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O Tempo e o Lugar das
Ciências da Educação


  Mil novecentos sessenta e oito foi o ano de todas as convulsões estudantis, nos
Estados Unidos da América, na Europa. Se o Maio de 68, em Paris, é o acontecimento
emblemático para a maioria dos europeus, talvez o não seja para os italianos, tal a
amplitude e a intensidade dos movimentos operados nas suas universidades.
Movimentos que assumiram características próprias, que mudaram o rosto das
instituições e alteraram a perspectiva que a sociedade tinha da sua universidade. E,
sempre que assim acontece, é o indivíduo, aquele indivíduo que vive à margem da
convulsão social, o que mais directamente sofre as consequências da tragédia que
fermenta no seio da mudança que se quer revolução. Exemplo entre os exemplos é,
para mim, o do professor de literatura italiana que pontificava numa das grandes
universidades de Itália. Especialista de Dante, a sua competência era por todos
reconhecida - na sua aula, sempre cheia, nos seus livros, obras de referência, aquém e
além-fronteiras. Dante era a razão de ser da sua vida - nele, encontrara a beleza, a
espiritualidade, a profundidade, que faz do homem um ser de eleição. E era essa a
mensagem que transmitia aos que o escutavam, aos que o liam. No meio das ondas
 tumultuosas da crise estudantil, continuava ele a vogar no doce embalo do seu discurso
 perfeito. Até ao dia em que a sua aula foi invadida por uma multidão de jovens
 ululantes. Na fila da frente, os alunos que ainda ontem o escutavam atentamente e que,
 agora, o interpelavam sobre o sentido do seu discurso - porque continuar a falar do
 passado, quando toda a Itália soçobrava na convulsão social? Ele tenta explicar que
 Dante é de todos os tempos e conhecer a sua obra é penetrar no que o homem tem de
 essencial, portanto, de eterno. Interrompido, vaiado, abandona a sua cátedra e refugia-
 se em casa, a cismar no que havia falhado. Dois, três dias depois, suicida-se - o seu
 mundo tinha acabado.
 O seu mundo tinha acabado e, com ele, o mundo da pedagogia tradicional que o servia.
Pedagogia construída a partir de uma comunidade de solidões: solidão do professor,
enclausurado no seu saber e na sua autoridade de mestre, solidão do aluno, prisioneiro
da palavra magistral do seu professor. Pedagogia do ensino de conteúdos e do controlo
da sua aquisição por aqueles a quem ensinados eram. Pedagogia redutível ao discurso
lógico-didáctico do que sabe e, portanto, ensina - e cuja capacidade profissional era
comprovada pela capacidade reprodutora daquele que o ouve, o lê. Pedagogia da
verificação do erro, do desvio à norma instituída pelo sistema, pelo professor. E, por isso,
Pedagogia da vigilância do comportamento social e intelectual do aluno.
 Esta foi a situação que perdurou durante séculos: o acto educativo, fechado em si
próprio, autojustifica-se e alheia-se do mundo exterior que o torna possível e do
conhecimento científico que lhe poderia conferir uma inteligibilidade diferente. Situação
que dificilmente poderia subsistir, tão desajustada estava ao que ao ensino e à educação
a sociedade, hoje, exige. Papel determinante nesta mudança foi, sem margem de dúvida,
a constituição de um conhecimento científico dos fenômenos educativos. Constituição que
começa pela preocupação de aplicação, ao campo educativo, de princípios da Psicologia
e, mais tarde, da Sociologia. Constituição que passa, ainda, pela tentativa de criação de
uma ciência da educação - autónoma - e chega à elaboração de um conjunto de saberes
multidisciplinares, a configurarem, hoje, as Ciências da Educação.             A título de
exemplificação, e a fim de que o sentido histórico não se perca, queria referir o papel
pioneiro da Psicologia, enquanto ciência fundadora da Pedagogia Científica.
 Como a Psicologia da Criança constituiu um dos primeiros campos de desenvolvimento
da Psicologia, coube à Pedagogia Infantil revelar essa influência e transformar-se, assim,
em actividade devidamente fundamentada. A quot;Pedagogia Científicaquot; de Maria Montessori,
publicado em 1909, é o primeiro grande trabalho científico de Educação. Montessori traz
para a Pedagogia duas concepções essenciais ao seu pensamento: a do primado da
sensação, da percepção, na construção do conhecimento, e a de que o desenvolvimento
intelectual, sensorial e motor da criança não é uniforme, pois sujeito está a características
e mecanismos específicos de cada um dos períodos em que se estrutura a sua vida
psíquica. A primeira destas concepções terá, por sua vez, duas consequências decisivas -
, não só na Pedagogia Infantil, como, mais tarde, em toda a Pedagogia. Por um lado, o
educador, o professor e a sua palavra deixaram de estar no centro do acto educativo,
substituídos que foram pelos materiais didácticos, a manipular sensoriamente pelo aluno.
Por outro lado, o formalismo lógico-dedutivo do ensino tende a desaparecer, para dar
lugar a uma aprendizagem centrada no aluno, ou seja, naquele que pesquisa e, em
autonomia, constrói o seu conhecimento. Meio privilegiado utilizado: a actividade lúdica,
suportada pelo material didáctico e organizada sob a forma de jogo.
 A outra noção central, a dos períodos sensíveis da vida psíquica da criança, trouxe para
 a Educação uma perspectiva e uma necessidade nova: a de se cuidar, previamente, das
 características do educando, fundamento e razão de ser de qualquer método de ensino.
 Método que passa a constituir, enquanto instrumento organizativo da acção pedagógica,
 um caminho seguro, de efeitos controláveis, por experimentáveis. Meio utilizado para se
 proceder ao levantamento desses efeitos e proceder ao seu controlo: a observação.
 Estamos, pois, perante um momento histórico, em que, pela via de uma metodologia
 científica, foram introduzidos alguns dos grandes princípios da Educação Moderna, a
 que as correntes construtivistas da Psicologia viriam a dar, posteriormente, um novo e
 mais sólido fundamento: princípio do respeito pelo educando; princípio da participação
 activa do aluno no acto educativo, nomeadamente, enquanto sujeito construtor do seu
próprio conhecimento; princípio da motivação, ponto de partida para a elaboração de
 metodologias de intervenção educativa.


 Se a introdução da observação sistematizada em Pedagogia teve como finalidade, num
primeiro momento, o controlo científico da aplicação de princípios e procedimentos da
Psicologia, acabou, talvez sem o pretender, por constituir o acto fundador de uma
verdadeira Educação Científica, autonomizando a Pedagogia da Psicologia. Na realidade,
uma ciência começa sempre pela observação e assim também aconteceu com a Ciência da
Educação. Foi pela observação que se pôde detectar e concretizar um conjunto de
fenômenos que lhe eram específicos e não verificáveis noutras ciências humanas algo que
se passou a designar como o quot;irredutível pedagógicoquot;. De facto, a primeira Pedagogia
Científica, assim designada por Maria Montessori, acabou por dar lugar a uma outra
Pedagogia Científica, de segunda geração, autónoma e estruturada em princípios e
critérios próprios, que encontra o seu quot;discurso do métodoquot; na obra de Raymond Buyse,
em 1935, obra continuada, em muitos aspectos, na quot;Pedagogia Experimentalquot; de Gaston
Mialaret.
 Mas, se uma ciência não é apenas metodologia, também o é, e em muito. Por isso,
creio que se justifica continuar com o exemplo da observação e o que ela poderá
significar em termos de metodologia de investigação, quando aplicada à Educação.
 Na observação tradicional, o observador deveria assumir uma posição de distanciarão,
isto é, a observação para ser rigorosa deveria desenvolver-se num quadro de
extraterritorialidade, pelo que o observador não deveria situar-se no território do
observado, mas para além dele. O observador deveria ser exterior ao observado, pois só
assim poderia apreender os seus fenómenos. O observador era, pois, alguém de neutro,
um ser puro, que não se deixava influenciar pela realidade do observado.
 O rigor científico decorria, fundamentalmente, da rigidez desta posição, a qual assentava
nos três princípios constitutivos da estrutura paradigmática da ciência positivista: 1)
reversibilidade temporal; 2) estabilidade situacional; 3) ordem natural. Estes princípios
possibilitavam o estabelecimento de relações lineares entre causas e efeitos, o que
cerceava o processo de observação ao levantamento de relações de fenómenos, nas
quais uns eram definidos como causas e outros como efeitos. Partindo-se, sempre, de
uma causa para um efeito, justificava-se essa relação pela sua repetição em situações
diferentes.
   Esta foi a observação que Maria Montessori utilizou em Psicologia e esta foi também a
linha seguida, durante algumas décadas, na observação pedagógica. Observação que
conduziu, não só à manipulação experimental de novos métodos de ensino, como ao
estudo das variáveis, de diferente ordem, que o influenciam, dentro de linhas de pesquisa,
hoje denominadas de presságio-produto e de processo-produto (ou seja, o estudo dos
efeitos produzidos, respectivamente, pelas variáveis inerentes à pessoa do professor e
pelas variáveis relativas aos comportamentos de ensino).
   A dificuldade em tornar significativos os comportamentos observados, nomeadamente
por desconhecimento das suas finalidades intrínsecas, levou uma parte dos observadores
a alterarem a sua posição, passando da distanciarão à participação, a fim de
apreenderem o significado relacionam implícito na situação observada. A crítica ao
reducionismo positivista e à sua pretensa objectividade e neutralidade levou à tomada de
consciência das interacções que se estabelecem entre observador e observado. O sujeito
observador e o objecto observado passaram a situar-se no mesmo território, único
processo de compreensão de um real complexo e irreversível.                Essa posição
correspondia, pois, à perspectiva da «territorialidade observador-observado», e tinha
como principal quadro de referência o princípio da redução fenomenológica. Na sua
concretizarão, utilizaram-se técnicas de observação participante e de observação
participada. O quadro de trabalho em que assentam estas técnicas decorre, sempre, da
procura de articulação da «intenção-significado». Articulação, que, note-se, tem originado
um quadro amplo de variações interpretativas que, embora com suporte remoto em
Husseri, levaram a valorizar as abordagens holísticas e ecológicas e a criar novas
correntes, como o interaccionismo e a etnometodologia.
Estas metodologias, que possibilitaram a formação de novas ciências do homem, na
primeira metade do século, como a Antropologia Social, com Boas e Malinowski,
encontraram também campo de aplicação na Psicologia Social e na Sociologia, de que a




escola de Chicago se tornou principal expoente e centro de irradiação - contribuindo,
assim, para o esbatimento de algumas fronteiras disciplinares. Embora se possa registar
um certo número de trabalhos precursores, só a partir dos anos setenta se começa,
realmente, a revelar o seu impacte - sempre crescente - na abordagem de fenômenos
educacionais, onde, aliás, é notória a sua fecundidade, levando à reformulação de velhas
problemáticas e à constituição de novos objectos de estudo. As etnografias da escola e
da sala de aula, os estudos da comunicação e da relação pedagógica, da indisciplina, do
quot;streamingquot;, das culturas institucionais da escola e das culturas dos professores e dos
alunos, constituem, apenas, alguns exemplos de campos de investigação, que têm
conferido uma nova inteligibilidade à realidade educativa, enquanto realidade socialmente
construída e transformada pela significação que os actores conferem às situações em que
agem e interagem.
Se a abordagem predominante tem sido, como vimos, marcada pela pluralidade
fundadora das Ciências da Educação, ciclicamente surge a tomada de consciência de que
essa pluralidade se revela insuficiente para captar a especificidade própria do campo
educativo e pedagógico. Assim, estaríamos actualmente numa fase de transição que,
segundo o reputado investigador norte-americano Othaniel Smith, se caracterizaria por
quot;uma reforma sobre o modo de pensar o conhecimento pedagógico, por uma
reencontrada confiança nesse conhecimento e por uma tendência para pensar mais
objectivamentequot;. E acrescenta, ainda, o autor: quot;Só agora começamos a ver que o ensino,
tal como o comportamento político ou económico, é um fenómeno natural, a estudar por
direito próprioquot;.   A constituição de saberes específicos ao campo educativo, que
progressivamente se foram estruturando, em ordem a uma definição conceptual e a uma
prática de investigação a eles inerente, como será o caso da Teoria e Desenvolvimento
Curricular, a Avaliação Educacional, a Administração Educacional, a Didáctica, parecem
confirmar a possibilidade e a legitimidade dessa abordagem, por direito próprio feita. Por
outro lado, tendemos a esquecer que, se os fenómenos pedagógicos dependem de
características biopsicossociais dos sujeitos que os originam, estas dependem, por sua
vez, de fenómenos educacionais, pois não conhecemos homens, nem sociedades,
dissociados das formas e instituições educativas que estão na base da sua formação e do
seu desenvolvimento. Devemos sublinhar ainda que, se o campo educativo tem sido, até
aqui, predominantemente um campo de aplicação de conceitos e métodos de várias
ciências, ele também é, desde há algumas dezenas de anos, um elemento vivificador e
renovador dessas ciências - quando a perspectiva dedutiva da aplicação dá lugar à
perspectiva indutiva da construção do conhecimento e da teorização. Elemento vivificador
pelo alargamento dos campos temáticos, pela pluralidade das abordagens utilizadas, pela
variedade do conhecimento produzido. Veja-se, apenas como exemplo, a importância da
chamada quot;nova sociologia da educaçãoquot; que, por influência do Instituto de Educação de
Londres, incrementou os estudos microssociológicos da escola e da sala de aula, através
de abordagens variadas. Se outros méritos não tivessem (e consideramos que os têm),
estes estudos contribuíram para o relançamento da discussão epistemológica e
metodológica, dentro das disciplinas fundadoras.
Em síntese: se a Psicologia e, logo a seguir, a Sociologia, desempenharam um papel
primordial na cientificação do fenómeno educativo, assistimos, sobretudo a partir dos
anos sessenta, a uma progressiva secundarização dessas ciências, nomeadamente da
Psicologia, a favor de outras ciências, que passaram a tomar a Educação como objecto de
estudo.    Estamos a pensar na História, Economia, Demografia, Psicossociologia,
Antropologia, Etologia, Administração e Gestão. O que resulta, por um lado, de novas
temáticas e de novos problemas de ordem social, económica e política - a educação como
prática, note-se, foi-se alargando a vários domínios da vida social: educação permanente,
formação profissional, educação ambiental, educação familiar, educação para a saúde,
educação médica, levando à criação de saberes de interface disciplinar, acentuando a
vocação interdisciplinar das Ciências da Educação. Por outro lado, devemos sublinhar o
desenvolvimento de técnicas e de instrumentos de investigação, alguns dos quais
marcadamente transversais a diferentes campos disciplinares.
 E daqui resulta uma série de questões de carácter epistemológico, umas comuns às
várias ciências sociais, outras específicas das Ciências da Educação, a principal das quais
diz respeito à sua identidade. As Ciências da Educação terão uma identidade própria,
decorrente do seu campo específico, ou serão ciências quot;tout courtquot;, a operar tanto no
campo educacional, como no da saúde, do trabalho? Ou, por palavras diferentes: os
conceitos e as metodologias, que as caracterizam, estruturam-nas e identificam-nas
enquanto ciências específicas ou possibilitam a sua vincularão a um campo científico
diferente, no caso vertente, o da Educação? A designação de Ciências da Educação, por
plural,   conferir-lhes-á   um   estatuto   polissémico,    com    recorrência    a   uma
multirreferencialidade epistémica? Ou estaremos perante um falso problema, explicável
pela menoridade científica das Ciências da Educação, à procura de um estatuto específico
- o de uma Ciência da Educação, a situar-se para além da Pedagogia Científica e do seu
quot;irredutível pedagógicoquot;?
 A questão, que tanta polémica tem levantado, talvez não tenha a relevância que alguns
teóricos lhe pretendem atribuir, pois a investigação (e a intervenção educacional dela
decorrente) tem continuado a seguir o seu curso, colocando-se à margem de discussões
de carácter puramente filosófico ou epistemológico. E bastará folhear as dezenas e
dezenas de revistas especializadas nos mais variados campos da Educação, as
enciclopédias temáticas, as revisões periódicas do estado da investigação, para nos
apercebermos que as Ciências da Educação têm produzido um corpo que começa a ter
consistência de saberes, por sistematizados e metodologicamente orientados e
submetidos a critérios de validade internos e externos, critérios esses decorrentes dos
paradigmas utilizados na sua construção. Ora, essa constituição só foi possível porque a
investigação encontrou o seu principal suporte institucional nas universidades, centros
educativos por definição e natureza, universidades que, no entanto, têm manifestado
alguma relutância a abrir-se a áreas e a saberes que originam partilha de financiamentos
e de poderes e que poderão vir a pôr em causa - directa ou indirectamente - algumas das
suas práticas, de que o episódio com que abrimos esta lição constitui alegoria evidente,
 A segunda questão diz respeito à dificuldade de distinguir, no campo educativo, os
saberes científicos da sua imediata aplicabilidade, isto é, distinguir o que é da ordem da
ciência e o que é da ordem de uma praxeologia maximalizadora da acção.
 A terceira questão, por sua vez, leva-nos a considerar que a inteligibilidade, conferido à
realidade educativa pela explicação e compreensão científicas, carece de ser
reinterpretada e ressituada à luz de uma reflexão filosófica, uma vez que toda a acção
educativa é orientada por fins e valores que pressupõem toda uma mundividência. Assim,
importa dar força a uma Filosofia de Educação, em que a reflexão ética e axiológica
ocupem um lugar central na construção de uma teoria metacientífica da Educação.
 Uma palavra, ainda, a situar com mais precisão o tema desta fala: qual o tempo, qual o
lugar das Ciências da Educação em Portugal?
 Primeiramente, penso que urge denunciar o uso e abuso que, delas, tantos têm feito.
Políticos, pais, professores, consideram-nas, simultaneamente, panaceia e causa de todos
os males de que enferma a Educação e, por consequência, a Sociedade. A confusão que
existe, em certos meios, entre Ensino, Educação, Ciências da Educação, Reflexão
Educativa, Investigação Educacional é tão evidente, que talvez não valha a pena determo-
nos na sua explicitação e consequente refutação. De qualquer modo, estamos perante
um fenómeno espantoso, que nós, os introdutores das Ciências da Educação em Portugal,
nunca supusemos possível, nos seus primórdios, ou seja, nos já longínquos anos de
setenta.
 O fenómeno poderá, no entanto, ter várias explicações, a desorganização do sistema
educativo, operada a partir de 1974, a sobrepor-se a todas as outras - sistema
anquilosado, esse nosso, sem possibilidades de reconversão. Daí, as mudanças, as
reformas que surgiram nos dez, nos quinze anos que se seguiram. E foi nesse contexto
que apareceram as Ciências da Educação, trazidas pela mão dos que tinham obtido graus
e experiência, em países europeus ou norte-americanos. A sua acção passou a exercer-
se a níveis diversificados, com incidência no ensino universitário e, logo a seguir, no
politécnica. Esse foi o seu lugar privilegiado, em finais dos anos 70 e na década de 80,
em ruptura com o conceito de Pedagogia, publicando, tanto em revistas nacionais, como
nas de outros países. Especialistas que, neste momento, integram perto de duzentos
doutores,. nas diversas áreas das Ciências da Educação.
Mas, além das dificuldades já referidas, várias outras têm impedido uma acção profícua
das Ciências da Educação, nomeadamente as que dizem respeito a dois sectores, a saber:
o da formação de professores e o da organização e gestão do sistema educativo. No que
se refere à formação, a dificuldade maior resulta do facto de os cursos de formação
serem geridos, nas universidades, por parceiros vários, quantas vezes envolvidos em
lutas de poder pessoal e de supremacia departamental. Lutas em que os pólos de
oposição se situam nos saberes ditos científicos e nos de cariz educacional (com as
práticas didácticas a oscilarem entre os dois).     Ainda no campo da formação de
professores e de educadores, mas agora no âmbito dos cursos das Escolas Superiores de
Educação, convirá dizer que, se dificuldades existem, elas são de outra ordem, pois
resultam não só da carência de saberes científicos específicos, como da ausência de uma
investigação educacional minimamente institucionalizada.
Como foi dito, estrangulamentos vários têm também vindo a travar a acção das Ciências
da Educação (e dos seus especialistas), no âmbito da organização, da gestão e do
desenvolvimento do sistema educativo, áreas que, sendo do foro da decisão política, não
deveriam prescindir, no entanto, de estudos de base, que dessem elementos a uma
tomada de decisão mais esclarecida. O controlo que o Ministério da Educação tem
exercido nos últimos vinte anos é tão premente e tão asfixiante que não tem dado
margem à intervenção das Ciências da Educação, neste sector. Exemplo flagrante é, sem
dúvida, o da reforma que se disse curricular, delineado que foi por engenheiros e
operacionalizada por professores ao serviço da Direcção-Geral dos Ensinos Básico e
Secundário. O recurso a especialistas em desenvolvimento curricular ou à elaboração de
estudos científicos na matéria foi algo com que ninguém se preocupou. E esta situação
não é inédita, pois a ausência do recurso aos nossos saberes científicos continua a
verificar-se, nos tempos actuais: o sistema de educação está por avaliar, tanto na sua
globalidade, como nos segmentos que o constituem; as alterações e as microrreformas
em curso continuam a ser implantadas sem estudos credíveis, que as justifiquem. A
qualidade e a prospecção - valores maiores e determinantes em Educação - reduzem-se a
palavras do discurso oficial ou, na melhor das hipóteses, circunscrevem-se aos gabinetes
afectos ao poder político e administrativo - talvez com duas ou três excepções, que não
queremos deixar de enaltecer, ou seja, os estudos em curso sobre a administração e a
gestão das escolas dos ensinos básico e secundário e alguns trabalhos de índole
científica, organizados ou patrocinados pelo antigo GEP e pelo Instituto de Inovação
Educacional. O que é pouco, muito pouco, temos de convir.
 Como sair deste círculo em que nos fecharam e, por que não dizê-lo, em que deixámos
 que nos fechassem?        Como fazer para dar visibilidade à investigação que se
 desenvolveu nos últimos quinze anos e que continua grandemente confinada aos fóruns
 universitários, sem possibilidade de influenciar, directa e eficazmente, o nosso sistema
 educativo? Evidentemente que muitas poderão ser as vias, mas uma está, realmente,
 ao nosso alcance, universitários que somos: constituir, nas universidades que possuam
 os recursos adequados, grandes institutos de Educação, em que a planificação, a
 gestão, a avaliação, a educação comparada, o desenvolvimento curricular e a formação
 ocupem o lugar a que têm direito, enquanto áreas de investigação e de aplicação.
 Institutos que congreguem diferentes valências existentes nas várias unidades
 universitárias, dotados dos meios necessários a um exercício pleno de uma autonomia
 científica, pedagógica, administrativa e financeira.    Institutos que se arvorem em
 parceiros de outras instituições, públicas ou privadas - nacionais ou estrangeiras -, com
 as quais possam dialogar, cooperar, gerir programas e projectos, realizar estudos e
 prestar serviços. Institutos que, acima de tudo, possam intervir na Sociedade, a partir
 do acervo científico que as Ciências da Educação, hoje, detêm. Evidentemente que a
 constituição destes institutos e as actividades por eles desenvolvidas não deverão pôr
 em causa a investigação e a formação científica, em curso nas diferentes unidades
 orgânicas da universidade - deverão, sim, torná-las visíveis e rentabilizá-las no plano
 social.
O que nos falta para que este desiderato se possa cumprir? Talvez uma só coisa:
 Vontade, ou seja... Coragem!


ORAÇÃO DE SAPIÊNCIA
PROFERIDA NA SESSÃO SOLENE
DA ABERTURA DO
ANO LECTIVO DE 1998-1999,
DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

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O Tempo e o Lugar das Ciências da Educação. Prof. Albano Estrela

  • 1. O Tempo e o Lugar das Ciências da Educação Mil novecentos sessenta e oito foi o ano de todas as convulsões estudantis, nos Estados Unidos da América, na Europa. Se o Maio de 68, em Paris, é o acontecimento emblemático para a maioria dos europeus, talvez o não seja para os italianos, tal a amplitude e a intensidade dos movimentos operados nas suas universidades. Movimentos que assumiram características próprias, que mudaram o rosto das instituições e alteraram a perspectiva que a sociedade tinha da sua universidade. E, sempre que assim acontece, é o indivíduo, aquele indivíduo que vive à margem da convulsão social, o que mais directamente sofre as consequências da tragédia que fermenta no seio da mudança que se quer revolução. Exemplo entre os exemplos é, para mim, o do professor de literatura italiana que pontificava numa das grandes universidades de Itália. Especialista de Dante, a sua competência era por todos reconhecida - na sua aula, sempre cheia, nos seus livros, obras de referência, aquém e além-fronteiras. Dante era a razão de ser da sua vida - nele, encontrara a beleza, a espiritualidade, a profundidade, que faz do homem um ser de eleição. E era essa a
  • 2. mensagem que transmitia aos que o escutavam, aos que o liam. No meio das ondas tumultuosas da crise estudantil, continuava ele a vogar no doce embalo do seu discurso perfeito. Até ao dia em que a sua aula foi invadida por uma multidão de jovens ululantes. Na fila da frente, os alunos que ainda ontem o escutavam atentamente e que, agora, o interpelavam sobre o sentido do seu discurso - porque continuar a falar do passado, quando toda a Itália soçobrava na convulsão social? Ele tenta explicar que Dante é de todos os tempos e conhecer a sua obra é penetrar no que o homem tem de essencial, portanto, de eterno. Interrompido, vaiado, abandona a sua cátedra e refugia- se em casa, a cismar no que havia falhado. Dois, três dias depois, suicida-se - o seu mundo tinha acabado. O seu mundo tinha acabado e, com ele, o mundo da pedagogia tradicional que o servia. Pedagogia construída a partir de uma comunidade de solidões: solidão do professor, enclausurado no seu saber e na sua autoridade de mestre, solidão do aluno, prisioneiro da palavra magistral do seu professor. Pedagogia do ensino de conteúdos e do controlo da sua aquisição por aqueles a quem ensinados eram. Pedagogia redutível ao discurso lógico-didáctico do que sabe e, portanto, ensina - e cuja capacidade profissional era comprovada pela capacidade reprodutora daquele que o ouve, o lê. Pedagogia da verificação do erro, do desvio à norma instituída pelo sistema, pelo professor. E, por isso, Pedagogia da vigilância do comportamento social e intelectual do aluno. Esta foi a situação que perdurou durante séculos: o acto educativo, fechado em si próprio, autojustifica-se e alheia-se do mundo exterior que o torna possível e do conhecimento científico que lhe poderia conferir uma inteligibilidade diferente. Situação que dificilmente poderia subsistir, tão desajustada estava ao que ao ensino e à educação a sociedade, hoje, exige. Papel determinante nesta mudança foi, sem margem de dúvida, a constituição de um conhecimento científico dos fenômenos educativos. Constituição que começa pela preocupação de aplicação, ao campo educativo, de princípios da Psicologia e, mais tarde, da Sociologia. Constituição que passa, ainda, pela tentativa de criação de uma ciência da educação - autónoma - e chega à elaboração de um conjunto de saberes multidisciplinares, a configurarem, hoje, as Ciências da Educação. A título de
  • 3. exemplificação, e a fim de que o sentido histórico não se perca, queria referir o papel pioneiro da Psicologia, enquanto ciência fundadora da Pedagogia Científica. Como a Psicologia da Criança constituiu um dos primeiros campos de desenvolvimento da Psicologia, coube à Pedagogia Infantil revelar essa influência e transformar-se, assim, em actividade devidamente fundamentada. A quot;Pedagogia Científicaquot; de Maria Montessori, publicado em 1909, é o primeiro grande trabalho científico de Educação. Montessori traz para a Pedagogia duas concepções essenciais ao seu pensamento: a do primado da sensação, da percepção, na construção do conhecimento, e a de que o desenvolvimento intelectual, sensorial e motor da criança não é uniforme, pois sujeito está a características e mecanismos específicos de cada um dos períodos em que se estrutura a sua vida psíquica. A primeira destas concepções terá, por sua vez, duas consequências decisivas - , não só na Pedagogia Infantil, como, mais tarde, em toda a Pedagogia. Por um lado, o educador, o professor e a sua palavra deixaram de estar no centro do acto educativo, substituídos que foram pelos materiais didácticos, a manipular sensoriamente pelo aluno. Por outro lado, o formalismo lógico-dedutivo do ensino tende a desaparecer, para dar lugar a uma aprendizagem centrada no aluno, ou seja, naquele que pesquisa e, em autonomia, constrói o seu conhecimento. Meio privilegiado utilizado: a actividade lúdica, suportada pelo material didáctico e organizada sob a forma de jogo. A outra noção central, a dos períodos sensíveis da vida psíquica da criança, trouxe para a Educação uma perspectiva e uma necessidade nova: a de se cuidar, previamente, das características do educando, fundamento e razão de ser de qualquer método de ensino. Método que passa a constituir, enquanto instrumento organizativo da acção pedagógica, um caminho seguro, de efeitos controláveis, por experimentáveis. Meio utilizado para se proceder ao levantamento desses efeitos e proceder ao seu controlo: a observação. Estamos, pois, perante um momento histórico, em que, pela via de uma metodologia científica, foram introduzidos alguns dos grandes princípios da Educação Moderna, a que as correntes construtivistas da Psicologia viriam a dar, posteriormente, um novo e mais sólido fundamento: princípio do respeito pelo educando; princípio da participação activa do aluno no acto educativo, nomeadamente, enquanto sujeito construtor do seu
  • 4. próprio conhecimento; princípio da motivação, ponto de partida para a elaboração de metodologias de intervenção educativa. Se a introdução da observação sistematizada em Pedagogia teve como finalidade, num primeiro momento, o controlo científico da aplicação de princípios e procedimentos da Psicologia, acabou, talvez sem o pretender, por constituir o acto fundador de uma verdadeira Educação Científica, autonomizando a Pedagogia da Psicologia. Na realidade, uma ciência começa sempre pela observação e assim também aconteceu com a Ciência da Educação. Foi pela observação que se pôde detectar e concretizar um conjunto de fenômenos que lhe eram específicos e não verificáveis noutras ciências humanas algo que se passou a designar como o quot;irredutível pedagógicoquot;. De facto, a primeira Pedagogia Científica, assim designada por Maria Montessori, acabou por dar lugar a uma outra Pedagogia Científica, de segunda geração, autónoma e estruturada em princípios e critérios próprios, que encontra o seu quot;discurso do métodoquot; na obra de Raymond Buyse, em 1935, obra continuada, em muitos aspectos, na quot;Pedagogia Experimentalquot; de Gaston Mialaret. Mas, se uma ciência não é apenas metodologia, também o é, e em muito. Por isso, creio que se justifica continuar com o exemplo da observação e o que ela poderá significar em termos de metodologia de investigação, quando aplicada à Educação. Na observação tradicional, o observador deveria assumir uma posição de distanciarão, isto é, a observação para ser rigorosa deveria desenvolver-se num quadro de extraterritorialidade, pelo que o observador não deveria situar-se no território do observado, mas para além dele. O observador deveria ser exterior ao observado, pois só assim poderia apreender os seus fenómenos. O observador era, pois, alguém de neutro, um ser puro, que não se deixava influenciar pela realidade do observado. O rigor científico decorria, fundamentalmente, da rigidez desta posição, a qual assentava nos três princípios constitutivos da estrutura paradigmática da ciência positivista: 1) reversibilidade temporal; 2) estabilidade situacional; 3) ordem natural. Estes princípios possibilitavam o estabelecimento de relações lineares entre causas e efeitos, o que
  • 5. cerceava o processo de observação ao levantamento de relações de fenómenos, nas quais uns eram definidos como causas e outros como efeitos. Partindo-se, sempre, de uma causa para um efeito, justificava-se essa relação pela sua repetição em situações diferentes. Esta foi a observação que Maria Montessori utilizou em Psicologia e esta foi também a linha seguida, durante algumas décadas, na observação pedagógica. Observação que conduziu, não só à manipulação experimental de novos métodos de ensino, como ao estudo das variáveis, de diferente ordem, que o influenciam, dentro de linhas de pesquisa, hoje denominadas de presságio-produto e de processo-produto (ou seja, o estudo dos efeitos produzidos, respectivamente, pelas variáveis inerentes à pessoa do professor e pelas variáveis relativas aos comportamentos de ensino). A dificuldade em tornar significativos os comportamentos observados, nomeadamente por desconhecimento das suas finalidades intrínsecas, levou uma parte dos observadores a alterarem a sua posição, passando da distanciarão à participação, a fim de apreenderem o significado relacionam implícito na situação observada. A crítica ao reducionismo positivista e à sua pretensa objectividade e neutralidade levou à tomada de consciência das interacções que se estabelecem entre observador e observado. O sujeito observador e o objecto observado passaram a situar-se no mesmo território, único processo de compreensão de um real complexo e irreversível. Essa posição correspondia, pois, à perspectiva da «territorialidade observador-observado», e tinha como principal quadro de referência o princípio da redução fenomenológica. Na sua concretizarão, utilizaram-se técnicas de observação participante e de observação participada. O quadro de trabalho em que assentam estas técnicas decorre, sempre, da procura de articulação da «intenção-significado». Articulação, que, note-se, tem originado um quadro amplo de variações interpretativas que, embora com suporte remoto em Husseri, levaram a valorizar as abordagens holísticas e ecológicas e a criar novas correntes, como o interaccionismo e a etnometodologia.
  • 6. Estas metodologias, que possibilitaram a formação de novas ciências do homem, na primeira metade do século, como a Antropologia Social, com Boas e Malinowski, encontraram também campo de aplicação na Psicologia Social e na Sociologia, de que a escola de Chicago se tornou principal expoente e centro de irradiação - contribuindo, assim, para o esbatimento de algumas fronteiras disciplinares. Embora se possa registar um certo número de trabalhos precursores, só a partir dos anos setenta se começa, realmente, a revelar o seu impacte - sempre crescente - na abordagem de fenômenos educacionais, onde, aliás, é notória a sua fecundidade, levando à reformulação de velhas problemáticas e à constituição de novos objectos de estudo. As etnografias da escola e da sala de aula, os estudos da comunicação e da relação pedagógica, da indisciplina, do quot;streamingquot;, das culturas institucionais da escola e das culturas dos professores e dos alunos, constituem, apenas, alguns exemplos de campos de investigação, que têm conferido uma nova inteligibilidade à realidade educativa, enquanto realidade socialmente construída e transformada pela significação que os actores conferem às situações em que agem e interagem. Se a abordagem predominante tem sido, como vimos, marcada pela pluralidade fundadora das Ciências da Educação, ciclicamente surge a tomada de consciência de que essa pluralidade se revela insuficiente para captar a especificidade própria do campo educativo e pedagógico. Assim, estaríamos actualmente numa fase de transição que, segundo o reputado investigador norte-americano Othaniel Smith, se caracterizaria por quot;uma reforma sobre o modo de pensar o conhecimento pedagógico, por uma reencontrada confiança nesse conhecimento e por uma tendência para pensar mais objectivamentequot;. E acrescenta, ainda, o autor: quot;Só agora começamos a ver que o ensino, tal como o comportamento político ou económico, é um fenómeno natural, a estudar por direito próprioquot;. A constituição de saberes específicos ao campo educativo, que progressivamente se foram estruturando, em ordem a uma definição conceptual e a uma prática de investigação a eles inerente, como será o caso da Teoria e Desenvolvimento
  • 7. Curricular, a Avaliação Educacional, a Administração Educacional, a Didáctica, parecem confirmar a possibilidade e a legitimidade dessa abordagem, por direito próprio feita. Por outro lado, tendemos a esquecer que, se os fenómenos pedagógicos dependem de características biopsicossociais dos sujeitos que os originam, estas dependem, por sua vez, de fenómenos educacionais, pois não conhecemos homens, nem sociedades, dissociados das formas e instituições educativas que estão na base da sua formação e do seu desenvolvimento. Devemos sublinhar ainda que, se o campo educativo tem sido, até aqui, predominantemente um campo de aplicação de conceitos e métodos de várias ciências, ele também é, desde há algumas dezenas de anos, um elemento vivificador e renovador dessas ciências - quando a perspectiva dedutiva da aplicação dá lugar à perspectiva indutiva da construção do conhecimento e da teorização. Elemento vivificador pelo alargamento dos campos temáticos, pela pluralidade das abordagens utilizadas, pela variedade do conhecimento produzido. Veja-se, apenas como exemplo, a importância da chamada quot;nova sociologia da educaçãoquot; que, por influência do Instituto de Educação de Londres, incrementou os estudos microssociológicos da escola e da sala de aula, através de abordagens variadas. Se outros méritos não tivessem (e consideramos que os têm), estes estudos contribuíram para o relançamento da discussão epistemológica e metodológica, dentro das disciplinas fundadoras. Em síntese: se a Psicologia e, logo a seguir, a Sociologia, desempenharam um papel primordial na cientificação do fenómeno educativo, assistimos, sobretudo a partir dos anos sessenta, a uma progressiva secundarização dessas ciências, nomeadamente da Psicologia, a favor de outras ciências, que passaram a tomar a Educação como objecto de estudo. Estamos a pensar na História, Economia, Demografia, Psicossociologia, Antropologia, Etologia, Administração e Gestão. O que resulta, por um lado, de novas temáticas e de novos problemas de ordem social, económica e política - a educação como prática, note-se, foi-se alargando a vários domínios da vida social: educação permanente, formação profissional, educação ambiental, educação familiar, educação para a saúde, educação médica, levando à criação de saberes de interface disciplinar, acentuando a vocação interdisciplinar das Ciências da Educação. Por outro lado, devemos sublinhar o
  • 8. desenvolvimento de técnicas e de instrumentos de investigação, alguns dos quais marcadamente transversais a diferentes campos disciplinares. E daqui resulta uma série de questões de carácter epistemológico, umas comuns às várias ciências sociais, outras específicas das Ciências da Educação, a principal das quais diz respeito à sua identidade. As Ciências da Educação terão uma identidade própria, decorrente do seu campo específico, ou serão ciências quot;tout courtquot;, a operar tanto no campo educacional, como no da saúde, do trabalho? Ou, por palavras diferentes: os conceitos e as metodologias, que as caracterizam, estruturam-nas e identificam-nas enquanto ciências específicas ou possibilitam a sua vincularão a um campo científico diferente, no caso vertente, o da Educação? A designação de Ciências da Educação, por plural, conferir-lhes-á um estatuto polissémico, com recorrência a uma multirreferencialidade epistémica? Ou estaremos perante um falso problema, explicável pela menoridade científica das Ciências da Educação, à procura de um estatuto específico - o de uma Ciência da Educação, a situar-se para além da Pedagogia Científica e do seu quot;irredutível pedagógicoquot;? A questão, que tanta polémica tem levantado, talvez não tenha a relevância que alguns teóricos lhe pretendem atribuir, pois a investigação (e a intervenção educacional dela decorrente) tem continuado a seguir o seu curso, colocando-se à margem de discussões de carácter puramente filosófico ou epistemológico. E bastará folhear as dezenas e dezenas de revistas especializadas nos mais variados campos da Educação, as enciclopédias temáticas, as revisões periódicas do estado da investigação, para nos apercebermos que as Ciências da Educação têm produzido um corpo que começa a ter consistência de saberes, por sistematizados e metodologicamente orientados e submetidos a critérios de validade internos e externos, critérios esses decorrentes dos paradigmas utilizados na sua construção. Ora, essa constituição só foi possível porque a investigação encontrou o seu principal suporte institucional nas universidades, centros educativos por definição e natureza, universidades que, no entanto, têm manifestado alguma relutância a abrir-se a áreas e a saberes que originam partilha de financiamentos
  • 9. e de poderes e que poderão vir a pôr em causa - directa ou indirectamente - algumas das suas práticas, de que o episódio com que abrimos esta lição constitui alegoria evidente, A segunda questão diz respeito à dificuldade de distinguir, no campo educativo, os saberes científicos da sua imediata aplicabilidade, isto é, distinguir o que é da ordem da ciência e o que é da ordem de uma praxeologia maximalizadora da acção. A terceira questão, por sua vez, leva-nos a considerar que a inteligibilidade, conferido à realidade educativa pela explicação e compreensão científicas, carece de ser reinterpretada e ressituada à luz de uma reflexão filosófica, uma vez que toda a acção educativa é orientada por fins e valores que pressupõem toda uma mundividência. Assim, importa dar força a uma Filosofia de Educação, em que a reflexão ética e axiológica ocupem um lugar central na construção de uma teoria metacientífica da Educação. Uma palavra, ainda, a situar com mais precisão o tema desta fala: qual o tempo, qual o lugar das Ciências da Educação em Portugal? Primeiramente, penso que urge denunciar o uso e abuso que, delas, tantos têm feito. Políticos, pais, professores, consideram-nas, simultaneamente, panaceia e causa de todos os males de que enferma a Educação e, por consequência, a Sociedade. A confusão que existe, em certos meios, entre Ensino, Educação, Ciências da Educação, Reflexão Educativa, Investigação Educacional é tão evidente, que talvez não valha a pena determo- nos na sua explicitação e consequente refutação. De qualquer modo, estamos perante um fenómeno espantoso, que nós, os introdutores das Ciências da Educação em Portugal, nunca supusemos possível, nos seus primórdios, ou seja, nos já longínquos anos de setenta. O fenómeno poderá, no entanto, ter várias explicações, a desorganização do sistema educativo, operada a partir de 1974, a sobrepor-se a todas as outras - sistema anquilosado, esse nosso, sem possibilidades de reconversão. Daí, as mudanças, as reformas que surgiram nos dez, nos quinze anos que se seguiram. E foi nesse contexto que apareceram as Ciências da Educação, trazidas pela mão dos que tinham obtido graus e experiência, em países europeus ou norte-americanos. A sua acção passou a exercer- se a níveis diversificados, com incidência no ensino universitário e, logo a seguir, no
  • 10. politécnica. Esse foi o seu lugar privilegiado, em finais dos anos 70 e na década de 80, em ruptura com o conceito de Pedagogia, publicando, tanto em revistas nacionais, como nas de outros países. Especialistas que, neste momento, integram perto de duzentos doutores,. nas diversas áreas das Ciências da Educação. Mas, além das dificuldades já referidas, várias outras têm impedido uma acção profícua das Ciências da Educação, nomeadamente as que dizem respeito a dois sectores, a saber: o da formação de professores e o da organização e gestão do sistema educativo. No que se refere à formação, a dificuldade maior resulta do facto de os cursos de formação serem geridos, nas universidades, por parceiros vários, quantas vezes envolvidos em lutas de poder pessoal e de supremacia departamental. Lutas em que os pólos de oposição se situam nos saberes ditos científicos e nos de cariz educacional (com as práticas didácticas a oscilarem entre os dois). Ainda no campo da formação de professores e de educadores, mas agora no âmbito dos cursos das Escolas Superiores de Educação, convirá dizer que, se dificuldades existem, elas são de outra ordem, pois resultam não só da carência de saberes científicos específicos, como da ausência de uma investigação educacional minimamente institucionalizada. Como foi dito, estrangulamentos vários têm também vindo a travar a acção das Ciências da Educação (e dos seus especialistas), no âmbito da organização, da gestão e do desenvolvimento do sistema educativo, áreas que, sendo do foro da decisão política, não deveriam prescindir, no entanto, de estudos de base, que dessem elementos a uma tomada de decisão mais esclarecida. O controlo que o Ministério da Educação tem exercido nos últimos vinte anos é tão premente e tão asfixiante que não tem dado margem à intervenção das Ciências da Educação, neste sector. Exemplo flagrante é, sem dúvida, o da reforma que se disse curricular, delineado que foi por engenheiros e operacionalizada por professores ao serviço da Direcção-Geral dos Ensinos Básico e Secundário. O recurso a especialistas em desenvolvimento curricular ou à elaboração de estudos científicos na matéria foi algo com que ninguém se preocupou. E esta situação não é inédita, pois a ausência do recurso aos nossos saberes científicos continua a verificar-se, nos tempos actuais: o sistema de educação está por avaliar, tanto na sua
  • 11. globalidade, como nos segmentos que o constituem; as alterações e as microrreformas em curso continuam a ser implantadas sem estudos credíveis, que as justifiquem. A qualidade e a prospecção - valores maiores e determinantes em Educação - reduzem-se a palavras do discurso oficial ou, na melhor das hipóteses, circunscrevem-se aos gabinetes afectos ao poder político e administrativo - talvez com duas ou três excepções, que não queremos deixar de enaltecer, ou seja, os estudos em curso sobre a administração e a gestão das escolas dos ensinos básico e secundário e alguns trabalhos de índole científica, organizados ou patrocinados pelo antigo GEP e pelo Instituto de Inovação Educacional. O que é pouco, muito pouco, temos de convir. Como sair deste círculo em que nos fecharam e, por que não dizê-lo, em que deixámos que nos fechassem? Como fazer para dar visibilidade à investigação que se desenvolveu nos últimos quinze anos e que continua grandemente confinada aos fóruns universitários, sem possibilidade de influenciar, directa e eficazmente, o nosso sistema educativo? Evidentemente que muitas poderão ser as vias, mas uma está, realmente, ao nosso alcance, universitários que somos: constituir, nas universidades que possuam os recursos adequados, grandes institutos de Educação, em que a planificação, a gestão, a avaliação, a educação comparada, o desenvolvimento curricular e a formação ocupem o lugar a que têm direito, enquanto áreas de investigação e de aplicação. Institutos que congreguem diferentes valências existentes nas várias unidades universitárias, dotados dos meios necessários a um exercício pleno de uma autonomia científica, pedagógica, administrativa e financeira. Institutos que se arvorem em parceiros de outras instituições, públicas ou privadas - nacionais ou estrangeiras -, com as quais possam dialogar, cooperar, gerir programas e projectos, realizar estudos e prestar serviços. Institutos que, acima de tudo, possam intervir na Sociedade, a partir do acervo científico que as Ciências da Educação, hoje, detêm. Evidentemente que a constituição destes institutos e as actividades por eles desenvolvidas não deverão pôr em causa a investigação e a formação científica, em curso nas diferentes unidades orgânicas da universidade - deverão, sim, torná-las visíveis e rentabilizá-las no plano social.
  • 12. O que nos falta para que este desiderato se possa cumprir? Talvez uma só coisa: Vontade, ou seja... Coragem! ORAÇÃO DE SAPIÊNCIA PROFERIDA NA SESSÃO SOLENE DA ABERTURA DO ANO LECTIVO DE 1998-1999, DA UNIVERSIDADE DE LISBOA