Este documento discute os princípios e métodos da investigação científica em psicologia. Descreve quatro atitudes essenciais para a investigação científica: curiosidade, ceticismo, objetividade e pensamento crítico. Também discute as cinco etapas clássicas da investigação científica: observação, formulação de hipóteses, experimentação, conclusões e avaliação.
ATIVIDADE 2 - DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM MOTORA - 52_2024
Método - Psicologia
1. Psicologia:
O Método
Jorge Barbosa
Investigação Científica
Num estudo científico, quatro atitudes são indispensáveis: curiosidade,
Agosto, 2009 cepticismo, objectividade e pensamento crítico.
1. Antes de tudo o mais, o cientista tem de ser curioso. Porque é que
Na prática, a investigação
3 algumas pessoas são felizes e outras não? Quais são os
científica começa com um
problema que suscita uma ingredientes de uma vida feliz? O cientista repara nas coisas do
ideia-chave: uma teoria. mundo e quer saber que coisas são essas e porque é que são
como são. Fazer ciência é, antes de mais, fazer perguntas, por
vezes, perguntas enormes como “Qual é a origem do Universo?”
ou “Como é que o amor entre duas pessoas pode durar cinquenta
O segundo passo na
5 anos?”
pesquisa científica é a
formulação de hipóteses.
2. Os cientistas são também cépticos. As pessoas cépticas são
Uma hipótese é uma ideia,
aquelas que questionam as coisas que outras pessoas dão como
derivada logicamente de
uma teoria: é uma predição certas. O cepticismo científico é um cepticismo metódico, isto é,
susceptível de ser testada. orienta as perguntas e previne-o contra conclusões precipitadas.
2. 3. Ser-se cientista significa também ser-se objectivo. Os cientistas acreditam que a melhor forma de se ser
objectivo é a de orientarem os seus estudos pelas regras da própria investigação científica. Recorrem,
portanto, a métodos empíricos. Método empírico significa que o conhecimento dos cientistas tem
origem na observação dos acontecimentos e das acções humanas e no raciocínio lógico-matemático.
Ser-se objectivo significa, então, tentar ver as coisas tal como elas são, e não como gostaríamos que
fossem, e usar métodos de decisão que nos mantenham em contacto com o mundo real, seja através
da observação e verificação dos fenómenos, seja através da sujeição das suas hipóteses explicativas à
lógica matemática.
4. Finalmente, ser-se cientista exige pensamento crítico. Pensar criticamente significa pensar
reflexivamente, pensar produtivamente e avaliar as evidências. Os pensadores críticos encontram
questões e necessidade de verificação naquilo que os não críticos consideram factos.
Estas quatro atitudes são atitudes ideais. Os cientistas nem sempre as possuem todas em todos os momentos. Mas
quanto mais próximos se encontrarem delas, mais serão capazes de usar as ferramentas básicas da teoria
científica e da observação objectiva. Por outras palavras, mais facilmente reduzirão a tentação de basear as
suas teorias em crenças, opiniões ou emoções pessoais.
Cooperação
A ciência resulta de um esforço colaborativo. Mesmo quando diferentes grupos de cientistas parecem competir
entre si para serem os primeiros a responder a uma questão particular, fazem parte de um esforço colectivo para
aumentar o corpo de conhecimentos numa determinada área. Mais do que isso, nenhuma investigação
científica tem qualquer impacto, se não for construída alguma forma de acordo, ou sentida a necessidade de
debate, na comunidade científica, através de processos de revisão e verificação dos resultados obtidos ou da
racionalidade da teoria apresentada.
2 Jorge Barbosa, Agosto 2009
3. Etapas da Investigação
Científica
As cinco fases organizar e a ligar as observações
à investigação. O significado da
clássicas
maior parte dos estudos científicos
Nas revistas científicas, a maior
em Psicologia seria difícil de ser
parte dos cientistas apresenta os
Investigação resultados das suas investigações,
apreendido, se não houvesse
teorias que fornecessem uma
Científica como se decorressem de cincos
estrutura que os sumariasse e os
passos metódicos:
compreendesse, colocando-os em
Teoria: uma ideia geral ou um 1. Observação; contexto com outras
conjunto de ideias relacionadas
investigações. Para além disso, as
entre si que tentam explicar certas 2. Formulação de hipóteses;
observações. boas teorias são aquelas que
3. Experimentação e geram questões interessantes e
Variável: algo que pode ser alterado
ou alterar-se verificação das hipóteses; incentivam os investigadores a
fazer novas observações, para
Definição Operacional: descrição 4. Conclusões;
objectiva de como uma variável a responder às questões que elas
investigar vai ser medida e 5. Avaliação das conclusões. levantam. A investigação pode,
observada.
ou não, apoiar a teoria em
Hipótese: ideia derivada de uma Na prática, a investigação
questão: as teorias devem ser
teoria para explicar um ou mais científica começa com um
fenómenos. Corresponde à predição revistas, em função dos resultados
que vai ser testada. problema que suscita uma ideia-
obtidos. Os cientistas, portanto,
chave: uma teoria. Teoria é uma
não encaram as teorias como
ideia geral ou um conjunto de
sendo completamente e
ideias relacionadas que
permanentemente correctas. Uma
pretendem explicar certos
teoria é avaliada pela sua
fenómenos. As teorias tentam
capacidade em gerar ideias sobre
explicar por que razão certas
como funciona o nosso mundo e
coisas acontecem e fazer
pela capacidade em predizer
predições para observações
acontecimentos e
http://web.mac.com/jbarbo00/ futuras.
comportamentos futuros.
Na psicologia, as teorias ajudam a
3 Jorge Barbosa, Agosto 2009
4. Etapas da
Pesquisa
Científica
A observação pode, ela
Observação própria, conduzir o
investigador a algumas
conclusões. Por exemplo,
O primeiro passo técnico na pesquisa científica é a observação de Crowley, em 2001, observou
alguns fenómenos que possam ajudar a formular ou a aperfeiçoar uma que os pais que visitavam
um museu da ciência com
teoria. Aos fenómenos estudados pelos cientistas, dá-se habitualmente o os seus filhos, davam três
nome de variáveis. Variável é algo que se altera ou pode ser alterado. vezes mais explicações
científicas aos rapazes do
Por exemplo, há autores para quem a variável em estudo é a felicidade.
que à raparigas. Esta
Observam que há pessoas que parecem mais felizes do que outras, e diferença era igual, quer a
procuram saber que outras variáveis podem influenciar estas diferenças. criança fosse acompanhada
pelo pai, pela mãe, ou pelos
Um aspecto importante na condução de uma investigação científica é dois.
encontrar uma forma de medir as variáveis. Chama-se definição Os resultados desta
operacional a uma descrição objectiva sobre como essas variáveis vão observação naturalista são
compatíveis com uma teoria
ser observadas e medidas. Na verdade, as definições operacionais, na
experimentada por
maior parte dos casos, são uma ajuda preciosa no processo de investigadores catalães, cujo
delimitação rigorosa do problema em estudo. nome agora não recordo, a
respeito da atenção dada
Por exemplo, no seu estudo sobre a felicidade, Diener, em 1985, utilizou pelos professores a alunos
rapazes e raparigas em sala
um questionário em que as pessoas se situavam, em diferentes aspectos de aula. Nessa
da sua vida, numa escala de felicidade: “As minhas condições de vida experimentação, as autoras
verificaram que os rapazes
são excelentes”, “(...) muito boas”, etc. Os resultados no questionário
recebiam mais atenção dos
foram utilizados como medidas de felicidade. Deste modo, encontrou professores (homens ou
factores (variáveis) fortemente relacionadas com a felicidade: mulheres), do que as
raparigas.
casamento, fé religiosa, objectivos na vida, saúde. Curiosamente, o
dinheiro só parece ser importante para quem não tem o suficiente.
4 Jorge Barbosa, Agosto 2009
5. Aqueles que têm dinheiro, que lhes Por exemplo, uma teoria sobre o
garanta uma vida confortável, bem-estar é a teoria de auto-
não sentem que mais dinheiro lhes determinação de Deci e Ryan
traga felicidade. (2000). Segundo esta teoria, as
pessoas sentir-se-ão mais
Já Harker e Keltner, em 2001,
realizadas se as suas vidas
utilizaram o sorriso “Duchenne”
satisfizerem três necessidades
para medir a felicidade, isto é, a
fundamentais: relacionamento
medida do sorriso genuíno, aquele
(relacionamento satisfatório com
que é acompanhado de
os outros), autonomia
pequenas rugas no canto exterior
(independência) e competência
dos olhos (se quiser saber, a partir
(aquisição de novas
de uma fotografia, se uma pessoa
capacidades). Uma hipótese que
está a sorrir genuinamente, basta-
deriva logicamente desta teoria é
lhe tapar a boca e verificar se lhe
que as pessoas, para quem o
parece que a pessoa continua a
dinheiro, a posse de bens
sorrir). Haker e Keltner, a partir do
materiais, o prestígio e a
seu estudo sobre fotografias de
aparência física (recompensas
estudantes, concluíram que a
extrínsecas) são necessidades mais
felicidade (medida através do
satisfeitas do que as necessidades
sorriso Duchenne), durante o
de relacionamento, autonomia e
tempo em que os jovens
competência, sentir-se-ão menos
frequentavam a Universidade, era
realizadas, menos felizes e menos
um bom critério para predizer uma
ajustadas. Foi o que Kasser e outros
vida de sucesso futuro, 30 anos
demonstraram em 2004.
depois (casamentos bem
sucedidos, condições de vida
satisfatórias, etc.).
Experimentação
Formulação de Empírica
Hipóteses
O passo seguinte consiste em
http://jbarbo.com.pt/moodle3 O segundo passo na pesquisa testar as hipóteses através de uma
científica é a formulação de pesquisa empírica, isto é, através
http://web.mac.com/jbarbo00/
hipóteses. Uma hipótese é uma da recolha e análise de dados. As
ideia, derivada logicamente de duas mais importantes decisões a
uma teoria: é uma predição tomar no que diz respeito à
susceptível de ser testada. recolha de dados são
Podemos pensar na hipótese
1. A escolha dos sujeitos
como uma aposta bem
fundamentada, a partir de uma 2. A escolha da técnica de
teoria existente e da aplicação da pesquisa empírica
lógica.
5 Jorge Barbosa, Agosto 2009
6. Quando os psicólogos levam a cabo um estudo do ensino secundário, com classificação média
científico pretendem, normalmente, que as suas nas várias disciplinas superior a 14, ou só os
conclusões sejam aplicáveis a um número muito jovens que pretendem prosseguir estudos
mais vasto de pessoas do que aquele que é superiores no domínio das matemáticas. O
utilizado na testagem das hipóteses. Vejamos, importante é que a amostra estudada seja
por exemplo, o caso de uma investigação que representativa da população a que o
tenha demonstrado que o dinheiro não compra experimentador quer generalizar as conclusões.
felicidade e que colocar o dinheiro acima de
Tendo em vista representar a população de
outros valores é bastante mau para o bem-estar
forma o mais aproximada possível, o
das pessoas. Uma questão relacionada seria:
investigador deve utilizar uma amostra ao
“Será que as pessoas pensam que o dinheiro
acaso, isto é, uma amostra onde cada membro
compra a felicidade?” Com efeito, não é
da população ou cada grupo da população
garantido que aquilo que o dinheiro pode
tem a mesma probabilidade de ser escolhido.
comprar corresponda necessariamente àquilo
Por exemplo, no estudo sobre a vida boa, a
que as pessoas pensam que o dinheiro pode
amostra de jovens alunos do ensino secundário
comprar. Podemos, então, testar esta questão
deveria ter o cuidado de manter a proporção
relacionada com a teoria anterior, isto é,
da população alvo no que diz ao estatuto
podemos tentar verificar se, em geral, as
socioeconómico, origem étnica, localização
pessoas acham preferível ser rico e infeliz a ser
geográfica, crença religiosa, etc. Uma amostra
pobre e feliz. Teremos de construir um projecto
ao acaso dá mais garantias de os resultados
de pesquisa em que procuraremos saber até
poderem ser generalizados à população.
que ponto estudantes do ensino secundário
(por exemplo) classificam a vida como boa ou Em certas áreas da Psicologia, as teorias
desejável, quando essa vida é descrita como pretendem ser aplicáveis a todos os seres
feliz ou infeliz, com significado ou sem humanos: por outras palavras, a população é
significado, rica ou pobre. Admitamos que constituída por todos os seres humanos.
obtemos o resultado de que os jovens do ensino
secundário questionados valorizaram mais a
vida feliz e com significado e que deram menos
importância ao dinheiro.
População: Todo o grupo a quem
O grupo total, a respeito de quem o
o experimentador pretende
experimentador pretende retirar conclusões é a generalizar as conclusões.
população alvo(todos os jovens do ensino
secundário). Neste caso particular, admitamos
Amostra: Subconjunto da
que só nos estamos a referir aos jovens alunos população escolhido pelo
do ensino secundário portugueses. O investigador para levar a cabo o
estudo.
subconjunto da população escolhida pelo
investigador para este estudo é uma amostra. A
população alvo a quem o investigador Amostra ao acaso: Uma amostra
que garante que cada membro
pretende generalizar os resultados pode variar
da população terá igual
consoante o estudo realizado. Por exemplo, probabilidade de ser escolhido
para o estudo.
podia interessar-nos só o grupo de jovens alunos
6 Jorge Barbosa, Agosto 2009
7. Nestes casos, devemos reconhecer que não é essa probabilidade alcance os 100%. Para
possível constituir uma amostra que represente falsificar, portanto, uma teoria psicológica não
todas as variantes da espécie humana. A basta que se encontrem algumas excepções: é
testagem de hipóteses faz-se através de um preciso que se determine uma igual ou idêntica
desenho experimental, onde se procura probabilidade de os resultados poderem ser
verificar se a presença de uma ou mais diferentes dos enunciados pela teoria em
variáveis (chamadas independentes) produz causa. Assim sendo, a expressão vulgar de que
resultados (variáveis dependentes) diferentes “a excepção confirma a regra” não é uma
daqueles que se obtêm quando elas não estão expressão que se aplique com rigor à
presentes. Psicologia. As excepções são outras tantas
razões para se procurar novas e mais completas
Há uma teoria, por exemplo, que diz que a
explicações para os fenómenos, dentro de uma
capacidade humana de recuperação de
mesma teoria ou procurando uma nova.
informação na memória a curto prazo é
limitada 7 unidades de informação mais ou Com efeito, em muitas áreas da Psicologia, em
menos duas (isto é: entre 5 e 9 unidades de particular naquelas que estudam os processos
informação). Assim é, de facto. Todas as mentais, as generalizações fundamentam-se na
experiências realizadas sobre este assunto obtenção de resultados similares em grande
confirmam esta teoria. número de estudos, mais do que nos resultados
obtidos a partir de uma amostra ao acaso num
A tarefa da investigação científica, nestes
único estudo.
casos, não é tanto a de encontrar grupos
representativos da população que confirmem Conclusões
as hipóteses, mas a de encontrar grupos que as
ponham em causa, que as falsifiquem. Sendo
Baseando-se na análise dos dados colhidos na
as hipóteses destinadas a explicar o
fase anterior, os cientistas elaboram as suas
comportamento do ser humano, o facto de se
conclusões. Note-se que a análise dos dados
encontrar seres humanos a quem,
muitas vezes implica o recurso a técnicas
consistentemente, elas não se aplicam é a
quantitativas sofisticadas e muito complexas
melhor garantia de que devem ser revistas.
que exigem bons conhecimentos de
Enquanto tal não acontecer, a comunidade
matemática.
científica vai aceitando a teoria como válida,
desde que tenha sido experimentalmente Quando as conclusões apontam para uma
confirmada. revisão da teoria, é importante ter presente a
necessidade de garantir a replicabilidade das
Aqui, convém, no entanto, tomar algumas
experiências realizadas. Replicabilidade
precauções. Tirando algumas teorias, como a
significa a medida em que uma investigação
da capacidade de recuperação de
pode ser repetida, para obtenção de
informação na memória de curto prazo acima
resultados similares ou diferentes. Uma
referida, em Psicologia, as teorias nunca são
investigação circunstancial, que tenha em
verdadeiramente generalizáveis a todos os
consideração apenas aspectos não
seres humanos. Já é uma muito boa teoria é
reprodutíveis, não é aplicável em contextos
aquela que tenha uma alta probabilidade de
diferentes daqueles em que foi realizada.
se aplicar aos seres humanos, sem que, todavia,
7 Jorge Barbosa, Agosto 2009
8. Avaliação das Os trabalhos publicados
continuam ainda a ser vistos, lidos
Conclusões
e avaliados continuamente. A
comunidade de investigadores
A etapa final do método científico mantém uma conversa activa a
é, de facto, uma etapa que respeito do estado actual dos seus
nunca acaba. conhecimentos, e as conclusões
dos estudos publicados estão sob
Os investigadores submetem o seu
permanente questionamento.
trabalho a uma rigorosa revisão
para que possa ser publicado.
As fases 3, 4 e 5 do método
científico fazem parte de um
processo interactivo que
pressupõe uma atitude
cooperativa entre todos os
investigadores.
Jorge Barbosa
Vila Nova de Gaia, 2009
9. Bibliografia
EYSENCK, Michael W. E KEANE, Mar T. (2005) Cognitive
Psychology, 5ª Ed., Psycology Press, Nova York
KING, Laura A. (2008) The Science of Psychology,
McGraw-Hill, Nova York
PINEL, John P.(2005) Biopsychology, 5ª Ed., Pearsons
Education, Allyn & Bacon
9 Jorge Barbosa, Agosto 2009