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São Paulo, Domingo, 14 de Março de 1999

Explicações para a violência impedem que a violência real se torne compreensível
Uma ideologia perversa
MARILENA CHAUI
especial para a Folha



Embora "ta ethé" e "mores" signifiquem o mesmo, ou seja, costumes e modos de agir de
uma sociedade, entretanto, no singular "ethos" é o caráter ou temperamento individual
que deve ser educado para os valores da sociedade, e "ética" é aquela parte da filosofia
que se dedica à análise dos próprios valores e das condutas humanas, indagando sobre
seu sentido, sua origem, seus fundamentos e finalidades. Sob essa perspectiva geral, a
ética procura definir, antes de mais nada, a figura do agente ético e de suas ações e o
conjunto de noções (ou valores) que balizam o campo de uma ação que se considere
ética.

O agente ético é pensado como sujeito ético, isto é, como um ser racional e consciente
que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que faz e como um ser
responsável que responde pelo que faz. A ação ética é balizada pelas ideias de bem e
mal, justo e injusto, virtude e vício. Assim, uma ação só será ética se consciente, livre e
responsável e será virtuosa se realizada em conformidade com o bom e o justo. A ação
ética só é virtuosa se for livre e só o será se for autônoma, isto é, se resultar de uma
decisão interior do próprio agente e não de uma pressão externa. Evidentemente, isso
leva a perceber que há um conflito entre a autonomia da vontade do agente ético (a
decisão emana apenas do interior do sujeito) e a heteronomia dos valores morais de sua
sociedade (os valores são dados externos ao sujeito).

Esse conflito só pode ser resolvido se o agente reconhecer os valores de sua sociedade
como se tivessem sido instituídos por ele, como se ele pudesse ser o autor desses
valores ou das normas morais, pois, nesse caso, ele será autônomo, agindo como se
tivesse dado a si mesmo sua própria lei de ação. Enfim, a ação só é ética se realizar a
natureza racional, livre e responsável do sujeito e se este respeitar a racionalidade,
liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma
intersubjetividade socialmente determinada.

Sob essa perspectiva, ética e violência são opostas, uma vez que violência significa: 1)
tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2)
todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir,
constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de
alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de
transgressão contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como um
direito. Consequentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico
e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas
pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror. A violência se opõe à ética porque
trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem
coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos e inertes ou passivos.

Ora, vivemos, no Brasil, uma situação paradoxal: de um lado, grita-se contra a violência
e pede-se um "retorno à ética" e, de outro, são produzidas imagens e explicações para a
violência tais que a violência real jamais possa se tornar visível e compreensível. De
fato, a violência real é ocultada por vários dispositivos: 1) Um dispositivo jurídico, que
localiza a violência apenas no crime contra a propriedade e contra a vida; 2) um
dispositivo sociológico, que considera a violência um momento de anomia social, isto é,
como um momento no qual grupos sociais "atrasados" ou "arcaicos" entram em contato
com grupos sociais "modernos", e, "desadaptados", tornam-se violentos; 3) um
dispositivo de exclusão, isto é, a distinção entre um "nós brasileiros não violentos" e um
"eles violentos", "eles" sendo todos aqueles que, "atrasados" e deserdados, empregam a
força contra a propriedade e a vida de "nós brasileiros não violentos"; e 4) um
dispositivo de distinção entre o essencial e o acidental: por essência, a sociedade
brasileira não seria violenta e, portanto, a violência é apenas um acidente na superfície
social sem tocar em seu fundo essencialmente não violento – eis por que os meios de
comunicação se referem à violência com as palavras "surto", "onda", "epidemia",
"crise", isto é, termos que indicam algo passageiro e acidental.

Dessa maneira, as desigualdades econômicas, sociais e culturais, as exclusões
econômicas, políticas e sociais, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a
corrupção como forma de funcionamento das instituições, o racismo, o sexismo, as
intolerâncias religiosa, sexual e política não são considerados formas de violência, isto
é, a sociedade brasileira não é percebida como estruturalmente violenta e por isso a
violência aparece como um fato esporádico superável.

Construída essa imagem da violência, espera-se vencê-la com o "retorno à ética", como
se a ética não fosse uma maneira de agir e sim uma coisa que estivesse sempre pronta e
disponível em algum lugar e que perdemos ou achamos periodicamente.
Que se entende por essa ética à qual se pretenderia "retornar"? Três são seus sentidos
principais: aparece, primeiro, como reforma dos costumes e restauração de valores
passados e não como análise das condições presentes de uma ação ética. A ética é, aqui,
tomada sob uma perspectiva conservadora (e mesmo reacionária) e incumbida de
promover o retorno a um bom passado imaginário. A seguir, surge como multiplicidade
de "éticas" (ética política, ética familiar, ética escolar, ética de cada categoria
profissional, ética do futebol, ética da empresa), portanto desprovida de qualquer
universalidade e entendida como competência específica de especialistas (as comissões
de ética).

Aqui, confunde-se ética e organização administrativas, isto é, a ética é tomada como um
código de condutas que define hierarquias, cargos e funções das quais dependem
responsabilidades funcionais para o bom andamento de uma organização. Além de
confundir-se com a funcionalidade administrativa, a pluralidade de éticas também
exprime a forma contemporânea da alienação, isto é, de uma sociedade totalmente
fragmentada e dispersa que não consegue estabelecer para si mesma nem sequer a
imagem da unidade que daria sentido à sua própria dispersão. A esses dois sentidos,
acrescenta-se um terceiro no qual a ética é entendida como defesa humanitária dos
direitos humanos contra a violência, isto é, tanto como comentário indignado contra a
política, a ciência, a técnica, a mídia, a polícia e o Exército quanto como atendimento
médico-alimentar e militar dos deserdados da terra.

A ética, aqui, não só se confunde com a compaixão como ainda permanece cega às
condições materiais da sociedade contemporânea, na qual há uma contradição surda
entre o desenvolvimento tecnológico ou o trabalho morto cristalizado no capital e o
trabalho vivo, de tal maneira que o desenvolvimento tecnológico torna inútil e
desnecessário o trabalho vivo. Em outras palavras, pela primeira vez na história
universal a economia declara que a maioria dos seres humanos é desnecessária e
descartável, pois, na economia contemporânea, o trabalho não cria riqueza, os empregos
não dão lucro, os desempregados são dejetos inúteis e inaproveitáveis.

Ora, o "retorno à ética" pretende manter a ideia de que o trabalho é a condição da
moralidade e da virtude, o Bem, um dever moral e sacrossanto e por isso mesmo
culpabiliza os desempregados e subempregados por sua situação, não cessa de humilhá-
los e ofendê-los e de considerá-los portadores da violência.
Nem por isso, entretanto, a ética tomada como compaixão pelos deserdados supera a
alienação social e a violência. Em primeiro lugar, porque o sujeito ético ou o sujeito de
direitos está cindido em dois: de um lado, o sujeito ético como vítima, como sofredor
passivo, e, de outro lado, o sujeito ético piedoso e compassivo que identifica o
sofrimento e age para afastá-lo. Isso significa que, na verdade, a vitimização faz com
que o agir ou a ação fique concentrada nas mãos dos não sofredores, das não vítimas
que devem trazer, de fora, a justiça para os injustiçados. Estes, portanto, perderam a
condição de sujeitos éticos para se tornar objetos de nossa compaixão e,
consequentemente, para que os não sofredores possam ser éticos é preciso duas
violências: a primeira, factual, é a existência de vítimas; a segunda, o tratamento do
outro como vítima sofredora passiva e inerte. Além disso, a imagem do Mal e a da
vítima são dotadas de poder midiático: são poderosas imagens de espetáculo para nossa
indignação e compaixão, acalmando nossa consciência. Precisamos das imagens da
violência e do Mal para nos considerarmos sujeitos éticos.

Em segundo lugar, porque, enquanto na ética é a ideia do bem, do justo e do feliz que
determina a autoconstrução do sujeito ético, na ideologia ética é a imagem do mal que
determina a imagem do bem, isto é, o bem torna-se simplesmente o não-mal (não ser
ofendido no corpo e na alma, não ser maltratado no corpo e na alma é o bem). O bem se
reduz à mera ausência de mal ou à privação de mal, deixando de ser algo afirmativo e
positivo para tornar-se puramente reativo. Eis por que o "retorno à ética" é inseparável
da ideologia do consenso, uma vez que enfatiza o sofrimento individual e coletivo, as
corrupções política e policial por que tais imagens conseguem obter o consenso da
opinião: somos "éticos" porque todos contra o Mal. A contrapartida dessa ideologia é
clara: não nos perguntem sobre o Bem, pois este divide as opiniões, e a "modernidade",
como se sabe, é o consenso.

A ética como ideologia significa que em vez de a ação reunir os seres humanos em
torno de ideias e práticas positivas de liberdade e felicidade, ela os reúne pelo consenso
sobre o Mal, e essa ideologia é duplamente perversa: por um lado, procura fixar-se
numa imagem do presente como se este não só fosse eterno, mas sobretudo como se
fosse destino, como se existisse por si mesmo e não fosse efeito das ações humanas; em
suma, reduz o presente ao instante imediato, sem memória e sem porvir. Por outro lado,
procura mostrar que qualquer ideia positiva do bem, da felicidade e da liberdade, da
justiça e da emancipação humana é o Mal. Em outras palavras, considera que as ideias
modernas de racionalidade, sentido da história, abertura temporal do possível pela ação
humana, objetividade, subjetividade teriam sido responsáveis pela infelicidade do nosso
presente, cabendo tratá-las como mistificações totalitárias. A ética como ideologia é
perversa porque toma o presente como fatalidade e anula a marca essencial do sujeito
ético e da ação ética, isto é, a liberdade como atividade que transcende o presente pela
possibilidade do futuro como abertura do tempo humano.

Marilena Chaui é professora no departamento de filosofia da USP, autora de "Cultura e Democracia"
(Ed. Cortez), entre outros.

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CHAUI, Marilena. Uma ideologia perversa

  • 1. São Paulo, Domingo, 14 de Março de 1999 Explicações para a violência impedem que a violência real se torne compreensível Uma ideologia perversa MARILENA CHAUI especial para a Folha Embora "ta ethé" e "mores" signifiquem o mesmo, ou seja, costumes e modos de agir de uma sociedade, entretanto, no singular "ethos" é o caráter ou temperamento individual que deve ser educado para os valores da sociedade, e "ética" é aquela parte da filosofia que se dedica à análise dos próprios valores e das condutas humanas, indagando sobre seu sentido, sua origem, seus fundamentos e finalidades. Sob essa perspectiva geral, a ética procura definir, antes de mais nada, a figura do agente ético e de suas ações e o conjunto de noções (ou valores) que balizam o campo de uma ação que se considere ética. O agente ético é pensado como sujeito ético, isto é, como um ser racional e consciente que sabe o que faz, como um ser livre que decide e escolhe o que faz e como um ser responsável que responde pelo que faz. A ação ética é balizada pelas ideias de bem e mal, justo e injusto, virtude e vício. Assim, uma ação só será ética se consciente, livre e responsável e será virtuosa se realizada em conformidade com o bom e o justo. A ação ética só é virtuosa se for livre e só o será se for autônoma, isto é, se resultar de uma decisão interior do próprio agente e não de uma pressão externa. Evidentemente, isso leva a perceber que há um conflito entre a autonomia da vontade do agente ético (a decisão emana apenas do interior do sujeito) e a heteronomia dos valores morais de sua sociedade (os valores são dados externos ao sujeito). Esse conflito só pode ser resolvido se o agente reconhecer os valores de sua sociedade como se tivessem sido instituídos por ele, como se ele pudesse ser o autor desses valores ou das normas morais, pois, nesse caso, ele será autônomo, agindo como se tivesse dado a si mesmo sua própria lei de ação. Enfim, a ação só é ética se realizar a natureza racional, livre e responsável do sujeito e se este respeitar a racionalidade, liberdade e responsabilidade dos outros agentes, de sorte que a subjetividade ética é uma intersubjetividade socialmente determinada. Sob essa perspectiva, ética e violência são opostas, uma vez que violência significa: 1) tudo o que age usando a força para ir contra a natureza de algum ser (é desnaturar); 2)
  • 2. todo ato de força contra a espontaneidade, a vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); 3) todo ato de violação da natureza de alguém ou de alguma coisa valorizada positivamente por uma sociedade (é violar); 4) todo ato de transgressão contra o que alguém ou uma sociedade define como justo e como um direito. Consequentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror. A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, irracionais, insensíveis, mudos e inertes ou passivos. Ora, vivemos, no Brasil, uma situação paradoxal: de um lado, grita-se contra a violência e pede-se um "retorno à ética" e, de outro, são produzidas imagens e explicações para a violência tais que a violência real jamais possa se tornar visível e compreensível. De fato, a violência real é ocultada por vários dispositivos: 1) Um dispositivo jurídico, que localiza a violência apenas no crime contra a propriedade e contra a vida; 2) um dispositivo sociológico, que considera a violência um momento de anomia social, isto é, como um momento no qual grupos sociais "atrasados" ou "arcaicos" entram em contato com grupos sociais "modernos", e, "desadaptados", tornam-se violentos; 3) um dispositivo de exclusão, isto é, a distinção entre um "nós brasileiros não violentos" e um "eles violentos", "eles" sendo todos aqueles que, "atrasados" e deserdados, empregam a força contra a propriedade e a vida de "nós brasileiros não violentos"; e 4) um dispositivo de distinção entre o essencial e o acidental: por essência, a sociedade brasileira não seria violenta e, portanto, a violência é apenas um acidente na superfície social sem tocar em seu fundo essencialmente não violento – eis por que os meios de comunicação se referem à violência com as palavras "surto", "onda", "epidemia", "crise", isto é, termos que indicam algo passageiro e acidental. Dessa maneira, as desigualdades econômicas, sociais e culturais, as exclusões econômicas, políticas e sociais, o autoritarismo que regula todas as relações sociais, a corrupção como forma de funcionamento das instituições, o racismo, o sexismo, as intolerâncias religiosa, sexual e política não são considerados formas de violência, isto é, a sociedade brasileira não é percebida como estruturalmente violenta e por isso a violência aparece como um fato esporádico superável. Construída essa imagem da violência, espera-se vencê-la com o "retorno à ética", como se a ética não fosse uma maneira de agir e sim uma coisa que estivesse sempre pronta e disponível em algum lugar e que perdemos ou achamos periodicamente.
  • 3. Que se entende por essa ética à qual se pretenderia "retornar"? Três são seus sentidos principais: aparece, primeiro, como reforma dos costumes e restauração de valores passados e não como análise das condições presentes de uma ação ética. A ética é, aqui, tomada sob uma perspectiva conservadora (e mesmo reacionária) e incumbida de promover o retorno a um bom passado imaginário. A seguir, surge como multiplicidade de "éticas" (ética política, ética familiar, ética escolar, ética de cada categoria profissional, ética do futebol, ética da empresa), portanto desprovida de qualquer universalidade e entendida como competência específica de especialistas (as comissões de ética). Aqui, confunde-se ética e organização administrativas, isto é, a ética é tomada como um código de condutas que define hierarquias, cargos e funções das quais dependem responsabilidades funcionais para o bom andamento de uma organização. Além de confundir-se com a funcionalidade administrativa, a pluralidade de éticas também exprime a forma contemporânea da alienação, isto é, de uma sociedade totalmente fragmentada e dispersa que não consegue estabelecer para si mesma nem sequer a imagem da unidade que daria sentido à sua própria dispersão. A esses dois sentidos, acrescenta-se um terceiro no qual a ética é entendida como defesa humanitária dos direitos humanos contra a violência, isto é, tanto como comentário indignado contra a política, a ciência, a técnica, a mídia, a polícia e o Exército quanto como atendimento médico-alimentar e militar dos deserdados da terra. A ética, aqui, não só se confunde com a compaixão como ainda permanece cega às condições materiais da sociedade contemporânea, na qual há uma contradição surda entre o desenvolvimento tecnológico ou o trabalho morto cristalizado no capital e o trabalho vivo, de tal maneira que o desenvolvimento tecnológico torna inútil e desnecessário o trabalho vivo. Em outras palavras, pela primeira vez na história universal a economia declara que a maioria dos seres humanos é desnecessária e descartável, pois, na economia contemporânea, o trabalho não cria riqueza, os empregos não dão lucro, os desempregados são dejetos inúteis e inaproveitáveis. Ora, o "retorno à ética" pretende manter a ideia de que o trabalho é a condição da moralidade e da virtude, o Bem, um dever moral e sacrossanto e por isso mesmo culpabiliza os desempregados e subempregados por sua situação, não cessa de humilhá- los e ofendê-los e de considerá-los portadores da violência.
  • 4. Nem por isso, entretanto, a ética tomada como compaixão pelos deserdados supera a alienação social e a violência. Em primeiro lugar, porque o sujeito ético ou o sujeito de direitos está cindido em dois: de um lado, o sujeito ético como vítima, como sofredor passivo, e, de outro lado, o sujeito ético piedoso e compassivo que identifica o sofrimento e age para afastá-lo. Isso significa que, na verdade, a vitimização faz com que o agir ou a ação fique concentrada nas mãos dos não sofredores, das não vítimas que devem trazer, de fora, a justiça para os injustiçados. Estes, portanto, perderam a condição de sujeitos éticos para se tornar objetos de nossa compaixão e, consequentemente, para que os não sofredores possam ser éticos é preciso duas violências: a primeira, factual, é a existência de vítimas; a segunda, o tratamento do outro como vítima sofredora passiva e inerte. Além disso, a imagem do Mal e a da vítima são dotadas de poder midiático: são poderosas imagens de espetáculo para nossa indignação e compaixão, acalmando nossa consciência. Precisamos das imagens da violência e do Mal para nos considerarmos sujeitos éticos. Em segundo lugar, porque, enquanto na ética é a ideia do bem, do justo e do feliz que determina a autoconstrução do sujeito ético, na ideologia ética é a imagem do mal que determina a imagem do bem, isto é, o bem torna-se simplesmente o não-mal (não ser ofendido no corpo e na alma, não ser maltratado no corpo e na alma é o bem). O bem se reduz à mera ausência de mal ou à privação de mal, deixando de ser algo afirmativo e positivo para tornar-se puramente reativo. Eis por que o "retorno à ética" é inseparável da ideologia do consenso, uma vez que enfatiza o sofrimento individual e coletivo, as corrupções política e policial por que tais imagens conseguem obter o consenso da opinião: somos "éticos" porque todos contra o Mal. A contrapartida dessa ideologia é clara: não nos perguntem sobre o Bem, pois este divide as opiniões, e a "modernidade", como se sabe, é o consenso. A ética como ideologia significa que em vez de a ação reunir os seres humanos em torno de ideias e práticas positivas de liberdade e felicidade, ela os reúne pelo consenso sobre o Mal, e essa ideologia é duplamente perversa: por um lado, procura fixar-se numa imagem do presente como se este não só fosse eterno, mas sobretudo como se fosse destino, como se existisse por si mesmo e não fosse efeito das ações humanas; em suma, reduz o presente ao instante imediato, sem memória e sem porvir. Por outro lado, procura mostrar que qualquer ideia positiva do bem, da felicidade e da liberdade, da justiça e da emancipação humana é o Mal. Em outras palavras, considera que as ideias modernas de racionalidade, sentido da história, abertura temporal do possível pela ação
  • 5. humana, objetividade, subjetividade teriam sido responsáveis pela infelicidade do nosso presente, cabendo tratá-las como mistificações totalitárias. A ética como ideologia é perversa porque toma o presente como fatalidade e anula a marca essencial do sujeito ético e da ação ética, isto é, a liberdade como atividade que transcende o presente pela possibilidade do futuro como abertura do tempo humano. Marilena Chaui é professora no departamento de filosofia da USP, autora de "Cultura e Democracia" (Ed. Cortez), entre outros.