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Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184
http://www.revistahistoria.ufba.br/2012_1/r01.pdf
Claus Offe (1940-), sociólogo político
alemão, nasceu em Berlim e faz parte da
segunda geração da Escola de Frank-
furt. Influenciado por uma tendência
marxista e pela teoria discursiva de
Jürgen Habermas, ampliou de modo
considerável a perspectiva política de se
compreender o Estado e a economia
contemporânea, além de se dedicar aos
estudos sobre as relações entre
democracia e capitalismo. No momento
presente, leciona em uma instituição
privada de Berlim, a Hertie School of
Governance. O fio condutor das obras
de Offe passa pelos problemas da
relação entre poder social e autoridade
política, em torno dos quais escreveu,
entre outros, Problemas estruturais do
Estado capitalista (1984), Trabalho e
sociedade: problemas estruturais e
perspectivas para o futuro da “socie-
dade de trabalho” (1989, com outros
autores), além do conjunto de ensaios
objeto da presente resenha.
Organizado em 1985, a partir da
reunião de diversos ensaios, o livro tem
por objetivo entender os procedimentos,
a organização e os meios que oferecem
um equilíbrio entre o poder social e a
autoridade política institucionalizada,
bem como identificar os procedimentos
que propiciam uma desorganização nas
democracias capitalistas que participam
do Estado de bem-estar social. Offe
explicita seu pensamento acadêmico
nessa obra, seguindo alguns pontos da
teoria de Habermas, para a qual a reali-
dade pode ser apreendida através da
observação sobre a falibilidade do
planejamento de ações. Adaptando essa
ideia ao campo político-econômico, Offe
apresenta as relações entre democracia
e capitalismo num contexto ainda
marcado pela Guerra Fria. Nesse
sentido, sinaliza a ação legitimadora do
Estado, na situação do pós-1945,
quando a máquina burocrática tentou
evitar as crises econômicas e sociais
tomando como ponto de equilíbrio o
mercado de trabalho. Nesse período foi
implementada a teoria keynesiana
(formulada na década de 1930), para a
qual o planejamento do Estado deveria
prever o bem-estar social mediante a
lógica das tensões sociais e do mercado.
Nos Estados Unidos era baixa a tensão
social, mas nos países europeus capita-
listas a politização sempre foi intensa,
devido à prática de intervenção dos
cidadãos e da ação social. A classe
operária europeia se beneficiou do boom
econômico pós-45 e o Estado de
bem-estar era visto como uma
conquista social.
Offe afirma que a sociologia política está
preocupada com o processo de formação
do mercado de trabalho, que se deu
através do fortalecimento de poder e de
rupturas — ou seja, não ocorreu um
amplo movimento de classes tendo por
foco a extinção do paradigma “merca-
doria” para a força de trabalho. A
divisão da classe trabalhadora
apresenta-se não apenas na dicotomia
clássica do empregador-empregado,
mas dentro do próprio grupo. Segundo
Offe, a classe trabalhadora era separada
entre os que participam efetivamente do
Claus Offe. Capitalismo desorganizado: transformações contemporâneas do trabalho e
da política. São Paulo, Brasiliense, 1989. 322 p. ISBN 85-1109-048-7.
mercado de trabalho (patrões e empre-
gados) e os indivíduos que vivem à sua
margem, em torno de instituições
pertencentes ao Estado e à família. A
autoridade estatal costuma ser tradicio-
nalmente interpretada em uma perspec-
tiva weberiana de modos e meios do
exercício de funções do poder (racional,
tradicional, carismático) ou por uma
abordagem marxista. Offe, porém, inter-
preta o Estado, de certa maneira, como
um acúmulo de poder que conduz a uma
governabilidade. Essa posição do
Estado, por sua vez, passa a ser avaliada
pela esfera pública, local de ação dos
cidadãos (e aqui é oportuno lembrar
Habermas, que sustenta que um dos
principais meios dessa esfera pública
são os veículos de informação). O
Estado moderno para Offe trança uma
rede de relações complexas, “que não
podem ser reduzidas a um mero reflexo
da matriz do poder social, nem conside-
radas como parte de uma multiplicidade
ilimitada de funções potenciais do
Estado” (p. 11). O processo de desenvol-
vimento desse Estado seria determinado
por quatro critérios: 1) o Estado deve
garantir a paz social; 2) o Estado,
enquanto autoridade legítima, promove
os direitos de cidadania; 3) o funda-
mento da legitimidade do Estado está na
ação ativa da cidadania; 4) cabem ao
Estado, como funções legítimas, a distri-
buição de recursos e a administração da
sociedade (paradigma do Estado de
bem-estar keynesiano). Esses critérios
se associam a uma definição da função
do Estado: “regular a relação entre a
sociedade civil e sua matriz do poder
social e o Estado e a autoridade política”
(p. 12). Faz-se necessário, nessa ordem
de ação, o equilíbrio entre as forças
sociais e as funções políticas.
As democracias capitalistas do Estado
de bem-estar enfrentam o problema da
fusão dessas duas esferas, em que a
sociedade civil influencia a autoridade
política, ao passo em que, concomitante-
mente (tal como quer Habermas),
os meios de comunicação aliados ao
Estado alcançam a sociedade civil —
os agentes coletivos dessa relação sendo
os partidos políticos ou elites parti-
dárias (p. 15).
No capítulo intitulado “A economia
política do mercado de trabalho”, Offe
inquire as características das crises
econômicas, estas que produzem desem-
prego e subemprego como fenômenos
de massa (p. 19). O Estado de bem-estar
social deve, quando isso ocorre,
sustentar financeiramente através de
um programa social os desempregados
(Offe critica esse gasto financeiro efeti-
vamente pago pelo próprio Estado). Por
outro lado, a questão do pleno emprego,
defendida pelos sindicatos, é vista por
Offe como “coalizões de vendedores da
força de trabalho” (p. 20), que ademais
exercem pressão política necessária
sobre parlamentos, governos e partidos
políticos. A esses dois fatores soma-se o
problema do estruturado desemprego,
que é intrínseco às economias capita-
listas contemporâneas da América do
Norte e dos países europeus do
Ocidente. O objetivo de Offe nesse
ensaio de abertura do livro é expor a
distribuição desigual dos riscos do
mercado de trabalho entre grupos
diversos (p. 21). Essa distribuição
desigual aparece como um dos riscos
inerentes ao mercado de trabalho,
devido à sobreposição dos diversos
grupos sociais. As políticas do mercado
favorecem grupos específicos que
possuem características concedidas
socialmente; no entanto, segundo Offe,
desde a década de 1960, nos países
europeus ocidentais, esse favorecimento
foi sendo transferido para segmentos
Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184
180
definidos por “ocupação, setor, idade,
sexo e área” (p. 22). O mercado de
trabalho nas sociedades capitalistas
deve funcionar conforme a solução dada
ao problema de alocação, conforme se
demonstra quando o sistema de
produção recebe o trabalho necessário,
ao mesmo tempo em que a força de
trabalho deve ser mantida pela renda e
proporcionar um status social.
Os vendedores de força de trabalho
devem-se valer da concorrência dentro
de suas próprias habilidades, da solida-
riedade interna e da discriminação
externa. É necessário, entretanto, de
acordo com Offe, fazer uma distinção
entre mercadoria e força de trabalho:
“uma particularidade inicialmente
importante da força de trabalho é que
ao mesmo tempo que, de fato, é tratada
como uma mercadoria no mercado,
entra neste por razões diferentes”
(p. 27-28). Enfim, a força de trabalho
depende de um modo de subsistência
adequado, e o denominado seguro-
desemprego passa a integrar uma
decisão do trabalhador para avaliar a
demanda e a oferta por sua mão de obra
específica. As relações entre compra-
dores e vendedores no mercado de
trabalho se firmam através dos
contratos de trabalho; no entanto, esse
acordo não é imóvel: “O valor de uso
que uma empresa extrai da força de
trabalho está quantitativamente e quali-
tativamente vinculado à subjetividade
do trabalhador” (p. 35) — dessa forma,
não se pode negar que ocorram
conflitos, e a busca por um equilíbrio
nestas relações dentro do mercado de
trabalho. Offe classifica o pertencimento
à força de trabalho em quatro catego-
rias: os “inativos” (com um subgrupo de
“desempregados disfarçados”); os
desempregados registrados; os que
estão no mercado de trabalho; e os
independentes ou autônomos. Uma das
vantagens dessa categorização é a de
demonstrar como o mercado de trabalho
é uma relação social de poder. Offe
destaca ainda que os sindicatos incidem
sobre essa relação, entrando em cena
para delimitar quem pode participar
como vendedor de sua mão de obra,
buscando um equilíbrio entre a oferta e
a demanda. Entretanto, surgem os
“grupos-problema”: envolvidos em
relações de força e controle, estão fora
do mercado ou indiretamente ligados a
ele, o que aponta para a ação do Estado,
que pode ampliar o poder do mercado.
As perspectivas de então para o
mercado de trabalho são tratadas no
segundo capítulo, “O futuro do mercado
de trabalho”. Aqui Offe começa por
explicitar uma premissa de seu pensa-
mento: a de que o trabalhador não pode
ser propriedade e nem possuir uma
propriedade; ou seja, a força de trabalho
é uma mercadoria fictícia, diferente da
mercadoria genuína que se negocia no
mercado. Historiando o mercado de
trabalho, Offe aponta para o colapso do
modelo keynesiano e uma desagregação
da ética do trabalho na década de 1970
(p. 80); a partir de então o desemprego
passou a depender das mudanças tecno-
lógicas de substituição ou aperfeiçoa-
mento de mão de obra, o que contribuiu
para que as perspectivas do mercado se
direcionassem a escolhas entre
diferentes modos de alocação de
trabalho e renda. Por outro lado, as
medidas da previdência social
dependem do mercado de trabalho
estável. Para Offe, quanto maior a
proteção fornecida ao trabalhador,
menor é o desejo do empregador em
manter o emprego, o que resulta na
emergência da atividade informal —
contrariamente à posição dos sindicatos,
Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184
181
Offe sustenta que esse modelo de ativi-
dade é útil para não sobrecarregar
o mercado.
No capítulo “Três perspectivas para o
problema do desemprego”, Offe aborda
o futuro do trabalho, a política de desen-
volvimento e os critérios e objetivos de
um desenvolvimento desejável. Identifi-
cando duas vertentes políticas de inter-
pretação — a ortodoxia (que defende o
pleno emprego), e seus adversários
realistas —, Offe advoga um terceiro
caminho, que possa oferecer uma
perspectiva que foge das concepções de
“dualização às cegas” com base no
“laissez-faire” bem como da “economia
dual”, em busca de um modo ativo de
oportunidade de trabalho.
Essas considerações convergem para as
explicações apresentadas no capítulo
“O crescimento do setor de serviços”,
no qual o autor examina o crescimento
do trabalho em “serviços” nas socie-
dades industriais, desde a década de
1930. Offe traça uma análise otimista,
delineando uma sociedade automatizada
que iria controlar a produção. A ideia é
de que o trabalho em serviços que
produz produtos não materiais “não é,
ou é menos, suscetível à racionalização
técnica e organizacional se comparado
com o trabalho que produz bens”
(p. 135); segundo esse entendimento,
o trabalho de serviços não pertence
mais à esfera industrial. Esse tipo de
trabalho necessita de um equilíbrio a
ser alcançado por meio da reciprocidade
entre a “especificidade do caso” e a
“generalidade da norma” (p. 137).
Ao longo da expansão da atividade em
serviços, teria havido também uma
diminuição da taxa de acumulação do
capital, uma vez que o trabalho em
serviços possui duas racionalidades,
uma da economia industrial e outra da
mediação e da conciliação. Decorrente
disso, Offe sinaliza obstáculos ao setor
de serviços que podem limitar sua ação:
os limites econômicos que impedem o
aumento de mão de obra, a maior
mecanização e uma saturação
da demanda.
Outra análise pertinente é apresentada
no capítulo seguinte: “Trabalho: a
categoria sociológica chave?”, em que
Offe aborda as tradições clássicas da
sociedade burguesa e da marxista, em
que o ponto essencial é a “sociedade do
trabalho” (p. 167). O trabalho, como fato
social entranhado de contradições,
passou a constituir um conceito primor-
dial para se interpretar um paradigma
da sociedade burguesa consumista;
contudo, essa observação não abrange
toda a compreensão da desigualdade
social — alguns sociólogos, por exemplo,
marcam uma distinção entre um
trabalho “produtivo” e outro relativo à
esfera dos serviços. Offe, ao lado de
Habermas, defende “não como um
choque entre ‘subsistemas da ação
racional intencional’, mediado, de um
lado, pelo dinheiro e pelo poder e, por
outro, por um ‘mundo vivido’”
(p. 195), mas uma dinâmica própria das
sociedades.
O capítulo que se segue é denominado
“Diversidade de interesses e unidade
sindical”. As crises das políticas sindi-
cais são vistas no quadro de uma
movimentação dos jovens trabalhadores
para uma periferia ou mesmo para fora
do sistema de produção, o que acarreta
uma transformação de valores que
intensifica a existência do lazer e
também do desemprego. Segundo Offe,
a característica do desemprego toma um
rumo em que parece “mais uma falha ou
um risco individual do que o resultado
da ‘construção defeituosa’ de nosso
Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184
182
sistema econômico” (p. 205), algo que
levará, aos poucos, os sindicatos a não
terem apoio político e organizacional
(nem mesmo o conceito de pleno
emprego poderá ser empregado), pois
um número cada vez maior de pessoas
sairá do âmbito do mercado e da organi-
zação sindical. Em outro artigo, Offe já
apontava a questão da flexibilização do
tempo de trabalho, visto como um “bem
coletivo”, “de cujos benefícios parti-
cipem não só os empregados definidos
nos contratos coletivos, mas todos os
empregados, e além destes, os grupos
de pessoas que dependam das institui-
ções sócio-políticas” [Offe, “Flexibilização do
tempo de trabalho e representação sindical de
interesses. Problemas de regulamentação e riscos
do tempo de trabalho individualizado”, in:
Offe et al., Trabalho e sociedade: problemas estru-
turais e perspectivas para o futuro da “sociedade do
trabalho”, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1989,
p. 213]. Para o autor, é a defesa de um
trabalho útil, agregado a modificações
das orientações dos sindicatos, que
poderá reunir interesses entre emprega-
dores, produtores e consumidores.
Os grupos de interesse são por sua vez o
tema de “A atribuição de status público
aos grupos de interesse”, em que se
investigam o agente social individual,
a própria organização e o sistema social
geral. Essas organizações de interesse
(sindicatos, associações comerciais,
patronais e profissionais), ao receberem
status do poder político e passarem a
ter funções semipúblicas ou públicas
(p. 225), demonstra o modo como a
racionalidade política busca uma socie-
dade estável e organizada. Contudo,
Offe distingue dois tipos de racionali-
dade política, que informam as políticas
“conjunturais” em oposição às “estrutu-
rais” (p. 228). O aumento da intervenção
do Estado e da institucionalização
política estão correlacionados às ações
das formas corporativas, o que aponta
para a necessidade de reorganizar o
“capitalismo organizado” (p. 231). Esse
neocorporativismo é classificado por
Offe em dois grupos: os “participantes
do mercado” e os “receptores de
políticas”, ambos com ativa participação
política (p. 245-246).
O último ensaio da obra, “A democracia
contra o Estado de bem-estar? Funda-
mentos estruturais das oportunidades
políticas neoconservadoras”, surge da
necessidade de explicar a sustentação
da autoridade estatal: “Os cidadãos são
coletivamente os criadores soberanos da
autoridade estatal, são potencialmente
ameaçados pela força e coerção estatal
organizada e são dependentes dos
serviços e das provisões organizados
pelo Estado” (p. 269). O governo
democrático apresenta algumas caracte-
rísticas especificas — o sufrágio
universal, a liberdade de escolha dos
partidos, eleições gerais (p. 270) — que
estão implicadas no conceito moderno
de Estado como função “das relações
modernas entre democracia representa-
tiva e as condições de ‘garantia civil’
através do Estado do bem-estar”
(p. 271). Esse mesmo Estado de bem-
estar, entretanto, ter-se-ia tornado, para
Offe, uma atividade econômica de alto
custo para o próprio governo; em outras
palavras, o modelo do Estado do bem-
estar sofre uma falta de harmonia com a
sociedade de mercado liberal. Em outra
ocasião, Offe havia analisado a relação
entre o keynesianismo e o modelo do
bem-estar: “A intenção estratégica da
política econômica keynesiana é
promover o crescimento e o pleno
emprego, e a intenção estratégica do
welfare state é proteger aqueles que são
afetados pelos riscos e contingências da
sociedade industrial e criar uma medida
de igualdade social” [Offe, Problemas estrutu-
Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184
183
rais do Estado capitalista, Rio de Janeiro, Tempo
Brasileiro, 1984, p. 378]. Aqui ele se
aproxima de Richard Titmuss, para
quem o Estado de bem-estar é um
conjunto de “manifestações, primeiro,
do desejo de sobrevivência da sociedade
como um todo orgânico e, em segundo
lugar, do desejo expresso de todos os
indivíduos de contribuírem para a sobre-
vivência de alguns indivíduos”
(p. 278-279).
A análise crítica dos escritos de Offe
favorece a compreensão do problema
inicial da obra aqui resenhada, qual
seja, entender os procedimentos, a
organização e os meios pelos quais as
transformações contemporâneas se
deram no âmbito social, político e
econômico, e como tudo isso contribuiu
para a desorganização das democracias
capitalistas sob o pano de fundo das
contradições do Estado de bem-estar.
Para Offe, quando um Estado democrá-
tico é um Estado de bem-estar, o é não
por ter feição democrática, mas
independente disso (p. 297). O apoio
político ao Estado de bem-estar se
rarefazia não somente por causa da
crise econômica — principalmente após
a crise de 1973, que resultou da criação
da Organização dos Países Exportadores
de Petróleo (OPEP) —, mas também, em
boa medida, por falta de suporte às
políticas sociais e por causa da ascensão
do individualismo. Offe oferece uma
nova interpretação, em busca de
métodos de planejamento que os
movimentos da esquerda democrática
pudessem assumir. Os pilares de susten-
tação do “bem-estar” contemporâneo
dependeriam assim de fatores materiais
ou econômicos: do ambiente econômico
criado pelos acordos de Bretton Woods,
que promoviam sua estabilidade; do
período após a Segunda Guerra, quando
foi instaurado um processo de solidarie-
dade que promoveu políticas de orien-
tação social; do avanço das democracias
partidárias e de massa.
Offe oferece uma interpretação convin-
cente sobre o processo do Estado de
bem-estar social em alguns dos países
europeus: ao mesmo tempo em que
esses Estados procuravam atingir uma
economia regular, viram-se diante de
uma reorganização do modelo capita-
lista e do início da desradicalização
ideológica (o que se efetivaria principal-
mente após 1989). No momento em que
essa obra estava sendo escrita,
percebia-se na União Soviética um
esgotamento do marxismo tradicional,
relacionado ao movimento de globali-
zação. Em grande parte dos países
ocidentais, por sua vez, ocorria um
aumento na expectativa de vida, conco-
mitante a uma baixa na taxa de natali-
dade, e havia uma demanda por ações
ecológicas, um impulso por democracia
e desarmamento. Ao mesmo tempo, foi
um período de transformação final da
chamada Guerra Fria, quando a maior
parte dos países europeus e da América
do Norte recepcionariam o avanço
ferrenho da tecnologia nas relações
econômicas, políticas e sociais.
Elaine Cristina Senko
Doutoranda em História
Universidade Federal do Paraná
Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184
184

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Claus Offe e as relações entre democracia e capitalismo

  • 1. Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184 http://www.revistahistoria.ufba.br/2012_1/r01.pdf Claus Offe (1940-), sociólogo político alemão, nasceu em Berlim e faz parte da segunda geração da Escola de Frank- furt. Influenciado por uma tendência marxista e pela teoria discursiva de Jürgen Habermas, ampliou de modo considerável a perspectiva política de se compreender o Estado e a economia contemporânea, além de se dedicar aos estudos sobre as relações entre democracia e capitalismo. No momento presente, leciona em uma instituição privada de Berlim, a Hertie School of Governance. O fio condutor das obras de Offe passa pelos problemas da relação entre poder social e autoridade política, em torno dos quais escreveu, entre outros, Problemas estruturais do Estado capitalista (1984), Trabalho e sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da “socie- dade de trabalho” (1989, com outros autores), além do conjunto de ensaios objeto da presente resenha. Organizado em 1985, a partir da reunião de diversos ensaios, o livro tem por objetivo entender os procedimentos, a organização e os meios que oferecem um equilíbrio entre o poder social e a autoridade política institucionalizada, bem como identificar os procedimentos que propiciam uma desorganização nas democracias capitalistas que participam do Estado de bem-estar social. Offe explicita seu pensamento acadêmico nessa obra, seguindo alguns pontos da teoria de Habermas, para a qual a reali- dade pode ser apreendida através da observação sobre a falibilidade do planejamento de ações. Adaptando essa ideia ao campo político-econômico, Offe apresenta as relações entre democracia e capitalismo num contexto ainda marcado pela Guerra Fria. Nesse sentido, sinaliza a ação legitimadora do Estado, na situação do pós-1945, quando a máquina burocrática tentou evitar as crises econômicas e sociais tomando como ponto de equilíbrio o mercado de trabalho. Nesse período foi implementada a teoria keynesiana (formulada na década de 1930), para a qual o planejamento do Estado deveria prever o bem-estar social mediante a lógica das tensões sociais e do mercado. Nos Estados Unidos era baixa a tensão social, mas nos países europeus capita- listas a politização sempre foi intensa, devido à prática de intervenção dos cidadãos e da ação social. A classe operária europeia se beneficiou do boom econômico pós-45 e o Estado de bem-estar era visto como uma conquista social. Offe afirma que a sociologia política está preocupada com o processo de formação do mercado de trabalho, que se deu através do fortalecimento de poder e de rupturas — ou seja, não ocorreu um amplo movimento de classes tendo por foco a extinção do paradigma “merca- doria” para a força de trabalho. A divisão da classe trabalhadora apresenta-se não apenas na dicotomia clássica do empregador-empregado, mas dentro do próprio grupo. Segundo Offe, a classe trabalhadora era separada entre os que participam efetivamente do Claus Offe. Capitalismo desorganizado: transformações contemporâneas do trabalho e da política. São Paulo, Brasiliense, 1989. 322 p. ISBN 85-1109-048-7.
  • 2. mercado de trabalho (patrões e empre- gados) e os indivíduos que vivem à sua margem, em torno de instituições pertencentes ao Estado e à família. A autoridade estatal costuma ser tradicio- nalmente interpretada em uma perspec- tiva weberiana de modos e meios do exercício de funções do poder (racional, tradicional, carismático) ou por uma abordagem marxista. Offe, porém, inter- preta o Estado, de certa maneira, como um acúmulo de poder que conduz a uma governabilidade. Essa posição do Estado, por sua vez, passa a ser avaliada pela esfera pública, local de ação dos cidadãos (e aqui é oportuno lembrar Habermas, que sustenta que um dos principais meios dessa esfera pública são os veículos de informação). O Estado moderno para Offe trança uma rede de relações complexas, “que não podem ser reduzidas a um mero reflexo da matriz do poder social, nem conside- radas como parte de uma multiplicidade ilimitada de funções potenciais do Estado” (p. 11). O processo de desenvol- vimento desse Estado seria determinado por quatro critérios: 1) o Estado deve garantir a paz social; 2) o Estado, enquanto autoridade legítima, promove os direitos de cidadania; 3) o funda- mento da legitimidade do Estado está na ação ativa da cidadania; 4) cabem ao Estado, como funções legítimas, a distri- buição de recursos e a administração da sociedade (paradigma do Estado de bem-estar keynesiano). Esses critérios se associam a uma definição da função do Estado: “regular a relação entre a sociedade civil e sua matriz do poder social e o Estado e a autoridade política” (p. 12). Faz-se necessário, nessa ordem de ação, o equilíbrio entre as forças sociais e as funções políticas. As democracias capitalistas do Estado de bem-estar enfrentam o problema da fusão dessas duas esferas, em que a sociedade civil influencia a autoridade política, ao passo em que, concomitante- mente (tal como quer Habermas), os meios de comunicação aliados ao Estado alcançam a sociedade civil — os agentes coletivos dessa relação sendo os partidos políticos ou elites parti- dárias (p. 15). No capítulo intitulado “A economia política do mercado de trabalho”, Offe inquire as características das crises econômicas, estas que produzem desem- prego e subemprego como fenômenos de massa (p. 19). O Estado de bem-estar social deve, quando isso ocorre, sustentar financeiramente através de um programa social os desempregados (Offe critica esse gasto financeiro efeti- vamente pago pelo próprio Estado). Por outro lado, a questão do pleno emprego, defendida pelos sindicatos, é vista por Offe como “coalizões de vendedores da força de trabalho” (p. 20), que ademais exercem pressão política necessária sobre parlamentos, governos e partidos políticos. A esses dois fatores soma-se o problema do estruturado desemprego, que é intrínseco às economias capita- listas contemporâneas da América do Norte e dos países europeus do Ocidente. O objetivo de Offe nesse ensaio de abertura do livro é expor a distribuição desigual dos riscos do mercado de trabalho entre grupos diversos (p. 21). Essa distribuição desigual aparece como um dos riscos inerentes ao mercado de trabalho, devido à sobreposição dos diversos grupos sociais. As políticas do mercado favorecem grupos específicos que possuem características concedidas socialmente; no entanto, segundo Offe, desde a década de 1960, nos países europeus ocidentais, esse favorecimento foi sendo transferido para segmentos Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184 180
  • 3. definidos por “ocupação, setor, idade, sexo e área” (p. 22). O mercado de trabalho nas sociedades capitalistas deve funcionar conforme a solução dada ao problema de alocação, conforme se demonstra quando o sistema de produção recebe o trabalho necessário, ao mesmo tempo em que a força de trabalho deve ser mantida pela renda e proporcionar um status social. Os vendedores de força de trabalho devem-se valer da concorrência dentro de suas próprias habilidades, da solida- riedade interna e da discriminação externa. É necessário, entretanto, de acordo com Offe, fazer uma distinção entre mercadoria e força de trabalho: “uma particularidade inicialmente importante da força de trabalho é que ao mesmo tempo que, de fato, é tratada como uma mercadoria no mercado, entra neste por razões diferentes” (p. 27-28). Enfim, a força de trabalho depende de um modo de subsistência adequado, e o denominado seguro- desemprego passa a integrar uma decisão do trabalhador para avaliar a demanda e a oferta por sua mão de obra específica. As relações entre compra- dores e vendedores no mercado de trabalho se firmam através dos contratos de trabalho; no entanto, esse acordo não é imóvel: “O valor de uso que uma empresa extrai da força de trabalho está quantitativamente e quali- tativamente vinculado à subjetividade do trabalhador” (p. 35) — dessa forma, não se pode negar que ocorram conflitos, e a busca por um equilíbrio nestas relações dentro do mercado de trabalho. Offe classifica o pertencimento à força de trabalho em quatro catego- rias: os “inativos” (com um subgrupo de “desempregados disfarçados”); os desempregados registrados; os que estão no mercado de trabalho; e os independentes ou autônomos. Uma das vantagens dessa categorização é a de demonstrar como o mercado de trabalho é uma relação social de poder. Offe destaca ainda que os sindicatos incidem sobre essa relação, entrando em cena para delimitar quem pode participar como vendedor de sua mão de obra, buscando um equilíbrio entre a oferta e a demanda. Entretanto, surgem os “grupos-problema”: envolvidos em relações de força e controle, estão fora do mercado ou indiretamente ligados a ele, o que aponta para a ação do Estado, que pode ampliar o poder do mercado. As perspectivas de então para o mercado de trabalho são tratadas no segundo capítulo, “O futuro do mercado de trabalho”. Aqui Offe começa por explicitar uma premissa de seu pensa- mento: a de que o trabalhador não pode ser propriedade e nem possuir uma propriedade; ou seja, a força de trabalho é uma mercadoria fictícia, diferente da mercadoria genuína que se negocia no mercado. Historiando o mercado de trabalho, Offe aponta para o colapso do modelo keynesiano e uma desagregação da ética do trabalho na década de 1970 (p. 80); a partir de então o desemprego passou a depender das mudanças tecno- lógicas de substituição ou aperfeiçoa- mento de mão de obra, o que contribuiu para que as perspectivas do mercado se direcionassem a escolhas entre diferentes modos de alocação de trabalho e renda. Por outro lado, as medidas da previdência social dependem do mercado de trabalho estável. Para Offe, quanto maior a proteção fornecida ao trabalhador, menor é o desejo do empregador em manter o emprego, o que resulta na emergência da atividade informal — contrariamente à posição dos sindicatos, Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184 181
  • 4. Offe sustenta que esse modelo de ativi- dade é útil para não sobrecarregar o mercado. No capítulo “Três perspectivas para o problema do desemprego”, Offe aborda o futuro do trabalho, a política de desen- volvimento e os critérios e objetivos de um desenvolvimento desejável. Identifi- cando duas vertentes políticas de inter- pretação — a ortodoxia (que defende o pleno emprego), e seus adversários realistas —, Offe advoga um terceiro caminho, que possa oferecer uma perspectiva que foge das concepções de “dualização às cegas” com base no “laissez-faire” bem como da “economia dual”, em busca de um modo ativo de oportunidade de trabalho. Essas considerações convergem para as explicações apresentadas no capítulo “O crescimento do setor de serviços”, no qual o autor examina o crescimento do trabalho em “serviços” nas socie- dades industriais, desde a década de 1930. Offe traça uma análise otimista, delineando uma sociedade automatizada que iria controlar a produção. A ideia é de que o trabalho em serviços que produz produtos não materiais “não é, ou é menos, suscetível à racionalização técnica e organizacional se comparado com o trabalho que produz bens” (p. 135); segundo esse entendimento, o trabalho de serviços não pertence mais à esfera industrial. Esse tipo de trabalho necessita de um equilíbrio a ser alcançado por meio da reciprocidade entre a “especificidade do caso” e a “generalidade da norma” (p. 137). Ao longo da expansão da atividade em serviços, teria havido também uma diminuição da taxa de acumulação do capital, uma vez que o trabalho em serviços possui duas racionalidades, uma da economia industrial e outra da mediação e da conciliação. Decorrente disso, Offe sinaliza obstáculos ao setor de serviços que podem limitar sua ação: os limites econômicos que impedem o aumento de mão de obra, a maior mecanização e uma saturação da demanda. Outra análise pertinente é apresentada no capítulo seguinte: “Trabalho: a categoria sociológica chave?”, em que Offe aborda as tradições clássicas da sociedade burguesa e da marxista, em que o ponto essencial é a “sociedade do trabalho” (p. 167). O trabalho, como fato social entranhado de contradições, passou a constituir um conceito primor- dial para se interpretar um paradigma da sociedade burguesa consumista; contudo, essa observação não abrange toda a compreensão da desigualdade social — alguns sociólogos, por exemplo, marcam uma distinção entre um trabalho “produtivo” e outro relativo à esfera dos serviços. Offe, ao lado de Habermas, defende “não como um choque entre ‘subsistemas da ação racional intencional’, mediado, de um lado, pelo dinheiro e pelo poder e, por outro, por um ‘mundo vivido’” (p. 195), mas uma dinâmica própria das sociedades. O capítulo que se segue é denominado “Diversidade de interesses e unidade sindical”. As crises das políticas sindi- cais são vistas no quadro de uma movimentação dos jovens trabalhadores para uma periferia ou mesmo para fora do sistema de produção, o que acarreta uma transformação de valores que intensifica a existência do lazer e também do desemprego. Segundo Offe, a característica do desemprego toma um rumo em que parece “mais uma falha ou um risco individual do que o resultado da ‘construção defeituosa’ de nosso Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184 182
  • 5. sistema econômico” (p. 205), algo que levará, aos poucos, os sindicatos a não terem apoio político e organizacional (nem mesmo o conceito de pleno emprego poderá ser empregado), pois um número cada vez maior de pessoas sairá do âmbito do mercado e da organi- zação sindical. Em outro artigo, Offe já apontava a questão da flexibilização do tempo de trabalho, visto como um “bem coletivo”, “de cujos benefícios parti- cipem não só os empregados definidos nos contratos coletivos, mas todos os empregados, e além destes, os grupos de pessoas que dependam das institui- ções sócio-políticas” [Offe, “Flexibilização do tempo de trabalho e representação sindical de interesses. Problemas de regulamentação e riscos do tempo de trabalho individualizado”, in: Offe et al., Trabalho e sociedade: problemas estru- turais e perspectivas para o futuro da “sociedade do trabalho”, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1989, p. 213]. Para o autor, é a defesa de um trabalho útil, agregado a modificações das orientações dos sindicatos, que poderá reunir interesses entre emprega- dores, produtores e consumidores. Os grupos de interesse são por sua vez o tema de “A atribuição de status público aos grupos de interesse”, em que se investigam o agente social individual, a própria organização e o sistema social geral. Essas organizações de interesse (sindicatos, associações comerciais, patronais e profissionais), ao receberem status do poder político e passarem a ter funções semipúblicas ou públicas (p. 225), demonstra o modo como a racionalidade política busca uma socie- dade estável e organizada. Contudo, Offe distingue dois tipos de racionali- dade política, que informam as políticas “conjunturais” em oposição às “estrutu- rais” (p. 228). O aumento da intervenção do Estado e da institucionalização política estão correlacionados às ações das formas corporativas, o que aponta para a necessidade de reorganizar o “capitalismo organizado” (p. 231). Esse neocorporativismo é classificado por Offe em dois grupos: os “participantes do mercado” e os “receptores de políticas”, ambos com ativa participação política (p. 245-246). O último ensaio da obra, “A democracia contra o Estado de bem-estar? Funda- mentos estruturais das oportunidades políticas neoconservadoras”, surge da necessidade de explicar a sustentação da autoridade estatal: “Os cidadãos são coletivamente os criadores soberanos da autoridade estatal, são potencialmente ameaçados pela força e coerção estatal organizada e são dependentes dos serviços e das provisões organizados pelo Estado” (p. 269). O governo democrático apresenta algumas caracte- rísticas especificas — o sufrágio universal, a liberdade de escolha dos partidos, eleições gerais (p. 270) — que estão implicadas no conceito moderno de Estado como função “das relações modernas entre democracia representa- tiva e as condições de ‘garantia civil’ através do Estado do bem-estar” (p. 271). Esse mesmo Estado de bem- estar, entretanto, ter-se-ia tornado, para Offe, uma atividade econômica de alto custo para o próprio governo; em outras palavras, o modelo do Estado do bem- estar sofre uma falta de harmonia com a sociedade de mercado liberal. Em outra ocasião, Offe havia analisado a relação entre o keynesianismo e o modelo do bem-estar: “A intenção estratégica da política econômica keynesiana é promover o crescimento e o pleno emprego, e a intenção estratégica do welfare state é proteger aqueles que são afetados pelos riscos e contingências da sociedade industrial e criar uma medida de igualdade social” [Offe, Problemas estrutu- Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184 183
  • 6. rais do Estado capitalista, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, p. 378]. Aqui ele se aproxima de Richard Titmuss, para quem o Estado de bem-estar é um conjunto de “manifestações, primeiro, do desejo de sobrevivência da sociedade como um todo orgânico e, em segundo lugar, do desejo expresso de todos os indivíduos de contribuírem para a sobre- vivência de alguns indivíduos” (p. 278-279). A análise crítica dos escritos de Offe favorece a compreensão do problema inicial da obra aqui resenhada, qual seja, entender os procedimentos, a organização e os meios pelos quais as transformações contemporâneas se deram no âmbito social, político e econômico, e como tudo isso contribuiu para a desorganização das democracias capitalistas sob o pano de fundo das contradições do Estado de bem-estar. Para Offe, quando um Estado democrá- tico é um Estado de bem-estar, o é não por ter feição democrática, mas independente disso (p. 297). O apoio político ao Estado de bem-estar se rarefazia não somente por causa da crise econômica — principalmente após a crise de 1973, que resultou da criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) —, mas também, em boa medida, por falta de suporte às políticas sociais e por causa da ascensão do individualismo. Offe oferece uma nova interpretação, em busca de métodos de planejamento que os movimentos da esquerda democrática pudessem assumir. Os pilares de susten- tação do “bem-estar” contemporâneo dependeriam assim de fatores materiais ou econômicos: do ambiente econômico criado pelos acordos de Bretton Woods, que promoviam sua estabilidade; do período após a Segunda Guerra, quando foi instaurado um processo de solidarie- dade que promoveu políticas de orien- tação social; do avanço das democracias partidárias e de massa. Offe oferece uma interpretação convin- cente sobre o processo do Estado de bem-estar social em alguns dos países europeus: ao mesmo tempo em que esses Estados procuravam atingir uma economia regular, viram-se diante de uma reorganização do modelo capita- lista e do início da desradicalização ideológica (o que se efetivaria principal- mente após 1989). No momento em que essa obra estava sendo escrita, percebia-se na União Soviética um esgotamento do marxismo tradicional, relacionado ao movimento de globali- zação. Em grande parte dos países ocidentais, por sua vez, ocorria um aumento na expectativa de vida, conco- mitante a uma baixa na taxa de natali- dade, e havia uma demanda por ações ecológicas, um impulso por democracia e desarmamento. Ao mesmo tempo, foi um período de transformação final da chamada Guerra Fria, quando a maior parte dos países europeus e da América do Norte recepcionariam o avanço ferrenho da tecnologia nas relações econômicas, políticas e sociais. Elaine Cristina Senko Doutoranda em História Universidade Federal do Paraná Revista de História, 4, 1 (2012), p. 179-184 184