O documento discute como a sociedade de consumo moderna influencia a construção da identidade individual, onde as pessoas precisam "inventar" quem são através do que consomem, ao contrário das sociedades tradicionais onde as instituições ditavam papéis sociais fixos. Isso pode levar a comportamentos compulsivos quando as pessoas se sentem livres para escolher, mas sem saber o que escolher. O consumo é usado para produzir narrativas sobre si mesmo e identidades através dos produtos e estilos de vida associados a eles.
2. Romance O homem sem qualidades de
Robert Musil.
Ulrich não sabe o que (ou como) consumir
porque não sabe quem é; mas, por outro
lado, a modernidade implica que só sabemos
quem somos com base no que consumimos.
Ulrich é o avesso do humanista, que supõe
uma essência individual anterior ao ato de
consumir.
Não se trata de consumir segundo seu
próprio estilo, mas de instituir um estilo com
base mesmo no que se consome.
3. Sociedade tradicional: as instituições já dão como
respondidas as questões fundamentais da existência
humana: o que é amar e trabalhar, o que é uma
família; em que se deve acreditar; por que motivos se
deve morrer; por que e para que se vive, de que
maneira, segundo que prescrições.
Uma sociedade tradicional deixa muito pouca coisa à
escolha de seus membros. As instituições escolhem
por nós.
Sociedade de consumo: não tem uma, mas muitas
respostas e escolhas.
4. Escolher ser hetero, homo ou
bissexual, casar ou não casar, ter
ou não ter filhos (quantos, por
que métodos,em que momento);
ser budista, cristão, ateu,
muçulmano; posso ser onívoro,
macrobiótico, vegetariano,
frutariano.
Escolha configura um estilo de
vida, com seus comportamentos,
valores, vestuário e hábitos de
consumo característicos.
5. Quando se pode
escolher entre tantas
opções o que está em
questão o seu valor de
troca.
Fundamentalismo:
resposta ou reação à
modernidade
(sociedade de
consumo).
6. Giddens aponta que o processo de
enfraquecimento das instituições leva aos
comportamentos compulsivos que aparecem
quando o peso da tradição não é mais
suficiente para organizar a conduta humana.
Dependência química: as drogas eram
conhecidas pelas sociedades tradicionais, que
delas faziam um uso ritual ou místico. Não
havia já que as modalidades de consumo
estavam submetidas a normas muito precisas.
Rompimento da norma institucional: o
indivíduo já não sabe como, quanto ou para
que consumir. É livre para consumir, consome
para seu prazer.
Liberdade que o conduz ao desregramento.
7. Liberdade – compulsão
Alimentação: distúrbios como a obesidade, a
bulimia e a anorexia;
Sexo, amor, casamento
Proliferação de grupos de auto-ajuda:
alcoólicos anônimos . narcóticos anônimos,
neuróticos anônimos, consumidores
compulsivos, dependentes de sexo, pessoas
que amam demais.
O homem moderno pretende ser livre (das
tradições, das normas, das imposições
sociais), mas entregues à nossa liberdade nos
tornamos escravos.
8. O indivíduo livre das tradições deve se tornar
inventor de si mesmo, autor de sua biografia.
Mas, por esse mesmo motivo, ele não sabe
quem é. Deve inventar sua identidade.
Em uma sociedade pré-moderna, ser alguém é
ocupar o lugar social e institucionalmente
designado pela tradição: é descender de certa
linhagem, vincular-se a dada etnia, pertencer
a uma religião ou classe social.
O consumo funciona na modernidade como
produtor de identidade, aquela que permitirá
ao indivíduo criar a si mesmo, atribuir-se uma
história e uma consistência ontológica.
9. Construção social: Nas ciências humanas e filosofia
contemporânea, o sujeito é uma construção social e não dispõe de
uma essência capaz de fundamentar suas ações e determinar suas
escolhas.
Nada há nele de natural ou universal: o sujeito é uma construção,
um efeito, o produto de uma narrativa.
Tecnologias do eu: produzidas historicamente, essas práticas são
as condições de possibilidade do sujeito com base em estruturas
que preexistem: consumo e cultura de massa.
Construir uma identidade, produzir uma subjetividade equivalem a
criar uma narrativa biográfica; o que caracteriza essa modalidade
narrativa é que o autor, o narrador e o protagonista são a mesma
pessoa.
10. O verdadeiro objeto de consumo não são nem os
produtos nem os estilos de vida a eles associados, nem
mesmo as sensações por eles proporcionados, mas a
própria subjetividade que é deste modo produzida
(biografia).
Capitalismo contemporâneo não produz apenas
mercadorias, mas também subjetividades (aquilo que
o produto representa).
Elementos da narrativa: determinados
comportamentos, estilos de vida, idéias e atitudes que
criamos uma identidade.
11. Produtos, atitudes,
comportamentos,
músicas surgem como
a língua na qual essa
narrativa é elaborada.
A moda e a publicidade
constituem a gramática
que nos ensina como
combinar esses signos
e instituir uma fala.
12. Imperativo da sociedade de consumo: seja feliz!
Não se trata de impor uma maneira de ser, mas de
garantir que toda e qualquer maneira de ser
encontrará sua expressão em mercadorias e bens
de consumo.
Lógica do consumo: qualquer coisa pode ser
convertida ao serviço dos bens e transformada em
mercadoria, ou seja, produzida, distribuída e
consumida: xampu específico; uma atitude de
revolta, displicência, engajamento; parte de um
grupo; sensação de que você é único;
Mecanismo da publicidade: traduzir um espírito,
atitude ou estilo de vida em um objeto que possa
ser adquirido.
13. Integração ao consumo: contracultura, o
movimento hippie nos anos 1960, o punk nos
anos 1980 e o grunge nas últimas décadas do
século, etc..
Comportamentos, roupas e adereços
característicos produzidos em série e
integrados como elementos de consumo.
Nichos: a sociedade de consumo se
caracteriza por ser absolutamente inclusiva.
Não há minoria ou movimento que escape à
sua lógica: gays, mães solteiras, negros,
crianças, todos encontram seu lugar, desde
que possam consumir.
14. Consumo de produtos e comportamentos
locais .
Tudo que é étnico, exótico ou regional surge
como autêntico ou diferenciado.
A busca de raízes étnicas ou a valorização
das culturas nacionais não constituem uma
resistência à globalização, mas são antes um
de seus efeitos.
É do interesse da economia global que haja
culturas locais a serem consumidas.
15. O terceiro mundo, o étnico, o
exótico, o oriental tornam-se bens
de consumo valorizados (como
ilustram o fenômeno da world music
e as tendências étnicas na moda).
A globalização não é sinônimo de
padronização; o que é global é a
lógica do consumo, e não o consumo
de determinados produtos.
O homem sem qualidades é,
paradoxalmente, o homem que tem
acesso a todas elas.
16. ROCHA, Silvia. O homem sem qualidades:
modernidade, consumo e identidade cultural.
Comunicação, Mídia e Consumo, São Paulo,
V.2, N.3, p.111-122, mar.2005.
FIM