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O interminável ficheiro Laib
O limite severo ao jornalismo imposto pelo modelo de
investigação do terrorismo jihadista
José Vegar
Fevereiro de 2007
1
RESUMO
O objectivo deste artigo é o de partilhar o conhecimento adquirido sobre a
hipótese de o modelo adoptado pelas entidades portuguesas de investigação
de segurança no combate ao terrorismo jihadista limitar severamente o
exercício do jornalismo em Portugal sobre este tema.
O artigo começa por fazer uma análise de conteúdo das notícias publicadas
sobre o cidadão argelino Sofiane Laib, imigrante ilegal em Portugal,
condenado, em 2004, por falsificação de documentos, e suspeito de
terrorismo.
De seguida, expõem-se os dados obtidos sobre o modelo de investigação do
terrorismo jihadista utilizado pelos serviços de informações e polícias
portuguesas.
Na parte final, avança-se com a possibilidade de que este modelo colide
com a prática jornalística dominante em Portugal, baseada na notícia e no
imediatismo, o que pode ter como consequência a ausência de informação
sobre um tema vital para todos os cidadãos.
PALAVRAS – CHAVE
Terrorismo jihadista – investigação de segurança – limite do jornalismo
CV
Mestrando em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE
2007/08). Pós – Graduado em Jornalismo (ISCTE – 2006). Bolseiro da
Universidade de Chicago (1997). Autor de “Serviços Secretos Portugueses
– História e Poder da Espionagem Nacional” (Esfera dos Livros, 2007) e
de, juntamente com a magistrada Maria José Morgado, “O inimigo sem
rosto – fraude e corrupção em Portugal” (Dom Quixote, 2003). Jornalista.
Telemóvel: 919081330
Email: vegarj@gmail.com
2
O cidadão argelino Sofiane Laib, imigrante ilegal no espaço Schengen, foi
o sujeito directo de notícias dos media portugueses em dois períodos de
tempo1
. No primeiro, entre 5 e 8 de Abril de 2003, Laib é referido
anonimamente2
como “um cidadão de nacionalidade argelina (…)
relacionado com um importante grupo terrorista”, capturado no âmbito de
uma operação conjunta do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e do
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), realizada na noite de 3 de
Abril, em vários pontos do território nacional, incluindo Lisboa, que se
saldou pela detenção de 13 cidadãos argelinos e marroquinos. O mesmo
conjunto de notícias referia que a operação tivera como objectivo deter
suspeitos de “crimes de auxílio à imigração ilegal, falsificação de
documentos e associação criminosa” mas que tinha sido previsto
“encontrarem-se indivíduos procurados por outros motivos” e que um
destes “o argelino suspeito de terrorismo, permaneceu em prisão
preventiva”.
No segundo período de tempo, entre 18 e 26 de Março de 2004, Laib já é
identificado pelo seu nome completo. As notícias publicadas3
baseiam-se
na acusação produzida pelo Ministério Público, e no julgamento, realizado
na 3ª Vara Criminal de Lisboa.
No que se relaciona com o essencial da acusação, as notícias dão conta da
investigação criminal executada, que mostrou ter Laib uma ligação
duradoura com um tunisino, Ben Yamin Issak, preso em Londres, em 2004,
por suspeita de terrorismo. A investigação refere que Laib e Issak, tinham
privado com Atta, um dos suicidas do atentado de 11 de Setembro de 2001,
e que os três estavam referenciados, pelas autoridades de vários países
ocidentais, como elementos da Al Qaeda.
Em relação ao julgamento e à sentença, as informações publicadas mostram
que Laib foi condenado a 3 anos e meio de prisão, por falsificação de
documentos e uso de cartões de crédito contrafeitos, não tendo sido
provada a acusação de terrorismo.
Aparentemente, o julgamento estabeleceu um fosso considerável entre a
investigação criminal, centrada na tentativa de estabelecer um elo entre
Laib e a Al Qaeda, e os factos considerados provados em tribunal, aqueles
gerados pelos actos criminosos comuns do réu.
No entanto, o fosso implícito é o existente entre o que constitui para as
entidades de segurança “actos de terrorismo jihadista”4
e as
impossibilidades que estas enfrentam para conseguirem a passagem dos
actos referidos a “factos de terrorismo” considerados como tal no quadro de
referência dominante dos media portugueses e da legislação vigente.
Consideramos que os efeitos deste fosso, inerentes à maior parte das
investigações relacionadas com terrorismo jihadista, afectam de modo
3
severo a produção de notícias sobre o tema, já que colidem severamente
com os princípios em que assenta a prática jornalística.
O encaixe das rodas dentadas como modelo de
investigação de segurança do terrorismo “Jihadista”
No combate ao terrorismo Jihadista, o modelo de investigação de segurança
dos serviços de informações e das polícias portuguesas – Serviços de
Informações de Segurança (SIS), Serviço de Informações Estratégicas de
Defesa (SIED) e Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB) da
Polícia Judiciária -, à semelhança do adoptado pela maioria dos Estados
europeus e pelos EUA, é o de “detectar e perseguir os sinais para conseguir
encaixar todas as rodas dentadas do mecanismo”5
.
Por outras palavras, a prática adoptada é a de investigar até que uma roda
dentada, o propósito de uma acção suspeita de um muçulmano, encaixe na
outra, o propósito da acção anterior ou posterior do mesmo muçulmano, ou
de outros muçulmanos, também vigiados, ou que o passem a ser.
O modelo assenta no princípio de que qualquer comportamento de um
muçulmano, de origem étnica árabe ou europeia, de nacionalidade
ocidental ou não, que indicie – que seja o sinal - a ligação a uma acção
directa ou indirecta de terrorismo, em qualquer lado do mundo, deve ser
acompanhado.
Assim, o modelo de trabalho compreende a investigação de um conjunto de
actos praticados por indivíduos, em vários locais do mundo, com graus de
visibilidade díspares, que num determinado momento poderão estabelecer
uma ou mais conexões, servindo o objectivo de contribuírem para a
execução de um acto terrorista.
Isto porque, consideram os investigadores, a partir da experiência
adquirida, o planeamento directo de um atentado é apenas uma componente
da manifestação de actividade terrorista Jihadista. O roubo ou falsificação
de documentos de identificação também pode ser, se estes se destinarem a
terroristas que necessitam deles. Como a doutrinação feita numa mesquita
clandestina pode servir para recrutar indivíduos que irão posteriormente
executar um atentado. Como também a “clonagem” de um cartão de crédito
pode destinar - se ao financiamento da compra de uma arma.
Os actos prioritários da investigação são os “crimes instrumentais”, isto é
aqueles que servem directamente alguns dos interesses operacionais dos
terroristas: compra ilegal ou roubo de armas e explosivos, roubo e
falsificação de documentos de identificação e cartões de crédito, imigração
ilegal, tráfico de pessoas.
Depois, estão uma série de operações essenciais para a formação de uma
célula ou a concretização de um atentado, abrangendo a criação de locais
4
de culto religioso de acesso seleccionado, a difusão de propaganda ou
ideais extremistas, o recrutamento de iniciados, o financiamento das
actividades e as comunicações, por internet ou por redes de comunicação
de voz, imagem e dados.
Em relação às operações essenciais, o mais importante é sempre a pesquisa
das fontes do financiamento e dos canais da sua distribuição.
Deste modo, o esforço das autoridades concentra-se na monitorização do
circuito do dinheiro que financia o terrorismo islâmico, que se concretiza
por vias bastante complexas.
Actualmente, as principais tipologias de financiamento do terrorismo, e de
branqueamento de dinheiro, que são acções distintas, estão teoricamente
assinaladas6
.
No campo das comunicações, é convicção assente entre os serviços de que
o ciberespaço é um terreno de eleição para os terroristas, dado a
confidencialidade, alcance e rapidez que garante aos contactos, feitos com
múltiplas intenções.
A difusão de ideais e o recrutamento de militantes é a última zona
prioritária dos serviços. Neste universo, as autoridades seguem com
especial atenção as mesquitas ou locais de culto informais de dimensão
reduzida, e todos os actos que possam indicar uma adopção de um ideário
radical, ou a exibição de atitudes extremistas por parte de um muçulmano.
O facto de os atentados de Madrid e Londres, bem como do abortado em
Londres, em Agosto de 2006, terem sido protagonizados por elementos da
comunidade muçulmana residente na Europa, faz com que esta componente
da investigação receba cada vez mais preponderância.
O modelo de pesquisa e análise do terrorismo jihadista incide sobre três
tipos de alvos.
O primeiro é formado por muçulmanos nascidos ou residentes em países
ocidentais, mas que, por vários motivos, que vão da prática de crimes a
vazios existencialistas, não se sentem integrados nas respectivas
sociedades.
O segundo é composto por muçulmanos “volantes”, normalmente
imigrantes ilegais oriundos de países do Médio – Oriente, do Magrebe e da
Ásia. Segundo os dados coligidos por vários serviços ocidentais, uma
célula terrorista pode surgir do nada em qualquer país, levantada por
elementos que emigram de um momento para o outro, totalmente
desconhecidos, consequentemente, não referenciados, ou por outros sem
um passado de acção terrorista, e que, habitualmente, permanecem num
“submundo” situado entre o trabalho precário, a ilegalidade e a
criminalidade. Estes muçulmanos podem desencadear uma acção por
iniciativa própria, ou podem ser contactados por um terrorista residente em
outro país, que considera que eles estão no sítio certo, no momento certo.
5
O terceiro tipo de alvos integra os adormecidos7
, os “sleepers” inventados
pelo KGB. São elementos perfeitamente integrados nas comunidades onde
residem, por vezes há décadas, cultos, muitos são quadros superiores,
extremamente discretos, por vezes nem frequentam mesquitas ou locais de
encontro da comunidade, e que não manifestam qualquer sinal de
intolerância ou de advogarem os princípios da “Jihad”. No entanto, referem
insistentemente os relatórios, um dia recebem uma indicação, e fornecem
todo o apoio ou organizam eles mesmo um atentado.. Mais ainda, revelam
os padrões estudados, são homens preparados para esperar anos ou
décadas, porque se alimentam do sonho da glorificação pela morte, uma
das crenças da “Jihad”.
Para além do emprego do modelo específico até agora referido, as técnicas
usadas, no geral, pelos serviços e polícias, são as consagradas no combate
ao crime organizado.
Por último, o que funciona, cada vez mais, pela primeira vez na história dos
serviços de espionagem em todo o mundo, é a cooperação intensa, efectiva
e permanente. Portugal, por exemplo, tem beneficiado consideravelmente
das informações dos seus pares. Também a União Europeia, através da
Europol, tem já a máquina bem oleada e alimentada, fazendo o recorte e
análise da informação que recebe dos países membros, e enviando-a depois
sem restrições para os destinatários a que esta interessa, Portugal incluído.
Em relação ao limite de eficácia do modelo de investigação posto em
prática, ele é construído principalmente, se tivermos em conta a reflexão
reservada existente8
, pelos muçulmanos em trânsito permanente na Europa
e pela multiplicação de alvos.
O limite criado pela impossibilidade dos investigadores
de segurança e pela prática dominante dos jornalistas
O modelo de investigação do terrorismo jihadista, acima exposto, produz
um severo limite à capacidade de informação dos media, tanto por acção
dos detentores dos dados, os investigadores de segurança e a sua tutela
política, como pela prática jornalística actualmente dominante no nosso
país.
Na verdade, pensamos, os primeiros não só estão submetidos às suas
estratégias mediáticas, dado que como refere Schlesinger (1974) “as
notícias são o exercício do poder através da interpretação da realidade”,
como enfrentam três impossibilidades indestrutíveis. Uma inicial, que se
manifesta ao nível do território nacional, é a “impossibilidade de revelar”,
já que se cada acto de um suspeito de terrorismo é apenas uma “roda
dentada” de um mecanismo – de uma operação terrorista - é de todo o
interesse da investigação preservar no sigilo a roda dentada identificada,
6
para que a sua exploração ou vigilância possa conduzir à descoberta de
outras com ela conectadas, ou que possam vir a criar uma conexão.
A segunda, mais difusa, que se materializa num cenário geográfico global,
onde hoje se desenrola o conflito com o terrorismo jihadista, é a
“impossibilidade de saber” já que o conhecimento de uma roda dentada é
transmitido pelo pesquisador para os seus congéneres no mundo, e pode, ou
não, ser decisivo para a obtenção de saber vital sobre outras rodas dentadas
em acção em qualquer ponto do globo.
Como consequência das duas anteriores, a terceira impossibilidade é a de,
face à legislação nacional, a maior parte das “rodas dentadas”, isto é dos
actos isolados dos suspeitos, poderem ser acolhidas como crimes de
terrorismo, ou a partir destas ser obtida prova sólida
As impossibilidades, a de revelar, a de saber e a de provar, têm origem num
sistema de investigação simultaneamente interminável e fragmentado, que
impede, na maior parte das vezes, a revelação pública dos dados, e,
principalmente, o conhecimento total de um processo.
O sistema é considerado, pelos corpos de investigação de segurança, o mais
adequado para fazer face às tipologias principais do terrorismo jihadista9
,
dado que, aponta Ranstrop (2005), este já não é praticado por uma
formação “clássica”, com uma hierarquia vincada e vertical, mas antes por
uma “galáxia assimétrica, fluida, e auto – organizadora da subversão
salafita global”.
A conspiração de impossibilidades acima reproduzida interfere
decisivamente na capacidade de obtenção de notícias. Na verdade, para
começo, anula a construção do acontecimento, onde assenta, ao nível da
rotina básica, a notícia. Como refere Rebelo (2002)“decididamente, a
diacronia do acontecimento nos media é uma. No real é outra.
Jornalisticamente, uma ocorrência ganha, a dado momento, foros de
acontecimento. Progride na curva ascendente do interesse: logo, é objecto
de um tratamento noticioso cada vez mais intenso. Atinge o ponto mais
elevado da curva ascendente do interesse e inicia o seu percurso pela curva
descendente do interesse”.
Esta dependência estrutural é realçada por Park (1940) que observou, a
partir da sua investigação empírica, que “notícias não são história (...)
porque, entre outras coisas, lidam, no seu conjunto, com eventos isolados e
não procuram relaciona – los ( ... ) fazendo com que seja esta “qualidade
efémera” a “verdadeira essência das notícias”. Gitlin (1980) garante que
assim é devido à incapacidade dos jornalistas violarem as suas “fronteiras
hegemónicas: que a notícia envolve uma novidade, e não a contínua
condição, a pessoa e não o grupo, o conflito visível, e não o consenso
profundo, o facto que desenvolve a história, e não o que a explica ou o que
a torna mais complexa (...) ”.
7
O “ficheiro Laib” parece confirmar esta realidade. Do que observamos, ele
apenas gerou informação mediática devido à sua dependência de, pelo
menos, três acontecimentos: uma operação do SIS e do SEF, uma acusação
de terrorismo feita por fonte anónima, e um julgamento. Não esquecendo
que a operação de segurança, o acontecimento essencial, porque cria os
restantes, é uma interferência no modelo de investigação, severamente
criticada dentro da comunidade de segurança10
. Ou seja, se a norma tivesse
sido adoptada, a operação não teria sido accionada, instalando um vazio de
acontecimentos e factos que eliminava o surgimento de notícias.
As impossibilidades mencionadas levam-nos ainda a observar o
posicionamento raro, face ao que é habitual na sua relação com os media,
dos responsáveis políticos e dos investigadores ligados ao combate do
terrorismo jihadista, isto é as fontes primordiais dos jornalistas neste
campo.
Hall (1978) observou que é a própria mecânica do processo produtivo
jornalístico a aumentar a submissão do jornalista ao conhecedor da
informação, já que “( ... ) dois aspectos da produção de notícias – as
pressões práticas de constantemente trabalhar contra o relógio e as
exigências profissionais de imparcialidade e objectividade – combinam-se
para produzir um acesso aos media sistematicamente estruturado dos que
estão em posições poderosas ou de privilégio institucional. Os media
tendem, então, de boa-fé e imparcialmente, a reproduzir simbolicamente a
estrutura de poder existente na ordem institucional da sociedade”. Hall
(1978), defendendo que os jornalistas consideram que estes representantes
do poder “têm acesso a informação mais credível ou especializada (...)”,
cria mesmo uma tipologia, referindo - se a eles como “definidores
primários que estabelecem a definição inicial dos acontecimentos e marcam
o passo, estando os media numa posição de subordinação estruturada em
relação a eles”.
Esta percepção é sublinhada por Gans (1980), ao notar que “fontes
poderosas raramente usam o seu poder para forçarem a sua presença numa
história; antes usam o seu poder para criarem histórias adequadas aos seus
interesses”.
No campo específico da informação sobre o terrorismo jihadista, o
interessante a notar é que embora se confirmem as condições encontradas
por Hall, dado que o enorme sigilo do tema, e a concentração dos dados
num número reduzido de entidades, reforçam a dependência dos jornalistas
face aos decisores e investigadores, os interesses destes, para usar a
expressão de Gans, não são a formatação das histórias às suas estratégias,
mas antes a criação e manutenção de um fosso que impeça a revelação,
obrigatório para encaixar as rodas dentadas, e a incapacidade de suplantar
um segundo fosso, já que está afastada a hipótese de obterem toda a
informação de um processo, se este algum dia for fechado.
8
Face ao cenário exposto, é extremamente crível que o noticiário sobre um
tema fundamental, o da ameaça terrorista jihadista, seja
extraordinariamente reduzido.
No entanto, não é necessário que assim seja, se os produtores de notícias
possuírem capacidade para violar as “fronteiras hegemónicas” apontadas
por Gitlin.
Na verdade é possível gerar, na prática jornalística, um corte entre a acção
dominante de procura de notícia e a acção de procura de informação.
Quanto à segunda, poderá ser prudente começar por eliminar alguns
conceitos consagrados. O jornalista “pesquisador de informação” não é
“um jornalista de investigação”, entendendo por este o “descobridor” de
histórias de enorme repercussão, normalmente relacionadas com a violação
impressionista das normas constitucionais da democracia e dos códigos da
Lei. Quando está assente no quadro de referência profissional de um
jornalista que a procura da informação sistemática é mais importante que a
adequação imediata de uma parte desta aos critérios normalmente exigidos
a uma notícia, todo o jornalismo, isto é toda a orientação da sua prática,
passa a ser de investigação. No fundo, um profissional com esta ideologia
toma por suas as palavras de Robert D. Kaplan, especialmente quando este
defende que “aquilo em que as pessoas realmente acreditam – e que é
contrário ao que normalmente dizem aos jornalistas – leva tempo e esforço
a descobrir” dado que “à medida que a ilusão do conhecimento cresce
diariamente, a realidade intrínseca dos lugares torna – se mais
misteriosa”11
.
Ao concentrar – se na pesquisa sistemática de informação, o jornalista está
a renegar o evento, o gerador comum da notícia, e no seu lugar a procurar a
cadeia que lhe dá origem. Renega igualmente a manifestação visível,
pretendendo detectar antes a causa protegida desta, e a explicação óbvia,
querendo identificar o contexto complexo. Está à procura de informação
vital, sobre manifestações de terrorismo jihadista ou sobre outro qualquer
tema.
NOTAS
9
1
Em relação ao primeiro período temporal, as notícias foram publicadas entre 5 a 8 de Abril de 2003. Em relação ao
segundo, entre 18 e 26 de Março de 2004. Para este artigo, foram consultadas as edições impressas dos diários
“Público” e “Correio da Manhã”.
2
A primeira menção na imprensa é no diário “Público”, a 5 de Abril de 2003.
3
Nas edições impressas dos diários “Público” e “Correio da Manhã”.
4
Entre os académicos dedicados ao estudo do terrorismo, nunca foi pacífica a discussão relacionada com os termos
correctos para designar a actividade terrorista por parte de grupos muçulmanos. Na sequência do 11 de Setembro, os
primeiros termos utilizados foram os de “terrorismo fundamentalista” e “terrorismo islâmico”. De 2004 para cá,
consideraram-se estes termos incorrectos, adoptando-se o termo “jihadista”, decorrente da reivindicação de “Jihad”
assumida pelos referidos grupos. A este propósito, ver os trabalhos de Hoffman e de Ranstrop citados.
5
Entrevista do autor a inspector – coordenador da PJ, Novembro de 2005 (Funcionário PJ – 1). Por uma questão
metodológica, identificam-se por números as fontes entrevistadas, já que estas forneceram informações distintas.
6
As tipologias do financiamento do terrorismo, e do branqueamento de dinheiro, são o objecto de vários relatórios
exaustivos do FTF- GAFI, a entidade de liderança neste sector. A informação pode ser encontrada em www.fatf-
gafi.org .
7
Entrevista do autor a inspector – coordenador da PJ, Novembro de 2005 (F - PJ-1).
8
Dados obtidos a partir de recolha de informação com funcionário superior do SIS, Outubro de 2005 (funcionário SIS –
1), e funcionário superior da PJ, Dezembro de 2005 (Funcionário PJ -2).
9
O trabalho teórico mais recente sobre a Al Qaeda e outras organizações jihadistas refere que os crimes instrumentais
são decisivos para a acção terrorista, bem como o objectivo de trabalhar a um nível geográfico global, através de uma
série de células sem relação entre si. Ver, sobre este aspecto, Hoffman, Gunaratna, Keppel, Roy e Ranstrop.
10
Um número considerável de responsáveis e investigadores de segurança considerou, em privado, que a operação não
devia ter sido realizada, exactamente porque pôs em causa a possibilidade “de ligar uma roda dentada a outra”, que seria
criada pelo prosseguimento da vigilância de alguns dos indivíduos detidos. Entrevista ao autor a inspector –
coordenador da PJ, Novembro de 2005 (F - PJ-1).
11
Robert D. Kaplan é um autor americano que conquistou o respeito das comunidades académica e jornalística, um feito
raro, por escrever num estilo que funde o conhecimento científico com a investigação de terreno. As sua obras mais
conhecidas são “The Ends of the Earth” (Random House) e “The Coming Anarchy” (Random House)
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VEGAR - TRAJECTOS - TERRORISMO JIHADISTA

  • 1. O interminável ficheiro Laib O limite severo ao jornalismo imposto pelo modelo de investigação do terrorismo jihadista José Vegar Fevereiro de 2007 1
  • 2. RESUMO O objectivo deste artigo é o de partilhar o conhecimento adquirido sobre a hipótese de o modelo adoptado pelas entidades portuguesas de investigação de segurança no combate ao terrorismo jihadista limitar severamente o exercício do jornalismo em Portugal sobre este tema. O artigo começa por fazer uma análise de conteúdo das notícias publicadas sobre o cidadão argelino Sofiane Laib, imigrante ilegal em Portugal, condenado, em 2004, por falsificação de documentos, e suspeito de terrorismo. De seguida, expõem-se os dados obtidos sobre o modelo de investigação do terrorismo jihadista utilizado pelos serviços de informações e polícias portuguesas. Na parte final, avança-se com a possibilidade de que este modelo colide com a prática jornalística dominante em Portugal, baseada na notícia e no imediatismo, o que pode ter como consequência a ausência de informação sobre um tema vital para todos os cidadãos. PALAVRAS – CHAVE Terrorismo jihadista – investigação de segurança – limite do jornalismo CV Mestrando em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE 2007/08). Pós – Graduado em Jornalismo (ISCTE – 2006). Bolseiro da Universidade de Chicago (1997). Autor de “Serviços Secretos Portugueses – História e Poder da Espionagem Nacional” (Esfera dos Livros, 2007) e de, juntamente com a magistrada Maria José Morgado, “O inimigo sem rosto – fraude e corrupção em Portugal” (Dom Quixote, 2003). Jornalista. Telemóvel: 919081330 Email: vegarj@gmail.com 2
  • 3. O cidadão argelino Sofiane Laib, imigrante ilegal no espaço Schengen, foi o sujeito directo de notícias dos media portugueses em dois períodos de tempo1 . No primeiro, entre 5 e 8 de Abril de 2003, Laib é referido anonimamente2 como “um cidadão de nacionalidade argelina (…) relacionado com um importante grupo terrorista”, capturado no âmbito de uma operação conjunta do Serviço de Informações de Segurança (SIS) e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), realizada na noite de 3 de Abril, em vários pontos do território nacional, incluindo Lisboa, que se saldou pela detenção de 13 cidadãos argelinos e marroquinos. O mesmo conjunto de notícias referia que a operação tivera como objectivo deter suspeitos de “crimes de auxílio à imigração ilegal, falsificação de documentos e associação criminosa” mas que tinha sido previsto “encontrarem-se indivíduos procurados por outros motivos” e que um destes “o argelino suspeito de terrorismo, permaneceu em prisão preventiva”. No segundo período de tempo, entre 18 e 26 de Março de 2004, Laib já é identificado pelo seu nome completo. As notícias publicadas3 baseiam-se na acusação produzida pelo Ministério Público, e no julgamento, realizado na 3ª Vara Criminal de Lisboa. No que se relaciona com o essencial da acusação, as notícias dão conta da investigação criminal executada, que mostrou ter Laib uma ligação duradoura com um tunisino, Ben Yamin Issak, preso em Londres, em 2004, por suspeita de terrorismo. A investigação refere que Laib e Issak, tinham privado com Atta, um dos suicidas do atentado de 11 de Setembro de 2001, e que os três estavam referenciados, pelas autoridades de vários países ocidentais, como elementos da Al Qaeda. Em relação ao julgamento e à sentença, as informações publicadas mostram que Laib foi condenado a 3 anos e meio de prisão, por falsificação de documentos e uso de cartões de crédito contrafeitos, não tendo sido provada a acusação de terrorismo. Aparentemente, o julgamento estabeleceu um fosso considerável entre a investigação criminal, centrada na tentativa de estabelecer um elo entre Laib e a Al Qaeda, e os factos considerados provados em tribunal, aqueles gerados pelos actos criminosos comuns do réu. No entanto, o fosso implícito é o existente entre o que constitui para as entidades de segurança “actos de terrorismo jihadista”4 e as impossibilidades que estas enfrentam para conseguirem a passagem dos actos referidos a “factos de terrorismo” considerados como tal no quadro de referência dominante dos media portugueses e da legislação vigente. Consideramos que os efeitos deste fosso, inerentes à maior parte das investigações relacionadas com terrorismo jihadista, afectam de modo 3
  • 4. severo a produção de notícias sobre o tema, já que colidem severamente com os princípios em que assenta a prática jornalística. O encaixe das rodas dentadas como modelo de investigação de segurança do terrorismo “Jihadista” No combate ao terrorismo Jihadista, o modelo de investigação de segurança dos serviços de informações e das polícias portuguesas – Serviços de Informações de Segurança (SIS), Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e Direcção Central de Combate ao Banditismo (DCCB) da Polícia Judiciária -, à semelhança do adoptado pela maioria dos Estados europeus e pelos EUA, é o de “detectar e perseguir os sinais para conseguir encaixar todas as rodas dentadas do mecanismo”5 . Por outras palavras, a prática adoptada é a de investigar até que uma roda dentada, o propósito de uma acção suspeita de um muçulmano, encaixe na outra, o propósito da acção anterior ou posterior do mesmo muçulmano, ou de outros muçulmanos, também vigiados, ou que o passem a ser. O modelo assenta no princípio de que qualquer comportamento de um muçulmano, de origem étnica árabe ou europeia, de nacionalidade ocidental ou não, que indicie – que seja o sinal - a ligação a uma acção directa ou indirecta de terrorismo, em qualquer lado do mundo, deve ser acompanhado. Assim, o modelo de trabalho compreende a investigação de um conjunto de actos praticados por indivíduos, em vários locais do mundo, com graus de visibilidade díspares, que num determinado momento poderão estabelecer uma ou mais conexões, servindo o objectivo de contribuírem para a execução de um acto terrorista. Isto porque, consideram os investigadores, a partir da experiência adquirida, o planeamento directo de um atentado é apenas uma componente da manifestação de actividade terrorista Jihadista. O roubo ou falsificação de documentos de identificação também pode ser, se estes se destinarem a terroristas que necessitam deles. Como a doutrinação feita numa mesquita clandestina pode servir para recrutar indivíduos que irão posteriormente executar um atentado. Como também a “clonagem” de um cartão de crédito pode destinar - se ao financiamento da compra de uma arma. Os actos prioritários da investigação são os “crimes instrumentais”, isto é aqueles que servem directamente alguns dos interesses operacionais dos terroristas: compra ilegal ou roubo de armas e explosivos, roubo e falsificação de documentos de identificação e cartões de crédito, imigração ilegal, tráfico de pessoas. Depois, estão uma série de operações essenciais para a formação de uma célula ou a concretização de um atentado, abrangendo a criação de locais 4
  • 5. de culto religioso de acesso seleccionado, a difusão de propaganda ou ideais extremistas, o recrutamento de iniciados, o financiamento das actividades e as comunicações, por internet ou por redes de comunicação de voz, imagem e dados. Em relação às operações essenciais, o mais importante é sempre a pesquisa das fontes do financiamento e dos canais da sua distribuição. Deste modo, o esforço das autoridades concentra-se na monitorização do circuito do dinheiro que financia o terrorismo islâmico, que se concretiza por vias bastante complexas. Actualmente, as principais tipologias de financiamento do terrorismo, e de branqueamento de dinheiro, que são acções distintas, estão teoricamente assinaladas6 . No campo das comunicações, é convicção assente entre os serviços de que o ciberespaço é um terreno de eleição para os terroristas, dado a confidencialidade, alcance e rapidez que garante aos contactos, feitos com múltiplas intenções. A difusão de ideais e o recrutamento de militantes é a última zona prioritária dos serviços. Neste universo, as autoridades seguem com especial atenção as mesquitas ou locais de culto informais de dimensão reduzida, e todos os actos que possam indicar uma adopção de um ideário radical, ou a exibição de atitudes extremistas por parte de um muçulmano. O facto de os atentados de Madrid e Londres, bem como do abortado em Londres, em Agosto de 2006, terem sido protagonizados por elementos da comunidade muçulmana residente na Europa, faz com que esta componente da investigação receba cada vez mais preponderância. O modelo de pesquisa e análise do terrorismo jihadista incide sobre três tipos de alvos. O primeiro é formado por muçulmanos nascidos ou residentes em países ocidentais, mas que, por vários motivos, que vão da prática de crimes a vazios existencialistas, não se sentem integrados nas respectivas sociedades. O segundo é composto por muçulmanos “volantes”, normalmente imigrantes ilegais oriundos de países do Médio – Oriente, do Magrebe e da Ásia. Segundo os dados coligidos por vários serviços ocidentais, uma célula terrorista pode surgir do nada em qualquer país, levantada por elementos que emigram de um momento para o outro, totalmente desconhecidos, consequentemente, não referenciados, ou por outros sem um passado de acção terrorista, e que, habitualmente, permanecem num “submundo” situado entre o trabalho precário, a ilegalidade e a criminalidade. Estes muçulmanos podem desencadear uma acção por iniciativa própria, ou podem ser contactados por um terrorista residente em outro país, que considera que eles estão no sítio certo, no momento certo. 5
  • 6. O terceiro tipo de alvos integra os adormecidos7 , os “sleepers” inventados pelo KGB. São elementos perfeitamente integrados nas comunidades onde residem, por vezes há décadas, cultos, muitos são quadros superiores, extremamente discretos, por vezes nem frequentam mesquitas ou locais de encontro da comunidade, e que não manifestam qualquer sinal de intolerância ou de advogarem os princípios da “Jihad”. No entanto, referem insistentemente os relatórios, um dia recebem uma indicação, e fornecem todo o apoio ou organizam eles mesmo um atentado.. Mais ainda, revelam os padrões estudados, são homens preparados para esperar anos ou décadas, porque se alimentam do sonho da glorificação pela morte, uma das crenças da “Jihad”. Para além do emprego do modelo específico até agora referido, as técnicas usadas, no geral, pelos serviços e polícias, são as consagradas no combate ao crime organizado. Por último, o que funciona, cada vez mais, pela primeira vez na história dos serviços de espionagem em todo o mundo, é a cooperação intensa, efectiva e permanente. Portugal, por exemplo, tem beneficiado consideravelmente das informações dos seus pares. Também a União Europeia, através da Europol, tem já a máquina bem oleada e alimentada, fazendo o recorte e análise da informação que recebe dos países membros, e enviando-a depois sem restrições para os destinatários a que esta interessa, Portugal incluído. Em relação ao limite de eficácia do modelo de investigação posto em prática, ele é construído principalmente, se tivermos em conta a reflexão reservada existente8 , pelos muçulmanos em trânsito permanente na Europa e pela multiplicação de alvos. O limite criado pela impossibilidade dos investigadores de segurança e pela prática dominante dos jornalistas O modelo de investigação do terrorismo jihadista, acima exposto, produz um severo limite à capacidade de informação dos media, tanto por acção dos detentores dos dados, os investigadores de segurança e a sua tutela política, como pela prática jornalística actualmente dominante no nosso país. Na verdade, pensamos, os primeiros não só estão submetidos às suas estratégias mediáticas, dado que como refere Schlesinger (1974) “as notícias são o exercício do poder através da interpretação da realidade”, como enfrentam três impossibilidades indestrutíveis. Uma inicial, que se manifesta ao nível do território nacional, é a “impossibilidade de revelar”, já que se cada acto de um suspeito de terrorismo é apenas uma “roda dentada” de um mecanismo – de uma operação terrorista - é de todo o interesse da investigação preservar no sigilo a roda dentada identificada, 6
  • 7. para que a sua exploração ou vigilância possa conduzir à descoberta de outras com ela conectadas, ou que possam vir a criar uma conexão. A segunda, mais difusa, que se materializa num cenário geográfico global, onde hoje se desenrola o conflito com o terrorismo jihadista, é a “impossibilidade de saber” já que o conhecimento de uma roda dentada é transmitido pelo pesquisador para os seus congéneres no mundo, e pode, ou não, ser decisivo para a obtenção de saber vital sobre outras rodas dentadas em acção em qualquer ponto do globo. Como consequência das duas anteriores, a terceira impossibilidade é a de, face à legislação nacional, a maior parte das “rodas dentadas”, isto é dos actos isolados dos suspeitos, poderem ser acolhidas como crimes de terrorismo, ou a partir destas ser obtida prova sólida As impossibilidades, a de revelar, a de saber e a de provar, têm origem num sistema de investigação simultaneamente interminável e fragmentado, que impede, na maior parte das vezes, a revelação pública dos dados, e, principalmente, o conhecimento total de um processo. O sistema é considerado, pelos corpos de investigação de segurança, o mais adequado para fazer face às tipologias principais do terrorismo jihadista9 , dado que, aponta Ranstrop (2005), este já não é praticado por uma formação “clássica”, com uma hierarquia vincada e vertical, mas antes por uma “galáxia assimétrica, fluida, e auto – organizadora da subversão salafita global”. A conspiração de impossibilidades acima reproduzida interfere decisivamente na capacidade de obtenção de notícias. Na verdade, para começo, anula a construção do acontecimento, onde assenta, ao nível da rotina básica, a notícia. Como refere Rebelo (2002)“decididamente, a diacronia do acontecimento nos media é uma. No real é outra. Jornalisticamente, uma ocorrência ganha, a dado momento, foros de acontecimento. Progride na curva ascendente do interesse: logo, é objecto de um tratamento noticioso cada vez mais intenso. Atinge o ponto mais elevado da curva ascendente do interesse e inicia o seu percurso pela curva descendente do interesse”. Esta dependência estrutural é realçada por Park (1940) que observou, a partir da sua investigação empírica, que “notícias não são história (...) porque, entre outras coisas, lidam, no seu conjunto, com eventos isolados e não procuram relaciona – los ( ... ) fazendo com que seja esta “qualidade efémera” a “verdadeira essência das notícias”. Gitlin (1980) garante que assim é devido à incapacidade dos jornalistas violarem as suas “fronteiras hegemónicas: que a notícia envolve uma novidade, e não a contínua condição, a pessoa e não o grupo, o conflito visível, e não o consenso profundo, o facto que desenvolve a história, e não o que a explica ou o que a torna mais complexa (...) ”. 7
  • 8. O “ficheiro Laib” parece confirmar esta realidade. Do que observamos, ele apenas gerou informação mediática devido à sua dependência de, pelo menos, três acontecimentos: uma operação do SIS e do SEF, uma acusação de terrorismo feita por fonte anónima, e um julgamento. Não esquecendo que a operação de segurança, o acontecimento essencial, porque cria os restantes, é uma interferência no modelo de investigação, severamente criticada dentro da comunidade de segurança10 . Ou seja, se a norma tivesse sido adoptada, a operação não teria sido accionada, instalando um vazio de acontecimentos e factos que eliminava o surgimento de notícias. As impossibilidades mencionadas levam-nos ainda a observar o posicionamento raro, face ao que é habitual na sua relação com os media, dos responsáveis políticos e dos investigadores ligados ao combate do terrorismo jihadista, isto é as fontes primordiais dos jornalistas neste campo. Hall (1978) observou que é a própria mecânica do processo produtivo jornalístico a aumentar a submissão do jornalista ao conhecedor da informação, já que “( ... ) dois aspectos da produção de notícias – as pressões práticas de constantemente trabalhar contra o relógio e as exigências profissionais de imparcialidade e objectividade – combinam-se para produzir um acesso aos media sistematicamente estruturado dos que estão em posições poderosas ou de privilégio institucional. Os media tendem, então, de boa-fé e imparcialmente, a reproduzir simbolicamente a estrutura de poder existente na ordem institucional da sociedade”. Hall (1978), defendendo que os jornalistas consideram que estes representantes do poder “têm acesso a informação mais credível ou especializada (...)”, cria mesmo uma tipologia, referindo - se a eles como “definidores primários que estabelecem a definição inicial dos acontecimentos e marcam o passo, estando os media numa posição de subordinação estruturada em relação a eles”. Esta percepção é sublinhada por Gans (1980), ao notar que “fontes poderosas raramente usam o seu poder para forçarem a sua presença numa história; antes usam o seu poder para criarem histórias adequadas aos seus interesses”. No campo específico da informação sobre o terrorismo jihadista, o interessante a notar é que embora se confirmem as condições encontradas por Hall, dado que o enorme sigilo do tema, e a concentração dos dados num número reduzido de entidades, reforçam a dependência dos jornalistas face aos decisores e investigadores, os interesses destes, para usar a expressão de Gans, não são a formatação das histórias às suas estratégias, mas antes a criação e manutenção de um fosso que impeça a revelação, obrigatório para encaixar as rodas dentadas, e a incapacidade de suplantar um segundo fosso, já que está afastada a hipótese de obterem toda a informação de um processo, se este algum dia for fechado. 8
  • 9. Face ao cenário exposto, é extremamente crível que o noticiário sobre um tema fundamental, o da ameaça terrorista jihadista, seja extraordinariamente reduzido. No entanto, não é necessário que assim seja, se os produtores de notícias possuírem capacidade para violar as “fronteiras hegemónicas” apontadas por Gitlin. Na verdade é possível gerar, na prática jornalística, um corte entre a acção dominante de procura de notícia e a acção de procura de informação. Quanto à segunda, poderá ser prudente começar por eliminar alguns conceitos consagrados. O jornalista “pesquisador de informação” não é “um jornalista de investigação”, entendendo por este o “descobridor” de histórias de enorme repercussão, normalmente relacionadas com a violação impressionista das normas constitucionais da democracia e dos códigos da Lei. Quando está assente no quadro de referência profissional de um jornalista que a procura da informação sistemática é mais importante que a adequação imediata de uma parte desta aos critérios normalmente exigidos a uma notícia, todo o jornalismo, isto é toda a orientação da sua prática, passa a ser de investigação. No fundo, um profissional com esta ideologia toma por suas as palavras de Robert D. Kaplan, especialmente quando este defende que “aquilo em que as pessoas realmente acreditam – e que é contrário ao que normalmente dizem aos jornalistas – leva tempo e esforço a descobrir” dado que “à medida que a ilusão do conhecimento cresce diariamente, a realidade intrínseca dos lugares torna – se mais misteriosa”11 . Ao concentrar – se na pesquisa sistemática de informação, o jornalista está a renegar o evento, o gerador comum da notícia, e no seu lugar a procurar a cadeia que lhe dá origem. Renega igualmente a manifestação visível, pretendendo detectar antes a causa protegida desta, e a explicação óbvia, querendo identificar o contexto complexo. Está à procura de informação vital, sobre manifestações de terrorismo jihadista ou sobre outro qualquer tema. NOTAS 9
  • 10. 1 Em relação ao primeiro período temporal, as notícias foram publicadas entre 5 a 8 de Abril de 2003. Em relação ao segundo, entre 18 e 26 de Março de 2004. Para este artigo, foram consultadas as edições impressas dos diários “Público” e “Correio da Manhã”. 2 A primeira menção na imprensa é no diário “Público”, a 5 de Abril de 2003. 3 Nas edições impressas dos diários “Público” e “Correio da Manhã”. 4 Entre os académicos dedicados ao estudo do terrorismo, nunca foi pacífica a discussão relacionada com os termos correctos para designar a actividade terrorista por parte de grupos muçulmanos. Na sequência do 11 de Setembro, os primeiros termos utilizados foram os de “terrorismo fundamentalista” e “terrorismo islâmico”. De 2004 para cá, consideraram-se estes termos incorrectos, adoptando-se o termo “jihadista”, decorrente da reivindicação de “Jihad” assumida pelos referidos grupos. A este propósito, ver os trabalhos de Hoffman e de Ranstrop citados. 5 Entrevista do autor a inspector – coordenador da PJ, Novembro de 2005 (Funcionário PJ – 1). Por uma questão metodológica, identificam-se por números as fontes entrevistadas, já que estas forneceram informações distintas. 6 As tipologias do financiamento do terrorismo, e do branqueamento de dinheiro, são o objecto de vários relatórios exaustivos do FTF- GAFI, a entidade de liderança neste sector. A informação pode ser encontrada em www.fatf- gafi.org . 7 Entrevista do autor a inspector – coordenador da PJ, Novembro de 2005 (F - PJ-1). 8 Dados obtidos a partir de recolha de informação com funcionário superior do SIS, Outubro de 2005 (funcionário SIS – 1), e funcionário superior da PJ, Dezembro de 2005 (Funcionário PJ -2). 9 O trabalho teórico mais recente sobre a Al Qaeda e outras organizações jihadistas refere que os crimes instrumentais são decisivos para a acção terrorista, bem como o objectivo de trabalhar a um nível geográfico global, através de uma série de células sem relação entre si. Ver, sobre este aspecto, Hoffman, Gunaratna, Keppel, Roy e Ranstrop. 10 Um número considerável de responsáveis e investigadores de segurança considerou, em privado, que a operação não devia ter sido realizada, exactamente porque pôs em causa a possibilidade “de ligar uma roda dentada a outra”, que seria criada pelo prosseguimento da vigilância de alguns dos indivíduos detidos. Entrevista ao autor a inspector – coordenador da PJ, Novembro de 2005 (F - PJ-1). 11 Robert D. Kaplan é um autor americano que conquistou o respeito das comunidades académica e jornalística, um feito raro, por escrever num estilo que funde o conhecimento científico com a investigação de terreno. As sua obras mais conhecidas são “The Ends of the Earth” (Random House) e “The Coming Anarchy” (Random House) REFERÊNCIAS Burke, Jason (2004), “ Al Qaeda, a história do islamismo radical”, Lisboa, Quetzal. Cornu, Daniel (1994), Jornalismo e Verdade, Lisboa, Piaget. Ericson, RV et al (1989), Negotiating control: a study of news sources, Toronto, Toronto Press. Gans, Herbert (1980), Deciding What´s News, Londres, Pantheon Books. Gunaratna, Rohan (2002), “Inside Al Qaeda”, Nova Iorque, Berkley. Gunaratna, Rohan (2006), “The Terror Market”, Harvard International Review, Inverno, págs 66-70. Glasser, Terence (1980), Custodians of conscience: investigative journalism and public virtue, Nova Iorque, Columbia. Hall, Stuart et all (1978), Policing the Crisis: Mugging, the State, Law and Order, Londres, Macmillan.
  • 11. Hoffman, Bruce (2006), “Inside Terrorism”, Nova Iorque, Cambridge. International Crisis Group (Março de 2005), Understanding Islamism, relatório, Bruxelas. Kerrine, Kevin (1989), The art of fact, Nova Iorque, Scribner. Kepel, Gilles (2002), Jihad:The trail of political islam, Washington, IB Tauris. Lloyd, John (2005),What the media are doing to our politics, Londres, Constable. Mesquita, Mário (2003), O quarto equívoco, o poder dos media na sociedade contemporânea, Coimbra, Minerva. National Commission (2005), “The 9/11 Comission Report”, Washington, Norton. Neveu, Erik (2005), Sociologia do journalismo, Porto, Porto Editora. Park, Robert E (1940), News as a form of knowledge, Chicago,University of Chicago. Ranstorp, Magnus (Junho de 2005), “Al – Qaida” – An Expanded Global Network of Terror”, ensaio, RUSI Journal, Londres, Royal United Services Institute. Rebelo, José (2002), O discurso do jornal, Lisboa, Editorial Noticias. Roy, Olivier (2003), Globalised Islam, Nova Iorque, C.Hurst. Santos, Rogério (2003), A negociação e as fontes, Coimbra, Minerva. Schlesinger, Philip (1975), Reporting Crime: the media politics of criminal justice, Oxford, OUP. Tumber, Howard (1999), News. A Reader, Oxford, OUP. Wright, Lawrence (2006), The Looming Tower – Al Qaeda´s Road to 9/11, Nova Iorque, Penguin.