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                                     INTRODUÇÃO


       Conhecer os mecanismos que tratam da produção de texto, implicam no estudo dos

gêneros discursivos e outras marcações relevantes como os dêiticos e a enunciação textual.

       Os dêiticos, segundo Maingueneau (1996), não são o único meio de que a língua

dispõe para operar uma localização.

       A enunciação também é responsável, segundo o mesmo autor, por certas classes de

signo que ela promove literalmente à existência; e também fornece as condições

necessárias às grandes funções sintáticas. Essa função pode ser a interrogação, que é uma

enunciação construída para suscitar uma “resposta”, por um processo lingüístico que é ao

mesmo tempo um processo de comportamento com dupla entrada. Todas as formas

lexicais e sintáticas da interrogação, partículas, pronomes, seqüência, entonação, etc,

derivam deste aspecto da enunciação.

       Em resposta às indagações feitas a respeito da funcionalidade dos vários modos de

reproduzir ou citar o discurso alheio, Platão e Fiorin (1999) disseram que cada tipo de

citação assume um papel distinto no interior do texto; que a escrita de um ou de outro

processada pelo narrador, poderiam revelar suas intenções e sua própria visão de mundo.

       A produção textual requer meios e para isso se faz necessário e importante

conhecer e estabelecer os usos mais adequados dos gêneros discursivos, da semântica

textual e a interação de ambos para que se possa expandir e facilitar a compreensão e a

produção de enunciados.

        Dentro dessas perspectivas a produção textual realizado nas escolas, como forma

de desenvolver a capacidade criadora e intelectual dos alunos, está margeada pelas três

formas de citação do discurso alheio: o discurso direto, indireto, e o indireto livre.

       As gramáticas se referem ao discurso direto como sendo uma reprodução fiel do
11

discurso citado.

       As marcas típicas do discurso direto, segundo Platão e Fiorin (1999), apresentam

algumas características importantes, que serão apresentadas, com mais profundidade, no

decorrer desta pesquisa.

       A estratégia do discurso indireto é totalmente diferente. Enquanto o discurso direto

“supostamente” repete as palavras de um outro ato de enunciação e dissocia dois sistemas

enunciativos, o discurso indireto só é discurso citado por seu sentido.

       Já o discurso indireto Livre “constitui o caso mais importante e sintaticamente mais

bem fixado (pelo menos em francês) de convergência indiferente de dois discursos com

diversa orientação do ponto de vista da entonação” (BAKHTIN, 2004, p. 170).

       Diante disso, essa pesquisa pretende verificar, por meio da pesquisa bibliográfica,

se o estudo dos tipos de discursos e suas implicações na produção textual podem contribuir

para que o professor possa expandir suas definições a respeito da criação textual, aprimorar

as técnicas em seus alunos, e contribuir para a expansão do tema nas aulas de produção

textual.
12


                             FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA



        Para uma análise histórica e literária dos tipos de discurso, foram lidos os seguintes

autores: Bakhtin (2004), Brait (1997), Cunha (2001), Garcia (2000), Maingueneau (1996),

Orlandi (2002) e Platão e Fiorin (1999).

       As orientações colhidas para este trabalho, que dizem respeito à enunciação e aos

dêiticos temporais e adverbiais, seguiram as linhas de pesquisas de: Bakhtin (2004), Brait

(1997), Brandão (1998), Maingueneau (1996).

       Sobre a produção textual foram estudados os seguintes autores: Cunha (2002),

Farraco (1992), Maingueneau (1996) e Orlandi (2001).
A ENUNCIAÇÃO



       Imperioso elucidar o conceito de enunciação, visto que todo ato de comunicação

verbal nela se constitui. Para isso, convém identificar os elementos que compõem o

enunciado, produto do ato comunicativo.

       Dessa forma, “a busca da compreensão das formas de produção do sentido, da

significação, e as diferentes maneiras de surpreender o funcionamento discursivo

impeliram Bakhtin na direção de uma estética e de uma ética da linguagem” (BAKHTIN,

1993 apud BRAIT, 1997, p. 91).

       O conceito de linguagem que emana dos trabalhos desse pensador russo está

comprometido não com uma tendência lingüística ou uma teoria literária, mas com uma

visão de mundo que busca nas formas de construção e instauração do sentido, deslizando

pela abordagem lingüístico/discursiva, pela teoria da literatura, pela filosofia, pela teologia,

por uma semiótica da cultura, por um conjunto de dimensões que seguem caminhos ainda

não inteiramente decifrados (BAKHTIN, 1993 apud BRAIT, 1997).

                        Historicamente, a língua desenvolveu-se como instrumento do
                        pensamento atuante e dos atos performados, e começou a servir ao
                        pensamento abstrato somente numa fase histórica bastante recente. A
                        expressão do ato performado [do procedimento] de dentro e da
                        experiência-evento singular em que esse procedimento decorre, deve
                        utilizar a palavra na sua plenitude: quer no seu aspecto semântico e de
                        conteúdo (palavra como conceito), quer no seu aspecto emocional-
                        volitivo (a entonação da palavra) (BAKHTIN, 1993 apud BRAIT, 1997,
                        p, 94).


       Benveniste (1989, p. 82) nos explica que “O discurso, dir-se-á que é produzido cada

vez que se fala, esta manifestação da enunciação, não é simplesmente ‘fala’? – É preciso

ter cuidado com a condição específica da enunciação [...]”.
14

       Ele acrescenta que a enunciação é o ato mesmo de produzir um enunciado, e não o

texto do enunciado, que é nosso objeto. Este ato é o fato do locutor que mobiliza a língua

por sua conta (BENVENISTE, 1989).

       Assim sendo, “A relação do locutor com a língua determina os caracteres

lingüísticos da enunciação. Deve-se considerá-la como fato do locutor, que toma a língua

por instrumento, e nos caracteres lingüísticos que marcam esta relação” (BENVENISTE,

1989, p. 82).

       No emprego científico da língua, tenta-se eliminar ou abrandar as marcas da

individualidade na enunciação. Porém, até para o mesmo sujeito, é impossível manter-se a

noção de identidade, já que nunca ocorre a exata reprodução de um enunciado.

       Essas diferenças dizem respeito à diversidade das situações nas quais a enunciação

é produzida.

       Sendo assim, a enunciação supõe a conversão individual da língua em discurso

(BENVENISTE, 1989).

        “Aqui a questão – muito difícil e pouco estudada ainda – é ver como o ‘sentido’ se

forma em ‘palavras’, em que medida se pode distinguir entre as duas noções e em que

termos descrever sua interação” (BENVENISTE, 1989, p. 83).

       Uma outra abordagem, segundo Benveniste (1989), consiste em definir a

enunciação no quadro formal de sua realização. No interior da língua, estariam os

caracteres formais da enunciação a partir da manifestação individual que ela atualiza. Na

enunciação considera-se, sucessivamente, o próprio ato, as situações em que ele se realiza,

os instrumentos de sua realização.

                       O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o
                       locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação. Antes
                       da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois da
                       enunciação, a língua é efetuada em uma instância do discurso, que emana
                       de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita outra
                       enunciação de retorno (BENVENISTE, 1989, p. 83-84).
15




       É enquanto realização individual, que a enunciação pode ser definida, em relação à

língua, como um processo de apropriação.

       Fiorin (1996 apud CORRÊA, 2003, p, 134) “distingue enunciador, narrador

explícito e narrador implícito. O enunciador não se manifesta diretamente no enunciado,

pois pertence à instância da enunciação, que é pressuposta pelo enunciado”.

        Esse enunciador pode, entretanto, segundo a autora “manifestar-se por meio da

enunciação enunciada, isto é, pelas marcas que a enunciação deixa no enunciado”

(FIORIN, 1996 apud CORRÊA, 2003, p. 134). Delegando assim voz a um narrador, que,

estando explícito, é aquele que diz “eu”, ou seja, como o sujeito delegado da produção do

discurso, mas deixa marcas apreciativas que conduzem o fazer interpretativo do

destinatário. (CORRÊA, 2003).

       A autora afirma que todo discurso produz uma “ilusão”, ou melhor, uma dupla

ilusão, numa tentativa de fugir ao universo fechado da linguagem. Esse universo diz

respeito à ilusão referencial, que simula a presença do mundo “real” e objetivo, e também à

enunciativa, que cria uma imagem da relação intersubjetiva. Sendo assim, a autora afirma

que é “por meio desse jogo complexo de imagens que se dá à comunicação entre os

homens. Portanto, é também dessa forma que se dá a relação autor-leitor” (CORRÊA,

2003, p. 133).

       Alguns meios permitem que a enunciação projete no enunciado um ele-lá-então,

simulando objetividade, ou um eu-aqui-agora, simulando subjetividade. Decorre daí a

opção por determinado tipo de narrador.

       Segundo Corrêa (2003, p. 136), “mais comum, entretanto, é a presença sutil do

enunciador, que não acontece mais por meio da corporificação do narrador [...]”.
16

       “Assim sendo, nesses casos o autor joga com essa dupla manipulação: de um lado a

ilusão de objetividade, que passa a verdade absoluta, calcada muitas vezes numa

ancoragem realista” (CORRÊA, 2003, p. 136), e, de outro, a da subjetividade.

       A autora completa que há marcas sutis da enunciação, por meio dos recursos

temporal e espacial, “que ‘convidam’ o leitor a engajar-se no discurso diante dele

presentificado” (CORRÊA, 2003, p. 136).

       Corrêa esclarece ainda que esses recursos “presentificam” o enunciador, tornando o

texto persuasivo pela autoridade dele emanada.

       Enquanto realização individual, a enunciação pode se definir, em relação à língua,

como um processo de apropriação. O locutor se apropria do aparelho formal da língua e

enuncia sua posição de locutor por meio de índices específicos e acessórios

(BENVENISTE, 1989).

       Conforme esse mesmo lingüista:

                       Na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa
                       relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa
                       apropriação da língua é, para o locutor, a necessidade de referir pelo
                       discurso, e, para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no
                       consenso pragmático que faz de cada locutor um co-locutor. A referência
                       é parte integrante da enunciação (BENVENISTE, 1989, p. 84).


       Estas condições iniciais vão, então, conforme Benveniste (1989), reger todo o

mecanismo da referência no processo em que se dá a enunciação, criando assim uma

situação muito singular e da qual ainda não se tomou a necessária consciência.

       Para Bakhtin (1990 apud DIAS, 1997, p. 111), “é impossível constituir

significações sem que se faça da palavra o elemento de um tema, vale dizer, sem que se

constitua enunciação”. Segundo o autor, a enunciação se constitui, tendo em vista o fato de

que a palavra, enquanto signo variável e flexível, é orientada pelo contexto e por uma

situação precisa.
17

       A enunciação é para Bakhtin a orientação da palavra por uma situação de mundo,

mas essa orientação da palavra é devida ao seu próprio caráter do signo lingüístico, e não

pelo fato de existirem alguns índices na linguagem que nos permitem localizar o enunciado

em relação a uma situação de mundo (BAKHTIN, 1990 apud DIAS, 1997).

       Retornando    às   idéias    de   Benveniste   (1989),   as   formas   denominadas

tradicionalmente por “pronomes pessoais e pronomes demonstrativos”, surgem agora como

uma classe de “indivíduos lingüísticos”, de forma que remetem sempre e somente a

“indivíduos”, quer se trate de pessoas, de momentos, de lugares, por oposição aos termos

nominais, que remetem sempre e unicamente a conceitos. Isso se deve ao fato de que eles

nascem de uma enunciação, de que são produzidos por este acontecimento individual. O

indivíduo lingüístico é produzido de novo a cada vez que uma enunciação é proferida, e

cada vez eles designam algo novo.

       Em relação ao tempo, poder-se-ia supor que a temporalidade é um quadro inato do

pensamento. Essa temporalidade é produzida, na verdade, na e pela enunciação

(BENVENISTE, 1989).

       Da enunciação procede à instauração da categoria do presente, e dessa nasce a

categoria do tempo. O presente é propriamente a origem do tempo. Ele é esta presença no

mundo, que somente o ato de enunciação torna possível, porque é necessário refletir bem

sobre isso; o homem não dispõe de nenhum outro meio de viver o “agora” e de torná-lo

atual senão realizando-o pela inserção do discurso no mundo (BENVENISTE, 1989).

       Benveniste (1989, p. 85) diz que “poderíamos mostrar pelas análises de sistemas

temporais em diversas línguas a posição central do presente”.

       O presente formal não faz senão explicitar o presente à enunciação, que se renova a

cada produção de discurso e partindo deste presente contínuo, coexistindo à nossa própria

presença, imprime na consciência o sentimento de uma continuidade que, afirma o autor:
18

                           Continuidade essa que denominamos “tempo”, continuidade e
                           temporalidade que se engendram no presente incessante da enunciação,
                           que é o presente do próprio ser e que se delimita, por referência interna,
                           entre o que vai se tornar presente e o que já não o é mais (BENVENISTE,
                           1989, p. 85-86).


           A enunciação, como já foi afirmado na introdução desse trabalho, também é

responsável, segundo o mesmo autor, por certas classes de signo que ela promove

literalmente à existência; e também fornece as condições necessárias às grandes funções

sintáticas. Essa função pode ser a interrogação, que é uma enunciação construída para

suscitar uma “resposta”, por um processo lingüístico que é ao mesmo tempo um processo

de comportamento com dupla entrada. Todas as formas lexicais e sintáticas da

interrogação, partículas, pronomes, seqüência, entonação, etc, derivam deste aspecto da

enunciação.

           Da mesma forma poderão ser distribuídos os termos ou formas que chamamos de

intimação: ordens, apelos concebidos em categorias como o imperativo, o vocativo, “que

implicam uma relação viva e imediata do enunciador ao outro numa referência necessária

ao tempo da enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 86).

           “Em toda parte, a lingüística é filha da filologia, submetida aos imperativos desta, a

lingüística sempre se apoiou em enunciações constitutivas 1 de monólogos fechados, como

em inscrições nos monumentos antigos, considerando-as como a realidade mais imediata”

(BAKHTIN, 2004, p. 98).

           Sendo assim, “todas as relações que ultrapassam os limites da enunciação

monológica constituem um todo que é ignorado pela reflexão lingüística. Esta na verdade,

não ousa ir além dos limites constitutivos da enunciação monológica” (BAKHTIN, 2004,

p. 104).




1
    Que se constitui.
19

        Bakhtin (2004) afirma que existe um abismo entre a sintaxe e os problemas de

composição do discurso. Isso é totalmente inevitável, sinaliza o autor, já que as formas que

constituem uma enunciação completa só podem ser percebidas e compreendidas quando

relacionadas com outras enunciações completas e que pertencem a um único domínio

ideológico.

        As formas de uma enunciação literária, acrescenta Bakhtin (2004, p. 105), “só

podem ser apreendidas na unicidade da vida literária, em conexão permanente com outras

espécies de formas literárias”.

        “Se encerramos a obra literária na unicidade da língua como sistema, se a

estudarmos como um monumento lingüístico, destruiremos o acesso a suas formas como

formas da literatura como um todo” (BAKHTIN, 2004, p. 105).



        Bakhtin (2004, p. 145) esclarece que “a enunciação do narrador, tendo integrado na

sua composição uma enunciação, elabora regras sintáticas, estilísticas e composicionais

para assimilá-la parcialmente, para associá-la à sua própria unidade sintática e estilística”.

        O autor considera que “nas línguas modernas, certas variantes do discurso indireto,

em particular o indireto livre, têm uma tendência inerente a transferir a enunciação citada

do domínio da construção lingüística ao plano temático do conteúdo” (BAKHTIN, 2004, p.

145).

        Entretanto, afirma Bakhtin (2004, p. 145), “a diluição da palavra citada no contexto

narrativo não se efetua, e não poderia efetuar-se, completamente: não somente o conteúdo

semântico, mas também a estrutura da enunciação citada permanece estável”.

        Dessa forma a substância do discurso do outro permanece palpável, como um todo

auto-suficiente. Manifestando-se assim, nas formas de transmissão do discurso alheio, uma
20

relação ativa de uma enunciação a outra, e isso não no plano temático, mas através de

construções estáveis da própria língua (BAKHTIN, 2004).

           Bakhtin (2004, p. 145) enfatiza que:

                               Esse fenômeno da reação da palavra à palavra é, contudo, radicalmente
                               diferente do que se passa no diálogo. Aí, as réplicas são gramaticalmente
                               separadas e não são integradas num contexto único. Com efeito, não
                               existem formas sintáticas com a função de construir a unidade do diálogo.


           “Se o diálogo se apresenta no contexto do discurso narrativo, estamos simplesmente

diante de um caso de discurso direto, isto é, uma das variantes dos fenômenos de que

estamos tratando 2 ” (BAKHTIN, 2004, p. 145).

           Existem diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua

transmissão no interior de um contexto. Toda transmissão, particularmente no que diz

respeito à forma escrita, tem seu fim específico: narrativa, processos legais, polêmica

científica, etc. Além disso, a transmissão leva em conta uma terceira pessoa, ou seja, a

pessoa a quem estão sendo transmitidas as enunciações citadas. Essa orientação para uma

terceira pessoa é de grande importância, pois ela reforça a influência das forças sociais

organizadas sobre o modo de apreensão do discurso (BAKHTIN, 2004).

           Em uma situação real do diálogo, quando respondemos a um interlocutor,

habitualmente não retornamos no nosso discurso as próprias palavras que ele pronunciou.

Só o fazemos em casos especiais, como para afirmar que compreendemos corretamente e

também para apanhar o interlocutor com suas próprias palavras. Faz-se necessário levar em

conta todas essas características da situação de transmissão (BAKHTIN, 2004).

           Retomando os conceitos de Benveniste (1989, p. 87), esse menciona que “o que em

geral caracteriza a enunciação é a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja

este real ou imaginado, individual ou coletivo”.



2
    Entre esse fenômeno tratado estão também os discursos: indireto e o indireto livre.
21

       “Esta característica coloca necessariamente o que se pode denominar ‘o quadro

figurativo da enunciação’. Como forma de discurso, a enunciação coloca duas ‘figuras’

igualmente necessárias, uma, origem, a outra, fim da enunciação” (BENVENISTE, 1989,

p. 87). Trata-se, portanto, da interação comunicativa entre o locutor e o alocutário.

       “É a estrutura do diálogo. Duas figuras na posição de parceiros são

alternativamente protagonistas da enunciação. Este quadro é dado necessariamente com a

definição da enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 87).

       O “monólogo” procede claramente da enunciação. Ele deve ser classificado,

segundo Benveniste (1989), como uma variedade do diálogo, estrutura fundamental. O

monólogo interior, entre um eu locutor e um eu ouvinte.

       Às vezes, o eu locutor é o único a falar; o eu ouvinte permanece presente; sua

presença se faz necessária o suficiente para tornar significante a enunciação do eu locutor.

Às vezes, o eu ouvinte intervém com uma objeção, uma questão, uma dúvida, um insulto

(BENVENISTE, 1989, p. 88).

       A transposição do diálogo em “monólogo”, onde o ego ou se divide em dois, ou

assume dois papéis, presta-se à figuração ou se divide em dois, ou assume dois papéis,

presta-se a figurações ou transposições psicodramáticas, em:

                        Conflitos do ‘eu profundo’ e da ‘consciência’, desdobramentos
                        provocados pela ‘inspiração’, etc. Esta possibilidade é facultada pelo
                        aparelho lingüístico da enunciação, sui-reflexivo, que compreende um
                        jogo de oposições do pronome e do antônimo (eu/me/mim)
                        (BENVENISTE, 1989, p. 88).


       Muitos outros desdobramentos podem ser estudados no contexto da enunciação e

suas alterações lexicais, que são determinadas pela própria enunciação. Seria preciso

também distinguir a enunciação falada da enunciação escrita. Esta se “situa em dois

planos: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita, ele faz os

indivíduos se enunciarem” (BENVENISTE, 1989).
22

       Vê-se, assim, que a enunciação é o único meio de posicionar temporal e

espacialmente o locutor, além de ser objeto de mobilização individual deste, manipulando

as noções de objetividade e de subjetividade no texto.
OS DÊITICOS



        Os dêiticos, segundo Maingueneau (1996), não são o único meio de que a língua

dispõe para operar uma localização. Podemos encontrar uma localização absoluta, onde o

enunciador e o conjunto da obra nos localiza no tempo e no espaço da mesma, (em Belo

Horizonte, no Brasil, no jantar), na qual os termos são de certa forma “autodeterminados”.

        Os dêiticos espaciais em geral são colocados na boca dos personagens e

interpretados graças às informações fornecidas pelo contexto; e se não há narrador, é

preciso que o texto, de alguma maneira, encontre meios para esclarecer as referências

dêiticas.

        Existem dois tipos de dêiticos: demonstrativos e adverbiais. Alguns dêiticos são

demonstrativos puros, que acompanham um gesto do enunciador (isto, isso, aquilo); outros

combinam sentido lexical e valor dêitico. Exs: Esta mesa, essa casa, aquele livro azul; ou

por pronominalização, por exemplo: isto aqui, aquilo lá.

        Coexistindo com os dêiticos demonstrativos, existem os dêiticos adverbiais, que se

distribuem em diversos micro-sistemas de oposições: aqui/ aí/ lá, perto/ longe, na frente/

atrás, à esquerda/ à direita, etc; todos com valor em função do gesto, da posição ou da

orientação do corpo de seu enunciador.

                       Qualquer mudança em um desses parâmetros modifica correlativamente
                       os objetos suscetíveis de serem assim localizados: se um enunciador se
                       vira, o que estava ‘na frente’ passa ‘para trás’, o que estava ‘à esquerda’
                       está agora “à direita” (MAINGUENEAU, 1996, p. 26).


        A referência dêitica, portanto, leva em conta não as outras unidades internas do

discurso, mas elementos que lhe são exteriores e que dizem respeito à situação de

comunicação (Brandão, 1998, p.48).

                       Quando um dêitico não está explícito, tende-se inevitavelmente a
                       considerar que, se pudéssemos assistir à cena descrita ou penetrar na
24

                        consciência das personagens, veríamos o que ela designa. Isto é esquecer
                        que este mundo, supostamente representado pela ficção, só existe
                        precisamente... por esta ficção. Nesse sentido, uma narrativa não poderia
                        fornecer insuficientemente informações: ela fornece por definição o que é
                        necessário à sua própria economia. Se uma informação não é fornecida, é
                        porque a narrativa é feita de tal maneira que ela não deve mesmo sê-lo
                        (MAINGUENEAU, 1996, p. 25).


       Toda atividade de linguagem é um processo marcado pela inscrição do sujeito.

Dentre os componentes que devem ser focalizados ao se estudar uma prática discursiva,

estão aqueles ligados à presença dos traços lingüísticos que instauram a subjetividade.

Nesse sentido, as unidades lingüísticas que carregam, por excelência, essas marcas de

subjetividade e que se inscrevem na estrutura do enunciado, são os dêiticos que abrangem

tanto os índices de pessoa quanto os índices de ostentação (BENVENISTE, 1989 apud

BRANDÃO 1998). Kerbrat-Orecchioni (1980 apud BRANDÃO, 1998, p. 47- 48),

distingue três tipos de mecanismos referenciais:

       a) referência absoluta: quando, para denominar x, basta levar em consideração este

objeto x, sem necessidade de nenhuma informação a mais. Ex.: uma moça loira;

       b) referência relativa ao contexto lingüístico: na escolha de um termo para designar

x, o locutor toma y como elemento de referência. Ex: a irmã de Pedro – o significante

irmã não está ligado de maneira absoluta ao objeto, uma vez que este mesmo objeto pode

ser denominado também de “esposa de Eduardo”, “prima de Roberto” etc., dependendo do

elemento y que foi selecionado como ponto de referência;

       c) referência relativa à situação ou “dêitica”: enquanto no caso anterior, a escolha

do termo x não depende diretamente da situação de alocução, aqui a escolha da unidade

significativa apropriada e sua interpretação referencial se fazem levando em conta dados

particulares da situação de comunicação, isto é, do papel que x exerce (locutor, alocutário,

delocutário) no processo de alocução, podendo ser representados pelos pronomes pessoais:

eu/tu/ele (e respectivas variações). Desse tipo de referência participam os dêiticos, que são,
25

segundo Brandão (1998), um conjunto de signos vazios, não referenciais com relação à

realidade, sempre disponíveis e que se tornam plenos assim que um locutor os assume em

cada instância do discurso.

       Portanto, a referência dêitica, leva em conta não só as outras unidades internas do

discurso, mas elementos que lhe são exteriores e que dizem respeito à situação de

comunicação (PARRET, 1983 apud BRANDÃO, 1998, p. 48 - 49).
O DISCURSO DIRETO



        As gramáticas se referem ao discurso direto como sendo uma reprodução fiel do

discurso citado, transformando o locutor em uma espécie de gravador ideal.

                           A literatura mantém uma relação essencial com o que é chamado já há
                           algum tempo de ‘intertextualidade’. Temos cada vez mais tendências a
                           nos distanciarmos da concepção romântica que faz da obra uma espécie
                           de ilha, a expressão absoluta de uma consciência, e abordamos os textos
                           literários como produto de um trabalho sobre outros textos. Tal questão
                           ultrapassa em muito o domínio estrito da lingüística. Esta última,
                           entretanto, é diretamente implicada quando se trata de estudar as formas
                           da citação: toda língua natural possui regras que lhe permitem citar
                           (MAINGUENEAU, 1996, p. 103).


        As marcas típicas do discurso direto, segundo Platão e Fiorin (1999), apresentam

algumas características importantes:

        a) Vem introduzido por um verbo que anuncia a fala do personagem, ex:

murmurou, disse, falou, gritou perguntou, respondeu, etc. Esses verbos costumam ser

denominados “verbos de dizer”.

        b) Normalmente, antes da fala do personagem, há dois pontos e travessão 3 .

        c) Os pronomes, o tempo verbal e palavras que dependem de situação são usados

literalmente, determinados pelo contexto em que se inscreve o personagem: o personagem

que fala usa a 1ª pessoa; para falar com o interlocutor, utiliza-se da 2ª pessoa; os tempos

verbais são ordenados em relação ao momento da fala e assim por diante.

        Cunha e Cintra (2001) afirmam que, no plano expressivo, a força da narração em

discurso direto provém essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo

surgir da situação do personagem, tornando essa viva para quem ouve. Na reprodução

direta, a narração ganha naturalidade e vivacidade, enriquecidas por elementos lingüísticos



3
  Alguns autores modernos, como José Saramago, fazem uso das letras maiúsculas e de outros artifícios para
introduzir o discurso direto. Isso ainda é motivo para muitos estudos estilísticos.
27

tais como exclamação, interrogação, interjeição, vocativo e imperativos, que costumam

impregnar de emotividade a expressão oral.

                       Observe-se, também, que a variedade de verbos introdutores oferecida
                       pela língua portuguesa aos seus usuários permite a quem se sirva do
                       discurso direto caracterizar, com precisão e colorido, a atitude da
                       personagem cuja fala vai ser textualmente reproduzida (CUNHA, 2001,
                       p. 637).



       Por isso, essa forma de relatar é preferivelmente adotada nos atos diários de

comunicação e nos estilos narrativos em que os autores pretendam representar diante dos

que os lêem.

       Entretanto, deve-se questionar a noção de discurso “citado”. Só há discurso

“citado” se aceitarmos o quadro instaurado pela ilusão narrativa. A narração não cita falas

anteriores que a alterariam, porém ela as cria totalmente, da mesma forma que as do

discurso citante. Nesse quadro, a “fidelidade” do discurso direto aparece como uma

“conveniência literária”. Não se vê como os enunciados em discurso direto poderiam ser

infiéis, já que têm o mesmo grau de realidade que o discurso citante.

       Podemos concluir então que, conforme Corrêa (2003), quando o autor se utiliza do

discurso direto, ele pode estar eximindo o narrador da responsabilidade do julgamento,

distribuindo o fazer interpretativo, ou seja, o papel do observador entre os vários

personagens do enunciado ao próprio personagem, que em discurso direto se torna o

“senhor de suas próprias palavras”, ou repetidor “quase” fiel das palavras de outrem e é

nessa enunciação que podem estar presente as idéias e as ideologias do personagem.
O DISCURSO INDIRETO



       A estratégia do discurso indireto é totalmente diferente. Enquanto o discurso direto

“supostamente” repete as palavras de um outro ato de enunciação e dissocia dois sistemas

enunciativos, o discurso indireto só é discurso citado por seu sentido.

       Todos os níveis da subjetividade enunciativa são afetados por essa perda da

autonomia. As pessoas e os dêiticos ficam dependendo do discurso citante.

       Isso significa que “Eu te odeio” possa ser traduzido por “Ele me declarou que me

odiava”; neste caso, o eu do discurso citado passa a “não-pessoa” e o tu a eu, já que o tu se

torna o enunciador do discurso citante.

       Gramaticalmente, o discurso indireto também é introduzido por um verbo

declarativo (dicendi), tais como: dizer, afirmar, ponderar, confessar, responder. As falas

das personagens aparecem, no entanto, numa oração subordinada substantiva. Isso ocorre

no plano formal.

       Em algumas orações, pode ocorrer a elipse da conjunção integrante, como em:

“Sophia garantiu voltar”.

       Já no plano expressivo, Cunha e Cintra (2001) dizem que:

                        Assinale-se, em primeiro lugar, que o emprego do discurso indireto
                        pressupõe um tipo de relato de caráter predominantemente informativo e
                        intelectivo, sem a feição teatral e atualizadora do discurso direto. O
                        diálogo é incorporado à narração mediante uma forte subordinação
                        semântico-sintática estabelecida por meio de nexos e correspondências
                        verbais entre a frase reproduzida e a frase introdutora. Como na passagem
                        ao discurso indireto, todas as formas de discurso direto de primeira ou de
                        segunda pessoa se apresentam em terceira pessoa, dá-se em geral um
                        esvaecimento das realidades concretas de tempo e lugar a que as pessoas
                        e coisas referidas estariam vinculadas (CUNHA; CINTRA, 2001, p. 639).



       Dessa forma, o narrador subordina a enunciação a si e à personagem, retirando a

forma própria e afetiva da expressão. Não se deve concluir que esse seja um recurso
29

estilístico pobre. O seu uso ressalta o pensamento, a essência significativa do enunciado

reproduzido, deixando em segundo plano as circunstâncias e os detalhes acessórios que o

envolvem.

        Em matéria de dêiticos, segundo Maingueneau (1996), encontramos a seguinte

forma de conversão: os dêiticos que figuram numa citação em discurso indireto “são

necessariamente situados em relação ao discurso citante”. Assim, no enunciado Pedro me

afirmou que Ana estava aqui e que partiria amanhã, os dêiticos aqui e amanhã podem ou

não ter sido proferidos por Pedro, mas uma coisa é certa: eles só são empregados neste

enunciado, porque designam o lugar de enunciação do discurso citante (aqui) e o dia

posterior a esta enunciação (amanhã).

        Maingueneau (1996) acrescenta também que a maioria dos verbos introdutores de

discurso indireto podem ser utilizados no discurso direto.

                           Em compensação, um bom número de verbos suscetíveis de marcar a
                           presença de discurso direto não poderia servir para o discurso indireto:
                           persistir, explodir, fazer, perseguir, etc. (MAINGUENEAU, 1996, p.
                           113).


        No discurso indireto, é o narrador que organiza todo o enunciado, mas atribuindo

certos trechos a outro enunciador, que Fiorin denominou de locutor. “Locutor 4 é a voz de

outrem que ressoa num enunciado de um narrador ou de um interlocutor”. (FIORIN, 1999,

p. 70). “Portanto o discurso indireto estabelece duas fontes enunciativas, porém

subordinadas ao dizer de um único narrador” (CORRÊA, 2003, p. 145).

        Segundo Platão e Fiorin (1999, p. 182), o discurso indireto possui suas marcas

próprias, sendo assim:




4
 É preciso não confundir com o “locutor” de Ducrot, que corresponderia ao narrador, àquele que pode dizer
“eu” (CORRÊA, 2003, p. 145).
30

- O discurso indireto vem introduzido por um verbo de dizer, (como ocorre também no

discurso direto).

- Também vem separado da fala do narrador não por sinais de pontuação, mas por uma

partícula introdutória (conjunções integrantes), geralmente a conjunção que ou se.

- Os pronomes, o tempo verbal e elementos que dependem da situação são determinados

pelo contexto em que se inscreve o narrador e não o personagem: o verbo ocorre na 3º

pessoa, o tempo verbal está em correlação com o tempo em que se situa o narrador, a

mesma coisa acontecendo com os advérbios e demais palavras de situação.

       Confrontemos o discurso direto com o indireto:

       Discurso direto: Dona Norma disse: - Daqui a duas horas tudo estará acabado.

       Discurso indireto: Dona Norma disse que dali a duas horas tudo estaria acabado.

       Convém notar, por fim, que, “na conversão do discurso direto para o indireto, as

frases interrogativas, exclamativas e imperativas passam todas para a forma declarativa”

(PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 183). Ex:

                Discurso direto: Ele me perguntou: - Quem está aí?

                Discurso indireto: Ele me perguntou quem estava lá.

       Maingueneau (1996) afirma que as características do discurso indireto levam-nos

constantemente a nos interrogar sobre a possibilidade de falar sobre a enunciação de

outrem a fim de lhe dar um equivalente. Assim, do enunciador do discurso indireto não

supõe que se reconstitua nada mais que o significado do que ele cita, no entanto nada o

impede, o que é bem freqüente, de utilizar as próprias expressões do discurso citado. Na

falta de marcas de distanciamento explícito, não se sabe a quem atribuir os traços de

subjetividade e as palavras empregadas; se se atribuem ao relator ou se essas marcas se

atribuem ao locutor original. Pode também acontecer que o destinatário identifique este ou
31

aquele elemento como pertencente às palavras do locutor citado (porque ele percebe um

descompasso com o discurso citante, porque ele conhece o relator ou aquele que é citado).

       Observe-se, em Vidas Secas (RAMOS, 2001, p. 37), um exemplo do discurso

indireto: “[...] afirmar ao doutor juiz de direito, ao delegado, a seu vigário e aos cobradores

da prefeitura que ali dentro ninguém prestava para nada”.
32


             BREVE HISTÓRIA DO DISCURSO INDIRETO LIVRE



       “O discurso indireto livre constitui o caso mais importante e sintaticamente mais

bem fixado (pelo menos em francês) de convergência indiferente de dois discursos com

diversa orientação do ponto de vista da entonação” (BAKHTIN, 2004, p. 170).

       Sobre este assunto, Bakhtin diz:

                       Há nas relações sociais aquilo que é chamado a pergunta retórica, ou
                       exclamação retórica. Alguns casos desse fenômeno são especialmente
                       interessantes por causa do problema da sua localização contextual. Eles
                       situam-se, de alguma forma, na própria fronteira do discurso narrativo e
                       do discurso citado (usualmente discurso interior) e entram muitas vezes
                       diretamente em um ou outro discurso. Assim, podem ser interpretados
                       como uma pergunta ou exclamação da parte do autor, mas também, ao
                       mesmo tempo, como pergunta ou exclamação da parte da personagem,
                       dirigida a si mesma (BAKHTIN, 2004, p. 170).


       Diferentes autores propuseram diferentes termos para designar o fenômeno do

discurso indireto livre. De fato, cada um daqueles que escreveu sobre esse assunto propôs

seu próprio termo.

       Mesmo assim, ainda se questiona quando esse fenômeno discursivo foi observado e

descrito. Questiona-se particularmente a data exata de seu surgimento, se foi na literatura

medieval ou só no século XVII. Discute-se também para saber se se tratava de um tipo de

enunciação reservado à narração literária ou se era encontrado também no uso coloquial da

língua. Mas é na literatura romanesca que ele é empregado no máximo de suas

possibilidades, especialmente a partir da metade do século XIX.

       A primeira menção desse fenômeno como uma forma especial de citação do

discurso, ao lado do discurso direto e indireto, segundo Bakhtin (2004), deve-se a Tobler

em 1887. Tobler definiu o discurso indireto livre como uma “peculiar mistura de discurso

direto e indireto” (TOBLER apud BAKHTIN, 2004).
33

         Passemos agora a Kalepki, que igualmente estudou o discurso indireto livre. Ele

reconheceu o discurso indireto livre como uma forma completamente autônoma de citação

do discurso de outrem (KALEPKI apud BAKHTIN, 2004). A significação lingüística

dessa forma reside no fato de que é preciso adivinhar quem tem a palavra.                Seria

impossível estar de acordo com Kalepki, quando este diz que nos encontramos diante de

um discurso “mascarado” e que apenas o fato de ter que identificar o falante é que dá

interesse a esse recurso gramatical.

         Em resposta às indagações feitas a respeito da funcionalidade dos vários modos de

reproduzir ou citar o discurso alheio, Platão e Fiorin (1999) disseram que cada tipo de

citação assume um papel distinto no interior do texto; que a escrita de um ou de outro

processada pelo narrador, poderiam revelar suas intenções e sua própria visão de mundo.

Assim:

                        Ao optar pelo discurso direto, o narrador cria um efeito de verdade,
                        dando a impressão de que preservou a integridade do discurso citado e a
                        autenticidade do que reproduziu. Além disso, mantendo a mesma
                        entonação, dá mostras de conservar inclusive a mesma carga subjetiva do
                        personagem” (PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 184).



         Surgiu, posteriormente, uma abordagem nova para explicar o discurso indireto

livre: a afetividade na língua, a imaginação, a sensibilidade, o gosto lingüístico, etc,

responsáveis pelo efeito expressivo desse discurso.

         Ainda segundo Bakhtin, em 1919, Eugen Lerch tornou público seu ponto de vista

sobre o discurso indireto livre. Ele definiu-o como “discurso enquanto fato”. Lerch

(LERCH apud Bakhtin, 2004) afirma que “o discurso de outrem é transmitido dessa forma

como se seu conteúdo fosse um fato, relatado pelo próprio autor”. Assim, comparando os

discursos direto, indireto e indireto livre do ponto de vista da realidade expressa no seu

conteúdo, Lerch chega à conclusão de que “o discurso indireto livre é o mais próximo da

realidade” (LERCH apud BAKHTIN, 2004, p.181).
34

        Desta maneira, o discurso indireto livre constitui uma forma direta de representação

da apreensão do discurso de outrem, do vívido efeito produzido por este; por isso, convém

mal à transmissão do discurso a uma terceira pessoa. Nesse caso, a natureza dos fatos

relatados seria alterada e ficaria a impressão de que a pessoa fala consigo mesma ou é

vítima de alucinações. Portanto, “o discurso indireto livre não é utilizado na conversação e

serve apenas às representações do tipo literário. Aí, o seu valor estilístico é imenso”

(LORCK apud BAKHTIN, 2004, p. 182).

        Bally (apud BAKHTIN, 2004, p. 178), considera o discurso indireto livre “como

uma variedade nova, tardia, da forma clássica do discurso indireto”. Segundo ele, a queda

da conjunção “que” explica-se por umas tendências mais recentes, próprias da língua, a

preferir as combinações paratáticas 5 das proposições hipotáticas 6 . Ainda segundo ele, o

discurso indireto livre não constitui uma forma fixada, mas está, ao contrário, em plena

evolução “tendendo para a forma do discurso direto”, que constitui o seu limite extremo.

        Nos casos mais característicos, chega a ser difícil determinar onde termina o

discurso indireto livre e onde começa o discurso direto (BAKHTIN, 2004, p. 178).

         Ainda conforme o pensamento de Bally (BALLY apud BAKHTIN, 2004, p. 178),

“Há uma discriminação estrita entre as ‘formas lingüísticas’ e as ‘figuras do pensamento’.

Esse último termo recobre os meios de expressão, que são ilógicos do ponto de vista da

língua”; nos quais a relação normal entre o signo lingüístico e sua significação habitual é

anulada. Para ele, “as figuras de pensamento não podem ser reconhecidas como fenômenos


5
  “Parataxe” que, segundo o Dicionário de lingüística e fonética, designa um “Termo usado na análise
Gramatical Tradicional e freqüentemente nos estudos da Lingüística Descritiva, com referência a construções
ligadas apenas por justaposição e pontuação/entonação e não pelo uso de conjunções. As “construções
paratáticas” se opõem às hipotáticas, que fazem uso das conjunções. A “parataxe” é ilustrada por: Ele
comprou chá, café, ovos e leite” (CRYSTAL, 2000, p. 196-97)
6
  Ou “hipotaxe” que, também segundo o Dicionário de lingüística e fonética, designa um “Termo usado na
análise Gramatical Tradicional, e freqüentemente nos estudos de Lingüística Descritiva, para caracterizar as
construções subordinadas em que os constituintes foram unidos por meio de conjunções. As “construções
hipotáticas” se opõem às Paratáticas, em que a ligação se dá apenas por meio de justaposição ou
pontuação/entonação. A “hipotaxe” é ilustrada por: O homem riu quando o cachorro latiu”. Em oposição a
:O homem riu; o cachorro latiu.. (CRYSTAL, 2000, p. 139).
35

lingüísticos no sentido estrito de termo” (BALLY apud BAKHTIN 2004, p 178). Pelo

exposto, segundo o autor, não existem índices lingüísticos claros e estáveis servindo à sua

expressão. Ao contrário, “os índices lingüísticos correspondentes têm justamente uma

significação diferente no sistema da língua, diferente daquela que lhes dão as figuras de

pensamento” (BALLY apud BAKHTIN 2004, p. 178). Ele ainda relaciona o discurso

indireto livre, nas suas formas puras, a essas figuras de pensamento.

         Para Bakhtin (2004, p. 183), “é à imaginação do leitor que o escritor se dirige,

quando usa essas formas”. O que ele procura, não é relatar um fato qualquer ou um produto

do seu pensamento, mas comunicar suas impressões, despertar na alma do leitor imagens e

representações vívidas. Ele não se dirige à razão, mas à imaginação. Apenas a inteligência

que raciocina e analisa pode tomar a posição de que o autor é quem fala no discurso

indireto livre; para a imaginação viva, é o herói que fala. A imaginação é a mãe dessa

forma.

         Authier-Revuz afirma que:

                            Os discursos diretos e indiretos foram assim claramente colocados em
                            oposição, como modos de apreensão e de representação da palavra de
                            outrem: reificação do enunciado, colocado à distância, ‘claramente
                            isolado, compacto e inerte’, pelo discurso direto e, apropriação analítica
                            suplementar efetuada pelo discurso indireto, que Bakhtin relaciona aos
                            dois modos de inculcação 7 ideológica que constituem a ‘palavra
                            autoritária’ e a ‘palavra persuasiva (AUTHIER-REVUZ, 1982, p. 21).


         Mas é, sobretudo, o discurso indireto livre que retém a atenção, como sendo uma

tendência completamente nova na apreensão ativa do enunciado de outrem, da interação do

discurso narrativo e do discurso relatado (AUTHIER-REVUZ, 1982).




7
  Do verbo inculcar, que segundo o Miniaurélio Século XXI Escolar (2000) significa: 1. Apontar, citar,
recomendar. 2. Demonstrar. 3. Repetir várias vezes para guardar no espírito. 4. Propor, indicar, aconselhar. 5.
Gravar, fixar (FERREIRA, 2000, p. 382).
36

        Garcia (2000,) afirma que o latim e o grego desconheciam o discurso indireto livre

e que Charles Bally 8 encontrou traços dele no francês antigo, mas não no período do

Renascimento. Rabelais dele se serviu ocasionalmente. Era, segundo ainda Bally, o

processo favorito de La Fontaine. No entanto, os clássicos, dada a influência da sintaxe

latina, não o empregaram.

        “Na literatura luso-brasileira da era clássica, não há dele senão esporádicos

exemplos” (GARCIA, 2000, p. 146).

        O que é certo, porém, segundo Garcia (2000, p. 146-47), é que, a partir dos meados

do século XIX, o estilo indireto livre começou a generalizar-se, por influência de Flaubert

e Zola. Mas foi somente em 1912 que Charles Bally chamou a atenção para a nova técnica,

até então ignorada pelas gramáticas 9 , e ele nomeou essa nova técnica, até então ignorada,

de estilo indireto livre.

        No Francês antigo, revela-nos Bakhtin (2004), que as estruturas psicológicas

estavam longe de distinguir-se tão rigorosamente das estruturas gramaticais como acontece

hoje. As combinações paratáticas e hipotáticas 10 misturavam-se de diversas maneiras.

        Bakhtin explica ainda que a pontuação ainda estava em esboço, e por isso “não

havia ainda fronteiras rígidas entre os discursos direto e indireto. O narrador não sabe

ainda separar as representações de sua imaginação do seu “eu” pessoal” (BAKTHIN, 2004,

p. 185).

        Ainda segundo esse autor, o narrador participa por dentro dos atos e das palavras

dos seus personagens, coloca-se como seu intercessor e defensor; não aprendeu a transmitir

o discurso de outrem na sua forma exterior e palavra por palavra, “abstendo-se de qualquer

intervenção pessoal” (BAKTHIN, 2004, p. 185).

8
   “Lê style indirect libre em français moderne”, artigo publicado na revista Germanisch-Romanisch
Monatschrift em 1912.
9
  Porque, diz Bally, “o estilo indireto livre é uma forma de pensamento, e os gramáticos partem das formas
gramaticais” (op. Cit. p. 605).
10
   Termos já descritos na nota da página 37.
37

           O temperamento francês antigo estava ainda longe da observação imparcial,

descompromissada e também do julgamento objetivo. No entanto, essa diluição do autor

nos seus personagens não é resultado de uma escolha deliberada; era também uma

necessidade. Ele não tinha à sua disposição formas claras e lógicas que permitissem uma

delimitação estrita. E é sobre essa base gramatical insuficiente e não como procedimento

estilístico livre que se viu aparecer em francês antigo o discurso indireto livre (BAKTHIN,

2004).

           No fim da Idade Média, em francês medieval, essa imersão do autor nos

sentimentos experimentados por seus personagens não tem mais lugar Bakhtin (2004). A

este respeito Bakhtin (2004, p. 186) diz: “Encontra-se muito raramente o ‘presente

histórico’ entre os historiadores dessa época e o ponto de vista do narrador distingue-se

claramente do das personagens representadas. O sentimento cede lugar à razão”. Assim, a

transmissão do discurso de outrem se torna impessoal, sem cor e graça, e a voz do narrador

abafa a do enunciador.

            Bakhtin (2004) disse também que o período de despersonalização sucede ao

individualismo fortemente marcado do Renascimento, e a intuição desempenhou

novamente um papel na transmissão do discurso de outrem. Ele ainda acrescenta que o

narrador tentou novamente aproximar-se do seu personagem, estabelecendo com ele

relações mais íntimas, e esse estilo foi caracterizado pela sucessão flexível e livre,

psicologicamente colorida e caprichosa, dos tempos e modos.

           Mais adiante, no século XVII, “em contraposição ao irracionalismo lingüístico do

Renascimento, começam a constituir-se regras rígidas de emprego dos tempos e dos modos

no discurso indireto 11 ” (BAKHTIN, 2004, p.186).




11
     Particularmente graças a Houdin, 1932.
38

       Com isso, estabeleceu-se um equilíbrio harmonioso entre as faces objetiva e

subjetiva do pensamento, entre a análise objetiva e a expressão das atitudes pessoais.

       Como procedimento estilístico livre e consciente, o discurso indireto livre só podia

aparecer depois da criação, graças à introdução da concordância dos tempos, de um

contexto gramatical no qual pudesse destacar-se claramente.

        Ele aparece primeiro em La Fontaine e conserva nele o equilíbrio, característico do

Neoclassicismo, entre o subjetivo e o objetivo (BAKHTIN, 2004, p. 186).

       Sobre isso, o autor escreve que:

                       A omissão do verbo introdutório indica a identificação do narrador ao
                       herói; quanto à utilização do imperfeito (contrastando com o presente do
                       discurso direto) e à escolha do pronome (correspondente ao discurso
                       indireto), indicam que o narrador conserva sua posição autônoma, que ele
                       não se dissolve totalmente na atividade mental do seu herói (BAKHTIN,
                       2004, p. 186).


       “Esse procedimento convinha particularmente ao fabulista La Fontaine, na medida

em que rompe o dualismo da análise abstrata e da impressão imediata, aliando-as

harmoniosamente” (BAKHTIN, 2004, p. 187).

       Se La Fontaine utiliza esse procedimento, isso indica que ele se simpatizava

profundamente com as suas personagens; La Bruyère tira dele efeitos satíricos

contundentes. Ele não representa seus caracteres num país imaginário e seu humor não é

nada suave; no entanto, Bruyère exprime, por meio do discurso indireto livre, seu conflito

interno com eles, sua superioridade sobre eles. Ele se destaca das personagens que

representa. A pseudo-objetividade de La Bruyère serve para mudar ironicamente todas as

suas representações (BAKHTIN, 2004).

       O esboço histórico do desenvolvimento do discurso indireto livre em alemão,

tomados de Eugen Lerch, diz que o discurso indireto livre apareceu tardiamente; é

encontrado pela primeira vez em Thomas Mann, na obra Os Buddenbrooks (1901),

aparentemente sobre a influência direta de Zola.
39

       Mas é sem dúvida em francês que o discurso indireto livre, estando longe de

transmitir uma impressão passiva produzida pela enunciação de outrem, exprime uma

orientação ativa, que não se limita meramente à passagem da primeira à terceira pessoa,

mas introduz na enunciação citada suas próprias entonações, que entram então em contato

com as entonações da palavra citada, interferindo nela.

       Segundo Lorck e Lerch (apud BAKHTIN, 2004, p. 191), “O sentido do discurso

não existe fora de sua acentuação e entonação vivas”. No discurso indireto livre,

identificamos a palavra citada não tanto graças ao sentido, considerado isolado, mas,

graças às entonações e acentuações próprias do personagem, e também as orientações

apreciativas do discurso (BAKHTIN, 2004).

       Nós podemos assim perceber que os acentos e as entonações do autor estão

interrompidos por esses julgamentos de valor de outra pessoa. E é isso, como aponta

Bakhtin (2004, p. 191), “que distingue o discurso indireto livre do discurso substituído, no

qual nenhum acento novo aparece em relação ao contexto narrativo”.
40


                         O DISCURSO INDIRETO LIVRE ABORDADO

                                      GRAMATICALMENTE



           Segundo Maingueneau:

                               O discurso indireto livre representou por muito tempo um desafio para a
                               análise gramatical. Encontramos, com efeito, aí misturados, elementos
                               que geralmente consideramos disjuntos: a dissociação dos dois atos de
                               enunciação, características do discurso direto, e a perda de autonomia
                               dos embreantes 12 do discurso citado, característica do discurso indireto
                               (MAINGUENEAU, 1996, p. 116).



           Essa forma mista, segundo Tobler, deriva o seu tom e a ordem das palavras do

discurso direto e os tempos verbais e pessoas do discurso indireto (TOBLER apud

BAKHTIN, 2004).

                              O falante, contando fatos passados, introduz a enunciação de um terceiro
                              sob forma independente da narrativa, isto é, na forma que ela teve no
                              passado. Fazendo isso, o falante transforma o presente da enunciação em
                              imperfeito, para mostrar que a enunciação é contemporânea dos
                              acontecimentos relatados. Depois ele realiza outras transformações (das
                              formas pessoais do verbo, dos pronomes) para que não se pense que se
                              trata da enunciação do próprio narrador (BAKHTIN, 2004, p. 175).


           O discurso direto possui as marcas da pessoa que os proferiu. Sendo, portanto uma

representação fiel dos atos da fala.

            No entanto, ao usar o discurso indireto livre, o autor mescla a fala do narrador com

a do personagem. Do ponto de vista gramatical, o discurso é do narrador; do ponto de vista

do significado, o discurso é do personagem. Isso é possível pela queda dos elos

subordinativos e dos verbos de dizer presentes no discurso indireto. Por isso, “o discurso

indireto livre cria um efeito de sentido que fica a meio caminho entre a subjetividade e a

objetividade. Nele, são duas vozes que se expressam, a do narrador e a do personagem”

(PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 185).

12
     Palavra que adquire significação, somente relacionada a um referente, a uma situação.
41

        Fiorin (1999) considera particularmente cômodo para um autor poder deslizar, sem

ruptura da narração, dos acontecimentos aos propósitos e pensamentos, voltando a seguir

para a narração dos acontecimentos. Assim:

        “A queda da conjunção ‘que’ não serve para aproximar duas formas abstratas, mas

para aproximar duas enunciações 13 , em toda a plenitude de sua significação. Como se a

comporta se abrisse para permitir às ‘entonações’ do autor que escoem no discurso citado”

(BAKHTIN, 2004, p. 179).

        Entretanto, o discurso indireto livre não é um fenômeno que concerne à sintaxe da

frase, mas apóia-se num conjunto textual de dimensões extremamente variáveis.

        Maingueneau (1996, p. 120) ainda afirma que “o fato de o discurso indireto livre

não ter marcas próprias não implica, entretanto, que sua enunciação não seja submetida a

nenhuma restrição”.

        Ou seja: “Dele são excluídos os elementos que o tornariam indiscernível do

discurso direto ou do discurso indireto: a subordinação por um verbo dicendi de um lado, a

presença do par de embreantes eu-tu, de outro” (MAINGUENEAU, 1996, p. 120).

        “Podemos assim encontrar alguns eu ou alguns tu (bastando para isso que esse tu

coincida com o locutor ou com o alocutário do discurso citante), mas de modo algum um

par de interlocutores” (MAINGUENEAU, 1996, p. 120-121). Por exemplo, verifique-se:

        Ele protestou com uma súbita firmeza e advogou contra si mesmo. 14

        Eu não podia, dizia ele, avaliar a extensão do seu erro. 15

        O “eu” não é personagem da qual se citam as falas em discurso indireto livre, mas o

autor do discurso citante, que não tem aqui a posição de uma pessoa do diálogo.

13
   A ruptura metodológica entre as formas lingüísticas e as figuras de pensamento, entre “langue” e “parole”,
também resulta do mesmo objetivo hipotático. De fato, as formas lingüísticas, como as compreende Bally,
existem apenas nas gramáticas e nos dicionários (onde sua existência é totalmente legítima), mas, na
realidade viva da língua, elas estão profundamente imersas naquilo que, do abstrato ponto de vista
gramatical, é o elemento irracional das “figuras de pensée” (BAKHTIN, 2004. p. 179).
14
   Citado no Grande Larousse de la Langue Française, p. 1349.
15
   Idem.
42

       Ainda, segundo Maingueneau (1996), o discurso indireto livre apresenta feições

muito diversas, oscilando entre esses dois pólos extremos que são, de um lado, o discurso

desprovido de marcas de subjetividade do locutor citado e, de outro, um discurso próximo

do direto, no qual a voz da personagem domina sobejamente a do narrador.

       Do ponto de vista extremamente gramatical, trata-se do discurso do autor; conforme

o sentido, é do personagem. “Mas esse ‘conforme o sentido’, não é representado por

nenhum signo lingüístico particular. Estamos como já foi dito neste trabalho ‘diante’ de um

fenômeno extralingüístico” (BAKHTIN, 2004, p. 178-79).

       “Como o nome sugere, o estilo ou discurso indireto livre ou semi-indireto apresenta

características híbridas: a fala de determinada personagem, ou fragmentos dela, inserem-se

discretamente no discurso indireto, através do qual, o autor relata os fatos” (GARCIA,

2000, p. 147).

                       No indireto puro, o processo sintático é o da dependência por conectivo
                       integrante; no direto, é o da justaposição, como verbo dicendi claro ou
                       oculto; no indireto livre, as orações da fala são, de regra, independentes,
                       sem verbos dicendi, mas com transposições do tempo do verbo (pretérito
                       imperfeito) e dos pronomes (3ª pessoa). Como não inclui nem admite
                       dicendi, não é cabível sua transformação em objeto direto do verbo
                       transitivo – e é isto que o distingue do direto e do indireto puro
                       (GARCIA, 2000, p. 147).



       É do ponto de vista da imaginação que Lorck (apud BAKHTIN, 2004) tenta

compreender e explicar a forma do imperfeito no discurso indireto livre. “Com o

imperfeito, nosso olhar se orienta para o interior para o mundo do pensamento em processo

de constituição”. Tem caráter de constatação factual, de reflexão e de impressão mental em

processo de desenvolvimento. A imaginação reconstitui neles o passado vivo.

        Segundo Bakhtin (2004, p. 185), “em Lerch, é a ‘sensibilidade simpatizante’ que

desempenha o papel que tinha a imaginação em Lorck. O discurso indireto livre dá à

sensibilidade sua expressão mais adequada”; e ainda segundo Bakhtin (2004, p. 185), “as
43

formas do discurso direto e indireto são condicionadas por um verbo introdutório (disse,

pensou, etc). Dessa maneira, o autor joga sobre o personagem a responsabilidade daquilo

que é dito”.

        “Já no discurso indireto livre, graças à omissão do verbo introdutório, o autor

apresenta a enunciação do personagem como se ele mesmo se encarregasse dela, como se

tratasse de fatos e não simplesmente de pensamentos ou palavras” (BAKHTIN, 2004, p.

185).

        Tal fato é possível “se o escritor se associa com toda a sua sensibilidade aos

produtos de sua própria imaginação, se ele se identifica completamente com eles” (LERCH

apud BAKHTIN, 2004, p. 185).

        Esse discurso como já foi dito por Maingueneau (1996, p. 118), “Não possui modo

específico de introdução (ruptura ou subordinação). Nesse domínio, tudo pode convir,

desde que o leitor consiga notar o surgimento de uma dissonância enunciativa”. Muitas das

vezes ele faz uso de sinais existentes, como neste exemplo: “Etelvina teimava”. Este verbo

“teimava”, não é um verbo dicendi.

        Por natureza, salienta Maingueneau (1996), o discurso indireto livre dificilmente é

compatível com modos de introdução claramente marcados. Os verbos dicendi não podem

identificá-lo no texto. Seu interesse é o de poder atenuar o desnível entre discurso citante e

discurso citado, sem para isso anular a autonomia do discurso citado. “As palavras e os

sentimentos das personagens são evocados diretamente, mas eles não rompem a trama

narrativa” (MAINGUENEAU, 1996, p. 119), já que o discurso do narrador é mantido.

        Uma outra característica lingüística do discurso indireto livre, como já foi citado, é

a de que: “não existem marcas lingüísticas específicas para esta forma de citação. Dito de

outro modo, não se pode afirmar de um enunciado, fora do contexto, que seja um discurso

indireto livre” (MAINGUENEAU, 1996, p. 119).
44

       Desta forma, por ser dependente do contexto, o discurso indireto livre representa

sempre a fusão de aspectos subjetivos, manifestados numa mascarada objetividade do

narrador, na sua produção textual.
45


                                           O TEXTO



       O texto, segundo Orlandi (2001, p.69), “não é definido pela sua extensão: ele pode

ter desde uma só letra até muitas frases, enunciados, páginas etc. Uma letra ‘o’, escrita em

uma porta, ao lado de outra com letra ‘a’, indicando-nos banheiro masculino e feminino”.

É um texto, pois é uma unidade de sentido nessa situação.

       Isso se refere, em nossa memória, o fato de que em nossa sociedade, em nossa

história, a distinção masculino/feminino é significativa, e é praticada socialmente até para

distinguir lugares próprios (e impróprios) (ORLANDI, 2001).

       Segundo a mesma autora, “textos são fatos da linguagem por excelência, os estudos

que não tratam da textualidade não alcançam a relação com a memória da língua”

(ORLANDI, 2001, p. 70).

       “Para compreender como se propõe à análise de discurso, o leitor deve-se

relacionar com os diferentes processos de significação que acontecem com o texto. Esses

processos, por sua vez, são função da historicidade” (ORLANDI, 2001, p. 70).

       “Compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, é compreendê-

lo enquanto objeto lingüístico-histórico, é explicitar como ele realiza a discursividade que

o constitui” (ORLANDI, 2001, p. 70).

       Os textos individualizam, como unidade, como um conjunto de relações

significativas. Eles são assim, unidades complexas, constituem um todo que resultam de

uma articulação de natureza lingüístico/histórica (ORLANDI, 2001, p. 70).

                       Todo texto é heterogêneo: quanto à natureza trazendo memória para a
                       consideração dos elementos submetidos à análise. São os fatos que nos
                       permitem chegar à memória da língua: desse modo podemos
                       compreender como o texto funciona, enquanto objeto simbólico
                       (ORLANDI, 2001, p. 70).
46

       O discurso, diz ela: “é uma dispersão de textos e o texto é uma dispersão do sujeito.

O sujeito se subjetiva de maneiras diferentes ao longo de um texto. Há pontos de

subjetivação ao longo de toda a textualidade”.

       O discurso universitário, por exemplo, se constitui de uma dispersão de textos: os

de professores, de alunos, de funcionários, de administradores, textos burocráticos,

científicos, pedagógicos etc. toda essa totalidade faz parte do discurso universitário”

(ORLANDI, 2001, p. 70).

       Maingueneau (1996, p. 38) afirma que:

                        Quando se trata de ‘narração’, a noção de ‘situação de enunciação’ não
                       recebe necessariamente um sentido evidente. Implica a instauração de
                       certa relação entre o momento e o lugar a partir dos quais o narrador
                       enuncia e o momento e o lugar dos acontecimentos ele narra. Nesse
                       domínio, a variedade dos dispositivos que foram inventados parece
                       ilimitada e delicia os analistas das técnicas de romances
                       (MAINGUENEAU, 1996, p. 38).

       “Pode haver dissociação completa entre o mundo narrado e a instância narrativa

que tenta apagar qualquer vestígio de sua presença. É o caso em particular, dos textos no

pretérito e em não-pessoa, nos quais o narrador não interven” (MAINGUENEAU, 1996, p.

38).

       Ainda, segundo o mesmo autor, “podemos, ao contrário, observar uma coincidência

entre a enunciação e o universo narrado, porém na maior parte das vezes o texto institui

dispositivos mais sutis” (MAINGUENEAU, 1996, p. 38).

       “Assim como definimos o discurso como efeito de sentido entre locutores e

consideremos, na sua contrapartida, o texto, como sendo uma unidade que podemos

empiricamente, representar como tendo começo, meio e fim, uma superfície lingüística

fechada nela mesma” (ORLANDI, 2001, p. 73).
47

       “Também consideramos o sujeito como resultando da interpolação do indivíduo

pela ideologia, mas o autor, no entanto, é representação de unidade e delimita-se na prática

social como uma função específica do sujeito” (ORLANDI, 2001, p.73).

       De acordo com Vignaux (1979 apud orlandi 2001 ORLANDI 2001), “o discurso

tem como função constituir a representação de uma realidade. No entanto, ele funciona de

modo a assegurar a permanência de uma certa representação”.

       Para isso diríamos, segundo Orlandi (2001), “que há na base do discurso um projeto

totalizante do sujeito, projeto que converte em autor. O autor é o lugar em que se realiza

esse projeto totalizante, o lugar em que se constrói a unidade do sujeito”.

       “Como o lugar da unidade é o texto, o sujeito se constitui como o autor ao

constituir o texto em sua unidade, com sua coerência e completude. Coerência e

completude imaginárias” (ORLANDI, 2001, p.73).
48


         CARACTERISTICAS DO TEXTO LITERÁRIO E DO TEXTO

                                       POÉTICO



       “Na arte, a preocupação não é o que se mostra, mas o como se mostra. Logo, a

forma é o ponto central da comunicação artística” (CUNHA, 2002, p. 23).

       “Estamos chamando de forma tudo o que, em qualquer interação, o interlocutor

percebe através de um dos sentidos. Numa pintura, é toda a extensão da tela e tudo contido

nela: linhas, cores, sombras, texturas das tintas etc” (CUNHA, 2002, p. 23).

       “Na composição musical é tudo o que você ouve: sons, ritmos, silêncios (pausa).

No discurso do político, é tudo o que ele diz da primeira à última palavra, incluindo tons,

ritmos, silêncios, conjugado com o que ‘diz’ seu corpo” (CUNHA, 2002, p. 23).

        “Isso quer dizer que qualquer ato de linguagem tem uma forma. A questão é que,

na arte, essa forma é um valor em si, buscado pelo artista: nesse interresse reside a

diferença entre a fala dele e a nossa fala” (CUNHA, 2002, p. 23).

       “Um bom texto informativo tem também uma preocupação com a forma. Porém,

ela não interessa em si, está a serviço da informação” (CUNHA, 2002, p. 23).

       A forma “é escolhida para garantir o melhor entendimento (se possível, de uma

forma convergente) do assunto a ser tratado. Na arte, a forma é escolhida para gerar

surpresa, ambigüidade, interpretações diferentes” (CUNHA, 2002, p. 23).

       Além dessa clara busca de uma forma nova, “a expressão artística não procura

primeiramente informar: ela até apóia-se na realidade, mas sempre escolhe uma parte dela,

recorta-a e a interpreta” (CUNHA, 2002, p. 24).

       Outro ponto fundamental das linguagens artísticas, explica a autora, “é o uso

preferencial da conotação. Para entendermos bem a conotação, temos de pensar que, em

geral, as palavras podem ter dois sentidos” (CUNHA, 2002, p. 24).
49

       Sobre a denotação Cunha (2002, p. 24) esclarece que:

                       O sentido mais neutro e generalizado de uma palavra, entre os falantes,
                       ou na comunidade. É o primeiro sentido registrados nos dicionários. Em
                       geral, por não gerar dúvidas, é o sentido quase exclusivo quando
                       queremos garantir uma produção de sentido muito semelhante, como no
                       caso dos textos informativos e científicos (CUNHA, 2002, p. 24).

       E sobre a conotação:

                       O sentido (ou sentidos) somado ao sentido denotativo da palavra. A
                       conotação é sempre subjetiva e emocional. Depende do contexto e da
                       história do emissor e do receptor. O dicionário, no final do verbete de
                       determinadas palavras, traz alguns exemplos de sentido conotativo, o
                       chamado “sentido figurado” delas (CUNHA, 2002, p. 24).

       Essas características, ainda segundo Cunha (2002), “estão na arte em geral,

portanto, na literatura, e aparecem tanto na prosa quanto na poesia. Quer dizer, tanto no

chamado gênero lírico quanto no gênero narrativo”.

       Mas a lírica em algumas particularidades, que vamos estudar agora.



       CARACTERÍSTICAS DO LIRISMO



       No chamado gênero lírico, “um emissor – que não é obrigatoriamente o poeta –

expõe as emoções de um eu. O poeta pode estar traduzindo sentimentos que ele percebe

nos outros, mesmo sem que apareça a 1ª pessoa, os sentimentos são desse eu” (CUNHA,

2002, p. 23).

       Em principio no gênero lírico, segundo Cunha (2002), “não há uma história: não há

principio, meio e fim, por isso, não temos como resumir o que lemos ou ouvimos num

poema”.

       É fácil notar que o gênero lírico está muito associado à poesia, e ele se apresenta

mais comumente na forma de poemas. Chama-se lírico exatamente porque antigamente os

poemas eram musicados e cantados ao som da lira (CUNHA, 2002, p. 25).
50

       Cunha (2002), explica que “na poesia mais contemporânea tem mostrado outras

possibilidade do lirismo: o humor, a brincadeira, o jogo de palavras encontram lugar

seguro também na poesia”.

       Segundo Cunha (2002), a poesia difere da prosa sobretudo na quantidade, não na

qualidade de seus elementos. Podemos dizer que as características da obra de arte

apontadas anteriormente são mais ‘concentradas’ na poesia”.

       “No interesse pela forma, por exemplo, o texto poético tem ingredientes

visivelmente formais: os versos, o trabalho com a sonoridade, que envolve não só o ritmo,

mas todos os recursos ligados aos sons” (CUNHA, 2002, p. 26).
51


               ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NARRATIVA



       A narrativa conta uma história, curta ou longa, é uma sucessão de acontecimentos,

que transcorrem no tempo.



       O ENRREDO



       De acordo com Cunha (2002), “a organização desses acontecimentos chamamos

enredo. O enredo apresenta:

       a)        “Introdução (ou apresentação, ou orientação), através da qual o leitor

entra na história, começa a se envolver nela” (CUNHA, 2002, p. 10).

       b)        “Desenvolvimento, que tem dois momentos: a complicação que envolve

um elemento novo, criando um conflito, e o clímax, ponto mais alto da tensão, depois do

qual a situação tende a uma resolução” (CUNHA, 2002, p. 10).

       c)        “Desfecho, resolução agradável ou desagradável do ‘problema’, impasse,

ou tensão” (CUNHA, 2002, p. 10).

       “Quando os fatos se apresentam na seqüência em que ocorreram, dizemos que o

enredo é linear, e o tempo, cronológico” (CUNHA, 2002, p. 10).

       Segundo Cunha (2002), “às vezes, o narrador começa a história por outro ponto dos

acontecimentos: do meio ou do fim da história, voltamos ao ponto inicial. É o flashback.

(CUNHA, 2002, p. 10).

       Às vezes, os fatos surgem fora da ordem em que ‘aconteceram’, em função das

lembranças da personagem: é o tempo psicológico (CUNHA, 2002, p. 10).
52

       O TEMPO



       Quanto ao tempo, afirma Cunha (2002) que, “conforme o caso, podemos ter a

duração de poucos minutos (como nos causos), ou a duração de séculos, quando se conta a

história de gerações de uma família ou de uma comunidade”.

       Ainda segundo Cunha(2002), “conhecer a época em que ocorrem os fatos é

fundamental para a compreensão da história: o comportamento dos envolvidos na narrativa

pode ser explicado pelas idéias, opiniões e crenças de sua época”.

       “Da mesma forma, se a narrativa começa por uma frase como: ‘no tempo em que as

criancinhas nasciam em repolhos’, já sabemos que se pede para entrar no campo da

fantasia” (CUNHA, 2002, p. 11).

       “Mas nem sempre a definição temporal se faz na narrativa; nesse caso, a sugestão é

de que a história poderia ocorrer em qualquer época, ou em muitas épocas” (CUNHA,

2002, p. 11).



       O LUGAR



       O mesmo ocorre com a especificação do lugar (ou lugares) onde são dados os fatos.

“Em certas narrativas, o espaço, ou ambiente, é absolutamente definidor da história. É o

que vemos em narrativas como Vidas Secas, Menino do Engenho, ou Mar Morto”

(CUNHA, 2002, p. 11).
53

       O NARRADOR



       “Não existe narrativa sem narrador. É ele que nos põe a par dos acontecimentos e

nos guia na interpretação dos fatos. É pelos seus olhos que vemos o que passou” (CUNHA,

2002, p. 26).

       Convém lembrar que ele é também uma invenção do autor, como as personagens.

Não é o autor, ainda que possa parecer que seja.



       OS FOCOS NARRATIVOS



       Para nos fazer chegar a história, explica Cunha (2002, p. 11) que, “o narrador

escolhe o ponto de vista, um lugar de onde ele ‘vê’ e de onde nos conta os acontecimentos.

Quer dizer, como no cinema, vemos o que o diretor/narrador nos permite ver.

       “Essa escolha do ponto de vista é o que chamamos foco narrativo, e tem a ver com

o próprio papel do narrador na narrativa. Ele pode contar os fatos do lugar de uma

personagem, e não de outra, ou tentar ‘ver objetivamente’ os fatos” (CUNHA, 2002, p. 11).

       Essas decisões mudam completamente a forma de o leitor perceber a história.

       De acordo com a mesma autora, “o narrador pode aparecer como personagem da

história. Nesse caso, a narrativa se constrói em 1ª pessoa: eu, ou nós (CUNHA, 2002, p.

12).

       “Outro tipo de narrador é aquele que não participa da história como personagem:

ele presencia, observa os fatos (ou quer dar essa impressão), ou relata o que lhe contaram.

Nesse caso, a narrativa ocorre em 3ª pessoa. É o narrador observador” (CUNHA, 2002, p.

12).

                       Quando o narrador não e é personagem, não está diretamente envolvido
                       com os acontecimentos, a sua história parece mais confiável. Pelo menos,
54

                        é o que o narrador quer sugerir ao leitor. Mas ele tem lá a sua visão de
                        mundo, e escolhe os ângulos que privilegiem suas posições – ainda que
                        pareça imparcial (CUNHA, 2002, p.12).

       Então, olho aberto! Pois, a narrativa pode ter muitas estratégias para nos convencer!

       Há narradores que procuram ser bem objetivos: tentam relatar apenas o que podem

assegurar que estão vendo:procuram não fazer comentários, não imaginar o que sentem ou

pensam as personagens. Esses querem ser bem ‘realistas’, com rigor de observação

(CUNHA, 2002, p. 12).

       Mas, como explica Cunha (2002, p. 12), “esse narrador é raro. È muito difícil

manter essa ‘neutralidade’: ao longo da narrativa, ele acaba traindo-se e revelando alguma

opinião, algum pensamento escondido da personagem”.

       O mais comum, segundo Cunha (2002, p. 12), “é o narrador onisciente, onipresente

(está em todo lugar) e onipotente (pode tudo). Para esse narrador, conhecer os pensamentos

e sentimentos mais íntimos das personagens é muito fácil”.

       Ele é, também, responsável pelo destino das personagens. E, a partir da importância

que ele dá a cada uma e do que revela das criaturas da história é que vamos nos aproximar

de umas, torcendo por elas e implicando com outras (CUNHA, 2002, p. 12).



       AS PERSONAGENS



       Os acontecimentos de uma narrativa envolvem personagens, os participantes que

são agentes ou pacientes da história.

       “A personagem é protagonista quando é a principal; é antagonista, quando se opõe

à principal; ou é secundária, quando não é responsável por nenhum núcleo dos

acontecimentos” (CUNHA, 2002, p. 13).
55

       Segundo a mesma autora, quanto à sua caracterização, as personagens podem ser

“planas, quando não apresentam complexidade nem surpresas causadas por mudanças; ou

podem ser redondas, quando são complexas, difíceis de analisar, surpreendentes e em

evolução” (CUNHA, 2002, p. 13).



       AS PERSONAGENS PENSAM E FALAM



       Quando conversamos com alguém, empregamos a língua falada.

       O rádio, a televisão e o cinema reproduzem situações de fala com bastante

facilidade, utilizando a possibilidade de gravar e reproduzir a voz das pessoas. “O cinema e

a televisão reproduzem, além da voz, outros elementos importantes numa conversa: os

gestos e a expressão fisionômica” (FARACO, 1992, p. 32).

       Segundo o autor, “no teatro, os autores reproduzem, ao vivo, os diálogos entre as

personagens que eles fingem ser” (FARACO, 1992, p. 32).

       “Nas histórias em quadrinhos, usam-se balões para reproduzir a conversa das

personagens” (FARACO, 1992, p. 32).

       “No texto escrito não contamos com esses recursos. Para nos dar a conhecer aquilo

que as personagens pensam e falam, o narrador pode utilizar três construções: o discurso

direto, o indireto e também o indireto livre, como já foi dito” (FARACO, 1992, p. 39).

       Faraco (1992, p. 44) afirma que, “na televisão, no teatro, no cinema, quando a

personagem deve gritar, o ator que representa essa personagem simplesmente altera a

fisionomia, muda o tom de voz e... grita!”.

       “O ator representa a personagem imitando o que fazemos. Na vida real, quando

gritamos, nós alteramos a fisionomia e o tom de voz” (FARACO, 1992, p. 44).
56

       “Mas numa história desenhada ou escrita, não podemos contar com o som. Em

história em quadrinhos os autores resolvem esse problema mudando o contorno do balão

ou aumentando o tamanho das letras para sugerir que a personagem está gritando”

(FARACO, 1992, p. 44).

        De acordo com Faraco (1992 p. 45) no caso da narrativa escrita, o autor emprega

verbos que indicam diferentes maneiras de expressão oral. Observe:”

       a) Vasco disse:

             – vocês vão ver minha intenção. (Érico Veríssimo).

       b) Depois subiu para o lombo do muro e gritou para baixo:

             – Agora vocês vão ver como eu vou voar. (idem).

       c) – Quero diminuir. Quero diminuir. Pediu o gigante... (M. Vasconcelos).

       d) – Quero que você entre novamente na gaiola, berrou o homem... (idem).

       e) – Canalha! Bandido! Vociferava num desespero a santa criatura (Graciliano

       Ramos).

       O mesmo autor afirma ainda que:

                          A língua portuguesa oferece muitas possibilidades para indicar os
                          diferentes modos de falar. Observe que cada um desses verbos tem
                          significado preciso. Por exemplo: dizer é muito diferente de gritar, berrar
                          é diferente de pedir etc. (FARACO, 1992, p. 45).


       Segundo Faraco (1992, p. 46), “quando você for escrever diálogos, deve escolher o

verbo mais adequado ao modo de falar da personagem”.

       “No caso do discurso indireto, o narrador conta para o leitor aquilo que a

personagem esta falando ou falou” (FARACO, 1992, p. 58).

       Faraco (1992) ainda afirma que o “enredo ou trama é a ordenação, de acordo com a

vontade do escritor, dos fatos que serão narrados. Em todo enredo deve ocorrer um

conflito”.
57

          Conforme esse mesmo autor, “conflito é a oposição, a luta, o desequilíbrio entre

duas forças ou duas personagens”.

          Por meio do conflito, o enredo se organiza e se encaminha para o final, onde se dá o

desfecho. O desfecho é a solução do conflito” (FARACO, 1992, p.75).

          Diante disso, o texto deve esclarecer da forma mais clara, de acordo com as

técnicas disponíveis, a que se propõe e também ter coerência e coesão, para que o autor

possa transmitir ao leitor toda a intenção que seu texto traz, seja este através de metáforas

ou não.

          Assim, conclui Cunha (2002, p. 24), “a arte sempre traz uma diferença com relação

ao que já percebemos, ao que conhecíamos de determinada questão. Em alguma medida,

ela é original e surpreendente”.
58


                                     METODOLOGIA



         A natureza metodológica desse trabalho é bibliográfica. (LAKATOS; MARCONI,

1999), quando fazemos um levantamento bibliográfico a respeito da teoria da enunciação,

dêiticos, tipos de discurso e também da produção de textos.

         Para Lakatos e Marconi (1999), a pesquisa bibliográfica constitui-se no

levantamento da bibliografia publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas,

jornais, pesquisas, monografias, teses, etc., a respeito do tema estudado. Esse tipo de

pesquisa tem como finalidade colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi

escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista “o reforço

paralelo para análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações” (TRUJLLIO,

1974, p. 230 apud LAKATOS; MARCONI, 1999).

         “A bibliografia pertinente oferece meios para definir, resolver, não somente

problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas ainda não

se cristalizaram suficientemente” (MANSO, 1977, p.32 apud LAKATOS; MARCONE,

1999).
59


                                       CONCLUSÃO



       A enunciação representa a classe de discurso onde, os mecanismos ideológicos

podem ser suscitados na reprodução de um enunciado, seja esse falando ou escrito.

       Na enunciação, no processo de citação do discurso alheio, pode-se introduzir certos

elementos, cujo significado cria uma “nova personalidade” ao discurso citado, transmitindo

assim os elementos de quem o transmitiu e também de quem o citou.

       A língua utiliza vários meios para apresentar uma localização. Além das

localizações absolutas, podemos encontrar uma referência dêitica: demonstrativa e

adverbial. No mecanismo de deitização, três componentes básicos se destacam: pessoa,

espaço, tempo, formando o que Parret chama de triângulo dêitico.

       No discurso direto, a realidade do discurso é que “um mesmo sujeito falante” se

apresenta como locutor de sua enunciação (X disse: “...”), mas delega a responsabilidade

da fala citada a um segundo locutor, o do discurso direto (MAINGUENEAU, 1996).

       O discurso indireto não reproduz um significante, mas dá um equivalente

semântico integrado à enunciação citante, ele apenas implica um único ‘locutor’, o qual se

encarrega do conjunto da enunciação.

       Percebemos então o desaparecimento das exclamações, das interrogações, dos

imperativos, etc. Na medida em que a citação em discurso indireto não tem mais

autonomia enunciativa, ela perde essa modalidade para se fundir no discurso citante. Ex:

“Você vai?” será modificado para: “Ele lhe perguntou se ele quer ir”, que constitui uma

afirmação. Os professores devem estar atentos a essa autonomia enunciativa ao trabalhar o

discurso indireto na produção de textos com seus alunos.
60

       Já no discurso indireto Livre, Fiorin (1999) considera que há dois atos enunciativos,

duas vozes: a do narrador e a de uma personagem. Só que a da personagem não se enuncia

em primeira pessoa, ficando, pois, camuflada sob a voz do narrador.

       “O discurso indireto livre resulta, portanto, meramente da incapacidade do autor de

separar gramaticalmente seu ponto de vista, sua posição, dos de seus personagens”

(BAKHTIN, 2004, p. 185).

       O texto bem produzido é uma estrutura organizada e bem equilibrada. Ele deverá

refletir o lastro cultural do escritor em relação às idéias expostas sobre o tema

(intertextuais). Deverá conter as creças e valores sobre o que o escritor defende ou critica,

para atuar nos leitores de forma adequada (contextuais). Por último, deverá ser bem

produzido lingüisticamente, observando a boa construção sintática, a riqueza e a

pertinência vocabular, a correção gramatical e o estilo (textuais).

       Em conseqüência disso, dois textos podem estar muito bem escritos quanto ao

conhecimento gramatical, quanto à ordenação lógica e quanto aos recursos estilísticos, mas

serem irreconciliáveis do ponto de vista ideológico.

       O resultado da pesquisa indicou o quanto é importante o professor levar para o

cotidiano escolar, as práticas de produção de textos que se encontram no dia-a-dia dos

alunos como: os quadrinhos, textos publicitários, cartas, e-mail, para que aos poucos os

alunos possam evoluir para textos mais elaborados, com maior número de parágrafos e

também reproduzir, com propriedade e clareza, o discurso de outrem.

       A utilização dos tipos de discurso na produção de texto deve ser previamente

trabalhada em sala de aula pelo professor, e esse por sua vez deve orientar seus alunos

quanto aos três tipos de discurso, e também utilizar métodos que facilitem a compreensão e

o desenvolvimento dessas técnicas de produção de textos, tais como: exercícios de redação,

bilhete que reproduza a fala ou o pensamento de outrem, podendo iniciar pela reprodução
61

oral desses enunciados. Bakhtin afirma que “Cada forma de transmissão do discurso de

outrem apreende à sua maneira a palavra de outro e assimila-a de forma ativa”

(BAKHTIN,2004, p. 190).

       O objetivo principal da produção de texto na escola é trabalhar a elaboração da

mensagem como instrumento de comunicação, além de implicar uma atividade que torna

possível a construção do raciocínio lógico do aluno, e ao trabalhar com as formas de

citação do discurso alheio, o professor estará colaborando para isso.
62


                                  REFERÊNCIAS




AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade Mostrada e Heterogeneidade
constitutiva: Elementos Para Uma Abordagem do Outro no Discurso. Tradução de
Sandra Diniz Costa. Paris: Centre de Recherches de L’Université de Paris VII, 1982, 57p.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução de Michel Lahud e
Yara Fratesch Vieira. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004, 196p.

__________. Problemas de Lingüística Geral II. Tradução de Eduardo Guimarães. s/ ed.
Campinas, SP: Pontes, 1989. 294p.

BRANDÃO, Helena. Introdução à Análise do Discurso. 4. ed. Campinas, SP: Editora da
UNICAMP, 1995. 96p.

__________. Subjetividade, Argumentação, Polifonia. A propaganda da Petrobrás. São
Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. 190p.

BRAIT, B. Bakhtin e a Natureza Costitutivamente dialógica da linguagem. In: Brait,
Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Unicamp, 1997. p.
91-103, 385p.

CAFEZEIRO, E; e GADELHA, C. Eu, O Outro E As Demais Figuras do Discurso,
Coesão, Argumentação. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996. 281p.

CORRÊA. A Voz da Autoridade na Literatura Infantil. Itinerários - Revista de
Literatura. nº especial. Araraquara: UNESP, 2003, p. 133-150. 230p.

CRYSTAL, David. Dicionário de Lingüística e Fonética. Tradução de Maria Carmelita
Pádua Dias. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 271p.

CUNHA, Celso; CINTRA, Luiz f. Lindley. Nova Gramática do Português
Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 748p.

CUNHA, Maria Antonieta Antunes, Mergulhando na leitura literária: proposta de
experiências para o Ensino fundamental - 1. Belo-horizonte: SEE/MG, 2002. 2v.(lições
de minas, v.14), 68p.

__________. Mergulhando na leitura literária: proposta de experiências para o
Ensino fundamental - 2. Belo-horizonte: SEE/MG, 2002. 2v.(lições de minas, v.14), 68p.

DIAS, L. F. Significação e forma lingüística na visão de Bakhtin. In: Brait, Beth (org.).
Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Unicamp, 1997. p. 105-113, 385p.
63

FARRACO, Carlos Alberto. Prática de Texto Para Estudantes Universitários.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1992, 299p.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: O Mini
Dicionário da Língua Portuguesa / Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.
Lexicografia, Margarida dos anjos... [ et al. ]. 4 ed. rev. ampliada. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2000, 790p.

FIORIN, José Luiz; Para Entender o Texto. 15. ed. São Paulo: Ática, 1999. 431p.

GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna: Aprenda a Escrever, Aprendendo
a Pensar. 18 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000. 521p.

LAKATOS, M. E.; MARCONI, M. A. Metodologia do Trabalho científico:
procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e
trabalhos científicos. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1999. 214p.

MAINGUENEAU, Dominique. Elementos de Lingüística Para o Texto Literário. São
Paulo: Martins Fontes, 1996. 212p.

ORLANDI, Eni. A Análise do Discurso: Princípios e procedimentos. 4. ed. Campinas:
Pontes, 2002. 100p.

PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luis. Para Entender o Texto. 15. ed. São Paulo:
Ática, 1999. 431p.

RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 83. ed. Rio, São Paulo: Record, 2001. 155p.

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Discursos e produção textual

  • 1. 10 INTRODUÇÃO Conhecer os mecanismos que tratam da produção de texto, implicam no estudo dos gêneros discursivos e outras marcações relevantes como os dêiticos e a enunciação textual. Os dêiticos, segundo Maingueneau (1996), não são o único meio de que a língua dispõe para operar uma localização. A enunciação também é responsável, segundo o mesmo autor, por certas classes de signo que ela promove literalmente à existência; e também fornece as condições necessárias às grandes funções sintáticas. Essa função pode ser a interrogação, que é uma enunciação construída para suscitar uma “resposta”, por um processo lingüístico que é ao mesmo tempo um processo de comportamento com dupla entrada. Todas as formas lexicais e sintáticas da interrogação, partículas, pronomes, seqüência, entonação, etc, derivam deste aspecto da enunciação. Em resposta às indagações feitas a respeito da funcionalidade dos vários modos de reproduzir ou citar o discurso alheio, Platão e Fiorin (1999) disseram que cada tipo de citação assume um papel distinto no interior do texto; que a escrita de um ou de outro processada pelo narrador, poderiam revelar suas intenções e sua própria visão de mundo. A produção textual requer meios e para isso se faz necessário e importante conhecer e estabelecer os usos mais adequados dos gêneros discursivos, da semântica textual e a interação de ambos para que se possa expandir e facilitar a compreensão e a produção de enunciados. Dentro dessas perspectivas a produção textual realizado nas escolas, como forma de desenvolver a capacidade criadora e intelectual dos alunos, está margeada pelas três formas de citação do discurso alheio: o discurso direto, indireto, e o indireto livre. As gramáticas se referem ao discurso direto como sendo uma reprodução fiel do
  • 2. 11 discurso citado. As marcas típicas do discurso direto, segundo Platão e Fiorin (1999), apresentam algumas características importantes, que serão apresentadas, com mais profundidade, no decorrer desta pesquisa. A estratégia do discurso indireto é totalmente diferente. Enquanto o discurso direto “supostamente” repete as palavras de um outro ato de enunciação e dissocia dois sistemas enunciativos, o discurso indireto só é discurso citado por seu sentido. Já o discurso indireto Livre “constitui o caso mais importante e sintaticamente mais bem fixado (pelo menos em francês) de convergência indiferente de dois discursos com diversa orientação do ponto de vista da entonação” (BAKHTIN, 2004, p. 170). Diante disso, essa pesquisa pretende verificar, por meio da pesquisa bibliográfica, se o estudo dos tipos de discursos e suas implicações na produção textual podem contribuir para que o professor possa expandir suas definições a respeito da criação textual, aprimorar as técnicas em seus alunos, e contribuir para a expansão do tema nas aulas de produção textual.
  • 3. 12 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Para uma análise histórica e literária dos tipos de discurso, foram lidos os seguintes autores: Bakhtin (2004), Brait (1997), Cunha (2001), Garcia (2000), Maingueneau (1996), Orlandi (2002) e Platão e Fiorin (1999). As orientações colhidas para este trabalho, que dizem respeito à enunciação e aos dêiticos temporais e adverbiais, seguiram as linhas de pesquisas de: Bakhtin (2004), Brait (1997), Brandão (1998), Maingueneau (1996). Sobre a produção textual foram estudados os seguintes autores: Cunha (2002), Farraco (1992), Maingueneau (1996) e Orlandi (2001).
  • 4. A ENUNCIAÇÃO Imperioso elucidar o conceito de enunciação, visto que todo ato de comunicação verbal nela se constitui. Para isso, convém identificar os elementos que compõem o enunciado, produto do ato comunicativo. Dessa forma, “a busca da compreensão das formas de produção do sentido, da significação, e as diferentes maneiras de surpreender o funcionamento discursivo impeliram Bakhtin na direção de uma estética e de uma ética da linguagem” (BAKHTIN, 1993 apud BRAIT, 1997, p. 91). O conceito de linguagem que emana dos trabalhos desse pensador russo está comprometido não com uma tendência lingüística ou uma teoria literária, mas com uma visão de mundo que busca nas formas de construção e instauração do sentido, deslizando pela abordagem lingüístico/discursiva, pela teoria da literatura, pela filosofia, pela teologia, por uma semiótica da cultura, por um conjunto de dimensões que seguem caminhos ainda não inteiramente decifrados (BAKHTIN, 1993 apud BRAIT, 1997). Historicamente, a língua desenvolveu-se como instrumento do pensamento atuante e dos atos performados, e começou a servir ao pensamento abstrato somente numa fase histórica bastante recente. A expressão do ato performado [do procedimento] de dentro e da experiência-evento singular em que esse procedimento decorre, deve utilizar a palavra na sua plenitude: quer no seu aspecto semântico e de conteúdo (palavra como conceito), quer no seu aspecto emocional- volitivo (a entonação da palavra) (BAKHTIN, 1993 apud BRAIT, 1997, p, 94). Benveniste (1989, p. 82) nos explica que “O discurso, dir-se-á que é produzido cada vez que se fala, esta manifestação da enunciação, não é simplesmente ‘fala’? – É preciso ter cuidado com a condição específica da enunciação [...]”.
  • 5. 14 Ele acrescenta que a enunciação é o ato mesmo de produzir um enunciado, e não o texto do enunciado, que é nosso objeto. Este ato é o fato do locutor que mobiliza a língua por sua conta (BENVENISTE, 1989). Assim sendo, “A relação do locutor com a língua determina os caracteres lingüísticos da enunciação. Deve-se considerá-la como fato do locutor, que toma a língua por instrumento, e nos caracteres lingüísticos que marcam esta relação” (BENVENISTE, 1989, p. 82). No emprego científico da língua, tenta-se eliminar ou abrandar as marcas da individualidade na enunciação. Porém, até para o mesmo sujeito, é impossível manter-se a noção de identidade, já que nunca ocorre a exata reprodução de um enunciado. Essas diferenças dizem respeito à diversidade das situações nas quais a enunciação é produzida. Sendo assim, a enunciação supõe a conversão individual da língua em discurso (BENVENISTE, 1989). “Aqui a questão – muito difícil e pouco estudada ainda – é ver como o ‘sentido’ se forma em ‘palavras’, em que medida se pode distinguir entre as duas noções e em que termos descrever sua interação” (BENVENISTE, 1989, p. 83). Uma outra abordagem, segundo Benveniste (1989), consiste em definir a enunciação no quadro formal de sua realização. No interior da língua, estariam os caracteres formais da enunciação a partir da manifestação individual que ela atualiza. Na enunciação considera-se, sucessivamente, o próprio ato, as situações em que ele se realiza, os instrumentos de sua realização. O ato individual pelo qual se utiliza a língua introduz em primeiro lugar o locutor como parâmetro nas condições necessárias da enunciação. Antes da enunciação, a língua não é senão possibilidade da língua. Depois da enunciação, a língua é efetuada em uma instância do discurso, que emana de um locutor, forma sonora que atinge um ouvinte e que suscita outra enunciação de retorno (BENVENISTE, 1989, p. 83-84).
  • 6. 15 É enquanto realização individual, que a enunciação pode ser definida, em relação à língua, como um processo de apropriação. Fiorin (1996 apud CORRÊA, 2003, p, 134) “distingue enunciador, narrador explícito e narrador implícito. O enunciador não se manifesta diretamente no enunciado, pois pertence à instância da enunciação, que é pressuposta pelo enunciado”. Esse enunciador pode, entretanto, segundo a autora “manifestar-se por meio da enunciação enunciada, isto é, pelas marcas que a enunciação deixa no enunciado” (FIORIN, 1996 apud CORRÊA, 2003, p. 134). Delegando assim voz a um narrador, que, estando explícito, é aquele que diz “eu”, ou seja, como o sujeito delegado da produção do discurso, mas deixa marcas apreciativas que conduzem o fazer interpretativo do destinatário. (CORRÊA, 2003). A autora afirma que todo discurso produz uma “ilusão”, ou melhor, uma dupla ilusão, numa tentativa de fugir ao universo fechado da linguagem. Esse universo diz respeito à ilusão referencial, que simula a presença do mundo “real” e objetivo, e também à enunciativa, que cria uma imagem da relação intersubjetiva. Sendo assim, a autora afirma que é “por meio desse jogo complexo de imagens que se dá à comunicação entre os homens. Portanto, é também dessa forma que se dá a relação autor-leitor” (CORRÊA, 2003, p. 133). Alguns meios permitem que a enunciação projete no enunciado um ele-lá-então, simulando objetividade, ou um eu-aqui-agora, simulando subjetividade. Decorre daí a opção por determinado tipo de narrador. Segundo Corrêa (2003, p. 136), “mais comum, entretanto, é a presença sutil do enunciador, que não acontece mais por meio da corporificação do narrador [...]”.
  • 7. 16 “Assim sendo, nesses casos o autor joga com essa dupla manipulação: de um lado a ilusão de objetividade, que passa a verdade absoluta, calcada muitas vezes numa ancoragem realista” (CORRÊA, 2003, p. 136), e, de outro, a da subjetividade. A autora completa que há marcas sutis da enunciação, por meio dos recursos temporal e espacial, “que ‘convidam’ o leitor a engajar-se no discurso diante dele presentificado” (CORRÊA, 2003, p. 136). Corrêa esclarece ainda que esses recursos “presentificam” o enunciador, tornando o texto persuasivo pela autoridade dele emanada. Enquanto realização individual, a enunciação pode se definir, em relação à língua, como um processo de apropriação. O locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor por meio de índices específicos e acessórios (BENVENISTE, 1989). Conforme esse mesmo lingüista: Na enunciação, a língua se acha empregada para a expressão de uma certa relação com o mundo. A condição mesma dessa mobilização e dessa apropriação da língua é, para o locutor, a necessidade de referir pelo discurso, e, para o outro, a possibilidade de co-referir identicamente, no consenso pragmático que faz de cada locutor um co-locutor. A referência é parte integrante da enunciação (BENVENISTE, 1989, p. 84). Estas condições iniciais vão, então, conforme Benveniste (1989), reger todo o mecanismo da referência no processo em que se dá a enunciação, criando assim uma situação muito singular e da qual ainda não se tomou a necessária consciência. Para Bakhtin (1990 apud DIAS, 1997, p. 111), “é impossível constituir significações sem que se faça da palavra o elemento de um tema, vale dizer, sem que se constitua enunciação”. Segundo o autor, a enunciação se constitui, tendo em vista o fato de que a palavra, enquanto signo variável e flexível, é orientada pelo contexto e por uma situação precisa.
  • 8. 17 A enunciação é para Bakhtin a orientação da palavra por uma situação de mundo, mas essa orientação da palavra é devida ao seu próprio caráter do signo lingüístico, e não pelo fato de existirem alguns índices na linguagem que nos permitem localizar o enunciado em relação a uma situação de mundo (BAKHTIN, 1990 apud DIAS, 1997). Retornando às idéias de Benveniste (1989), as formas denominadas tradicionalmente por “pronomes pessoais e pronomes demonstrativos”, surgem agora como uma classe de “indivíduos lingüísticos”, de forma que remetem sempre e somente a “indivíduos”, quer se trate de pessoas, de momentos, de lugares, por oposição aos termos nominais, que remetem sempre e unicamente a conceitos. Isso se deve ao fato de que eles nascem de uma enunciação, de que são produzidos por este acontecimento individual. O indivíduo lingüístico é produzido de novo a cada vez que uma enunciação é proferida, e cada vez eles designam algo novo. Em relação ao tempo, poder-se-ia supor que a temporalidade é um quadro inato do pensamento. Essa temporalidade é produzida, na verdade, na e pela enunciação (BENVENISTE, 1989). Da enunciação procede à instauração da categoria do presente, e dessa nasce a categoria do tempo. O presente é propriamente a origem do tempo. Ele é esta presença no mundo, que somente o ato de enunciação torna possível, porque é necessário refletir bem sobre isso; o homem não dispõe de nenhum outro meio de viver o “agora” e de torná-lo atual senão realizando-o pela inserção do discurso no mundo (BENVENISTE, 1989). Benveniste (1989, p. 85) diz que “poderíamos mostrar pelas análises de sistemas temporais em diversas línguas a posição central do presente”. O presente formal não faz senão explicitar o presente à enunciação, que se renova a cada produção de discurso e partindo deste presente contínuo, coexistindo à nossa própria presença, imprime na consciência o sentimento de uma continuidade que, afirma o autor:
  • 9. 18 Continuidade essa que denominamos “tempo”, continuidade e temporalidade que se engendram no presente incessante da enunciação, que é o presente do próprio ser e que se delimita, por referência interna, entre o que vai se tornar presente e o que já não o é mais (BENVENISTE, 1989, p. 85-86). A enunciação, como já foi afirmado na introdução desse trabalho, também é responsável, segundo o mesmo autor, por certas classes de signo que ela promove literalmente à existência; e também fornece as condições necessárias às grandes funções sintáticas. Essa função pode ser a interrogação, que é uma enunciação construída para suscitar uma “resposta”, por um processo lingüístico que é ao mesmo tempo um processo de comportamento com dupla entrada. Todas as formas lexicais e sintáticas da interrogação, partículas, pronomes, seqüência, entonação, etc, derivam deste aspecto da enunciação. Da mesma forma poderão ser distribuídos os termos ou formas que chamamos de intimação: ordens, apelos concebidos em categorias como o imperativo, o vocativo, “que implicam uma relação viva e imediata do enunciador ao outro numa referência necessária ao tempo da enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 86). “Em toda parte, a lingüística é filha da filologia, submetida aos imperativos desta, a lingüística sempre se apoiou em enunciações constitutivas 1 de monólogos fechados, como em inscrições nos monumentos antigos, considerando-as como a realidade mais imediata” (BAKHTIN, 2004, p. 98). Sendo assim, “todas as relações que ultrapassam os limites da enunciação monológica constituem um todo que é ignorado pela reflexão lingüística. Esta na verdade, não ousa ir além dos limites constitutivos da enunciação monológica” (BAKHTIN, 2004, p. 104). 1 Que se constitui.
  • 10. 19 Bakhtin (2004) afirma que existe um abismo entre a sintaxe e os problemas de composição do discurso. Isso é totalmente inevitável, sinaliza o autor, já que as formas que constituem uma enunciação completa só podem ser percebidas e compreendidas quando relacionadas com outras enunciações completas e que pertencem a um único domínio ideológico. As formas de uma enunciação literária, acrescenta Bakhtin (2004, p. 105), “só podem ser apreendidas na unicidade da vida literária, em conexão permanente com outras espécies de formas literárias”. “Se encerramos a obra literária na unicidade da língua como sistema, se a estudarmos como um monumento lingüístico, destruiremos o acesso a suas formas como formas da literatura como um todo” (BAKHTIN, 2004, p. 105). Bakhtin (2004, p. 145) esclarece que “a enunciação do narrador, tendo integrado na sua composição uma enunciação, elabora regras sintáticas, estilísticas e composicionais para assimilá-la parcialmente, para associá-la à sua própria unidade sintática e estilística”. O autor considera que “nas línguas modernas, certas variantes do discurso indireto, em particular o indireto livre, têm uma tendência inerente a transferir a enunciação citada do domínio da construção lingüística ao plano temático do conteúdo” (BAKHTIN, 2004, p. 145). Entretanto, afirma Bakhtin (2004, p. 145), “a diluição da palavra citada no contexto narrativo não se efetua, e não poderia efetuar-se, completamente: não somente o conteúdo semântico, mas também a estrutura da enunciação citada permanece estável”. Dessa forma a substância do discurso do outro permanece palpável, como um todo auto-suficiente. Manifestando-se assim, nas formas de transmissão do discurso alheio, uma
  • 11. 20 relação ativa de uma enunciação a outra, e isso não no plano temático, mas através de construções estáveis da própria língua (BAKHTIN, 2004). Bakhtin (2004, p. 145) enfatiza que: Esse fenômeno da reação da palavra à palavra é, contudo, radicalmente diferente do que se passa no diálogo. Aí, as réplicas são gramaticalmente separadas e não são integradas num contexto único. Com efeito, não existem formas sintáticas com a função de construir a unidade do diálogo. “Se o diálogo se apresenta no contexto do discurso narrativo, estamos simplesmente diante de um caso de discurso direto, isto é, uma das variantes dos fenômenos de que estamos tratando 2 ” (BAKHTIN, 2004, p. 145). Existem diferenças essenciais entre a recepção ativa da enunciação de outrem e sua transmissão no interior de um contexto. Toda transmissão, particularmente no que diz respeito à forma escrita, tem seu fim específico: narrativa, processos legais, polêmica científica, etc. Além disso, a transmissão leva em conta uma terceira pessoa, ou seja, a pessoa a quem estão sendo transmitidas as enunciações citadas. Essa orientação para uma terceira pessoa é de grande importância, pois ela reforça a influência das forças sociais organizadas sobre o modo de apreensão do discurso (BAKHTIN, 2004). Em uma situação real do diálogo, quando respondemos a um interlocutor, habitualmente não retornamos no nosso discurso as próprias palavras que ele pronunciou. Só o fazemos em casos especiais, como para afirmar que compreendemos corretamente e também para apanhar o interlocutor com suas próprias palavras. Faz-se necessário levar em conta todas essas características da situação de transmissão (BAKHTIN, 2004). Retomando os conceitos de Benveniste (1989, p. 87), esse menciona que “o que em geral caracteriza a enunciação é a acentuação da relação discursiva com o parceiro, seja este real ou imaginado, individual ou coletivo”. 2 Entre esse fenômeno tratado estão também os discursos: indireto e o indireto livre.
  • 12. 21 “Esta característica coloca necessariamente o que se pode denominar ‘o quadro figurativo da enunciação’. Como forma de discurso, a enunciação coloca duas ‘figuras’ igualmente necessárias, uma, origem, a outra, fim da enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 87). Trata-se, portanto, da interação comunicativa entre o locutor e o alocutário. “É a estrutura do diálogo. Duas figuras na posição de parceiros são alternativamente protagonistas da enunciação. Este quadro é dado necessariamente com a definição da enunciação” (BENVENISTE, 1989, p. 87). O “monólogo” procede claramente da enunciação. Ele deve ser classificado, segundo Benveniste (1989), como uma variedade do diálogo, estrutura fundamental. O monólogo interior, entre um eu locutor e um eu ouvinte. Às vezes, o eu locutor é o único a falar; o eu ouvinte permanece presente; sua presença se faz necessária o suficiente para tornar significante a enunciação do eu locutor. Às vezes, o eu ouvinte intervém com uma objeção, uma questão, uma dúvida, um insulto (BENVENISTE, 1989, p. 88). A transposição do diálogo em “monólogo”, onde o ego ou se divide em dois, ou assume dois papéis, presta-se à figuração ou se divide em dois, ou assume dois papéis, presta-se a figurações ou transposições psicodramáticas, em: Conflitos do ‘eu profundo’ e da ‘consciência’, desdobramentos provocados pela ‘inspiração’, etc. Esta possibilidade é facultada pelo aparelho lingüístico da enunciação, sui-reflexivo, que compreende um jogo de oposições do pronome e do antônimo (eu/me/mim) (BENVENISTE, 1989, p. 88). Muitos outros desdobramentos podem ser estudados no contexto da enunciação e suas alterações lexicais, que são determinadas pela própria enunciação. Seria preciso também distinguir a enunciação falada da enunciação escrita. Esta se “situa em dois planos: o que escreve se enuncia ao escrever e, no interior de sua escrita, ele faz os indivíduos se enunciarem” (BENVENISTE, 1989).
  • 13. 22 Vê-se, assim, que a enunciação é o único meio de posicionar temporal e espacialmente o locutor, além de ser objeto de mobilização individual deste, manipulando as noções de objetividade e de subjetividade no texto.
  • 14. OS DÊITICOS Os dêiticos, segundo Maingueneau (1996), não são o único meio de que a língua dispõe para operar uma localização. Podemos encontrar uma localização absoluta, onde o enunciador e o conjunto da obra nos localiza no tempo e no espaço da mesma, (em Belo Horizonte, no Brasil, no jantar), na qual os termos são de certa forma “autodeterminados”. Os dêiticos espaciais em geral são colocados na boca dos personagens e interpretados graças às informações fornecidas pelo contexto; e se não há narrador, é preciso que o texto, de alguma maneira, encontre meios para esclarecer as referências dêiticas. Existem dois tipos de dêiticos: demonstrativos e adverbiais. Alguns dêiticos são demonstrativos puros, que acompanham um gesto do enunciador (isto, isso, aquilo); outros combinam sentido lexical e valor dêitico. Exs: Esta mesa, essa casa, aquele livro azul; ou por pronominalização, por exemplo: isto aqui, aquilo lá. Coexistindo com os dêiticos demonstrativos, existem os dêiticos adverbiais, que se distribuem em diversos micro-sistemas de oposições: aqui/ aí/ lá, perto/ longe, na frente/ atrás, à esquerda/ à direita, etc; todos com valor em função do gesto, da posição ou da orientação do corpo de seu enunciador. Qualquer mudança em um desses parâmetros modifica correlativamente os objetos suscetíveis de serem assim localizados: se um enunciador se vira, o que estava ‘na frente’ passa ‘para trás’, o que estava ‘à esquerda’ está agora “à direita” (MAINGUENEAU, 1996, p. 26). A referência dêitica, portanto, leva em conta não as outras unidades internas do discurso, mas elementos que lhe são exteriores e que dizem respeito à situação de comunicação (Brandão, 1998, p.48). Quando um dêitico não está explícito, tende-se inevitavelmente a considerar que, se pudéssemos assistir à cena descrita ou penetrar na
  • 15. 24 consciência das personagens, veríamos o que ela designa. Isto é esquecer que este mundo, supostamente representado pela ficção, só existe precisamente... por esta ficção. Nesse sentido, uma narrativa não poderia fornecer insuficientemente informações: ela fornece por definição o que é necessário à sua própria economia. Se uma informação não é fornecida, é porque a narrativa é feita de tal maneira que ela não deve mesmo sê-lo (MAINGUENEAU, 1996, p. 25). Toda atividade de linguagem é um processo marcado pela inscrição do sujeito. Dentre os componentes que devem ser focalizados ao se estudar uma prática discursiva, estão aqueles ligados à presença dos traços lingüísticos que instauram a subjetividade. Nesse sentido, as unidades lingüísticas que carregam, por excelência, essas marcas de subjetividade e que se inscrevem na estrutura do enunciado, são os dêiticos que abrangem tanto os índices de pessoa quanto os índices de ostentação (BENVENISTE, 1989 apud BRANDÃO 1998). Kerbrat-Orecchioni (1980 apud BRANDÃO, 1998, p. 47- 48), distingue três tipos de mecanismos referenciais: a) referência absoluta: quando, para denominar x, basta levar em consideração este objeto x, sem necessidade de nenhuma informação a mais. Ex.: uma moça loira; b) referência relativa ao contexto lingüístico: na escolha de um termo para designar x, o locutor toma y como elemento de referência. Ex: a irmã de Pedro – o significante irmã não está ligado de maneira absoluta ao objeto, uma vez que este mesmo objeto pode ser denominado também de “esposa de Eduardo”, “prima de Roberto” etc., dependendo do elemento y que foi selecionado como ponto de referência; c) referência relativa à situação ou “dêitica”: enquanto no caso anterior, a escolha do termo x não depende diretamente da situação de alocução, aqui a escolha da unidade significativa apropriada e sua interpretação referencial se fazem levando em conta dados particulares da situação de comunicação, isto é, do papel que x exerce (locutor, alocutário, delocutário) no processo de alocução, podendo ser representados pelos pronomes pessoais: eu/tu/ele (e respectivas variações). Desse tipo de referência participam os dêiticos, que são,
  • 16. 25 segundo Brandão (1998), um conjunto de signos vazios, não referenciais com relação à realidade, sempre disponíveis e que se tornam plenos assim que um locutor os assume em cada instância do discurso. Portanto, a referência dêitica, leva em conta não só as outras unidades internas do discurso, mas elementos que lhe são exteriores e que dizem respeito à situação de comunicação (PARRET, 1983 apud BRANDÃO, 1998, p. 48 - 49).
  • 17. O DISCURSO DIRETO As gramáticas se referem ao discurso direto como sendo uma reprodução fiel do discurso citado, transformando o locutor em uma espécie de gravador ideal. A literatura mantém uma relação essencial com o que é chamado já há algum tempo de ‘intertextualidade’. Temos cada vez mais tendências a nos distanciarmos da concepção romântica que faz da obra uma espécie de ilha, a expressão absoluta de uma consciência, e abordamos os textos literários como produto de um trabalho sobre outros textos. Tal questão ultrapassa em muito o domínio estrito da lingüística. Esta última, entretanto, é diretamente implicada quando se trata de estudar as formas da citação: toda língua natural possui regras que lhe permitem citar (MAINGUENEAU, 1996, p. 103). As marcas típicas do discurso direto, segundo Platão e Fiorin (1999), apresentam algumas características importantes: a) Vem introduzido por um verbo que anuncia a fala do personagem, ex: murmurou, disse, falou, gritou perguntou, respondeu, etc. Esses verbos costumam ser denominados “verbos de dizer”. b) Normalmente, antes da fala do personagem, há dois pontos e travessão 3 . c) Os pronomes, o tempo verbal e palavras que dependem de situação são usados literalmente, determinados pelo contexto em que se inscreve o personagem: o personagem que fala usa a 1ª pessoa; para falar com o interlocutor, utiliza-se da 2ª pessoa; os tempos verbais são ordenados em relação ao momento da fala e assim por diante. Cunha e Cintra (2001) afirmam que, no plano expressivo, a força da narração em discurso direto provém essencialmente de sua capacidade de atualizar o episódio, fazendo surgir da situação do personagem, tornando essa viva para quem ouve. Na reprodução direta, a narração ganha naturalidade e vivacidade, enriquecidas por elementos lingüísticos 3 Alguns autores modernos, como José Saramago, fazem uso das letras maiúsculas e de outros artifícios para introduzir o discurso direto. Isso ainda é motivo para muitos estudos estilísticos.
  • 18. 27 tais como exclamação, interrogação, interjeição, vocativo e imperativos, que costumam impregnar de emotividade a expressão oral. Observe-se, também, que a variedade de verbos introdutores oferecida pela língua portuguesa aos seus usuários permite a quem se sirva do discurso direto caracterizar, com precisão e colorido, a atitude da personagem cuja fala vai ser textualmente reproduzida (CUNHA, 2001, p. 637). Por isso, essa forma de relatar é preferivelmente adotada nos atos diários de comunicação e nos estilos narrativos em que os autores pretendam representar diante dos que os lêem. Entretanto, deve-se questionar a noção de discurso “citado”. Só há discurso “citado” se aceitarmos o quadro instaurado pela ilusão narrativa. A narração não cita falas anteriores que a alterariam, porém ela as cria totalmente, da mesma forma que as do discurso citante. Nesse quadro, a “fidelidade” do discurso direto aparece como uma “conveniência literária”. Não se vê como os enunciados em discurso direto poderiam ser infiéis, já que têm o mesmo grau de realidade que o discurso citante. Podemos concluir então que, conforme Corrêa (2003), quando o autor se utiliza do discurso direto, ele pode estar eximindo o narrador da responsabilidade do julgamento, distribuindo o fazer interpretativo, ou seja, o papel do observador entre os vários personagens do enunciado ao próprio personagem, que em discurso direto se torna o “senhor de suas próprias palavras”, ou repetidor “quase” fiel das palavras de outrem e é nessa enunciação que podem estar presente as idéias e as ideologias do personagem.
  • 19. O DISCURSO INDIRETO A estratégia do discurso indireto é totalmente diferente. Enquanto o discurso direto “supostamente” repete as palavras de um outro ato de enunciação e dissocia dois sistemas enunciativos, o discurso indireto só é discurso citado por seu sentido. Todos os níveis da subjetividade enunciativa são afetados por essa perda da autonomia. As pessoas e os dêiticos ficam dependendo do discurso citante. Isso significa que “Eu te odeio” possa ser traduzido por “Ele me declarou que me odiava”; neste caso, o eu do discurso citado passa a “não-pessoa” e o tu a eu, já que o tu se torna o enunciador do discurso citante. Gramaticalmente, o discurso indireto também é introduzido por um verbo declarativo (dicendi), tais como: dizer, afirmar, ponderar, confessar, responder. As falas das personagens aparecem, no entanto, numa oração subordinada substantiva. Isso ocorre no plano formal. Em algumas orações, pode ocorrer a elipse da conjunção integrante, como em: “Sophia garantiu voltar”. Já no plano expressivo, Cunha e Cintra (2001) dizem que: Assinale-se, em primeiro lugar, que o emprego do discurso indireto pressupõe um tipo de relato de caráter predominantemente informativo e intelectivo, sem a feição teatral e atualizadora do discurso direto. O diálogo é incorporado à narração mediante uma forte subordinação semântico-sintática estabelecida por meio de nexos e correspondências verbais entre a frase reproduzida e a frase introdutora. Como na passagem ao discurso indireto, todas as formas de discurso direto de primeira ou de segunda pessoa se apresentam em terceira pessoa, dá-se em geral um esvaecimento das realidades concretas de tempo e lugar a que as pessoas e coisas referidas estariam vinculadas (CUNHA; CINTRA, 2001, p. 639). Dessa forma, o narrador subordina a enunciação a si e à personagem, retirando a forma própria e afetiva da expressão. Não se deve concluir que esse seja um recurso
  • 20. 29 estilístico pobre. O seu uso ressalta o pensamento, a essência significativa do enunciado reproduzido, deixando em segundo plano as circunstâncias e os detalhes acessórios que o envolvem. Em matéria de dêiticos, segundo Maingueneau (1996), encontramos a seguinte forma de conversão: os dêiticos que figuram numa citação em discurso indireto “são necessariamente situados em relação ao discurso citante”. Assim, no enunciado Pedro me afirmou que Ana estava aqui e que partiria amanhã, os dêiticos aqui e amanhã podem ou não ter sido proferidos por Pedro, mas uma coisa é certa: eles só são empregados neste enunciado, porque designam o lugar de enunciação do discurso citante (aqui) e o dia posterior a esta enunciação (amanhã). Maingueneau (1996) acrescenta também que a maioria dos verbos introdutores de discurso indireto podem ser utilizados no discurso direto. Em compensação, um bom número de verbos suscetíveis de marcar a presença de discurso direto não poderia servir para o discurso indireto: persistir, explodir, fazer, perseguir, etc. (MAINGUENEAU, 1996, p. 113). No discurso indireto, é o narrador que organiza todo o enunciado, mas atribuindo certos trechos a outro enunciador, que Fiorin denominou de locutor. “Locutor 4 é a voz de outrem que ressoa num enunciado de um narrador ou de um interlocutor”. (FIORIN, 1999, p. 70). “Portanto o discurso indireto estabelece duas fontes enunciativas, porém subordinadas ao dizer de um único narrador” (CORRÊA, 2003, p. 145). Segundo Platão e Fiorin (1999, p. 182), o discurso indireto possui suas marcas próprias, sendo assim: 4 É preciso não confundir com o “locutor” de Ducrot, que corresponderia ao narrador, àquele que pode dizer “eu” (CORRÊA, 2003, p. 145).
  • 21. 30 - O discurso indireto vem introduzido por um verbo de dizer, (como ocorre também no discurso direto). - Também vem separado da fala do narrador não por sinais de pontuação, mas por uma partícula introdutória (conjunções integrantes), geralmente a conjunção que ou se. - Os pronomes, o tempo verbal e elementos que dependem da situação são determinados pelo contexto em que se inscreve o narrador e não o personagem: o verbo ocorre na 3º pessoa, o tempo verbal está em correlação com o tempo em que se situa o narrador, a mesma coisa acontecendo com os advérbios e demais palavras de situação. Confrontemos o discurso direto com o indireto: Discurso direto: Dona Norma disse: - Daqui a duas horas tudo estará acabado. Discurso indireto: Dona Norma disse que dali a duas horas tudo estaria acabado. Convém notar, por fim, que, “na conversão do discurso direto para o indireto, as frases interrogativas, exclamativas e imperativas passam todas para a forma declarativa” (PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 183). Ex: Discurso direto: Ele me perguntou: - Quem está aí? Discurso indireto: Ele me perguntou quem estava lá. Maingueneau (1996) afirma que as características do discurso indireto levam-nos constantemente a nos interrogar sobre a possibilidade de falar sobre a enunciação de outrem a fim de lhe dar um equivalente. Assim, do enunciador do discurso indireto não supõe que se reconstitua nada mais que o significado do que ele cita, no entanto nada o impede, o que é bem freqüente, de utilizar as próprias expressões do discurso citado. Na falta de marcas de distanciamento explícito, não se sabe a quem atribuir os traços de subjetividade e as palavras empregadas; se se atribuem ao relator ou se essas marcas se atribuem ao locutor original. Pode também acontecer que o destinatário identifique este ou
  • 22. 31 aquele elemento como pertencente às palavras do locutor citado (porque ele percebe um descompasso com o discurso citante, porque ele conhece o relator ou aquele que é citado). Observe-se, em Vidas Secas (RAMOS, 2001, p. 37), um exemplo do discurso indireto: “[...] afirmar ao doutor juiz de direito, ao delegado, a seu vigário e aos cobradores da prefeitura que ali dentro ninguém prestava para nada”.
  • 23. 32 BREVE HISTÓRIA DO DISCURSO INDIRETO LIVRE “O discurso indireto livre constitui o caso mais importante e sintaticamente mais bem fixado (pelo menos em francês) de convergência indiferente de dois discursos com diversa orientação do ponto de vista da entonação” (BAKHTIN, 2004, p. 170). Sobre este assunto, Bakhtin diz: Há nas relações sociais aquilo que é chamado a pergunta retórica, ou exclamação retórica. Alguns casos desse fenômeno são especialmente interessantes por causa do problema da sua localização contextual. Eles situam-se, de alguma forma, na própria fronteira do discurso narrativo e do discurso citado (usualmente discurso interior) e entram muitas vezes diretamente em um ou outro discurso. Assim, podem ser interpretados como uma pergunta ou exclamação da parte do autor, mas também, ao mesmo tempo, como pergunta ou exclamação da parte da personagem, dirigida a si mesma (BAKHTIN, 2004, p. 170). Diferentes autores propuseram diferentes termos para designar o fenômeno do discurso indireto livre. De fato, cada um daqueles que escreveu sobre esse assunto propôs seu próprio termo. Mesmo assim, ainda se questiona quando esse fenômeno discursivo foi observado e descrito. Questiona-se particularmente a data exata de seu surgimento, se foi na literatura medieval ou só no século XVII. Discute-se também para saber se se tratava de um tipo de enunciação reservado à narração literária ou se era encontrado também no uso coloquial da língua. Mas é na literatura romanesca que ele é empregado no máximo de suas possibilidades, especialmente a partir da metade do século XIX. A primeira menção desse fenômeno como uma forma especial de citação do discurso, ao lado do discurso direto e indireto, segundo Bakhtin (2004), deve-se a Tobler em 1887. Tobler definiu o discurso indireto livre como uma “peculiar mistura de discurso direto e indireto” (TOBLER apud BAKHTIN, 2004).
  • 24. 33 Passemos agora a Kalepki, que igualmente estudou o discurso indireto livre. Ele reconheceu o discurso indireto livre como uma forma completamente autônoma de citação do discurso de outrem (KALEPKI apud BAKHTIN, 2004). A significação lingüística dessa forma reside no fato de que é preciso adivinhar quem tem a palavra. Seria impossível estar de acordo com Kalepki, quando este diz que nos encontramos diante de um discurso “mascarado” e que apenas o fato de ter que identificar o falante é que dá interesse a esse recurso gramatical. Em resposta às indagações feitas a respeito da funcionalidade dos vários modos de reproduzir ou citar o discurso alheio, Platão e Fiorin (1999) disseram que cada tipo de citação assume um papel distinto no interior do texto; que a escrita de um ou de outro processada pelo narrador, poderiam revelar suas intenções e sua própria visão de mundo. Assim: Ao optar pelo discurso direto, o narrador cria um efeito de verdade, dando a impressão de que preservou a integridade do discurso citado e a autenticidade do que reproduziu. Além disso, mantendo a mesma entonação, dá mostras de conservar inclusive a mesma carga subjetiva do personagem” (PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 184). Surgiu, posteriormente, uma abordagem nova para explicar o discurso indireto livre: a afetividade na língua, a imaginação, a sensibilidade, o gosto lingüístico, etc, responsáveis pelo efeito expressivo desse discurso. Ainda segundo Bakhtin, em 1919, Eugen Lerch tornou público seu ponto de vista sobre o discurso indireto livre. Ele definiu-o como “discurso enquanto fato”. Lerch (LERCH apud Bakhtin, 2004) afirma que “o discurso de outrem é transmitido dessa forma como se seu conteúdo fosse um fato, relatado pelo próprio autor”. Assim, comparando os discursos direto, indireto e indireto livre do ponto de vista da realidade expressa no seu conteúdo, Lerch chega à conclusão de que “o discurso indireto livre é o mais próximo da realidade” (LERCH apud BAKHTIN, 2004, p.181).
  • 25. 34 Desta maneira, o discurso indireto livre constitui uma forma direta de representação da apreensão do discurso de outrem, do vívido efeito produzido por este; por isso, convém mal à transmissão do discurso a uma terceira pessoa. Nesse caso, a natureza dos fatos relatados seria alterada e ficaria a impressão de que a pessoa fala consigo mesma ou é vítima de alucinações. Portanto, “o discurso indireto livre não é utilizado na conversação e serve apenas às representações do tipo literário. Aí, o seu valor estilístico é imenso” (LORCK apud BAKHTIN, 2004, p. 182). Bally (apud BAKHTIN, 2004, p. 178), considera o discurso indireto livre “como uma variedade nova, tardia, da forma clássica do discurso indireto”. Segundo ele, a queda da conjunção “que” explica-se por umas tendências mais recentes, próprias da língua, a preferir as combinações paratáticas 5 das proposições hipotáticas 6 . Ainda segundo ele, o discurso indireto livre não constitui uma forma fixada, mas está, ao contrário, em plena evolução “tendendo para a forma do discurso direto”, que constitui o seu limite extremo. Nos casos mais característicos, chega a ser difícil determinar onde termina o discurso indireto livre e onde começa o discurso direto (BAKHTIN, 2004, p. 178). Ainda conforme o pensamento de Bally (BALLY apud BAKHTIN, 2004, p. 178), “Há uma discriminação estrita entre as ‘formas lingüísticas’ e as ‘figuras do pensamento’. Esse último termo recobre os meios de expressão, que são ilógicos do ponto de vista da língua”; nos quais a relação normal entre o signo lingüístico e sua significação habitual é anulada. Para ele, “as figuras de pensamento não podem ser reconhecidas como fenômenos 5 “Parataxe” que, segundo o Dicionário de lingüística e fonética, designa um “Termo usado na análise Gramatical Tradicional e freqüentemente nos estudos da Lingüística Descritiva, com referência a construções ligadas apenas por justaposição e pontuação/entonação e não pelo uso de conjunções. As “construções paratáticas” se opõem às hipotáticas, que fazem uso das conjunções. A “parataxe” é ilustrada por: Ele comprou chá, café, ovos e leite” (CRYSTAL, 2000, p. 196-97) 6 Ou “hipotaxe” que, também segundo o Dicionário de lingüística e fonética, designa um “Termo usado na análise Gramatical Tradicional, e freqüentemente nos estudos de Lingüística Descritiva, para caracterizar as construções subordinadas em que os constituintes foram unidos por meio de conjunções. As “construções hipotáticas” se opõem às Paratáticas, em que a ligação se dá apenas por meio de justaposição ou pontuação/entonação. A “hipotaxe” é ilustrada por: O homem riu quando o cachorro latiu”. Em oposição a :O homem riu; o cachorro latiu.. (CRYSTAL, 2000, p. 139).
  • 26. 35 lingüísticos no sentido estrito de termo” (BALLY apud BAKHTIN 2004, p 178). Pelo exposto, segundo o autor, não existem índices lingüísticos claros e estáveis servindo à sua expressão. Ao contrário, “os índices lingüísticos correspondentes têm justamente uma significação diferente no sistema da língua, diferente daquela que lhes dão as figuras de pensamento” (BALLY apud BAKHTIN 2004, p. 178). Ele ainda relaciona o discurso indireto livre, nas suas formas puras, a essas figuras de pensamento. Para Bakhtin (2004, p. 183), “é à imaginação do leitor que o escritor se dirige, quando usa essas formas”. O que ele procura, não é relatar um fato qualquer ou um produto do seu pensamento, mas comunicar suas impressões, despertar na alma do leitor imagens e representações vívidas. Ele não se dirige à razão, mas à imaginação. Apenas a inteligência que raciocina e analisa pode tomar a posição de que o autor é quem fala no discurso indireto livre; para a imaginação viva, é o herói que fala. A imaginação é a mãe dessa forma. Authier-Revuz afirma que: Os discursos diretos e indiretos foram assim claramente colocados em oposição, como modos de apreensão e de representação da palavra de outrem: reificação do enunciado, colocado à distância, ‘claramente isolado, compacto e inerte’, pelo discurso direto e, apropriação analítica suplementar efetuada pelo discurso indireto, que Bakhtin relaciona aos dois modos de inculcação 7 ideológica que constituem a ‘palavra autoritária’ e a ‘palavra persuasiva (AUTHIER-REVUZ, 1982, p. 21). Mas é, sobretudo, o discurso indireto livre que retém a atenção, como sendo uma tendência completamente nova na apreensão ativa do enunciado de outrem, da interação do discurso narrativo e do discurso relatado (AUTHIER-REVUZ, 1982). 7 Do verbo inculcar, que segundo o Miniaurélio Século XXI Escolar (2000) significa: 1. Apontar, citar, recomendar. 2. Demonstrar. 3. Repetir várias vezes para guardar no espírito. 4. Propor, indicar, aconselhar. 5. Gravar, fixar (FERREIRA, 2000, p. 382).
  • 27. 36 Garcia (2000,) afirma que o latim e o grego desconheciam o discurso indireto livre e que Charles Bally 8 encontrou traços dele no francês antigo, mas não no período do Renascimento. Rabelais dele se serviu ocasionalmente. Era, segundo ainda Bally, o processo favorito de La Fontaine. No entanto, os clássicos, dada a influência da sintaxe latina, não o empregaram. “Na literatura luso-brasileira da era clássica, não há dele senão esporádicos exemplos” (GARCIA, 2000, p. 146). O que é certo, porém, segundo Garcia (2000, p. 146-47), é que, a partir dos meados do século XIX, o estilo indireto livre começou a generalizar-se, por influência de Flaubert e Zola. Mas foi somente em 1912 que Charles Bally chamou a atenção para a nova técnica, até então ignorada pelas gramáticas 9 , e ele nomeou essa nova técnica, até então ignorada, de estilo indireto livre. No Francês antigo, revela-nos Bakhtin (2004), que as estruturas psicológicas estavam longe de distinguir-se tão rigorosamente das estruturas gramaticais como acontece hoje. As combinações paratáticas e hipotáticas 10 misturavam-se de diversas maneiras. Bakhtin explica ainda que a pontuação ainda estava em esboço, e por isso “não havia ainda fronteiras rígidas entre os discursos direto e indireto. O narrador não sabe ainda separar as representações de sua imaginação do seu “eu” pessoal” (BAKTHIN, 2004, p. 185). Ainda segundo esse autor, o narrador participa por dentro dos atos e das palavras dos seus personagens, coloca-se como seu intercessor e defensor; não aprendeu a transmitir o discurso de outrem na sua forma exterior e palavra por palavra, “abstendo-se de qualquer intervenção pessoal” (BAKTHIN, 2004, p. 185). 8 “Lê style indirect libre em français moderne”, artigo publicado na revista Germanisch-Romanisch Monatschrift em 1912. 9 Porque, diz Bally, “o estilo indireto livre é uma forma de pensamento, e os gramáticos partem das formas gramaticais” (op. Cit. p. 605). 10 Termos já descritos na nota da página 37.
  • 28. 37 O temperamento francês antigo estava ainda longe da observação imparcial, descompromissada e também do julgamento objetivo. No entanto, essa diluição do autor nos seus personagens não é resultado de uma escolha deliberada; era também uma necessidade. Ele não tinha à sua disposição formas claras e lógicas que permitissem uma delimitação estrita. E é sobre essa base gramatical insuficiente e não como procedimento estilístico livre que se viu aparecer em francês antigo o discurso indireto livre (BAKTHIN, 2004). No fim da Idade Média, em francês medieval, essa imersão do autor nos sentimentos experimentados por seus personagens não tem mais lugar Bakhtin (2004). A este respeito Bakhtin (2004, p. 186) diz: “Encontra-se muito raramente o ‘presente histórico’ entre os historiadores dessa época e o ponto de vista do narrador distingue-se claramente do das personagens representadas. O sentimento cede lugar à razão”. Assim, a transmissão do discurso de outrem se torna impessoal, sem cor e graça, e a voz do narrador abafa a do enunciador. Bakhtin (2004) disse também que o período de despersonalização sucede ao individualismo fortemente marcado do Renascimento, e a intuição desempenhou novamente um papel na transmissão do discurso de outrem. Ele ainda acrescenta que o narrador tentou novamente aproximar-se do seu personagem, estabelecendo com ele relações mais íntimas, e esse estilo foi caracterizado pela sucessão flexível e livre, psicologicamente colorida e caprichosa, dos tempos e modos. Mais adiante, no século XVII, “em contraposição ao irracionalismo lingüístico do Renascimento, começam a constituir-se regras rígidas de emprego dos tempos e dos modos no discurso indireto 11 ” (BAKHTIN, 2004, p.186). 11 Particularmente graças a Houdin, 1932.
  • 29. 38 Com isso, estabeleceu-se um equilíbrio harmonioso entre as faces objetiva e subjetiva do pensamento, entre a análise objetiva e a expressão das atitudes pessoais. Como procedimento estilístico livre e consciente, o discurso indireto livre só podia aparecer depois da criação, graças à introdução da concordância dos tempos, de um contexto gramatical no qual pudesse destacar-se claramente. Ele aparece primeiro em La Fontaine e conserva nele o equilíbrio, característico do Neoclassicismo, entre o subjetivo e o objetivo (BAKHTIN, 2004, p. 186). Sobre isso, o autor escreve que: A omissão do verbo introdutório indica a identificação do narrador ao herói; quanto à utilização do imperfeito (contrastando com o presente do discurso direto) e à escolha do pronome (correspondente ao discurso indireto), indicam que o narrador conserva sua posição autônoma, que ele não se dissolve totalmente na atividade mental do seu herói (BAKHTIN, 2004, p. 186). “Esse procedimento convinha particularmente ao fabulista La Fontaine, na medida em que rompe o dualismo da análise abstrata e da impressão imediata, aliando-as harmoniosamente” (BAKHTIN, 2004, p. 187). Se La Fontaine utiliza esse procedimento, isso indica que ele se simpatizava profundamente com as suas personagens; La Bruyère tira dele efeitos satíricos contundentes. Ele não representa seus caracteres num país imaginário e seu humor não é nada suave; no entanto, Bruyère exprime, por meio do discurso indireto livre, seu conflito interno com eles, sua superioridade sobre eles. Ele se destaca das personagens que representa. A pseudo-objetividade de La Bruyère serve para mudar ironicamente todas as suas representações (BAKHTIN, 2004). O esboço histórico do desenvolvimento do discurso indireto livre em alemão, tomados de Eugen Lerch, diz que o discurso indireto livre apareceu tardiamente; é encontrado pela primeira vez em Thomas Mann, na obra Os Buddenbrooks (1901), aparentemente sobre a influência direta de Zola.
  • 30. 39 Mas é sem dúvida em francês que o discurso indireto livre, estando longe de transmitir uma impressão passiva produzida pela enunciação de outrem, exprime uma orientação ativa, que não se limita meramente à passagem da primeira à terceira pessoa, mas introduz na enunciação citada suas próprias entonações, que entram então em contato com as entonações da palavra citada, interferindo nela. Segundo Lorck e Lerch (apud BAKHTIN, 2004, p. 191), “O sentido do discurso não existe fora de sua acentuação e entonação vivas”. No discurso indireto livre, identificamos a palavra citada não tanto graças ao sentido, considerado isolado, mas, graças às entonações e acentuações próprias do personagem, e também as orientações apreciativas do discurso (BAKHTIN, 2004). Nós podemos assim perceber que os acentos e as entonações do autor estão interrompidos por esses julgamentos de valor de outra pessoa. E é isso, como aponta Bakhtin (2004, p. 191), “que distingue o discurso indireto livre do discurso substituído, no qual nenhum acento novo aparece em relação ao contexto narrativo”.
  • 31. 40 O DISCURSO INDIRETO LIVRE ABORDADO GRAMATICALMENTE Segundo Maingueneau: O discurso indireto livre representou por muito tempo um desafio para a análise gramatical. Encontramos, com efeito, aí misturados, elementos que geralmente consideramos disjuntos: a dissociação dos dois atos de enunciação, características do discurso direto, e a perda de autonomia dos embreantes 12 do discurso citado, característica do discurso indireto (MAINGUENEAU, 1996, p. 116). Essa forma mista, segundo Tobler, deriva o seu tom e a ordem das palavras do discurso direto e os tempos verbais e pessoas do discurso indireto (TOBLER apud BAKHTIN, 2004). O falante, contando fatos passados, introduz a enunciação de um terceiro sob forma independente da narrativa, isto é, na forma que ela teve no passado. Fazendo isso, o falante transforma o presente da enunciação em imperfeito, para mostrar que a enunciação é contemporânea dos acontecimentos relatados. Depois ele realiza outras transformações (das formas pessoais do verbo, dos pronomes) para que não se pense que se trata da enunciação do próprio narrador (BAKHTIN, 2004, p. 175). O discurso direto possui as marcas da pessoa que os proferiu. Sendo, portanto uma representação fiel dos atos da fala. No entanto, ao usar o discurso indireto livre, o autor mescla a fala do narrador com a do personagem. Do ponto de vista gramatical, o discurso é do narrador; do ponto de vista do significado, o discurso é do personagem. Isso é possível pela queda dos elos subordinativos e dos verbos de dizer presentes no discurso indireto. Por isso, “o discurso indireto livre cria um efeito de sentido que fica a meio caminho entre a subjetividade e a objetividade. Nele, são duas vozes que se expressam, a do narrador e a do personagem” (PLATÃO; FIORIN, 1999, p. 185). 12 Palavra que adquire significação, somente relacionada a um referente, a uma situação.
  • 32. 41 Fiorin (1999) considera particularmente cômodo para um autor poder deslizar, sem ruptura da narração, dos acontecimentos aos propósitos e pensamentos, voltando a seguir para a narração dos acontecimentos. Assim: “A queda da conjunção ‘que’ não serve para aproximar duas formas abstratas, mas para aproximar duas enunciações 13 , em toda a plenitude de sua significação. Como se a comporta se abrisse para permitir às ‘entonações’ do autor que escoem no discurso citado” (BAKHTIN, 2004, p. 179). Entretanto, o discurso indireto livre não é um fenômeno que concerne à sintaxe da frase, mas apóia-se num conjunto textual de dimensões extremamente variáveis. Maingueneau (1996, p. 120) ainda afirma que “o fato de o discurso indireto livre não ter marcas próprias não implica, entretanto, que sua enunciação não seja submetida a nenhuma restrição”. Ou seja: “Dele são excluídos os elementos que o tornariam indiscernível do discurso direto ou do discurso indireto: a subordinação por um verbo dicendi de um lado, a presença do par de embreantes eu-tu, de outro” (MAINGUENEAU, 1996, p. 120). “Podemos assim encontrar alguns eu ou alguns tu (bastando para isso que esse tu coincida com o locutor ou com o alocutário do discurso citante), mas de modo algum um par de interlocutores” (MAINGUENEAU, 1996, p. 120-121). Por exemplo, verifique-se: Ele protestou com uma súbita firmeza e advogou contra si mesmo. 14 Eu não podia, dizia ele, avaliar a extensão do seu erro. 15 O “eu” não é personagem da qual se citam as falas em discurso indireto livre, mas o autor do discurso citante, que não tem aqui a posição de uma pessoa do diálogo. 13 A ruptura metodológica entre as formas lingüísticas e as figuras de pensamento, entre “langue” e “parole”, também resulta do mesmo objetivo hipotático. De fato, as formas lingüísticas, como as compreende Bally, existem apenas nas gramáticas e nos dicionários (onde sua existência é totalmente legítima), mas, na realidade viva da língua, elas estão profundamente imersas naquilo que, do abstrato ponto de vista gramatical, é o elemento irracional das “figuras de pensée” (BAKHTIN, 2004. p. 179). 14 Citado no Grande Larousse de la Langue Française, p. 1349. 15 Idem.
  • 33. 42 Ainda, segundo Maingueneau (1996), o discurso indireto livre apresenta feições muito diversas, oscilando entre esses dois pólos extremos que são, de um lado, o discurso desprovido de marcas de subjetividade do locutor citado e, de outro, um discurso próximo do direto, no qual a voz da personagem domina sobejamente a do narrador. Do ponto de vista extremamente gramatical, trata-se do discurso do autor; conforme o sentido, é do personagem. “Mas esse ‘conforme o sentido’, não é representado por nenhum signo lingüístico particular. Estamos como já foi dito neste trabalho ‘diante’ de um fenômeno extralingüístico” (BAKHTIN, 2004, p. 178-79). “Como o nome sugere, o estilo ou discurso indireto livre ou semi-indireto apresenta características híbridas: a fala de determinada personagem, ou fragmentos dela, inserem-se discretamente no discurso indireto, através do qual, o autor relata os fatos” (GARCIA, 2000, p. 147). No indireto puro, o processo sintático é o da dependência por conectivo integrante; no direto, é o da justaposição, como verbo dicendi claro ou oculto; no indireto livre, as orações da fala são, de regra, independentes, sem verbos dicendi, mas com transposições do tempo do verbo (pretérito imperfeito) e dos pronomes (3ª pessoa). Como não inclui nem admite dicendi, não é cabível sua transformação em objeto direto do verbo transitivo – e é isto que o distingue do direto e do indireto puro (GARCIA, 2000, p. 147). É do ponto de vista da imaginação que Lorck (apud BAKHTIN, 2004) tenta compreender e explicar a forma do imperfeito no discurso indireto livre. “Com o imperfeito, nosso olhar se orienta para o interior para o mundo do pensamento em processo de constituição”. Tem caráter de constatação factual, de reflexão e de impressão mental em processo de desenvolvimento. A imaginação reconstitui neles o passado vivo. Segundo Bakhtin (2004, p. 185), “em Lerch, é a ‘sensibilidade simpatizante’ que desempenha o papel que tinha a imaginação em Lorck. O discurso indireto livre dá à sensibilidade sua expressão mais adequada”; e ainda segundo Bakhtin (2004, p. 185), “as
  • 34. 43 formas do discurso direto e indireto são condicionadas por um verbo introdutório (disse, pensou, etc). Dessa maneira, o autor joga sobre o personagem a responsabilidade daquilo que é dito”. “Já no discurso indireto livre, graças à omissão do verbo introdutório, o autor apresenta a enunciação do personagem como se ele mesmo se encarregasse dela, como se tratasse de fatos e não simplesmente de pensamentos ou palavras” (BAKHTIN, 2004, p. 185). Tal fato é possível “se o escritor se associa com toda a sua sensibilidade aos produtos de sua própria imaginação, se ele se identifica completamente com eles” (LERCH apud BAKHTIN, 2004, p. 185). Esse discurso como já foi dito por Maingueneau (1996, p. 118), “Não possui modo específico de introdução (ruptura ou subordinação). Nesse domínio, tudo pode convir, desde que o leitor consiga notar o surgimento de uma dissonância enunciativa”. Muitas das vezes ele faz uso de sinais existentes, como neste exemplo: “Etelvina teimava”. Este verbo “teimava”, não é um verbo dicendi. Por natureza, salienta Maingueneau (1996), o discurso indireto livre dificilmente é compatível com modos de introdução claramente marcados. Os verbos dicendi não podem identificá-lo no texto. Seu interesse é o de poder atenuar o desnível entre discurso citante e discurso citado, sem para isso anular a autonomia do discurso citado. “As palavras e os sentimentos das personagens são evocados diretamente, mas eles não rompem a trama narrativa” (MAINGUENEAU, 1996, p. 119), já que o discurso do narrador é mantido. Uma outra característica lingüística do discurso indireto livre, como já foi citado, é a de que: “não existem marcas lingüísticas específicas para esta forma de citação. Dito de outro modo, não se pode afirmar de um enunciado, fora do contexto, que seja um discurso indireto livre” (MAINGUENEAU, 1996, p. 119).
  • 35. 44 Desta forma, por ser dependente do contexto, o discurso indireto livre representa sempre a fusão de aspectos subjetivos, manifestados numa mascarada objetividade do narrador, na sua produção textual.
  • 36. 45 O TEXTO O texto, segundo Orlandi (2001, p.69), “não é definido pela sua extensão: ele pode ter desde uma só letra até muitas frases, enunciados, páginas etc. Uma letra ‘o’, escrita em uma porta, ao lado de outra com letra ‘a’, indicando-nos banheiro masculino e feminino”. É um texto, pois é uma unidade de sentido nessa situação. Isso se refere, em nossa memória, o fato de que em nossa sociedade, em nossa história, a distinção masculino/feminino é significativa, e é praticada socialmente até para distinguir lugares próprios (e impróprios) (ORLANDI, 2001). Segundo a mesma autora, “textos são fatos da linguagem por excelência, os estudos que não tratam da textualidade não alcançam a relação com a memória da língua” (ORLANDI, 2001, p. 70). “Para compreender como se propõe à análise de discurso, o leitor deve-se relacionar com os diferentes processos de significação que acontecem com o texto. Esses processos, por sua vez, são função da historicidade” (ORLANDI, 2001, p. 70). “Compreender como um texto funciona, como ele produz sentidos, é compreendê- lo enquanto objeto lingüístico-histórico, é explicitar como ele realiza a discursividade que o constitui” (ORLANDI, 2001, p. 70). Os textos individualizam, como unidade, como um conjunto de relações significativas. Eles são assim, unidades complexas, constituem um todo que resultam de uma articulação de natureza lingüístico/histórica (ORLANDI, 2001, p. 70). Todo texto é heterogêneo: quanto à natureza trazendo memória para a consideração dos elementos submetidos à análise. São os fatos que nos permitem chegar à memória da língua: desse modo podemos compreender como o texto funciona, enquanto objeto simbólico (ORLANDI, 2001, p. 70).
  • 37. 46 O discurso, diz ela: “é uma dispersão de textos e o texto é uma dispersão do sujeito. O sujeito se subjetiva de maneiras diferentes ao longo de um texto. Há pontos de subjetivação ao longo de toda a textualidade”. O discurso universitário, por exemplo, se constitui de uma dispersão de textos: os de professores, de alunos, de funcionários, de administradores, textos burocráticos, científicos, pedagógicos etc. toda essa totalidade faz parte do discurso universitário” (ORLANDI, 2001, p. 70). Maingueneau (1996, p. 38) afirma que: Quando se trata de ‘narração’, a noção de ‘situação de enunciação’ não recebe necessariamente um sentido evidente. Implica a instauração de certa relação entre o momento e o lugar a partir dos quais o narrador enuncia e o momento e o lugar dos acontecimentos ele narra. Nesse domínio, a variedade dos dispositivos que foram inventados parece ilimitada e delicia os analistas das técnicas de romances (MAINGUENEAU, 1996, p. 38). “Pode haver dissociação completa entre o mundo narrado e a instância narrativa que tenta apagar qualquer vestígio de sua presença. É o caso em particular, dos textos no pretérito e em não-pessoa, nos quais o narrador não interven” (MAINGUENEAU, 1996, p. 38). Ainda, segundo o mesmo autor, “podemos, ao contrário, observar uma coincidência entre a enunciação e o universo narrado, porém na maior parte das vezes o texto institui dispositivos mais sutis” (MAINGUENEAU, 1996, p. 38). “Assim como definimos o discurso como efeito de sentido entre locutores e consideremos, na sua contrapartida, o texto, como sendo uma unidade que podemos empiricamente, representar como tendo começo, meio e fim, uma superfície lingüística fechada nela mesma” (ORLANDI, 2001, p. 73).
  • 38. 47 “Também consideramos o sujeito como resultando da interpolação do indivíduo pela ideologia, mas o autor, no entanto, é representação de unidade e delimita-se na prática social como uma função específica do sujeito” (ORLANDI, 2001, p.73). De acordo com Vignaux (1979 apud orlandi 2001 ORLANDI 2001), “o discurso tem como função constituir a representação de uma realidade. No entanto, ele funciona de modo a assegurar a permanência de uma certa representação”. Para isso diríamos, segundo Orlandi (2001), “que há na base do discurso um projeto totalizante do sujeito, projeto que converte em autor. O autor é o lugar em que se realiza esse projeto totalizante, o lugar em que se constrói a unidade do sujeito”. “Como o lugar da unidade é o texto, o sujeito se constitui como o autor ao constituir o texto em sua unidade, com sua coerência e completude. Coerência e completude imaginárias” (ORLANDI, 2001, p.73).
  • 39. 48 CARACTERISTICAS DO TEXTO LITERÁRIO E DO TEXTO POÉTICO “Na arte, a preocupação não é o que se mostra, mas o como se mostra. Logo, a forma é o ponto central da comunicação artística” (CUNHA, 2002, p. 23). “Estamos chamando de forma tudo o que, em qualquer interação, o interlocutor percebe através de um dos sentidos. Numa pintura, é toda a extensão da tela e tudo contido nela: linhas, cores, sombras, texturas das tintas etc” (CUNHA, 2002, p. 23). “Na composição musical é tudo o que você ouve: sons, ritmos, silêncios (pausa). No discurso do político, é tudo o que ele diz da primeira à última palavra, incluindo tons, ritmos, silêncios, conjugado com o que ‘diz’ seu corpo” (CUNHA, 2002, p. 23). “Isso quer dizer que qualquer ato de linguagem tem uma forma. A questão é que, na arte, essa forma é um valor em si, buscado pelo artista: nesse interresse reside a diferença entre a fala dele e a nossa fala” (CUNHA, 2002, p. 23). “Um bom texto informativo tem também uma preocupação com a forma. Porém, ela não interessa em si, está a serviço da informação” (CUNHA, 2002, p. 23). A forma “é escolhida para garantir o melhor entendimento (se possível, de uma forma convergente) do assunto a ser tratado. Na arte, a forma é escolhida para gerar surpresa, ambigüidade, interpretações diferentes” (CUNHA, 2002, p. 23). Além dessa clara busca de uma forma nova, “a expressão artística não procura primeiramente informar: ela até apóia-se na realidade, mas sempre escolhe uma parte dela, recorta-a e a interpreta” (CUNHA, 2002, p. 24). Outro ponto fundamental das linguagens artísticas, explica a autora, “é o uso preferencial da conotação. Para entendermos bem a conotação, temos de pensar que, em geral, as palavras podem ter dois sentidos” (CUNHA, 2002, p. 24).
  • 40. 49 Sobre a denotação Cunha (2002, p. 24) esclarece que: O sentido mais neutro e generalizado de uma palavra, entre os falantes, ou na comunidade. É o primeiro sentido registrados nos dicionários. Em geral, por não gerar dúvidas, é o sentido quase exclusivo quando queremos garantir uma produção de sentido muito semelhante, como no caso dos textos informativos e científicos (CUNHA, 2002, p. 24). E sobre a conotação: O sentido (ou sentidos) somado ao sentido denotativo da palavra. A conotação é sempre subjetiva e emocional. Depende do contexto e da história do emissor e do receptor. O dicionário, no final do verbete de determinadas palavras, traz alguns exemplos de sentido conotativo, o chamado “sentido figurado” delas (CUNHA, 2002, p. 24). Essas características, ainda segundo Cunha (2002), “estão na arte em geral, portanto, na literatura, e aparecem tanto na prosa quanto na poesia. Quer dizer, tanto no chamado gênero lírico quanto no gênero narrativo”. Mas a lírica em algumas particularidades, que vamos estudar agora. CARACTERÍSTICAS DO LIRISMO No chamado gênero lírico, “um emissor – que não é obrigatoriamente o poeta – expõe as emoções de um eu. O poeta pode estar traduzindo sentimentos que ele percebe nos outros, mesmo sem que apareça a 1ª pessoa, os sentimentos são desse eu” (CUNHA, 2002, p. 23). Em principio no gênero lírico, segundo Cunha (2002), “não há uma história: não há principio, meio e fim, por isso, não temos como resumir o que lemos ou ouvimos num poema”. É fácil notar que o gênero lírico está muito associado à poesia, e ele se apresenta mais comumente na forma de poemas. Chama-se lírico exatamente porque antigamente os poemas eram musicados e cantados ao som da lira (CUNHA, 2002, p. 25).
  • 41. 50 Cunha (2002), explica que “na poesia mais contemporânea tem mostrado outras possibilidade do lirismo: o humor, a brincadeira, o jogo de palavras encontram lugar seguro também na poesia”. Segundo Cunha (2002), a poesia difere da prosa sobretudo na quantidade, não na qualidade de seus elementos. Podemos dizer que as características da obra de arte apontadas anteriormente são mais ‘concentradas’ na poesia”. “No interesse pela forma, por exemplo, o texto poético tem ingredientes visivelmente formais: os versos, o trabalho com a sonoridade, que envolve não só o ritmo, mas todos os recursos ligados aos sons” (CUNHA, 2002, p. 26).
  • 42. 51 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NARRATIVA A narrativa conta uma história, curta ou longa, é uma sucessão de acontecimentos, que transcorrem no tempo. O ENRREDO De acordo com Cunha (2002), “a organização desses acontecimentos chamamos enredo. O enredo apresenta: a) “Introdução (ou apresentação, ou orientação), através da qual o leitor entra na história, começa a se envolver nela” (CUNHA, 2002, p. 10). b) “Desenvolvimento, que tem dois momentos: a complicação que envolve um elemento novo, criando um conflito, e o clímax, ponto mais alto da tensão, depois do qual a situação tende a uma resolução” (CUNHA, 2002, p. 10). c) “Desfecho, resolução agradável ou desagradável do ‘problema’, impasse, ou tensão” (CUNHA, 2002, p. 10). “Quando os fatos se apresentam na seqüência em que ocorreram, dizemos que o enredo é linear, e o tempo, cronológico” (CUNHA, 2002, p. 10). Segundo Cunha (2002), “às vezes, o narrador começa a história por outro ponto dos acontecimentos: do meio ou do fim da história, voltamos ao ponto inicial. É o flashback. (CUNHA, 2002, p. 10). Às vezes, os fatos surgem fora da ordem em que ‘aconteceram’, em função das lembranças da personagem: é o tempo psicológico (CUNHA, 2002, p. 10).
  • 43. 52 O TEMPO Quanto ao tempo, afirma Cunha (2002) que, “conforme o caso, podemos ter a duração de poucos minutos (como nos causos), ou a duração de séculos, quando se conta a história de gerações de uma família ou de uma comunidade”. Ainda segundo Cunha(2002), “conhecer a época em que ocorrem os fatos é fundamental para a compreensão da história: o comportamento dos envolvidos na narrativa pode ser explicado pelas idéias, opiniões e crenças de sua época”. “Da mesma forma, se a narrativa começa por uma frase como: ‘no tempo em que as criancinhas nasciam em repolhos’, já sabemos que se pede para entrar no campo da fantasia” (CUNHA, 2002, p. 11). “Mas nem sempre a definição temporal se faz na narrativa; nesse caso, a sugestão é de que a história poderia ocorrer em qualquer época, ou em muitas épocas” (CUNHA, 2002, p. 11). O LUGAR O mesmo ocorre com a especificação do lugar (ou lugares) onde são dados os fatos. “Em certas narrativas, o espaço, ou ambiente, é absolutamente definidor da história. É o que vemos em narrativas como Vidas Secas, Menino do Engenho, ou Mar Morto” (CUNHA, 2002, p. 11).
  • 44. 53 O NARRADOR “Não existe narrativa sem narrador. É ele que nos põe a par dos acontecimentos e nos guia na interpretação dos fatos. É pelos seus olhos que vemos o que passou” (CUNHA, 2002, p. 26). Convém lembrar que ele é também uma invenção do autor, como as personagens. Não é o autor, ainda que possa parecer que seja. OS FOCOS NARRATIVOS Para nos fazer chegar a história, explica Cunha (2002, p. 11) que, “o narrador escolhe o ponto de vista, um lugar de onde ele ‘vê’ e de onde nos conta os acontecimentos. Quer dizer, como no cinema, vemos o que o diretor/narrador nos permite ver. “Essa escolha do ponto de vista é o que chamamos foco narrativo, e tem a ver com o próprio papel do narrador na narrativa. Ele pode contar os fatos do lugar de uma personagem, e não de outra, ou tentar ‘ver objetivamente’ os fatos” (CUNHA, 2002, p. 11). Essas decisões mudam completamente a forma de o leitor perceber a história. De acordo com a mesma autora, “o narrador pode aparecer como personagem da história. Nesse caso, a narrativa se constrói em 1ª pessoa: eu, ou nós (CUNHA, 2002, p. 12). “Outro tipo de narrador é aquele que não participa da história como personagem: ele presencia, observa os fatos (ou quer dar essa impressão), ou relata o que lhe contaram. Nesse caso, a narrativa ocorre em 3ª pessoa. É o narrador observador” (CUNHA, 2002, p. 12). Quando o narrador não e é personagem, não está diretamente envolvido com os acontecimentos, a sua história parece mais confiável. Pelo menos,
  • 45. 54 é o que o narrador quer sugerir ao leitor. Mas ele tem lá a sua visão de mundo, e escolhe os ângulos que privilegiem suas posições – ainda que pareça imparcial (CUNHA, 2002, p.12). Então, olho aberto! Pois, a narrativa pode ter muitas estratégias para nos convencer! Há narradores que procuram ser bem objetivos: tentam relatar apenas o que podem assegurar que estão vendo:procuram não fazer comentários, não imaginar o que sentem ou pensam as personagens. Esses querem ser bem ‘realistas’, com rigor de observação (CUNHA, 2002, p. 12). Mas, como explica Cunha (2002, p. 12), “esse narrador é raro. È muito difícil manter essa ‘neutralidade’: ao longo da narrativa, ele acaba traindo-se e revelando alguma opinião, algum pensamento escondido da personagem”. O mais comum, segundo Cunha (2002, p. 12), “é o narrador onisciente, onipresente (está em todo lugar) e onipotente (pode tudo). Para esse narrador, conhecer os pensamentos e sentimentos mais íntimos das personagens é muito fácil”. Ele é, também, responsável pelo destino das personagens. E, a partir da importância que ele dá a cada uma e do que revela das criaturas da história é que vamos nos aproximar de umas, torcendo por elas e implicando com outras (CUNHA, 2002, p. 12). AS PERSONAGENS Os acontecimentos de uma narrativa envolvem personagens, os participantes que são agentes ou pacientes da história. “A personagem é protagonista quando é a principal; é antagonista, quando se opõe à principal; ou é secundária, quando não é responsável por nenhum núcleo dos acontecimentos” (CUNHA, 2002, p. 13).
  • 46. 55 Segundo a mesma autora, quanto à sua caracterização, as personagens podem ser “planas, quando não apresentam complexidade nem surpresas causadas por mudanças; ou podem ser redondas, quando são complexas, difíceis de analisar, surpreendentes e em evolução” (CUNHA, 2002, p. 13). AS PERSONAGENS PENSAM E FALAM Quando conversamos com alguém, empregamos a língua falada. O rádio, a televisão e o cinema reproduzem situações de fala com bastante facilidade, utilizando a possibilidade de gravar e reproduzir a voz das pessoas. “O cinema e a televisão reproduzem, além da voz, outros elementos importantes numa conversa: os gestos e a expressão fisionômica” (FARACO, 1992, p. 32). Segundo o autor, “no teatro, os autores reproduzem, ao vivo, os diálogos entre as personagens que eles fingem ser” (FARACO, 1992, p. 32). “Nas histórias em quadrinhos, usam-se balões para reproduzir a conversa das personagens” (FARACO, 1992, p. 32). “No texto escrito não contamos com esses recursos. Para nos dar a conhecer aquilo que as personagens pensam e falam, o narrador pode utilizar três construções: o discurso direto, o indireto e também o indireto livre, como já foi dito” (FARACO, 1992, p. 39). Faraco (1992, p. 44) afirma que, “na televisão, no teatro, no cinema, quando a personagem deve gritar, o ator que representa essa personagem simplesmente altera a fisionomia, muda o tom de voz e... grita!”. “O ator representa a personagem imitando o que fazemos. Na vida real, quando gritamos, nós alteramos a fisionomia e o tom de voz” (FARACO, 1992, p. 44).
  • 47. 56 “Mas numa história desenhada ou escrita, não podemos contar com o som. Em história em quadrinhos os autores resolvem esse problema mudando o contorno do balão ou aumentando o tamanho das letras para sugerir que a personagem está gritando” (FARACO, 1992, p. 44). De acordo com Faraco (1992 p. 45) no caso da narrativa escrita, o autor emprega verbos que indicam diferentes maneiras de expressão oral. Observe:” a) Vasco disse: – vocês vão ver minha intenção. (Érico Veríssimo). b) Depois subiu para o lombo do muro e gritou para baixo: – Agora vocês vão ver como eu vou voar. (idem). c) – Quero diminuir. Quero diminuir. Pediu o gigante... (M. Vasconcelos). d) – Quero que você entre novamente na gaiola, berrou o homem... (idem). e) – Canalha! Bandido! Vociferava num desespero a santa criatura (Graciliano Ramos). O mesmo autor afirma ainda que: A língua portuguesa oferece muitas possibilidades para indicar os diferentes modos de falar. Observe que cada um desses verbos tem significado preciso. Por exemplo: dizer é muito diferente de gritar, berrar é diferente de pedir etc. (FARACO, 1992, p. 45). Segundo Faraco (1992, p. 46), “quando você for escrever diálogos, deve escolher o verbo mais adequado ao modo de falar da personagem”. “No caso do discurso indireto, o narrador conta para o leitor aquilo que a personagem esta falando ou falou” (FARACO, 1992, p. 58). Faraco (1992) ainda afirma que o “enredo ou trama é a ordenação, de acordo com a vontade do escritor, dos fatos que serão narrados. Em todo enredo deve ocorrer um conflito”.
  • 48. 57 Conforme esse mesmo autor, “conflito é a oposição, a luta, o desequilíbrio entre duas forças ou duas personagens”. Por meio do conflito, o enredo se organiza e se encaminha para o final, onde se dá o desfecho. O desfecho é a solução do conflito” (FARACO, 1992, p.75). Diante disso, o texto deve esclarecer da forma mais clara, de acordo com as técnicas disponíveis, a que se propõe e também ter coerência e coesão, para que o autor possa transmitir ao leitor toda a intenção que seu texto traz, seja este através de metáforas ou não. Assim, conclui Cunha (2002, p. 24), “a arte sempre traz uma diferença com relação ao que já percebemos, ao que conhecíamos de determinada questão. Em alguma medida, ela é original e surpreendente”.
  • 49. 58 METODOLOGIA A natureza metodológica desse trabalho é bibliográfica. (LAKATOS; MARCONI, 1999), quando fazemos um levantamento bibliográfico a respeito da teoria da enunciação, dêiticos, tipos de discurso e também da produção de textos. Para Lakatos e Marconi (1999), a pesquisa bibliográfica constitui-se no levantamento da bibliografia publicada em forma de livros, revistas, publicações avulsas, jornais, pesquisas, monografias, teses, etc., a respeito do tema estudado. Esse tipo de pesquisa tem como finalidade colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito sobre determinado assunto, com o objetivo de permitir ao cientista “o reforço paralelo para análise de suas pesquisas ou manipulação de suas informações” (TRUJLLIO, 1974, p. 230 apud LAKATOS; MARCONI, 1999). “A bibliografia pertinente oferece meios para definir, resolver, não somente problemas já conhecidos, como também explorar novas áreas onde os problemas ainda não se cristalizaram suficientemente” (MANSO, 1977, p.32 apud LAKATOS; MARCONE, 1999).
  • 50. 59 CONCLUSÃO A enunciação representa a classe de discurso onde, os mecanismos ideológicos podem ser suscitados na reprodução de um enunciado, seja esse falando ou escrito. Na enunciação, no processo de citação do discurso alheio, pode-se introduzir certos elementos, cujo significado cria uma “nova personalidade” ao discurso citado, transmitindo assim os elementos de quem o transmitiu e também de quem o citou. A língua utiliza vários meios para apresentar uma localização. Além das localizações absolutas, podemos encontrar uma referência dêitica: demonstrativa e adverbial. No mecanismo de deitização, três componentes básicos se destacam: pessoa, espaço, tempo, formando o que Parret chama de triângulo dêitico. No discurso direto, a realidade do discurso é que “um mesmo sujeito falante” se apresenta como locutor de sua enunciação (X disse: “...”), mas delega a responsabilidade da fala citada a um segundo locutor, o do discurso direto (MAINGUENEAU, 1996). O discurso indireto não reproduz um significante, mas dá um equivalente semântico integrado à enunciação citante, ele apenas implica um único ‘locutor’, o qual se encarrega do conjunto da enunciação. Percebemos então o desaparecimento das exclamações, das interrogações, dos imperativos, etc. Na medida em que a citação em discurso indireto não tem mais autonomia enunciativa, ela perde essa modalidade para se fundir no discurso citante. Ex: “Você vai?” será modificado para: “Ele lhe perguntou se ele quer ir”, que constitui uma afirmação. Os professores devem estar atentos a essa autonomia enunciativa ao trabalhar o discurso indireto na produção de textos com seus alunos.
  • 51. 60 Já no discurso indireto Livre, Fiorin (1999) considera que há dois atos enunciativos, duas vozes: a do narrador e a de uma personagem. Só que a da personagem não se enuncia em primeira pessoa, ficando, pois, camuflada sob a voz do narrador. “O discurso indireto livre resulta, portanto, meramente da incapacidade do autor de separar gramaticalmente seu ponto de vista, sua posição, dos de seus personagens” (BAKHTIN, 2004, p. 185). O texto bem produzido é uma estrutura organizada e bem equilibrada. Ele deverá refletir o lastro cultural do escritor em relação às idéias expostas sobre o tema (intertextuais). Deverá conter as creças e valores sobre o que o escritor defende ou critica, para atuar nos leitores de forma adequada (contextuais). Por último, deverá ser bem produzido lingüisticamente, observando a boa construção sintática, a riqueza e a pertinência vocabular, a correção gramatical e o estilo (textuais). Em conseqüência disso, dois textos podem estar muito bem escritos quanto ao conhecimento gramatical, quanto à ordenação lógica e quanto aos recursos estilísticos, mas serem irreconciliáveis do ponto de vista ideológico. O resultado da pesquisa indicou o quanto é importante o professor levar para o cotidiano escolar, as práticas de produção de textos que se encontram no dia-a-dia dos alunos como: os quadrinhos, textos publicitários, cartas, e-mail, para que aos poucos os alunos possam evoluir para textos mais elaborados, com maior número de parágrafos e também reproduzir, com propriedade e clareza, o discurso de outrem. A utilização dos tipos de discurso na produção de texto deve ser previamente trabalhada em sala de aula pelo professor, e esse por sua vez deve orientar seus alunos quanto aos três tipos de discurso, e também utilizar métodos que facilitem a compreensão e o desenvolvimento dessas técnicas de produção de textos, tais como: exercícios de redação, bilhete que reproduza a fala ou o pensamento de outrem, podendo iniciar pela reprodução
  • 52. 61 oral desses enunciados. Bakhtin afirma que “Cada forma de transmissão do discurso de outrem apreende à sua maneira a palavra de outro e assimila-a de forma ativa” (BAKHTIN,2004, p. 190). O objetivo principal da produção de texto na escola é trabalhar a elaboração da mensagem como instrumento de comunicação, além de implicar uma atividade que torna possível a construção do raciocínio lógico do aluno, e ao trabalhar com as formas de citação do discurso alheio, o professor estará colaborando para isso.
  • 53. 62 REFERÊNCIAS AUTHIER-REVUZ, Jacqueline. Heterogeneidade Mostrada e Heterogeneidade constitutiva: Elementos Para Uma Abordagem do Outro no Discurso. Tradução de Sandra Diniz Costa. Paris: Centre de Recherches de L’Université de Paris VII, 1982, 57p. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Fratesch Vieira. 11. ed. São Paulo: Hucitec, 2004, 196p. __________. Problemas de Lingüística Geral II. Tradução de Eduardo Guimarães. s/ ed. Campinas, SP: Pontes, 1989. 294p. BRANDÃO, Helena. Introdução à Análise do Discurso. 4. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1995. 96p. __________. Subjetividade, Argumentação, Polifonia. A propaganda da Petrobrás. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. 190p. BRAIT, B. Bakhtin e a Natureza Costitutivamente dialógica da linguagem. In: Brait, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Unicamp, 1997. p. 91-103, 385p. CAFEZEIRO, E; e GADELHA, C. Eu, O Outro E As Demais Figuras do Discurso, Coesão, Argumentação. Rio de Janeiro: Oficina do autor, 1996. 281p. CORRÊA. A Voz da Autoridade na Literatura Infantil. Itinerários - Revista de Literatura. nº especial. Araraquara: UNESP, 2003, p. 133-150. 230p. CRYSTAL, David. Dicionário de Lingüística e Fonética. Tradução de Maria Carmelita Pádua Dias. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. 271p. CUNHA, Celso; CINTRA, Luiz f. Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 748p. CUNHA, Maria Antonieta Antunes, Mergulhando na leitura literária: proposta de experiências para o Ensino fundamental - 1. Belo-horizonte: SEE/MG, 2002. 2v.(lições de minas, v.14), 68p. __________. Mergulhando na leitura literária: proposta de experiências para o Ensino fundamental - 2. Belo-horizonte: SEE/MG, 2002. 2v.(lições de minas, v.14), 68p. DIAS, L. F. Significação e forma lingüística na visão de Bakhtin. In: Brait, Beth (org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido. Campinas: Unicamp, 1997. p. 105-113, 385p.
  • 54. 63 FARRACO, Carlos Alberto. Prática de Texto Para Estudantes Universitários. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992, 299p. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar: O Mini Dicionário da Língua Portuguesa / Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Lexicografia, Margarida dos anjos... [ et al. ]. 4 ed. rev. ampliada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, 790p. FIORIN, José Luiz; Para Entender o Texto. 15. ed. São Paulo: Ática, 1999. 431p. GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna: Aprenda a Escrever, Aprendendo a Pensar. 18 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2000. 521p. LAKATOS, M. E.; MARCONI, M. A. Metodologia do Trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. 4 ed. São Paulo: Atlas, 1999. 214p. MAINGUENEAU, Dominique. Elementos de Lingüística Para o Texto Literário. São Paulo: Martins Fontes, 1996. 212p. ORLANDI, Eni. A Análise do Discurso: Princípios e procedimentos. 4. ed. Campinas: Pontes, 2002. 100p. PLATÃO, Francisco; FIORIN, José Luis. Para Entender o Texto. 15. ed. São Paulo: Ática, 1999. 431p. RAMOS, Graciliano. Vidas Secas. 83. ed. Rio, São Paulo: Record, 2001. 155p.