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José Carlos S. de Almeida




Filosofia – 10º ano
   Sumários desenvolvidos




                   Ano lectivo de 2011/2012
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                               FILOSOFIA – 10º ano

                              Programa / Conteúdos



- Abordagem introdutória à Filosofia e ao filosofar
- A acção humana: análise e compreensão do agir
- Os valores: análise e compreensão da experiência valorativa
- Dimensões da acção humana e dos valores: a Ética e a
Política
- Dimensões da acção humana e dos valores: a Estética
- Temas / problemas do mundo contemporâneo




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Índice

O que é a Filosofia? O que é filosofar?
§1. A definição de filosofia
§2. O que nos diz a etimologia da palavra ‗filosofia‘
§3. – A. Do mito aos primeiros filósofos. O mito enquanto primeiro ensaio duma tentativa de descrição e
explicação quase racional do real
§3. A filosofia é filha da polis
§4. O filósofo, distraído ou preocupado?
§5. A alegoria da caverna de Platão e a atitude filosófica
§5. A - Características da atitude filosófica
§6. Historicidade
§7. Radicalidade
§7-A. Universalidade
§8. Autonomia em relação à ciência e à religião
§9. O carácter discursivo do trabalho filosófico
§10. Filosofar é argumentar
§11. Áreas e temas abrangidos pela Filosofia

O homem construindo-se através da ação
§12. O que leva o homem a agir
§13. Sentidos usados na linguagem quotidiana que não deverão ser considerados neste âmbito
§14. A ação humana constitui uma intervenção planeada e pensada
§14-A. Devemos distinguir o plano do agir do plano do acontecer e a ação da reação
§15. A consciência e a vontade são elementos que caracterizam necessariamente a ação humana
§16. A importância da presença dos elementos consciência e vontade no agir do homem
§17. Movimento / acontecimento e ação
§18. A rede conceptual da ação: ação intencionada e ação causada
§19. Perspectiva determinista e perspetiva baseada na ação intencionada
§20. Combinando causas e intenções; o homem é simultaneamente livre e determinado
§21. Acções voluntárias, atos involuntários e reflexos
§22. O agente da ação e a relação causal
§23. O estabelecimento de um motivo responde ao porquê e explica e legitima a ação
§24. Intenção e motivo

§25. O trabalho humano e a atividade dos animais
§26. O trabalho enquanto forma particular de ação. Trabalho e projecto

§27. Ação livre e responsabilidade
§28. A culpa
§29. Algumas notas sobre o existencialismo
§30. Classificação das várias condicionantes da ação humana
§31. Diversos tipos de determinismo
§31 – A. A crença no destino como forma de determinismo
§32. Consciência, vontade e responsabilidade

O mundo não é indiferente ao homem: os valores
§33. O que são os valores
§34. O percurso da ação aos valores
§35. Não há ações gratuitas, isto é, sem a presença dos valores
§36. Características dos valores

A experiência ética e política da vida e do mundo
§38. Relativismo moral e relativismo cultural e tolerância
§39. A dimensão da ética e da moral
§39 – A. Distinguir ética e moral
§39 – B. Distinguir moral e religião
§40. Intenção e norma
§41. Distinção conceptual entre moral e ética – quadro-resumo
§42. Dimensão pessoal e social – o si mesmo, o outro e as instituições



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§43. Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva deontológica de Kant
§44. Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva consequencialista de Stuart Mill
§44 – A. Confronto entre as teorias deontológicas e as teorias consequencialistas
§45. A relação entre a ética, o direito e a política
§46. O Estado enquanto problema da filosofia política
§47. O homem e o Estado: a perspetiva clássica: Aristóteles
§48. O homem e o Estado: a perspetiva contratualista moderna: John Locke – do estado de natureza à
natureza do Estado
§49. A teoria da justiça de John Rawls
§49 – 1. Conflito e cooperação nas sociedades contemporâneas; a relação entre a liberdade e a igualdade
§49 – 2. Rawls critica o utilitarismo
§49 – 3. A escolha racional dos princípios da justiça

A experiência estética da vida e do mundo
§50. A experiência estética
§50 – 1. Quando um acontecimento se torna numa experiência para o sujeito
§50 – 2. Caraterização da experiência estética
§50 – 3. Atitude e sensibilidade estéticas
§50 – 4. Objetivismo e subjetivismo na experiência estética
§50 – 5. Teorias acerca da natureza da Arte e da obra de arte




Nota
         Estes sumários desenvolvidos constituem um determinado momento no nosso trabalho que passa
também pela nossa investigação e reflexão e pelo diálogo mais ou menos frutuoso com os alunos. Enquanto
representam um momento desse trabalho, estarão sempre sujeitos a serem revistos e substituídos por outros
textos considerados mais ajustados ao fim em vista. Trata-se de um texto em permanente reelaboração e
reconstrução, mas não é esse o destino de qualquer texto de cariz ensaístico? 1




1   Sobre a natureza do ensaio, ver Fernando Savater, ***** e Eduardo Prado Coelho, ******.


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          §1.
          A definição da filosofia
          O início da aventura filosófica é sempre marcado por uma pergunta fatal: o que é a
filosofia? Ninguém gosta de embarcar numa viagem sem saber para onde vai, sem saber o
que vai encontrar. De qualquer modo, perguntar sobre o que é a filosofia sempre é uma
questão mais interessante que perguntar sobre para que é que serve a filosofia. No entanto, há
também quem faça essa pergunta sobre a utilidade da filosofia. Ora, quando soubermos o
que é a filosofia, também chegaremos à resposta sobre a sua utilidade. O que não podemos
fazer é condicionar a pergunta sobre o que é à pergunta para que é que serve. O problema
da utilidade da Filosofia não se situa no mesmo plano que perguntar pela utilidade dum
chapéu-de-chuva ou duma estrada.
          Há quem considere que o primeiro problema da Filosofia é a questão da definição
de Filosofia. E o problema adensa-se porque não existe uma resposta única a esta questão,
como também poderíamos dizer que esta questão não tem sentido no caso da Filosofia.
Saber o que é a Filosofia é um dos seus primeiros problemas. Existem várias respostas a
esta questão, respostas que têm variado de filósofo para filósofo, de época para época. De
tal maneira que seria mais rigoroso falar de Filosofias do que de Filosofia.
          Contudo, apesar dessa variação e variedade em torno da resposta à pergunta sobre
o que é a Filosofia, variação e variedade que também existe acerca do valor da filosofia,
podemos avançar com algumas ideias muito gerais sobre o que possa ser a filosofia, sendo
certo que cada um irá construindo a sua visão pessoal do que é a filosofia.
          Assim, poderíamos dizer, em primeiro lugar, que a Filosofia constitui-se como uma
reflexão racional e crítica sobre os problemas fundamentais da condição humana
considerada em si mesma e do homem face aos seus semelhantes e à realidade. Uma
reflexão sobre o homem na sua universalidade, mesmo que partindo duma situação
concreta e particular em que sempre se encontra. Trata-se de uma definição que é proposta
neste momento, suficientemente vaga e provisória, para que cada um a vá enriquecendo ao
longo deste caminho. É que, por outro lado, como dizia o poeta espanhol António
Machado, não existem caminhos, fazem-se a caminhar.

        §2.
         O que nos diz a etimologia da palavra filosofia
        Uma das maneiras de esclarecermos o significado duma palavra ou dum conceito é
compreendermos a origem e evolução dessa palavra. A etimologia da palavra filosofia diz-
nos que filosofia significa, originalmente, amor da sabedoria (filos + sofia). Repare-se que
não se diz que tipo de sabedoria é, nem que a filosofia consiste na posse do saber. O que a
etimologia nos diz é que a filosofia é, sobretudo, amor ou amizade pelo saber2, movimento
ou trânsito para o saber, caminhar na direcção do saber e não propriamente um instalar-se
no seio do próprio saber, isto é, possuir o saber. Sublinha-se, deste modo, o caminho ou o
processo, a aventura em direção ao saber, e não tanto o resultado ou ponto de chegada. E
não será a desmesurada ânsia por chegar a qualquer lado uma forma de nos
desinteressarmos ou não estarmos atentos às maravilhas do caminho? Se ao
empreendermos uma viagem estivermos obcecados pelo ponto de chegada, pelo destino,
não teremos olhos para as paisagens que acompanharão a viagem, para a viagem em si
mesma3.


2 O amor ou amizade deve ser entendido no contexto da cultura grega antiga.
3 Vale a pena, a este propósito, ler o poema Ítaca de Constantin Cavafy. Estabelecendo um paralelo entre a
Ítaca e a filosofia, poderemos dizer que, se no fim da viagem, achares pobre a filosofia, deverás contudo
compreender que foi graças à Filosofia que te puseste a caminho e assim adquiriste as riquezas que foste
encontrando e comerciando nos portos que visitaste. A pobre Filosofia ter-te-á dado a maior riqueza: a


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        §3 – A.
        Do mito aos primeiros filósofos. O mito enquanto primeiro ensaio duma
tentativa de descrição e explicação quase racional do real
        O mundo sempre foi fonte de curiosidade e inquietação. Olhando à sua volta, são
muitas as perguntas que surgem no espírito do homem. Uma dessas perguntas prende-se
com a origem e funcionamento da realidade. Desde muito cedo que o homem se
interrogou sobre como tudo teria começado. Observando a realidade, as coisas vivas que
nascem e morrem, desde logo conclui que tudo tem um início, que as coisas evoluem, vão
ganhando novas formas. Também deverá ter sido assim com o meio envolvente. Por isso,
desde muito cedo que os homens procuraram explicar a realidade, fornecer um sentido aos
múltiplos acontecimentos que ocorriam à sua volta. As condições rudimentares dessas
primeiras tentativas de resposta, levaram os homens a fazer intervir nesses ensaios
explicativos seres fabulosos, dotados de capacidades extraordinárias e mágicas. Nas
primeiras explicações do mundo, os homens recorrem aos feitos fabulosos dos deuses e
aos atos criadores dos heróis, de figuras sobre-humanas, dotadas de poderes sobre-
humanos. Os mitos são, precisamente, tentativas de explicação da origem quer do mundo
(mitos cosmogónicos), quer de outras formas particulares de existência, mas de importância
vital para a comunidade, como por exemplo, a origem do homem, duma aldeia, dum rio,
duma montanha, da chuva. Essas tentativas de descrição e explicação têm de particular a
intervenção de seres fabulosos.
        No caso dos mitos cosmogónicos, o que aí se tenta descrever e explicar é a origem
do mundo que, em muitos casos, é o resultado duma luta primordial entre as forças do mal
e as forças do bem, entre o caos e cosmos, a desordem e a ordem. Essas explicações
fantásticas são perfeitamente assumidas e vividas, na medida em que descrevem a vitória da
ordem e o mundo está aí para demonstrar a vitória dos deuses e do mundo ordenado.
A descrição da origem do mundo que é feita no Livro do Génesis do Velho Testamento é um
bom exemplo dum mito cosmogónico.

        §3.
        A Filosofia é filha da polis
        A Filosofia, segundo a generalidade dos autores e pensando no mundo ocidental,
nasceu na Grécia Antiga por volta dos séculos ****. Ora, isto deve-nos colocar a seguinte
questão: porquê na Grécia e não noutro lugar da Europa? O que há assim de especial com
a Grécia daquele tempo que fez com que nesse sítio, num determinado momento, se
começasse a produzir uma reflexão que consideramos ser a origem da Filosofia, quando
não já a própria filosofia?
        Vários factores contribuíram para isso, desde condições políticas e culturais, até
factores geográficos. O extraordinário florescimento cultural que ocorreu durante a época
que corresponde àquilo que ficou conhecido como o ‗milagre grego‘, o extraordinário
desenvolvimento da literatura, da cultura e arquitectura e do teatro, o fim da guerra com os
Persas instituindo um duradouro período de paz social e o desenvolvimento da
democracia, regime político que, apesar das suas limitações, favorece a expressão e a troca
de ideias.
        A situação geográfica da Grécia também favoreceu o desenvolvimento da filosofia.
Se o Mediterrâneo era o ‗umbigo‘ do mundo, a Grécia, ou o Mar Egeu, ocupava um lugar
central nesse mesmo umbigo, situando-se no cruzamento de rotas comerciais oriundas do

viagem com tudo o que vai acontecendo no caminho e que só poderemos fruir se não partirmos com ideias
preconcebidas sobre o que iremos encontrar.


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norte de África, Próximo Oriente e Península Ibérica, ligando três continentes. O grego
esteve pois, desde sempre, em contacto com outras comunidades, outras culturas, outras
ideias. O comércio das coisas também significou o comércio das ideias. O contacto com
outros povos e outros costumes tornou-o mais aberto para a diferença e mais flexível em
relação àqueles que eram diferentes e pensavam de modo diferente, com os seus hábitos e
costumes próprios. Este contacto com a diferença também deve ter espicaçado a sua
curiosidade e a sua vontade de reflectir sobre esse mundo novo. Por outro lado, uma
extensa linha de costa, um território completamente exposto ao mar e virado para fora,
onde o homem era, por natureza, um ser dado à comunicação, iluminado por uma luz solar
que favorecia o desenvolvimento da racionalidade, tudo estes factores geográficos e
climáticos também favoreceram o eclodir dum pensar curioso, crítico e racional4. Todos
nós, uma vez ou outra, devemos ter sentido esse apelo do mar para a reflexão. Diante do
mar, contemplando o movimento das suas ondas, essa eterna impermanência e
diferenciação constante que é ao mesmo tempo identidade e diferença, uma continuidade
diferenciante, uma identidade que se mantém através da sua presença simultaneamente
diferente e igual, é impossível que o Grego se mantivesse indiferente e não sentisse o
aguilhão da curiosidade e o impulso para pensar. Diante da extensa linha do horizonte,
contemplando o mar e essa longínqua linha, cujo espaço para lá dessa linha interpela o
homem curioso, somos levados a pensar no que está e existe para lá do que é visível.
        Finalmente, a polis, a cidade, verdadeiro espaço emancipador, criou e alargou os
espaços públicos de discussão e deliberação democráticos, onde se reflectia sobre a essência
do homem e da comunidade, os seus problemas, o seu futuro e o que, nesse sentido, se
devia fazer, determinando o surgimento duma nova atitude racional e crítica e dum novo
saber que se foi delineando como filosófico.

        §4.
        O filósofo, distraído ou preocupado?
        Num dos textos da Grécia Antiga onde pela primeira vez se refere a filosofia 5,
descrevem-se umas festas tradicionais, onde apareciam uns homens que vinham vender
mercadorias, outros que vinham comprar e, finalmente, havia uma terceira classe de
indivíduos que não vinham fazer nem uma coisa, nem outra: estes eram os filósofos. Deste
modo, caracterizam-se os filósofos como alguém desinteressado, que não está preocupado
com os interesses materiais. A ideia que relaciona a filosofia e a sua gratuitidade com um
certo desinteresse em relação às preocupações materiais está também, de certa maneira,
presente numa anedota que se contava acerca de um dos primeiros filósofos, Tales de
Mileto6. Contava-se que este sábio, andando tão distraído com certos problemas que o
levavam a caminhar de cabeça no ar, não reparou num poço que estava diante de si e
acabou por cair lá. Queria-se, com essa história, dizer que o filósofo era um indivíduo tão
distraído com problemas transcendentes que nem reparava num elementar obstáculo
colocado aos seus pés. Não contestamos esta interpretação, porque acerca do mesmo Tales
de Mileto também se contou que, observando constantemente os astros celestes (chegou a
prever um eclipse), conseguiu antecipar um ano de extraordinária produção de azeitona,
pelo que procedeu ao aluguer de todos os lagares de azeite da cidade. Aquando da colheita
das azeitonas e tendo-se verificado esse extraordinário aumento da produção, os

4 Para alguns autores, o surgimento duma cultura predominantemente ligada à escrita também é determinante
para o eclodir do pensamento racional filosófico. As culturas marcadas pela predominância da oralidade, não
conseguem estabelecer uma distância suficiente entre o texto e as condições da sua enunciação, estando assim
demasiado marcado afectivamente pelas circunstâncias que rodearam a sua enunciação. Cf. a este propósito,
Pierre LÉVY, As tecnologias da inteligência, Lisboa, Instituto Piaget, pp. 118-119.
5 Trata-se um texto de origem pitagórica.
6 Curta biografia de Tales de Mileto, um dos sete sábios da Grécia Antiga.




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agricultores foram ter com Tales para que este lhes subalugasse os lagares de azeite, onde
iriam colocar essa produção. Deste modo, Tales acabou por ganhar muito dinheiro. Ora,
daqui também se pode concluir que, de facto e aos olhos dos outros, talvez parecesse que
Tales andasse distraído ao olhar para o céu; o problema é que os outros não conseguiram
ver o que ele via e por isso não conseguiram prever esse bom ano agrícola. Enquanto Tales
fazia previsões acertadas, os seus contemporâneos só conseguiam ver que ele andava
distraído!7 Ou então, como se afirma num provérbio chinês, enquanto o sábio com o dedo
para a Lua, o tolo apenas olha para a ponta do dedo. Tales olhava para a Lua, mas os seus
conterrâneos, que se julgavam muito espertos, apenas viam nisso um comportamento
bizarro.
        Isto deve-nos levar a uma ideia importante sobre a Filosofia. É que esta, mesmo
que nos pareça estranha8, tem a ver com a realidade e, sobretudo, com a nossa vida. Apesar
da sua estranheza, convenhamos que uma fórmula matemática, com os seus símbolos
esquisitos, é bem mais estranha. Só não o achamos, porque sabemos que com a matemática
se podem construir pontes e casas. Essa utilidade imediata, afasta logo qualquer ideia sobre
o carácter estranho e abstracto da matemática. Ora, a filosofia não tem a ver com pontes e
casas, mas com as pessoas que habitam as casas e passam nas pontes. E, de certo modo,
também poderemos dizer que a Filosofia também tem a ver com pontes, a Filosofia
permite lançar pontes entre o passado e o futuro, entre o oriente e o ocidente, o individuo
concreto e o Homem na sua universalidade. Pontes bem importantes, por sinal!

         §5.
         A alegoria da caverna de Platão e a atitude filosófica
         Recordemos o que nos conta Platão a alegoria da caverna do livro VII da República.
Em primeiro lugar deparamos com um grupo de homens agrilhoados no fundo de uma
caverna, habituados a contemplar as sombras que iam sendo projetadas na parede de fundo
para a qual estavam virados desde sempre. Esses homens, os prisioneiros da caverna,
viviam numa situação ilusória, pois tomavam essas sombras como a única autêntica
realidade existente. No entanto, as sombras eram o reflexo da realidade exterior à caverna,
de homens e mulheres que passavam no exterior. As sombras eram imagens,
representações empobrecidas (não eram a cores, não possuíam densidade) da verdadeira
realidade. Os prisioneiros viviam iludidos, enganados quanto à verdadeira natureza da
realidade. Consideravam que era real o que era apenas reflexo do real. Até que um desses
prisioneiros se liberta.
         O prisioneiro liberta-se quer dos grilhões que o acorrentavam permitindo que ele
iniciasse a caminhada difícil para o exterior, como também se vai libertando, agora num
ritmo mais demorado, da ilusão em que vivia, simbolizado pelo mundo semi-obscuro em
que estava(m) mergulhado(s). A sua libertação é uma caminhada em direção à verdadeira
realidade, o mundo exterior à caverna, que irão proporcionar um conhecimento verdadeiro.
À realidade autêntica corresponde um conhecimento verdadeiro, tal como à realidade
ilusória correspondia um conhecimento iludido. É uma caminhada para a luz, de tal modo
que terá, no início, dificuldade em enfrentar a luz. Platão quer-nos assim chamar a atenção
para as naturais dificuldades que residem na via do saber; conhecer é uma tarefa árdua,
porque neste caso corresponde também a enfrentar e a superar as ilusões com que se tinha
desde sempre vivido. É muito complicado ter que abandonar as nossas certezas e
convicções que se tinha sobre o mundo em que se vivia.
         No entanto, o prisioneiro que se liberta e ascende ao mundo exterior contempla
com admiração e gozo a verdadeira realidade. Até o seu próprio rosto é contemplado pela

7
    Como recordava Goethe, ninguém consegue ser herói para o seu criado de quarto!
8
    Também se poderia dizer sobre a Filosofia que primeiro estranha-se, depois entranha-se!


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primeira vez. A célebre divisa de Sócrates, conhece-te a ti mesmo, é aqui evocada através
desse momento original em que o prisioneiro vê, pela primeira vez, a si mesmo, descobre a
figura do seu rosto. Este prisioneiro que chega ao verdadeiro mundo e ao verdadeiro
conhecimento representa a figura do filósofo, tal como Platão a entende. Ele é um
indivíduo excecional, que se libertou da condição em que vive a maioria das pessoas, presos
nos seus dogmas e convicções. O prisioneiro enfim libertado, o filósofo, chega pois ao
verdadeiro mundo, bem distante do mundo de trevas e ignorância em que se encontrava
antes de proceder a esta ascensão.
        Apesar da beleza do mundo que descobre e da alegria que isso provoca, o
prisioneiro recém-libertado não se esquece dos seus antigos companheiros de jornada. E
decide regressar ao interior da caverna a fim de lhes transmitir a sua experiência e os
convencer a acompanharem-no para o exterior. No entanto, a generosidade do filósofo não
é recompensada; antes pelo contrário, os seus anteriores colegas, perante o que ele lhes
transmite, vão julgar que ele está doido, vão ficar transtornados ou indispostos com o que
ele lhes conta e vão mesmo chegar a vias de facto e tentarão eliminá-lo. Platão sabe, pelo
que aconteceu a Sócrates, o seu querido mestre condenado à morte pelo poder político de
Atenas, que o filósofo corre sempre o sério perigo de ser incompreendido, de os outros
não aceitarem o que ele lhes diz porque vai pôr em causa as suas convicções e certezas de
sempre, que tinham formatado a sua mente e a sua maneira de ser e estar. No entanto, o
filósofo tem responsabilidade para com os outros, sente que existe uma missão e um
compromisso da Filosofia para com a comunidade humana. E por isso tenta
reiteradamente fazer passar a sua mensagem libertadora. Mas há saberes que não podem ser
transmitidos pelo discurso. Há saberes que são tão essenciais que apenas podem ser
adquiridos através da própria experiência. A libertação do Homem não é um efeito do
discurso, por mais belo que o discurso seja. Aqueles prisioneiros, os homens que nós
somos, só se libertarão libertando-se. Uma verdade simples, uma evidência diante dos
nossos olhos, mas que mesmo assim nos escapa na maioria das vezes.
        Ora, uma das lições da alegoria da caverna de Platão é que a libertação do homem
passou por uma nova maneira de estar, em que ele próprio construiu o seu caminho,
traduzindo-se esse esforço numa conversão do olhar. Os outros continuaram prisioneiros
na medida em que o seu olhar continuou dirigido para o mesmo lado; o seu olhar
permaneceu igual ao que sempre foi desde o início da sua vida. O que verdadeiramente os
prende não são os grilhões e as cadeias, mas um olhar que se fixou, que cristalizou, que foi
incapaz de acompanhar o movimento subtil da realidade.
        A atitude filosófica é, se bem interpretamos o texto de Platão, uma mudança de
perspetiva, o adquirir uma nova maneira de olhar e analisar e criticar a realidade.

        §5. A –
        Características da atitude filosófica
        Com a expressão ‗atitude filosófica‘ pretende-se referir não um discurso ou um
saber estruturado, mas antes uma maneira de estar e de olhar a realidade e os outros. Neste
parágrafo é nossa intenção descobrir o que há de específico e próprio na atitude filosófica e
que a distingue de outros saberes e olhares.
        Vejamos, então, algumas das características da atitude filosófica.

         §6.
         Historicidade
         Esta característica tem a ver com o facto de a filosofia, ou filosofias, serem
determinadas pela época que as viu surgir. Como qualquer produto cultural, também a
filosofia se relaciona com os problemas próprios de cada época, com as necessidades e
anseios da sociedade. Se há problemas que são perenes, que nos vêm desde os Gregos, o


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modo como são formulados tem sofrido modificações. O problema da existência ou não
de vida para além da morte e o problema da imortalidade da alma, tem sofrido alterações
no modo como tem sido colocado pelas diferentes épocas históricas e, consequentemente,
pelos diferentes sistemas filosóficos. Por outro lado, há outros problemas que são próprios
das diferentes épocas históricas. O problema da liberdade nunca se colocou aos Gregos,
enquanto na época que antecede a Revolução francesa, a questão da liberdade é uma
questão central. Hoje, os problemas éticos que a manipulação genética da vida humana
coloca constituem uma área nova de problemas que nenhuma outra época colocou. Noutro
sentido, a historicidade é uma característica da atitude filosófica porque o homem que é
objecto da sua reflexão é um homem situado, que só pode ser entendido enquanto ser
rodeado de circunstâncias próprias. O homem é um ser de circunstância, ou como dizia
Ortega y Gasset, eu sou eu e as minhas circunstâncias, querendo dizer com isso que o homem só
se entende na relação que estabelece com o mundo que o rodeia. Dizia Marx9 que os
filósofos não nascem como os cogumelos. Para o filósofo alemão, os filósofos não são um
produto espontâneo, mas sim o produto determinado da sua época. Cada filosofia respira o
ar do seu tempo, está impregnada pelo espírito do seu tempo, bem como recolhe das
filosofias que a antecederam, a experiência e a riqueza da reflexão acumulada. É nesse
sentido que a historicidade constitui também o seu modo de ser.

         §7.
         Radicalidade
         Com esta característica pretende-se salientar o facto de a filosofia não se estruturar
como uma visão superficial e acrítica da realidade, tal como é o senso comum. Ao contrário
desta visão comum e empírica da realidade, a filosofia é uma reflexão aprofundada e
racional da realidade, que não se contenta com os aspectos superficiais que a constituem.
Como a palavra indica, a filosofia vai até à raiz dos problemas, investigando a primeira
causa, o último porquê, não se contentando com respostas imediatas e superficiais.
Partindo do pressuposto que a essência das coisas não reside na sua aparência, mesmo que
esta a constitua, o conhecimento da verdade implica uma atenção e vigilância constantes,
bem como uma postura inquieta e insatisfeita, que a leve constantemente a ultrapassar esse
plano imediato da aparência. Como afirmava Heraclito, a essência das coisas gosta de jogar,
no sentido de um permanente ocultar-se. A radicalidade enquanto característica da atitude
filosófica significa, igualmente, que a filosofia opõe-se ao senso comum, não se prendendo
às informações imediatas dos sentidos. É que para captarmos a verdadeira essência das
coisas não podemos ficar pela aparência que é dada aos sentidos, mas devemos fazer uso
da razão crítica. Como afirmava um provérbio chinês, enquanto o sábio aponta para a Lua,
o tolo olha para a ponta do dedo, querendo com isso significar que existe aqui uma
diferença essencial de perspectiva de encarar a realidade.

       §7-A.
       Universalidade
       A Filosofia ajuda-nos a desenvolver uma visão do mundo, uma concepção do
mundo. Uma visão que ultrapassa a nossa vivência quotidiana e a perspetiva imediata que
daí decorre.
       A visão do mundo que desenvolvemos reflete sobre o homem enquanto ser
universal, reflete sobre a condição humana. Mesmo que se parta dum homem concreto e
situado e do seu viver circunstancial, a filosofia eleva-se ao universal ao refletir sobre a
condição humana – no homem particular que vive, sofre e se emociona, a Filosofia vê a


9   Inserir referência biográfica.


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Humanidade viva, sofredora e emocionada. A Filosofia e a sua reflexão, através duma
perspetiva totalizadora, elevam-nos ao universal.

         §8.
         Autonomia em relação à ciência e à religião
         A filosofia apresenta-se como um saber distinto da ciência e da religião. É com base
nesta distinção que podemos falar de autonomia da atitude filosófica. A filosofia não é uma
ciência, distingue-se da ciência por possuir um método e um objecto que são distintos dos
métodos e objecto das ciências. Em relação ao método, verificamos que as ciências se
foram constituindo enquanto saberes específicos na medida em que construíram métodos
próprios, baseados no método experimental. A filosofia é um saber específico que não
pode recorrer à experiência; a filosofia, em termos gerais, baseia-se no método reflexivo —
a reflexão racional e crítica é o seu método. Também ao nível do método a reflexão
filosófica exibe a sua especificidade. Enquanto que cada ciência foi delimitando um objecto
próprio e específico e que correspondia a uma zona delimitada do real, a reflexão filosófica
faz da totalidade, o ser enquanto ser, a realidade em si mesma, a condição humana, o seu
objecto. Diz-se que o todo é o objecto da filosofia, enquanto que cada ciência tem como
objecto uma determinada parcela do real.
         Mas a atitude filosófica também se constitui autonomamente em relação à religião.
As religiões, monoteístas ou politeístas, sempre fizeram da fé a característica essencial da
postura do homem religioso. Uma fé que lhe permite relacionar-se com uma entidade que
lhe é apresentada dogmaticamente. Ora, a atitude filosófica não apela à fé, mas antes
baseia-se num exame livre e racional dos seus postulados. E estes postulados estarão
sempre sujeitos ao livre exame.

        §9.
        O carácter discursivo do trabalho filosófico
        A Filosofia não pode deixar de trabalhar com a palavra e com os textos que
corporizam a(s) palavra(s). Por isso nos referimos ao carácter discursivo da Filosofia e do
trabalho filosófico.
        A Filosofia vive de textos. É assim que os filósofos expõem as suas ideias, discutem
as ideias dos outros, tomam posição sobre os problemas. Oral ou escrito, o texto filosófico
é essencial para a reflexão. E, através dos textos, os filósofos argumentam, justificam e
adiantam razões que apoiam as ideias (as teses) que defendem.
        O carácter discursivo da Filosofia implica uma definição tão rigorosa quanto
possível das palavras e dos conceitos que utiliza, bem como coerência na articulação entre
os conceitos.

        §10.
        Filosofar é argumentar
        O que é argumentar? Argumentar é apresentar razões em defesa de uma
determinada tese, duma determinada posição [ver Posições de L Althusser].
        O texto filosófico é por essa razão, um texto eminentemente argumentativo, que
avança argumentos. Na filosofia, porque não estamos diante duma ciência exacta, as
posições que se tomam não são evidentes, nem podem ser demonstradas
matematicamente. Portanto, temos que argumentar. Ora, o que é um argumento?
Basicamente, um raciocínio que encadeia premissas e conclusões, onde as conclusões se
retiram das premissas apresentadas, ou onde, uma vez aceites determinadas premissas,
somos conduzidos pela força mais ou menos persuasiva da ligação (concatenação)
estabelecida entre as premissas e as conclusões.



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         §11.
         Áreas e temas abrangidos pela Filosofia
         Tendo a totalidade como objeto da sua reflexão, logo é possível constatar que são
múltiplos os assuntos e os temas que cabem na discussão filosófica, originando-se, por essa
razão, disciplinas filosóficas, também elas variadas para darem conta dessas variadas
problemáticas.
         No campo da reflexão sobre o homem enquanto membro de um grupo e vivendo
numa dada sociedade10, podemos indicar algumas disciplinas filosóficas que serão aí
pertinentes: a axiologia que se dedica ao estudo dos valores, a ética que estabelece e
conduz à reflexão sobre os princípios que deverão orientar a ação humana e a filosofia
política, que perspetivará o homem como um animal político refletindo sobre o futuro da
comunidade humana.
         Já no campo da reflexão sobre a linguagem, a sua origem e natureza ocupa um
espaço próprio na reflexão filosófica. Aí vê-se delimitar algumas disciplinas filosóficas
como sejam a filosofia da linguagem, a filosofia analítica e a hermenêutica.
         No campo do conhecimento vemos discutir-se desde a natureza do conhecimento,
à existência ou não de uma ruptura entre o conhecimento do senso comum ou
conhecimento vulgar e o conhecimento científico (e as suas implicações éticas) e o
problema da verdade. Esta constelação de problemas gerou o surgimento de várias
disciplinas filosóficas como sejam a gnoseologia, epistemologia e a teoria do conhecimento.
         A experiência humana, enquanto conjunto de acontecimentos humanos
significativos, é também objeto da filosofia. A experiência política, do homem enquanto
cidadão, habitante da cidade (polis), a experiência estética, do homem enquanto produtor e
espetador do belo artístico e a experiência religiosa, do homem relacionando-se com a
transcendência, afirmando-a ou negando-a, também geram disciplinas no seio da filosofia:
ética, estética e filosofia da religião.
         Finalmente, cabe também à Filosofia a reflexão sobre a natureza e estatuto de
entidades que se situam para além do mundo físico, que é o do nosso viver diário.
Disciplinas como a metafísica e a ontologia movem-se precisamente nesse mundo
inteligível.

        §12.
        O que leva o homem a agir?
        Segundo Fernando SAVATER, o perpétuo inacabamento da realidade humana é a
essência da nossa condição humana; a inquietude é o coração do nosso coração e ser
humano consiste em procurar constantemente a fórmula da vida humana 11. O homem
nasceu cedo demais, antes de estar desenvolvido e preparado para enfrentar o mundo. A
sua intervenção, desde muito cedo, no meio que o rodeia intenta colmatar essas
insuficiências que o homem traz consigo, esse inacabamento, esse ser-em-vias-de. A
imperfeição inicial obriga o homem a agir. Por isso, o homem é também projeto, ser que se
lança para diante ou permanentemente lançado para diante, para o seu futuro.
        O homem, desde sempre, que tentou construir um mundo mais habitável, à medida
das suas necessidades, dos seus desejos e projetos. O meio que ele encontra no início, nem
sempre está disposto da forma mais favorável aos seus intentos. A hostilidade do meio leva
o homem a ter que agir. Por isso, ele tem que transformá-lo de acordo com as suas
necessidades, tem que torna-lo mais amigável, mais habitável tem de agir. A cultura
representa esse esforço incessante que resulta do confronto do homem com a Natureza e o
10 Já Fichte afirmava que ―o homem só é homem entre os homens‖ – Das man ist nür ein man unter den
Menschen.
11
    Cf. Fernando SAVATER, A coragem de escolher, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004, p. 30.



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resultado dessa acção transformadora. Esse esforço traduz-se no trabalho, num conjunto
de actividades tendentes a transformar a Natureza, produzindo coisas novas e
transformando as já existentes. O homem age, produz o seu próprio mundo, trabalha e por
toda a parte deixa marcas da sua actividade. O mundo é a sua casa, mas o homem tem de
vencer a hostilidade inicial desse mesmo mundo.

        §13.
        Sentidos da palavra ação usados na linguagem quotidiana e que não deverão
ser considerados neste âmbito
        Quando falamos aqui de ação estamos a referir-nos a ação humana. No entanto, no
dia-a-dia, referimo-nos também à ação dos animais e à ação dos elementos. Trata-se dum
uso impróprio. Como veremos mais adiante (§15) a ação humana corresponde a algo que
fazemos de forma consciente e voluntária. Isso não está presente no comportamento dos
animais. O cão que abana a cauda, não o faz porque isso resulte duma decisão do cão ao
ver o dono – trata-se não duma ação, mas antes duma reação do animal Do mesmo modo,
podemos falar da ação da chuva ou da ação erosiva do vento. Porém, nem a chuva nem o
vente agem: não actuam segundo a sua vontade nem muito menos têm disso consciência.

        §14.
        A acção humana constitui uma intervenção planeada e pensada
        Ao contrário do animal que age por instinto, irreflectidamente e de acordo com a
sua memória genética, o homem age reflectidamente, analisa, pondera e decide de acordo
com a avaliação que faz do meio que o rodeia, das oportunidades e obstáculos, bem como
das suas capacidades e instrumentos postos à sua disposição.
        A ação humana, em sentido lato, significa a produção de efeitos, o que implica que
algo é modificado ou transformado. Com efeito, agir tem como consequência, na maioria
das vezes, uma modificação da realidade que cerca o sujeito. Nesse sentido, a ação humana
constitui uma interferência do homem no decurso dos acontecimentos, a produção e
provocação de efeitos na realidade que o cerca. Foi através da ação dos homens que o
mundo se foi tornando num lugar mais acolhedor, de acordo com as suas necessidades,
desejos e projetos.
        No entanto, devemos entender que a ação não se caracteriza apenas pela produção
de efeitos externos. Por exemplo, podemos falar duma ação interior, do sujeito sobre si
mesmo. Por outro lado, a acção, enquanto algo de exterior e visível corresponde à
exteriorização e concretização do pensamento. Embora possamos dizer que há pessoas que
em determinados momentos agem sem pensar, tal afirmação não é rigorosa; o que se
deveria dizer é que o pensamento que antecedeu a acção foi insuficiente ou desadequado
em relação à realidade onde pretendia intervir. Na maioria dos casos, o homem antecipa o
que pretende fazer e tenta agir de acordo com o que planeou. Se as coisas não correm
como planeado, tal deve-se a diversos fatores, desde uma insuficiente ou desajustada análise
e ponderação até à intervenção de causas inesperadas ou imponderáveis.

        §14. - A
        Devemos distinguir o plano do agir do plano do acontecer e a ação da reação
        No sentido de percebermos o que é a ação, devemos proceder a algumas distinções
e esclarecer melhor o que é o agir. Na nossa vida são muitas as coisas que nos acontecem.
Por exemplo, ficarmos constipados ou cair-nos uma bola na cabeça. Isso são
acontecimentos, não são ações do sujeito, mas algo que aconteceu ao sujeito. Também
acontece que nalgumas situações temos reações automáticas, instintivas. Por exemplo,
quando algo nos passa inesperadamente diante dos olhos e, automaticamente, os fechamos,
como defesa. Trata-se, não de uma ação, mas de uma reação, algo que fizemos sem pensar


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ou planear. Se tivéssemos que pensar e planear a nossa resposta perante o inseto voador
que se dirigia para o nosso rosto, acabaríamos por não responder convenientemente a essa
ameaça. Pensemos também, a título de exemplo, nas reações que podemos ter quando
andamos de bicicleta e um obstáculo surge inesperadamente à nossa frente: nós reagimos
automaticamente, desviando-nos desse obstáculo ou travando como uma reação por
instinto. Se pensássemos na resposta que devíamos dar perante o surgimento do obstáculo,
perdíamos o tempo útil de resposta e acabaríamos por não conseguir evitar o choque. Do
mesmo modo que distinguimos o plano do agir do plano do acontecer, também devemos
distinguir o que é uma ação do que é uma reação.

        §15.
        A consciência e a vontade são elementos que caracterizam necessariamente
a ação humana; o agir pressupõe uma atividade consciente e voluntária
        As nossas acções são algumas das coisas que nós fazemos. Nem tudo o que
fazemos constitui uma acção. O fazer abrange um campo de actividades e acontecimentos
mais amplo que aquele que é designado pelo agir. Tudo quanto realizamos é parte da nossa
conduta, mas nem tudo o que realizamos constitui uma acção. Fazer coisas é um aspecto
de que se reveste a acção, mas não a esgota. Realizamos coisas inconscientemente,
enquanto dormimos; não temos consciência de que as realizamos isto não são acções.
Por outro lado, há coisas que fazemos, mas que não correspondem a uma deliberação da
nossa vontade. Há coisas que fazemos conscientemente, mas sem intenção, ex.: tiques
nervosos, actos reflexos      realizamos isso involuntariamente, apesar de termos disso
consciência, constatamos isso enquanto espectadores e não enquanto agentes. O que
fazemos involuntariamente também não constituem acções. Reservamos o termo ‗acção‘
para as coisas que realizamos consciente e voluntariamente e que, nalguns casos mobiliza
um saber e um poder técnicos. A consciência e a vontade são elementos integrantes e
caracterizadores da acção. Só devemos chamar acções aos aspectos da nossa conduta de
que damos conta (de que temos consciência, que fazemos conscientemente) e que
efectuamos intencionalmente, isto é, com intenção, ou seja, voluntariamente.
        Portanto, as ações correspondem àquilo que realizamos consciente e
voluntariamente, não sendo acção do homem o que este realiza estando apenas presente
uma daquelas características. Actos do homem são aquilo que realizamos ou sem termos
consciência disso ou sem que isso corresponda à nossa intenção ou vontade. As acções
humanas têm que ser, simultaneamente, conscientes e voluntárias. Conscientes, isto é,
quando o sujeito age, ele tem de saber que está a agir e que a sua acção corresponde ao que
projectou e desejou. Voluntárias, isto é, as suas ações deverão ser a concretização da sua
vontade, da sua intenção, fazendo aquilo que quis ou desejou.

Diz-me o que fazes e dir-te-ei quem és…
Quando escolho o curso ou a profissão que quero seguir, não sou apenas o autor das ações que se seguirão em função
dessa escolha, como me irei definindo através dessas ações. Aquilo que farei irá contribuir para o desenvolvimento da
minha identidade. Eu não sou apenas aquilo que faço e que é escrutinado pelos outros, mas também a soma dos meus
desejos e projetos, bem como das minhas frustrações, daquilo que tentei fazer e não consegui. A minha identidade, o que
eu sou, é um processo, um permanente movimento, onde as minhas ações constituem elementos determinantes para essa
construção da identidade.


       §16.
       A importância da presença da consciência e da vontade no agir do homem
       Qual é a importância da presença dos elementos consciência e vontade na ação
humana? Para responder a esta pergunta vamos analisar as três situações seguintes,
partindo do princípio que te caberá a ti avaliar e julgar o comportamento dos sujeitos




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implicados. Imagina, por exemplo, que és o juiz destes processos e eras que proferir uma
sentença…

        §17.
        Movimento / acontecimento e acção
        ―Dizer: «estico o braço para mostrar que dou uma volta» é produzir um enunciado
que não pode situar-se na mesma categoria que o enunciado «o braço levanta-se»: este
descreve um movimento, aquele uma acção; este descreve um movimento que é observado
por um espectador, o segundo descreve uma acção do ponto de vista do agente que a
fez.‖12
        Movimento e acção não são o mesmo. Dum ponto de vista dinâmico, no
movimento está implicada a noção de causa com um sentido meramente mecânico,
enquanto que na acção está presente a noção de motivo. Do mesmo modo, como já vimos,
a ação não é um acontecimento, isto é, algo que acontece. O que acontece é um
movimento enquanto observável, desprovido de intenção ou motivo. Se o homem surge aí
implicado não o é enquanto agente, entidade activa, mas enquanto sujeito passivo.
Conduzir um automóvel corresponde a uma acção que eu realizo. Ter um furo é algo que
me acontece, é um acontecimento para o qual eu não tive nenhum contributo, onde não se
manifesta a minha intenção. Matar uma galinha corresponde a uma ação. A galinha morrer
constitui um acontecimento, um facto.

        §18.
        A rede conceptual da ação: ação intencionada e ação causada
        Uma ação intencionada será uma ação que é desenhada de acordo com a nossa
intenção. Com os fins que desejamos atingir e com a nossa vontade ao serviço da
concretização desses mesmos fins.
        Uma ação intencionada é uma acção onde está presente a consciência do indivíduo,
a ponderação de opções, onde existe uma escolha entre diferentes vias, uma decisão que se
associa igualmente à nossa vontade, intenção e motivações.
        Como afirma William JAMES, ―a procura de fins futuros e a escolha dos meios
próprios para o alcançar são, assim, a marca e o critério da presença da mentalidade num
fenómeno.‖
        Diferente é o caso de uma ação causada. Esta é uma ação explicada por
determinantes — genéticas, ambientais, histórico-culturais ou outras —, onde o elemento
intencional, racional e ético não é visível, ou se encontra diminuído ou eliminado face ao
peso e influência daquelas determinantes.
        Consoante o peso que atribuímos à influência daquelas determinantes ou à
influência da nossa vontade, assim se formaram duas perspectivas opostas acerca da
dependência da nossa acção em relação às causas exteriores ou em relação à deliberação da
nossa vontade.

          §19.
          Perspectiva determinista e perspectiva baseada na acção intencionada

       Segundo a perspectiva determinista nós somos determinados por causas, somos o
produto de causas; toda a acção humana é explicada e é determinada por factores que têm a
ver com a nossa natureza animal, com os nossos genes, com a nossa biologia, por um lado;
e com factores que têm a ver com a sociedade, a época, a educação ou ainda com factores

12
     Paul RICOEUR, O Discurso da Acção, p.13



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externos de diversos tipos e que nos ultrapassam (acasos, acontecimentos, obrigações
ditadas por outras pessoas, etç.). A nossa liberdade está assim condicionada por esses
factores que acabam por funcionar como os verdadeiros autores daquilo que fazemos e das
nossas acções. O sujeito como que se apaga diante desses factores.
        Pelo contrário, quanto à perspectiva baseada na acção intencionada, há dentro de
nós e nas nossas acções factores racionais, graus de liberdade, elementos que ultrapassam
as causas em si mesmas; há projectos e há intenções; logo, o indivíduo está acima das
condicionantes ambientais, biológicas ou outras, escapa desses factores e como que age
exclusivamente partindo da sua vontade imune a esses factores e ao meio onde o sujeito
está.

        §20.
        Combinando causas e intenções; o homem é simultaneamente livre e
determinado
        Somos, por um lado, produtos de genes e produtos da educação e de uma época,
logo, seres sujeitos a essas condicionantes. A nossa inteligência, as nossas capacidades
racionais têm limites. E isso permite ultrapassar, de certa maneira e a alguns níveis, as
causalidades de base, as determinantes e condicionantes. Temos também livre-arbítrio, ou
seja, capacidade de optar entre o bem e o mal. Em conclusão, há, simultaneamente,
causalidade e intencionalidade nas nossas acções. Somos livres sem o poder ser de uma
forma absoluta. Não podemos ou não conseguimos realizar tudo o que projectamos ou
idealizamos. Por várias razões. A começar, o nosso corpo é, de certa maneira, um limite e
uma limitação dos planos da nossa vontade. O meu corpo é um limite à minha liberdade,
apesar de ser, igualmente, um instrumento e o meio através do qual eu posso realizar a
minha liberdade.
        Mas a realidade que me rodeia também constitui uma limitação à minha liberdade e,
portanto, para a minha ação. Por mais vontade que eu tenha de ser pescador, se viver no
interior, longe do mar ou de um lago ou de um curso de água, o meu projeto de vir a ser
pescador está fortemente condicionado. O meio, para além de poder ser um manancial de
oportunidades, é também uma fonte de obstáculos e dificuldades. [a continuar]

        §21.
        Ações voluntárias, atos involuntários e reflexos
        As acções intencionadas são acções voluntárias, ou seja, assentes no nosso querer,
na nossa razão, no pensamento. Nisso distinguem-se das acções involuntárias e das acções
reflexas. Parte dos nossos actos é comandada por impulsos e desejos porventura
divergentes e difíceis de gerir. As nossas pulsões agressivas e as nossas pulsões sexuais são
exemplos disso. Os actos que se associam aos nossos instintos, aos nossos reflexos, à nossa
natureza animal, ao nosso lado irracional e emocional, ou que nos são impostas por
terceiros ou pelas autoridades, são actos involuntários. Ao contrário, as acções
intencionadas são voluntárias.

         §22.
         O agente da ação e a relação causal
         Toda a acção depende de um sujeito, isto é, de um agente, tal como toda a intenção
é sempre intenção de alguém. Do mesmo modo, procurar os motivos de uma acção leva-
nos a interrogações que nos conduzem ao agente. O agente é, assim, uma espécie de causa
da acção. Por isso, afirma RICOEUR que ―atribuir uma acção a alguém é, em primeiro
lugar, identificar o sujeito da acção‖.13 Trata-se de saber a quem pertence tal e tal acção. A

13   RICOEUR, Paul, op. cit., p. 61


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atribuição de um autor a uma acção pode ser uma tarefa simples, mas também pode ser
uma tarefa complicada. Por exemplo, quando consideramos as consequências longínquas
de uma determinada acção.
       Vejamos este exemplo:
       O António está conduzindo um automóvel a toda a velocidade para o Hospital da
       cidade, porque a sua mulher entrou em trabalho de parto. Entretanto, Manuel, que
       estava à janela, vê o automóvel aproximar-se a toda a velocidade, ao mesmo tempo
       que em frente ao seu prédio dois miúdos jogam à bola. Tenta avisá-los e debruça-se
       da janela, caindo. Felizmente que Manuel cai em cima do toldo da mercearia e não
       lhe acontece nada. O seu velho tio, que estava na sala, assiste à queda de seu
       sobrinho Manuel. Como está numa cadeira de rodas e não se pode deslocar não
       chega a saber que está tudo bem com Manuel, apenas uns estragos no toldo da
       mercearia do Sr. José. Graças à queda, os miúdos param de jogar à bola e o
       automóvel de António passa a toda a velocidade, sem acontecer nada. O mesmo não
       se pode dizer do pobre tio do Manuel. Ao ver o seu querido sobrinho cair da janela,
       teve um ataque de coração que foi fatal. Quando Manuel regressou a casa, encontrou
       o seu tio já sem vida.

        Será que podemos atribuir a António, que despoletou este processo conduzindo a
alta velocidade, as consequências do mesmo, incluindo aí a queda do Manuel e a trágica
morte do seu tio. A quem é que o senhor José da mercearia pode pedir que lhe paguem um
novo toldo. À esposa de António? E porque não ao seu futuro filho que se lembrou de
acelerar o seu nascimento? E poderemos acusá-lo de homicídio involuntário, ainda não
tendo nascido?
        É evidente que esta situação é uma caricatura. Mas dá para ver as dificuldades que
poderão existir na identificação de um agente da acção, bem como da importância dessa
mesma identificação, como neste caso de apuramento de responsabilidades. A tarefa pode
ser complexa, mas há casos em que pode ser fundamental. Imagine-se um choque em
cadeia em que entrem vários automóveis... Ou pensemos em situações em que um crime é
cometido em regime de co-autoria, isto é, onde vários agentes concorreram para o
cometimento da mesma acção e onde poderão existir meros cúmplices. É fundamental
saber quem são os autores da acção e determinar o grau de participação na acção de cada
um deles de forma a poder, no caso do crime comparticipado, estabelecer a pena ajustada
que será necessariamente diferente para cada um deles.

        §23.
        Estabelecer um motivo é responder ao porquê e explicar e legitimar a ação
        O estabelecimento de um autor para uma acção leva-nos a uma outra noção
fundamental na estrutura da acção. Trata-se da relação causal, a relação entre dois
acontecimentos, onde um é causa do outro, e este é efeito. Mas identificar a relação causal
não é o mesmo que estabelecer o motivo da acção, já que neste caso estamos diante de uma
ligação mais íntima e/ou interior na acção que vem justificá-la, torná-la legítima, necessária.
O motivo, ao responder à questão do porquê esclarece a acção, torna-a inteligível. Entre
os modos de tornar inteligível uma acção é relacioná-la com normas. A razão de ser de
uma acção não apenas a explica, como a legitima.
       É nesse sentido que vai o texto de RICOEUR:
       ― [...] a relação causal é uma relação contingente no sentido de que a causa e o efeito podem
       identificar-se separadamente e que a causa pode compreender-se sem que se mencione a sua
       capacidade de produzir tal ou tal efeito. Um motivo, pelo contrário, é um motivo de: a íntima




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           conexão constituída pela motivação é exclusiva da conexão externa e contingente da
           causalidade.‖14


           §24.
           Intenção e motivo

           ―Intenção e motivo são noções conexas; o motivo é motivo de uma intenção. [...] A relação é
           tão estreita que, em certos contextos, motivos e intenções são indiscerníveis, em particular
           quando a intenção é explícita. [...] pode, no entanto, dizer-se que, inclusive, nos casos de
           extrema proximidade, intenção e motivo se distinguem em virtude de não responderem à
           mesma pergunta: a intenção responde à pergunta quê, que fazes? Serve, pois, para identificar,
           para nomear, para denotar a acção (o que se chama ordinariamente o seu objecto, o seu
           projecto); o motivo responde à questão porquê? Tem, portanto, uma função de explicação; mas
           a explicação, já vimos, pelo menos nos contextos em que motivo significa razão, consiste em
           esclarecer, em tornar inteligível, em fazer compreender.‖ (Paul RICOEUR, O Discurso da Acção,
           pp. 50-51)


        §25.
         O trabalho humano e a actividade dos animais
        O que distingue o pior dos arquitectos da abelha mais habilidosa?
        O que distingue a acção humana da actividade dos animais?
        No homem nós temos presente a consciência da sua acção, bem como dos
resultados da mesma. O resultado da acção humana pré-existe idealmente, na cabeça do
agente, à exteriorização da mesma. O homem planeia a sua actividade e prevê os seus
resultados; existe no sujeito humano um trabalho de concepção mental que é prévio à sua
execução. Pelo contrário, o animal age instintivamente, obedece aos seus instintos e actua
no plano do imediato. O animal não ultrapassa o momento imediato, situa-se no plano do
aqui e agora. O animal não age, antes reage. O homem não é dominado pelos instintos,
antes concebe e aplica um plano: o que a sua mão realiza foi concebido previamente pelo
cérebro. O trabalho manifesta a inteligência criadora do homem sobre a realidade
envolvente. Neste sentido, apesar de tudo, existe uma superioridade do arquitecto mais
desastrado sobre a abelha mais capaz.
        Afirmava PROUDHON em Création de l’ordre dans l’humanité: ―O trabalho é a ação
inteligente do homem sobre a matéria. O trabalho é o que distingue (...) o homem dos
animais; aprender a trabalhar é o nosso objetivo sobre a terra.‖

           §26.
           O trabalho enquanto forma particular de ação. Trabalho e projeto.

           ―Tal é o trabalho humano: um plano que convida à realização, uma previsão que leva à
           efectivação, uma intenção que precede o acto, o interior do homem que se exterioriza e que,
           graças a essa exteriorização, se enriquece e se reconhece. O trabalho humano une a mão e o
           cérebro, o cérebro tem necessidade da mão para se manifestar enquanto a mão não pode agir
           sem que o espírito a dirija.‖ 15

        No âmbito da acção, o trabalho representa uma das suas formas particulares.
Decerto, a mais essencial e fundamental, tendo em conta a longa caminhada da
humanidade e o seu constante esforço no sentido de dominar a natureza e colocá-la ao seu
serviço.
        Existe no homem a dimensão do projecto.


14
     Paul RICOEUR, O Discurso da Acção, p. 51

15
     Henri ARVON, A filosofia do trabalho, p. 43.


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19

        Só o homem existe na dimensão do projecto. Só o homem projecta. E projectando-
se, projecta-se, o homem projecta-se. E é porque se projecta que se pode rever na obra
produzida. Só há projectos para o futuro. O futuro é o tempo próprio do projecto, mesmo
quando este se formula no tempo presente.
        Ele encontra-se vê-se a si mesmo na obra que realiza. O mundo à sua volta, que é
obra sua, é ainda o homem realizando-se. Quando olhamos para as coisas que fazemos,
vemos nelas um pouco da nossa história.

           ―A obra reflete a imagem do espírito que a concebeu. Essa imagem permanece confusa
           enquanto a obra serve apenas a satisfação das necessidades vitais, torna-se nítida à medida que a
           obra se desembaraça de toda a necessidade exterior para atingir a «gratuitidade». É então que o
           trabalho, que é descoberta do homem por si próprio, cumpre totalmente a sua função.‖ 16

         O trabalho realiza o homem, exterioriza as suas expectativas, os seus desejos, os
seus projectos. Tal como a acção manifesta o homem. O resultado da sua acção é o
homem exteriorizado.
         Ao agir, exteriorizo-me, manifesto a minha essência, isto é, aquilo que sou –
qualquer obra reflecte o seu autor e isso é ainda mais evidente na criação artística. Aqui, o
agente criador, livre de toda a necessidade e pressão, possui toda a disponibilidade para agir
e criar de acordo com a sua vontade e imaginação, dando largas à sua subjectividade. Nesse
sentido, será ao nível da criação artística que a obra melhor revela a essência do seu criador.
A sinfonia nº 3 de Beethoven reflecte melhor a sua personalidade que o conjunto de listas
de compras que ele tenha elaborado durante toda a sua vida. A obra de arte é a obra que
exprime melhor aquilo que o seu autor é, pretende ser e / ou pretende que os outros vejam
nele.

         §27.
         Acção livre e responsabilidade
         Em que condições é que podemos falar de uma ação livre? Ora, a ação só é livre
quando o sujeito age de acordo com a sua vontade, consciente do que está a fazer e das
consequências que dessa ação resultem. O sujeito não age livremente porque não existam
limites ao seu agir; antes pelo contrário, o sujeito é livre e age livremente porque reconhece
as limitações e joga com elas, tira partido dessas limitações. Ora, a partir do momento em
que o sujeito age livremente, pode ser responsabilizado pelo que aconteça. É responsável
pelos seus atos e suas consequências.
         Só o sujeito que age livremente é que é responsável pelos seus actos e pelas
consequências dos seus actos. Só aquele que age voluntariamente está em condições de
assumir plenamente a autoria dos seus actos e só a esse sujeito é que é possível exigir
―responsabilidades‖. Se a vontade do sujeito fosse manipulada ou adulterada, então nunca
poderia ser responsabilizado pela sua acção, mas seria sim aquele que dominaria a vontade
do sujeito.
         Se apontam uma arma à cabeça do sujeito para que ele furte um sabonete do
supermercado, não pode ser totalmente responsabilizado por esse furto. Se a sua vontade
estava a ser condicionada dessa maneira, ao ponto desse sujeito agir contra a sua vontade,
não se lhe podem assacar responsabilidades pelo furto do sabonete. A responsabilidade
deve cair sobre quem apontava a arma.
         Só um sujeito livre pode ser considerado responsável e responsabilizado. Ser
responsável ou ser responsabilizado significa que deve arcar com as consequências da ação,
isto é, do que acontece como consequência da ação.


16
     Henri ARVON, A filosofia do trabalho, p. 41,


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         Quando ele é responsabilizado, vai arcar com o peso da sua decisão. Por isso, um
sujeito que se sabe responsável, não decide de ânimo leve, de forma imediata, não
ponderada. Ele sabe que a sua ação inicia uma série de reações em cadeia. Com o seu agir a
realidade transforma-se e já não é mais igual ao que era. É por isso que, em termos do
direito, a responsabilidade assume-se repondo a realidade tal como era antes da intervenção
do agente. Só há lugar a indemnização em dinheiro quando já não é possível a reposição da
situação original17. Em termos jurídicos (que segue de perto o significado filosófico) aquele
que é responsável é aquele que é autor da ação e que deve repor o estado de coisas anterior
à ocorrência da ação danosa. Por exemplo, se o meu automóvel destruir o muro do vizinho
e eu for responsabilizado por isso, então serei eu o responsável e quem deve repor o muro
tal qual ele existia antes do automóvel o ter destruído (acção danosa). Portanto, ser
responsável significa ter que, ―aguentar‖ com as consequências. No caso, reconstruir o
muro ou indemnizar o dono do muro, dando-lhe a quantia de dinheiro que compense o
dono do muro do prejuízo que teve ou possa ter enquanto o muro não for reconstruído18.


        §28.
        A culpa. Negligência e dolo.
        Próximo da noção de responsabilidade temos a noção de culpa. A culpa é o
sentimento que o sujeito experimenta quando sabe que é responsável por determinada
acção. Associada à noção de culpa está a noção de intenção: o culpado da situação x é
aquele que teve a intenção de provocar a situação x. Isto quer dizer que agiu com a vontade
de provocar a situação x. Será, pois, culpado pela situação x. No sistema penal português
distinguem-se dois graus de culpa: negligência e dolo.
        Agiu com negligência aquele que agiu descuidadamente, possuindo o dever de agir
doutro modo, e nesse sentido é responsável pela situação criada.
        Imaginemos a seguinte situação: Antonieta, funcionária do jardim-escola não se
apercebeu que uma criança que estava à sua guarda tinha corrido para a estrada onde foi
atropelada por um automóvel. Veio a provar-se que Antonieta, naquele momento, estava a
mandar uma mensagem pelo telemóvel para a namorada. Neste caso será culpada por
negligência. O que não é o mesmo que agir dolosamente. Neste caso, agiu com dolo aquele
que agiu com a intenção de provocar uma determinada situação.
        Veja-se o caso de uma funcionária do jardim-escola, Belarmina, que dissesse à
criança (filha de um ex-namorado que ela detesta) para ir brincar para o meio da estrada
sabendo que assim iria ocorrer um acidente. Nas duas situações existe culpa, mas em graus
diferentes: Antonieta foi negligente, mas Belarmina atuou dolosamente. É por isso que na
atribuição de uma pena o juiz irá distinguir se o arguido agiu negligentemente ou
dolosamente. A negligência é uma forma de culpa menos censurada ou penalizada que o
dolo19.



17
   Era o que aconteceria, por exemplo, se alguém destruísse um quadro pintado por um pintor famoso. Seria
impossível repor a situação original.
18 Imagine-se que, enquanto o muro está destruído e aproveitando esse facto, fogem-lhe da sua propriedade,

o rebanho de ovelhas que ele possuía. Neste caso a indemnização deve contemplar este prejuízo. Como
também pode contemplar os lucros que o dono do muro deixou de ganhar. Imagine-se que durante o tempo
que o muro está destruído alguém vem adquirir essa propriedade por um valor inferior por causa do muro
destruído.
19 Para o nosso Código Penal existem até atuações que só serão crimes em caso de dolo; a negligência não é

penalizada do ponto de vista do Direito. Como veremos mais à frente, isso não significa que não haja um
juízo de censura social e a negligência não seja penalizada do ponto de vista moral.


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        §29.
        Algumas notas sobre o existencialismo
        O existencialismo é uma filosofia à qual está ligado o nome de Jean-Paul Sartre,
como seu principal representante. As principais obras deste autor vieram a lume na
segunda metade do século vinte.
        Para aquele filósofo distingue-se a essência da existência. No mundo das coisas, a
essência é anterior à existência. Uma cadeira é definida previamente na cabeça do
carpinteiro que a projecta e só depois é a passa a existir. No caso da cadeira, primeiro esta é
(na cabeça e nos planos do carpinteiro) e só depois é que existe. A existência da cadeira está
condicionada e limitada por aquilo que o seu criador planeou previamente. No caso do
homem, passa-se algo completamente diferente. Segundo Sartre existe no homem uma
anterioridade da existência sobre a essência. Isto quer dizer que o homem primeiro existe e
só depois é que é, quer dizer, só depois é que se vai definindo, construindo as suas
qualidades. Para Sartre, Deus não existe e, portanto, não existe nenhum ser que criou o
homem. Ninguém criou o homem. É ele que se cria a si mesmo. Para isso, primeiro existe e
só depois é que é — a existência é anterior à essência. No caso do homem, ele não está
limitado por nenhum plano prévio. O homem não tem que conformar a sua vida segundo
o projecto de um Deus qualquer. Porque Deus não existe, o homem é radicalmente livre, é
ele que se inventa a si mesmo, é ele que cria a sua essência, é ele que constrói o que quer
ser. O homem não encontra nenhum sinal, nem nenhuma indicação a mostrar-lhe o
caminho que deve seguir. Segundo o Existencialismo, cada homem é livre para seguir o que
quiser. Mais, como dizia o poeta espanhol Antonio Machado, ―não existem caminhos,
fazem-se a caminhar‖. Se Deus existisse, o homem não era livre, pois a sua existência
estava determinada e ele teria que existir de acordo com essa essência. Sem Deus, cada
homem ―está só e sem desculpas‖ ou como diz a canção ―não há estrelas no céu / a dourar
o meu caminho‖. O homem é livre para o fazer, como também é responsável e
responsabilizado por isso. A todo o momento, o homem escolhe, mas não existe ninguém
a indicar-lhe um caminho. O homem só se escuta a si mesmo, é ele que constrói a sua
essência. Se Deus existisse e tivesse criado o homem, este poderia sempre admitir a
vontade divina como responsável por aquilo que ele é e desculpar-se com isso. Deus dá
jeito a quem não quer arcar com o peso da responsabilidade, quem quer fugir diante das
suas responsabilidades. Neste sentido, quem acredita em Deus vê nele um bom refúgio
para demitir-se da construção da sua essência e da própria realidade. Quem não acredita,
tem de ficar com o peso e as consequências da sua escolha.

        §30.
        Classificação das condicionantes da acção humana
        O homem é um ser completamente exposto às influências do meio social, cultural e
natural, sempre aberto aos outros, completamente permeável às influências do exterior. Por
outro lado, é um ser inacabado e imperfeito, donde a necessidade de agir, de se transformar
e transformar a realidade de acordo com as suas necessidades. O homem não é, assim, um
ser fechado sobre si mesmo. Por isso se diz que o homem é um ser de relação. Também no
mesmo contexto de ideias, note-se a afirmação do Ortega y Gasset: ― Eu sou eu e a minha
circunstância‖. Com esta afirmação o filósofo espanhol quer-nos dizer que na identidade e
no conhecimento de qualquer um teremos de ter em conta o contexto em que o próprio
sujeito se encontra. O homem não se pode definir isolado da realidade e dos outros. A sua
estrutura anatómica-fisiológica aponta precisamente para essa interpenetração do sujeito
com a realidade que o envolve, seja a realidade física ou a realidade cultural ou ainda a
realidade social. O homem está na dependência do mundo, um mundo de coisas e pessoas,
e este constitui fonte de limitações para a sua acção, mas também um conjunto de
oportunidades e recursos postos à sua disposição. Esta situação particular de um ser


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dependente do mundo, aberto ao mundo e interagindo com o mundo, leva a que o homem
não possa contar apenas consigo, mas tenha que levar em linha de conta com um conjunto
de factores que envolvem o sujeito e que o definem.
         O sujeito não se compreende isolado dos outros, porque apenas se desenvolve na
interacção com os outros. É assim que acontece quando consideramos a perspectiva
filogenética e a perspetiva ontogenética, isto é, quer consideremos o homem na sua
evolução individual desde a fase de criança até ao estado adulto (filogénese), quer
consideremos a evolução da própria espécie humana e o processo de hominização
(ontogénese). Nestes dois processos evolutivos o homem desenvolve-se na medida em que
se relaciona com os seus semelhantes e realiza trocas com o meio exterior. Esta
interdependência entre o homem e o meio que o envolve faz com que a sua acção nunca
possa depender exclusivamente da sua vontade. Todo este percurso acontece estando o
homem mergulhado numa determinada situação que o rodeia e influencia sob diversas
formas.
         Ele não age de uma forma absolutamente livre. Existem factores que condicionam
e limitam a acção humana. Estas condicionantes da acção humana podem dividir-se
segundo a seguinte classificação: condicionantes biológicas, histórico-culturais, psicológicas
e físicas.

        O facto de o homem estar situado numa determinada sociedade e numa
determinada época coloca limitações à própria actividade humana. A começar, devemos
considerar as condicionantes sócio-culturais ou histórico-culturais, ilustradas por todo
um conjunto de produtos culturais e sociais que estruturam a sociedade e asseguram o seu
funcionamento mais ou menos regular: hábitos, costumes, normas de convivência social,
leis, imperativos religiosos e morais, valores, tudo isto constitui uma constelação de
princípios e regras que limitam a actividade humana. Condicionam, mas não são barreiras
intransponíveis, porque todos nós sabemos que, nalguns casos, a actividade humana vai
contra esses princípios e regras. O Código da Estrada assegura o regular funcionamento do
trânsito na medida em que informa os condutores sobre o que se pode e não se pode fazer.
Mas a existência das normas do Código da Estrada não asseguram só por si que não haja
transgressões. Aquelas normas condicionam a acção dos condutores, mas não são limites
absolutos.
        Mas existem outras limitações ao exercício da vontade. A estrutura e
funcionamento do nosso corpo são também condicionadores da acção. Eu não posso estar
debaixo de água mais do que determinado tempo e por mais vontade que tenha em voar,
eu sei que não o posso fazer. Existem, deste modo, outro tipo de condicionantes que
designaríamos como condicionantes biológicas e que são transmitidas geneticamente.
Trata-se de condicionantes que têm a ver com a estrutura e funcionamento do nosso
corpo. De notar, contudo, que o nosso corpo possui um duplo sentido: por um lado
constitui uma condicionante da acção humana, por outro lado é com o corpo e é através do
corpo que eu ajo e intervenho no mundo. O meu corpo é um limite, mas também um
instrumento da vontade, o veículo para a concretização do meu pensamento. É através do
meu corpo que eu exteriorizo as ideias da minha mente. Nesse sentido, eu realizo a
liberdade através do meu corpo. O corpo é um instrumento ao serviço da acção, mas
também limita a própria acção, na medida em que eu não posso agir para lá daquilo que o
corpo me permite. O sujeito age dentro dos limites que são impostos pelo corpo,
instrumento da acção, o corpo está ao serviço da liberdade, porque é através dele que eu
manifesto o meu ser livre, mas ao mesmo tempo, o corpo condiciona a liberdade, ele é a
fronteira da vontade.
        Mesmo com uma vontade intensa e esclarecida eu não posso voar ou viver debaixo
de água. É verdade que eu posso ir alargando esses limites, quer porque eu posso ir



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treinando o corpo, e ganhar mais destreza física, quer porque eu posso socorrer-me de
meios mecânicos para ampliar esses mesmos limites (quando eu uso um telescópio eu
amplio a minha capacidade de visão) contudo, alargar os limites do meu corpo não significa
que alguma vez eu possa dispensa-lo da execução da acção.
         As condicionantes biológicas não estão fixas. Na evolução da espécie humana,
verifica-se que o homem progride na medida em que depende cada vez menos do corpo
que foi transmitido geneticamente, construindo artifícios técnicos que o ajudam a
ultrapassar as suas limitações biológicas.
         Para além do corpo, também a personalidade de cada um condiciona o seu modo
de agir. Existem certas maneiras de ser que fazem com que o indivíduo seja mais passivo
ou indiferente face ao mundo e, nesse sentido, menos propenso a agir. A acção de uma
pessoa, a sua intervenção no mundo, pode ficar condicionada por causa de um
temperamento mais envergonhado ou reservado. Neste caso, estamos a falar de
condicionantes psicológicas que se relacionam com o psiquismo humano.
         Finalmente, também poderemos entender que o meio físico onde a acção se
concretiza condiciona o agir humano. Pense-se, por exemplo, no trabalho agrícola e como
ele está dependente e condicionado por um conjunto de factores, tais como a natureza dos
solos, a existência ou não e cursos de água, a existência ou não se solos apropriados ou
terrenos acidentados, o clima. Quer isto dizer que poderemos também considerar a
existência de condicionantes físicas ou ambientais.
         O vasto elenco de factores que condicionam a acção humana leva-nos à conclusão
de que o homem e a sua vontade estão limitados por determinados factores que, contudo,
não são obstáculos intransponíveis. Se assim fosse, não haveria nenhuma margem para a
liberdade e vontade humanas. Ora, nós constatamos facilmente que o homem tem, em
muitas ocasiões, a possibilidade de escolher algo e de recusar algo. Todas as vezes que eu
ajo, eu sei também que poderia ter feito mais ou menos do que fiz, que poderia sempre ter
feito diferente. Todas as vezes que eu levo por diante uma acção, eu sei que escolhi e
rejeitei alternativas, caminhos diferentes daqueles que acabei por seguir. Isso significa que o
homem é livre para escolher, mesmo que condicionado por inúmeros factores.

       §31.
       Diversos tipos de determinismo
       A liberdade humana não é absoluta. Como facilmente já vimos existem limitações
que incidem sobre o homem e a sua vontade. Segundo alguns autores o homem está
submetido a diversos tipos de determinismo.

       Determinismo físico
       Significa a concepção do universo em que os fenómenos ou acontecimentos estão
de tal maneira relacionados uns com os outros que uma inteligência, capaz de conhecer
todas as circunstâncias da evolução do universo num momento dado, poderia prever
qualquer acontecimento futuro. Todos os acontecimentos estão interligados entre si em
termos de causa e efeito, todos os acontecimentos são causa e efeito uns dos outros e onde
o homem acaba também por ser determinado pela realidade física. Neste sentido, o homem
não é livre pois acaba por agir determinado pelo turbilhão da realidade externa. É este
determinismo que serve de base à indução das leis científicas.

        Determinismo biológico
        É a posição segundo a qual não há traços humanos que não sejam produto
biológico. A vida de cada homem seria condicionada por certas limitações impostas pela
herança biológica. Haveria, por exemplo, alguns mecanismos neurofisiológicos e modos de
comportamento que seriam muito difíceis ou mesmo impossíveis de modificar. O homem


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seria consequentemente desresponsabilizado pelas suas tendências e pelos seus actos, na
medida em que tudo aquilo que ele faz deve ser explicado não pela sua vontade mas através
do funcionamento do seu corpo. Para algumas tendências mais radicais, como por exemplo
no âmbito da biossociologia, mesmo os valores, como o patriotismo, teria um fundamento
biológico.

        Determinismo psicológico
        É a tese segundo a qual todo o comportamento livre e espontâneo é determinado
por antecedentes psíquicos de ordem afectiva (crenças, desejos, temores, etc.) ou de ordem
intelectual (motivos). Esta forma de determinismo nega a liberdade humana.

       Determinismo sociológico
       Considera que o comportamento do indivíduo é um produto da cultura, ou seja,
dos hábitos colectivos, adquiridos por aprendizagem social e transmitidos de geração em
geração. A cultura modela a personalidade, influencia os valores, as crenças e atitudes.
Condiciona, portanto, a maneira de ser, de pensar e de agir do homem.


        §31 – A.
        A crença no destino como forma de determinismo
        O homem que se afirma a si mesmo, assumindo a sua liberdade, afirma-se como
senhor do seu destino. Mas há também quem afirme que o destino do homem já está
traçado de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à
Providência Divina e à vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é uma espécie de
marionete, cuja vida é manipulada a partir do Além. Esta posição também pode ser muito
cómoda para quem não quer assumir a responsabilidade pela sua condição e situação.
Atribuir a Deus a causa de tudo o que acontece é afastar o homem do seu próprio caminho
e da sua história. Quem assim pensa tem, sobretudo, medo que os homens sejam senhores
do seu destino e da sua vida e expulsem definitivamente os deuses da sua realidade.

        §32.
        Consciência, vontade e responsabilidade
        Como já atrás vimos, as ações humanas envolvem a consciência e a vontade
humanas. A consciência e a vontade são elementos intrínsecos à ação, sem os quais não
poderíamos dizer que estávamos diante de uma acção humana. A liberdade e a ação livre
concretizam-se através de um processo em que o homem (o agente) sabe o que faz e faz o
que deseja fazer. A ação só é livre se o sujeito agir de acordo com a sua vontade, consciente
do que está a fazer e das consequências de que daí resultam.
        O sujeito é livre e age livremente, não porque não existam limites / limitações ou
barreiras à sua ação, mas porque reconhece essas limitações e joga com elas.
        A partir do momento em que o sujeito age livremente, de acordo com a sua
vontade e consciente do caminho que iniciou, então o sujeito é também responsável pelos
seus actos e pelas consequências destes. Só um sujeito livre pode ser responsável e
responsabilizado. Se a vontade do sujeito fosse manipulada por indivíduos estranhos, por
exemplo, então a responsabilidade recairia sobre estes e o sujeito nunca poderia ser
responsabilizado. Se o sujeito é livre e sabe o que faz, então também é responsável, é sobre
ele que recaem as responsabilidades do que acontecer como consequência directa do seu




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agir20. Ser responsável significa assumir as consequências do que acontece devido à sua
iniciativa e à sua ação.
         Quando o sujeito é responsabilizado ele vai arcar com o peso da sua decisão. Por
isso, em certas condições, um sujeito responsável não decide de ânimo leve. Ele sabe que a
sua ação pode dar início a uma série de consequências e reações em cadeia. Com o seu agir
a realidade transforma-se e já não é mais igual ao que era. É por isso que, em termos do
direito, a responsabilidade assume-se através do pagamento de uma indemnização que
deverá, na medida do possível, repôr a realidade tal como era antes da intervenção do
agente21. Na medida do possível, pelo que haverá lugar a uma indemnização pecuniária
quando não for possível a reposição da situação originária22.
         Há uma íntima ligação entre liberdade e responsabilidade. Se o sujeito não fosse
livre, nunca seria responsável. Nesse sentido, muitos olham a liberdade como uma espécie
de condenação23. Então, optam pela moral dos escravos, porque não querem aguentar com
o ‗fardo‘ da liberdade. Preferem ser mandados a assumir o peso da responsabilidade pelas
suas decisões.
         Só que o homem só se afirma a si mesmo assumindo a sua liberdade, afirmando-se
como senhor do seu destino. Mas também aqui há quem afirme que o destino do homem
já está traçado de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à
Providência e ao cumprimento da vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é
uma espécie de marioneta, cuja vida é manipulada a partir do além. Esta posição também
pode ser muito cómoda para quem não quer assumir a responsabilidade pela sua condição
e situação. Atribuir a Deus a causa de tudo o que acontece é afastar o homem do seu
próprio caminho e da sua história. Quem assim pensa tem sobretudo medo que os homens
sejam {ver o já impresso}




20
   Se não fosse a consequência direta, então poderíamos cair numa situação absurda em que o sujeito seria
responsável por tudo o que acontecesse na sequência dos seus atos, mesmo tratando-se de uma consequência
longínqua. Imagine-se que o senhor Albino provoca um acidente. Para além dos acidentados que aí
aconteceram, seria também responsável por situações distantes como, por exemplo, pela vizinha do
acidentado que escorrega na escada quando recebe a notícia do acidente!
21
   Isto no caso do ordenamento jurídico português. Noutros ordenamentos, onde as indemnizações podem
atingir valores astronómicos, a indemnização tem também a função de penalizar o infractor, com o objectivo
de do dissuadir de voltar a praticar a ter uma conduta prejudicial.
22
   Por exemplo, quando da acção resulta a morte de alguém ou a destruição de um bem original, infungível.
Nestes casos não será possível repôr a situação anterior á conduta negativa.
23
   Era Sartre que afirmava que estamos condenados a ser livres.


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26

        §33.
        O que são os valores
        Nós, no dia-a-dia, falamos ou ouvimos falar muitas vezes de valores.
Nomeadamente, já todos nós ouvimos falar da Bolsa de Valores, instituição onde se
transaccionam ações e obrigações, entre outros papéis. Esses títulos são valores, mas não é
nesse sentido que falamos aqui de valores.
        Os valores não são coisas materiais, mas representações mentais que nós
possuímos e que justificam as nossas escolhas. Os valores não são uma realidade objectiva,
material. Os valores são representações mentais, projecções mentais, entidades ideais. Os
valores são realidades subjectivas e expressão da minha subjectividade, da minha vontade,
da minha escala de preferências, que por sua vez são resultado da minha educação e da
minha cultura e da sociedade em que vivo. Sem que isso queira dizer, no entanto, que não
haja igualmente um movimento em sentido contrário, através do qual explicamos como é
que os nossos valores também influenciam e transformam a educação, a cultura e a
sociedade. Os valores são representações mentais que eu projecto sobre as coisas, factos ou
pessoas. É isso que se passa quando eu realizo escolhas. Cada escolha é a manifestação das
minhas orientações pessoais, é a afirmação da minha subjectividade. Isto quer dizer que os
valores variam de pessoa para pessoa, de grupo social para grupo social, são subjetivos.
        E variam devido a múltiplos factores de ordem cultural e educacional,
nomeadamente. É por isso que os valores vão mudando de época para época. Muda o seu
conteúdo, como também muda a escala de valores que cada época assume como sua. Na
medida em que eu os projecto sobre as coisas, os valores não são caraterísticas intrínsecas
às próprias coisas, como o tamanho, a cor ou a densidade, por exemplo. As mesmas coisas
podem ter valores diferentes no mesmo momento, dependendo isso dos sujeitos
avaliadores. Uma pedra que eu guardo no meu quarto pode ter um elevado valor
sentimental porque está associada a um momento afectivamente importante da minha vida,
enquanto que para os meus pais aquela mesma pedra na estante do quarto representa
apenas lixo. Como podem estar sujeitas a uma sucessão temporal de vários valores. Porque
os valores também estão sujeitos à evolução histórica das sociedades. Por isso, são
portadores de uma variabilidade que depende de vários factores, nomeadamente
relacionados com a época histórica, as caraterísticas da sociedade, os projetos e expetativas
da comunidade. As coisas não valem por si mesmas, mas valem em função do homem que
é criador dos valores e duma sociedade que as avalia. Assim, houve épocas em que a honra
e a vergonha eram valores da máxima importância, que se foram ‗desvalorizando‘ com o
passar do tempo. Neste sentido, podemos dizer que os valores são históricos, estão
sujeitos à historicidade. As mesmas realidades vão sendo valorizadas ou desvalorizadas com
o passar do tempo.
        Para Sartre, ao escolher quando ajo eu estou a afirmar o que é melhor para mim e
para os outros. A minha escolha traduz uma concepção do que é melhor para a
Humanidade. Isso faz com que as minhas escolhas tenham um peso acrescido. Contudo,
eu nunca tenho a certeza do que é melhor para os outros. A incerteza que resulta dessa
escolha é geradora de angústia, porque apenas posso contar comigo mesmo para assumir as
consequências da minha decisão.
        A minha escolha, na acção, significa a eleição do que é preferível. Portanto, na ação
estão sempre também conceções do que é correto e do que é incorreto, do que está bem e
do que está mal, do que é melhor e do que é pior e deve ser rejeitado. Em todas as ações
estão presentes os valores. Agir é também valorar, valorizar ou desvalorizar, atribuir
valores, porque o sujeito nunca é indiferente ao mundo que o rodeia. Ao agir eu realizo a




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27

minha tábua de valores, eu torno o mundo mais significativo para mim, porque ele vai
adquirindo a minha marca24.

         §34.
         O percurso da ação aos valores
         Todas as vezes que eu realizo uma ação, realizo determinadas opções, concretizo as
minhas preferências. Quando pratico uma ação, opto por seguir um determinado caminho
e rejeito aqueles que não sigo. Porque sou livre, quando realizo uma ação eu sei que podia
sempre ter agido de outra maneira. Por exemplo, depois de estudar, eu sei que podia ter
estudado mais ou estudado menos, que podia ter estudado ou ter feito outra coisa
diferente. Aquilo que fiz ou deixei de fazer foi resultado da avaliação e ponderação que fiz
em relação aos valores e alternativas em presença. Porque o sujeito é livre, todas as ações
que eu levo por diante representam uma escolha e poderiam ter ocorrido de outra maneira.
Quando agi, fiz uma opção, concretizei a minha liberdade. Todos os dias, de manhã,
levanto-me da cama. Decidir levantar-me da cama, foi essa a minha escolha. Mesmo
sentindo sobre mim o dever e a obrigação de me levantar, fui eu, enquanto sujeito livre,
que aceitei obedecer ao dever e seguir as minhas obrigações profissionais e as minhas
obrigações sociais. Ao escolher levantar-me, rejeitei a opção de ficar a dormir. Assim,
qualquer acção é simultaneamente uma escolha e uma rejeição. Ora, porque é que decidi
levantar-me, ir trabalhar e enfrentar hordas de bárbaros adolescentes, em vez de ficar a
dormir e descansar mais um pouco? Porque entre aquelas duas opções, eu preferi ir
trabalhar; naquele momento, pelo menos, dei mais valor ao trabalho que ao descanso – foi
essa a minha preferência e que está de acordo com os valores da própria sociedade
burguesa e do espírito do capitalismo. Ou, então, acabei por dar mais valor ao próprio
cumprimento dum dever do que à ―satisfação de não cumprir um dever‖ (Fernando
Pessoa). Ao agir duma determinada maneira eu estou a optar pelo que valorizo mais, estou
a dar mais valor e importância à alternativa seguida que à alternativa rejeitada (Claro que
não temos aqui em conta o peso que pode ter o desejo de evitar consequências negativas
quando, por exemplo, ao comentar a escolha feita, afirmo que ‗do mal o menos‘). Em todas
as acções que realizo, eu faço uma escolha entre valores diferentes. Em qualquer ação
existe, consciente ou inconscientemente, uma eleição entre valores algumas vezes opostos
entre si; quando tomo uma decisão eu acabei de eleger o valor que naquele momento, face
ao que está em jogo, é para mim o mais fundamental. Eu ajo em função dos valores que
escolho e, escolhendo, aplico a minha tábua de valores. Enquanto médico, se pratico ou
não a eutanásia, isso significa que me movimento entre dar valor à autonomia do doente e à
qualidade de vida ou dar valor à quantidade de vida que se prolongaria a todo o custo
(obstinação terapêutica). Se eu respeito o pedido do doente para morrer, isso quer dizer
que eu dou mais valor à autonomia do doente que à manutenção da vida sem ter em conta
a qualidade de vida que ele, o doente, ainda possui. Eu atuo segundo os valores que elejo.
Imaginemos a situação dum médico que necessita, para salvar um doente menor, de
proceder a uma transfusão de sangue; entretanto, os pais recusam a transfusão sanguínea
por razões religiosas. Os valores que estão aqui em confronto são, pelo menos, dum lado o
direito à vida e, do outro, o direito à livre manifestação da sua escolha religiosa, ou
liberdade de culto. Não só estão estes valores em confronto, como estão em confronto
diferentes tábuas de valores: para o médico a vida será o valor mais importante, enquanto
que para os pais do rapaz, a liberdade religiosa sobrepõe-se ao direito à vida. O seu
comportamento, o que devem fazer a seguir, como reagir perante situações-limite como
esta é algo que resulta da ponderação dos valores em presença. Qualquer decisão para agir
24
   Tudo isto sem prejuízo das considerações que se podem fazer a propósito do conceito de alienação, dando
conta de um mundo que é progressivamente mais estranho para o homem e o homem que se sente um
estranho entre os outros, precisamente porque que realidade à sua volta se desumanizou.


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Filosofia 10 sumários desenvolvidos 2011-2012 - jca

  • 1. José Carlos S. de Almeida Filosofia – 10º ano Sumários desenvolvidos Ano lectivo de 2011/2012
  • 2. 2 FILOSOFIA – 10º ano Programa / Conteúdos - Abordagem introdutória à Filosofia e ao filosofar - A acção humana: análise e compreensão do agir - Os valores: análise e compreensão da experiência valorativa - Dimensões da acção humana e dos valores: a Ética e a Política - Dimensões da acção humana e dos valores: a Estética - Temas / problemas do mundo contemporâneo José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 3. 3 Índice O que é a Filosofia? O que é filosofar? §1. A definição de filosofia §2. O que nos diz a etimologia da palavra ‗filosofia‘ §3. – A. Do mito aos primeiros filósofos. O mito enquanto primeiro ensaio duma tentativa de descrição e explicação quase racional do real §3. A filosofia é filha da polis §4. O filósofo, distraído ou preocupado? §5. A alegoria da caverna de Platão e a atitude filosófica §5. A - Características da atitude filosófica §6. Historicidade §7. Radicalidade §7-A. Universalidade §8. Autonomia em relação à ciência e à religião §9. O carácter discursivo do trabalho filosófico §10. Filosofar é argumentar §11. Áreas e temas abrangidos pela Filosofia O homem construindo-se através da ação §12. O que leva o homem a agir §13. Sentidos usados na linguagem quotidiana que não deverão ser considerados neste âmbito §14. A ação humana constitui uma intervenção planeada e pensada §14-A. Devemos distinguir o plano do agir do plano do acontecer e a ação da reação §15. A consciência e a vontade são elementos que caracterizam necessariamente a ação humana §16. A importância da presença dos elementos consciência e vontade no agir do homem §17. Movimento / acontecimento e ação §18. A rede conceptual da ação: ação intencionada e ação causada §19. Perspectiva determinista e perspetiva baseada na ação intencionada §20. Combinando causas e intenções; o homem é simultaneamente livre e determinado §21. Acções voluntárias, atos involuntários e reflexos §22. O agente da ação e a relação causal §23. O estabelecimento de um motivo responde ao porquê e explica e legitima a ação §24. Intenção e motivo §25. O trabalho humano e a atividade dos animais §26. O trabalho enquanto forma particular de ação. Trabalho e projecto §27. Ação livre e responsabilidade §28. A culpa §29. Algumas notas sobre o existencialismo §30. Classificação das várias condicionantes da ação humana §31. Diversos tipos de determinismo §31 – A. A crença no destino como forma de determinismo §32. Consciência, vontade e responsabilidade O mundo não é indiferente ao homem: os valores §33. O que são os valores §34. O percurso da ação aos valores §35. Não há ações gratuitas, isto é, sem a presença dos valores §36. Características dos valores A experiência ética e política da vida e do mundo §38. Relativismo moral e relativismo cultural e tolerância §39. A dimensão da ética e da moral §39 – A. Distinguir ética e moral §39 – B. Distinguir moral e religião §40. Intenção e norma §41. Distinção conceptual entre moral e ética – quadro-resumo §42. Dimensão pessoal e social – o si mesmo, o outro e as instituições José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 4. 4 §43. Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva deontológica de Kant §44. Teorias acerca da fundamentação da moralidade: a perspetiva consequencialista de Stuart Mill §44 – A. Confronto entre as teorias deontológicas e as teorias consequencialistas §45. A relação entre a ética, o direito e a política §46. O Estado enquanto problema da filosofia política §47. O homem e o Estado: a perspetiva clássica: Aristóteles §48. O homem e o Estado: a perspetiva contratualista moderna: John Locke – do estado de natureza à natureza do Estado §49. A teoria da justiça de John Rawls §49 – 1. Conflito e cooperação nas sociedades contemporâneas; a relação entre a liberdade e a igualdade §49 – 2. Rawls critica o utilitarismo §49 – 3. A escolha racional dos princípios da justiça A experiência estética da vida e do mundo §50. A experiência estética §50 – 1. Quando um acontecimento se torna numa experiência para o sujeito §50 – 2. Caraterização da experiência estética §50 – 3. Atitude e sensibilidade estéticas §50 – 4. Objetivismo e subjetivismo na experiência estética §50 – 5. Teorias acerca da natureza da Arte e da obra de arte Nota Estes sumários desenvolvidos constituem um determinado momento no nosso trabalho que passa também pela nossa investigação e reflexão e pelo diálogo mais ou menos frutuoso com os alunos. Enquanto representam um momento desse trabalho, estarão sempre sujeitos a serem revistos e substituídos por outros textos considerados mais ajustados ao fim em vista. Trata-se de um texto em permanente reelaboração e reconstrução, mas não é esse o destino de qualquer texto de cariz ensaístico? 1 1 Sobre a natureza do ensaio, ver Fernando Savater, ***** e Eduardo Prado Coelho, ******. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 5. 5 §1. A definição da filosofia O início da aventura filosófica é sempre marcado por uma pergunta fatal: o que é a filosofia? Ninguém gosta de embarcar numa viagem sem saber para onde vai, sem saber o que vai encontrar. De qualquer modo, perguntar sobre o que é a filosofia sempre é uma questão mais interessante que perguntar sobre para que é que serve a filosofia. No entanto, há também quem faça essa pergunta sobre a utilidade da filosofia. Ora, quando soubermos o que é a filosofia, também chegaremos à resposta sobre a sua utilidade. O que não podemos fazer é condicionar a pergunta sobre o que é à pergunta para que é que serve. O problema da utilidade da Filosofia não se situa no mesmo plano que perguntar pela utilidade dum chapéu-de-chuva ou duma estrada. Há quem considere que o primeiro problema da Filosofia é a questão da definição de Filosofia. E o problema adensa-se porque não existe uma resposta única a esta questão, como também poderíamos dizer que esta questão não tem sentido no caso da Filosofia. Saber o que é a Filosofia é um dos seus primeiros problemas. Existem várias respostas a esta questão, respostas que têm variado de filósofo para filósofo, de época para época. De tal maneira que seria mais rigoroso falar de Filosofias do que de Filosofia. Contudo, apesar dessa variação e variedade em torno da resposta à pergunta sobre o que é a Filosofia, variação e variedade que também existe acerca do valor da filosofia, podemos avançar com algumas ideias muito gerais sobre o que possa ser a filosofia, sendo certo que cada um irá construindo a sua visão pessoal do que é a filosofia. Assim, poderíamos dizer, em primeiro lugar, que a Filosofia constitui-se como uma reflexão racional e crítica sobre os problemas fundamentais da condição humana considerada em si mesma e do homem face aos seus semelhantes e à realidade. Uma reflexão sobre o homem na sua universalidade, mesmo que partindo duma situação concreta e particular em que sempre se encontra. Trata-se de uma definição que é proposta neste momento, suficientemente vaga e provisória, para que cada um a vá enriquecendo ao longo deste caminho. É que, por outro lado, como dizia o poeta espanhol António Machado, não existem caminhos, fazem-se a caminhar. §2. O que nos diz a etimologia da palavra filosofia Uma das maneiras de esclarecermos o significado duma palavra ou dum conceito é compreendermos a origem e evolução dessa palavra. A etimologia da palavra filosofia diz- nos que filosofia significa, originalmente, amor da sabedoria (filos + sofia). Repare-se que não se diz que tipo de sabedoria é, nem que a filosofia consiste na posse do saber. O que a etimologia nos diz é que a filosofia é, sobretudo, amor ou amizade pelo saber2, movimento ou trânsito para o saber, caminhar na direcção do saber e não propriamente um instalar-se no seio do próprio saber, isto é, possuir o saber. Sublinha-se, deste modo, o caminho ou o processo, a aventura em direção ao saber, e não tanto o resultado ou ponto de chegada. E não será a desmesurada ânsia por chegar a qualquer lado uma forma de nos desinteressarmos ou não estarmos atentos às maravilhas do caminho? Se ao empreendermos uma viagem estivermos obcecados pelo ponto de chegada, pelo destino, não teremos olhos para as paisagens que acompanharão a viagem, para a viagem em si mesma3. 2 O amor ou amizade deve ser entendido no contexto da cultura grega antiga. 3 Vale a pena, a este propósito, ler o poema Ítaca de Constantin Cavafy. Estabelecendo um paralelo entre a Ítaca e a filosofia, poderemos dizer que, se no fim da viagem, achares pobre a filosofia, deverás contudo compreender que foi graças à Filosofia que te puseste a caminho e assim adquiriste as riquezas que foste encontrando e comerciando nos portos que visitaste. A pobre Filosofia ter-te-á dado a maior riqueza: a José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 6. 6 §3 – A. Do mito aos primeiros filósofos. O mito enquanto primeiro ensaio duma tentativa de descrição e explicação quase racional do real O mundo sempre foi fonte de curiosidade e inquietação. Olhando à sua volta, são muitas as perguntas que surgem no espírito do homem. Uma dessas perguntas prende-se com a origem e funcionamento da realidade. Desde muito cedo que o homem se interrogou sobre como tudo teria começado. Observando a realidade, as coisas vivas que nascem e morrem, desde logo conclui que tudo tem um início, que as coisas evoluem, vão ganhando novas formas. Também deverá ter sido assim com o meio envolvente. Por isso, desde muito cedo que os homens procuraram explicar a realidade, fornecer um sentido aos múltiplos acontecimentos que ocorriam à sua volta. As condições rudimentares dessas primeiras tentativas de resposta, levaram os homens a fazer intervir nesses ensaios explicativos seres fabulosos, dotados de capacidades extraordinárias e mágicas. Nas primeiras explicações do mundo, os homens recorrem aos feitos fabulosos dos deuses e aos atos criadores dos heróis, de figuras sobre-humanas, dotadas de poderes sobre- humanos. Os mitos são, precisamente, tentativas de explicação da origem quer do mundo (mitos cosmogónicos), quer de outras formas particulares de existência, mas de importância vital para a comunidade, como por exemplo, a origem do homem, duma aldeia, dum rio, duma montanha, da chuva. Essas tentativas de descrição e explicação têm de particular a intervenção de seres fabulosos. No caso dos mitos cosmogónicos, o que aí se tenta descrever e explicar é a origem do mundo que, em muitos casos, é o resultado duma luta primordial entre as forças do mal e as forças do bem, entre o caos e cosmos, a desordem e a ordem. Essas explicações fantásticas são perfeitamente assumidas e vividas, na medida em que descrevem a vitória da ordem e o mundo está aí para demonstrar a vitória dos deuses e do mundo ordenado. A descrição da origem do mundo que é feita no Livro do Génesis do Velho Testamento é um bom exemplo dum mito cosmogónico. §3. A Filosofia é filha da polis A Filosofia, segundo a generalidade dos autores e pensando no mundo ocidental, nasceu na Grécia Antiga por volta dos séculos ****. Ora, isto deve-nos colocar a seguinte questão: porquê na Grécia e não noutro lugar da Europa? O que há assim de especial com a Grécia daquele tempo que fez com que nesse sítio, num determinado momento, se começasse a produzir uma reflexão que consideramos ser a origem da Filosofia, quando não já a própria filosofia? Vários factores contribuíram para isso, desde condições políticas e culturais, até factores geográficos. O extraordinário florescimento cultural que ocorreu durante a época que corresponde àquilo que ficou conhecido como o ‗milagre grego‘, o extraordinário desenvolvimento da literatura, da cultura e arquitectura e do teatro, o fim da guerra com os Persas instituindo um duradouro período de paz social e o desenvolvimento da democracia, regime político que, apesar das suas limitações, favorece a expressão e a troca de ideias. A situação geográfica da Grécia também favoreceu o desenvolvimento da filosofia. Se o Mediterrâneo era o ‗umbigo‘ do mundo, a Grécia, ou o Mar Egeu, ocupava um lugar central nesse mesmo umbigo, situando-se no cruzamento de rotas comerciais oriundas do viagem com tudo o que vai acontecendo no caminho e que só poderemos fruir se não partirmos com ideias preconcebidas sobre o que iremos encontrar. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 7. 7 norte de África, Próximo Oriente e Península Ibérica, ligando três continentes. O grego esteve pois, desde sempre, em contacto com outras comunidades, outras culturas, outras ideias. O comércio das coisas também significou o comércio das ideias. O contacto com outros povos e outros costumes tornou-o mais aberto para a diferença e mais flexível em relação àqueles que eram diferentes e pensavam de modo diferente, com os seus hábitos e costumes próprios. Este contacto com a diferença também deve ter espicaçado a sua curiosidade e a sua vontade de reflectir sobre esse mundo novo. Por outro lado, uma extensa linha de costa, um território completamente exposto ao mar e virado para fora, onde o homem era, por natureza, um ser dado à comunicação, iluminado por uma luz solar que favorecia o desenvolvimento da racionalidade, tudo estes factores geográficos e climáticos também favoreceram o eclodir dum pensar curioso, crítico e racional4. Todos nós, uma vez ou outra, devemos ter sentido esse apelo do mar para a reflexão. Diante do mar, contemplando o movimento das suas ondas, essa eterna impermanência e diferenciação constante que é ao mesmo tempo identidade e diferença, uma continuidade diferenciante, uma identidade que se mantém através da sua presença simultaneamente diferente e igual, é impossível que o Grego se mantivesse indiferente e não sentisse o aguilhão da curiosidade e o impulso para pensar. Diante da extensa linha do horizonte, contemplando o mar e essa longínqua linha, cujo espaço para lá dessa linha interpela o homem curioso, somos levados a pensar no que está e existe para lá do que é visível. Finalmente, a polis, a cidade, verdadeiro espaço emancipador, criou e alargou os espaços públicos de discussão e deliberação democráticos, onde se reflectia sobre a essência do homem e da comunidade, os seus problemas, o seu futuro e o que, nesse sentido, se devia fazer, determinando o surgimento duma nova atitude racional e crítica e dum novo saber que se foi delineando como filosófico. §4. O filósofo, distraído ou preocupado? Num dos textos da Grécia Antiga onde pela primeira vez se refere a filosofia 5, descrevem-se umas festas tradicionais, onde apareciam uns homens que vinham vender mercadorias, outros que vinham comprar e, finalmente, havia uma terceira classe de indivíduos que não vinham fazer nem uma coisa, nem outra: estes eram os filósofos. Deste modo, caracterizam-se os filósofos como alguém desinteressado, que não está preocupado com os interesses materiais. A ideia que relaciona a filosofia e a sua gratuitidade com um certo desinteresse em relação às preocupações materiais está também, de certa maneira, presente numa anedota que se contava acerca de um dos primeiros filósofos, Tales de Mileto6. Contava-se que este sábio, andando tão distraído com certos problemas que o levavam a caminhar de cabeça no ar, não reparou num poço que estava diante de si e acabou por cair lá. Queria-se, com essa história, dizer que o filósofo era um indivíduo tão distraído com problemas transcendentes que nem reparava num elementar obstáculo colocado aos seus pés. Não contestamos esta interpretação, porque acerca do mesmo Tales de Mileto também se contou que, observando constantemente os astros celestes (chegou a prever um eclipse), conseguiu antecipar um ano de extraordinária produção de azeitona, pelo que procedeu ao aluguer de todos os lagares de azeite da cidade. Aquando da colheita das azeitonas e tendo-se verificado esse extraordinário aumento da produção, os 4 Para alguns autores, o surgimento duma cultura predominantemente ligada à escrita também é determinante para o eclodir do pensamento racional filosófico. As culturas marcadas pela predominância da oralidade, não conseguem estabelecer uma distância suficiente entre o texto e as condições da sua enunciação, estando assim demasiado marcado afectivamente pelas circunstâncias que rodearam a sua enunciação. Cf. a este propósito, Pierre LÉVY, As tecnologias da inteligência, Lisboa, Instituto Piaget, pp. 118-119. 5 Trata-se um texto de origem pitagórica. 6 Curta biografia de Tales de Mileto, um dos sete sábios da Grécia Antiga. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 8. 8 agricultores foram ter com Tales para que este lhes subalugasse os lagares de azeite, onde iriam colocar essa produção. Deste modo, Tales acabou por ganhar muito dinheiro. Ora, daqui também se pode concluir que, de facto e aos olhos dos outros, talvez parecesse que Tales andasse distraído ao olhar para o céu; o problema é que os outros não conseguiram ver o que ele via e por isso não conseguiram prever esse bom ano agrícola. Enquanto Tales fazia previsões acertadas, os seus contemporâneos só conseguiam ver que ele andava distraído!7 Ou então, como se afirma num provérbio chinês, enquanto o sábio com o dedo para a Lua, o tolo apenas olha para a ponta do dedo. Tales olhava para a Lua, mas os seus conterrâneos, que se julgavam muito espertos, apenas viam nisso um comportamento bizarro. Isto deve-nos levar a uma ideia importante sobre a Filosofia. É que esta, mesmo que nos pareça estranha8, tem a ver com a realidade e, sobretudo, com a nossa vida. Apesar da sua estranheza, convenhamos que uma fórmula matemática, com os seus símbolos esquisitos, é bem mais estranha. Só não o achamos, porque sabemos que com a matemática se podem construir pontes e casas. Essa utilidade imediata, afasta logo qualquer ideia sobre o carácter estranho e abstracto da matemática. Ora, a filosofia não tem a ver com pontes e casas, mas com as pessoas que habitam as casas e passam nas pontes. E, de certo modo, também poderemos dizer que a Filosofia também tem a ver com pontes, a Filosofia permite lançar pontes entre o passado e o futuro, entre o oriente e o ocidente, o individuo concreto e o Homem na sua universalidade. Pontes bem importantes, por sinal! §5. A alegoria da caverna de Platão e a atitude filosófica Recordemos o que nos conta Platão a alegoria da caverna do livro VII da República. Em primeiro lugar deparamos com um grupo de homens agrilhoados no fundo de uma caverna, habituados a contemplar as sombras que iam sendo projetadas na parede de fundo para a qual estavam virados desde sempre. Esses homens, os prisioneiros da caverna, viviam numa situação ilusória, pois tomavam essas sombras como a única autêntica realidade existente. No entanto, as sombras eram o reflexo da realidade exterior à caverna, de homens e mulheres que passavam no exterior. As sombras eram imagens, representações empobrecidas (não eram a cores, não possuíam densidade) da verdadeira realidade. Os prisioneiros viviam iludidos, enganados quanto à verdadeira natureza da realidade. Consideravam que era real o que era apenas reflexo do real. Até que um desses prisioneiros se liberta. O prisioneiro liberta-se quer dos grilhões que o acorrentavam permitindo que ele iniciasse a caminhada difícil para o exterior, como também se vai libertando, agora num ritmo mais demorado, da ilusão em que vivia, simbolizado pelo mundo semi-obscuro em que estava(m) mergulhado(s). A sua libertação é uma caminhada em direção à verdadeira realidade, o mundo exterior à caverna, que irão proporcionar um conhecimento verdadeiro. À realidade autêntica corresponde um conhecimento verdadeiro, tal como à realidade ilusória correspondia um conhecimento iludido. É uma caminhada para a luz, de tal modo que terá, no início, dificuldade em enfrentar a luz. Platão quer-nos assim chamar a atenção para as naturais dificuldades que residem na via do saber; conhecer é uma tarefa árdua, porque neste caso corresponde também a enfrentar e a superar as ilusões com que se tinha desde sempre vivido. É muito complicado ter que abandonar as nossas certezas e convicções que se tinha sobre o mundo em que se vivia. No entanto, o prisioneiro que se liberta e ascende ao mundo exterior contempla com admiração e gozo a verdadeira realidade. Até o seu próprio rosto é contemplado pela 7 Como recordava Goethe, ninguém consegue ser herói para o seu criado de quarto! 8 Também se poderia dizer sobre a Filosofia que primeiro estranha-se, depois entranha-se! José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 9. 9 primeira vez. A célebre divisa de Sócrates, conhece-te a ti mesmo, é aqui evocada através desse momento original em que o prisioneiro vê, pela primeira vez, a si mesmo, descobre a figura do seu rosto. Este prisioneiro que chega ao verdadeiro mundo e ao verdadeiro conhecimento representa a figura do filósofo, tal como Platão a entende. Ele é um indivíduo excecional, que se libertou da condição em que vive a maioria das pessoas, presos nos seus dogmas e convicções. O prisioneiro enfim libertado, o filósofo, chega pois ao verdadeiro mundo, bem distante do mundo de trevas e ignorância em que se encontrava antes de proceder a esta ascensão. Apesar da beleza do mundo que descobre e da alegria que isso provoca, o prisioneiro recém-libertado não se esquece dos seus antigos companheiros de jornada. E decide regressar ao interior da caverna a fim de lhes transmitir a sua experiência e os convencer a acompanharem-no para o exterior. No entanto, a generosidade do filósofo não é recompensada; antes pelo contrário, os seus anteriores colegas, perante o que ele lhes transmite, vão julgar que ele está doido, vão ficar transtornados ou indispostos com o que ele lhes conta e vão mesmo chegar a vias de facto e tentarão eliminá-lo. Platão sabe, pelo que aconteceu a Sócrates, o seu querido mestre condenado à morte pelo poder político de Atenas, que o filósofo corre sempre o sério perigo de ser incompreendido, de os outros não aceitarem o que ele lhes diz porque vai pôr em causa as suas convicções e certezas de sempre, que tinham formatado a sua mente e a sua maneira de ser e estar. No entanto, o filósofo tem responsabilidade para com os outros, sente que existe uma missão e um compromisso da Filosofia para com a comunidade humana. E por isso tenta reiteradamente fazer passar a sua mensagem libertadora. Mas há saberes que não podem ser transmitidos pelo discurso. Há saberes que são tão essenciais que apenas podem ser adquiridos através da própria experiência. A libertação do Homem não é um efeito do discurso, por mais belo que o discurso seja. Aqueles prisioneiros, os homens que nós somos, só se libertarão libertando-se. Uma verdade simples, uma evidência diante dos nossos olhos, mas que mesmo assim nos escapa na maioria das vezes. Ora, uma das lições da alegoria da caverna de Platão é que a libertação do homem passou por uma nova maneira de estar, em que ele próprio construiu o seu caminho, traduzindo-se esse esforço numa conversão do olhar. Os outros continuaram prisioneiros na medida em que o seu olhar continuou dirigido para o mesmo lado; o seu olhar permaneceu igual ao que sempre foi desde o início da sua vida. O que verdadeiramente os prende não são os grilhões e as cadeias, mas um olhar que se fixou, que cristalizou, que foi incapaz de acompanhar o movimento subtil da realidade. A atitude filosófica é, se bem interpretamos o texto de Platão, uma mudança de perspetiva, o adquirir uma nova maneira de olhar e analisar e criticar a realidade. §5. A – Características da atitude filosófica Com a expressão ‗atitude filosófica‘ pretende-se referir não um discurso ou um saber estruturado, mas antes uma maneira de estar e de olhar a realidade e os outros. Neste parágrafo é nossa intenção descobrir o que há de específico e próprio na atitude filosófica e que a distingue de outros saberes e olhares. Vejamos, então, algumas das características da atitude filosófica. §6. Historicidade Esta característica tem a ver com o facto de a filosofia, ou filosofias, serem determinadas pela época que as viu surgir. Como qualquer produto cultural, também a filosofia se relaciona com os problemas próprios de cada época, com as necessidades e anseios da sociedade. Se há problemas que são perenes, que nos vêm desde os Gregos, o José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 10. 10 modo como são formulados tem sofrido modificações. O problema da existência ou não de vida para além da morte e o problema da imortalidade da alma, tem sofrido alterações no modo como tem sido colocado pelas diferentes épocas históricas e, consequentemente, pelos diferentes sistemas filosóficos. Por outro lado, há outros problemas que são próprios das diferentes épocas históricas. O problema da liberdade nunca se colocou aos Gregos, enquanto na época que antecede a Revolução francesa, a questão da liberdade é uma questão central. Hoje, os problemas éticos que a manipulação genética da vida humana coloca constituem uma área nova de problemas que nenhuma outra época colocou. Noutro sentido, a historicidade é uma característica da atitude filosófica porque o homem que é objecto da sua reflexão é um homem situado, que só pode ser entendido enquanto ser rodeado de circunstâncias próprias. O homem é um ser de circunstância, ou como dizia Ortega y Gasset, eu sou eu e as minhas circunstâncias, querendo dizer com isso que o homem só se entende na relação que estabelece com o mundo que o rodeia. Dizia Marx9 que os filósofos não nascem como os cogumelos. Para o filósofo alemão, os filósofos não são um produto espontâneo, mas sim o produto determinado da sua época. Cada filosofia respira o ar do seu tempo, está impregnada pelo espírito do seu tempo, bem como recolhe das filosofias que a antecederam, a experiência e a riqueza da reflexão acumulada. É nesse sentido que a historicidade constitui também o seu modo de ser. §7. Radicalidade Com esta característica pretende-se salientar o facto de a filosofia não se estruturar como uma visão superficial e acrítica da realidade, tal como é o senso comum. Ao contrário desta visão comum e empírica da realidade, a filosofia é uma reflexão aprofundada e racional da realidade, que não se contenta com os aspectos superficiais que a constituem. Como a palavra indica, a filosofia vai até à raiz dos problemas, investigando a primeira causa, o último porquê, não se contentando com respostas imediatas e superficiais. Partindo do pressuposto que a essência das coisas não reside na sua aparência, mesmo que esta a constitua, o conhecimento da verdade implica uma atenção e vigilância constantes, bem como uma postura inquieta e insatisfeita, que a leve constantemente a ultrapassar esse plano imediato da aparência. Como afirmava Heraclito, a essência das coisas gosta de jogar, no sentido de um permanente ocultar-se. A radicalidade enquanto característica da atitude filosófica significa, igualmente, que a filosofia opõe-se ao senso comum, não se prendendo às informações imediatas dos sentidos. É que para captarmos a verdadeira essência das coisas não podemos ficar pela aparência que é dada aos sentidos, mas devemos fazer uso da razão crítica. Como afirmava um provérbio chinês, enquanto o sábio aponta para a Lua, o tolo olha para a ponta do dedo, querendo com isso significar que existe aqui uma diferença essencial de perspectiva de encarar a realidade. §7-A. Universalidade A Filosofia ajuda-nos a desenvolver uma visão do mundo, uma concepção do mundo. Uma visão que ultrapassa a nossa vivência quotidiana e a perspetiva imediata que daí decorre. A visão do mundo que desenvolvemos reflete sobre o homem enquanto ser universal, reflete sobre a condição humana. Mesmo que se parta dum homem concreto e situado e do seu viver circunstancial, a filosofia eleva-se ao universal ao refletir sobre a condição humana – no homem particular que vive, sofre e se emociona, a Filosofia vê a 9 Inserir referência biográfica. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 11. 11 Humanidade viva, sofredora e emocionada. A Filosofia e a sua reflexão, através duma perspetiva totalizadora, elevam-nos ao universal. §8. Autonomia em relação à ciência e à religião A filosofia apresenta-se como um saber distinto da ciência e da religião. É com base nesta distinção que podemos falar de autonomia da atitude filosófica. A filosofia não é uma ciência, distingue-se da ciência por possuir um método e um objecto que são distintos dos métodos e objecto das ciências. Em relação ao método, verificamos que as ciências se foram constituindo enquanto saberes específicos na medida em que construíram métodos próprios, baseados no método experimental. A filosofia é um saber específico que não pode recorrer à experiência; a filosofia, em termos gerais, baseia-se no método reflexivo — a reflexão racional e crítica é o seu método. Também ao nível do método a reflexão filosófica exibe a sua especificidade. Enquanto que cada ciência foi delimitando um objecto próprio e específico e que correspondia a uma zona delimitada do real, a reflexão filosófica faz da totalidade, o ser enquanto ser, a realidade em si mesma, a condição humana, o seu objecto. Diz-se que o todo é o objecto da filosofia, enquanto que cada ciência tem como objecto uma determinada parcela do real. Mas a atitude filosófica também se constitui autonomamente em relação à religião. As religiões, monoteístas ou politeístas, sempre fizeram da fé a característica essencial da postura do homem religioso. Uma fé que lhe permite relacionar-se com uma entidade que lhe é apresentada dogmaticamente. Ora, a atitude filosófica não apela à fé, mas antes baseia-se num exame livre e racional dos seus postulados. E estes postulados estarão sempre sujeitos ao livre exame. §9. O carácter discursivo do trabalho filosófico A Filosofia não pode deixar de trabalhar com a palavra e com os textos que corporizam a(s) palavra(s). Por isso nos referimos ao carácter discursivo da Filosofia e do trabalho filosófico. A Filosofia vive de textos. É assim que os filósofos expõem as suas ideias, discutem as ideias dos outros, tomam posição sobre os problemas. Oral ou escrito, o texto filosófico é essencial para a reflexão. E, através dos textos, os filósofos argumentam, justificam e adiantam razões que apoiam as ideias (as teses) que defendem. O carácter discursivo da Filosofia implica uma definição tão rigorosa quanto possível das palavras e dos conceitos que utiliza, bem como coerência na articulação entre os conceitos. §10. Filosofar é argumentar O que é argumentar? Argumentar é apresentar razões em defesa de uma determinada tese, duma determinada posição [ver Posições de L Althusser]. O texto filosófico é por essa razão, um texto eminentemente argumentativo, que avança argumentos. Na filosofia, porque não estamos diante duma ciência exacta, as posições que se tomam não são evidentes, nem podem ser demonstradas matematicamente. Portanto, temos que argumentar. Ora, o que é um argumento? Basicamente, um raciocínio que encadeia premissas e conclusões, onde as conclusões se retiram das premissas apresentadas, ou onde, uma vez aceites determinadas premissas, somos conduzidos pela força mais ou menos persuasiva da ligação (concatenação) estabelecida entre as premissas e as conclusões. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 12. 12 §11. Áreas e temas abrangidos pela Filosofia Tendo a totalidade como objeto da sua reflexão, logo é possível constatar que são múltiplos os assuntos e os temas que cabem na discussão filosófica, originando-se, por essa razão, disciplinas filosóficas, também elas variadas para darem conta dessas variadas problemáticas. No campo da reflexão sobre o homem enquanto membro de um grupo e vivendo numa dada sociedade10, podemos indicar algumas disciplinas filosóficas que serão aí pertinentes: a axiologia que se dedica ao estudo dos valores, a ética que estabelece e conduz à reflexão sobre os princípios que deverão orientar a ação humana e a filosofia política, que perspetivará o homem como um animal político refletindo sobre o futuro da comunidade humana. Já no campo da reflexão sobre a linguagem, a sua origem e natureza ocupa um espaço próprio na reflexão filosófica. Aí vê-se delimitar algumas disciplinas filosóficas como sejam a filosofia da linguagem, a filosofia analítica e a hermenêutica. No campo do conhecimento vemos discutir-se desde a natureza do conhecimento, à existência ou não de uma ruptura entre o conhecimento do senso comum ou conhecimento vulgar e o conhecimento científico (e as suas implicações éticas) e o problema da verdade. Esta constelação de problemas gerou o surgimento de várias disciplinas filosóficas como sejam a gnoseologia, epistemologia e a teoria do conhecimento. A experiência humana, enquanto conjunto de acontecimentos humanos significativos, é também objeto da filosofia. A experiência política, do homem enquanto cidadão, habitante da cidade (polis), a experiência estética, do homem enquanto produtor e espetador do belo artístico e a experiência religiosa, do homem relacionando-se com a transcendência, afirmando-a ou negando-a, também geram disciplinas no seio da filosofia: ética, estética e filosofia da religião. Finalmente, cabe também à Filosofia a reflexão sobre a natureza e estatuto de entidades que se situam para além do mundo físico, que é o do nosso viver diário. Disciplinas como a metafísica e a ontologia movem-se precisamente nesse mundo inteligível. §12. O que leva o homem a agir? Segundo Fernando SAVATER, o perpétuo inacabamento da realidade humana é a essência da nossa condição humana; a inquietude é o coração do nosso coração e ser humano consiste em procurar constantemente a fórmula da vida humana 11. O homem nasceu cedo demais, antes de estar desenvolvido e preparado para enfrentar o mundo. A sua intervenção, desde muito cedo, no meio que o rodeia intenta colmatar essas insuficiências que o homem traz consigo, esse inacabamento, esse ser-em-vias-de. A imperfeição inicial obriga o homem a agir. Por isso, o homem é também projeto, ser que se lança para diante ou permanentemente lançado para diante, para o seu futuro. O homem, desde sempre, que tentou construir um mundo mais habitável, à medida das suas necessidades, dos seus desejos e projetos. O meio que ele encontra no início, nem sempre está disposto da forma mais favorável aos seus intentos. A hostilidade do meio leva o homem a ter que agir. Por isso, ele tem que transformá-lo de acordo com as suas necessidades, tem que torna-lo mais amigável, mais habitável tem de agir. A cultura representa esse esforço incessante que resulta do confronto do homem com a Natureza e o 10 Já Fichte afirmava que ―o homem só é homem entre os homens‖ – Das man ist nür ein man unter den Menschen. 11 Cf. Fernando SAVATER, A coragem de escolher, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2004, p. 30. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 13. 13 resultado dessa acção transformadora. Esse esforço traduz-se no trabalho, num conjunto de actividades tendentes a transformar a Natureza, produzindo coisas novas e transformando as já existentes. O homem age, produz o seu próprio mundo, trabalha e por toda a parte deixa marcas da sua actividade. O mundo é a sua casa, mas o homem tem de vencer a hostilidade inicial desse mesmo mundo. §13. Sentidos da palavra ação usados na linguagem quotidiana e que não deverão ser considerados neste âmbito Quando falamos aqui de ação estamos a referir-nos a ação humana. No entanto, no dia-a-dia, referimo-nos também à ação dos animais e à ação dos elementos. Trata-se dum uso impróprio. Como veremos mais adiante (§15) a ação humana corresponde a algo que fazemos de forma consciente e voluntária. Isso não está presente no comportamento dos animais. O cão que abana a cauda, não o faz porque isso resulte duma decisão do cão ao ver o dono – trata-se não duma ação, mas antes duma reação do animal Do mesmo modo, podemos falar da ação da chuva ou da ação erosiva do vento. Porém, nem a chuva nem o vente agem: não actuam segundo a sua vontade nem muito menos têm disso consciência. §14. A acção humana constitui uma intervenção planeada e pensada Ao contrário do animal que age por instinto, irreflectidamente e de acordo com a sua memória genética, o homem age reflectidamente, analisa, pondera e decide de acordo com a avaliação que faz do meio que o rodeia, das oportunidades e obstáculos, bem como das suas capacidades e instrumentos postos à sua disposição. A ação humana, em sentido lato, significa a produção de efeitos, o que implica que algo é modificado ou transformado. Com efeito, agir tem como consequência, na maioria das vezes, uma modificação da realidade que cerca o sujeito. Nesse sentido, a ação humana constitui uma interferência do homem no decurso dos acontecimentos, a produção e provocação de efeitos na realidade que o cerca. Foi através da ação dos homens que o mundo se foi tornando num lugar mais acolhedor, de acordo com as suas necessidades, desejos e projetos. No entanto, devemos entender que a ação não se caracteriza apenas pela produção de efeitos externos. Por exemplo, podemos falar duma ação interior, do sujeito sobre si mesmo. Por outro lado, a acção, enquanto algo de exterior e visível corresponde à exteriorização e concretização do pensamento. Embora possamos dizer que há pessoas que em determinados momentos agem sem pensar, tal afirmação não é rigorosa; o que se deveria dizer é que o pensamento que antecedeu a acção foi insuficiente ou desadequado em relação à realidade onde pretendia intervir. Na maioria dos casos, o homem antecipa o que pretende fazer e tenta agir de acordo com o que planeou. Se as coisas não correm como planeado, tal deve-se a diversos fatores, desde uma insuficiente ou desajustada análise e ponderação até à intervenção de causas inesperadas ou imponderáveis. §14. - A Devemos distinguir o plano do agir do plano do acontecer e a ação da reação No sentido de percebermos o que é a ação, devemos proceder a algumas distinções e esclarecer melhor o que é o agir. Na nossa vida são muitas as coisas que nos acontecem. Por exemplo, ficarmos constipados ou cair-nos uma bola na cabeça. Isso são acontecimentos, não são ações do sujeito, mas algo que aconteceu ao sujeito. Também acontece que nalgumas situações temos reações automáticas, instintivas. Por exemplo, quando algo nos passa inesperadamente diante dos olhos e, automaticamente, os fechamos, como defesa. Trata-se, não de uma ação, mas de uma reação, algo que fizemos sem pensar José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 14. 14 ou planear. Se tivéssemos que pensar e planear a nossa resposta perante o inseto voador que se dirigia para o nosso rosto, acabaríamos por não responder convenientemente a essa ameaça. Pensemos também, a título de exemplo, nas reações que podemos ter quando andamos de bicicleta e um obstáculo surge inesperadamente à nossa frente: nós reagimos automaticamente, desviando-nos desse obstáculo ou travando como uma reação por instinto. Se pensássemos na resposta que devíamos dar perante o surgimento do obstáculo, perdíamos o tempo útil de resposta e acabaríamos por não conseguir evitar o choque. Do mesmo modo que distinguimos o plano do agir do plano do acontecer, também devemos distinguir o que é uma ação do que é uma reação. §15. A consciência e a vontade são elementos que caracterizam necessariamente a ação humana; o agir pressupõe uma atividade consciente e voluntária As nossas acções são algumas das coisas que nós fazemos. Nem tudo o que fazemos constitui uma acção. O fazer abrange um campo de actividades e acontecimentos mais amplo que aquele que é designado pelo agir. Tudo quanto realizamos é parte da nossa conduta, mas nem tudo o que realizamos constitui uma acção. Fazer coisas é um aspecto de que se reveste a acção, mas não a esgota. Realizamos coisas inconscientemente, enquanto dormimos; não temos consciência de que as realizamos isto não são acções. Por outro lado, há coisas que fazemos, mas que não correspondem a uma deliberação da nossa vontade. Há coisas que fazemos conscientemente, mas sem intenção, ex.: tiques nervosos, actos reflexos realizamos isso involuntariamente, apesar de termos disso consciência, constatamos isso enquanto espectadores e não enquanto agentes. O que fazemos involuntariamente também não constituem acções. Reservamos o termo ‗acção‘ para as coisas que realizamos consciente e voluntariamente e que, nalguns casos mobiliza um saber e um poder técnicos. A consciência e a vontade são elementos integrantes e caracterizadores da acção. Só devemos chamar acções aos aspectos da nossa conduta de que damos conta (de que temos consciência, que fazemos conscientemente) e que efectuamos intencionalmente, isto é, com intenção, ou seja, voluntariamente. Portanto, as ações correspondem àquilo que realizamos consciente e voluntariamente, não sendo acção do homem o que este realiza estando apenas presente uma daquelas características. Actos do homem são aquilo que realizamos ou sem termos consciência disso ou sem que isso corresponda à nossa intenção ou vontade. As acções humanas têm que ser, simultaneamente, conscientes e voluntárias. Conscientes, isto é, quando o sujeito age, ele tem de saber que está a agir e que a sua acção corresponde ao que projectou e desejou. Voluntárias, isto é, as suas ações deverão ser a concretização da sua vontade, da sua intenção, fazendo aquilo que quis ou desejou. Diz-me o que fazes e dir-te-ei quem és… Quando escolho o curso ou a profissão que quero seguir, não sou apenas o autor das ações que se seguirão em função dessa escolha, como me irei definindo através dessas ações. Aquilo que farei irá contribuir para o desenvolvimento da minha identidade. Eu não sou apenas aquilo que faço e que é escrutinado pelos outros, mas também a soma dos meus desejos e projetos, bem como das minhas frustrações, daquilo que tentei fazer e não consegui. A minha identidade, o que eu sou, é um processo, um permanente movimento, onde as minhas ações constituem elementos determinantes para essa construção da identidade. §16. A importância da presença da consciência e da vontade no agir do homem Qual é a importância da presença dos elementos consciência e vontade na ação humana? Para responder a esta pergunta vamos analisar as três situações seguintes, partindo do princípio que te caberá a ti avaliar e julgar o comportamento dos sujeitos José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 15. 15 implicados. Imagina, por exemplo, que és o juiz destes processos e eras que proferir uma sentença… §17. Movimento / acontecimento e acção ―Dizer: «estico o braço para mostrar que dou uma volta» é produzir um enunciado que não pode situar-se na mesma categoria que o enunciado «o braço levanta-se»: este descreve um movimento, aquele uma acção; este descreve um movimento que é observado por um espectador, o segundo descreve uma acção do ponto de vista do agente que a fez.‖12 Movimento e acção não são o mesmo. Dum ponto de vista dinâmico, no movimento está implicada a noção de causa com um sentido meramente mecânico, enquanto que na acção está presente a noção de motivo. Do mesmo modo, como já vimos, a ação não é um acontecimento, isto é, algo que acontece. O que acontece é um movimento enquanto observável, desprovido de intenção ou motivo. Se o homem surge aí implicado não o é enquanto agente, entidade activa, mas enquanto sujeito passivo. Conduzir um automóvel corresponde a uma acção que eu realizo. Ter um furo é algo que me acontece, é um acontecimento para o qual eu não tive nenhum contributo, onde não se manifesta a minha intenção. Matar uma galinha corresponde a uma ação. A galinha morrer constitui um acontecimento, um facto. §18. A rede conceptual da ação: ação intencionada e ação causada Uma ação intencionada será uma ação que é desenhada de acordo com a nossa intenção. Com os fins que desejamos atingir e com a nossa vontade ao serviço da concretização desses mesmos fins. Uma ação intencionada é uma acção onde está presente a consciência do indivíduo, a ponderação de opções, onde existe uma escolha entre diferentes vias, uma decisão que se associa igualmente à nossa vontade, intenção e motivações. Como afirma William JAMES, ―a procura de fins futuros e a escolha dos meios próprios para o alcançar são, assim, a marca e o critério da presença da mentalidade num fenómeno.‖ Diferente é o caso de uma ação causada. Esta é uma ação explicada por determinantes — genéticas, ambientais, histórico-culturais ou outras —, onde o elemento intencional, racional e ético não é visível, ou se encontra diminuído ou eliminado face ao peso e influência daquelas determinantes. Consoante o peso que atribuímos à influência daquelas determinantes ou à influência da nossa vontade, assim se formaram duas perspectivas opostas acerca da dependência da nossa acção em relação às causas exteriores ou em relação à deliberação da nossa vontade. §19. Perspectiva determinista e perspectiva baseada na acção intencionada Segundo a perspectiva determinista nós somos determinados por causas, somos o produto de causas; toda a acção humana é explicada e é determinada por factores que têm a ver com a nossa natureza animal, com os nossos genes, com a nossa biologia, por um lado; e com factores que têm a ver com a sociedade, a época, a educação ou ainda com factores 12 Paul RICOEUR, O Discurso da Acção, p.13 José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 16. 16 externos de diversos tipos e que nos ultrapassam (acasos, acontecimentos, obrigações ditadas por outras pessoas, etç.). A nossa liberdade está assim condicionada por esses factores que acabam por funcionar como os verdadeiros autores daquilo que fazemos e das nossas acções. O sujeito como que se apaga diante desses factores. Pelo contrário, quanto à perspectiva baseada na acção intencionada, há dentro de nós e nas nossas acções factores racionais, graus de liberdade, elementos que ultrapassam as causas em si mesmas; há projectos e há intenções; logo, o indivíduo está acima das condicionantes ambientais, biológicas ou outras, escapa desses factores e como que age exclusivamente partindo da sua vontade imune a esses factores e ao meio onde o sujeito está. §20. Combinando causas e intenções; o homem é simultaneamente livre e determinado Somos, por um lado, produtos de genes e produtos da educação e de uma época, logo, seres sujeitos a essas condicionantes. A nossa inteligência, as nossas capacidades racionais têm limites. E isso permite ultrapassar, de certa maneira e a alguns níveis, as causalidades de base, as determinantes e condicionantes. Temos também livre-arbítrio, ou seja, capacidade de optar entre o bem e o mal. Em conclusão, há, simultaneamente, causalidade e intencionalidade nas nossas acções. Somos livres sem o poder ser de uma forma absoluta. Não podemos ou não conseguimos realizar tudo o que projectamos ou idealizamos. Por várias razões. A começar, o nosso corpo é, de certa maneira, um limite e uma limitação dos planos da nossa vontade. O meu corpo é um limite à minha liberdade, apesar de ser, igualmente, um instrumento e o meio através do qual eu posso realizar a minha liberdade. Mas a realidade que me rodeia também constitui uma limitação à minha liberdade e, portanto, para a minha ação. Por mais vontade que eu tenha de ser pescador, se viver no interior, longe do mar ou de um lago ou de um curso de água, o meu projeto de vir a ser pescador está fortemente condicionado. O meio, para além de poder ser um manancial de oportunidades, é também uma fonte de obstáculos e dificuldades. [a continuar] §21. Ações voluntárias, atos involuntários e reflexos As acções intencionadas são acções voluntárias, ou seja, assentes no nosso querer, na nossa razão, no pensamento. Nisso distinguem-se das acções involuntárias e das acções reflexas. Parte dos nossos actos é comandada por impulsos e desejos porventura divergentes e difíceis de gerir. As nossas pulsões agressivas e as nossas pulsões sexuais são exemplos disso. Os actos que se associam aos nossos instintos, aos nossos reflexos, à nossa natureza animal, ao nosso lado irracional e emocional, ou que nos são impostas por terceiros ou pelas autoridades, são actos involuntários. Ao contrário, as acções intencionadas são voluntárias. §22. O agente da ação e a relação causal Toda a acção depende de um sujeito, isto é, de um agente, tal como toda a intenção é sempre intenção de alguém. Do mesmo modo, procurar os motivos de uma acção leva- nos a interrogações que nos conduzem ao agente. O agente é, assim, uma espécie de causa da acção. Por isso, afirma RICOEUR que ―atribuir uma acção a alguém é, em primeiro lugar, identificar o sujeito da acção‖.13 Trata-se de saber a quem pertence tal e tal acção. A 13 RICOEUR, Paul, op. cit., p. 61 José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 17. 17 atribuição de um autor a uma acção pode ser uma tarefa simples, mas também pode ser uma tarefa complicada. Por exemplo, quando consideramos as consequências longínquas de uma determinada acção. Vejamos este exemplo: O António está conduzindo um automóvel a toda a velocidade para o Hospital da cidade, porque a sua mulher entrou em trabalho de parto. Entretanto, Manuel, que estava à janela, vê o automóvel aproximar-se a toda a velocidade, ao mesmo tempo que em frente ao seu prédio dois miúdos jogam à bola. Tenta avisá-los e debruça-se da janela, caindo. Felizmente que Manuel cai em cima do toldo da mercearia e não lhe acontece nada. O seu velho tio, que estava na sala, assiste à queda de seu sobrinho Manuel. Como está numa cadeira de rodas e não se pode deslocar não chega a saber que está tudo bem com Manuel, apenas uns estragos no toldo da mercearia do Sr. José. Graças à queda, os miúdos param de jogar à bola e o automóvel de António passa a toda a velocidade, sem acontecer nada. O mesmo não se pode dizer do pobre tio do Manuel. Ao ver o seu querido sobrinho cair da janela, teve um ataque de coração que foi fatal. Quando Manuel regressou a casa, encontrou o seu tio já sem vida. Será que podemos atribuir a António, que despoletou este processo conduzindo a alta velocidade, as consequências do mesmo, incluindo aí a queda do Manuel e a trágica morte do seu tio. A quem é que o senhor José da mercearia pode pedir que lhe paguem um novo toldo. À esposa de António? E porque não ao seu futuro filho que se lembrou de acelerar o seu nascimento? E poderemos acusá-lo de homicídio involuntário, ainda não tendo nascido? É evidente que esta situação é uma caricatura. Mas dá para ver as dificuldades que poderão existir na identificação de um agente da acção, bem como da importância dessa mesma identificação, como neste caso de apuramento de responsabilidades. A tarefa pode ser complexa, mas há casos em que pode ser fundamental. Imagine-se um choque em cadeia em que entrem vários automóveis... Ou pensemos em situações em que um crime é cometido em regime de co-autoria, isto é, onde vários agentes concorreram para o cometimento da mesma acção e onde poderão existir meros cúmplices. É fundamental saber quem são os autores da acção e determinar o grau de participação na acção de cada um deles de forma a poder, no caso do crime comparticipado, estabelecer a pena ajustada que será necessariamente diferente para cada um deles. §23. Estabelecer um motivo é responder ao porquê e explicar e legitimar a ação O estabelecimento de um autor para uma acção leva-nos a uma outra noção fundamental na estrutura da acção. Trata-se da relação causal, a relação entre dois acontecimentos, onde um é causa do outro, e este é efeito. Mas identificar a relação causal não é o mesmo que estabelecer o motivo da acção, já que neste caso estamos diante de uma ligação mais íntima e/ou interior na acção que vem justificá-la, torná-la legítima, necessária. O motivo, ao responder à questão do porquê esclarece a acção, torna-a inteligível. Entre os modos de tornar inteligível uma acção é relacioná-la com normas. A razão de ser de uma acção não apenas a explica, como a legitima. É nesse sentido que vai o texto de RICOEUR: ― [...] a relação causal é uma relação contingente no sentido de que a causa e o efeito podem identificar-se separadamente e que a causa pode compreender-se sem que se mencione a sua capacidade de produzir tal ou tal efeito. Um motivo, pelo contrário, é um motivo de: a íntima José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 18. 18 conexão constituída pela motivação é exclusiva da conexão externa e contingente da causalidade.‖14 §24. Intenção e motivo ―Intenção e motivo são noções conexas; o motivo é motivo de uma intenção. [...] A relação é tão estreita que, em certos contextos, motivos e intenções são indiscerníveis, em particular quando a intenção é explícita. [...] pode, no entanto, dizer-se que, inclusive, nos casos de extrema proximidade, intenção e motivo se distinguem em virtude de não responderem à mesma pergunta: a intenção responde à pergunta quê, que fazes? Serve, pois, para identificar, para nomear, para denotar a acção (o que se chama ordinariamente o seu objecto, o seu projecto); o motivo responde à questão porquê? Tem, portanto, uma função de explicação; mas a explicação, já vimos, pelo menos nos contextos em que motivo significa razão, consiste em esclarecer, em tornar inteligível, em fazer compreender.‖ (Paul RICOEUR, O Discurso da Acção, pp. 50-51) §25. O trabalho humano e a actividade dos animais O que distingue o pior dos arquitectos da abelha mais habilidosa? O que distingue a acção humana da actividade dos animais? No homem nós temos presente a consciência da sua acção, bem como dos resultados da mesma. O resultado da acção humana pré-existe idealmente, na cabeça do agente, à exteriorização da mesma. O homem planeia a sua actividade e prevê os seus resultados; existe no sujeito humano um trabalho de concepção mental que é prévio à sua execução. Pelo contrário, o animal age instintivamente, obedece aos seus instintos e actua no plano do imediato. O animal não ultrapassa o momento imediato, situa-se no plano do aqui e agora. O animal não age, antes reage. O homem não é dominado pelos instintos, antes concebe e aplica um plano: o que a sua mão realiza foi concebido previamente pelo cérebro. O trabalho manifesta a inteligência criadora do homem sobre a realidade envolvente. Neste sentido, apesar de tudo, existe uma superioridade do arquitecto mais desastrado sobre a abelha mais capaz. Afirmava PROUDHON em Création de l’ordre dans l’humanité: ―O trabalho é a ação inteligente do homem sobre a matéria. O trabalho é o que distingue (...) o homem dos animais; aprender a trabalhar é o nosso objetivo sobre a terra.‖ §26. O trabalho enquanto forma particular de ação. Trabalho e projeto. ―Tal é o trabalho humano: um plano que convida à realização, uma previsão que leva à efectivação, uma intenção que precede o acto, o interior do homem que se exterioriza e que, graças a essa exteriorização, se enriquece e se reconhece. O trabalho humano une a mão e o cérebro, o cérebro tem necessidade da mão para se manifestar enquanto a mão não pode agir sem que o espírito a dirija.‖ 15 No âmbito da acção, o trabalho representa uma das suas formas particulares. Decerto, a mais essencial e fundamental, tendo em conta a longa caminhada da humanidade e o seu constante esforço no sentido de dominar a natureza e colocá-la ao seu serviço. Existe no homem a dimensão do projecto. 14 Paul RICOEUR, O Discurso da Acção, p. 51 15 Henri ARVON, A filosofia do trabalho, p. 43. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 19. 19 Só o homem existe na dimensão do projecto. Só o homem projecta. E projectando- se, projecta-se, o homem projecta-se. E é porque se projecta que se pode rever na obra produzida. Só há projectos para o futuro. O futuro é o tempo próprio do projecto, mesmo quando este se formula no tempo presente. Ele encontra-se vê-se a si mesmo na obra que realiza. O mundo à sua volta, que é obra sua, é ainda o homem realizando-se. Quando olhamos para as coisas que fazemos, vemos nelas um pouco da nossa história. ―A obra reflete a imagem do espírito que a concebeu. Essa imagem permanece confusa enquanto a obra serve apenas a satisfação das necessidades vitais, torna-se nítida à medida que a obra se desembaraça de toda a necessidade exterior para atingir a «gratuitidade». É então que o trabalho, que é descoberta do homem por si próprio, cumpre totalmente a sua função.‖ 16 O trabalho realiza o homem, exterioriza as suas expectativas, os seus desejos, os seus projectos. Tal como a acção manifesta o homem. O resultado da sua acção é o homem exteriorizado. Ao agir, exteriorizo-me, manifesto a minha essência, isto é, aquilo que sou – qualquer obra reflecte o seu autor e isso é ainda mais evidente na criação artística. Aqui, o agente criador, livre de toda a necessidade e pressão, possui toda a disponibilidade para agir e criar de acordo com a sua vontade e imaginação, dando largas à sua subjectividade. Nesse sentido, será ao nível da criação artística que a obra melhor revela a essência do seu criador. A sinfonia nº 3 de Beethoven reflecte melhor a sua personalidade que o conjunto de listas de compras que ele tenha elaborado durante toda a sua vida. A obra de arte é a obra que exprime melhor aquilo que o seu autor é, pretende ser e / ou pretende que os outros vejam nele. §27. Acção livre e responsabilidade Em que condições é que podemos falar de uma ação livre? Ora, a ação só é livre quando o sujeito age de acordo com a sua vontade, consciente do que está a fazer e das consequências que dessa ação resultem. O sujeito não age livremente porque não existam limites ao seu agir; antes pelo contrário, o sujeito é livre e age livremente porque reconhece as limitações e joga com elas, tira partido dessas limitações. Ora, a partir do momento em que o sujeito age livremente, pode ser responsabilizado pelo que aconteça. É responsável pelos seus atos e suas consequências. Só o sujeito que age livremente é que é responsável pelos seus actos e pelas consequências dos seus actos. Só aquele que age voluntariamente está em condições de assumir plenamente a autoria dos seus actos e só a esse sujeito é que é possível exigir ―responsabilidades‖. Se a vontade do sujeito fosse manipulada ou adulterada, então nunca poderia ser responsabilizado pela sua acção, mas seria sim aquele que dominaria a vontade do sujeito. Se apontam uma arma à cabeça do sujeito para que ele furte um sabonete do supermercado, não pode ser totalmente responsabilizado por esse furto. Se a sua vontade estava a ser condicionada dessa maneira, ao ponto desse sujeito agir contra a sua vontade, não se lhe podem assacar responsabilidades pelo furto do sabonete. A responsabilidade deve cair sobre quem apontava a arma. Só um sujeito livre pode ser considerado responsável e responsabilizado. Ser responsável ou ser responsabilizado significa que deve arcar com as consequências da ação, isto é, do que acontece como consequência da ação. 16 Henri ARVON, A filosofia do trabalho, p. 41, José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 20. 20 Quando ele é responsabilizado, vai arcar com o peso da sua decisão. Por isso, um sujeito que se sabe responsável, não decide de ânimo leve, de forma imediata, não ponderada. Ele sabe que a sua ação inicia uma série de reações em cadeia. Com o seu agir a realidade transforma-se e já não é mais igual ao que era. É por isso que, em termos do direito, a responsabilidade assume-se repondo a realidade tal como era antes da intervenção do agente. Só há lugar a indemnização em dinheiro quando já não é possível a reposição da situação original17. Em termos jurídicos (que segue de perto o significado filosófico) aquele que é responsável é aquele que é autor da ação e que deve repor o estado de coisas anterior à ocorrência da ação danosa. Por exemplo, se o meu automóvel destruir o muro do vizinho e eu for responsabilizado por isso, então serei eu o responsável e quem deve repor o muro tal qual ele existia antes do automóvel o ter destruído (acção danosa). Portanto, ser responsável significa ter que, ―aguentar‖ com as consequências. No caso, reconstruir o muro ou indemnizar o dono do muro, dando-lhe a quantia de dinheiro que compense o dono do muro do prejuízo que teve ou possa ter enquanto o muro não for reconstruído18. §28. A culpa. Negligência e dolo. Próximo da noção de responsabilidade temos a noção de culpa. A culpa é o sentimento que o sujeito experimenta quando sabe que é responsável por determinada acção. Associada à noção de culpa está a noção de intenção: o culpado da situação x é aquele que teve a intenção de provocar a situação x. Isto quer dizer que agiu com a vontade de provocar a situação x. Será, pois, culpado pela situação x. No sistema penal português distinguem-se dois graus de culpa: negligência e dolo. Agiu com negligência aquele que agiu descuidadamente, possuindo o dever de agir doutro modo, e nesse sentido é responsável pela situação criada. Imaginemos a seguinte situação: Antonieta, funcionária do jardim-escola não se apercebeu que uma criança que estava à sua guarda tinha corrido para a estrada onde foi atropelada por um automóvel. Veio a provar-se que Antonieta, naquele momento, estava a mandar uma mensagem pelo telemóvel para a namorada. Neste caso será culpada por negligência. O que não é o mesmo que agir dolosamente. Neste caso, agiu com dolo aquele que agiu com a intenção de provocar uma determinada situação. Veja-se o caso de uma funcionária do jardim-escola, Belarmina, que dissesse à criança (filha de um ex-namorado que ela detesta) para ir brincar para o meio da estrada sabendo que assim iria ocorrer um acidente. Nas duas situações existe culpa, mas em graus diferentes: Antonieta foi negligente, mas Belarmina atuou dolosamente. É por isso que na atribuição de uma pena o juiz irá distinguir se o arguido agiu negligentemente ou dolosamente. A negligência é uma forma de culpa menos censurada ou penalizada que o dolo19. 17 Era o que aconteceria, por exemplo, se alguém destruísse um quadro pintado por um pintor famoso. Seria impossível repor a situação original. 18 Imagine-se que, enquanto o muro está destruído e aproveitando esse facto, fogem-lhe da sua propriedade, o rebanho de ovelhas que ele possuía. Neste caso a indemnização deve contemplar este prejuízo. Como também pode contemplar os lucros que o dono do muro deixou de ganhar. Imagine-se que durante o tempo que o muro está destruído alguém vem adquirir essa propriedade por um valor inferior por causa do muro destruído. 19 Para o nosso Código Penal existem até atuações que só serão crimes em caso de dolo; a negligência não é penalizada do ponto de vista do Direito. Como veremos mais à frente, isso não significa que não haja um juízo de censura social e a negligência não seja penalizada do ponto de vista moral. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 21. 21 §29. Algumas notas sobre o existencialismo O existencialismo é uma filosofia à qual está ligado o nome de Jean-Paul Sartre, como seu principal representante. As principais obras deste autor vieram a lume na segunda metade do século vinte. Para aquele filósofo distingue-se a essência da existência. No mundo das coisas, a essência é anterior à existência. Uma cadeira é definida previamente na cabeça do carpinteiro que a projecta e só depois é a passa a existir. No caso da cadeira, primeiro esta é (na cabeça e nos planos do carpinteiro) e só depois é que existe. A existência da cadeira está condicionada e limitada por aquilo que o seu criador planeou previamente. No caso do homem, passa-se algo completamente diferente. Segundo Sartre existe no homem uma anterioridade da existência sobre a essência. Isto quer dizer que o homem primeiro existe e só depois é que é, quer dizer, só depois é que se vai definindo, construindo as suas qualidades. Para Sartre, Deus não existe e, portanto, não existe nenhum ser que criou o homem. Ninguém criou o homem. É ele que se cria a si mesmo. Para isso, primeiro existe e só depois é que é — a existência é anterior à essência. No caso do homem, ele não está limitado por nenhum plano prévio. O homem não tem que conformar a sua vida segundo o projecto de um Deus qualquer. Porque Deus não existe, o homem é radicalmente livre, é ele que se inventa a si mesmo, é ele que cria a sua essência, é ele que constrói o que quer ser. O homem não encontra nenhum sinal, nem nenhuma indicação a mostrar-lhe o caminho que deve seguir. Segundo o Existencialismo, cada homem é livre para seguir o que quiser. Mais, como dizia o poeta espanhol Antonio Machado, ―não existem caminhos, fazem-se a caminhar‖. Se Deus existisse, o homem não era livre, pois a sua existência estava determinada e ele teria que existir de acordo com essa essência. Sem Deus, cada homem ―está só e sem desculpas‖ ou como diz a canção ―não há estrelas no céu / a dourar o meu caminho‖. O homem é livre para o fazer, como também é responsável e responsabilizado por isso. A todo o momento, o homem escolhe, mas não existe ninguém a indicar-lhe um caminho. O homem só se escuta a si mesmo, é ele que constrói a sua essência. Se Deus existisse e tivesse criado o homem, este poderia sempre admitir a vontade divina como responsável por aquilo que ele é e desculpar-se com isso. Deus dá jeito a quem não quer arcar com o peso da responsabilidade, quem quer fugir diante das suas responsabilidades. Neste sentido, quem acredita em Deus vê nele um bom refúgio para demitir-se da construção da sua essência e da própria realidade. Quem não acredita, tem de ficar com o peso e as consequências da sua escolha. §30. Classificação das condicionantes da acção humana O homem é um ser completamente exposto às influências do meio social, cultural e natural, sempre aberto aos outros, completamente permeável às influências do exterior. Por outro lado, é um ser inacabado e imperfeito, donde a necessidade de agir, de se transformar e transformar a realidade de acordo com as suas necessidades. O homem não é, assim, um ser fechado sobre si mesmo. Por isso se diz que o homem é um ser de relação. Também no mesmo contexto de ideias, note-se a afirmação do Ortega y Gasset: ― Eu sou eu e a minha circunstância‖. Com esta afirmação o filósofo espanhol quer-nos dizer que na identidade e no conhecimento de qualquer um teremos de ter em conta o contexto em que o próprio sujeito se encontra. O homem não se pode definir isolado da realidade e dos outros. A sua estrutura anatómica-fisiológica aponta precisamente para essa interpenetração do sujeito com a realidade que o envolve, seja a realidade física ou a realidade cultural ou ainda a realidade social. O homem está na dependência do mundo, um mundo de coisas e pessoas, e este constitui fonte de limitações para a sua acção, mas também um conjunto de oportunidades e recursos postos à sua disposição. Esta situação particular de um ser José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 22. 22 dependente do mundo, aberto ao mundo e interagindo com o mundo, leva a que o homem não possa contar apenas consigo, mas tenha que levar em linha de conta com um conjunto de factores que envolvem o sujeito e que o definem. O sujeito não se compreende isolado dos outros, porque apenas se desenvolve na interacção com os outros. É assim que acontece quando consideramos a perspectiva filogenética e a perspetiva ontogenética, isto é, quer consideremos o homem na sua evolução individual desde a fase de criança até ao estado adulto (filogénese), quer consideremos a evolução da própria espécie humana e o processo de hominização (ontogénese). Nestes dois processos evolutivos o homem desenvolve-se na medida em que se relaciona com os seus semelhantes e realiza trocas com o meio exterior. Esta interdependência entre o homem e o meio que o envolve faz com que a sua acção nunca possa depender exclusivamente da sua vontade. Todo este percurso acontece estando o homem mergulhado numa determinada situação que o rodeia e influencia sob diversas formas. Ele não age de uma forma absolutamente livre. Existem factores que condicionam e limitam a acção humana. Estas condicionantes da acção humana podem dividir-se segundo a seguinte classificação: condicionantes biológicas, histórico-culturais, psicológicas e físicas. O facto de o homem estar situado numa determinada sociedade e numa determinada época coloca limitações à própria actividade humana. A começar, devemos considerar as condicionantes sócio-culturais ou histórico-culturais, ilustradas por todo um conjunto de produtos culturais e sociais que estruturam a sociedade e asseguram o seu funcionamento mais ou menos regular: hábitos, costumes, normas de convivência social, leis, imperativos religiosos e morais, valores, tudo isto constitui uma constelação de princípios e regras que limitam a actividade humana. Condicionam, mas não são barreiras intransponíveis, porque todos nós sabemos que, nalguns casos, a actividade humana vai contra esses princípios e regras. O Código da Estrada assegura o regular funcionamento do trânsito na medida em que informa os condutores sobre o que se pode e não se pode fazer. Mas a existência das normas do Código da Estrada não asseguram só por si que não haja transgressões. Aquelas normas condicionam a acção dos condutores, mas não são limites absolutos. Mas existem outras limitações ao exercício da vontade. A estrutura e funcionamento do nosso corpo são também condicionadores da acção. Eu não posso estar debaixo de água mais do que determinado tempo e por mais vontade que tenha em voar, eu sei que não o posso fazer. Existem, deste modo, outro tipo de condicionantes que designaríamos como condicionantes biológicas e que são transmitidas geneticamente. Trata-se de condicionantes que têm a ver com a estrutura e funcionamento do nosso corpo. De notar, contudo, que o nosso corpo possui um duplo sentido: por um lado constitui uma condicionante da acção humana, por outro lado é com o corpo e é através do corpo que eu ajo e intervenho no mundo. O meu corpo é um limite, mas também um instrumento da vontade, o veículo para a concretização do meu pensamento. É através do meu corpo que eu exteriorizo as ideias da minha mente. Nesse sentido, eu realizo a liberdade através do meu corpo. O corpo é um instrumento ao serviço da acção, mas também limita a própria acção, na medida em que eu não posso agir para lá daquilo que o corpo me permite. O sujeito age dentro dos limites que são impostos pelo corpo, instrumento da acção, o corpo está ao serviço da liberdade, porque é através dele que eu manifesto o meu ser livre, mas ao mesmo tempo, o corpo condiciona a liberdade, ele é a fronteira da vontade. Mesmo com uma vontade intensa e esclarecida eu não posso voar ou viver debaixo de água. É verdade que eu posso ir alargando esses limites, quer porque eu posso ir José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 23. 23 treinando o corpo, e ganhar mais destreza física, quer porque eu posso socorrer-me de meios mecânicos para ampliar esses mesmos limites (quando eu uso um telescópio eu amplio a minha capacidade de visão) contudo, alargar os limites do meu corpo não significa que alguma vez eu possa dispensa-lo da execução da acção. As condicionantes biológicas não estão fixas. Na evolução da espécie humana, verifica-se que o homem progride na medida em que depende cada vez menos do corpo que foi transmitido geneticamente, construindo artifícios técnicos que o ajudam a ultrapassar as suas limitações biológicas. Para além do corpo, também a personalidade de cada um condiciona o seu modo de agir. Existem certas maneiras de ser que fazem com que o indivíduo seja mais passivo ou indiferente face ao mundo e, nesse sentido, menos propenso a agir. A acção de uma pessoa, a sua intervenção no mundo, pode ficar condicionada por causa de um temperamento mais envergonhado ou reservado. Neste caso, estamos a falar de condicionantes psicológicas que se relacionam com o psiquismo humano. Finalmente, também poderemos entender que o meio físico onde a acção se concretiza condiciona o agir humano. Pense-se, por exemplo, no trabalho agrícola e como ele está dependente e condicionado por um conjunto de factores, tais como a natureza dos solos, a existência ou não e cursos de água, a existência ou não se solos apropriados ou terrenos acidentados, o clima. Quer isto dizer que poderemos também considerar a existência de condicionantes físicas ou ambientais. O vasto elenco de factores que condicionam a acção humana leva-nos à conclusão de que o homem e a sua vontade estão limitados por determinados factores que, contudo, não são obstáculos intransponíveis. Se assim fosse, não haveria nenhuma margem para a liberdade e vontade humanas. Ora, nós constatamos facilmente que o homem tem, em muitas ocasiões, a possibilidade de escolher algo e de recusar algo. Todas as vezes que eu ajo, eu sei também que poderia ter feito mais ou menos do que fiz, que poderia sempre ter feito diferente. Todas as vezes que eu levo por diante uma acção, eu sei que escolhi e rejeitei alternativas, caminhos diferentes daqueles que acabei por seguir. Isso significa que o homem é livre para escolher, mesmo que condicionado por inúmeros factores. §31. Diversos tipos de determinismo A liberdade humana não é absoluta. Como facilmente já vimos existem limitações que incidem sobre o homem e a sua vontade. Segundo alguns autores o homem está submetido a diversos tipos de determinismo. Determinismo físico Significa a concepção do universo em que os fenómenos ou acontecimentos estão de tal maneira relacionados uns com os outros que uma inteligência, capaz de conhecer todas as circunstâncias da evolução do universo num momento dado, poderia prever qualquer acontecimento futuro. Todos os acontecimentos estão interligados entre si em termos de causa e efeito, todos os acontecimentos são causa e efeito uns dos outros e onde o homem acaba também por ser determinado pela realidade física. Neste sentido, o homem não é livre pois acaba por agir determinado pelo turbilhão da realidade externa. É este determinismo que serve de base à indução das leis científicas. Determinismo biológico É a posição segundo a qual não há traços humanos que não sejam produto biológico. A vida de cada homem seria condicionada por certas limitações impostas pela herança biológica. Haveria, por exemplo, alguns mecanismos neurofisiológicos e modos de comportamento que seriam muito difíceis ou mesmo impossíveis de modificar. O homem José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 24. 24 seria consequentemente desresponsabilizado pelas suas tendências e pelos seus actos, na medida em que tudo aquilo que ele faz deve ser explicado não pela sua vontade mas através do funcionamento do seu corpo. Para algumas tendências mais radicais, como por exemplo no âmbito da biossociologia, mesmo os valores, como o patriotismo, teria um fundamento biológico. Determinismo psicológico É a tese segundo a qual todo o comportamento livre e espontâneo é determinado por antecedentes psíquicos de ordem afectiva (crenças, desejos, temores, etc.) ou de ordem intelectual (motivos). Esta forma de determinismo nega a liberdade humana. Determinismo sociológico Considera que o comportamento do indivíduo é um produto da cultura, ou seja, dos hábitos colectivos, adquiridos por aprendizagem social e transmitidos de geração em geração. A cultura modela a personalidade, influencia os valores, as crenças e atitudes. Condiciona, portanto, a maneira de ser, de pensar e de agir do homem. §31 – A. A crença no destino como forma de determinismo O homem que se afirma a si mesmo, assumindo a sua liberdade, afirma-se como senhor do seu destino. Mas há também quem afirme que o destino do homem já está traçado de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à Providência Divina e à vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é uma espécie de marionete, cuja vida é manipulada a partir do Além. Esta posição também pode ser muito cómoda para quem não quer assumir a responsabilidade pela sua condição e situação. Atribuir a Deus a causa de tudo o que acontece é afastar o homem do seu próprio caminho e da sua história. Quem assim pensa tem, sobretudo, medo que os homens sejam senhores do seu destino e da sua vida e expulsem definitivamente os deuses da sua realidade. §32. Consciência, vontade e responsabilidade Como já atrás vimos, as ações humanas envolvem a consciência e a vontade humanas. A consciência e a vontade são elementos intrínsecos à ação, sem os quais não poderíamos dizer que estávamos diante de uma acção humana. A liberdade e a ação livre concretizam-se através de um processo em que o homem (o agente) sabe o que faz e faz o que deseja fazer. A ação só é livre se o sujeito agir de acordo com a sua vontade, consciente do que está a fazer e das consequências de que daí resultam. O sujeito é livre e age livremente, não porque não existam limites / limitações ou barreiras à sua ação, mas porque reconhece essas limitações e joga com elas. A partir do momento em que o sujeito age livremente, de acordo com a sua vontade e consciente do caminho que iniciou, então o sujeito é também responsável pelos seus actos e pelas consequências destes. Só um sujeito livre pode ser responsável e responsabilizado. Se a vontade do sujeito fosse manipulada por indivíduos estranhos, por exemplo, então a responsabilidade recairia sobre estes e o sujeito nunca poderia ser responsabilizado. Se o sujeito é livre e sabe o que faz, então também é responsável, é sobre ele que recaem as responsabilidades do que acontecer como consequência directa do seu José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 25. 25 agir20. Ser responsável significa assumir as consequências do que acontece devido à sua iniciativa e à sua ação. Quando o sujeito é responsabilizado ele vai arcar com o peso da sua decisão. Por isso, em certas condições, um sujeito responsável não decide de ânimo leve. Ele sabe que a sua ação pode dar início a uma série de consequências e reações em cadeia. Com o seu agir a realidade transforma-se e já não é mais igual ao que era. É por isso que, em termos do direito, a responsabilidade assume-se através do pagamento de uma indemnização que deverá, na medida do possível, repôr a realidade tal como era antes da intervenção do agente21. Na medida do possível, pelo que haverá lugar a uma indemnização pecuniária quando não for possível a reposição da situação originária22. Há uma íntima ligação entre liberdade e responsabilidade. Se o sujeito não fosse livre, nunca seria responsável. Nesse sentido, muitos olham a liberdade como uma espécie de condenação23. Então, optam pela moral dos escravos, porque não querem aguentar com o ‗fardo‘ da liberdade. Preferem ser mandados a assumir o peso da responsabilidade pelas suas decisões. Só que o homem só se afirma a si mesmo assumindo a sua liberdade, afirmando-se como senhor do seu destino. Mas também aqui há quem afirme que o destino do homem já está traçado de uma vez por todas e que tudo o que acontece no mundo corresponde à Providência e ao cumprimento da vontade de Deus. Para esses, o homem não é livre, é uma espécie de marioneta, cuja vida é manipulada a partir do além. Esta posição também pode ser muito cómoda para quem não quer assumir a responsabilidade pela sua condição e situação. Atribuir a Deus a causa de tudo o que acontece é afastar o homem do seu próprio caminho e da sua história. Quem assim pensa tem sobretudo medo que os homens sejam {ver o já impresso} 20 Se não fosse a consequência direta, então poderíamos cair numa situação absurda em que o sujeito seria responsável por tudo o que acontecesse na sequência dos seus atos, mesmo tratando-se de uma consequência longínqua. Imagine-se que o senhor Albino provoca um acidente. Para além dos acidentados que aí aconteceram, seria também responsável por situações distantes como, por exemplo, pela vizinha do acidentado que escorrega na escada quando recebe a notícia do acidente! 21 Isto no caso do ordenamento jurídico português. Noutros ordenamentos, onde as indemnizações podem atingir valores astronómicos, a indemnização tem também a função de penalizar o infractor, com o objectivo de do dissuadir de voltar a praticar a ter uma conduta prejudicial. 22 Por exemplo, quando da acção resulta a morte de alguém ou a destruição de um bem original, infungível. Nestes casos não será possível repôr a situação anterior á conduta negativa. 23 Era Sartre que afirmava que estamos condenados a ser livres. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 26. 26 §33. O que são os valores Nós, no dia-a-dia, falamos ou ouvimos falar muitas vezes de valores. Nomeadamente, já todos nós ouvimos falar da Bolsa de Valores, instituição onde se transaccionam ações e obrigações, entre outros papéis. Esses títulos são valores, mas não é nesse sentido que falamos aqui de valores. Os valores não são coisas materiais, mas representações mentais que nós possuímos e que justificam as nossas escolhas. Os valores não são uma realidade objectiva, material. Os valores são representações mentais, projecções mentais, entidades ideais. Os valores são realidades subjectivas e expressão da minha subjectividade, da minha vontade, da minha escala de preferências, que por sua vez são resultado da minha educação e da minha cultura e da sociedade em que vivo. Sem que isso queira dizer, no entanto, que não haja igualmente um movimento em sentido contrário, através do qual explicamos como é que os nossos valores também influenciam e transformam a educação, a cultura e a sociedade. Os valores são representações mentais que eu projecto sobre as coisas, factos ou pessoas. É isso que se passa quando eu realizo escolhas. Cada escolha é a manifestação das minhas orientações pessoais, é a afirmação da minha subjectividade. Isto quer dizer que os valores variam de pessoa para pessoa, de grupo social para grupo social, são subjetivos. E variam devido a múltiplos factores de ordem cultural e educacional, nomeadamente. É por isso que os valores vão mudando de época para época. Muda o seu conteúdo, como também muda a escala de valores que cada época assume como sua. Na medida em que eu os projecto sobre as coisas, os valores não são caraterísticas intrínsecas às próprias coisas, como o tamanho, a cor ou a densidade, por exemplo. As mesmas coisas podem ter valores diferentes no mesmo momento, dependendo isso dos sujeitos avaliadores. Uma pedra que eu guardo no meu quarto pode ter um elevado valor sentimental porque está associada a um momento afectivamente importante da minha vida, enquanto que para os meus pais aquela mesma pedra na estante do quarto representa apenas lixo. Como podem estar sujeitas a uma sucessão temporal de vários valores. Porque os valores também estão sujeitos à evolução histórica das sociedades. Por isso, são portadores de uma variabilidade que depende de vários factores, nomeadamente relacionados com a época histórica, as caraterísticas da sociedade, os projetos e expetativas da comunidade. As coisas não valem por si mesmas, mas valem em função do homem que é criador dos valores e duma sociedade que as avalia. Assim, houve épocas em que a honra e a vergonha eram valores da máxima importância, que se foram ‗desvalorizando‘ com o passar do tempo. Neste sentido, podemos dizer que os valores são históricos, estão sujeitos à historicidade. As mesmas realidades vão sendo valorizadas ou desvalorizadas com o passar do tempo. Para Sartre, ao escolher quando ajo eu estou a afirmar o que é melhor para mim e para os outros. A minha escolha traduz uma concepção do que é melhor para a Humanidade. Isso faz com que as minhas escolhas tenham um peso acrescido. Contudo, eu nunca tenho a certeza do que é melhor para os outros. A incerteza que resulta dessa escolha é geradora de angústia, porque apenas posso contar comigo mesmo para assumir as consequências da minha decisão. A minha escolha, na acção, significa a eleição do que é preferível. Portanto, na ação estão sempre também conceções do que é correto e do que é incorreto, do que está bem e do que está mal, do que é melhor e do que é pior e deve ser rejeitado. Em todas as ações estão presentes os valores. Agir é também valorar, valorizar ou desvalorizar, atribuir valores, porque o sujeito nunca é indiferente ao mundo que o rodeia. Ao agir eu realizo a José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx
  • 27. 27 minha tábua de valores, eu torno o mundo mais significativo para mim, porque ele vai adquirindo a minha marca24. §34. O percurso da ação aos valores Todas as vezes que eu realizo uma ação, realizo determinadas opções, concretizo as minhas preferências. Quando pratico uma ação, opto por seguir um determinado caminho e rejeito aqueles que não sigo. Porque sou livre, quando realizo uma ação eu sei que podia sempre ter agido de outra maneira. Por exemplo, depois de estudar, eu sei que podia ter estudado mais ou estudado menos, que podia ter estudado ou ter feito outra coisa diferente. Aquilo que fiz ou deixei de fazer foi resultado da avaliação e ponderação que fiz em relação aos valores e alternativas em presença. Porque o sujeito é livre, todas as ações que eu levo por diante representam uma escolha e poderiam ter ocorrido de outra maneira. Quando agi, fiz uma opção, concretizei a minha liberdade. Todos os dias, de manhã, levanto-me da cama. Decidir levantar-me da cama, foi essa a minha escolha. Mesmo sentindo sobre mim o dever e a obrigação de me levantar, fui eu, enquanto sujeito livre, que aceitei obedecer ao dever e seguir as minhas obrigações profissionais e as minhas obrigações sociais. Ao escolher levantar-me, rejeitei a opção de ficar a dormir. Assim, qualquer acção é simultaneamente uma escolha e uma rejeição. Ora, porque é que decidi levantar-me, ir trabalhar e enfrentar hordas de bárbaros adolescentes, em vez de ficar a dormir e descansar mais um pouco? Porque entre aquelas duas opções, eu preferi ir trabalhar; naquele momento, pelo menos, dei mais valor ao trabalho que ao descanso – foi essa a minha preferência e que está de acordo com os valores da própria sociedade burguesa e do espírito do capitalismo. Ou, então, acabei por dar mais valor ao próprio cumprimento dum dever do que à ―satisfação de não cumprir um dever‖ (Fernando Pessoa). Ao agir duma determinada maneira eu estou a optar pelo que valorizo mais, estou a dar mais valor e importância à alternativa seguida que à alternativa rejeitada (Claro que não temos aqui em conta o peso que pode ter o desejo de evitar consequências negativas quando, por exemplo, ao comentar a escolha feita, afirmo que ‗do mal o menos‘). Em todas as acções que realizo, eu faço uma escolha entre valores diferentes. Em qualquer ação existe, consciente ou inconscientemente, uma eleição entre valores algumas vezes opostos entre si; quando tomo uma decisão eu acabei de eleger o valor que naquele momento, face ao que está em jogo, é para mim o mais fundamental. Eu ajo em função dos valores que escolho e, escolhendo, aplico a minha tábua de valores. Enquanto médico, se pratico ou não a eutanásia, isso significa que me movimento entre dar valor à autonomia do doente e à qualidade de vida ou dar valor à quantidade de vida que se prolongaria a todo o custo (obstinação terapêutica). Se eu respeito o pedido do doente para morrer, isso quer dizer que eu dou mais valor à autonomia do doente que à manutenção da vida sem ter em conta a qualidade de vida que ele, o doente, ainda possui. Eu atuo segundo os valores que elejo. Imaginemos a situação dum médico que necessita, para salvar um doente menor, de proceder a uma transfusão de sangue; entretanto, os pais recusam a transfusão sanguínea por razões religiosas. Os valores que estão aqui em confronto são, pelo menos, dum lado o direito à vida e, do outro, o direito à livre manifestação da sua escolha religiosa, ou liberdade de culto. Não só estão estes valores em confronto, como estão em confronto diferentes tábuas de valores: para o médico a vida será o valor mais importante, enquanto que para os pais do rapaz, a liberdade religiosa sobrepõe-se ao direito à vida. O seu comportamento, o que devem fazer a seguir, como reagir perante situações-limite como esta é algo que resulta da ponderação dos valores em presença. Qualquer decisão para agir 24 Tudo isto sem prejuízo das considerações que se podem fazer a propósito do conceito de alienação, dando conta de um mundo que é progressivamente mais estranho para o homem e o homem que se sente um estranho entre os outros, precisamente porque que realidade à sua volta se desumanizou. José Carlos S. de Almeida / filosofia10-sumriosdesenvolvidos2011-2012-jca-120916050038-phpapp02.docx