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As investigações do golpe de carros "salvados"


Você vai finalmente entender por que se roubam tantos carros no Brasil.
Você compraria um carro totalmente destruído?
Citroen Xsara, ano 2000: R$ 18,8 mil!
Isso mesmo: o preço desse resto de carro é R$ 18,8 mil. Está à venda na
Ideal Veículos, uma empresa de São Paulo.
Nas tabelas de usados, um automóvel dessa marca, ano 2000, inteiro e
funcionando, vale em torno de R$ 22 mil.
Quem pagaria R$ 18,8 mil por um carro nesse estado?
Outro exemplo: no pátio da Arnaut Veículos, também em São Paulo,
encontramos um Golf cor prata, ano 99, modelo 2000. Nas tabelas de
usados, esse carro também custa em torno de R$ 22 mil.
Mas e nessas condições, sai por quanto?
"O Golf, o pratinha, vocês viram o carro, capotadão, né? Está R$ 14 mil",
diz a vendedora.
Alguém em sã consciência seria capaz de pagar R$ 14 mil por um carro
que só anda se for rebocado?
Você provavelmente não sabe, mas tem muita gente comprando e muita
gente vendendo o que um dia foi um carro. O objetivo? Recuperar esses
automóveis e revendê-los com o máximo de lucro possível.
Vamos explicar o golpe que torna possível se ter lucro reformando e
revendendo carros inutilizados comprados a preços tão altos.
Imagens feitas pelo helicóptero da Globo, em São Paulo, não deixam
dúvida sobre o tamanho desse mercado. São dezenas de lojas, não só na
capital paulista, mas no Brasil inteiro, que vendem todos os meses milhares
de carros "salvados", como são chamados esses automóveis destruídos.
O primeiro passo para entender como funciona esse golpe é saber o que é
um "salvado".
"Salvados" são carros que sofreram o que as seguradoras chamam de
"sinistros" graves: acidentes que provocaram perda total do veículo.
"Perda total" quer dizer que o carro ou não tem recuperação ou que o preço
do conserto supera o valor real do carro.
Num caso desses, o dono recebe a devida indenização do seguro. Em troca,
ele é obrigado a repassar à seguradora o que sobrou do carro sinistrado e -
muito importante - entrega também o documento do veículo.
Agora preste atenção:
Resolução 11, 23 de janeiro de 1998 - Contran
Art. 1o - a baixa do registro de veículos é obrigatória sempre que o veículo
for retirado de circulação com:
III - laudo de perda total
Partes com número de chassis devem ser cortadas e destruídas. Placas e
documentos devem ser devolvidos aos órgãos responsáveis.
Uma resolução de 1998 do Código de Trânsito Brasileiro diz que todo
veículo retirado de circulação com laudo de perda total deve dar baixa no
Renavam - o Registro Nacional de Veículos.
E mais: as partes do carro que contêm o número do chassis devem ser
cortadas e destruídas. placas e documentos devem ser devolvidos aos
órgãos responsáveis.
Na prática, isso nem sempre acontece. Em vez de dar baixa nos
documentos, como manda a lei - algumas seguradoras repassam esses
veículos para as lojas de salvados. Como a Ideal e a Arnaut, em São Paulo,
e a Auto Frontin, no Rio de Janeiro. Nesta última, perguntamos ao
funcionário a origem dos carros à venda.
"Todos são de seguradora. Todos eles são de seguradora", diz ele.
Em São Paulo, na sede da Arnaut Veículos, somos atendidos pela
vendedora Léia. Nossa equipe de reportagem finge interesse por um Golf
prata ano 99 e também pergunta sua origem.
Fantástico: Mas o documento sai como o quê? Sinistrado, batido, como é
que sai?
Léia: No documento não vai constar nada. Mas vai estar o documento em
nome da seguradora e o recibo de transferência em nome da nossa loja.
Fantástico: isso não é problema. Mas não vem como carro sinistrado?
Léia: no documento em si não tem nenhuma restrição"
A vendedora nos informa que é possível regularizar o carro destruído desde
que se faça a reforma seguida de uma vistoria num órgão credenciado.
Léia: pega o carro normal, faz o laudo do Inmetro, transferiu, é um carro
como outro qualquer.
Fantástico: Como? Não entendi.
Léia: A partir do momento em que você faz o laudo, a gente vai estar
emitindo uma nota de venda e te entregar os documentos necessários. No
que você vai transferir, é um carro como outro qualquer, sem problema
nenhum."
Você deve estar se perguntando: para que gastar R$ 14 mil, R$ 18 mil num
carro tão destruído se a reforma vai acabar custando muito mais do que ele
vale?
A resposta é simples: as pessoas que fazem esse tipo de negócio não
compram as peças para reformar o veículo. Peças originais, compradas em
concessionárias, tornariam o negócio inviável.
Os envolvidos nesse tipo de esquema mandam roubar um automóvel com
as mesmas características do carro destruído.
Do carro destruído são aproveitadas apenas duas partes: o chassis ou
monobloco - que é o esqueleto do carro - e o documento, ainda válido. Do
carro roubado são retiradas todas as peças. Depois, numa oficina
clandestina, montam-se as peças roubadas sobre o chassis legalizado.
Mas como descobrir alguém disposto a roubar um carro por encomenda?
Nossa investigação revelou que isso não é difícil.
A equipe de reportagem do Fantástico foi à Avenida Rio das Pedras, zona
leste de São Paulo, região com dezenas de lojas de autopeças usadas.
Enquanto fingíamos procurar peças para aquele Golf capotado que nos foi
oferecido pela Arnaut Veículos por R$ 14 mil, fomos abordados por um
homem chamado Jorge.
Fantástico: Preciso comprar tudo, banco...
Jorge: Capotou? Mas como é que você vai fazer com a lata? Como é que
você vai fazer? Vai fazer um dublê?
Dublê, na gíria dele, é um carro igualzinho ao que estamos querendo
recuperar.
Jorge: Vai ter que fazer um dublê.
Fantástico: Isso é difícil?
Jorge: Tem que pegar um cara fera, né? Precisa arrumar um cara feroz aí.
Esse que é o perigo. O cara vai pegar as partes todas do teu carro e vai
soldar em cima da outra lá. Vai pegar um número quente, que é o seu, e
montar num 'treta'".
Jorge nos pede dez minutos e sai para dar um telefonema. Em menos de
cinco, ele volta. já dá até o preço do que ele chama de 'dublê', o carro a ser
roubado.
Jorge: Cinco pau tudo.
Fantático: O que vem?
Jorge: O carro inteiro.
Fantático: Prata?
Jorge: É.
Fantástico: Jura?"
A conversa pára por aí. Não encomendamos o carro. E, para disfarçar,
nossa equipe de reportagem promete fazer um novo contato com Jorge.
Mas não voltamos a falar com ele.
No Rio de Janeiro, o mercado paralelo funciona da mesma forma. Dentro
de uma loja de salvados, a Auto Frontin, fomos abordados por um homem
chamado Ricardo. Fazemos a sondagem. Ele nos dá um número de celular,
e diz que vai entrar em contato.
Ricardo: Falou, irmão.
Fantástico: Vai me ligar?
Ricardo: Vou.
Ricardo não demora a telefonar. E nós fazemos o jogo dele.
Fantástico: Você sabe me dizer que tipo mais ou menos que você me
arruma?
Ricardo: A gente arruma é qualquer coisa, maluco.
Fantástico: Mas você tem idéia de um Golf 2000 mais ou menos, por
quanto sai?
Ricardo: Aí eu não sei. Uns três mil.
Dias depois, Ricardo telefona novamente a não deixa dúvidas sobre o tipo
de trabalho que faz.
Ricardo: Veja bem, parceiro. Olha só o que acontece, parceiro. Eu vou te
dizer. O bagulho, não preciso nem te falar, né? Que é roubo, né? Não
preciso nem te falar?
Fantástico: Claro.
Aqui, novamente, a equipe de reportagem do Fantástico suspende os
contatos e não chega a fazer qualquer encomenda.
Nas conversas por telefone, Ricardo chega a fornecer uma informação
importante: os dias em que os ladrões de carro costumam agir com mais
freqüência.
Fantástico: Mas geralmente qual é o dia que pinta?
Ricardo: É final de semana mesmo, mais o final de semana.
Fantástico: Então está bom.
Prova disso é o que ocorreu ontem, no Rio de Janeiro. O procurador
aposentado do INSS, Valter Leite Lemos, foi morto a tiros por ladrões que
tentaram roubar seu carro.
Depois de montar o carro roubado sobre o chassis do carro batido, a pessoa
que está dando o golpe ainda cumpre uma última etapa: a de transferir os
documentos para o seu nome. até para isso existe um esquema.
Quem nos revela os detalhes é Cyro, vendedor da Ideal Veículos, aquela
empresa de São Paulo que vimos no começo da reportagem. Segundo ele,
basta levar o carro reformado com as peças roubadas para fazer uma
vistoria num órgão credenciado a um custo de R$ 80.
Fantástico: Esse laudo não demora muito, não?
Cyro: Na hora. Você arrumou o carro, você leva o carro lá.
Fantástico: Arruma, mas o cara sempre implica com alguma coisa...
Cyro: Não é assim, não.
Outro cara: Foi o que ele falou, paga 80 pau, acabou.
Cyro: É 80 reais, aqui em Guarulhos. Inclusive a firma é nossa também,
entendeu? É do patrão a firma que faz laudo.
A firma que, segundo o vendedor, faz o laudo pericial para legalizar o carro
roubado é a CTV, em Guarulhos, Grande São Paulo. Ela consta do site do
Inmetro como órgão credenciado para vistorias, e tem como responsável o
senhor Alex Pereira de Almeida.
Em outra conversa, perguntamos novamente ao vendedor Cyro, da Ideal
Veículos, sobre o esquema de vistoria.
Fantástico: Estou preocupado com o documento, o DUT lá. Não vai ter
nada escrito?
Cyro: Não, vai sair 'Ideal'.
Fantástico: Ideal é uma loja.
Cyro: Uma loja.
Fantástico: Mas não diz que foi perda total.
Cyro: Não, não. Senão ninguém comprava carro aqui.
Fantástico: A maioria desses carros aqui nego compra para quê?
Cyro: Tudo para revender.
Procuramos outra loja de salvados, a Nova Boa Vista, para tirar a dúvida:
será que a vistoria é tão simples? Quem nos atende é um vendedor
chamado Roger.
Fantástico: Mas aí os caras arrocham muito lá?
Roger: Não! Tem conhecido da gente. Você vai onde a gente te indicar que
não tem erro.
Fantástico: Jura?
Roger: Opa!
Fantástico: Chegando lá, o cara não vai ficar 'essa peça aqui, essa peça
aqui'?
Roger: Negócio de peça eles nem olham.
Fantástico: Hein?
Roger: Esse negócio de peça eles nem olham. Isso daí é vistoria veicular.
Olham pneu, extintor, seta, farol alto, baixo.
Mesmo se houvesse uma vistoria detalhada, há quem ofereça meios para
burlar a fiscalização: algumas peças do carro roubado podem conter
numerações capazes de identificar sua origem. É o caso do motor, por
exemplo.
Você lembra de Jorge, o homem que nos ofereceu um Golf roubado em
São Paulo? Ele conhece um esquema para adulterar a numeração do motor.
Jorge: É feito por um cara do Detran, serviço de profissional. Você pode
passar pela perícia da Unicamp, em Campinas e os caras vão jogar o ácido
e não aparece.
Fantástico: Como é que ele faz?
Jorge: Serviço de profissional. Já vendi um monte de motor. Sem problema.
É sem problema. Tô te falando procê.
Nossa reportagem descobriu que no Rio de Janeiro também existe um
esquema para legalizar os veículos montados. Só que esse não exige nem
vistoria: fica na mão de uma despachante de Vitória, Espírito Santo. Quem
dá o serviço é Jonas, vendedor de mais uma loja de salvados, a MR 2000.
Jonas: Tem despachante bom para fazer documento.
Fantástico: Bom? Águia?
Fantástico: Quanto ele cobra?
Jonas: R$ 680
Fantástico: Mas aí não precisa levar o carro lá, não?
Jonas: Não precisa levar o carro a lugar nenhum.
Fantástico: Como?
Jonas: Não precisa levar o carro a lugar nenhum.
Fantástico: Ele faz vistoria onde?
Jonas: Não é nem vistoriado.
Telefonando para a despachante, de nome Leila, descobrimos que o carro
roubado até que é vistoriado, sim. Mas quem faz essa falsa vistoria é o
próprio dono!
"A gente vai estar mandando para você uma vistoria. Aí você tira o
decalque do chassis nessa vistoria e um decalque à parte noutro papel",
explica a despachante.
Nossa equipe de reportagem em Vitória procurou a despachante. Fomos
atendidos pela chefe do escritório.
"Eu posso até me comprometer de falar porque envolve as seguradoras.
Porque elas que vendem o carro. Se a gente regularizar um carro desses, eu
não vou falar pra você que nós não regularizamos porque de vez em
quando a gente pega aqui, é comum qualquer despachante pegar", explica a
despachante.
Na quinta-feira, em Brasília, deputados federais entraram com um pedido
de formação de CPI para apurar o envolvimento de seguradoras com o
esquema dos carros salvados.
"As empresas de seguro reaquecerem os documentos dos salvados, ora, isso
vai gerar exatamente essa indústria do crime e o desdobramento vai ser pior,
porque vai provocar além dos roubos, as mortes, o reaquecimento e o
fomento a essas empresas chamadas desmanches", diz o deputado federal
Hidekazu Takayama
Ficam as perguntas:
Como evitar a proliferação desse golpe?
A quem cabe a fiscalização?
Quantos roubos de carros e até mortes poderiam ser evitadas se essa
atividade acabasse?
Procurada pelo Fantástico, a Fenaseg, Federação Nacional das Seguradoras
afirmou que já vem tomando medidas para combater as fraudes.
"A Fenaseg persegue esse desiderato, esse objetivo, de dar baixa efetiva
dos veículos. Inclusive constituímos com estrutura própria uma diretoria de
combate às fraudes. Nós evidentemente estamos nessa linha da correção,
zelando pela imagem do seguro", diz Antônio Mazurek, superintendente da
Fenaseg.
No domingo que vem, o Fantástico vai denunciar dois outros esquemas que
estão prejudicando donos de automóveis no Brasil. Você precisa assistir
para saber como Se defender de mais esse golpe.
O diretor geral do Denatran, órgão máximo executivo de trânsito no Brasil,
informou que vai investigar a fundo as denúncias apresentadas pelo
Fantástico. Ailton Brasiliense Pires reiterou que, uma vez definida a perda
total de um veículo, ele não pode voltar a circular. E que as seguradoras
têm obrigação de dar baixa na documentação e destruir as partes do chassi
que contêm numeração.

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A Investigação do Golpe dos Salvados

  • 1. As investigações do golpe de carros "salvados" Você vai finalmente entender por que se roubam tantos carros no Brasil. Você compraria um carro totalmente destruído? Citroen Xsara, ano 2000: R$ 18,8 mil! Isso mesmo: o preço desse resto de carro é R$ 18,8 mil. Está à venda na Ideal Veículos, uma empresa de São Paulo. Nas tabelas de usados, um automóvel dessa marca, ano 2000, inteiro e funcionando, vale em torno de R$ 22 mil. Quem pagaria R$ 18,8 mil por um carro nesse estado? Outro exemplo: no pátio da Arnaut Veículos, também em São Paulo, encontramos um Golf cor prata, ano 99, modelo 2000. Nas tabelas de usados, esse carro também custa em torno de R$ 22 mil. Mas e nessas condições, sai por quanto? "O Golf, o pratinha, vocês viram o carro, capotadão, né? Está R$ 14 mil", diz a vendedora. Alguém em sã consciência seria capaz de pagar R$ 14 mil por um carro que só anda se for rebocado? Você provavelmente não sabe, mas tem muita gente comprando e muita gente vendendo o que um dia foi um carro. O objetivo? Recuperar esses automóveis e revendê-los com o máximo de lucro possível. Vamos explicar o golpe que torna possível se ter lucro reformando e revendendo carros inutilizados comprados a preços tão altos. Imagens feitas pelo helicóptero da Globo, em São Paulo, não deixam dúvida sobre o tamanho desse mercado. São dezenas de lojas, não só na capital paulista, mas no Brasil inteiro, que vendem todos os meses milhares de carros "salvados", como são chamados esses automóveis destruídos. O primeiro passo para entender como funciona esse golpe é saber o que é um "salvado". "Salvados" são carros que sofreram o que as seguradoras chamam de "sinistros" graves: acidentes que provocaram perda total do veículo. "Perda total" quer dizer que o carro ou não tem recuperação ou que o preço do conserto supera o valor real do carro. Num caso desses, o dono recebe a devida indenização do seguro. Em troca, ele é obrigado a repassar à seguradora o que sobrou do carro sinistrado e - muito importante - entrega também o documento do veículo. Agora preste atenção: Resolução 11, 23 de janeiro de 1998 - Contran Art. 1o - a baixa do registro de veículos é obrigatória sempre que o veículo for retirado de circulação com: III - laudo de perda total
  • 2. Partes com número de chassis devem ser cortadas e destruídas. Placas e documentos devem ser devolvidos aos órgãos responsáveis. Uma resolução de 1998 do Código de Trânsito Brasileiro diz que todo veículo retirado de circulação com laudo de perda total deve dar baixa no Renavam - o Registro Nacional de Veículos. E mais: as partes do carro que contêm o número do chassis devem ser cortadas e destruídas. placas e documentos devem ser devolvidos aos órgãos responsáveis. Na prática, isso nem sempre acontece. Em vez de dar baixa nos documentos, como manda a lei - algumas seguradoras repassam esses veículos para as lojas de salvados. Como a Ideal e a Arnaut, em São Paulo, e a Auto Frontin, no Rio de Janeiro. Nesta última, perguntamos ao funcionário a origem dos carros à venda. "Todos são de seguradora. Todos eles são de seguradora", diz ele. Em São Paulo, na sede da Arnaut Veículos, somos atendidos pela vendedora Léia. Nossa equipe de reportagem finge interesse por um Golf prata ano 99 e também pergunta sua origem. Fantástico: Mas o documento sai como o quê? Sinistrado, batido, como é que sai? Léia: No documento não vai constar nada. Mas vai estar o documento em nome da seguradora e o recibo de transferência em nome da nossa loja. Fantástico: isso não é problema. Mas não vem como carro sinistrado? Léia: no documento em si não tem nenhuma restrição" A vendedora nos informa que é possível regularizar o carro destruído desde que se faça a reforma seguida de uma vistoria num órgão credenciado. Léia: pega o carro normal, faz o laudo do Inmetro, transferiu, é um carro como outro qualquer. Fantástico: Como? Não entendi. Léia: A partir do momento em que você faz o laudo, a gente vai estar emitindo uma nota de venda e te entregar os documentos necessários. No que você vai transferir, é um carro como outro qualquer, sem problema nenhum." Você deve estar se perguntando: para que gastar R$ 14 mil, R$ 18 mil num carro tão destruído se a reforma vai acabar custando muito mais do que ele vale? A resposta é simples: as pessoas que fazem esse tipo de negócio não compram as peças para reformar o veículo. Peças originais, compradas em concessionárias, tornariam o negócio inviável. Os envolvidos nesse tipo de esquema mandam roubar um automóvel com as mesmas características do carro destruído. Do carro destruído são aproveitadas apenas duas partes: o chassis ou monobloco - que é o esqueleto do carro - e o documento, ainda válido. Do
  • 3. carro roubado são retiradas todas as peças. Depois, numa oficina clandestina, montam-se as peças roubadas sobre o chassis legalizado. Mas como descobrir alguém disposto a roubar um carro por encomenda? Nossa investigação revelou que isso não é difícil. A equipe de reportagem do Fantástico foi à Avenida Rio das Pedras, zona leste de São Paulo, região com dezenas de lojas de autopeças usadas. Enquanto fingíamos procurar peças para aquele Golf capotado que nos foi oferecido pela Arnaut Veículos por R$ 14 mil, fomos abordados por um homem chamado Jorge. Fantástico: Preciso comprar tudo, banco... Jorge: Capotou? Mas como é que você vai fazer com a lata? Como é que você vai fazer? Vai fazer um dublê? Dublê, na gíria dele, é um carro igualzinho ao que estamos querendo recuperar. Jorge: Vai ter que fazer um dublê. Fantástico: Isso é difícil? Jorge: Tem que pegar um cara fera, né? Precisa arrumar um cara feroz aí. Esse que é o perigo. O cara vai pegar as partes todas do teu carro e vai soldar em cima da outra lá. Vai pegar um número quente, que é o seu, e montar num 'treta'". Jorge nos pede dez minutos e sai para dar um telefonema. Em menos de cinco, ele volta. já dá até o preço do que ele chama de 'dublê', o carro a ser roubado. Jorge: Cinco pau tudo. Fantático: O que vem? Jorge: O carro inteiro. Fantático: Prata? Jorge: É. Fantástico: Jura?" A conversa pára por aí. Não encomendamos o carro. E, para disfarçar, nossa equipe de reportagem promete fazer um novo contato com Jorge. Mas não voltamos a falar com ele. No Rio de Janeiro, o mercado paralelo funciona da mesma forma. Dentro de uma loja de salvados, a Auto Frontin, fomos abordados por um homem chamado Ricardo. Fazemos a sondagem. Ele nos dá um número de celular, e diz que vai entrar em contato. Ricardo: Falou, irmão. Fantástico: Vai me ligar? Ricardo: Vou. Ricardo não demora a telefonar. E nós fazemos o jogo dele. Fantástico: Você sabe me dizer que tipo mais ou menos que você me arruma? Ricardo: A gente arruma é qualquer coisa, maluco.
  • 4. Fantástico: Mas você tem idéia de um Golf 2000 mais ou menos, por quanto sai? Ricardo: Aí eu não sei. Uns três mil. Dias depois, Ricardo telefona novamente a não deixa dúvidas sobre o tipo de trabalho que faz. Ricardo: Veja bem, parceiro. Olha só o que acontece, parceiro. Eu vou te dizer. O bagulho, não preciso nem te falar, né? Que é roubo, né? Não preciso nem te falar? Fantástico: Claro. Aqui, novamente, a equipe de reportagem do Fantástico suspende os contatos e não chega a fazer qualquer encomenda. Nas conversas por telefone, Ricardo chega a fornecer uma informação importante: os dias em que os ladrões de carro costumam agir com mais freqüência. Fantástico: Mas geralmente qual é o dia que pinta? Ricardo: É final de semana mesmo, mais o final de semana. Fantástico: Então está bom. Prova disso é o que ocorreu ontem, no Rio de Janeiro. O procurador aposentado do INSS, Valter Leite Lemos, foi morto a tiros por ladrões que tentaram roubar seu carro. Depois de montar o carro roubado sobre o chassis do carro batido, a pessoa que está dando o golpe ainda cumpre uma última etapa: a de transferir os documentos para o seu nome. até para isso existe um esquema. Quem nos revela os detalhes é Cyro, vendedor da Ideal Veículos, aquela empresa de São Paulo que vimos no começo da reportagem. Segundo ele, basta levar o carro reformado com as peças roubadas para fazer uma vistoria num órgão credenciado a um custo de R$ 80. Fantástico: Esse laudo não demora muito, não? Cyro: Na hora. Você arrumou o carro, você leva o carro lá. Fantástico: Arruma, mas o cara sempre implica com alguma coisa... Cyro: Não é assim, não. Outro cara: Foi o que ele falou, paga 80 pau, acabou. Cyro: É 80 reais, aqui em Guarulhos. Inclusive a firma é nossa também, entendeu? É do patrão a firma que faz laudo. A firma que, segundo o vendedor, faz o laudo pericial para legalizar o carro roubado é a CTV, em Guarulhos, Grande São Paulo. Ela consta do site do Inmetro como órgão credenciado para vistorias, e tem como responsável o senhor Alex Pereira de Almeida. Em outra conversa, perguntamos novamente ao vendedor Cyro, da Ideal Veículos, sobre o esquema de vistoria. Fantástico: Estou preocupado com o documento, o DUT lá. Não vai ter nada escrito? Cyro: Não, vai sair 'Ideal'.
  • 5. Fantástico: Ideal é uma loja. Cyro: Uma loja. Fantástico: Mas não diz que foi perda total. Cyro: Não, não. Senão ninguém comprava carro aqui. Fantástico: A maioria desses carros aqui nego compra para quê? Cyro: Tudo para revender. Procuramos outra loja de salvados, a Nova Boa Vista, para tirar a dúvida: será que a vistoria é tão simples? Quem nos atende é um vendedor chamado Roger. Fantástico: Mas aí os caras arrocham muito lá? Roger: Não! Tem conhecido da gente. Você vai onde a gente te indicar que não tem erro. Fantástico: Jura? Roger: Opa! Fantástico: Chegando lá, o cara não vai ficar 'essa peça aqui, essa peça aqui'? Roger: Negócio de peça eles nem olham. Fantástico: Hein? Roger: Esse negócio de peça eles nem olham. Isso daí é vistoria veicular. Olham pneu, extintor, seta, farol alto, baixo. Mesmo se houvesse uma vistoria detalhada, há quem ofereça meios para burlar a fiscalização: algumas peças do carro roubado podem conter numerações capazes de identificar sua origem. É o caso do motor, por exemplo. Você lembra de Jorge, o homem que nos ofereceu um Golf roubado em São Paulo? Ele conhece um esquema para adulterar a numeração do motor. Jorge: É feito por um cara do Detran, serviço de profissional. Você pode passar pela perícia da Unicamp, em Campinas e os caras vão jogar o ácido e não aparece. Fantástico: Como é que ele faz? Jorge: Serviço de profissional. Já vendi um monte de motor. Sem problema. É sem problema. Tô te falando procê. Nossa reportagem descobriu que no Rio de Janeiro também existe um esquema para legalizar os veículos montados. Só que esse não exige nem vistoria: fica na mão de uma despachante de Vitória, Espírito Santo. Quem dá o serviço é Jonas, vendedor de mais uma loja de salvados, a MR 2000. Jonas: Tem despachante bom para fazer documento. Fantástico: Bom? Águia? Fantástico: Quanto ele cobra? Jonas: R$ 680 Fantástico: Mas aí não precisa levar o carro lá, não? Jonas: Não precisa levar o carro a lugar nenhum. Fantástico: Como?
  • 6. Jonas: Não precisa levar o carro a lugar nenhum. Fantástico: Ele faz vistoria onde? Jonas: Não é nem vistoriado. Telefonando para a despachante, de nome Leila, descobrimos que o carro roubado até que é vistoriado, sim. Mas quem faz essa falsa vistoria é o próprio dono! "A gente vai estar mandando para você uma vistoria. Aí você tira o decalque do chassis nessa vistoria e um decalque à parte noutro papel", explica a despachante. Nossa equipe de reportagem em Vitória procurou a despachante. Fomos atendidos pela chefe do escritório. "Eu posso até me comprometer de falar porque envolve as seguradoras. Porque elas que vendem o carro. Se a gente regularizar um carro desses, eu não vou falar pra você que nós não regularizamos porque de vez em quando a gente pega aqui, é comum qualquer despachante pegar", explica a despachante. Na quinta-feira, em Brasília, deputados federais entraram com um pedido de formação de CPI para apurar o envolvimento de seguradoras com o esquema dos carros salvados. "As empresas de seguro reaquecerem os documentos dos salvados, ora, isso vai gerar exatamente essa indústria do crime e o desdobramento vai ser pior, porque vai provocar além dos roubos, as mortes, o reaquecimento e o fomento a essas empresas chamadas desmanches", diz o deputado federal Hidekazu Takayama Ficam as perguntas: Como evitar a proliferação desse golpe? A quem cabe a fiscalização? Quantos roubos de carros e até mortes poderiam ser evitadas se essa atividade acabasse? Procurada pelo Fantástico, a Fenaseg, Federação Nacional das Seguradoras afirmou que já vem tomando medidas para combater as fraudes. "A Fenaseg persegue esse desiderato, esse objetivo, de dar baixa efetiva dos veículos. Inclusive constituímos com estrutura própria uma diretoria de combate às fraudes. Nós evidentemente estamos nessa linha da correção, zelando pela imagem do seguro", diz Antônio Mazurek, superintendente da Fenaseg. No domingo que vem, o Fantástico vai denunciar dois outros esquemas que estão prejudicando donos de automóveis no Brasil. Você precisa assistir para saber como Se defender de mais esse golpe. O diretor geral do Denatran, órgão máximo executivo de trânsito no Brasil, informou que vai investigar a fundo as denúncias apresentadas pelo Fantástico. Ailton Brasiliense Pires reiterou que, uma vez definida a perda total de um veículo, ele não pode voltar a circular. E que as seguradoras
  • 7. têm obrigação de dar baixa na documentação e destruir as partes do chassi que contêm numeração.