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PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA
DIOCESE DE CAMPINA GRANDE
Formação Litúrgica - EUCARISTIA
Org. Pe. José Assis Pereira Soares
2. A Eucaristia no Novo Testamento II – Categorias religioso-culturais prévias à Eucaristia e relatos da sua
instituição
Para interpretar as palavras e os gestos de Cristo na última ceia e o que a primeira comunidade
entendia fazer quando celebrava a eucaristia, temos de nos deter numa série de chaves próprias de
sua cultura religiosa.
O Antigo Testamento ajuda a entender a Eucaristia
- Os primeiros cristãos tinham uma mentalidade e uma linguagem próprias de seu povo, que partiam da
preparação pedagógica do Antigo Testamento e que Jesus incorporou à sua mensagem de salvação e
também aos sinais sacramentais. Trata-se de realidades como a refeição sagrada, o memorial, o
sacrifício, a páscoa, as bênçãos e as ações de graças, a aliança, o servo, Cristo Jesus, que sela em
seu sacrifício pascal a nova aliança de Deus com a humanidade. Todas estas categorias tinham para os
contemporâneos de Jesus uma ressonância muito concreta.
2.1 A REFEIÇÃO
- A comunidade cristã celebrou a Eucaristia, no contexto de uma refeição ou pelo menos em relação à
refeição.
Que sentido tinha para os judeus, e, portanto, para os primeiros cristãos, sentar-se à mesa para
comer em comum?
Que relação tem isto com a doação que Cristo faz de si mesmo na Eucaristia?
- Não é indiferente o gesto simbólico que se escolhe para o sacramento. Para as diversas
culturas religiosas, sobretudo orientais, o alimento, a refeição tinha um significado muito
particular. Este contexto continua sendo válido para a nossa eucaristia?
A refeição e seu sentido em outras religiões
- Nas religiões pagãs havia também "alimentos sagrados", como em outras religiões orientais. O que
demonstra que Cristo escolheu um gesto simbólico universal.
- Sabemos de refeições de amizade, ou em honra dos defuntos, ou como ato de culto para uma
divindade, ou alimentos nos quais desempenha um papel importante o animal que se come ou que é
proibido comer, para participar ou respeitar os valores simbólicos que se associam a ele (vitalidade,
fertilidade, força...) Em todos estes alimentos há um fundo mais ou menos claro da comunicação com
a divindade e entre os membros da comunidade que participam deles. Paulo em sua carta aos
Coríntios (cf. 1Cor 10) fala destes alimentos sagrados para contrapô-los, em seu sentido último, à
Eucaristia.
- Os estudos atuais já dão como certo que não pode haver uma influência entre estes alimentos e os
relatos da Eucaristia. As semelhanças devem-se ao fato universal de comer em comum, próprio de
todas as culturas e religiões. Em todo caso temos de buscar o parentesco muito mais próximo nas
refeições e nos alimentos sagrados dos judeus.
As refeições e seu sentido sagrado para os judeus
- A literatura bíblica nos demonstra que o povo judeu entendeu e praticou de maneira excelente esta
linguagem simbólica da refeição. Além da ceia pascal, os judeus tinham várias outras refeições
religiosas: as de outras festas importantes, a refeição relacionada com o inicio do Sábado, precedida
do "qiddush" ou santificação, as refeições de fraternidade "haburoth", as refeições entre membros de
um grupo religioso, como os essênios em "Qumrán", os alimentos em circunstâncias festivas ou
significativas de uma família etc.
"Refeições sacrificais", nas quais se participa dos manjares oferecidos a Deus.
2
- Os "sacrifícios de comunhão" ou de paz, nos quais a oferenda, um animal ou os dízimos das colheitas
é dividido em duas porções: uma se oferece a Deus (o sangue e a gordura) e a outra é partilhada numa
refeição em comum "na presença de Deus".
- Há autores que opinam que o ambiente em que nasceu a Eucaristia não foi tanto a ceia pascal, mas o
das refeições fraternas, alimentos em que, por outro lado, o substancial da linguagem coincide com a
ceia pascal e demais alimentos sagrados.
- Tiveram alguma influência os alimentos sagrados de “Qumran”. Pode-se fazer uma longa lista de
semelhanças entre os alimentos dos essênios e a ceia de Jesus (o pão e o vinho, as bênçãos, o caráter
comunitário, o sentido messiânico e escatológico etc.), mas estas semelhanças são explicáveis por seu
ambiente religioso comum. Mas também há uma profunda diferença: a grande novidade que na
Eucaristia supõe a autodoação que o Messias nos faz de seu corpo e de seu sangue como alimento
salvador, em relação à sua morte. Em todo o caso, a maioria dos autores não vê mais do que
semelhanças e não uma influência ou dependência entre “Qumran” e a Eucaristia cristã.
2.2 As refeições de Jesus
a. Jesus se serviu da linguagem do "comer com" em seu anúncio do Reino. Ele aparece nos evangelhos
partilhando a mesa, as refeições com os outros: na casa de amigos, como Lázaro ou Mateus, ou de
fariseus como Simão, e também de publicanos como Zaqueu, causando escândalo aos fariseus que
entendem muito bem esta linguagem como aproximação de Jesus aos mais marginalizados e
pecadores da sociedade.
- Jesus não quer excluir ninguém da salvação e da comunhão com Deus, e o simbolismo do
compartilhar com eles o alimento é o mais expressivo na hora de proclamar a boa nova. Multiplica
pães e peixes, converte a água em vinho, aceita convites ou se autoconvida ele mesmo: está
anunciando com ações simbólicas o perdão e o amor de Deus. Quando fala do Reino frequentemente
o faz em chave de refeição festiva à qual Deus nos convida. Como nas parábolas do Reino e do filho
pródigo.
b. Embora não fossem celebrações eucarísticas, os relatos de multiplicação dos pães que os evangelhos
nos trazem também interessam como contexto para entender este sacramento. A linguagem dos
relatos é “eucarística”: “tomou, abençoou, partiu, deu a comer...”
Como Moisés deu de comer a seu povo no deserto, assim Jesus o faz agora, anunciando a chegada do
Reino messiânico. Mas este sentido cristológico está unido a uma terminologia eucarística, que de
alguma maneira lembra à comunidade a Eucaristia como alimento dado pelo Senhor ressuscitado:
uma Eucaristia que no tempo da redação dos evangelhos já era celebrada há décadas. A comunidade
de mesa com o Senhor continua também nas gerações seguintes. Provavelmente também com uma
intenção de compromisso de ajuda aos mais pobres da comunidade.
c. As “refeições com Jesus” marcaram a sensibilidade dos discípulos: tanto as anteriores à sua Páscoa
como as posteriores. Ser admitidos a comer com o Messias é um símbolo profundo de reconciliação,
comunhão e participação nos bens messiânicos. Que orgulho sente Pedro ao lembrar que os discípulos
tiveram o privilégio de comer com o Ressuscitado:“comemos e bebemos com ele”. (cf. At 10,40-42)
2.3 O sentido antropológico-religioso da refeição
- A comida é fonte de vida, alimento e força.
Permite a sobrevivência; a pessoa assimila os alimentos, os digere e os converte em parte de si
mesmo; por isso esta linguagem admite toda uma série de sentidos simbólicos de alimento religioso e
sobrenatural; para os cristãos, a primeira e mais evidente direção da Eucaristia será esta da
alimentação: Cristo é agora nosso Pão da vida, nossa força e alimento; e o processo de nossa tomada
de posse de seus bens estende-se, logicamente, a partir da chave do comer.
- O alimento é fonte de unidade comunitária
Os comensais que compartilham a mesa ficam unidos; "comer com outros" foi sempre símbolo de
solidariedade, amizade, comunicação interpessoal e festa.
O alimento se converte em algo mais do que repor as forças e alimentar-se: É o contexto mais
espontâneo da acolhida e da hospitalidade, mais ainda para os orientais do que para nós.
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Para os cristãos, o alimento eucarístico teve desde o princípio, além da consciência de união com
Cristo - ao mesmo tempo o que convida e o alimento - esta outra direção de fraternidade. Paulo
condenará a comunidade de Corinto porque faltou com fraternidade na sua celebração.
- Toda refeição religiosa tem relação a Deus.
Em todas as religiões, a refeição é elevada à esfera religiosa e supõe um clima de alegria e ação de
graças a Deus por seus dons.
Muitas refeições são descritas no Antigo Testamento como realizadas "diante de Deus" (Ex 24,11).
Não se trata de participar "da divindade", mas de comer dando graças e bendizendo, convertendo-se
muitas vezes o alimento em sinal de comunhão e aliança com Deus e num ato de culto. Por isso
argumentará Paulo em 1Cor 10 a partir dessa “comunhão de mesa” com Cristo, para que os coríntios
não se atrevam a participar de outras mesas cúlticas em honra dos falsos deuses.
- As refeições sagradas dos judeus tinham em algumas ocasiões uma clara coloração escatológica.
A esperança messiânica se exprime no Antigo Testamento, sobretudo nas ceias pascais, antecipação
das ceias messiânicas às quais seriam convidados (Is 25,6ss e 55,1ss.; Pr 9,1-6).
Para os cristãos as refeições com Jesus, certamente tiveram uma consciência de ceias messiânicas,
antecipação das ceias escatológicas do Reino às quais tantas vezes Cristo aludiu: "até que venha"
(1Cor. 11,26).
- A Eucaristia da primeira comunidade já se nos mostra cheia de significação sob esta chave de
"REFEIÇÃO SAGRADA", com todos os rumos que inclui. Lendo depois as passagens em que se
aprofunda seu sentido, certamente se percebe que a Eucaristia vai mais além do que o gesto
antropológico ou religioso pode expressar, porque Cristo lhe deu um novo sentido e conteúdo.
- Não é estranho que o "comer com" – pareça a alguns nada menos do que a “essência do
cristianismo”. “Comer com” - expressão empregada por Lucas (cf. Lc 15,2; At 10,41; 11,13) – tem
um significado profundo: por um lado, a comunidade de mesa coloca em relevo a iniciativa de Deus
que convida a todos à salvação e, por outro, a abertura a todos e o novo modo de ser da comunidade
dos fieis, mais reconciliadora e universal.
2.4 A CATEGORIA DO MEMORIAL
Qual o sentido bíblico-litúrgico de memória?
- No Antigo Testamento: memorial é como a atualização da salvação experimentada pelo povo.
Em que consiste o memorial?
Não é mero recordar mental individual do passado "mas ação objetiva que atualiza o passado e
prepara o futuro".
No Antigo Testamento o memorial segue duas direções: é um recordar dirigido a Deus, ou seja,
lembrar a Deus sua promessa feita e a aliança selada com o Povo, realizada uma vez por todas (Ex
32,13; Dt 9,27; Sl 74,2; 105,8; Jr 14,21) e dirigido ao Povo: "recordar ao Povo as intervenções divinas
de que foi beneficiário e suscitar no seu interior a ação de graças e a fé na continuidade dessas
intervenções".
Esse recordar é um sinal concreto como a Páscoa judaica, o sábado (descanso semanal) e outras
instituições.
- Todo memorial tem para os judeus três dimensões:
Olha para o passado, mas projetando-o para o futuro com a espera escatológica, e sentindo que
o acontecimento histórico e o futuro se encontram no "hoje" da celebração. Isto acontece,
sobretudo, na Páscoa.
- O presente é continuidade com o passado e antecipação do futuro.por isso, o memorial é entendido
como recapitulação de toda a história da salvação. A comunidade entra na dinâmica deste memorial,
sentindo-se contemporânea aos fatos passados e destinatária dos bens futuros.
- Esse memorial não é um abracadabra mágico, mas salienta ao Povo a fidelidade do Deus sempre fiel
que fez aliança inquebrantável e que esta tem suas exigências existenciais de conversão e fidelidade,
as quais, para viver, deve o Povo aderir continuamente.
Memorial no Novo Testamento: anamnesis
- A primeira comunidade pode celebrar a Eucaristia com um claro conceito de memorial do passado -
agora a morte salvadora de Cristo - de abertura para o futuro - o "até que venha" - mas, sobretudo,
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com uma consciência gozosa de que no presente, na própria celebração, se dá a presença de Cristo,
tornando-nos participantes deste acontecimento salvador da cruz e de seu reino escatológico.
- O memorial de Jesus Cristo é o pão e o vinho deixado por Ele "como sacramento antecipado de seu
sacrifício, e, portanto do seu mistério pascal de morte e vida". Este memorial está inserido na
libertação global fazendo recordar todas as maravilhas de Deus na História da Salvaçãos de que Israel
já experimentava na anamnesis pascal da sua ceia anual e que já prefigurava a Eucaristia.
- A comunidade cristã começou a celebrar a Eucaristia pelo mandato recebido de Jesus: "Fazei isto em
memória de mim".
- O "Fazei isto em memória de mim" (Lc 22,19; 1Cor 11,25) está no contexto do memorial bíblico cujo
sentido é o de atualizar as realidades já plenamente cumpridas no gesto memorial no hoje da igreja
como um evento de salvação em favor do homem e antecipando já a recapitulação de todas as coisas
(cf. Ef 1,10) até que Ele venha.
- “Na véspera de sua Paixão, quando ainda estava em liberdade, Jesus fez desta Última Ceia com seus
apóstolos o memorial da sua oferta voluntária". "A Eucaristia que instituiu naquele momento será o
"memorial" (1Cor 11,25) do seu sacrifício. Jesus inclui os apóstolos na sua oferta e lhes confia que a
perpetuem".
2.5 A ceia pascal judaica
- A ceia pascal dos judeus é, junto com as refeições com Jesus, antes e depois de sua páscoa, a chave
mais próxima que preparou o sentido da Eucaristia para a primeira comunidade. Uma chave que
abarca toda as outras.
- Nela encontramos a mais expressiva das refeições sagradas, celebrada como memorial do êxodo.
- A ceia da páscoa é para os judeus um autêntico “sacramento”, um sinal e celebração da salvação
operada por Deus em favor deles, e converteu-se no ponto máximo de referência para toda a sua
teologia e espiritualidade: um resumo de sua fé e de seu culto. Os grandes temas pascais, para eles, já
no tempo de Cristo, podem ser enumerados desta forma:
a) é uma celebração comunitária, familiar, com consciência de ser o povo eleito de Deus; uma
celebração que recria continuamente sua consciência de povo;
b) é uma celebração que renova a cada ano a aliança do povo com Deus, aliança solenemente selada
no monte Sinai e que agora se atualiza (cf. Ex 13,3-4);
c) o que celebram é a salvação pascal, com o que significa de “passagem” da morte (escravidão) à vida
(alegria, liberdade, amizade com Deus, terra prometida);
d) elemento característico é o cordeiro pascal: um símbolo já presente na oferenda primaveril de
cordeiros, depois como lembrança do cordeito sacrificado na saída do Egito, mais tarde nos sacrificios
diários no templo, às vezes de caráter expiatório pelos pecados do povo e sinal da salvação de Deus.
e) o pão ázimo, sem fermento, utilizado em toda a semana da páscoa, deve ser interpretado como
recordação simbólica da aflição, escravidão e pressa na saída do Egito, pobreza de vida (pão não
acabado de fazer): cf. Ex 12,39;
f) o vinho: os dons da terra prometida (cachos de uva), símbolo da alegria (sobretudo escatológica) e da
ideia que traz consigo de sacrifício e do sangue (Ex 24) que serviu para selar a primeira aliança; o
vinho tinha sempre uma conotação de espera messiânica.
g) a ceia pascal pode ser considerada como ponto de convergência do passado, do presente e do
futuro: o fato histórico é recordado e proclamado com gratidão, mas com um olhar esperançoso para
o futuro messiânico. Com uma convicção clara de que hoje mesmo, quando se está celebrando a
Páscoa se atualiza esta salvação passada e futura - a salvação alcança também a nós.
- Desta forma a ceia pascal aparece como uma chave riquíssima que resume toda a dinâmica da
salvação; une mais a comunidade, a introduz e renova na aliança e comunhão com Deus, convida à
alegria, bênção e ação de graças, alimenta a esperança messiânica.
- Compreendemos assim, porque o Novo Testamento entendeu o Mistério de Cristo em chave de
Páscoa e os sinóticos leram a Eucaristia em tom de ceia pascal.
- Os sinóticos interpretaram claramente a última ceia de Cristo como ceia pascal, embora não seja
muito certo que historicamente o fosse. Mas isto indica que a comunidade entendeu a ceia do Senhor
e a Eucaristia como a nova celebração pascal cristã.
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3. OS RELATOS DA INSTITUIÇÃO
- As fontes que nos narram como Cristo instituiu a Eucaristia em sua última ceia são quatro:
#Mt 26, 20-29
#Lc 22,14-20
#Mc 14,22-25
#1Cor 11,23-26
Desses quatro relatos, três situam a última ceia no conjunto da história da Paixão: Mt, Mc e Lc e 1Cor
oferece como argumento contra a falta de fraternidade.
- João não narra diretamente os gestos eucarísticos da ceia
#Jo 6 - (discurso do Pão da Vida)
#Jo 13 - (lava-pés)
#Jo 15 - (símbolo da videira)
3.1 Foi a ceia pascal a última ceia de Jesus?
- A “Ultima Ceia” é o ponto final, o ponto de chegada das expectativas que assinalaram a antiga
aliança e a síntese da história de Jesus. A ceia foi celebrada por Jesus de forma solene, reunindo seus
amigos no final de sua vida terrena, no preciso momento que antecedeu a “sua hora”.
- Preparada segundo as regras precisas, estabelecidas pela tradição litúrgica (Mc 14,12-16), ela foi
iniciada por palavras que denotam seu caráter de momento esperado “Eu desejei tanto comer está
Páscoa convosco antes de padecer” (Lc 22,15) e revelam o sentido e o valor do desafio vivido pelo
Verbo Encarnado, Jesus sabia que deveria dirigir-se a Jerusalém, e lá morreria. (cf. os prenúncios de
sua paixão, o sinal de Jonas, (Lc 11,32), a profecia do templo destruído, (Mc 14,58) e a afirmação de
que continuaria a viver depois de sua morte, (Mc 14,62). Por isso, a “ceia” apresenta-se como um
banquete de despedida, à maneira de testamento no qual estão formulados, e devem ser transmitidos
sem véus, o significado e o alcance de sua vida e morte. Ali, torna-se realidade a aliança nova, dá-se
a vinda do Reino de Deus, proclama-se a vitória final: “não beberei mais do fruto da vinha até que
não possa bebê-lo de novo no Reino”.
- Assim, nos gestos e nas palavras da ceia realiza-se uma grande síntese: Jesus é assinalado como o
centro da salvação e, dando-se a si mesmo, no acontecimento da ceia, faz transbordar no caminho da
humanidade o seu evento redentor.
- Os quatro relatos descrevem a última ceia como uma refeição solene, especial, de despedida, dentro
da Páscoa ou na proximidade dela.
3.2 Mas foi realmente uma ceia pascal o que Cristo celebrou com os seus?
- A última ceia, além de representar a confluência da vida de Jesus, foi a cristalização do mundo
teológico da antiga aliança, devemos notar que o sinal da antiga aliança que aparece simbolizado, em
primeiro plano, seja a Páscoa. A ultima ceia de Jesus deve ser qualificada como ceia pascal.
Esta afirmação justifica-se logo de início pelos textos evangélicos (Mc 14,1; Lc 22,7; Mt 26,17); “No
primeiro dia dos ázimos, os discípulos aproximaram-se de Jesus dizendo: “Onde queres que te
preparemos para comer a Páscoa?”
- Há autores que dão "a razão" aos sinóticos e, portanto, crêem que a última ceia foi a ceia pascal.
Aspectos que mostram o caráter pascal da “ceia”:
A última ceia teve lugar em Jerusalém.
Ela foi celebrada durante a noite (Jo 13,30; 1Cor 11,23); e isto não acontecia nunca, a não ser na
celebração pascal.
Jesus estava em companhia apenas dos doze apóstolos ou um grupo superior a dez. Este fato deu-
se exclusivamente neste dia; habitualmente Jesus tomava suas refeições rodeado por todos
aqueles que o queriam ouvir.
Jesus estava inclinado sobre a mesa (Jo 13,12.23.24-25); Mc 14,18), enquanto costumava, noutras
ocasiões, comer sentado. Isto era um sinal da Páscoa, a noite da libertação.
Com pão e vinho, ele partiu o pão durante a ceia, e não no início dela, o que era outro indício da
Páscoa, pois esta última era antecipada de e uma entrada ritual.
Ele bebeu vinho, este vinho era “vermelho” (seu sangue): isto acontecia nas festas e era de
obrigação na festa da Páscoa.
A ceia se concluiu com um hino de ação de graças, o “Hallel” pascal (Mc 14,26; Mt 26,30).
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Após a ceia Jesus não voltou para Betânia, mas encaminhou-se diretamente para o Horto das
Oliveiras. Durante a noite pascal era de obrigação pernoitar em Jerusalém. Para isto o perímetro
da cidade era esticado até Betfagé, pois havia na cidade cerca de cem mil pessoas.
O anúncio da sua iminente paixão está inserido na ceia. A interpretação de Jesus do pão e do
vinho se refere não ao passado, mas ao presente e ao futuro.
- Parece que assim entenderiamos melhor a Eucaristia dentro do denso sentido teológico e espiritual
que tem a Páscoa para os judeus. Se não foi dentro do contexto da Páscoa judaica, poderiamos pensar
que esta refeição de despedida foi alguma das refeições sagradas, por exemplo, a refeição de
fraternidade ("haburah"), que também estava inserida numa atmosfera de bênção e comunhão, tanto
vertical como horizontal. Também o pão e o vinho são comuns a estas outras refeições.
3.3 Por que a dúvida?
- Embora os três relatos sinóticos afirmem que foi pascal - "desejei comer esta Páscoa convosco" -
não é certo que fosse, porque para João é impossível situar esta ceia no contexto da ceia pascal.
Quando Jesus já está na cruz, então os judeus sacrificam seu cordeiro pascal (Jo 18,28). As objeções
de tipo cronológico salientam a falta de sincronismo entre os relatos contidos nos sinóticos, em
comparação ao texto de João. Nos Sinóticos há um inverossímil atropelamento de fatos num
estreitíssimo espaço de tempo: no dia 14 de Nisán era a preparação para a Páscoa, dia 15 era o dia da
Páscoa, e dia 16 era o sábado. Se a ceia ocorreu na noite da preparação, sendo a Páscoa no dia
seguinte, haveria tempo para a prisão, processo e crucifixão de Jesus?
- A cronologia dos sinóticos e de João parecem irreconciliáveis. Ambos dizem que Jesus morreu na
sexta-feira, mas para os sinóticos esta sexta-feira foi o dia da Páscoa, enquanto que para João este dia
coincidiu com a véspera da Páscoa.
- Em João, o encaixe cronológico dos fatos é diferente. Segundo o quarto evangelho o dia 14 de
Nisán, (primeiro dia dos ázimos) e véspera da Páscoa, caía numa sexta-feira, dia da morte de Jesus - o
dia 15 de Nisán, naquele ano cairia no Sábado e era ao mesmo tempo Páscoa e sábado, dia seguinte à
morte de Jesus. João, ao descrever os episódios iniciais da ceia de Jesus deixa entrever a “ceia pascal”
como futura; quando os judeus estiverem celebrando a Páscoa, Jesus já estará condenado e
crucificado.
- Para os sinóticos o dia da ceia, implicitamente, dão a entender que foi a Quinta-feira e Jesus morreu
no dia 15, o mesmo dia de Páscoa.
- A cronologia do quarto evangelho faz coincidir com exatidão a hora em que os cordeiros eram
imolados e a imolação do “Cordeiro de Deus”. João faz o seu relato coincidir com o calendário
oficial do templo.
- Os sinóticos descrevem uma ceia pascal antecipada por Jesus em relação ao calendário oficial, e na
qual não havia cordeiro de páscoa. O substituto do cordeiro será “O corpo que é dado para uma
multidão”.
- No relato dos sinóticos Jesus antecipa a ceia pascal e segue um calendário diverso. Segundo este
calendário a Páscoa – 15 do mês de Nisán – acontecia sempre numa quarta-feira; na terça-feira
anterior celebrava-se a ceia pascal sem o cordeiro. Estes eram imolados apenas no templo, segundo o
calendário oficial.
- Com base nestas premissas Jesus teria celebrado a Páscoa na terça-feira, a prisão e o processo ter-se-
iam dado na quarta-feira e quinta-feira, e a crucifixão na sexta-feira.
- Os sinóticos, ao fazer coincidir a ceia de Jesus com a pascal, parecem dar a entender que a Eucaristia
cristã é nossa nova ceia pascal, e ao fazer coincidir a morte de Jesus com a própria festa da páscoa -
15 de Nisán - querem ver todo o mistério de Cristo à luz da Páscoa.
- Em João se poderia ver uma intenção teológica: interpretando a Eucaristia como novidade radical, e
não nascida da ceia pascal. E apresentando Cristo como o Cordeiro Pascal imolado, porque sua morte
coincide com a hora em que eram sacrificados os cordeiros no templo.
- Não podemos, com os dados que possuímos, conjugar as cronologias dos sinóticos com a de João e
resolver o problema a saber se a última ceia foi ou não pascal no sentido estrito.
Parece que os autores do NT não se importaram com a páscoa judaica em si, nem fez cumprida na
eucaristia: parecem muito mais interessados no sentido da Páscoa dos Judeus e de suas
características.
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- É evidente que a ceia, fosse ou não um rito pascal, celebrou-se num clima muito próximo da páscoa,
embora com sentido de nova páscoa centrada em Jesus.
- Os sinóticos interpretaram em chave pascal não só o mistério da morte de Cristo, mas a Eucaristia. Os
sinóticos não querem dizer que a "última ceia" foi pascal mas que o é a eucaristia cristã.
3.4 Sentido teológico dos relatos
Que sentido tem a Eucaristia segundo estas fontes de compreensão da comunidade apostólica?
Que sentido o próprio Cristo deu ás palavras e aos gestos de sua ceia?
- Do ponto de vista de composição textual.
O escrito mais antigo é o de Paulo. A primeira epistola aos Coríntios, esrita por volta do ano 54,
evoca uma tradiçào a ele “transmitida” por volta do ano 49-51, quando de sua primeira passagem por
Corinto. Os outros escritos são mais tardios: o evangelho de Marcos foi escrito por volta do ano 70;
os evangelhos de Mateus e Lucas, do ano 80. todos eles, porém, não fazem senão transmitir o
depósito já completo e estável que receberam.
- Antes de tudo a Eucaristia é entendida como refeição.
Com tudo o que comporta tanto na ordem humana como religiosa e também na conduta de Jesus,
"que come e bebe", tanto em sua vida pré-pascal como depois de ressuscitado. A refeição aponta para
o alimento, a união fraterna, a relação da comunhão com Deus. Mas ao mesmo tempo é refeição
messiânica. Compartilhar com o Messias a refeição tem uma densidade muito maior do que as
refeições religiosas normais, sobretudo no clima da despedida e da iminência escatológica que cercou
a última ceia.
É uma refeição com claro tom pascal, pela proximidade da páscoa, teve uma orientação pascal, por
isso a comunidade logo interpretou em chave pascal, com tudo o que esta comporta de memorial,
alegria, renovação da aliança, louvor e bênção e laços comunitários.
- A ceia de Jesus foi de despedida.
Pelo contexto testamentário, com o que supõe de tensão escatológica, de solidariedade com aquele
que se despede e com os que ficam, de participação da sorte, comum, de bênção final, de resumo de
todo o compartilhado, e ao mesmo tempo de antecipação e advertência para tudo o que se aproxima.
A última ceia está marcada pela iminência do reino escatológico, esta vai ser a ultima refeição antes
que se inaugure este reino.
- A ceia e também a Eucaristia, apontam para a morte de Cristo como morte salvadora:
sacrificial, expiatória, vicária.
Os relatos relacionam o gesto e a Palavra eucarística com a morte entendida à luz de Is 53, o “Servo
do Senhor”, entregue pelos outros, na linha de Mc 10,45, mas Cristo entendeu assim sua morte, já em
vida? Ou se trata de uma projeção pós-pascal por parte da comunidade?
- A Eucaristia define-se como memorial dessa morte salvadora de Cristo.
Não só recordação, mas atualização, participação na forma de refeição sacramental, do grande
acontecimento salvador que é a morte de Cristo na cruz, (a nova páscoa). É ali que o Novo
Testamento centraliza toda a reconciliação, o sacrifício, a nova aliança.
- As palavras de Cristo sobre o pão e o vinho adquirem assim seu mais profundo sentido da
"autodoação" sacramental de Cristo.
Depois de sua morte o modo de encontro e comunhão com sua comunidade vai ser este pão e este
vinho, que são seu corpo e seu sangue, com tudo o que isso implica de bênção, nova aliança,
participação em seu destino escatológico.
Toda a cena é entendida no contexto e uma relação interpessoal entre Cristo e os discípulos e em seu
gesto de doação por parte de Jesus e de participação pelos seus no destino salvador.
Bibliografia:
ALDAZÁBAL, José. A eucaristia. Petrópolis : Vozes, 2002.
BOROBIO, Dionísio (org). A celebração na igreja. vol 2. São Paulo : Loyola, 1993.
PADOIN, Giacinto. O pão que eu darei. São Paulo : Paulinas, 1999.

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A refeição sagrada e seu sentido na Eucaristia

  • 1. 1 PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA DIOCESE DE CAMPINA GRANDE Formação Litúrgica - EUCARISTIA Org. Pe. José Assis Pereira Soares 2. A Eucaristia no Novo Testamento II – Categorias religioso-culturais prévias à Eucaristia e relatos da sua instituição Para interpretar as palavras e os gestos de Cristo na última ceia e o que a primeira comunidade entendia fazer quando celebrava a eucaristia, temos de nos deter numa série de chaves próprias de sua cultura religiosa. O Antigo Testamento ajuda a entender a Eucaristia - Os primeiros cristãos tinham uma mentalidade e uma linguagem próprias de seu povo, que partiam da preparação pedagógica do Antigo Testamento e que Jesus incorporou à sua mensagem de salvação e também aos sinais sacramentais. Trata-se de realidades como a refeição sagrada, o memorial, o sacrifício, a páscoa, as bênçãos e as ações de graças, a aliança, o servo, Cristo Jesus, que sela em seu sacrifício pascal a nova aliança de Deus com a humanidade. Todas estas categorias tinham para os contemporâneos de Jesus uma ressonância muito concreta. 2.1 A REFEIÇÃO - A comunidade cristã celebrou a Eucaristia, no contexto de uma refeição ou pelo menos em relação à refeição. Que sentido tinha para os judeus, e, portanto, para os primeiros cristãos, sentar-se à mesa para comer em comum? Que relação tem isto com a doação que Cristo faz de si mesmo na Eucaristia? - Não é indiferente o gesto simbólico que se escolhe para o sacramento. Para as diversas culturas religiosas, sobretudo orientais, o alimento, a refeição tinha um significado muito particular. Este contexto continua sendo válido para a nossa eucaristia? A refeição e seu sentido em outras religiões - Nas religiões pagãs havia também "alimentos sagrados", como em outras religiões orientais. O que demonstra que Cristo escolheu um gesto simbólico universal. - Sabemos de refeições de amizade, ou em honra dos defuntos, ou como ato de culto para uma divindade, ou alimentos nos quais desempenha um papel importante o animal que se come ou que é proibido comer, para participar ou respeitar os valores simbólicos que se associam a ele (vitalidade, fertilidade, força...) Em todos estes alimentos há um fundo mais ou menos claro da comunicação com a divindade e entre os membros da comunidade que participam deles. Paulo em sua carta aos Coríntios (cf. 1Cor 10) fala destes alimentos sagrados para contrapô-los, em seu sentido último, à Eucaristia. - Os estudos atuais já dão como certo que não pode haver uma influência entre estes alimentos e os relatos da Eucaristia. As semelhanças devem-se ao fato universal de comer em comum, próprio de todas as culturas e religiões. Em todo caso temos de buscar o parentesco muito mais próximo nas refeições e nos alimentos sagrados dos judeus. As refeições e seu sentido sagrado para os judeus - A literatura bíblica nos demonstra que o povo judeu entendeu e praticou de maneira excelente esta linguagem simbólica da refeição. Além da ceia pascal, os judeus tinham várias outras refeições religiosas: as de outras festas importantes, a refeição relacionada com o inicio do Sábado, precedida do "qiddush" ou santificação, as refeições de fraternidade "haburoth", as refeições entre membros de um grupo religioso, como os essênios em "Qumrán", os alimentos em circunstâncias festivas ou significativas de uma família etc. "Refeições sacrificais", nas quais se participa dos manjares oferecidos a Deus.
  • 2. 2 - Os "sacrifícios de comunhão" ou de paz, nos quais a oferenda, um animal ou os dízimos das colheitas é dividido em duas porções: uma se oferece a Deus (o sangue e a gordura) e a outra é partilhada numa refeição em comum "na presença de Deus". - Há autores que opinam que o ambiente em que nasceu a Eucaristia não foi tanto a ceia pascal, mas o das refeições fraternas, alimentos em que, por outro lado, o substancial da linguagem coincide com a ceia pascal e demais alimentos sagrados. - Tiveram alguma influência os alimentos sagrados de “Qumran”. Pode-se fazer uma longa lista de semelhanças entre os alimentos dos essênios e a ceia de Jesus (o pão e o vinho, as bênçãos, o caráter comunitário, o sentido messiânico e escatológico etc.), mas estas semelhanças são explicáveis por seu ambiente religioso comum. Mas também há uma profunda diferença: a grande novidade que na Eucaristia supõe a autodoação que o Messias nos faz de seu corpo e de seu sangue como alimento salvador, em relação à sua morte. Em todo o caso, a maioria dos autores não vê mais do que semelhanças e não uma influência ou dependência entre “Qumran” e a Eucaristia cristã. 2.2 As refeições de Jesus a. Jesus se serviu da linguagem do "comer com" em seu anúncio do Reino. Ele aparece nos evangelhos partilhando a mesa, as refeições com os outros: na casa de amigos, como Lázaro ou Mateus, ou de fariseus como Simão, e também de publicanos como Zaqueu, causando escândalo aos fariseus que entendem muito bem esta linguagem como aproximação de Jesus aos mais marginalizados e pecadores da sociedade. - Jesus não quer excluir ninguém da salvação e da comunhão com Deus, e o simbolismo do compartilhar com eles o alimento é o mais expressivo na hora de proclamar a boa nova. Multiplica pães e peixes, converte a água em vinho, aceita convites ou se autoconvida ele mesmo: está anunciando com ações simbólicas o perdão e o amor de Deus. Quando fala do Reino frequentemente o faz em chave de refeição festiva à qual Deus nos convida. Como nas parábolas do Reino e do filho pródigo. b. Embora não fossem celebrações eucarísticas, os relatos de multiplicação dos pães que os evangelhos nos trazem também interessam como contexto para entender este sacramento. A linguagem dos relatos é “eucarística”: “tomou, abençoou, partiu, deu a comer...” Como Moisés deu de comer a seu povo no deserto, assim Jesus o faz agora, anunciando a chegada do Reino messiânico. Mas este sentido cristológico está unido a uma terminologia eucarística, que de alguma maneira lembra à comunidade a Eucaristia como alimento dado pelo Senhor ressuscitado: uma Eucaristia que no tempo da redação dos evangelhos já era celebrada há décadas. A comunidade de mesa com o Senhor continua também nas gerações seguintes. Provavelmente também com uma intenção de compromisso de ajuda aos mais pobres da comunidade. c. As “refeições com Jesus” marcaram a sensibilidade dos discípulos: tanto as anteriores à sua Páscoa como as posteriores. Ser admitidos a comer com o Messias é um símbolo profundo de reconciliação, comunhão e participação nos bens messiânicos. Que orgulho sente Pedro ao lembrar que os discípulos tiveram o privilégio de comer com o Ressuscitado:“comemos e bebemos com ele”. (cf. At 10,40-42) 2.3 O sentido antropológico-religioso da refeição - A comida é fonte de vida, alimento e força. Permite a sobrevivência; a pessoa assimila os alimentos, os digere e os converte em parte de si mesmo; por isso esta linguagem admite toda uma série de sentidos simbólicos de alimento religioso e sobrenatural; para os cristãos, a primeira e mais evidente direção da Eucaristia será esta da alimentação: Cristo é agora nosso Pão da vida, nossa força e alimento; e o processo de nossa tomada de posse de seus bens estende-se, logicamente, a partir da chave do comer. - O alimento é fonte de unidade comunitária Os comensais que compartilham a mesa ficam unidos; "comer com outros" foi sempre símbolo de solidariedade, amizade, comunicação interpessoal e festa. O alimento se converte em algo mais do que repor as forças e alimentar-se: É o contexto mais espontâneo da acolhida e da hospitalidade, mais ainda para os orientais do que para nós.
  • 3. 3 Para os cristãos, o alimento eucarístico teve desde o princípio, além da consciência de união com Cristo - ao mesmo tempo o que convida e o alimento - esta outra direção de fraternidade. Paulo condenará a comunidade de Corinto porque faltou com fraternidade na sua celebração. - Toda refeição religiosa tem relação a Deus. Em todas as religiões, a refeição é elevada à esfera religiosa e supõe um clima de alegria e ação de graças a Deus por seus dons. Muitas refeições são descritas no Antigo Testamento como realizadas "diante de Deus" (Ex 24,11). Não se trata de participar "da divindade", mas de comer dando graças e bendizendo, convertendo-se muitas vezes o alimento em sinal de comunhão e aliança com Deus e num ato de culto. Por isso argumentará Paulo em 1Cor 10 a partir dessa “comunhão de mesa” com Cristo, para que os coríntios não se atrevam a participar de outras mesas cúlticas em honra dos falsos deuses. - As refeições sagradas dos judeus tinham em algumas ocasiões uma clara coloração escatológica. A esperança messiânica se exprime no Antigo Testamento, sobretudo nas ceias pascais, antecipação das ceias messiânicas às quais seriam convidados (Is 25,6ss e 55,1ss.; Pr 9,1-6). Para os cristãos as refeições com Jesus, certamente tiveram uma consciência de ceias messiânicas, antecipação das ceias escatológicas do Reino às quais tantas vezes Cristo aludiu: "até que venha" (1Cor. 11,26). - A Eucaristia da primeira comunidade já se nos mostra cheia de significação sob esta chave de "REFEIÇÃO SAGRADA", com todos os rumos que inclui. Lendo depois as passagens em que se aprofunda seu sentido, certamente se percebe que a Eucaristia vai mais além do que o gesto antropológico ou religioso pode expressar, porque Cristo lhe deu um novo sentido e conteúdo. - Não é estranho que o "comer com" – pareça a alguns nada menos do que a “essência do cristianismo”. “Comer com” - expressão empregada por Lucas (cf. Lc 15,2; At 10,41; 11,13) – tem um significado profundo: por um lado, a comunidade de mesa coloca em relevo a iniciativa de Deus que convida a todos à salvação e, por outro, a abertura a todos e o novo modo de ser da comunidade dos fieis, mais reconciliadora e universal. 2.4 A CATEGORIA DO MEMORIAL Qual o sentido bíblico-litúrgico de memória? - No Antigo Testamento: memorial é como a atualização da salvação experimentada pelo povo. Em que consiste o memorial? Não é mero recordar mental individual do passado "mas ação objetiva que atualiza o passado e prepara o futuro". No Antigo Testamento o memorial segue duas direções: é um recordar dirigido a Deus, ou seja, lembrar a Deus sua promessa feita e a aliança selada com o Povo, realizada uma vez por todas (Ex 32,13; Dt 9,27; Sl 74,2; 105,8; Jr 14,21) e dirigido ao Povo: "recordar ao Povo as intervenções divinas de que foi beneficiário e suscitar no seu interior a ação de graças e a fé na continuidade dessas intervenções". Esse recordar é um sinal concreto como a Páscoa judaica, o sábado (descanso semanal) e outras instituições. - Todo memorial tem para os judeus três dimensões: Olha para o passado, mas projetando-o para o futuro com a espera escatológica, e sentindo que o acontecimento histórico e o futuro se encontram no "hoje" da celebração. Isto acontece, sobretudo, na Páscoa. - O presente é continuidade com o passado e antecipação do futuro.por isso, o memorial é entendido como recapitulação de toda a história da salvação. A comunidade entra na dinâmica deste memorial, sentindo-se contemporânea aos fatos passados e destinatária dos bens futuros. - Esse memorial não é um abracadabra mágico, mas salienta ao Povo a fidelidade do Deus sempre fiel que fez aliança inquebrantável e que esta tem suas exigências existenciais de conversão e fidelidade, as quais, para viver, deve o Povo aderir continuamente. Memorial no Novo Testamento: anamnesis - A primeira comunidade pode celebrar a Eucaristia com um claro conceito de memorial do passado - agora a morte salvadora de Cristo - de abertura para o futuro - o "até que venha" - mas, sobretudo,
  • 4. 4 com uma consciência gozosa de que no presente, na própria celebração, se dá a presença de Cristo, tornando-nos participantes deste acontecimento salvador da cruz e de seu reino escatológico. - O memorial de Jesus Cristo é o pão e o vinho deixado por Ele "como sacramento antecipado de seu sacrifício, e, portanto do seu mistério pascal de morte e vida". Este memorial está inserido na libertação global fazendo recordar todas as maravilhas de Deus na História da Salvaçãos de que Israel já experimentava na anamnesis pascal da sua ceia anual e que já prefigurava a Eucaristia. - A comunidade cristã começou a celebrar a Eucaristia pelo mandato recebido de Jesus: "Fazei isto em memória de mim". - O "Fazei isto em memória de mim" (Lc 22,19; 1Cor 11,25) está no contexto do memorial bíblico cujo sentido é o de atualizar as realidades já plenamente cumpridas no gesto memorial no hoje da igreja como um evento de salvação em favor do homem e antecipando já a recapitulação de todas as coisas (cf. Ef 1,10) até que Ele venha. - “Na véspera de sua Paixão, quando ainda estava em liberdade, Jesus fez desta Última Ceia com seus apóstolos o memorial da sua oferta voluntária". "A Eucaristia que instituiu naquele momento será o "memorial" (1Cor 11,25) do seu sacrifício. Jesus inclui os apóstolos na sua oferta e lhes confia que a perpetuem". 2.5 A ceia pascal judaica - A ceia pascal dos judeus é, junto com as refeições com Jesus, antes e depois de sua páscoa, a chave mais próxima que preparou o sentido da Eucaristia para a primeira comunidade. Uma chave que abarca toda as outras. - Nela encontramos a mais expressiva das refeições sagradas, celebrada como memorial do êxodo. - A ceia da páscoa é para os judeus um autêntico “sacramento”, um sinal e celebração da salvação operada por Deus em favor deles, e converteu-se no ponto máximo de referência para toda a sua teologia e espiritualidade: um resumo de sua fé e de seu culto. Os grandes temas pascais, para eles, já no tempo de Cristo, podem ser enumerados desta forma: a) é uma celebração comunitária, familiar, com consciência de ser o povo eleito de Deus; uma celebração que recria continuamente sua consciência de povo; b) é uma celebração que renova a cada ano a aliança do povo com Deus, aliança solenemente selada no monte Sinai e que agora se atualiza (cf. Ex 13,3-4); c) o que celebram é a salvação pascal, com o que significa de “passagem” da morte (escravidão) à vida (alegria, liberdade, amizade com Deus, terra prometida); d) elemento característico é o cordeiro pascal: um símbolo já presente na oferenda primaveril de cordeiros, depois como lembrança do cordeito sacrificado na saída do Egito, mais tarde nos sacrificios diários no templo, às vezes de caráter expiatório pelos pecados do povo e sinal da salvação de Deus. e) o pão ázimo, sem fermento, utilizado em toda a semana da páscoa, deve ser interpretado como recordação simbólica da aflição, escravidão e pressa na saída do Egito, pobreza de vida (pão não acabado de fazer): cf. Ex 12,39; f) o vinho: os dons da terra prometida (cachos de uva), símbolo da alegria (sobretudo escatológica) e da ideia que traz consigo de sacrifício e do sangue (Ex 24) que serviu para selar a primeira aliança; o vinho tinha sempre uma conotação de espera messiânica. g) a ceia pascal pode ser considerada como ponto de convergência do passado, do presente e do futuro: o fato histórico é recordado e proclamado com gratidão, mas com um olhar esperançoso para o futuro messiânico. Com uma convicção clara de que hoje mesmo, quando se está celebrando a Páscoa se atualiza esta salvação passada e futura - a salvação alcança também a nós. - Desta forma a ceia pascal aparece como uma chave riquíssima que resume toda a dinâmica da salvação; une mais a comunidade, a introduz e renova na aliança e comunhão com Deus, convida à alegria, bênção e ação de graças, alimenta a esperança messiânica. - Compreendemos assim, porque o Novo Testamento entendeu o Mistério de Cristo em chave de Páscoa e os sinóticos leram a Eucaristia em tom de ceia pascal. - Os sinóticos interpretaram claramente a última ceia de Cristo como ceia pascal, embora não seja muito certo que historicamente o fosse. Mas isto indica que a comunidade entendeu a ceia do Senhor e a Eucaristia como a nova celebração pascal cristã.
  • 5. 5 3. OS RELATOS DA INSTITUIÇÃO - As fontes que nos narram como Cristo instituiu a Eucaristia em sua última ceia são quatro: #Mt 26, 20-29 #Lc 22,14-20 #Mc 14,22-25 #1Cor 11,23-26 Desses quatro relatos, três situam a última ceia no conjunto da história da Paixão: Mt, Mc e Lc e 1Cor oferece como argumento contra a falta de fraternidade. - João não narra diretamente os gestos eucarísticos da ceia #Jo 6 - (discurso do Pão da Vida) #Jo 13 - (lava-pés) #Jo 15 - (símbolo da videira) 3.1 Foi a ceia pascal a última ceia de Jesus? - A “Ultima Ceia” é o ponto final, o ponto de chegada das expectativas que assinalaram a antiga aliança e a síntese da história de Jesus. A ceia foi celebrada por Jesus de forma solene, reunindo seus amigos no final de sua vida terrena, no preciso momento que antecedeu a “sua hora”. - Preparada segundo as regras precisas, estabelecidas pela tradição litúrgica (Mc 14,12-16), ela foi iniciada por palavras que denotam seu caráter de momento esperado “Eu desejei tanto comer está Páscoa convosco antes de padecer” (Lc 22,15) e revelam o sentido e o valor do desafio vivido pelo Verbo Encarnado, Jesus sabia que deveria dirigir-se a Jerusalém, e lá morreria. (cf. os prenúncios de sua paixão, o sinal de Jonas, (Lc 11,32), a profecia do templo destruído, (Mc 14,58) e a afirmação de que continuaria a viver depois de sua morte, (Mc 14,62). Por isso, a “ceia” apresenta-se como um banquete de despedida, à maneira de testamento no qual estão formulados, e devem ser transmitidos sem véus, o significado e o alcance de sua vida e morte. Ali, torna-se realidade a aliança nova, dá-se a vinda do Reino de Deus, proclama-se a vitória final: “não beberei mais do fruto da vinha até que não possa bebê-lo de novo no Reino”. - Assim, nos gestos e nas palavras da ceia realiza-se uma grande síntese: Jesus é assinalado como o centro da salvação e, dando-se a si mesmo, no acontecimento da ceia, faz transbordar no caminho da humanidade o seu evento redentor. - Os quatro relatos descrevem a última ceia como uma refeição solene, especial, de despedida, dentro da Páscoa ou na proximidade dela. 3.2 Mas foi realmente uma ceia pascal o que Cristo celebrou com os seus? - A última ceia, além de representar a confluência da vida de Jesus, foi a cristalização do mundo teológico da antiga aliança, devemos notar que o sinal da antiga aliança que aparece simbolizado, em primeiro plano, seja a Páscoa. A ultima ceia de Jesus deve ser qualificada como ceia pascal. Esta afirmação justifica-se logo de início pelos textos evangélicos (Mc 14,1; Lc 22,7; Mt 26,17); “No primeiro dia dos ázimos, os discípulos aproximaram-se de Jesus dizendo: “Onde queres que te preparemos para comer a Páscoa?” - Há autores que dão "a razão" aos sinóticos e, portanto, crêem que a última ceia foi a ceia pascal. Aspectos que mostram o caráter pascal da “ceia”: A última ceia teve lugar em Jerusalém. Ela foi celebrada durante a noite (Jo 13,30; 1Cor 11,23); e isto não acontecia nunca, a não ser na celebração pascal. Jesus estava em companhia apenas dos doze apóstolos ou um grupo superior a dez. Este fato deu- se exclusivamente neste dia; habitualmente Jesus tomava suas refeições rodeado por todos aqueles que o queriam ouvir. Jesus estava inclinado sobre a mesa (Jo 13,12.23.24-25); Mc 14,18), enquanto costumava, noutras ocasiões, comer sentado. Isto era um sinal da Páscoa, a noite da libertação. Com pão e vinho, ele partiu o pão durante a ceia, e não no início dela, o que era outro indício da Páscoa, pois esta última era antecipada de e uma entrada ritual. Ele bebeu vinho, este vinho era “vermelho” (seu sangue): isto acontecia nas festas e era de obrigação na festa da Páscoa. A ceia se concluiu com um hino de ação de graças, o “Hallel” pascal (Mc 14,26; Mt 26,30).
  • 6. 6 Após a ceia Jesus não voltou para Betânia, mas encaminhou-se diretamente para o Horto das Oliveiras. Durante a noite pascal era de obrigação pernoitar em Jerusalém. Para isto o perímetro da cidade era esticado até Betfagé, pois havia na cidade cerca de cem mil pessoas. O anúncio da sua iminente paixão está inserido na ceia. A interpretação de Jesus do pão e do vinho se refere não ao passado, mas ao presente e ao futuro. - Parece que assim entenderiamos melhor a Eucaristia dentro do denso sentido teológico e espiritual que tem a Páscoa para os judeus. Se não foi dentro do contexto da Páscoa judaica, poderiamos pensar que esta refeição de despedida foi alguma das refeições sagradas, por exemplo, a refeição de fraternidade ("haburah"), que também estava inserida numa atmosfera de bênção e comunhão, tanto vertical como horizontal. Também o pão e o vinho são comuns a estas outras refeições. 3.3 Por que a dúvida? - Embora os três relatos sinóticos afirmem que foi pascal - "desejei comer esta Páscoa convosco" - não é certo que fosse, porque para João é impossível situar esta ceia no contexto da ceia pascal. Quando Jesus já está na cruz, então os judeus sacrificam seu cordeiro pascal (Jo 18,28). As objeções de tipo cronológico salientam a falta de sincronismo entre os relatos contidos nos sinóticos, em comparação ao texto de João. Nos Sinóticos há um inverossímil atropelamento de fatos num estreitíssimo espaço de tempo: no dia 14 de Nisán era a preparação para a Páscoa, dia 15 era o dia da Páscoa, e dia 16 era o sábado. Se a ceia ocorreu na noite da preparação, sendo a Páscoa no dia seguinte, haveria tempo para a prisão, processo e crucifixão de Jesus? - A cronologia dos sinóticos e de João parecem irreconciliáveis. Ambos dizem que Jesus morreu na sexta-feira, mas para os sinóticos esta sexta-feira foi o dia da Páscoa, enquanto que para João este dia coincidiu com a véspera da Páscoa. - Em João, o encaixe cronológico dos fatos é diferente. Segundo o quarto evangelho o dia 14 de Nisán, (primeiro dia dos ázimos) e véspera da Páscoa, caía numa sexta-feira, dia da morte de Jesus - o dia 15 de Nisán, naquele ano cairia no Sábado e era ao mesmo tempo Páscoa e sábado, dia seguinte à morte de Jesus. João, ao descrever os episódios iniciais da ceia de Jesus deixa entrever a “ceia pascal” como futura; quando os judeus estiverem celebrando a Páscoa, Jesus já estará condenado e crucificado. - Para os sinóticos o dia da ceia, implicitamente, dão a entender que foi a Quinta-feira e Jesus morreu no dia 15, o mesmo dia de Páscoa. - A cronologia do quarto evangelho faz coincidir com exatidão a hora em que os cordeiros eram imolados e a imolação do “Cordeiro de Deus”. João faz o seu relato coincidir com o calendário oficial do templo. - Os sinóticos descrevem uma ceia pascal antecipada por Jesus em relação ao calendário oficial, e na qual não havia cordeiro de páscoa. O substituto do cordeiro será “O corpo que é dado para uma multidão”. - No relato dos sinóticos Jesus antecipa a ceia pascal e segue um calendário diverso. Segundo este calendário a Páscoa – 15 do mês de Nisán – acontecia sempre numa quarta-feira; na terça-feira anterior celebrava-se a ceia pascal sem o cordeiro. Estes eram imolados apenas no templo, segundo o calendário oficial. - Com base nestas premissas Jesus teria celebrado a Páscoa na terça-feira, a prisão e o processo ter-se- iam dado na quarta-feira e quinta-feira, e a crucifixão na sexta-feira. - Os sinóticos, ao fazer coincidir a ceia de Jesus com a pascal, parecem dar a entender que a Eucaristia cristã é nossa nova ceia pascal, e ao fazer coincidir a morte de Jesus com a própria festa da páscoa - 15 de Nisán - querem ver todo o mistério de Cristo à luz da Páscoa. - Em João se poderia ver uma intenção teológica: interpretando a Eucaristia como novidade radical, e não nascida da ceia pascal. E apresentando Cristo como o Cordeiro Pascal imolado, porque sua morte coincide com a hora em que eram sacrificados os cordeiros no templo. - Não podemos, com os dados que possuímos, conjugar as cronologias dos sinóticos com a de João e resolver o problema a saber se a última ceia foi ou não pascal no sentido estrito. Parece que os autores do NT não se importaram com a páscoa judaica em si, nem fez cumprida na eucaristia: parecem muito mais interessados no sentido da Páscoa dos Judeus e de suas características.
  • 7. 7 - É evidente que a ceia, fosse ou não um rito pascal, celebrou-se num clima muito próximo da páscoa, embora com sentido de nova páscoa centrada em Jesus. - Os sinóticos interpretaram em chave pascal não só o mistério da morte de Cristo, mas a Eucaristia. Os sinóticos não querem dizer que a "última ceia" foi pascal mas que o é a eucaristia cristã. 3.4 Sentido teológico dos relatos Que sentido tem a Eucaristia segundo estas fontes de compreensão da comunidade apostólica? Que sentido o próprio Cristo deu ás palavras e aos gestos de sua ceia? - Do ponto de vista de composição textual. O escrito mais antigo é o de Paulo. A primeira epistola aos Coríntios, esrita por volta do ano 54, evoca uma tradiçào a ele “transmitida” por volta do ano 49-51, quando de sua primeira passagem por Corinto. Os outros escritos são mais tardios: o evangelho de Marcos foi escrito por volta do ano 70; os evangelhos de Mateus e Lucas, do ano 80. todos eles, porém, não fazem senão transmitir o depósito já completo e estável que receberam. - Antes de tudo a Eucaristia é entendida como refeição. Com tudo o que comporta tanto na ordem humana como religiosa e também na conduta de Jesus, "que come e bebe", tanto em sua vida pré-pascal como depois de ressuscitado. A refeição aponta para o alimento, a união fraterna, a relação da comunhão com Deus. Mas ao mesmo tempo é refeição messiânica. Compartilhar com o Messias a refeição tem uma densidade muito maior do que as refeições religiosas normais, sobretudo no clima da despedida e da iminência escatológica que cercou a última ceia. É uma refeição com claro tom pascal, pela proximidade da páscoa, teve uma orientação pascal, por isso a comunidade logo interpretou em chave pascal, com tudo o que esta comporta de memorial, alegria, renovação da aliança, louvor e bênção e laços comunitários. - A ceia de Jesus foi de despedida. Pelo contexto testamentário, com o que supõe de tensão escatológica, de solidariedade com aquele que se despede e com os que ficam, de participação da sorte, comum, de bênção final, de resumo de todo o compartilhado, e ao mesmo tempo de antecipação e advertência para tudo o que se aproxima. A última ceia está marcada pela iminência do reino escatológico, esta vai ser a ultima refeição antes que se inaugure este reino. - A ceia e também a Eucaristia, apontam para a morte de Cristo como morte salvadora: sacrificial, expiatória, vicária. Os relatos relacionam o gesto e a Palavra eucarística com a morte entendida à luz de Is 53, o “Servo do Senhor”, entregue pelos outros, na linha de Mc 10,45, mas Cristo entendeu assim sua morte, já em vida? Ou se trata de uma projeção pós-pascal por parte da comunidade? - A Eucaristia define-se como memorial dessa morte salvadora de Cristo. Não só recordação, mas atualização, participação na forma de refeição sacramental, do grande acontecimento salvador que é a morte de Cristo na cruz, (a nova páscoa). É ali que o Novo Testamento centraliza toda a reconciliação, o sacrifício, a nova aliança. - As palavras de Cristo sobre o pão e o vinho adquirem assim seu mais profundo sentido da "autodoação" sacramental de Cristo. Depois de sua morte o modo de encontro e comunhão com sua comunidade vai ser este pão e este vinho, que são seu corpo e seu sangue, com tudo o que isso implica de bênção, nova aliança, participação em seu destino escatológico. Toda a cena é entendida no contexto e uma relação interpessoal entre Cristo e os discípulos e em seu gesto de doação por parte de Jesus e de participação pelos seus no destino salvador. Bibliografia: ALDAZÁBAL, José. A eucaristia. Petrópolis : Vozes, 2002. BOROBIO, Dionísio (org). A celebração na igreja. vol 2. São Paulo : Loyola, 1993. PADOIN, Giacinto. O pão que eu darei. São Paulo : Paulinas, 1999.