Este documento discute a enunciação e os tipos de discurso. Apresenta conceitos como enunciador, narrador explícito e implícito. Discute como a enunciação constrói uma ilusão referencial e enunciativa na comunicação. Também aborda os tipos de discurso direto, indireto e indireto livre e como cada um assume um papel distinto na produção textual.
1. 10
INTRODUÇÃO
Conhecer os mecanismos que tratam da produção de texto, implicam no estudo dos
gêneros discursivos e outras marcações relevantes como os dêiticos e a enunciação textual.
Os dêiticos, segundo Maingueneau (1996), não são o único meio de que a língua
dispõe para operar uma localização.
A enunciação também é responsável, segundo o mesmo autor, por certas classes de
signo que ela promove literalmente à existência; e também fornece as condições
necessárias às grandes funções sintáticas. Essa função pode ser a interrogação, que é uma
enunciação construída para suscitar uma “resposta”, por um processo lingüístico que é ao
mesmo tempo um processo de comportamento com dupla entrada. Todas as formas
lexicais e sintáticas da interrogação, partículas, pronomes, seqüência, entonação, etc,
derivam deste aspecto da enunciação.
Em resposta às indagações feitas a respeito da funcionalidade dos vários modos de
reproduzir ou citar o discurso alheio, Platão e Fiorin (1999) disseram que cada tipo de
citação assume um papel distinto no interior do texto; que a escrita de um ou de outro
processada pelo narrador, poderiam revelar suas intenções e sua própria visão de mundo.
A produção textual requer meios e para isso se faz necessário e importante
conhecer e estabelecer os usos mais adequados dos gêneros discursivos, da semântica
textual e a interação de ambos para que se possa expandir e facilitar a compreensão e a
produção de enunciados.
Dentro dessas perspectivas a produção textual realizado nas escolas, como forma
de desenvolver a capacidade criadora e intelectual dos alunos, está margeada pelas três
formas de citação do discurso alheio: o discurso direto, indireto, e o indireto livre.
As gramáticas se referem ao discurso direto como sendo uma reprodução fiel do
2. 11
discurso citado.
As marcas típicas do discurso direto, segundo Platão e Fiorin (1999), apresentam
algumas características importantes, que serão apresentadas, com mais profundidade, no
decorrer desta pesquisa.
A estratégia do discurso indireto é totalmente diferente. Enquanto o discurso direto
“supostamente” repete as palavras de um outro ato de enunciação e dissocia dois sistemas
enunciativos, o discurso indireto só é discurso citado por seu sentido.
Já o discurso indireto Livre “constitui o caso mais importante e sintaticamente mais
bem fixado (pelo menos em francês) de convergência indiferente de dois discursos com
diversa orientação do ponto de vista da entonação” (BAKHTIN, 2004, p. 170).
Diante disso, essa pesquisa pretende verificar, por meio da pesquisa bibliográfica,
se o estudo dos tipos de discursos e suas implicações na produção textual podem contribuir
para que o professor possa expandir suas definições a respeito da criação textual, aprimorar
as técnicas em seus alunos, e contribuir para a expansão do tema nas aulas de produção
textual.
3. 12
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Para uma análise histórica e literária dos tipos de discurso, foram lidos os seguintes
autores: Bakhtin (2004), Brait (1997), Cunha (2001), Garcia (2000), Maingueneau (1996),
Orlandi (2002) e Platão e Fiorin (1999).
As orientações colhidas para este trabalho, que dizem respeito à enunciação e aos
dêiticos temporais e adverbiais, seguiram as linhas de pesquisas de: Bakhtin (2004), Brait
(1997), Brandão (1998), Maingueneau (1996).
Sobre a produção textual foram estudados os seguintes autores: Cunha (2002),
Farraco (1992), Maingueneau (1996) e Orlandi (2001).
4. A ENUNCIAÇÃO
Imperioso elucidar o conceito de enunciação, visto que todo ato de comunicação
verbal nela se constitui. Para isso, convém identificar os elementos que compõem o
enunciado, produto do ato comunicativo.
Dessa forma, “a busca da compreensão das formas de produção do sentido, da
significação, e as diferentes maneiras de surpreender o funcionamento discursivo
impeliram Bakhtin na direção de uma estética e de uma ética da linguagem” (BAKHTIN,
1993 apud BRAIT, 1997, p. 91).
O conceito de linguagem que emana dos trabalhos desse pensador russo está
comprometido não com uma tendência lingüística ou uma teoria literária, mas com uma
visão de mundo que busca nas formas de construção e instauração do sentido, deslizando
pela abordagem lingüístico/discursiva, pela teoria da literatura, pela filosofia, pela teologia,
por uma semiótica da cultura, por um conjunto de dimensões que seguem caminhos ainda
não inteiramente decifrados (BAKHTIN, 1993 apud BRAIT, 1997).
Historicamente, a língua desenvolveu-se como instrumento do
pensamento atuante e dos atos performados, e começou a servir ao
pensamento abstrato somente numa fase histórica bastante recente. A
expressão do ato performado [do procedimento] de dentro e da
experiência-evento singular em que esse procedimento decorre, deve
utilizar a palavra na sua plenitude: quer no seu aspecto semântico e de
conteúdo (palavra como conceito), quer no seu aspecto emocional-
volitivo (a entonação da palavra) (BAKHTIN, 1993 apud BRAIT, 1997,
p, 94).
Benveniste (1989, p. 82) nos explica que “O discurso, dir-se-á que é produzido cada
vez que se fala, esta manifestação da enunciação, não é simplesmente ‘fala’? – É preciso
ter cuidado com a condição específica da enunciação [...]”.
5. 14
Ele acrescenta que a enunciação é o ato mesmo de produzir um enunciado, e não o
texto do enunciado, que é nosso objeto. Este ato é o fato do locutor que mobiliza a língua
por sua conta (BENVENISTE, 1989).
Assim sendo, “A relação do locutor com a língua determina os caracteres
lingüísticos da enunciação. Deve-se considerá-la como fato do locutor, que toma a língua
por instrumento, e nos caracteres lingüísticos que marcam esta relação” (BENVENISTE,
1989, p. 82).
No emprego científico da língua, tenta-se eliminar ou abrandar as marcas da
individualidade na enunciação. Porém, até para o mesmo sujeito, é impossível manter-se a
noção de identidade, já que nunca ocorre a exata reprodução de um enunciado.
Essas diferenças dizem respeito à diversidade das situações nas quais a enunciação
é produzida.
Sendo assim, a enunciação supõe a conversão individual da língua em discurso
(BENVENISTE, 1989).
“Aqui a questão – muito difícil e pouco estudada ainda – é ver como o ‘sentido’ se
forma em ‘palavras’, em que medida se pode distinguir entre as duas noções e em que
termos descrever sua interação” (BENVENISTE, 1989, p. 83).
Uma outra abordagem, segundo Benveniste (1989), consiste em definir a
enunciação no quadro formal de sua realização. No interior da língua, estariam os
caracteres formais da enunciação a partir da manifestação individual que ela atualiza. Na
enunciação considera-se, sucessivamente, o próprio ato, as situações em que ele se realiza,
os instrumentos de sua realização.
O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o
locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação. Antes
da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois da
enunciação, a língua é efetuada em uma instância do discurso, que emana
de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita outra
enunciação de retorno (BENVENISTE, 1989, p. 83-84).
6. 15
É enquanto realização individual, que a enunciação pode ser definida, em relação à
língua, como um processo de apropriação.
Fiorin (1996 apud CORRÊA, 2003, p, 134) “distingue enunciador, narrador
explícito e narrador implícito. O enunciador não se manifesta diretamente no enunciado,
pois pertence à instância da enunciação, que é pressuposta pelo enunciado”.
Esse enunciador pode, entretanto, segundo a autora “manifestar-se por meio da
enunciação enunciada, isto é, pelas marcas que a enunciação deixa no enunciado”
(FIORIN, 1996 apud CORRÊA, 2003, p. 134). Delegando assim voz a um narrador, que,
estando explícito, é aquele que diz “eu”, ou seja, como o sujeito delegado da produção do
discurso, mas deixa marcas apreciativas que conduzem o fazer interpretativo do
destinatário. (CORRÊA, 2003).
A autora afirma que todo discurso produz uma “ilusão”, ou melhor, uma dupla
ilusão, numa tentativa de fugir ao universo fechado da linguagem. Esse universo diz
respeito à ilusão referencial, que simula a presença do mundo “real” e objetivo, e também à
enunciativa, que cria uma imagem da relação intersubjetiva. Sendo assim, a autora afirma
que é “por meio desse jogo complexo de imagens que se dá à comunicação entre os
homens. Portanto, é também dessa forma que se dá a relação autor-leitor” (CORRÊA,
2003, p. 133).
Alguns meios permitem que a enunciação projete no enunciado um ele-lá-então,
simulando objetividade, ou um eu-aqui-agora, simulando subjetividade. Decorre daí a
opção por determinado tipo de narrador.
Segundo Corrêa (2003, p. 136), “mais comum, entretanto, é a presença sutil do
enunciador, que não acontece mais por meio da corporificação do narrador [...]”.
7. 16
“Assim sendo, nesses casos o autor joga com essa dupla manipulação: de um lado a
ilusão de objetividade, que passa a verdade absoluta, calcada muitas vezes numa
ancoragem realista” (CORRÊA, 2003, p. 136), e, de outro, a da subjetividade.
A autora completa que há marcas sutis da enunciação, por meio dos recursos
temporal e espacial, “que ‘convidam’ o leitor a engajar-se no discurso diante dele
presentificado” (CORRÊA, 2003, p. 136).
Corrêa esclarece ainda que esses recursos “presentificam” o enunciador, tornando o
texto persuasivo pela autoridade dele emanada.
Enquanto realização individual, a enunciação pode se definir, em relação à língua,
como um processo de apropriação. O locutor se apropria do aparelho formal da língua e
enuncia sua posição de locutor por meio de índices específicos e acessórios
(BENVENISTE, 1989).
Conforme esse mesmo lingüista:
Na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa
relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa
apropriação da língua é, para o locutor, a necessidade de referir pelo
discurso, e, para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no
consenso pragmático que faz de cada locutor um co-locutor. A referência
é parte integrante da enunciação (BENVENISTE, 1989, p. 84).
Estas condições iniciais vão, então, conforme Benveniste (1989), reger todo o
mecanismo da referência no processo em que se dá a enunciação, criando assim uma
situação muito singular e da qual ainda não se tomou a necessária consciência.
Para Bakhtin (1990 apud DIAS, 1997, p. 111), “é impossível constituir
significações sem que se faça da palavra o elemento de um tema, vale dizer, sem que se
constitua enunciação”. Segundo o autor, a enunciação se constitui, tendo em vista o fato de
que a palavra, enquanto signo variável e flexível, é orientada pelo contexto e por uma
situação precisa.
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A enunciação é para Bakhtin a orientação da palavra por uma situação de mundo,
mas essa orientação da palavra é devida ao seu próprio caráter do signo lingüístico, e não
pelo fato de existirem alguns índices na linguagem que nos permitem localizar o enunciado
em relação a uma situação de mundo (BAKHTIN, 1990 apud DIAS, 1997).
Retornando às idéias de Benveniste (1989), as formas denominadas
tradicionalmente por “pronomes pessoais e pronomes demonstrativos”, surgem agora como
uma classe de “indivíduos lingüísticos”, de forma que remetem sempre e somente a
“indivíduos”, quer se trate de pessoas, de momentos, de lugares, por oposição aos termos
nominais, que remetem sempre e unicamente a conceitos. Isso se deve ao fato de que eles
nascem de uma enunciação, de que são produzidos por este acontecimento individual. O
indivíduo lingüístico é produzido de novo a cada vez que uma enunciação é proferida, e
cada vez eles designam algo novo.
Em relação ao tempo, poder-se-ia supor que a temporalidade é um quadro inato do
pensamento. Essa temporalidade é produzida, na verdade, na e pela enunciação
(BENVENISTE, 1989).
Da enunciação procede à instauração da categoria do presente, e dessa nasce a
categoria do tempo. O presente é propriamente a origem do tempo. Ele é esta presença no
mundo, que somente o ato de enunciação torna possível, porque é necessário refletir bem
sobre isso; o homem não dispõe de nenhum outro meio de viver o “agora” e de torná-lo
atual senão realizando-o pela inserção do discurso no mundo (BENVENISTE, 1989).
Benveniste (1989, p. 85) diz que “poderíamos mostrar pelas análises de sistemas
temporais em diversas línguas a posição central do presente”.
O presente formal não faz senão explicitar o presente à enunciação, que se renova a
cada produção de discurso e partindo deste presente contínuo, coexistindo à nossa própria
presença, imprime na consciência o sentimento de uma continuidade que, afirma o autor:
9. 18
Continuidade essa que denominamos “tempo”, continuidade e
temporalidade que se engendram no presente incessante da enunciação,
que é o presente do próprio ser e que se delimita, por referência interna,
entre o que vai se tornar presente e o que já não o é mais (BENVENISTE,
1989, p. 85-86).
A enunciação, como já foi afirmado na introdução desse trabalho, também é
responsável, segundo o mesmo autor, por certas classes de signo que ela promove
literalmente à existência; e também fornece as condições necessárias às grandes funções
sintáticas. Essa função pode ser a interrogação, que é uma enunciação construída para
suscitar uma “resposta”, por um processo lingüístico que é ao mesmo tempo um processo
de comportamento com dupla entrada. Todas as formas lexicais e sintáticas da
interrogação, partículas, pronomes, seqüência, entonação, etc, derivam deste aspecto da
enunciação.
Da mesma forma poderão ser distribuídos os termos ou formas que chamamos de
intimação: ordens, apelos concebidos em categorias como o imperativo, o vocativo, “que
implicam uma relação viva e imediata do enunciador ao outro numa referência necessária
ao tempo da enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 86).
“Em toda parte, a lingüística é filha da filologia, submetida aos imperativos desta, a
lingüística sempre se apoiou em enunciações constitutivas 1 de monólogos fechados, como
em inscrições nos monumentos antigos, considerando-as como a realidade mais imediata”
(BAKHTIN, 2004, p. 98).
Sendo assim, “todas as relações que ultrapassam os limites da enunciação
monológica constituem um todo que é ignorado pela reflexão lingüística. Esta na verdade,
não ousa ir além dos limites constitutivos da enunciação monológica” (BAKHTIN, 2004,
p. 104).
1
Que se constitui.
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Bakhtin (2004) afirma que existe um abismo entre a sintaxe e os problemas de
composição do discurso. Isso é totalmente inevitável, sinaliza o autor, já que as formas que
constituem uma enunciação completa só podem ser percebidas e compreendidas quando
relacionadas com outras enunciações completas e que pertencem a um único domínio
ideológico.
As formas de uma enunciação literária, acrescenta Bakhtin (2004, p. 105), “só
podem ser apreendidas na unicidade da vida literária, em conexão permanente com outras
espécies de formas literárias”.
“Se encerramos a obra literária na unicidade da língua como sistema, se a
estudarmos como um monumento lingüístico, destruiremos o acesso a suas formas como
formas da literatura como um todo” (BAKHTIN, 2004, p. 105).
Bakhtin (2004, p. 145) esclarece que “a enunciação do narrador, tendo integrado na
sua composição uma enunciação, elabora regras sintáticas, estilísticas e composicionais
para assimilá-la parcialmente, para associá-la à sua própria unidade sintática e estilística”.
O autor considera que “nas línguas modernas, certas variantes do discurso indireto,
em particular o indireto livre, têm uma tendência inerente a transferir a enunciação citada
do domínio da construção lingüística ao plano temático do conteúdo” (BAKHTIN, 2004, p.
145).
Entretanto, afirma Bakhtin (2004, p. 145), “a diluição da palavra citada no contexto
narrativo não se efetua, e não poderia efetuar-se, completamente: não somente o conteúdo
semântico, mas também a estrutura da enunciação citada permanece estável”.
Dessa forma a substância do discurso do outro permanece palpável, como um todo
auto-suficiente. Manifestando-se assim, nas formas de transmissão do discurso alheio, uma
11. 20
relação ativa de uma enunciação a outra, e isso não no plano temático, mas através de
construções estáveis da própria língua (BAKHTIN, 2004).
Bakhtin (2004, p. 145) enfatiza que:
Esse fenômeno da reação da palavra à palavra é, contudo, radicalmente
diferente do que se passa no diálogo. Aí, as réplicas são gramaticalmente
separadas e não são integradas num contexto único. Com efeito, não
existem formas sintáticas com a função de construir a unidade do diálogo.
“Se o diálogo se apresenta no contexto do discurso narrativo, estamos simplesmente
diante de um caso de discurso direto, isto é, uma das variantes dos fenômenos de que
estamos tratando 2 ” (BAKHTIN, 2004, p. 145).
Existem diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua
transmissão no interior de um contexto. Toda transmissão, particularmente no que diz
respeito à forma escrita, tem seu fim específico: narrativa, processos legais, polêmica
científica, etc. Além disso, a transmissão leva em conta uma terceira pessoa, ou seja, a
pessoa a quem estão sendo transmitidas as enunciações citadas. Essa orientação para uma
terceira pessoa é de grande importância, pois ela reforça a influência das forças sociais
organizadas sobre o modo de apreensão do discurso (BAKHTIN, 2004).
Em uma situação real do diálogo, quando respondemos a um interlocutor,
habitualmente não retornamos no nosso discurso as próprias palavras que ele pronunciou.
Só o fazemos em casos especiais, como para afirmar que compreendemos corretamente e
também para apanhar o interlocutor com suas próprias palavras. Faz-se necessário levar em
conta todas essas características da situação de transmissão (BAKHTIN, 2004).
Retomando os conceitos de Benveniste (1989, p. 87), esse menciona que “o que em
geral caracteriza a enunciação é a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja
este real ou imaginado, individual ou coletivo”.
2
Entre esse fenômeno tratado estão também os discursos: indireto e o indireto livre.
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“Esta característica coloca necessariamente o que se pode denominar ‘o quadro
figurativo da enunciação’. Como forma de discurso, a enunciação coloca duas ‘figuras’
igualmente necessárias, uma, origem, a outra, fim da enunciação” (BENVENISTE, 1989,
p. 87). Trata-se, portanto, da interação comunicativa entre o locutor e o alocutário.
“É a estrutura do diálogo. Duas figuras na posição de parceiros são
alternativamente protagonistas da enunciação. Este quadro é dado necessariamente com a
definição da enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 87).
O “monólogo” procede claramente da enunciação. Ele deve ser classificado,
segundo Benveniste (1989), como uma variedade do diálogo, estrutura fundamental. O
monólogo interior, entre um eu locutor e um eu ouvinte.
Às vezes, o eu locutor é o único a falar; o eu ouvinte permanece presente; sua
presença se faz necessária o suficiente para tornar significante a enunciação do eu locutor.
Às vezes, o eu ouvinte intervém com uma objeção, uma questão, uma dúvida, um insulto
(BENVENISTE, 1989, p. 88).
A transposição do diálogo em “monólogo”, onde o ego ou se divide em dois, ou
assume dois papéis, presta-se à figuração ou se divide em dois, ou assume dois papéis,
presta-se a figurações ou transposições psicodramáticas, em:
Conflitos do ‘eu profundo’ e da ‘consciência’, desdobramentos
provocados pela ‘inspiração’, etc. Esta possibilidade é facultada pelo
aparelho lingüístico da enunciação, sui-reflexivo, que compreende um
jogo de oposições do pronome e do antônimo (eu/me/mim)
(BENVENISTE, 1989, p. 88).
Muitos outros desdobramentos podem ser estudados no contexto da enunciação e
suas alterações lexicais, que são determinadas pela própria enunciação. Seria preciso
também distinguir a enunciação falada da enunciação escrita. Esta se “situa em dois
planos: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita, ele faz os
indivíduos se enunciarem” (BENVENISTE, 1989).
13. 22
Vê-se, assim, que a enunciação é o único meio de posicionar temporal e
espacialmente o locutor, além de ser objeto de mobilização individual deste, manipulando
as noções de objetividade e de subjetividade no texto.
14. OS DÊITICOS
Os dêiticos, segundo Maingueneau (1996), não são o único meio de que a língua
dispõe para operar uma localização. Podemos encontrar uma localização absoluta, onde o
enunciador e o conjunto da obra nos localiza no tempo e no espaço da mesma, (em Belo
Horizonte, no Brasil, no jantar), na qual os termos são de certa forma “autodeterminados”.
Os dêiticos espaciais em geral são colocados na boca dos personagens e
interpretados graças às informações fornecidas pelo contexto; e se não há narrador, é
preciso que o texto, de alguma maneira, encontre meios para esclarecer as referências
dêiticas.
Existem dois tipos de dêiticos: demonstrativos e adverbiais. Alguns dêiticos são
demonstrativos puros, que acompanham um gesto do enunciador (isto, isso, aquilo); outros
combinam sentido lexical e valor dêitico. Exs: Esta mesa, essa casa, aquele livro azul; ou
por pronominalização, por exemplo: isto aqui, aquilo lá.
Coexistindo com os dêiticos demonstrativos, existem os dêiticos adverbiais, que se
distribuem em diversos micro-sistemas de oposições: aqui/ aí/ lá, perto/ longe, na frente/
atrás, à esquerda/ à direita, etc; todos com valor em função do gesto, da posição ou da
orientação do corpo de seu enunciador.
Qualquer mudança em um desses parâmetros modifica correlativamente
os objetos suscetíveis de serem assim localizados: se um enunciador se
vira, o que estava ‘na frente’ passa ‘para trás’, o que estava ‘à esquerda’
está agora “à direita” (MAINGUENEAU, 1996, p. 26).
A referência dêitica, portanto, leva em conta não as outras unidades internas do
discurso, mas elementos que lhe são exteriores e que dizem respeito à situação de
comunicação (Brandão, 1998, p.48).
Quando um dêitico não está explícito, tende-se inevitavelmente a
considerar que, se pudéssemos assistir à cena descrita ou penetrar na
15. 24
consciência das personagens, veríamos o que ela designa. Isto é esquecer
que este mundo, supostamente representado pela ficção, só existe
precisamente... por esta ficção. Nesse sentido, uma narrativa não poderia
fornecer insuficientemente informações: ela fornece por definição o que é
necessário à sua própria economia. Se uma informação não é fornecida, é
porque a narrativa é feita de tal maneira que ela não deve mesmo sê-lo
(MAINGUENEAU, 1996, p. 25).
Toda atividade de linguagem é um processo marcado pela inscrição do sujeito.
Dentre os componentes que devem ser focalizados ao se estudar uma prática discursiva,
estão aqueles ligados à presença dos traços lingüísticos que instauram a subjetividade.
Nesse sentido, as unidades lingüísticas que carregam, por excelência, essas marcas de
subjetividade e que se inscrevem na estrutura do enunciado, são os dêiticos que abrangem
tanto os índices de pessoa quanto os índices de ostentação (BENVENISTE, 1989 apud
BRANDÃO 1998). Kerbrat-Orecchioni (1980 apud BRANDÃO, 1998, p. 47- 48),
distingue três tipos de mecanismos referenciais:
a) referência absoluta: quando, para denominar x, basta levar em consideração este
objeto x, sem necessidade de nenhuma informação a mais. Ex.: uma moça loira;
b) referência relativa ao contexto lingüístico: na escolha de um termo para designar
x, o locutor toma y como elemento de referência. Ex: a irmã de Pedro – o significante
irmã não está ligado de maneira absoluta ao objeto, uma vez que este mesmo objeto pode
ser denominado também de “esposa de Eduardo”, “prima de Roberto” etc., dependendo do
elemento y que foi selecionado como ponto de referência;
c) referência relativa à situação ou “dêitica”: enquanto no caso anterior, a escolha
do termo x não depende diretamente da situação de alocução, aqui a escolha da unidade
significativa apropriada e sua interpretação referencial se fazem levando em conta dados
particulares da situação de comunicação, isto é, do papel que x exerce (locutor, alocutário,
delocutário) no processo de alocução, podendo ser representados pelos pronomes pessoais:
eu/tu/ele (e respectivas variações). Desse tipo de referência participam os dêiticos, que são,
16. 25
segundo Brandão (1998), um conjunto de signos vazios, não referenciais com relação à
realidade, sempre disponíveis e que se tornam plenos assim que um locutor os assume em
cada instância do discurso.
Portanto, a referência dêitica, leva em conta não só as outras unidades internas do
discurso, mas elementos que lhe são exteriores e que dizem respeito à situação de
comunicação (PARRET, 1983 apud BRANDÃO, 1998, p. 48 - 49).
17. O DISCURSO DIRETO
As gramáticas se referem ao discurso direto como sendo uma reprodução fiel do
discurso citado, transformando o locutor em uma espécie de gravador ideal.
A literatura mantém uma relação essencial com o que é chamado já há
algum tempo de ‘intertextualidade’. Temos cada vez mais tendências a
nos distanciarmos da concepção romântica que faz da obra uma espécie
de ilha, a expressão absoluta de uma consciência, e abordamos os textos
literários como produto de um trabalho sobre outros textos. Tal questão
ultrapassa em muito o domínio estrito da lingüística. Esta última,
entretanto, é diretamente implicada quando se trata de estudar as formas
da citação: toda língua natural possui regras que lhe permitem citar
(MAINGUENEAU, 1996, p. 103).
As marcas típicas do discurso direto, segundo Platão e Fiorin (1999), apresentam
algumas características importantes:
a) Vem introduzido por um verbo que anuncia a fala do personagem, ex:
murmurou, disse, falou, gritou perguntou, respondeu, etc. Esses verbos costumam ser
denominados “verbos de dizer”.
b) Normalmente, antes da fala do personagem, há dois pontos e travessão 3 .
c) Os pronomes, o tempo verbal e palavras que dependem de situação são usados
literalmente, determinados pelo contexto em que se inscreve o personagem: o personagem
que fala usa a 1ª pessoa; para falar com o interlocutor, utiliza-se da 2ª pessoa; os tempos
verbais são ordenados em relação ao momento da fala e assim por diante.
Cunha e Cintra (2001) afirmam que, no plano expressivo, a força da narração em
discurso direto provém essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo
surgir da situação do personagem, tornando essa viva para quem ouve. Na reprodução
direta, a narração ganha naturalidade e vivacidade, enriquecidas por elementos lingüísticos
3
Alguns autores modernos, como José Saramago, fazem uso das letras maiúsculas e de outros artifícios para
introduzir o discurso direto. Isso ainda é motivo para muitos estudos estilísticos.
18. 27
tais como exclamação, interrogação, interjeição, vocativo e imperativos, que costumam
impregnar de emotividade a expressão oral.
Observe-se, também, que a variedade de verbos introdutores oferecida
pela língua portuguesa aos seus usuários permite a quem se sirva do
discurso direto caracterizar, com precisão e colorido, a atitude da
personagem cuja fala vai ser textualmente reproduzida (CUNHA, 2001,
p. 637).
Por isso, essa forma de relatar é preferivelmente adotada nos atos diários de
comunicação e nos estilos narrativos em que os autores pretendam representar diante dos
que os lêem.
Entretanto, deve-se questionar a noção de discurso “citado”. Só há discurso
“citado” se aceitarmos o quadro instaurado pela ilusão narrativa. A narração não cita falas
anteriores que a alterariam, porém ela as cria totalmente, da mesma forma que as do
discurso citante. Nesse quadro, a “fidelidade” do discurso direto aparece como uma
“conveniência literária”. Não se vê como os enunciados em discurso direto poderiam ser
infiéis, já que têm o mesmo grau de realidade que o discurso citante.
Podemos concluir então que, conforme Corrêa (2003), quando o autor se utiliza do
discurso direto, ele pode estar eximindo o narrador da responsabilidade do julgamento,
distribuindo o fazer interpretativo, ou seja, o papel do observador entre os vários
personagens do enunciado ao próprio personagem, que em discurso direto se torna o
“senhor de suas próprias palavras”, ou repetidor “quase” fiel das palavras de outrem e é
nessa enunciação que podem estar presente as idéias e as ideologias do personagem.
19. O DISCURSO INDIRETO
A estratégia do discurso indireto é totalmente diferente. Enquanto o discurso direto
“supostamente” repete as palavras de um outro ato de enunciação e dissocia dois sistemas
enunciativos, o discurso indireto só é discurso citado por seu sentido.
Todos os níveis da subjetividade enunciativa são afetados por essa perda da
autonomia. As pessoas e os dêiticos ficam dependendo do discurso citante.
Isso significa que “Eu te odeio” possa ser traduzido por “Ele me declarou que me
odiava”; neste caso, o eu do discurso citado passa a “não-pessoa” e o tu a eu, já que o tu se
torna o enunciador do discurso citante.
Gramaticalmente, o discurso indireto também é introduzido por um verbo
declarativo (dicendi), tais como: dizer, afirmar, ponderar, confessar, responder. As falas
das personagens aparecem, no entanto, numa oração subordinada substantiva. Isso ocorre
no plano formal.
Em algumas orações, pode ocorrer a elipse da conjunção integrante, como em:
“Sophia garantiu voltar”.
Já no plano expressivo, Cunha e Cintra (2001) dizem que:
Assinale-se, em primeiro lugar, que o emprego do discurso indireto
pressupõe um tipo de relato de caráter predominantemente informativo e
intelectivo, sem a feição teatral e atualizadora do discurso direto. O
diálogo é incorporado à narração mediante uma forte subordinação
semântico-sintática estabelecida por meio de nexos e correspondências
verbais entre a frase reproduzida e a frase introdutora. Como na passagem
ao discurso indireto, todas as formas de discurso direto de primeira ou de
segunda pessoa se apresentam em terceira pessoa, dá-se em geral um
esvaecimento das realidades concretas de tempo e lugar a que as pessoas
e coisas referidas estariam vinculadas (CUNHA; CINTRA, 2001, p. 639).
Dessa forma, o narrador subordina a enunciação a si e à personagem, retirando a
forma própria e afetiva da expressão. Não se deve concluir que esse seja um recurso
20. 29
estilístico pobre. O seu uso ressalta o pensamento, a essência significativa do enunciado
reproduzido, deixando em segundo plano as circunstâncias e os detalhes acessórios que o
envolvem.
Em matéria de dêiticos, segundo Maingueneau (1996), encontramos a seguinte
forma de conversão: os dêiticos que figuram numa citação em discurso indireto “são
necessariamente situados em relação ao discurso citante”. Assim, no enunciado Pedro me
afirmou que Ana estava aqui e que partiria amanhã, os dêiticos aqui e amanhã podem ou
não ter sido proferidos por Pedro, mas uma coisa é certa: eles só são empregados neste
enunciado, porque designam o lugar de enunciação do discurso citante (aqui) e o dia
posterior a esta enunciação (amanhã).
Maingueneau (1996) acrescenta também que a maioria dos verbos introdutores de
discurso indireto podem ser utilizados no discurso direto.
Em compensação, um bom número de verbos suscetíveis de marcar a
presença de discurso direto não poderia servir para o discurso indireto:
persistir, explodir, fazer, perseguir, etc. (MAINGUENEAU, 1996, p.
113).
No discurso indireto, é o narrador que organiza todo o enunciado, mas atribuindo
certos trechos a outro enunciador, que Fiorin denominou de locutor. “Locutor 4 é a voz de
outrem que ressoa num enunciado de um narrador ou de um interlocutor”. (FIORIN, 1999,
p. 70). “Portanto o discurso indireto estabelece duas fontes enunciativas, porém
subordinadas ao dizer de um único narrador” (CORRÊA, 2003, p. 145).
Segundo Platão e Fiorin (1999, p. 182), o discurso indireto possui suas marcas
próprias, sendo assim:
4
É preciso não confundir com o “locutor” de Ducrot, que corresponderia ao narrador, àquele que pode dizer
“eu” (CORRÊA, 2003, p. 145).
21. 30
- O discurso indireto vem introduzido por um verbo de dizer, (como ocorre também no
discurso direto).
- Também vem separado da fala do narrador não por sinais de pontuação, mas por uma
partícula introdutória (conjunções integrantes), geralmente a conjunção que ou se.
- Os pronomes, o tempo verbal e elementos que dependem da situação são determinados
pelo contexto em que se inscreve o narrador e não o personagem: o verbo ocorre na 3º
pessoa, o tempo verbal está em correlação com o tempo em que se situa o narrador, a
mesma coisa acontecendo com os advérbios e demais palavras de situação.
Confrontemos o discurso direto com o indireto:
Discurso direto: Dona Norma disse: - Daqui a duas horas tudo estará acabado.
Discurso indireto: Dona Norma disse que dali a duas horas tudo estaria acabado.
Convém notar, por fim, que, “na conversão do discurso direto para o indireto, as
frases interrogativas, exclamativas e imperativas passam todas para a forma declarativa”
(PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 183). Ex:
Discurso direto: Ele me perguntou: - Quem está aí?
Discurso indireto: Ele me perguntou quem estava lá.
Maingueneau (1996) afirma que as características do discurso indireto levam-nos
constantemente a nos interrogar sobre a possibilidade de falar sobre a enunciação de
outrem a fim de lhe dar um equivalente. Assim, do enunciador do discurso indireto não
supõe que se reconstitua nada mais que o significado do que ele cita, no entanto nada o
impede, o que é bem freqüente, de utilizar as próprias expressões do discurso citado. Na
falta de marcas de distanciamento explícito, não se sabe a quem atribuir os traços de
subjetividade e as palavras empregadas; se se atribuem ao relator ou se essas marcas se
atribuem ao locutor original. Pode também acontecer que o destinatário identifique este ou
22. 31
aquele elemento como pertencente às palavras do locutor citado (porque ele percebe um
descompasso com o discurso citante, porque ele conhece o relator ou aquele que é citado).
Observe-se, em Vidas Secas (RAMOS, 2001, p. 37), um exemplo do discurso
indireto: “[...] afirmar ao doutor juiz de direito, ao delegado, a seu vigário e aos cobradores
da prefeitura que ali dentro ninguém prestava para nada”.
23. 32
BREVE HISTÓRIA DO DISCURSO INDIRETO LIVRE
“O discurso indireto livre constitui o caso mais importante e sintaticamente mais
bem fixado (pelo menos em francês) de convergência indiferente de dois discursos com
diversa orientação do ponto de vista da entonação” (BAKHTIN, 2004, p. 170).
Sobre este assunto, Bakhtin diz:
Há nas relações sociais aquilo que é chamado a pergunta retórica, ou
exclamação retórica. Alguns casos desse fenômeno são especialmente
interessantes por causa do problema da sua localização contextual. Eles
situam-se, de alguma forma, na própria fronteira do discurso narrativo e
do discurso citado (usualmente discurso interior) e entram muitas vezes
diretamente em um ou outro discurso. Assim, podem ser interpretados
como uma pergunta ou exclamação da parte do autor, mas também, ao
mesmo tempo, como pergunta ou exclamação da parte da personagem,
dirigida a si mesma (BAKHTIN, 2004, p. 170).
Diferentes autores propuseram diferentes termos para designar o fenômeno do
discurso indireto livre. De fato, cada um daqueles que escreveu sobre esse assunto propôs
seu próprio termo.
Mesmo assim, ainda se questiona quando esse fenômeno discursivo foi observado e
descrito. Questiona-se particularmente a data exata de seu surgimento, se foi na literatura
medieval ou só no século XVII. Discute-se também para saber se se tratava de um tipo de
enunciação reservado à narração literária ou se era encontrado também no uso coloquial da
língua. Mas é na literatura romanesca que ele é empregado no máximo de suas
possibilidades, especialmente a partir da metade do século XIX.
A primeira menção desse fenômeno como uma forma especial de citação do
discurso, ao lado do discurso direto e indireto, segundo Bakhtin (2004), deve-se a Tobler
em 1887. Tobler definiu o discurso indireto livre como uma “peculiar mistura de discurso
direto e indireto” (TOBLER apud BAKHTIN, 2004).
24. 33
Passemos agora a Kalepki, que igualmente estudou o discurso indireto livre. Ele
reconheceu o discurso indireto livre como uma forma completamente autônoma de citação
do discurso de outrem (KALEPKI apud BAKHTIN, 2004). A significação lingüística
dessa forma reside no fato de que é preciso adivinhar quem tem a palavra. Seria
impossível estar de acordo com Kalepki, quando este diz que nos encontramos diante de
um discurso “mascarado” e que apenas o fato de ter que identificar o falante é que dá
interesse a esse recurso gramatical.
Em resposta às indagações feitas a respeito da funcionalidade dos vários modos de
reproduzir ou citar o discurso alheio, Platão e Fiorin (1999) disseram que cada tipo de
citação assume um papel distinto no interior do texto; que a escrita de um ou de outro
processada pelo narrador, poderiam revelar suas intenções e sua própria visão de mundo.
Assim:
Ao optar pelo discurso direto, o narrador cria um efeito de verdade,
dando a impressão de que preservou a integridade do discurso citado e a
autenticidade do que reproduziu. Além disso, mantendo a mesma
entonação, dá mostras de conservar inclusive a mesma carga subjetiva do
personagem” (PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 184).
Surgiu, posteriormente, uma abordagem nova para explicar o discurso indireto
livre: a afetividade na língua, a imaginação, a sensibilidade, o gosto lingüístico, etc,
responsáveis pelo efeito expressivo desse discurso.
Ainda segundo Bakhtin, em 1919, Eugen Lerch tornou público seu ponto de vista
sobre o discurso indireto livre. Ele definiu-o como “discurso enquanto fato”. Lerch
(LERCH apud Bakhtin, 2004) afirma que “o discurso de outrem é transmitido dessa forma
como se seu conteúdo fosse um fato, relatado pelo próprio autor”. Assim, comparando os
discursos direto, indireto e indireto livre do ponto de vista da realidade expressa no seu
conteúdo, Lerch chega à conclusão de que “o discurso indireto livre é o mais próximo da
realidade” (LERCH apud BAKHTIN, 2004, p.181).
25. 34
Desta maneira, o discurso indireto livre constitui uma forma direta de representação
da apreensão do discurso de outrem, do vívido efeito produzido por este; por isso, convém
mal à transmissão do discurso a uma terceira pessoa. Nesse caso, a natureza dos fatos
relatados seria alterada e ficaria a impressão de que a pessoa fala consigo mesma ou é
vítima de alucinações. Portanto, “o discurso indireto livre não é utilizado na conversação e
serve apenas às representações do tipo literário. Aí, o seu valor estilístico é imenso”
(LORCK apud BAKHTIN, 2004, p. 182).
Bally (apud BAKHTIN, 2004, p. 178), considera o discurso indireto livre “como
uma variedade nova, tardia, da forma clássica do discurso indireto”. Segundo ele, a queda
da conjunção “que” explica-se por umas tendências mais recentes, próprias da língua, a
preferir as combinações paratáticas 5 das proposições hipotáticas 6 . Ainda segundo ele, o
discurso indireto livre não constitui uma forma fixada, mas está, ao contrário, em plena
evolução “tendendo para a forma do discurso direto”, que constitui o seu limite extremo.
Nos casos mais característicos, chega a ser difícil determinar onde termina o
discurso indireto livre e onde começa o discurso direto (BAKHTIN, 2004, p. 178).
Ainda conforme o pensamento de Bally (BALLY apud BAKHTIN, 2004, p. 178),
“Há uma discriminação estrita entre as ‘formas lingüísticas’ e as ‘figuras do pensamento’.
Esse último termo recobre os meios de expressão, que são ilógicos do ponto de vista da
língua”; nos quais a relação normal entre o signo lingüístico e sua significação habitual é
anulada. Para ele, “as figuras de pensamento não podem ser reconhecidas como fenômenos
5
“Parataxe” que, segundo o Dicionário de lingüística e fonética, designa um “Termo usado na análise
Gramatical Tradicional e freqüentemente nos estudos da Lingüística Descritiva, com referência a construções
ligadas apenas por justaposição e pontuação/entonação e não pelo uso de conjunções. As “construções
paratáticas” se opõem às hipotáticas, que fazem uso das conjunções. A “parataxe” é ilustrada por: Ele
comprou chá, café, ovos e leite” (CRYSTAL, 2000, p. 196-97)
6
Ou “hipotaxe” que, também segundo o Dicionário de lingüística e fonética, designa um “Termo usado na
análise Gramatical Tradicional, e freqüentemente nos estudos de Lingüística Descritiva, para caracterizar as
construções subordinadas em que os constituintes foram unidos por meio de conjunções. As “construções
hipotáticas” se opõem às Paratáticas, em que a ligação se dá apenas por meio de justaposição ou
pontuação/entonação. A “hipotaxe” é ilustrada por: O homem riu quando o cachorro latiu”. Em oposição a
:O homem riu; o cachorro latiu.. (CRYSTAL, 2000, p. 139).
26. 35
lingüísticos no sentido estrito de termo” (BALLY apud BAKHTIN 2004, p 178). Pelo
exposto, segundo o autor, não existem índices lingüísticos claros e estáveis servindo à sua
expressão. Ao contrário, “os índices lingüísticos correspondentes têm justamente uma
significação diferente no sistema da língua, diferente daquela que lhes dão as figuras de
pensamento” (BALLY apud BAKHTIN 2004, p. 178). Ele ainda relaciona o discurso
indireto livre, nas suas formas puras, a essas figuras de pensamento.
Para Bakhtin (2004, p. 183), “é à imaginação do leitor que o escritor se dirige,
quando usa essas formas”. O que ele procura, não é relatar um fato qualquer ou um produto
do seu pensamento, mas comunicar suas impressões, despertar na alma do leitor imagens e
representações vívidas. Ele não se dirige à razão, mas à imaginação. Apenas a inteligência
que raciocina e analisa pode tomar a posição de que o autor é quem fala no discurso
indireto livre; para a imaginação viva, é o herói que fala. A imaginação é a mãe dessa
forma.
Authier-Revuz afirma que:
Os discursos diretos e indiretos foram assim claramente colocados em
oposição, como modos de apreensão e de representação da palavra de
outrem: reificação do enunciado, colocado à distância, ‘claramente
isolado, compacto e inerte’, pelo discurso direto e, apropriação analítica
suplementar efetuada pelo discurso indireto, que Bakhtin relaciona aos
dois modos de inculcação 7 ideológica que constituem a ‘palavra
autoritária’ e a ‘palavra persuasiva (AUTHIER-REVUZ, 1982, p. 21).
Mas é, sobretudo, o discurso indireto livre que retém a atenção, como sendo uma
tendência completamente nova na apreensão ativa do enunciado de outrem, da interação do
discurso narrativo e do discurso relatado (AUTHIER-REVUZ, 1982).
7
Do verbo inculcar, que segundo o Miniaurélio Século XXI Escolar (2000) significa: 1. Apontar, citar,
recomendar. 2. Demonstrar. 3. Repetir várias vezes para guardar no espírito. 4. Propor, indicar, aconselhar. 5.
Gravar, fixar (FERREIRA, 2000, p. 382).
27. 36
Garcia (2000,) afirma que o latim e o grego desconheciam o discurso indireto livre
e que Charles Bally 8 encontrou traços dele no francês antigo, mas não no período do
Renascimento. Rabelais dele se serviu ocasionalmente. Era, segundo ainda Bally, o
processo favorito de La Fontaine. No entanto, os clássicos, dada a influência da sintaxe
latina, não o empregaram.
“Na literatura luso-brasileira da era clássica, não há dele senão esporádicos
exemplos” (GARCIA, 2000, p. 146).
O que é certo, porém, segundo Garcia (2000, p. 146-47), é que, a partir dos meados
do século XIX, o estilo indireto livre começou a generalizar-se, por influência de Flaubert
e Zola. Mas foi somente em 1912 que Charles Bally chamou a atenção para a nova técnica,
até então ignorada pelas gramáticas 9 , e ele nomeou essa nova técnica, até então ignorada,
de estilo indireto livre.
No Francês antigo, revela-nos Bakhtin (2004), que as estruturas psicológicas
estavam longe de distinguir-se tão rigorosamente das estruturas gramaticais como acontece
hoje. As combinações paratáticas e hipotáticas 10 misturavam-se de diversas maneiras.
Bakhtin explica ainda que a pontuação ainda estava em esboço, e por isso “não
havia ainda fronteiras rígidas entre os discursos direto e indireto. O narrador não sabe
ainda separar as representações de sua imaginação do seu “eu” pessoal” (BAKTHIN, 2004,
p. 185).
Ainda segundo esse autor, o narrador participa por dentro dos atos e das palavras
dos seus personagens, coloca-se como seu intercessor e defensor; não aprendeu a transmitir
o discurso de outrem na sua forma exterior e palavra por palavra, “abstendo-se de qualquer
intervenção pessoal” (BAKTHIN, 2004, p. 185).
8
“Lê style indirect libre em français moderne”, artigo publicado na revista Germanisch-Romanisch
Monatschrift em 1912.
9
Porque, diz Bally, “o estilo indireto livre é uma forma de pensamento, e os gramáticos partem das formas
gramaticais” (op. Cit. p. 605).
10
Termos já descritos na nota da página 37.
28. 37
O temperamento francês antigo estava ainda longe da observação imparcial,
descompromissada e também do julgamento objetivo. No entanto, essa diluição do autor
nos seus personagens não é resultado de uma escolha deliberada; era também uma
necessidade. Ele não tinha à sua disposição formas claras e lógicas que permitissem uma
delimitação estrita. E é sobre essa base gramatical insuficiente e não como procedimento
estilístico livre que se viu aparecer em francês antigo o discurso indireto livre (BAKTHIN,
2004).
No fim da Idade Média, em francês medieval, essa imersão do autor nos
sentimentos experimentados por seus personagens não tem mais lugar Bakhtin (2004). A
este respeito Bakhtin (2004, p. 186) diz: “Encontra-se muito raramente o ‘presente
histórico’ entre os historiadores dessa época e o ponto de vista do narrador distingue-se
claramente do das personagens representadas. O sentimento cede lugar à razão”. Assim, a
transmissão do discurso de outrem se torna impessoal, sem cor e graça, e a voz do narrador
abafa a do enunciador.
Bakhtin (2004) disse também que o período de despersonalização sucede ao
individualismo fortemente marcado do Renascimento, e a intuição desempenhou
novamente um papel na transmissão do discurso de outrem. Ele ainda acrescenta que o
narrador tentou novamente aproximar-se do seu personagem, estabelecendo com ele
relações mais íntimas, e esse estilo foi caracterizado pela sucessão flexível e livre,
psicologicamente colorida e caprichosa, dos tempos e modos.
Mais adiante, no século XVII, “em contraposição ao irracionalismo lingüístico do
Renascimento, começam a constituir-se regras rígidas de emprego dos tempos e dos modos
no discurso indireto 11 ” (BAKHTIN, 2004, p.186).
11
Particularmente graças a Houdin, 1932.
29. 38
Com isso, estabeleceu-se um equilíbrio harmonioso entre as faces objetiva e
subjetiva do pensamento, entre a análise objetiva e a expressão das atitudes pessoais.
Como procedimento estilístico livre e consciente, o discurso indireto livre só podia
aparecer depois da criação, graças à introdução da concordância dos tempos, de um
contexto gramatical no qual pudesse destacar-se claramente.
Ele aparece primeiro em La Fontaine e conserva nele o equilíbrio, característico do
Neoclassicismo, entre o subjetivo e o objetivo (BAKHTIN, 2004, p. 186).
Sobre isso, o autor escreve que:
A omissão do verbo introdutório indica a identificação do narrador ao
herói; quanto à utilização do imperfeito (contrastando com o presente do
discurso direto) e à escolha do pronome (correspondente ao discurso
indireto), indicam que o narrador conserva sua posição autônoma, que ele
não se dissolve totalmente na atividade mental do seu herói (BAKHTIN,
2004, p. 186).
“Esse procedimento convinha particularmente ao fabulista La Fontaine, na medida
em que rompe o dualismo da análise abstrata e da impressão imediata, aliando-as
harmoniosamente” (BAKHTIN, 2004, p. 187).
Se La Fontaine utiliza esse procedimento, isso indica que ele se simpatizava
profundamente com as suas personagens; La Bruyère tira dele efeitos satíricos
contundentes. Ele não representa seus caracteres num país imaginário e seu humor não é
nada suave; no entanto, Bruyère exprime, por meio do discurso indireto livre, seu conflito
interno com eles, sua superioridade sobre eles. Ele se destaca das personagens que
representa. A pseudo-objetividade de La Bruyère serve para mudar ironicamente todas as
suas representações (BAKHTIN, 2004).
O esboço histórico do desenvolvimento do discurso indireto livre em alemão,
tomados de Eugen Lerch, diz que o discurso indireto livre apareceu tardiamente; é
encontrado pela primeira vez em Thomas Mann, na obra Os Buddenbrooks (1901),
aparentemente sobre a influência direta de Zola.
30. 39
Mas é sem dúvida em francês que o discurso indireto livre, estando longe de
transmitir uma impressão passiva produzida pela enunciação de outrem, exprime uma
orientação ativa, que não se limita meramente à passagem da primeira à terceira pessoa,
mas introduz na enunciação citada suas próprias entonações, que entram então em contato
com as entonações da palavra citada, interferindo nela.
Segundo Lorck e Lerch (apud BAKHTIN, 2004, p. 191), “O sentido do discurso
não existe fora de sua acentuação e entonação vivas”. No discurso indireto livre,
identificamos a palavra citada não tanto graças ao sentido, considerado isolado, mas,
graças às entonações e acentuações próprias do personagem, e também as orientações
apreciativas do discurso (BAKHTIN, 2004).
Nós podemos assim perceber que os acentos e as entonações do autor estão
interrompidos por esses julgamentos de valor de outra pessoa. E é isso, como aponta
Bakhtin (2004, p. 191), “que distingue o discurso indireto livre do discurso substituído, no
qual nenhum acento novo aparece em relação ao contexto narrativo”.
31. 40
O DISCURSO INDIRETO LIVRE ABORDADO
GRAMATICALMENTE
Segundo Maingueneau:
O discurso indireto livre representou por muito tempo um desafio para a
análise gramatical. Encontramos, com efeito, aí misturados, elementos
que geralmente consideramos disjuntos: a dissociação dos dois atos de
enunciação, características do discurso direto, e a perda de autonomia
dos embreantes 12 do discurso citado, característica do discurso indireto
(MAINGUENEAU, 1996, p. 116).
Essa forma mista, segundo Tobler, deriva o seu tom e a ordem das palavras do
discurso direto e os tempos verbais e pessoas do discurso indireto (TOBLER apud
BAKHTIN, 2004).
O falante, contando fatos passados, introduz a enunciação de um terceiro
sob forma independente da narrativa, isto é, na forma que ela teve no
passado. Fazendo isso, o falante transforma o presente da enunciação em
imperfeito, para mostrar que a enunciação é contemporânea dos
acontecimentos relatados. Depois ele realiza outras transformações (das
formas pessoais do verbo, dos pronomes) para que não se pense que se
trata da enunciação do próprio narrador (BAKHTIN, 2004, p. 175).
O discurso direto possui as marcas da pessoa que os proferiu. Sendo, portanto uma
representação fiel dos atos da fala.
No entanto, ao usar o discurso indireto livre, o autor mescla a fala do narrador com
a do personagem. Do ponto de vista gramatical, o discurso é do narrador; do ponto de vista
do significado, o discurso é do personagem. Isso é possível pela queda dos elos
subordinativos e dos verbos de dizer presentes no discurso indireto. Por isso, “o discurso
indireto livre cria um efeito de sentido que fica a meio caminho entre a subjetividade e a
objetividade. Nele, são duas vozes que se expressam, a do narrador e a do personagem”
(PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 185).
12
Palavra que adquire significação, somente relacionada a um referente, a uma situação.
32. 41
Fiorin (1999) considera particularmente cômodo para um autor poder deslizar, sem
ruptura da narração, dos acontecimentos aos propósitos e pensamentos, voltando a seguir
para a narração dos acontecimentos. Assim:
“A queda da conjunção ‘que’ não serve para aproximar duas formas abstratas, mas
para aproximar duas enunciações 13 , em toda a plenitude de sua significação. Como se a
comporta se abrisse para permitir às ‘entonações’ do autor que escoem no discurso citado”
(BAKHTIN, 2004, p. 179).
Entretanto, o discurso indireto livre não é um fenômeno que concerne à sintaxe da
frase, mas apóia-se num conjunto textual de dimensões extremamente variáveis.
Maingueneau (1996, p. 120) ainda afirma que “o fato de o discurso indireto livre
não ter marcas próprias não implica, entretanto, que sua enunciação não seja submetida a
nenhuma restrição”.
Ou seja: “Dele são excluídos os elementos que o tornariam indiscernível do
discurso direto ou do discurso indireto: a subordinação por um verbo dicendi de um lado, a
presença do par de embreantes eu-tu, de outro” (MAINGUENEAU, 1996, p. 120).
“Podemos assim encontrar alguns eu ou alguns tu (bastando para isso que esse tu
coincida com o locutor ou com o alocutário do discurso citante), mas de modo algum um
par de interlocutores” (MAINGUENEAU, 1996, p. 120-121). Por exemplo, verifique-se:
Ele protestou com uma súbita firmeza e advogou contra si mesmo. 14
Eu não podia, dizia ele, avaliar a extensão do seu erro. 15
O “eu” não é personagem da qual se citam as falas em discurso indireto livre, mas o
autor do discurso citante, que não tem aqui a posição de uma pessoa do diálogo.
13
A ruptura metodológica entre as formas lingüísticas e as figuras de pensamento, entre “langue” e “parole”,
também resulta do mesmo objetivo hipotático. De fato, as formas lingüísticas, como as compreende Bally,
existem apenas nas gramáticas e nos dicionários (onde sua existência é totalmente legítima), mas, na
realidade viva da língua, elas estão profundamente imersas naquilo que, do abstrato ponto de vista
gramatical, é o elemento irracional das “figuras de pensée” (BAKHTIN, 2004. p. 179).
14
Citado no Grande Larousse de la Langue Française, p. 1349.
15
Idem.
33. 42
Ainda, segundo Maingueneau (1996), o discurso indireto livre apresenta feições
muito diversas, oscilando entre esses dois pólos extremos que são, de um lado, o discurso
desprovido de marcas de subjetividade do locutor citado e, de outro, um discurso próximo
do direto, no qual a voz da personagem domina sobejamente a do narrador.
Do ponto de vista extremamente gramatical, trata-se do discurso do autor; conforme
o sentido, é do personagem. “Mas esse ‘conforme o sentido’, não é representado por
nenhum signo lingüístico particular. Estamos como já foi dito neste trabalho ‘diante’ de um
fenômeno extralingüístico” (BAKHTIN, 2004, p. 178-79).
“Como o nome sugere, o estilo ou discurso indireto livre ou semi-indireto apresenta
características híbridas: a fala de determinada personagem, ou fragmentos dela, inserem-se
discretamente no discurso indireto, através do qual, o autor relata os fatos” (GARCIA,
2000, p. 147).
No indireto puro, o processo sintático é o da dependência por conectivo
integrante; no direto, é o da justaposição, como verbo dicendi claro ou
oculto; no indireto livre, as orações da fala são, de regra, independentes,
sem verbos dicendi, mas com transposições do tempo do verbo (pretérito
imperfeito) e dos pronomes (3ª pessoa). Como não inclui nem admite
dicendi, não é cabível sua transformação em objeto direto do verbo
transitivo – e é isto que o distingue do direto e do indireto puro
(GARCIA, 2000, p. 147).
É do ponto de vista da imaginação que Lorck (apud BAKHTIN, 2004) tenta
compreender e explicar a forma do imperfeito no discurso indireto livre. “Com o
imperfeito, nosso olhar se orienta para o interior para o mundo do pensamento em processo
de constituição”. Tem caráter de constatação factual, de reflexão e de impressão mental em
processo de desenvolvimento. A imaginação reconstitui neles o passado vivo.
Segundo Bakhtin (2004, p. 185), “em Lerch, é a ‘sensibilidade simpatizante’ que
desempenha o papel que tinha a imaginação em Lorck. O discurso indireto livre dá à
sensibilidade sua expressão mais adequada”; e ainda segundo Bakhtin (2004, p. 185), “as
34. 43
formas do discurso direto e indireto são condicionadas por um verbo introdutório (disse,
pensou, etc). Dessa maneira, o autor joga sobre o personagem a responsabilidade daquilo
que é dito”.
“Já no discurso indireto livre, graças à omissão do verbo introdutório, o autor
apresenta a enunciação do personagem como se ele mesmo se encarregasse dela, como se
tratasse de fatos e não simplesmente de pensamentos ou palavras” (BAKHTIN, 2004, p.
185).
Tal fato é possível “se o escritor se associa com toda a sua sensibilidade aos
produtos de sua própria imaginação, se ele se identifica completamente com eles” (LERCH
apud BAKHTIN, 2004, p. 185).
Esse discurso como já foi dito por Maingueneau (1996, p. 118), “Não possui modo
específico de introdução (ruptura ou subordinação). Nesse domínio, tudo pode convir,
desde que o leitor consiga notar o surgimento de uma dissonância enunciativa”. Muitas das
vezes ele faz uso de sinais existentes, como neste exemplo: “Etelvina teimava”. Este verbo
“teimava”, não é um verbo dicendi.
Por natureza, salienta Maingueneau (1996), o discurso indireto livre dificilmente é
compatível com modos de introdução claramente marcados. Os verbos dicendi não podem
identificá-lo no texto. Seu interesse é o de poder atenuar o desnível entre discurso citante e
discurso citado, sem para isso anular a autonomia do discurso citado. “As palavras e os
sentimentos das personagens são evocados diretamente, mas eles não rompem a trama
narrativa” (MAINGUENEAU, 1996, p. 119), já que o discurso do narrador é mantido.
Uma outra característica lingüística do discurso indireto livre, como já foi citado, é
a de que: “não existem marcas lingüísticas específicas para esta forma de citação. Dito de
outro modo, não se pode afirmar de um enunciado, fora do contexto, que seja um discurso
indireto livre” (MAINGUENEAU, 1996, p. 119).
35. 44
Desta forma, por ser dependente do contexto, o discurso indireto livre representa
sempre a fusão de aspectos subjetivos, manifestados numa mascarada objetividade do
narrador, na sua produção textual.
36. 45
O TEXTO
O texto, segundo Orlandi (2001, p.69), “não é definido pela sua extensão: ele pode
ter desde uma só letra até muitas frases, enunciados, páginas etc. Uma letra ‘o’, escrita em
uma porta, ao lado de outra com letra ‘a’, indicando-nos banheiro masculino e feminino”.
É um texto, pois é uma unidade de sentido nessa situação.
Isso se refere, em nossa memória, o fato de que em nossa sociedade, em nossa
história, a distinção masculino/feminino é significativa, e é praticada socialmente até para
distinguir lugares próprios (e impróprios) (ORLANDI, 2001).
Segundo a mesma autora, “textos são fatos da linguagem por excelência, os estudos
que não tratam da textualidade não alcançam a relação com a memória da língua”
(ORLANDI, 2001, p. 70).
“Para compreender como se propõe à análise de discurso, o leitor deve-se
relacionar com os diferentes processos de significação que acontecem com o texto. Esses
processos, por sua vez, são função da historicidade” (ORLANDI, 2001, p. 70).
“Compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, é compreendê-
lo enquanto objeto lingüístico-histórico, é explicitar como ele realiza a discursividade que
o constitui” (ORLANDI, 2001, p. 70).
Os textos individualizam, como unidade, como um conjunto de relações
significativas. Eles são assim, unidades complexas, constituem um todo que resultam de
uma articulação de natureza lingüístico/histórica (ORLANDI, 2001, p. 70).
Todo texto é heterogêneo: quanto à natureza trazendo memória para a
consideração dos elementos submetidos à análise. São os fatos que nos
permitem chegar à memória da língua: desse modo podemos
compreender como o texto funciona, enquanto objeto simbólico
(ORLANDI, 2001, p. 70).
37. 46
O discurso, diz ela: “é uma dispersão de textos e o texto é uma dispersão do sujeito.
O sujeito se subjetiva de maneiras diferentes ao longo de um texto. Há pontos de
subjetivação ao longo de toda a textualidade”.
O discurso universitário, por exemplo, se constitui de uma dispersão de textos: os
de professores, de alunos, de funcionários, de administradores, textos burocráticos,
científicos, pedagógicos etc. toda essa totalidade faz parte do discurso universitário”
(ORLANDI, 2001, p. 70).
Maingueneau (1996, p. 38) afirma que:
Quando se trata de ‘narração’, a noção de ‘situação de enunciação’ não
recebe necessariamente um sentido evidente. Implica a instauração de
certa relação entre o momento e o lugar a partir dos quais o narrador
enuncia e o momento e o lugar dos acontecimentos ele narra. Nesse
domínio, a variedade dos dispositivos que foram inventados parece
ilimitada e delicia os analistas das técnicas de romances
(MAINGUENEAU, 1996, p. 38).
“Pode haver dissociação completa entre o mundo narrado e a instância narrativa
que tenta apagar qualquer vestígio de sua presença. É o caso em particular, dos textos no
pretérito e em não-pessoa, nos quais o narrador não interven” (MAINGUENEAU, 1996, p.
38).
Ainda, segundo o mesmo autor, “podemos, ao contrário, observar uma coincidência
entre a enunciação e o universo narrado, porém na maior parte das vezes o texto institui
dispositivos mais sutis” (MAINGUENEAU, 1996, p. 38).
“Assim como definimos o discurso como efeito de sentido entre locutores e
consideremos, na sua contrapartida, o texto, como sendo uma unidade que podemos
empiricamente, representar como tendo começo, meio e fim, uma superfície lingüística
fechada nela mesma” (ORLANDI, 2001, p. 73).
38. 47
“Também consideramos o sujeito como resultando da interpolação do indivíduo
pela ideologia, mas o autor, no entanto, é representação de unidade e delimita-se na prática
social como uma função específica do sujeito” (ORLANDI, 2001, p.73).
De acordo com Vignaux (1979 apud orlandi 2001 ORLANDI 2001), “o discurso
tem como função constituir a representação de uma realidade. No entanto, ele funciona de
modo a assegurar a permanência de uma certa representação”.
Para isso diríamos, segundo Orlandi (2001), “que há na base do discurso um projeto
totalizante do sujeito, projeto que converte em autor. O autor é o lugar em que se realiza
esse projeto totalizante, o lugar em que se constrói a unidade do sujeito”.
“Como o lugar da unidade é o texto, o sujeito se constitui como o autor ao
constituir o texto em sua unidade, com sua coerência e completude. Coerência e
completude imaginárias” (ORLANDI, 2001, p.73).
39. 48
CARACTERISTICAS DO TEXTO LITERÁRIO E DO TEXTO
POÉTICO
“Na arte, a preocupação não é o que se mostra, mas o como se mostra. Logo, a
forma é o ponto central da comunicação artística” (CUNHA, 2002, p. 23).
“Estamos chamando de forma tudo o que, em qualquer interação, o interlocutor
percebe através de um dos sentidos. Numa pintura, é toda a extensão da tela e tudo contido
nela: linhas, cores, sombras, texturas das tintas etc” (CUNHA, 2002, p. 23).
“Na composição musical é tudo o que você ouve: sons, ritmos, silêncios (pausa).
No discurso do político, é tudo o que ele diz da primeira à última palavra, incluindo tons,
ritmos, silêncios, conjugado com o que ‘diz’ seu corpo” (CUNHA, 2002, p. 23).
“Isso quer dizer que qualquer ato de linguagem tem uma forma. A questão é que,
na arte, essa forma é um valor em si, buscado pelo artista: nesse interresse reside a
diferença entre a fala dele e a nossa fala” (CUNHA, 2002, p. 23).
“Um bom texto informativo tem também uma preocupação com a forma. Porém,
ela não interessa em si, está a serviço da informação” (CUNHA, 2002, p. 23).
A forma “é escolhida para garantir o melhor entendimento (se possível, de uma
forma convergente) do assunto a ser tratado. Na arte, a forma é escolhida para gerar
surpresa, ambigüidade, interpretações diferentes” (CUNHA, 2002, p. 23).
Além dessa clara busca de uma forma nova, “a expressão artística não procura
primeiramente informar: ela até apóia-se na realidade, mas sempre escolhe uma parte dela,
recorta-a e a interpreta” (CUNHA, 2002, p. 24).
Outro ponto fundamental das linguagens artísticas, explica a autora, “é o uso
preferencial da conotação. Para entendermos bem a conotação, temos de pensar que, em
geral, as palavras podem ter dois sentidos” (CUNHA, 2002, p. 24).
40. 49
Sobre a denotação Cunha (2002, p. 24) esclarece que:
O sentido mais neutro e generalizado de uma palavra, entre os falantes,
ou na comunidade. É o primeiro sentido registrados nos dicionários. Em
geral, por não gerar dúvidas, é o sentido quase exclusivo quando
queremos garantir uma produção de sentido muito semelhante, como no
caso dos textos informativos e científicos (CUNHA, 2002, p. 24).
E sobre a conotação:
O sentido (ou sentidos) somado ao sentido denotativo da palavra. A
conotação é sempre subjetiva e emocional. Depende do contexto e da
história do emissor e do receptor. O dicionário, no final do verbete de
determinadas palavras, traz alguns exemplos de sentido conotativo, o
chamado “sentido figurado” delas (CUNHA, 2002, p. 24).
Essas características, ainda segundo Cunha (2002), “estão na arte em geral,
portanto, na literatura, e aparecem tanto na prosa quanto na poesia. Quer dizer, tanto no
chamado gênero lírico quanto no gênero narrativo”.
Mas a lírica em algumas particularidades, que vamos estudar agora.
CARACTERÍSTICAS DO LIRISMO
No chamado gênero lírico, “um emissor – que não é obrigatoriamente o poeta –
expõe as emoções de um eu. O poeta pode estar traduzindo sentimentos que ele percebe
nos outros, mesmo sem que apareça a 1ª pessoa, os sentimentos são desse eu” (CUNHA,
2002, p. 23).
Em principio no gênero lírico, segundo Cunha (2002), “não há uma história: não há
principio, meio e fim, por isso, não temos como resumir o que lemos ou ouvimos num
poema”.
É fácil notar que o gênero lírico está muito associado à poesia, e ele se apresenta
mais comumente na forma de poemas. Chama-se lírico exatamente porque antigamente os
poemas eram musicados e cantados ao som da lira (CUNHA, 2002, p. 25).
41. 50
Cunha (2002), explica que “na poesia mais contemporânea tem mostrado outras
possibilidade do lirismo: o humor, a brincadeira, o jogo de palavras encontram lugar
seguro também na poesia”.
Segundo Cunha (2002), a poesia difere da prosa sobretudo na quantidade, não na
qualidade de seus elementos. Podemos dizer que as características da obra de arte
apontadas anteriormente são mais ‘concentradas’ na poesia”.
“No interesse pela forma, por exemplo, o texto poético tem ingredientes
visivelmente formais: os versos, o trabalho com a sonoridade, que envolve não só o ritmo,
mas todos os recursos ligados aos sons” (CUNHA, 2002, p. 26).
42. 51
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NARRATIVA
A narrativa conta uma história, curta ou longa, é uma sucessão de acontecimentos,
que transcorrem no tempo.
O ENRREDO
De acordo com Cunha (2002), “a organização desses acontecimentos chamamos
enredo. O enredo apresenta:
a) “Introdução (ou apresentação, ou orientação), através da qual o leitor
entra na história, começa a se envolver nela” (CUNHA, 2002, p. 10).
b) “Desenvolvimento, que tem dois momentos: a complicação que envolve
um elemento novo, criando um conflito, e o clímax, ponto mais alto da tensão, depois do
qual a situação tende a uma resolução” (CUNHA, 2002, p. 10).
c) “Desfecho, resolução agradável ou desagradável do ‘problema’, impasse,
ou tensão” (CUNHA, 2002, p. 10).
“Quando os fatos se apresentam na seqüência em que ocorreram, dizemos que o
enredo é linear, e o tempo, cronológico” (CUNHA, 2002, p. 10).
Segundo Cunha (2002), “às vezes, o narrador começa a história por outro ponto dos
acontecimentos: do meio ou do fim da história, voltamos ao ponto inicial. É o flashback.
(CUNHA, 2002, p. 10).
Às vezes, os fatos surgem fora da ordem em que ‘aconteceram’, em função das
lembranças da personagem: é o tempo psicológico (CUNHA, 2002, p. 10).
43. 52
O TEMPO
Quanto ao tempo, afirma Cunha (2002) que, “conforme o caso, podemos ter a
duração de poucos minutos (como nos causos), ou a duração de séculos, quando se conta a
história de gerações de uma família ou de uma comunidade”.
Ainda segundo Cunha(2002), “conhecer a época em que ocorrem os fatos é
fundamental para a compreensão da história: o comportamento dos envolvidos na narrativa
pode ser explicado pelas idéias, opiniões e crenças de sua época”.
“Da mesma forma, se a narrativa começa por uma frase como: ‘no tempo em que as
criancinhas nasciam em repolhos’, já sabemos que se pede para entrar no campo da
fantasia” (CUNHA, 2002, p. 11).
“Mas nem sempre a definição temporal se faz na narrativa; nesse caso, a sugestão é
de que a história poderia ocorrer em qualquer época, ou em muitas épocas” (CUNHA,
2002, p. 11).
O LUGAR
O mesmo ocorre com a especificação do lugar (ou lugares) onde são dados os fatos.
“Em certas narrativas, o espaço, ou ambiente, é absolutamente definidor da história. É o
que vemos em narrativas como Vidas Secas, Menino do Engenho, ou Mar Morto”
(CUNHA, 2002, p. 11).
44. 53
O NARRADOR
“Não existe narrativa sem narrador. É ele que nos põe a par dos acontecimentos e
nos guia na interpretação dos fatos. É pelos seus olhos que vemos o que passou” (CUNHA,
2002, p. 26).
Convém lembrar que ele é também uma invenção do autor, como as personagens.
Não é o autor, ainda que possa parecer que seja.
OS FOCOS NARRATIVOS
Para nos fazer chegar a história, explica Cunha (2002, p. 11) que, “o narrador
escolhe o ponto de vista, um lugar de onde ele ‘vê’ e de onde nos conta os acontecimentos.
Quer dizer, como no cinema, vemos o que o diretor/narrador nos permite ver.
“Essa escolha do ponto de vista é o que chamamos foco narrativo, e tem a ver com
o próprio papel do narrador na narrativa. Ele pode contar os fatos do lugar de uma
personagem, e não de outra, ou tentar ‘ver objetivamente’ os fatos” (CUNHA, 2002, p. 11).
Essas decisões mudam completamente a forma de o leitor perceber a história.
De acordo com a mesma autora, “o narrador pode aparecer como personagem da
história. Nesse caso, a narrativa se constrói em 1ª pessoa: eu, ou nós (CUNHA, 2002, p.
12).
“Outro tipo de narrador é aquele que não participa da história como personagem:
ele presencia, observa os fatos (ou quer dar essa impressão), ou relata o que lhe contaram.
Nesse caso, a narrativa ocorre em 3ª pessoa. É o narrador observador” (CUNHA, 2002, p.
12).
Quando o narrador não e é personagem, não está diretamente envolvido
com os acontecimentos, a sua história parece mais confiável. Pelo menos,
45. 54
é o que o narrador quer sugerir ao leitor. Mas ele tem lá a sua visão de
mundo, e escolhe os ângulos que privilegiem suas posições – ainda que
pareça imparcial (CUNHA, 2002, p.12).
Então, olho aberto! Pois, a narrativa pode ter muitas estratégias para nos convencer!
Há narradores que procuram ser bem objetivos: tentam relatar apenas o que podem
assegurar que estão vendo:procuram não fazer comentários, não imaginar o que sentem ou
pensam as personagens. Esses querem ser bem ‘realistas’, com rigor de observação
(CUNHA, 2002, p. 12).
Mas, como explica Cunha (2002, p. 12), “esse narrador é raro. È muito difícil
manter essa ‘neutralidade’: ao longo da narrativa, ele acaba traindo-se e revelando alguma
opinião, algum pensamento escondido da personagem”.
O mais comum, segundo Cunha (2002, p. 12), “é o narrador onisciente, onipresente
(está em todo lugar) e onipotente (pode tudo). Para esse narrador, conhecer os pensamentos
e sentimentos mais íntimos das personagens é muito fácil”.
Ele é, também, responsável pelo destino das personagens. E, a partir da importância
que ele dá a cada uma e do que revela das criaturas da história é que vamos nos aproximar
de umas, torcendo por elas e implicando com outras (CUNHA, 2002, p. 12).
AS PERSONAGENS
Os acontecimentos de uma narrativa envolvem personagens, os participantes que
são agentes ou pacientes da história.
“A personagem é protagonista quando é a principal; é antagonista, quando se opõe
à principal; ou é secundária, quando não é responsável por nenhum núcleo dos
acontecimentos” (CUNHA, 2002, p. 13).
46. 55
Segundo a mesma autora, quanto à sua caracterização, as personagens podem ser
“planas, quando não apresentam complexidade nem surpresas causadas por mudanças; ou
podem ser redondas, quando são complexas, difíceis de analisar, surpreendentes e em
evolução” (CUNHA, 2002, p. 13).
AS PERSONAGENS PENSAM E FALAM
Quando conversamos com alguém, empregamos a língua falada.
O rádio, a televisão e o cinema reproduzem situações de fala com bastante
facilidade, utilizando a possibilidade de gravar e reproduzir a voz das pessoas. “O cinema e
a televisão reproduzem, além da voz, outros elementos importantes numa conversa: os
gestos e a expressão fisionômica” (FARACO, 1992, p. 32).
Segundo o autor, “no teatro, os autores reproduzem, ao vivo, os diálogos entre as
personagens que eles fingem ser” (FARACO, 1992, p. 32).
“Nas histórias em quadrinhos, usam-se balões para reproduzir a conversa das
personagens” (FARACO, 1992, p. 32).
“No texto escrito não contamos com esses recursos. Para nos dar a conhecer aquilo
que as personagens pensam e falam, o narrador pode utilizar três construções: o discurso
direto, o indireto e também o indireto livre, como já foi dito” (FARACO, 1992, p. 39).
Faraco (1992, p. 44) afirma que, “na televisão, no teatro, no cinema, quando a
personagem deve gritar, o ator que representa essa personagem simplesmente altera a
fisionomia, muda o tom de voz e... grita!”.
“O ator representa a personagem imitando o que fazemos. Na vida real, quando
gritamos, nós alteramos a fisionomia e o tom de voz” (FARACO, 1992, p. 44).
47. 56
“Mas numa história desenhada ou escrita, não podemos contar com o som. Em
história em quadrinhos os autores resolvem esse problema mudando o contorno do balão
ou aumentando o tamanho das letras para sugerir que a personagem está gritando”
(FARACO, 1992, p. 44).
De acordo com Faraco (1992 p. 45) no caso da narrativa escrita, o autor emprega
verbos que indicam diferentes maneiras de expressão oral. Observe:”
a) Vasco disse:
– vocês vão ver minha intenção. (Érico Veríssimo).
b) Depois subiu para o lombo do muro e gritou para baixo:
– Agora vocês vão ver como eu vou voar. (idem).
c) – Quero diminuir. Quero diminuir. Pediu o gigante... (M. Vasconcelos).
d) – Quero que você entre novamente na gaiola, berrou o homem... (idem).
e) – Canalha! Bandido! Vociferava num desespero a santa criatura (Graciliano
Ramos).
O mesmo autor afirma ainda que:
A língua portuguesa oferece muitas possibilidades para indicar os
diferentes modos de falar. Observe que cada um desses verbos tem
significado preciso. Por exemplo: dizer é muito diferente de gritar, berrar
é diferente de pedir etc. (FARACO, 1992, p. 45).
Segundo Faraco (1992, p. 46), “quando você for escrever diálogos, deve escolher o
verbo mais adequado ao modo de falar da personagem”.
“No caso do discurso indireto, o narrador conta para o leitor aquilo que a
personagem esta falando ou falou” (FARACO, 1992, p. 58).
Faraco (1992) ainda afirma que o “enredo ou trama é a ordenação, de acordo com a
vontade do escritor, dos fatos que serão narrados. Em todo enredo deve ocorrer um
conflito”.
48. 57
Conforme esse mesmo autor, “conflito é a oposição, a luta, o desequilíbrio entre
duas forças ou duas personagens”.
Por meio do conflito, o enredo se organiza e se encaminha para o final, onde se dá o
desfecho. O desfecho é a solução do conflito” (FARACO, 1992, p.75).
Diante disso, o texto deve esclarecer da forma mais clara, de acordo com as
técnicas disponíveis, a que se propõe e também ter coerência e coesão, para que o autor
possa transmitir ao leitor toda a intenção que seu texto traz, seja este através de metáforas
ou não.
Assim, conclui Cunha (2002, p. 24), “a arte sempre traz uma diferença com relação
ao que já percebemos, ao que conhecíamos de determinada questão. Em alguma medida,
ela é original e surpreendente”.
49. 58
METODOLOGIA
A natureza metodológica desse trabalho é bibliográfica. (LAKATOS; MARCONI,
1999), quando fazemos um levantamento bibliográfico a respeito da teoria da enunciação,
dêiticos, tipos de discurso e também da produção de textos.
Para Lakatos e Marconi (1999), a pesquisa bibliográfica constitui-se no
levantamento da bibliografia publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas,
jornais, pesquisas, monografias, teses, etc., a respeito do tema estudado. Esse tipo de
pesquisa tem como finalidade colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi
escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista “o reforço
paralelo para análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações” (TRUJLLIO,
1974, p. 230 apud LAKATOS; MARCONI, 1999).
“A bibliografia pertinente oferece meios para definir, resolver, não somente
problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas ainda não
se cristalizaram suficientemente” (MANSO, 1977, p.32 apud LAKATOS; MARCONE,
1999).
50. 59
CONCLUSÃO
A enunciação representa a classe de discurso onde, os mecanismos ideológicos
podem ser suscitados na reprodução de um enunciado, seja esse falando ou escrito.
Na enunciação, no processo de citação do discurso alheio, pode-se introduzir certos
elementos, cujo significado cria uma “nova personalidade” ao discurso citado, transmitindo
assim os elementos de quem o transmitiu e também de quem o citou.
A língua utiliza vários meios para apresentar uma localização. Além das
localizações absolutas, podemos encontrar uma referência dêitica: demonstrativa e
adverbial. No mecanismo de deitização, três componentes básicos se destacam: pessoa,
espaço, tempo, formando o que Parret chama de triângulo dêitico.
No discurso direto, a realidade do discurso é que “um mesmo sujeito falante” se
apresenta como locutor de sua enunciação (X disse: “...”), mas delega a responsabilidade
da fala citada a um segundo locutor, o do discurso direto (MAINGUENEAU, 1996).
O discurso indireto não reproduz um significante, mas dá um equivalente
semântico integrado à enunciação citante, ele apenas implica um único ‘locutor’, o qual se
encarrega do conjunto da enunciação.
Percebemos então o desaparecimento das exclamações, das interrogações, dos
imperativos, etc. Na medida em que a citação em discurso indireto não tem mais
autonomia enunciativa, ela perde essa modalidade para se fundir no discurso citante. Ex:
“Você vai?” será modificado para: “Ele lhe perguntou se ele quer ir”, que constitui uma
afirmação. Os professores devem estar atentos a essa autonomia enunciativa ao trabalhar o
discurso indireto na produção de textos com seus alunos.
51. 60
Já no discurso indireto Livre, Fiorin (1999) considera que há dois atos enunciativos,
duas vozes: a do narrador e a de uma personagem. Só que a da personagem não se enuncia
em primeira pessoa, ficando, pois, camuflada sob a voz do narrador.
“O discurso indireto livre resulta, portanto, meramente da incapacidade do autor de
separar gramaticalmente seu ponto de vista, sua posição, dos de seus personagens”
(BAKHTIN, 2004, p. 185).
O texto bem produzido é uma estrutura organizada e bem equilibrada. Ele deverá
refletir o lastro cultural do escritor em relação às idéias expostas sobre o tema
(intertextuais). Deverá conter as creças e valores sobre o que o escritor defende ou critica,
para atuar nos leitores de forma adequada (contextuais). Por último, deverá ser bem
produzido lingüisticamente, observando a boa construção sintática, a riqueza e a
pertinência vocabular, a correção gramatical e o estilo (textuais).
Em conseqüência disso, dois textos podem estar muito bem escritos quanto ao
conhecimento gramatical, quanto à ordenação lógica e quanto aos recursos estilísticos, mas
serem irreconciliáveis do ponto de vista ideológico.
O resultado da pesquisa indicou o quanto é importante o professor levar para o
cotidiano escolar, as práticas de produção de textos que se encontram no dia-a-dia dos
alunos como: os quadrinhos, textos publicitários, cartas, e-mail, para que aos poucos os
alunos possam evoluir para textos mais elaborados, com maior número de parágrafos e
também reproduzir, com propriedade e clareza, o discurso de outrem.
A utilização dos tipos de discurso na produção de texto deve ser previamente
trabalhada em sala de aula pelo professor, e esse por sua vez deve orientar seus alunos
quanto aos três tipos de discurso, e também utilizar métodos que facilitem a compreensão e
o desenvolvimento dessas técnicas de produção de textos, tais como: exercícios de redação,
bilhete que reproduza a fala ou o pensamento de outrem, podendo iniciar pela reprodução
52. 61
oral desses enunciados. Bakhtin afirma que “Cada forma de transmissão do discurso de
outrem apreende à sua maneira a palavra de outro e assimila-a de forma ativa”
(BAKHTIN,2004, p. 190).
O objetivo principal da produção de texto na escola é trabalhar a elaboração da
mensagem como instrumento de comunicação, além de implicar uma atividade que torna
possível a construção do raciocínio lógico do aluno, e ao trabalhar com as formas de
citação do discurso alheio, o professor estará colaborando para isso.
53. 62
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