginar, eu não veria, pensaria ou imaginaria - isto é, não seria. (…) 3 “A filosofia não brota por ser útil, mas tão-pouco pela acção irracional de um desejo veemente. É constitutivamente ne- cessária ao intelecto”. Ortega y Gasset: A Razão Vital 3
  • 5. Jorge Barbosa A tragédia do idealismo radicava em que havendo transmudado alquimicamente o mundo em “subjecto”, em conteúdo de um sujeito, encerrava este dentro de si e, assim, não havia maneira de explicar claramente como, se este teatro é somente uma imagem minha e um pedaço de mim, parece tão completamente diferente de mim. (…) A consciência não é reclusão, mas, pelo contrário, é essa estranhíssima realidade primária, suposto de toda outra, que consiste em que alguém, eu, sou eu precisamente quando me apercebo de coisas, do mundo. Mas - que é isto? Com que tropeçámos sem querer? Isso, esse facto radical de alguém que vê e odeia e quer um mundo e nele se move e por ele sofre e nele se esforça - é o que desde sempre se chama no mais humilde e universal vocábulo “a minha vida”. Que é isto? É, simplesmente, que a realidade primordial, o facto de todos os factos, o dado para o Universo, o que me é concedido é… a “minha vida”, - não eu sozinho, não a minha consciência hermética, estas coisas são já interpretações, a interpretação idealista. É-me dada a minha vida, e a minha vida é, acima de tudo, um achar-me eu no mundo. (…) Portanto, o problema radical da filosofia é definir esse modo de ser, essa realidade a que chamamos a nossa vida. Pois bem, viver é o que ninguém pode fazer por mim - a vida é intransferível -, não é um conceito abstracto, é o meu ser individualíssimo”. Qué es Filosofia?, en Obras completas, Revista de Occidente, Madrid 1966-69, pp. 401-404 Apesar de tudo, esta radicalidade da vida exige no homem um saber, que é saber de que dar-se conta, e este é o fundamento da razão para Ortega. A noção do saber de que dar-se conta (saber a qué atenerse) surge ligada a uma outra grande tese de Ortega y Gasset, a do perspectivismo e circunstancialismo: “yo no soy yo; yo soy yo y mi circunstancia”. Tomada fora do contexto, a fusão de uma razão vital como a descrita com o perspectivismo poderia dar lugar a uma concepção relativista. Mas esta não corresponde de forma alguma ao pensamento de Ortega, pois, para ele, essa fusão deve efectuar-se numa dimensão concreta, e a fusão da razão vital e do perspectivismo é-nos proporcionada pela história. Assim sendo, a razão vital constitui-se como razão histórica, já que o homem não tem natureza, mas história. Deste modo, Ortega supera o ponto de vista meramente biologista da racionalidade, que tão em voga esteve entre vários seguidores das correntes vitalistas da sua época. 4. A Questão do “Nosso Tempo”. Segundo Ortega, a modernidade baseia-se no conceito racionalista e idealista da subjectividade. O problema do nosso tempo é, então, a superação desse conceito e, com ela, a superação do racionalismo e do idealismo, como propedêutica para a preparação de uma nova época. Para Ortega, todo o tempo tem a sua missão e a sua tarefa. Quando os homens deixam de se preocupar com a missão e a tarefa do seu tempo, mantendo-se em formas espirituais do passado, não vivem à altura dos tempos. Considera que a época moderna e o espírito filosófico que a sustenta está em crise e que deve ser superada, através de novas crenças (convicções que “nos possuem a nós e que nós possuímos”, e que configuram a nossa visão do mundo e da realidade) e através de novas formas culturais e vitais. As crenças são as nossas convicções íntimas, aquelas que nos permitem saber Ortega y Gasset: A Razão Vital 4
  • 6. Jorge Barbosa de que devemos dar-nos conta, que nos permitem andar pela vida; as nossas crenças são as nossa cosmovisões, as nossas interpretações do mundo; se não as tivéssemos, ou melhor, se elas não nos tivessem a nós, seríamos seres errantes em direcção a lugar nenhum, a partir de sítio nenhum. A superação do racionalismo e do idealismo não é uma questão meramente técnica, mas a aceitação do nosso próprio destino histórico. Recordemos que o racionalismo e o idealismo defendem ambos o seguinte: ★ A razão é a dimensão básica do ser humano; ★ A razão está acima das particularidades de cada homem, é atemporal; ★ A razão a-histórica apresenta-se como o instrumento adequado para o desenvolvimento da filosofia 4, da ciência, da moral e da política; ★ O mundo é, então, o produto da razão, um dado da própria subjectividade. As coisas do mundo são conteúdos de consciência. Pelo contrário, para Ortega a razão deve submeter-se à vida, e não o inverso. Este é precisamente o tema, a que chama do “nosso tempo”. “Este é o estádio da evolução europeia que coincide com a nossa geração. Os termos do problema (…) aparecem numa posição rigorosamente inversa àquela em que se apresentaram ao espírito de Sócrates. O nosso tempo fez uma descoberta oposta à do seu tempo: ele surpreendeu a linha em que começa o poder da razão; a nós, é-nos dado ver, pelo contrário, o ponto em que termina. A nossa missão é, pois, contrária à sua. Através da racionalidade, voltámos a descobrir a espontaneidade. Isto não significa um retorno à ingenuidade primogénita, semelhante à que pretendia Rousseau. A razão, a cultura more geométrico5 é uma aquisição eterna. Mas é preciso corrigir o misticismo socrático, racionalista, culturalista, que ignora os seus limites, ou não deduz fielmente as consequências dessa limitação. A razão é simplesmente uma forma e função da vida. A cultura é um instrumento biológico e nada mais. Se a cultura se coloca numa posição contrária à vida, transforma-se numa subversão da parte contra o todo. É urgente reduzi-la ao seu ofício. O tema do nosso tempo consiste em submeter a razão à vitalidade. Dentro de poucos anos parecerá absurdo que se tenha exigido que a vida se pusesse ao serviço da cultura. A missão do tempo novo é precisamente inverter a relação e mostrar que é a cultura, a razão, a arte, a ética quem deve servir a vida.”6 5. O Historicismo: A Razão Histórica. Ortega sempre defendeu que o “homem não tem natureza, tem história”. Opunha-se assim à concepção substancialista da realidade que se iniciou com a filosofia de Parménides e o seu conceito de ser. Segundo ele, a filosofia moderna entendeu a razão como uma razão pura (Kant), com muito de razão matemática (Descartes, Espinosa). A modernidade pensou que a racionalidade, assim entendida, seria a porta do progresso da humanidade, geradora de uma nove época. Este ideal de 4 Para Ortega, a filosofia é o conhecimento radical do mundo, de tudo o que existe, do cosmos. A prática da vida filosófica leva o homem à descoberta da vida como realidade primordial. 5 Seguramente uma referência, não explícita, sobretudo a Espinosa. 6 El tema de nuestro tiempo, en Obras completas III, Revista de Occidente, Madrid 1966-69, pp. 177-178 Ortega y Gasset: A Razão Vital 5
  • 7. Jorge Barbosa razão ilustrada permitiu compreender e dominar em boa medida o mundo natural. Mas esta mesma racionalidade não serviu para compreender o problema fundamental do Homem, que é ele próprio. Poucos momentos históricos souberam tanto a respeito do homem e, ao mesmo tempo, tão pouco. Por isso, do mesmo modo que Husserl criticava a razão científica como reducionista, assim também Ortega pensa que a razão moderna fracassou, pelo que seria necessário superar este tipo de racionalidade. Ela não falhou na sua tentativa de explicar a natureza das coisas, porque se apresenta como objecto, como sucessão de objectos substancializados e susceptíveis de uma explicação matemática. Mas não conseguiu explicar o mundo propriamente humano, o próprio do homem, que não tem natureza, mas tem história e que, como tal, não é objectivável nem matematizável de forma estática. Impõe-se, então, uma superação da razão substanciadora e matematizante, sem cair por isso no irracionalismo, por exemplo, de Nietzche. Para Ortega, a razão é um instrumento legítimo e válido de explicação do real, mas não qualquer tipo de razão e, seguramente, não a razão objectivante. É necessário, segundo ele, propor uma razão histórica. Para o seu projecto de razão, Ortega propõe uma distinção interessante entre Explicar e Compreender. 1. Explicar - Uma coisa ou uma realidade é explicada quando conseguimos ter ideias claras e um conhecimento das leis físicas, ou de outro tipo, que expliquem o comportamento ou a causa de algo, como fazem as ciências positivas, empíricas e matemáticas. Esta racionalidade explica o como de algo. 2. Compreender - Compreendemos algo quando compreendemos o sentido de algo e não somente as leis que o explicam. Esta racionalidade explica o porquê, a razão de ser, de algo. Ora, o mundo especificamente humano é o mundo do sentido do que o homem faz, dos seus costumes, das suas crenças, dos seus valores. Uma coisa, com efeito, é explicar um fenómeno físico, como uma tempestade, pelas suas causas naturais, e outra é compreender o sentido dessa tempestade para os homens (como algo desejado, algo temido, um castigo dos deuses, uma bênção, etc.). Deste modo, o mundo da explicação não anula nem esgota o mundo da inteligência do sentido para o homem. Daqui resulta o perspectivsmo de Ortega: uma tempestade não é vista de forma igual por todos os homens, nem é entendida do mesmo modo por todos, e isto independentemente de a explicação científica ser una e conhecida. É, então, necessário pensar uma racionalidade que sirva para compreender o sentido do mundo do homem, que permita que compreendamos o próprio homem, coisa que não pode ser feita por uma razão supostamente pura que está privada de poder apreender o homem na sua realidade concreta e encarnada, no seu aqui e agora histórico, na sua singularidade. O homem não tem, pois, uma natureza que seja absolutamente uniforme em todos os seres humanos, mas o homem vai- se construindo a si mesmo na história, no seu fazer; o homem é essencialmente um ser do futuro. Torna-se necessário compreender, não só, a fisicalidade do ser humano, mas também a complexidade da sua própria biografia (a nível individual), assim como as circunstâncias em que o homem vive com os outros homens, com a sua vocação particular, e com o destino que une os homens aos homens do seu tempo e aos homens que os precederam no tempo.Por isso, não basta explicar as circunstâncias do passado, é também necessário compreendê-las. E, para isso, há que utilizar categorias adequadas e não reducionistas do humano, como faz, por exemplo, o materialismo dialéctico mono-explicativo. Se, por vezes, nos dá muito trabalho entender a nossa própria biografia, como poderemos entender as dos outros? Segundo Ortega, a compreensão dos outros desenvolve-se em duas perspectivas: 1. O “outro” diferente de nós que tem as suas circunstâncias particulares que são suas em exclusividade; 2. No entanto, apesar das diferenças e particularidades individuais, o “outro” é também um homem como nós. Ortega y Gasset: A Razão Vital 6
  • 8. Jorge Barbosa 6. Eu sou eu e a minha circunstância. Na sua obra Meditaciones del Quijote, escrita em 1914, já aparece a famosa frase que marca o talento filosófico de Ortega y Gasset. Esta frase implica algumas teses específicas: 1. A circunstância é o mundo vital do homem. A circunstância é tudo o que rodeia o homem, na medida em que ele a percebe como sua: a cultura, a sociedade concreta, a sua cultura específica, as suas crenças, etc. Para além destas “circunstâncias” exteriores à própria subjectividade, Ortega acrescenta em algumas obras também tudo aquilo que é dado ao homem: o seu corpo, o seu carácter, o seu modo de ser, as suas qualidades e aptidões, etc. 2. O mundo é um dado originário. Contra o racionalismo cartesiano, Ortega defende que o dado é um dado imediato; o imediato não é só a consciência, mas também as nossas circunstâncias: encontramo-nos sempre, como algo dado, instalados num mundo, com pessoas concretas. Não existe em primeiro lugar a percepção da consciência, ou uma apercepção transcendental a que se acrescentariam (com dificuldades, segundo Descartes) as coisas externas. Pelo contrário: a consciência subjectiva do homem, o seu ser “eu” forma-se inevitavelmente na sua relação com os outros e com o mundo. Não faz falta a tentativa (falhada) de Descartes de “fundamentar” a existência extramental dos outros homens, nem das coisas extensas. A existência dos outros é um “a priori”, algo imediatamente dado, que não tem de ser deduzido de uma autoconsciência prévia. 3. O mundo extramental não é independente do eu. O mundo não é uma construção do eu, como pretendia o idealismo subjectivo. Mas também não existem coisas com completa independência do eu. O “mundo” não deve ser identificado, sem mais, com a Natureza; tão pouco se identifica com o “cosmos”, conjunto ordenado do físico. O mundo é-o para o ser humano; o mundo é o que o ser humano percebe, com a sua perspectiva peculiar. O mundo nem sequer é “tudo o que é o caso”, como dissera Wittgenstein; o mundo é tudo aquilo que tem relação com o homem. O “ser” do mundo das coisas é um ser-para, um ser em relação com a vida, com a sua possibilidade de ser utilizado pelo homem. Poderá haver cosmos, poderá haver natureza, mas não haveria mundo se não fosse para um homem. 7. O Perspectivismo de Ortega. O perspectivismo é uma doutrina básica de Ortega y Gasset. Consiste em afirmar duas coisas: 1. Que todo o conhecimento está ancorado sempre num ponto de vista, numa situação concreta, numa circunstância; 2. Que, na sua própria essência, a própria realidade é multiforme, atendendo à pluralidade de pontos de vista. Para Ortega, a unidade que engloba em si a natureza e o entendimento aparece-nos sempre em perspectiva. O ser do mundo não nos é dado, é sempre uma perspectiva. A perspectiva surge assim como uma condição epistemológica para captar a autêntica realidade: “onde está a minha pupila, não há nenhuma outra”. O eu e o mundo formam uma totalidade concreta e indivisa, cujo núcleo é a vida do homem. A vida humana não é coisa, nem matéria, nem essência, nem é algo dado; o homem não é uma res cogitans, mas uma res dramatica: um drama, uma unidade dramática de eu e mundo, isto Ortega y Gasset: A Razão Vital 7
  • 9. Jorge Barbosa é, do eu e da sua circunstância7. Não existe porque pensa, pensa porque existe. Deste modo, inverte-se o ponto de partida cartesiano, e o centro de gravidade da reflexão filosófica encontra-se no pré-reflexivo que é a própria vida: “viver é não ter outro remédio senão arrazoar diante da inexorável circunstância”. Mas, embora o ser do mundo seja perspectiva e o eu circunstancial, isso não significa a defesa do mero relativismo. Ortega tenta conciliar a multiplicidade de perspectivas na unidade da verdade, o que o conduz à reflexão sobre a história. Por isso, a razão vital é sobretudo razão histórica, já que a circunstância é sempre circunstância histórica concreta, e o eu é sempre um ser que se encontra no mundo, que se caracteriza pela sua temporeidade. Por outro lado, o eu é um projecto, uma futurização, na sua circunstância concreta. Se a perspectiva é a construção de uma imagem em função do ponto de vista do observador, o perspectivismo, como concepção filosófica, supõe que toda a representação é dependente do sujeito que a constitui. Na história da filosofia, este termo associa-se geralmente a Nietzche e, mais apropriadamente, a Ortega y Gasset. Em certo sentido, a “monadologia” de Leibniz é também um perspectivismo (cada mónada é uma perspectiva única do universo). A realidade oferece-se, pois, em perspectivas individuais. O ser do mundo não nos é dado de uma vez por todas, mas é sempre uma perspectiva que surge como uma condição epistemológica para captar a autêntica realidade, uma vez que cada vida pessoal é um ponto de vista sobre o universo. “De diferentes pontos de vista, dois homens observam a mesma paisagem. No entanto, não vêem o mesmo. A situação distinta faz com que a paisagem se organize diante de ambos de maneira distinta. O que, para um, ocupa o primeiro plano e mostra com vigor todos os seus detalhes, para outro, fica em segundo plano e mantém-se obscuro e apagado. Para além disso, como as coisas postas umas atrás das outras se ocultam no todo ou em parte, cada um deles perceberá porções de paisagem que não chegam ao outro. Faria sentido que cada um declarasse falsa a paisagem do outro? Não, evidentemente: tão real é uma como a outra. Mas tão pouco faria sentido que, concordando entre eles que as suas paisagens não eram coincidentes, as julgassem ilusórias. Isso levar-nos-ia a supor que haveria uma terceira paisagem autêntica, que não se teria submetido às mesmas condições das outras duas. Ora bem, essa paisagem arquétipo não existe nem pode existir. A realidade cósmica é de tal ordem que só pode ser vista sob uma determinada perspectiva. A perspectiva de um dos componentes da realidade, longe de ser a sua deformação, é a sua organização. Uma realidade que, vista de qualquer ponto resultasse sempre idêntica, é um conceito absurdo. O que acontece com a visão dos olhos acontece igualmente em tudo o resto. Todo o conhecimento o é de um ponto de vista determinado. A species aeternitatis, de Espinosa, o ponto de vista ubíquo, absoluto, não existe propriamente: é um ponto de vista fictício e abstracto. Não temos de duvidar da sua utilidade instrumental para certos misteres do conhecimento; mas não devemos esquecer que, a partir dele, não se vê o real. O ponto de vista abstracto só proporciona abstracções. (…) Cada vida é, então, um ponto de vista sobre o universo. Em rigor, o que ela vê não o pode ver outra. Cada indivíduo - pessoa, povo, época - é um órgão insubstituível para a conquista da verdade. (…) 7 A “circunstância”, para Ortega é como o “mundo”: trata-se do conjunto de realidades em que o homem se situa e que determinam as suas possibilidades existenciais e vitais, e o seu destino. Ortega y Gasset: A Razão Vital 8
  • 10. Jorge Barbosa O erro inveterado consistia em supor que a realidade tinha por si só, e independentemente do ponto de vista que sobre ela se tomasse, uma fisionomia própria. Pensando assim, é claro, toda a visão dela a partir de um ponto determinado não coincidiria com esse seu aspecto absoluto, e, portanto, seria falsa. Mas dá-se o caso de que a realidade, como uma paisagem, tem infinitas perspectivas, todas elas igualmente verídicas e autênticas. A única perspectiva falsa é essa que pretende ser a única”8 . Este perspectivismo permite a Ortega superar tanto o cepticismo como o racionalismo. Para além disso, a perspectiva não tem origem num ponto de vista abstracto, já que o eu não algo dado, mas uma unidade dramática de eu e mundo, isto é, do eu e da sua circunstância. A circunstância e a perspectiva articulam-se permitindo o acesso à verdade; o ponto de articulação é proporcionado pela história. Por isso, o perspectivismo de Ortega conduz, a partir de uma razão vital (o raciovitalismo) a uma razão histórica, uma vez que a circunstância é sempre circunstância histórica concreta, e a perspectiva é a de um eu que parte dessa circunstância. Também Nietzche (embora mais radicalmente, numa perspectiva subjectivista, a que Ortega se opõe) defende uma posição perspectivista, que concebe como articulação entre conhecimento e necessidades vitais. Esta tese fundamenta-se numa concepção: a. do ser como devir (no qual não existem verdades absolutas, pois toda a verdade é interpretação), b. e do conhecimento como a sua união com as necessidades vitais. Outros autores, como Merleau-Ponty e Samuel Alexander, também defenderam teses perspectivistas muito semelhantes à de Ortega y Gasset. 8 El tema de nuestro tiempo, em Obras completas, Revista de Occidente, Madrid 1966-1969, vol. III, pp. 199-201 Ortega y Gasset: A Razão Vital 9
  • 11. Jorge Barbosa Em Síntese O perspectivismo de Ortega y Gasset dirige-se: 1. Contra o objectivismo da verdade, entendida como dogmatismo, que defende que existe a verdade, que é una, que é a mesma para todos os homens e que deve ser entendida em termos idênticos por todos. 2. Contra o subjectivismo. Para o subjectivismo, não haveria um acordo possível entre os sujeitos, pois a percepção da verdade seria exclusivamente a de cada um Enquanto o objectivismo considera que o sujeito deve adaptar-se à coisa ou objecto, que é inalterável e sempre o mesmo, o subjectivismo acha o contrário: toda a percepção é subjectiva e não é possível objectividade alguma. O destino do subjectivismo é um relativismo quase solipsista. Ortega afirma que é preciso superar ambas as perspectivas. O objectivismo falha ao esquecer que qualquer percepção repousa num ponto de vista peculiar: a perspectiva é algo intrínseco à realidade humana, pelo que a percepção da realidade não é unívoca, mas múltipla. O subjectivismo, segundo ele, falha ao considerar que as perspectivas particulares são irreconciliáveis entre si. É aí que falha precisamente: a perspectiva falsa é aquela que clama ser a única perspectiva verdadeira. A verdade, então, tem origem numa perspectiva, mas é possível apreendê-la, ainda que cada um a veja do seu ponto de vista exclusivo. Um copo de água nunca é visto exactamente igual pelos dois olhos, ou por mil, mas todos eles vêem um copo de água. . Ortega y Gasset: A Razão Vital 10