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Cinema Corumbiara retrata o Brasil
1. cinema Corumbiara, o vencedor do Festival de Gramado, é bem mais que apenas um Filme
retrato
doBrasil www.retrAtOdObrAsil.COm | r$ 8,00 | nO 27 | OUtUbrO de 2009
crise
Até que ponto ela afeta
a vida dos que vivem dos
pequenos negócios?
Guerra
Apesar dos esforços de
Obama, no Afeganistão os
talibãs mostram sua força
Biodiesel
A ideia era ajudar os
pobres. Até agora, só
os ricos ganharam
1ª confecom
A grande mídia parece
só querer discutir
amenidades
Os mOdelOs de
democracia
de eUA e ChinA
Um serve aos propósitos imperialistas do país mais
poderoso do mUndo. e o oUtro, qUe agora completa 60 anos?
emilY dicKinson a poeta do século XiX que é uma espécie de shakespeare das américas
2. retrato
dobrasil www.retratodobrasil.com | n o 27 | outubro de 2009
06 Ponto de Vista 18 atirando Para matar
as democracias a violência da polícia de são Paulo aumentou. na maior favela
da capital, um assassinato fez explodir a revolta da população
de Hu e obama
[Marina Amaral]
Há sentido em pretender
que a china adote o mesmo
modelo democrático que
serve aos propósitos
imperialistas do país mais
poderoso do mundo?
09 só amenidades
Parece que as grandes
empresas da mídia não
querem discutir qualquer
assunto polêmico na
1a conferência nacional de
comunicação
[Rafael Hernandes]
12 Pequenas emPresas, grandes questões
21 o sonHo acabou?
o governo anunciou que
de que forma a crise afeta os micro e pequenos empresários?
o biodiesel de mamona tiraria
Qual seu real peso econômico e seu papel no desenvolvimento
da pobreza 1 milhão de
do País? [Tânia Caliari]
pequenos agricultores. até
agora, só os grandes
produtores ganharam
[Lia Imanishi]
29 eleição debaixo
de bala
no afeganistão, centenas de
milhares de soldados e
policiais não impediram
que os talibãs continuasse a
impor derrotas às forças de
ocupação ocidentais
[Yuri Martins Fontes]
38 luta de classes
islâmica
ahmadinejad, o presidente do
irã que lidera os mulás
pobres, quer realizar
mudanças que conflitam com
o interesse dos aiatolás ricos
[Flávio Dieguez]
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Os comunistas chineses começaram sua revolução tel. 31 | 3281 4431
em 1929 e chegaram ao poder vinte anos depois. Agora, de 2a a 6a, das 9h às 17h
com a crise, enfrentam seu maior desafio
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41 ’enfia essa 44 autóPsia
circulaÇÃo eM bancas
câMera no rabo’ Do terror circulacao@retratodobrasil.com
O grande vencedor do A violência política é o tema
Festival de Cinema de do bom livro do historiador
eDiÇões anteriores
Gramado deste ano foi David Andress. Uma de suas vendas@retratodobrasil.com
Corumbiara, com suas falhas é assemelhar as ações
imagens que ultrapassam a de Robespierre às de Bush
[Lincoln Secco] reDaÇÃo
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A maior poeta dos EUA, que os críticos comparam a Walt Withman, sugestão, critique, opine.
é cada vez mais reconhecida entre os brasileiros [Antonio Carlos Queiroz] Reservamo-nos o direito de editar
as mensagens recebidas para
adequá-las ao espaço disponível
ou para facilitar a compreensão.
caPa Chico Max
eXPeDiente - SUPERVISÃO EDITORIAL Raimundo Rodrigues Pereira EDIÇÃO Armando Sartori REDAÇÃO Carlos Azevedo • Flávio Dieguez • Lia Imanishi •
Rafael Hernandes • Sônia Mesquita • Tânia Caliari DIREÇÃO DE ARTE Chico Max EDIÇÃO DE ARTE Pedro Ivo Sartori REVISÃO Silvio Lourenço • Gabriela Ghetti •
Bruna Bassette [OK Linguística] COLABORARAM NESTA EDIÇÃO Antônio Carlos Queiroz • Carla Bispo • Leandro Saraiva • Lincoln Secco • Marina Amaral • Yuri
Martins Fontes • Retrato do BRASIL é uma publicação mensal da Editora Manifesto S.A.
EDITORA MANIFESTO S.A. PRESIDENTE Roberto Davis DIRETOR ADMINISTRATIVO E FINANCEIRO Marcos Montenegro DIRETOR EDITORIAL Raimundo
Rodrigues Pereira
GERENTE COMERCIAL Daniela Dornellas REPRESENTANTE EM BRASÍLIA Joaquim Barroncas • Tel 61 3328 8046
ADMINISTRAÇÃO Neuza Gontijo • Maria Aparecida Carvalho
OPERAÇÃO EM BANCAS • ASSESSORIA EDICASE [www.edicase.com.br] DISTRIBUIÇÃO ExCLUSIVA EM BANCAS Fernando Chinaglia
Comercial e Distribuidora S/A MANUSEIO FG Press
TIRAGEM 20 mil exemplares [Tiragem auditada pela BDO Trevisan Auditores Independentes]
4. Cinema
“EnfIA
ESSA
CÂmERA
no RABo”
Em Corumbiara, o grande Como uma fleChada, Corum- Corumbiara se compõe das filmagens
vencedor do Festival de biara nos impacta violentamente, como feitas por Carelli na região homôni-
espectadores desacostumados com um ma, em Rondônia, entre 1986 e 2006.
Gramado deste ano, as cinema feito de compromissos radicais. Sempre tentando flagrar os criminosos
imagens documentais As discussões sobre o estatuto das responsáveis pelo massacre de um grupo
imagens documentais, a natureza do indígena que “atrapalhava” fazendeiros
ultrapassam a função caráter ético e/ou político das relações locais – pelo desagradável inconve-
estética e procuram novo estabelecidas entre quem filma e quem niente de existir, com o agravante de
é filmado, ou mesmo a ética (sempre “a fazê-lo sobre terras que os fazendeiros
sentido ético e político ética”, entendida como compromisso in- sulistas tinham comprado num negócio
dividual entre “autor” e “documentado”) de lucros amazônicos promovido pelo
por Leandro Saraiva da produção audiovisual com relação desenvolvimentismo patrimonialista –,
aos abundantes desvalidos retratados o cineasta acumulou farto material ao
– todas essas questões debatidas nos longo de duas décadas. Vestígios de
últimos anos, de especial crescimento do ocupação violentamente desfeita, oculta
documentário no País, amargam na nossa de modo primário, ameaças de jagunços,
boca, tomando um gosto meio pueril depoimentos de trabalhadores que tes-
defrontadas com a clareza e firmeza temunharam o ataque, entrevistas com
desassombrada dos posicionamentos especialistas indigenistas, localização de
que movem o filme de Vincent Carelli. índios que fugiram e sobreviveram e até
Tamanha contundência tem seu nervo mesmo a confirmação do massacre por
no inconformismo frente à violência alguns desses sobreviventes.
bárbara que rege as relações sociais nas Carelli não tinha a intenção de “fazer
frentes de expansão agrária do País. um documentário”. Desde o início, o
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5. objetivo era fazer imagens que pudessem Carelli e Santos retornam anos da manipulação. De início, pela própria TV:
servir à causa indígena, comprovando os depois, quando o indigenista obtém as imagens de Carelli são apresentadas no
ataques sofridos, flagrando os respon- legitimidade na Funai para retomar as Fantástico sob uma aura sensacionalista, que
sáveis, provando a existência de índios buscas. A câmera, agora, está ao lado da retira de contexto e exotiza os índios com
remanescentes nas terras da região, para lei: ajuda a forçar a entrada dos oficiais de os quais ele fez contato. Mas, de qualquer
garantir a eles seu uso. O autor de Corum- Justiça nas fazendas da área, cujo acesso, forma, essa espetacularização por si só
biara trabalha nas antípodas da autonomia antes, era negado, em nome do direito não chega a atrapalhar a ação na Justiça e a
das imagens: ele busca fazer imagens que de propriedade. E – surpresa! – eles investigação, junto aos índios, do massacre.
provem, acusem, testemunhem. encontram um pequeno grupo de índios O jogo se torna mais pesado quando os
O filme abre com uma declaração remanescentes, isolados, que há anos fazendeiros montam uma contraversão
das intenções do realizador. Na tela, se esforçam para escapar do contato para os jornais, que parte do imaginário
as imagens fortes (pouco importa uma “civilizatório” com os benfeitores para exotizante, vestindo os índios contatados
certa precariedade técnica) de um ritual os quais Dr. Flausino trabalha. com roupas brancas e afirmando que, se
nambiquara, a “festa da moça”, que As imagens do contato adquirem um havia uma “montagem”, esta havia sido
ocorre pela primeira vez em 20 anos, duplo uso. Legalmente, servem como feita por Carelli e Santos.
explica o realizador, em consequência base para a interdição de uma área que Enquanto essa batalha segue em
direta do processo de gravação e exibi- permita aos índios manterem seu saudável curso, Carelli e Santos se esforçam para
ção que o vídeo permitia experimentar isolamento. E são exibidas no Fantástico, provar o massacre original. Estabelecem
na aldeia. É uma espécie de ritual de o que reforça o primeiro uso, ao mesmo um convívio cotidiano com os índios.
iniciação do próprio Carelli, até então tempo em que, esperam os realizadores, Junto com a antropóloga Virgínia Va-
um indigenista, que se reinventava, em ajudam a apoiar os direitos indígenas. ladão, mulher de Carelli (que faleceu
1986, como documentarista. A difusão televisiva, entretanto, revela durante a longa investigação), descobrem
O cineasta que daí surge, no entanto outra dimensão política da imagem: o jogo se tratar, na verdade, de dois grupos, um
– e esse é o ponto crucial –, usa a câmera akunsu e outro canoê (no total, chegam
como instrumento da causa indígena. Divulgação a dez pessoas). As relações entre eles são
Esse sempre foi o norte da organização complexas, tensas.
que criou, Vídeo nas Aldeias. Hoje, mais A investigação avança com dificul-
de 60 filmes depois, tendo atuado junto dade. São colhidos depoimentos de tra-
a dezenas de povos, formando realiza- balhadores da fazenda suspeita, mas há
dores indígenas de alto gabarito, com muito temor. Os indícios e informações
obras lançadas em festivais e no mercado se acumulam. Nesse meio tempo, outro
de locação e venda de vídeos, é uma índio isolado, sobrevivente do que parece
incontornável referência internacional ser outro massacre, mais recente, é en-
(ver “Muito além do vídeo”, Retrato do contrado, mas recusa o contato, gerando
Brasil nº 21, abril de 2009).
Foi nesse contexto que Marcelo
Carelli (à esq.) e Santos (com os omerê):
Santos, indigenista da Fundação Nacio-
trabalho que se confunde com a vida
nal do Índio (Funai), convidou-o para
registrar os vestígios de um massacre de
Divulgação
índios isolados em Corumbiara, o que,
conta-nos Carelli, era a chance de dar um
sentido claramente militante ao vídeo,
exatamente como ele buscava.
O sentido político das imagens da
violência econômica explícita da região
é didaticamente exposto. No “diálogo”
com um trabalhador fiel aos patrões, a
fala do rapaz enuncia com objetividade
o lugar do Estado de Direito na fronteira
agrícola: “Enfia essa câmera no rabo”.
A câmera incomoda. Carelli grava os
vestígios materiais do massacre, faz en-
trevistas, mas é logo interrompido por
um jagunço sofisticado, Dr. Flausino,
advogado dos fazendeiros, refinado
ideólogo do desenvolvimento a qualquer
custo, que nega qualquer violência por
parte desses civilizadores a quem serve,
benfeitores, segundo ele, que arriscam
seu capital naqueles grotões.
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6. uma situação quase que paradoxal. O sim, atuando à margem da especialização de força e imagem, aparecendo justamente
índio foge e resiste, sentindo-se acuado estética, no registro da militância, Carelli em função dessas tensões políticas, surgem
pela câmera, mas só a obtenção de sua extrai daí uma outra estética. momentos fortes, de uma qualidade estética
imagem pode garantir na Justiça a sua No campo documental, nos últimos para além do subjetivo. A voz over de Carelli,
permanência na terra onde vive. anos, muito se falou de uma “ética do sóbria, narrando um rosário de horrores
Durante a investigação, Carelli encontro”, que seria também uma estética, sem empostar quaisquer dramatizações
percebe que as imagens que fez para o para caracterizar o cinema documental de (como quem diz “assim são as coisas”),
Fantástico precipitaram a reedição da tra- Eduardo Coutinho (veja-se, por exemplo, costurando a passagem de décadas de sua
gédia anterior, sendo a causa do massacre O cinema de Eduardo Coutinho, de Consuelo vida, emociona não pelo lirismo, ou pela
do grupo ao qual pertencia o índio que Lins. Jorge Zahar, 2004). Em seus docu- nostalgia do tempo que se perde, da esposa,
tenta filmar: assustados pela divulgação mentários, Coutinho faz da entrevista um que se vai, mas pela firmeza persistente,
da presença indígena e com a potencial palco de improvisos, de retórica, encena- realista e desassombrada, de quem mantém
interdição de áreas, os fazendeiros resol- ção e desnudamento, onde vale a ética do a militância. Na mesma chave, a amizade
veram agir preventivamente. No fundo, o encontro, ou da busca do encontro – de com Marcelo, o reencontro que revela nos
temor do índio que se esconde tem um lampejos de beleza, como costuma dizer, rostos e nos corpos a passagem do tempo,
triste fundamento. O moinho da frente em que o que vale é o encontro entre duas aparece calcada nesse trabalho político que
de expansão continua dando voltas. subjetividades singulares, mediadas pela se confunde com a vida.
Eventualmente, Carelli obteve um câmera. Tudo isso é verdade e tem resul- O contraste entre a espetacularização
testemunho gravado do chefe akunsu, tado estético, numa versão contemporânea do Fantástico e a delicadeza intensamente
confirmando o massacre original. Mas, no e antiespetacular do cinema moderno, em emocionante dos planos silenciosos e
lugar da condenação dos culpados, o que sua atenção aos instantes de invenção, de distendidos do primeiro contato com os
conseguiu foi realizar Corumbiara. Um filme fuga do convencionado. canoês está emoldurado nesse quadro po-
que resultou de um processo de investiga- Pode-se dizer que também em Corum- litizado. Cada gesto, hesitante e inaugural,
ção e militância, lidando, portanto, com biara uma ética se desdobra em estética. entre brancos e canoês, nesse momento
outras funções sociais da imagem, que não Mas aqui a ética é outra. Não a do encontro raríssimo, de encontro entre mundos, vibra
a estética: investigativa, jurídica, jornalística, intersubjetivo, mas a da ação política, que com uma particular intensidade, dada pela
política. Realizado retrospectivamente com leva, por um lado, a relações de aliança sombra trágica que paira sobre aquela outra
montagem desses materiais, Corumbiara mediadas por objetivos políticos (e não pela humanidade que se revela à câmera.
é uma narração desses casos de violência subjetividade pura) e, por outro, a relações Mesmo a fisionomia, o que de mais
social e, ao mesmo tempo, uma meditação de confronto (“Enfia essa câmera no rabo”). imediato há nas imagens, o que apreende-
sobre o lugar da imagem nesse circuito. As- Entretecidas com as investigações e jogos mos de chofre quando vemos um rosto, ou
mesmo uma paisagem, adquire tons espe-
Mulher akunsu: ela fazia parte de um grupo de dez índios remanescentes cíficos conforme a moldura, a atitude geral
que move o filme. Sob a luz política de
Divulgação
Corumbiara, a desfaçatez dos fazendeiros,
a arrogância do Dr. Flausino e, sobretudo,
as expressões dos índios – a circunspecção
defensiva dos canoês; a incrível força da
performance de conotações xamânicas de
Tiramantu, a jovem mulher canoê; a digni-
dade de Konibi, chefe akunsu, tocando sua
flauta; o acuamento do “índio do buraco”
– tudo surge carregado de história.
Corumbiara se encerra com um close
de Tiramantu, completamente absorta na
relação com seu filho pequeno. A voz de
Carelli, ao longo de toda a sequência que
ali se encerra, pontua a conclusão com
um duro balanço das grandes dificuldades
enfrentadas pelos índios com os quais ele
fez contato. Lembramo-nos das imagens
do primeiro contato e Tiramantu parece
outra pessoa. A estranheza áspera de sua
expressão de então se foi. Em seu lugar, há
um doce olhar maternal. Aquele momento
de ternura vale como esperança, apesar
de tudo, ou como rendição? A história,
impregnada em cada fotograma de Co-
rumbiara, emoldura até o fim até mesmo a
delicada intimidade de Tiramantu.
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