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MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A gestão das pessoas no setor público
MÉRITO E FLEXIBILIDADE
A gestão das pessoas no setor público


Francisco Longo




                  EdiçõesFundap
Governador do Estado
José Serra

Secretário de Gestão Pública
Sidney Beraldo

FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO–FUNDAP

Diretora Executiva
Neide S. Hahn

Coordenação editorial
Carlos H. Knapp

Tradução
Ana Corbisier
Lucia Jahn
Luis Reyes Gil
Paulo Anthero Barbosa

Revisão
Helena Jansen

Revisão técnica
Pedro Anibal Drago
Sandra Souza Pinto

Capa
Cristina Penz
Ilustração da capa baseada na escultura “Le Chariot” (1950), de Alberto Giacometti

Editoração eletrônica
Ricardo Serraino

Fevereiro/2007

© 2004 by Ediciones Paidós Ibérica, S.A.
Reprodução proibida sem a expressa autorização da Fundap.

Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP)
(Centro de Documentação da Fundap, SP, Brasil)

Longo, Francisco
Mérito e flexibilidade: a gestão das pessoas no setor público / Francisco Longo; tradução
  Ana Corbisier, Lucia Jahn, Luis Reyes Gil, Paulo Anthero Barbosa; revisão Helena Jansen;
  revisão técnica Pedro Anibal Drago, Sandra Souza Pinto. – São Paulo: FUNDAP, 2007
   248 p.
   Tradução de: Mérito y flexibilidad: la gestión de las personas en las organizaciones del
   sector público.
   ISBN 978-85-7285-102-2
1. Administração de pessoal. 2. Administração de pessoal – Setor público. 3. Gestão de pessoas
– Setor público. I. Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap. II. Título.
                                                                                CDD – 360.1



EDIÇÕES FUNDAP
Rua Cristiano Viana, 428
05411-902, São Paulo, SP
Telefone (11) 3066 5584
Fax (11) 3081 9082
livraria@fundap.sp.gov.br
Para Alejandro e Alberto Longo
SUMÁRIO

Agradecimentos
Apresentação da edição brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
1. A gestão das pessoas nas sociedades contemporâneas. . . . 23
2. O que o emprego público tem de diferente.
   A função pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3. Gerir pessoas no setor público:
   um sistema integrado de valor estratégico . . . . . . . . . . . . . . . 77
4. Os grandes subsistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
5. As tendências de reforma da gestão das pessoas nas
   democracias avançadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
6. Dirigentes públicos profissionais:
   por que, para que e como . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
7. Os desafios do futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197
Epílogo: mérito e flexibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223
Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
AGRADECIMENTOS

      Como autor deste livro, tenho uma dívida de gratidão para com muitas
pessoas. Entre elas está antes de mais nada uma longa lista de gestores públi-
cos que participaram dos programas do IDGP da Esade1 nos quais exerci a
docência. Tenho consciência de ter recebido, deles, estímulos e ensinamen-
tos muito valiosos. Devo mencionar também os governadores e dirigentes que
confiaram na minha capacidade de consultor e assessor ao longo destes anos. E
também os meus alunos de nove promoções de MBA da Esade, que ano após
ano desafiaram minha capacidade para formar gestores de pessoas. As coisas
que aprendi com todos eles contribuíram para filtrar minhas percepções, apro-
ximar à realidade os meus pontos de vista e melhorar minha habilidade para
comunicá-los.
      Esade, a instituição em que desenvolvo meu trabalho há mais de dez anos,
deve ser especificamente destacada neste parágrafo. Sua configuração aberta e
horizontal, que oxalá seja capaz de conservar durante muito tempo, proporcio-
nou-me o ambiente estimulante e de cooperação, necessário a todo o trabalho
intelectual, e o contato com as pessoas cuja contribuição generosa foi básica
para o meu crescimento profissional. Sua cultura humanista e plural facilitou
o engate de minhas convicções com os valores próprios do ambiente organiza-
cional em que trabalho. Sou consciente do privilégio que isso significa. Nesse
ponto, dirijo minha gratidão a Lluís Pugès, o diretor que me contratou, e a
Carlos Losada, que um dia me sugeriu a incorporação e depois, com a respon-
sabilidade atual de diretor geral, manteve sua confiança em mim.
      Dentro do Esade, recebi dos meus companheiros do Instituto de Direção
e Gestão Pública numerosas contribuições e uma influência que, sem dúvida,
se traduzem naquilo que este livro terá de mais valioso. Em especial a freqüente
colaboração na docência, na pesquisa e na consultoria de Koldo Echebarría,
hoje licenciado, foi uma importante influência para configurar a minha forma
de entender a gestão pública, como também o foi o estreito contato profissional
que mantive esses anos com Xavier Mendoza, Alfred Vernis, Albert Serra e o já
citado Carlos Losada. Também expresso meus agradecimentos a Manolo Férez,
Rafa Jiménez Asensio, Pere Puig, Manel Peiró, Enric Colet, Roberto Quiroga,



1
    NT: IDGP é o Instituto de Dirección y Gestión Pública, instituição da Esade (Escuela Su-
    perior de Administración de Empresas), uma das dez mais prestigiosas Business Schools da
    Europa.
10   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




Sam Husenman, Tamyko Ysa, Eduard Gil, Joat Henrich, Cristina Navarro e as
demais pessoas que colaboram com o IDGP.
      Alguns colegas do departamento de Direção de Recursos Humanos da
Esade leram trechos do manuscrito e me passaram seus valiosos comentários.
É o caso de Carlos Obeso e de Ricard Serlavós, a quem devo um reconheci-
mento especial por ser o inspirador do modelo de gestão de recursos humanos
que adotei na época, apliquei e desenvolvi nos últimos anos e que, adaptado à
gestão pública, apresento neste livro.
      A relação de trabalho com outras pessoas do mundo acadêmico propor-
cionou-me valiosas referências e comentários que beneficiam o livro. Nesse
ponto, devo citar Joan Subirats e toda a equipe do IGOV da Universidade
Autônoma de Barcelona; Manuel Villoria, do Instituto Universitário Ortega
y Gasset; Manuel Zafra e Frederico Castillo, do CEMCI de Granada; Miguel
Sánchez Morón, da Universidade de Alcalá de Henares; Alberto Palomar, da
Universidade Carlos III; Carlos Vignolo, da Universidade do Chile; Regina Pa-
checo, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; e Oscar Oszlak, da Universi-
dade de Buenos Aires. Agradeço também a Michael Barzelay, da London School
of Economics, e a Sonia Ospina, da New York University, pelos comentários
sobre um material prévio em que apoiei uma parte do livro.
      Considero a experiência de dirigente público, no meu caso, como uma
fonte decisiva para o crescimento pessoal e profissional. Em particular, os oito
anos de trabalho na municipalidade de Barcelona foram para mim uma au-
têntica escola de gestão pública, sem a qual este livro não teria sido possível. A
coincidência entre o período de desenvolvimento do projeto olímpico de 1992
e uma etapa de transformação urbana sem precedentes, liderada pelo governo
da cidade, fez daqueles anos uma experiência difícil de se repetir. Eram mui-
tos os que comigo faziam parte da equipe do prefeito Pasqual Maragall e me
proporcionavam úteis aprendizados. Na impossibilidade de nomeá-los, recor-
ro a um agradecimento genérico dirigido a todos. Personalizarei esta menção
em Albert Galofré, com quem ainda compartilhei, depois daquela experiência,
muitas horas de consultoria e amizade.
      Diversos trabalhos encomendados durante os últimos anos pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento me proporcionaram marcos de estudo
e experiências que contribuíram para enriquecer várias partes do livro. Em
particular, a elaboração de um marco analítico para a avaliação de sistemas de
serviço civil e o acompanhamento de sua aplicação nos diagnósticos institu-
cionais de uma vintena de países da América Latina e do Caribe me brindaram
com excelentes e raras oportunidades para contrastar os modelos conceituais
utilizados.
AGRADECIMENTOS       11




      Recebi do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações
Unidas e do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvol-
vimento o pedido de elaborar um anteprojeto da Carta Ibero-Americana da
Função Pública e de defendê-lo, como relator, perante a Conferência de Mi-
nistros de Administração Pública e Reforma do Estado, em junho de 2003,
em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). Essa tarefa me obrigava a sintetizar e
enquadrar em formato peculiar as minhas concepções básicas sobre a gestão
pública do emprego e das pessoas, a fim de torná-las acessíveis a diferentes
ambientes institucionais e susceptíveis de serem compartidas por diferentes
governos. A aprovação da Carta pela cúpula dos chefes de estado e de governo
e sua conversão em documento oficial da ONU pela Assembléia Geral são os
primeiros resultados, que espero sejam seguidos por iniciativas de aplicação
de seus princípios nos países da comunidade ibero-americana. Em todo caso,
é justo que eu faça constar aqui minha gratidão às instituições que confiaram
em mim para esse trabalho.
      Carmen, minha mulher, revisou o manuscrito, como faz habitualmente,
tratando de polir minha linguagem. Sou grato a ela por isso e, principalmente,
por tantas outras coisas.



APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO BRASILEIRA


     Escrevo estas linhas de apresentação quando acaba de se celebrar, em Bar-
celona, um seminário internacional, auspiciado pelo CIDOB2, sobre a profis-
sionalização do emprego público na América Latina. Com Carles Ramió, meu
colega da Universidade Pompeu Fabra, tive o prazer de co-dirigir o seminário,
que contou com a participação de reputados especialistas de ambos os lados do
Atlântico. Durante as sessões, como não poderia deixar de ser, os dois grandes
temas que dão título a este livro, mérito e flexibilidade, assim como a relação
entre ambos, foram profundamente abordados e discutidos de ângulos diversos,
dando lugar a pontos de vista às vezes antagônicos. Retive especialmente dois
dos temas de debate e me permito comentá-los resumidamente aqui.
     O primeiro centra-se na idéia de mérito; mais especificamente, em suas
dimensões formal e substantiva, e na conveniência de distingui-las entre si.


2
    NT: CIDOB: Centro de Investigación de Relaciones Internacionales y Desarrollo. Centro de
    Pesquisa de Relações Internacionais e Desenvolvimento.
12   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




Freqüentemente, o mérito, enquanto atributo do emprego público, é pensado
fundamentalmente na primeira dessas dimensões. Assim concebido, um sis-
tema de mérito converte-se num conjunto de garantias formais cujos efeitos
benéficos se produziriam – diríamos com fraseologia jurídica – erga omnes,
ou seja, projetando-se para o exterior dos governos e organizações públicas
e pensando nas necessidades da sociedade em seu conjunto. Uma vez que a
sociedade necessita de administrações compostas por profissionais capazes de
emitir decisões conformes com a legalidade e protegidas contra a captura e a
corrupção, a criação dessas garantias é imprescindível.
      Entretanto, para dentro das organizações, isto é, para o governante ou o
dirigente público, essas garantias operam basicamente como limitações, como
condicionamentos de suas decisões de manejo do emprego público que res-
tringem sua margem de decisão discricional. A partir disso é fácil concluir
que essas limitações podem comprometer a eficácia das decisões e processos
de gestão das pessoas e que precisam, por isso, ser compensadas por políticas
flexíveis que restabeleçam um equilíbrio adequado. Nesta perspectiva, mérito e
flexibilidade se situariam no marco de um trade off, de um dilema fundamental
que confronta os requisitos de profissionalidade da ação pública, de um lado,
com sua pretensão de eficácia, de outro, de tal modo que os avanços em um
campo significassem retrocessos no outro e vice-versa.
      No meu entender, a questão muda de modo fundamental se abordarmos a
noção de mérito por sua dimensão material e substantiva. Nessa aproximação,
as garantias do mérito protegem a profissionalidade da administração porque
conseguem que as decisões de manejo do emprego público persigam e assegu-
rem a idoneidade das pessoas, isto é, o mais alto grau de adequação de todas
suas capacidades (de suas competências, diríamos no jargão atual dos recursos
humanos) para o desempenho das tarefas que devem cumprir.
      Para conseguir essa idoneidade, os instrumentos de gestão devem garan-
tir adequadamente a busca, a escolha, o estímulo e a recompensa dos melhores
em cada caso. Deste ponto de vista, as decisões sobre o emprego devem ser
meritocráticas nos governos e organizações do setor público para proteger os
cidadãos e os mercados da arbitrariedade e da corrupção. Razões semelhantes
recomendam os ajustes meritocráticos também em outros tipos de organiza-
ção, inclusive nas empresas do setor privado, para produzir os resultados alme-
jados pelas estratégias e objetivos de cada uma.
      Quando contemplamos o mérito dessa forma, a profissionalidade dos
servidores públicos deixa de ser vista como uma limitação à eficácia dos gover-
nos e se converte, pelo contrário, em seu pré-requisito. A superação do saque,
do clientelismo e da apropriação de setores e sua substituição por modelos me-
AGRADECIMENTOS      13




ritocráticos de emprego público não produzem unicamente maior segurança
jurídica nas sociedades que realizam essas mudanças, mas também mais eficá-
cia, eficiência e efetividade em bancos centrais, na fiscalização de arrecadação
de tributos, nas polícias, nos hospitais e nos serviços sociais. A relação entre
mérito e flexibilidade deixa de ser de confronto. Na realidade, se desejarmos al-
cançar a idoneidade das pessoas nos contextos contemporâneos, precisaremos
de fórmulas cada vez mais flexíveis no acesso, na carreira, na capacitação e na
recompensa; e essa flexibilidade reforçará, em lugar de debilitar, a dimensão
meritocrática do emprego público.
      O segundo dos temas mencionados, não muito distante deste, nos introduz
mais uma vez no que Bresser Pereira3 denominou “a questão da seqüência”.
      Em muitos foros continua viva a idéia, a meu ver falaciosa e ademais
desmentida pelos fatos, de que na América Latina os esforços reformadores
devem se concentrar na construção de burocracias weberianas para, depois,
num futuro indeterminado, incorporar as reformas flexibilizadoras da gestão
de recursos humanos que hoje constituem moeda comum no primeiro mun-
do. É fácil notar que essa visão se apóia na aproximação formalista da idéia de
mérito que acabamos de discutir. Na obra citada, o ilustre político e acadêmi-
co brasileiro argumenta vigorosamente contra esse discurso. De minha parte,
depois de concordar com ele, remeto-me modestamente ao epílogo deste livro
em que se acha uma argumentação sobre esse ponto. Na minha opinião, ela é
substancialmente válida.
      Como se deduz dos parágrafos anteriores, as convicções que me levaram a
escrever “Mérito e Flexibilidade” continuam vivas, no substancial, no momen-
to de sua publicação em língua portuguesa no Brasil. Não é preciso mencionar
que esse fato é para mim motivo de profunda satisfação, que agradeço muito
sinceramente à Fundap e, em especial, ao estímulo da minha admirada amiga
Evelyn Levy. Ao longo dos últimos anos, desde meus primeiros seminários na
ENAP de Brasília, têm sido freqüentes os encontros com acadêmicos e gestores
públicos brasileiros com os quais sempre encontrei um alto grau de sintonia,
tanto nas preocupações como também, quase sempre, nos enfoques.
      Também no Brasil a modernização da gestão dos recursos humanos se
encontra sistematicamente entre os grandes temas de qualquer agenda de re-
forma da gestão pública. Nós a encontramos quando revisamos o modelo de




3
    Bresser Pereira, L. C., Democracy and Public Management Reform. Building the Republi-
    can State. Oxford University Press, 2004.
14      MÉRITO E FLEXIBILIDADE




gestão do PPA4 na esfera federal, quando acompanhamos a experiência de ges-
tão dos serviços assistenciais e culturais por meio das organizações sociais do
Estado de São Paulo ou quando analisamos as carreiras e a avaliação do de-
sempenho nessa apaixonante experiência de reforma conhecida como “Cho-
que de Gestão”, em Minas Gerais. Ela está igualmente presente nas principais
preocupações dos secretários de gestão reunidos nessa importante plataforma
de inovação e reforma institucional que é o Consad5.
      Também no Brasil, os temas relativos aos recursos humanos são, com
freqüência, os mais resistentes a reformas; aqueles em que são mais habituais
as percepções de insatisfação com o logrado. Nada que revele características
idiossincráticas dos contextos institucionais brasileiros, mas sim, como este
livro pretende evidenciar, traços comuns das tentativas de melhorar a gestão
pública das pessoas em qualquer lugar e circunstância. Para o bem ou para o
mal, o comportamento humano nas organizações é uma variável sobre a qual é
difícil influir. Ao mesmo tempo, exercer essa influência constitui uma questão
central para a eficácia, eficiência e efetividade das organizações, que se acentua
nos serviços públicos e que, portanto, se torna irrenunciável para os inovado-
res e reformadores da gestão pública. A todos eles, felizmente numerosos no
Brasil, é dedicada em primeiro lugar a edição deste livro em português. Oxalá
lhes seja útil.

                                              Barcelona, janeiro de 2007
                                              Francisco Longo




4
     PPA, Plano Plurianual instituído no governo Fernando Henrique Cardoso.
5
     Consad: Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração.
INTRODUÇÃO

              “É mais importante conhecer os temperamentos e características
              das pessoas que os das ervas e das pedras. Esta é uma das coisas
              mais sutis da vida: os metais se conhecem pelo som e as pessoas
              pelo que dizem. As palavras demonstram a retidão, mas os fatos
              muito mais ainda. São necessários, em grau máximo, reflexão, ob-
              servação e capacidade crítica.”
                  Baltasar Gracián, Oráculo Manual y Arte de Prudencia, 1647


      Mais de vinte e cinco anos de dedicação à gestão pública, na administra-
ção e no mundo acadêmico, foram fortalecendo minha convicção da impor-
tância crucial do fator humano como chave para explicar os êxitos e fracassos
dos governos e das organizações do setor público.
      Na condição de dirigente, experimentei na primeira pessoa o caráter críti-
co do comportamento humano nas organizações, seu extraordinário peso nos
resultados de qualquer iniciativa ou projeto, e também a complexidade de suas
motivações, a fluidez e pluralidade dos fatores que o influenciam, o quanto é
árdua a tarefa de decifrar as origens e procurar as respostas aos problemas que
afetam as pessoas no trabalho. Tenho experimentado a dificuldade adicional
que o ofício de gerir pessoas traz implícito nos ambientes públicos; a ambigüi-
dade das prioridades, seu caráter mutável, a brevidade dos ciclos políticos, a
reticência para medir e avaliar, o peso imenso da inércia, as numerosas limita-
ções legais e, principalmente, as restrições intangíveis de natureza cultural.
      Como docente, o prolongado contato com dirigentes públicos nos pro-
gramas do Instituto de Direção e Gestão Pública (IDGP) do Esade tornou-me
consciente tanto do interesse com que são abordadas as questões relaciona-
das ao fator humano, como do déficit de preparação específica que pode ser
constatado na maioria dos casos. Os conhecimentos e habilidades relacionados
com a gestão das pessoas não são normalmente levados em conta entre os re-
quisitos de capacitação exigidos para exercer responsabilidades de direção no
setor público. Este fato não impede que, às vezes, nos intercâmbios que caracte-
rizam a formação para dirigentes, aflorem as boas práticas, os casos de sucesso
e as experiência inovadoras. Em geral, não obstante, a percepção dominante
entre os gestores públicos combina a crítica dos modelos de gestão existentes
com uma aguda sensação, próxima do desalento ou do ceticismo, a respeito de
como é difícil mudá-los.
16   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




      A experiência como consultor de governos e organizações públicas ra-
tificou para mim muitas destas percepções e as tornou extensivas a diferen-
tes países e ambientes institucionais. Hoje a gestão do emprego público e das
pessoas que fazem parte dele preocupa cada vez mais aqueles que dirigem as
organizações e os sistemas multiorganizacionais do setor público. A demanda
de idéias, estratégias, metodologias e instrumentos que permitam melhorá-la
cresceu de modo significativo. Foi ficando evidente que as mudanças legais, as
reestruturações organizacionais e a modernização tecnológica, embora sejam
importantes, não são suficientes para mudar em profundidade o funcionamen-
to das organizações públicas. A verdadeira mudança é aquela que consegue
penetrar nas mentes dos indivíduos e transferir-se para suas condutas. O olhar
se volta conscientemente para as pessoas e é, na maioria das vezes, um olhar de
interrogação, dúvida e perplexidade.
      Em suma, melhorar a gestão das pessoas é visto em nossos dias como
um dos desafios principais da gestão pública e, ao mesmo tempo, como o que
enfrenta maiores obstáculos e resistências. Dessa dupla convicção sobre a im-
portância e a dificuldade desse empenho nasce este livro.


A QUEM SE DIRIGE ESTE LIVRO E COMO PRETENDE FAZÊ-LO


      Este é um livro sobre gestão pública, o que quer dizer no mínimo duas
coisas. A primeira, que ele assume a orientação pluridisciplinar que caracteriza
a referida perspectiva e incorpora, sem complexos, contribuições e enfoques
próprios da economia, do direito, da ciência política, da sociologia e de outras
disciplinas científicas. A segunda, que ele se fundamenta numa noção ampla
do management, que vai além da mera importação de técnicas nascidas no
mundo empresarial privado. A gestão pública modula seu instrumental analí-
tico partindo da especificidade do público e incorpora não só modelos teóricos
e ferramentas, mas também um conjunto de valores necessários para o bom
funcionamento e a renovação dos sistemas públicos e suas organizações.
      O livro tem uma pluralidade de destinatários: os primeiros são os dirigen-
tes públicos, no sentido mais amplo da expressão. Incluímos aí todas as pes-
soas que assumem, nas organizações do setor público, responsabilidades que
compreendem a direção de equipes humanas; desde aqueles que, no vértice
estratégico das administrações, adotam decisões que afetam milhares de em-
pregados, até aqueles que gerenciam pequenos centros ou serviços dotados de
poucas pessoas. Todos eles – seus objetivos, problemas e preocupações – têm
sido a principal referência inspiradora deste trabalho.
INTRODUÇÃO    17




      O livro pretende ser também útil para aqueles que se ocupam da admi-
nistração pública a partir da reflexão acadêmica ou da consultoria, assim como
– esperamos – para aqueles que o fazem a partir da política ou do sindicalismo.
Pode igualmente ser proveitoso para os empregados públicos e para os jovens
que aspiram fazer da gestão pública sua profissão e desejam melhorar seu conhe-
cimento sobre uma parcela básica dela. Não fica descartado, inclusive, que possa
captar o interesse de outros públicos. Afinal, fala de questões que acabam afetan-
do a vida da maioria. Há tempos estou convencido de que a modernização da
gestão pública geralmente se produz quando seus temas saem do círculo restrito
dos especialistas e passam para a esfera do debate público. Acredito que qualquer
cidadão interessado no funcionamento das organizações públicas encontrará
nestas páginas algumas reflexões úteis, quer concorde com elas ou não.
      Embora minha experiência tenha sido gestada principalmente no am-
biente institucional espanhol, e este fato se transfira inevitavelmente para o que
escrevo, o livro não foi produzido pensando apenas no leitor desse País. Ao
contrário, tenho tentado fazer com que as análises e reflexões sejam, no fundo
e na forma, acessíveis e úteis a leitores de outras latitudes. Como poderá com-
provar quem siga adiante, tanto os modelos conceituais como os referenciais
utilizados caracterizam-se por uma vocação de universalidade e uma orien-
tação comparada. Em particular, teve-se presente a todo momento a possível
utilidade do livro para os leitores latino-americanos. A freqüência e intensida-
de dos contatos com governos e organizações públicas da Ibero-América ao
longo dos últimos dez anos tornaram-me particularmente sensível à maneira
de tratar a questão pública que caracteriza essa parte do mundo, tão distante e
tão próxima.
      A probabilidade de que este livro seja de interesse será tanto maior quan-
to mais aberto à mudança for o espírito com que se empreenda sua leitura.
No IDGP da Esade adotamos como sinal de identidade um compromisso com
os inovadores do setor público. Este compromisso está presente no livro, que
incorpora nossa crença na questão pública, em seu papel insubstituível para
o bem-estar e o progresso de nossas sociedades, mas também no seu imenso
potencial de melhora, imprescindível para adaptar-se às exigências de uma de-
manda social intensa e mutante.
      O livro aborda um assunto de especial complexidade. Há questões para
as quais o desenvolvimento científico e tecnológico acabou criando protocolos
de respostas predeterminadas. As incidências relacionadas à gestão das pessoas
costumam pertencer, ao contrário, àquela categoria de problemas que Schuma-
cher chama de divergentes; aqueles que, quanto mais conhecimento especia-
lizado incluem, mais soluções possíveis admitem. Além disso, em matéria de
18   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




recursos humanos, essas soluções são quase sempre a médio ou longo prazo,
o que obriga a adotar decisões cujo êxito ou fracasso não pode ser verificado
imediatamente. Por outro lado, as questões que afetam as pessoas e seu traba-
lho costumam ser objeto de pontos de vista diferentes, que refletem a diver-
sidade de interesses e valores dos grupos humanos afetados. O conflito com
freqüência faz parte da situação. A necessidade de harmonizar na medida do
possível as preferências e expectativas de uns e outros obriga a assumir uma vi-
são não dogmática das coisas ou, o que dá no mesmo, um enfoque contingente
das respostas. O peso do contexto, do situacional, é determinante, o que reduz
o valor prescritivo do precedente e obriga a investir em diagnóstico. A capaci-
dade para ler adequadamente cada realidade concreta, com as singularidades e
matizes que lhe são inerentes, é uma condição do sucesso.
      Toda esta complexidade normalmente aumenta nos ambientes públicos
pelo peso que a dimensão política tem neles. A gestão pública das pessoas é um
território intrincado, onde é fácil perder-se. Este livro pretende fornecer ele-
mentos de orientação que tornem mais fácil transitar por esse território, mas
não a qualquer preço. Não quisemos oferecer ao leitor uma viagem organizada,
daquelas que levam a passar de um ponto a outro através de um itinerário pré-
fixado, tornando mais cômoda a vida do viajante à custa de selecionar para ele
umas poucas porções de realidade e apresentá-las superficialmente. Optou-se
de forma deliberada por outro enfoque: aquele que tenta apresentar as coisas
em toda a sua complexidade, procurando ao mesmo tempo oferecer as pistas
e referências possíveis para facilitar uma leitura adequada da realidade nos di-
ferentes contextos. Assim, o livro é mais uma bússola ou, quando muito, um
mapa, uma carta de navegação, que o viajante-leitor deverá usar segundo suas
circunstâncias e conveniência.


O QUE O LIVRO CONTÉM E COMO FOI ORDENADO


      Meu objetivo principal ao empreender a tarefa de escrever este livro era
apresentar o modelo global de gestão pública das pessoas que venho utilizando
e aplicando há anos na docência, na pesquisa e na consultoria, para projetar
depois sobre ele uma análise das principais tendências de mudança que as or-
ganizações do setor público enfrentam em nossos dias. Na hora de fazer isso,
deparei-me com a necessidade de contextualizar este propósito num quadro
mais amplo: o da gestão das pessoas no setor público, qualquer que seja a natu-
reza destas, isto é, incluindo entre elas, de modo bem destacado, as empresas e
organizações do setor privado.
INTRODUÇÃO    19




       A essa finalidade foi dedicado o capítulo 1, cujo objetivo é oferecer uma
panorama geral, obrigatoriamente sintético, dos aspectos e tendências apre-
sentados pela gestão dos recursos humanos nas sociedades atuais. Para chegar
a esse ponto, foi necessário abordar primeiro uma série de mudanças cuja na-
tureza, de algum modo, faz com que precedam a gestão como tal; nos últimos
anos elas transformaram substancialmente o universo do trabalho humano,
tanto em sua dimensão formal como nos elementos intangíveis que fazem par-
te da relação de emprego. Portanto, em linhas gerais, descrevemos esse cenário
cheio de paradoxos e claros-escuros, para, a partir dele, explorar as principais
orientações que podem ser reconhecidas como tendências de fundo de nossa
época, tanto na literatura da gestão como na prática empresarial. A noção de
flexibilidade, característica das abordagens contemporâneas à gestão das pes-
soas, aparece aqui pela primeira vez e nos acompanhará ao longo de todo nos-
so percurso posterior.
       A introdução a esses conteúdos nos obrigava, por sua vez, a entrar na
exploração do que o emprego público tem de específico. A pergunta é: em que
se apóiam, na realidade, os aspectos singulares, as diferenças que fazem com
que as mudanças e as orientações de gestão mencionadas no primeiro capítu-
lo cheguem de forma distinta ou matizada às organizações do setor público?
Desta questão vamos nos ocupar no capítulo 2, que apresenta e desenvolve a
noção de função pública (tratada expressamente como sinônimo de “serviço
civil”, termo mais usado em certas latitudes). Elucidar o que é e o que não é
função pública nos parecia imprescindível para precisar até que ponto a gestão
do emprego público e das pessoas que o integram deve ser entendida como um
território singular.
       É aqui que aparece e é desenvolvida a idéia do mérito e da necessida-
de de garanti-lo para tornar possível a existência de administrações profissio-
nais. O profissionalismo da administração pública é um atributo exigido tanto
pela segurança jurídica como pela eficácia dos serviços públicos, e requer um
conjunto de arranjos institucionais que a preservem e a protejam. Determinar
onde termina neles a proteção dos bens de interesse geral e onde começa a dos
privilégios corporativos dos funcionários será uma questão que teremos que
elucidar em cada caso. Nesse capítulo é examinada a natureza distinta desses
arranjos em diferentes países e ambientes, e são apresentados assim os traços
básicos dos diferentes modelos de função pública.
       Este parecia o ponto adequado para expor o modelo de gestão que esta-
mos propondo. A isso dedicamos o capítulo 3. Nele, definimos a gestão dos
recursos humanos como um sistema integrado, colocado a serviço da estraté-
gia organizacional, cujo objetivo é produzir resultados que estejam de acordo
20   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




com ela. Conseguir essa sintonia estratégica é particularmente complicado nos
ambientes públicos, cujas características de ambigüidade e instabilidade con-
duzem ao “dilema da estratégia”, que abordamos neste ponto – e que constitui
sem dúvida o principal obstáculo que o gestor público encontra em sua tarefa.
      Por outro lado, falar de resultados obriga-nos a precisar primeiro o alcan-
ce da noção e a explorar depois os elementos que relacionam as pessoas com os
resultados. As políticas e práticas de gestão das pessoas produzem resultados
graças a seu impacto sobre duas variáveis principais: o dimensionamento dos
recursos humanos, de um lado, e o comportamento dos indivíduos, de outro.
Por sua vez, a influência sobre esta segunda variável – a conduta das pessoas no
trabalho – se desenvolve por meio da gestão de dois fatores básicos: as compe-
tências das pessoas e sua vontade de esforço ou motivação. São desenvolvidas
nesse capítulo todas estas noções, inseridas nos cenários característicos da ges-
tão pública, e, por último, são descritos, também a partir dessa perspectiva, os
principais fatores situacionais que exercem influência em tudo isso.
      A apresentação do modelo continua no capítulo 4, que o desenvolve por
meio da apresentação de sete subsistemas básicos: os de planejamento, organi-
zação do trabalho, gestão do emprego, desempenho, compensação, desenvol-
vimento e relações humanas e sociais. Foi acrescentada uma parte dedicada à
organização da função de recursos humanos. Para cada um desses subsistemas,
descreve-se em primeiro lugar seu objetivo ou finalidade fundamental, e de-
pois detalham-se as relações existentes com os demais subsistemas, seguindo
a orientação integrada à que fizemos referência. A seguir, identificam-se os
processos e práticas nos quais eles se desdobram para alcançar suas finalidades.
Foi incorporada para cada subsistema uma relação de pontos críticos, enuncia-
dos como proposições de boa prática em cada um dos campos abordados, que
pode ser utilizada como instrumento de comparação na análise e avaliação de
experiências concretas de gestão. Finalmente, foram incluídas considerações
específicas que a análise de cada subsistema deve levar em conta.
      Depois de apresentado o modelo de gestão, o passo seguinte é identificar
as tendências de mudança que estão sendo produzidas nos sistemas e organi-
zações do setor público de nossa época. As últimas duas décadas foram o cená-
rio de numerosas transformações na gestão pública das pessoas, especialmente
nos países do mundo desenvolvido. Dessas reformas, cujo alcance e profundi-
dade têm sido bastante desiguais, assim como das dinâmicas abertas por elas,
ocupamo-nos no capítulo 5. De novo, o lema da flexibilidade nos aparece aqui
como um fio condutor de boa parte das orientações de mudança. Para apresen-
tá-las, começamos descrevendo o diagnóstico que lhes deu fundamento, cujos
conteúdos se inserem nas orientações próprias do discurso pós-burocrático
INTRODUÇÃO    21




ou gerencialista da chamada “nova gestão pública”. Abordamos depois o sen-
tido das mudanças, detalhando as estruturas e políticas que têm sido objeto
preferencial das transformações, assim como a direção e o alcance destas nos
diferentes cenários institucionais, e concluímos com uma série de reflexões a
título de balanço.
      Algumas das mudanças identificáveis nas reformas mencionadas conver-
gem para um tema ao qual, por sua especial importância para a gestão pública
contemporânea, demos um tratamento diferenciado. Trata-se do surgimento,
desenvolvimento e consolidação da gerência pública ou direção pública pro-
fissional. Dedicamos a esse tema o capítulo 6, no qual, depois de descrever o
fenômeno e seu significado, no contexto das reformas da gestão pública antes
apontadas, fazemos nosso o modelo de exercício da função dirigente divulga-
do por Mark Moore e seus colegas da Kennedy School de Harvard, e tentamos
definir as bases por meio das quais ele pode ser incorporado ao desenho ins-
titucional dos sistemas públicos. Apresentamos para isso um quadro de res-
ponsabilidade voltado para a direção pública, integrado por quatro elementos
básicos: um âmbito discricionário, um sistema de controle e prestação de con-
tas, um regime de prêmios e sanções, e um conjunto de valores de referência.
Abordamos em seguida a nada fácil tentativa de identificar um espaço dirigen-
te profissional, o que nos leva a explorar a delimitação entre cargos políticos e
dirigentes, para o que propomos um modelo contingente baseado na análise de
quatro variáveis básicas. O capítulo termina com uma reflexão a respeito das
áreas nas quais se deveria intervir para alcançar um grau aceitável de institu-
cionalização da gerência pública.
      O capítulo 7 e último é dedicado à identificação dos principais desafios
oferecidos atualmente pela gestão das pessoas nas organizações do setor pú-
blico. Isso obriga a examinar, de saída, uma das situações possíveis: a de uma
eventual minimização progressiva do emprego público como conseqüência da
tendência de privatizar a gestão dos serviços públicos, o que sem dúvida tira-
ria importância dos esforços voltados para reformá-lo. Descartada essa opção,
e argumentada a necessidade decorrente de investir na melhora dos sistemas
públicos de gestão do emprego e dos recursos humanos, abordam-se alguns
eixos prioritários de intervenção, ordenados pelos diferentes subsistemas que
foram descritos anteriormente. Alude-se depois à mudança nas regras do jogo,
tanto formais como informais, que essas mudanças exigem. Por último, inclui-
se uma parte destinada a explorar os desafios do futuro, passando em revista
primeiro as competências que será necessário incorporar e desenvolver nos
sistemas públicos, para concluir enunciando os temas que estão convocados a
configurar a agenda dos próximos anos.
22   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




      O livro finaliza com um breve epílogo para onde convergem dois grandes
eixos, em torno dos quais se dá a reflexão de fundo, ou seja, os dois atributos
essenciais que, a nosso ver, devem ser incorporados por qualquer sistema pú-
blico de gestão das pessoas: mérito e flexibilidade. A idéia que articula esta
reflexão final é que ambos os componentes devem ser tratados como dois prin-
cípios condutores complementares que, longe de competir entre si, se reforcem
reciprocamente.
      Como ler este livro? Para quem disponha de tempo e interesse, a reco-
mendação é que o faça pela ordem em que acabamos de apresentar o conteúdo.
Afinal, é a forma pela qual organizamos nossas idéias e construímos o discurso
subjacente aos diferentes temas. No entanto, não é a única maneira possível de
fazê-lo e, portanto, sugerimos outras opções.
      O leitor interessado em conhecer imediatamente o marco conceitual em
que se assenta nossa visão do assunto pode começar a leitura diretamente pelo
capítulo 3 e completá-la com a do 4. A partir daí, fica a seu critério, se desejar,
selecionar, nos demais capítulos que integram o sumário, aquelas matérias que
despertem especialmente seu interesse, sem que a ordem em que o faça acarre-
te, a nosso ver, maiores problemas de compreensão.
      Por sua vez, os leitores cujo interesse principal prescinda dos aspectos
mais teóricos e se concentre nas tendências de mudança no emprego público,
podem começar pelo capítulo 5, continuar com a primeira parte do 6 – a que
apresenta a eclosão da administração pública – e terminar com o 7. Se dispu-
serem de um pouco de tempo, provavelmente lhes será útil ler antes o primeiro
capítulo, destinado, como dissemos, a situar as mudanças num contexto mais
amplo que o do setor público em sentido estrito.
      Em todo caso, se um leitor, qualquer que seja a seqüência escolhida, de-
seja aprofundar a noção de mérito, que é, como temos dito, um dos elementos
básicos de qualquer sistema de gestão pública das pessoas nos estados demo-
cráticos de direito, encontrará no capítulo 2 os modelos conceituais e os argu-
mentos correspondentes.
1. A GESTÃO DAS PESSOAS
NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS

     Este primeiro capítulo destina-se a apresentar um panorama geral das
principais tendências atuais da gestão do emprego e dos recursos humanos.
O propósito é caracterizar a situação global em que hoje se situa o emprego
público, cuja gestão constitui a reflexão principal do livro. Os aspectos e as
orientações aqui descritos pretendem, portanto, servir de referência ou de con-
traponto a esse assunto central. A necessidade de apresentar uma realidade
multifacetada e complexa num espaço limitado obriga a desenhar este pano de
fundo com uma técnica de grandes traços, ou seja, a dar prioridade à síntese
em lugar da profundidade analítica, à concisão em vez da riqueza expositiva.
Tudo isso priva inevitavelmente o resultado de desenvolvimentos e de matizes
que teriam exigido uma extensão maior.


A NOVA PREEMINÊNCIA DAS PESSOAS


      Entre os numerosos trabalhos que nos últimos anos tratam de interpretar
as mudanças sociais, tentando vislumbrar o futuro das sociedades e de suas
organizações, seria difícil encontrar algum que não tenha destacado o valor do
fator humano. Na nossa época, pelo menos para aqueles que escrevem sobre
ela, as pessoas importam. Desde a sobrevivência ou o crescimento empresa-
rial até a própria competitividade das nações, os grandes objetivos de qualquer
projeto coletivo contemporâneo parecem depender em boa medida da correta
provisão, desenvolvimento e utilização do capital humano. A preeminência das
pessoas é destacada por abordagens de caráter muito diferente. Os enfoques
quantitativos costumam colocar ênfase na magnitude do investimento e na ne-
cessidade de garantir taxas de retorno adequadas. As abordagens qualitativas
sublinham mais a conexão dos recursos humanos com a produção de vanta-
gens competitivas, destacando seu vínculo com o desenvolvimento do conhe-
cimento, a inovação tecnológica e a gestão da complexidade; fatores, todos eles,
determinantes do sucesso das empresas e das sociedades atuais.
      Os livros e revistas de management repercutem esta coincidência e têm
sido o veículo de uma abundante produção teórica que revalorizou a gestão das
pessoas, entronizando-a entre as práticas empresariais de valor estratégico. A
importância do ativo humano tem fundamentado orientações de mudança que
24   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




atravessam a estrutura da empresa em todas as direções. Para cima, aumentan-
do as opções básicas relacionadas com as pessoas no nível das decisões estra-
tégicas. Para os lados, produzindo transferências de responsabilidade a partir
das unidades especializadas até a linha de comando. Para baixo, por meio de
processos de delegação (empowerment) destinados a incrementar o poder de
decisão nos níveis em que se produz a interação com o mercado. Paralelamen-
te, e congruentemente com tudo isso, as políticas de pessoas se orientam para
a gestão do talento e o compromisso dos indivíduos. Dispor dos melhores a
cada momento e alinhar seus objetivos vitais com os da empresa passam a ser
os objetivos centrais.
       Sem dúvida, em toda esta explosão há influências da moda, como tantas
vezes ocorre no mundo da gestão empresarial. Com freqüência, as invocações
retóricas da importância das pessoas maquiam apenas práticas de gestão que as
desmentem contundentemente. Perto de nós, o número de pessoas em trabalho
precário e em aposentadoria antecipada e prematura seria uma mostra disso.
O desperdício desse ativo humano supostamente estratégico é ainda mais evi-
dente nos abundantes exemplos de redução de pessoal ou downsizing que nos
últimos anos têm proliferado em muitas empresas do mundo desenvolvido.
       Freqüentemente, tais processos têm sido menos uma resposta a situações
de crise, ou medida de estrito saneamento de custos, e mais a conseqüência de
sucessivas operações de reengenharia destinadas à eliminação de qualquer apa-
rência de gordura, resultante das cifras de pessoal. São fatos que deixam patente
o sucesso conseguido por uma visão de “empresa flexível”, que interioriza uma
obsessão por converter todas as pessoas, e a todo momento, em custo variável.
A vinculação dos incentivos (compensação, carreira etc.) da alta direção das
empresas à rentabilidade econômica a curto prazo, característica da filosofia de
gestão que coloca ênfase na “criação de valor para o acionista”, ou a utilização
de técnicas contábeis EVA (Valor Econômico Agregado), que ponderam nos
resultados o custo de oportunidade dos ativos fixos utilizados, criaram nos ges-
tores a tendência a evitar qualquer investimento de caráter estrutural (Cappelli
e outros, 1997, p. 38 e seguintes.), acentuando assim essas tendências.
       Em geral, a tensão entre a visão de médio e de longo prazo exigida pelas
políticas de recursos humanos e a lógica reativa e a curto prazo com que são
adotadas habitualmente as decisões nos turbulentos ambientes empresariais de
nossos dias é uma fonte de dificuldades para aqueles que querem situar as pes-
soas no centro do cenário. Por sua vez, explica porque essa nova preeminência
das pessoas não é tanto uma característica comum, generalizável às empresas
atuais, e sim um traço diferenciador daqueles projetos empresariais com autên-
tica vocação de sustentabilidade. Só quando se busca o sucesso a longo prazo é
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS   25




que se está disposto a avaliar adequadamente investimentos que, como ocorre
com freqüência com os de capital humano, oferecem um retorno consideravel-
mente demorado no tempo.
      Ainda mais contraditórias com as alegações de centralidade do capital
humano são as operações de cirurgia de dotações, cuja finalidade é puramen-
te o incremento conjuntural da capitalização na bolsa. Como soube ver Sen-
nett (2000, p. 52), o mero anúncio da reorganização de uma empresa eleva
o valor da ação. Quando se incluem drásticas reduções de pessoal, a eficácia
do fenômeno é ainda maior. O acesso a cotas estratégicas da propriedade
das empresas por parte de “investidores institucionais” – cujo interesse não
é promover projetos empresariais sustentáveis mas especular a curto prazo
nos mercados de capitais – favorece a ampliação do fenômeno. Assim, temos
observado às vezes, nos últimos anos, como esses anúncios de redução são
impudicamente divulgados, justamente nas épocas de maior bonança nos re-
sultados empresariais.
      De qualquer modo, sem negar o quanto de contraditório tem a situação
exposta, a centralidade estratégica das pessoas nas organizações contempo-
râneas abre caminho para além da retórica do fashion management e de seu
aproveitamento por mero interesse. O volume de recursos de diversas origens
aplicado pelas empresas à gestão dos recursos humanos cresceu significativa-
mente. A posição interna da função de recursos humanos cresceu de nível e
status organizacional. A consultoria estratégica de recursos humanos tem se
consolidado como um setor de serviços profissionais em alta, para além das
oscilações conjunturais derivadas do ciclo econômico. Novas práticas de ges-
tão, impregnadas dessa atribuição de valor ao ativo humano, abrem caminho
na realidade de muitas empresas.
      Quais são essas orientações emergentes da gestão das pessoas? Até que
ponto questionam paradigmas enraizados no funcionamento e na cultura das
organizações? Antes de tentar um esboço de resposta a estas questões, parece
necessário examinar algumas mudanças importantes produzidas, ao longo dos
últimos anos, no mundo do trabalho.


AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO


      Um conjunto de mudanças de amplo alcance alterou ao longo das duas
últimas décadas, nas economias e nas sociedades do mundo desenvolvido, o
contexto do trabalho humano (Bridges, 1995; Giarini e Liedtke, 1996; Brews-
ter e outros, 1997; Cappelli e outros, 1997; Fundación Encuentro, 1998; Pfeffer,
26   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




1998b; Navarro, 1999; Sennett, 2000; Beynon e outros, 2002). São transforma-
ções que não advêm, no entanto, de uma causa única. O vertiginoso desen-
volvimento tecnológico, especialmente o produzido no campo da informação
e das comunicações, mas também aquele que afetou a biogenética e as fontes
energéticas, tem sido sem dúvida um dos fatores decisivos. A mundialização
dos intercâmbios de toda ordem, a maciça incorporação das mulheres ao tra-
balho, assim como a crise dos valores da modernidade, que desde a revolução
industrial e durante muitas décadas formaram o substrato cultural das empre-
sas e das sociedades, são também fatores poderosos de mudança, amplamente
destacados pela literatura sociológica contemporânea.
      As transformações às quais nos referimos afetaram tanto a estrutura das
relações no ambiente de trabalho (entendendo como tal o conjunto de elemen-
tos formais ou formalizáveis dessas relações), como a cultura subjacente, isto é,
os aspectos intangíveis: modelos mentais, valores dominantes, normas de con-
duta etc. São mudanças de amplo espectro, que afetam as formas pelas quais as
pessoas têm acesso ao mercado de trabalho, a sua experiência sobre o processo
de trabalho e suas expectativas sobre segurança no emprego (Beynon e outros,
2002, p. 297). Enunciamos a seguir alguns dos aspectos que nos parecem mais
destacáveis.


O contrato de trabalho: em direção ao fim do taylorismo

      A uniformidade e padronização que caracterizava a relação de emprego
da era industrial tornou-se em nossos dias diversidade e flexibilidade. Os pro-
dutos ou serviços podem ser produzidos e distribuídos através de redes globais
(Giarini e Liedtke, 1996, p. 194), o que criou uma tendência à redefinição e
descentralização do lugar de trabalho. Os desenhos empresariais na rede esti-
mulam o surgimento de novas modalidades de articulação das relações entre a
organização e o trabalhador. O trabalho itinerante ou a distância abre caminho
como uma fórmula que pode ser útil para ambas as partes. A redução de custos
empresariais em infra-estrutura e espaço físico combina-se, para o trabalha-
dor, com a disponibilidade flexível do próprio tempo, tão conveniente para os
novos modelos de vida pessoal e familiar.
      Freqüentemente, essa remodelação do tecido contratual se fundamenta
numa distinção entre trabalhadores essenciais, os que são vitais para produzir
a vantagem competitiva a longo prazo e a sobrevivência da organização, e que
portanto devem estar permanentemente empregados; e trabalhadores periféri-
cos, aqueles cujos postos são menos importantes para a empresa e cujas habi-
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS   27




lidades podem ser compradas com maior facilidade externamente (Hegewish,
1999, p. 115), o que os sujeita com freqüência a políticas de alta rotatividade.
     Como conseqüência de tudo isso, o binômio dependência/autonomia do
trabalho por conta alheia começa a ser conjugado de formas muito diversas.
Múltiplos tipos de relação de emprego, nos quais os mecanismos de prestação e
contraprestação se diversificam, substituem o contrato de trabalho tradicional.
Os contornos dessas relações se esfumam e dão lugar a figuras – o trabalhador
autônomo, o emprego em tempo parcial, o trabalhador designado através de
uma empresa de trabalho temporário, o consultor de processos – que coexis-
tem no ambiente de trabalho com os empregados que mantêm relações formais
mais convencionais. O diretor de recursos humanos de nossos dias começa a
não saber com clareza quem deve ser convidado para a festinha de fim de ano.


O enfraquecimento do emprego estável

      Esse novo contrato de trabalho tende a perder uma parte considerável
da estabilidade que o caracterizava. As conseqüências deste fato são de grande
importância. Para compreender todo o seu alcance, é preciso recorrer à noção
de “contrato psicológico”, entendido como o equilíbrio intangível subjacente à
articulação formal da relação de emprego, e que se materializa no conjunto de
percepções tácitas que são interiorizadas pelas partes dessa relação.
      O contrato psicológico subjacente à relação de trabalho da era industrial
podia ser esquematizado como “lealdade em troca de segurança”. O trabalha-
dor entregava seu esforço e se comprometia com os interesses e objetivos de
sua empresa, que em contrapartida lhe assegurava trabalho estável e perspecti-
vas de progresso profissional. Certamente, esse esquema básico admitia modu-
lações em função do tipo e da cultura da empresa, que acentuavam ou diluíam
o substrato paternalista do modelo, mas o núcleo deste podia ser considerado
comum. A aspiração do trabalhador era encontrar “uma boa empresa”, ou seja,
aquela que mais se ajustava ao padrão definido. Por sua vez, o empregador se
esforçava por estimular no trabalhador o sentido de pertinência que caracteri-
za uma relação deste tipo.
      Em nossos dias, esse edifício contratual desabou estrepitosamente. O
trabalho para toda a vida praticamente desapareceu do horizonte de nossos
trabalhadores, em especial dos mais jovens. A expectativa temporária de uma
vida de trabalho se torna muito mais duradoura que o primeiro posto de tra-
balho, e provavelmente mais que a própria empresa na qual se encontra o
primeiro emprego. O ajuste entre a pessoa e o emprego se descentraliza, passa
28   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




a ser uma responsabilidade transferida exclusivamente ao indivíduo. Já se fo-
ram os dias – afirma Supiot (2001) – em que as organizações empregadoras
aceitavam de bom grado que, como compensação por assumir o controle e
a direção da vida das pessoas, elas deviam assumir alguma responsabilidade
sobre o emprego futuro e a segurança salarial de seus empregados. As pessoas
encaram o trabalho, cada vez mais solitariamente, como um itinerário no qual
a mudança de empregador será inevitável, o que provavelmente implicará ad-
ministrar várias vezes, no percurso, processos de ajuste que terão o mercado
de trabalho como cenário.
       O conceito que para alguns (Waterman e outros, 2000, p. 403) simbo-
liza a nova relação, e redefine o contrato psicológico entre as organizações e
seus empregados é o de empregabilidade, que significa (Pfeffer, 1998b, p. 162)
que as empresas proporcionam trabalhos interessantes que ajudarão o traba-
lhador a desenvolver sua capacidade, mas não prometem uma permanência
a longo prazo no posto. Em seu lugar, a única promessa é que a experiência e
as habilidades adquiridas irão abrir-lhe melhores possibilidades de encontrar
emprego quando tiver necessidade de um novo. Como afirma Bridges (1995,
p. 76), nessa nova relação a esfera do posto de trabalho, de ambos os lados da
fronteira da organização, converte-se num mercado; manter alto seu valor de
mercado será uma preocupação fundamental do trabalhador nos cenários do
futuro. As “boas empresas” de nossos dias não seriam já as que prometem uma
estabilidade que não está ao seu alcance, mas aquelas que garantem a manu-
tenção e o desenvolvimento de uma alta empregabilidade, ou que pelo menos
facilitam, caso necessário, a recolocação de seus empregados excedentes, utili-
zando para isso os numerosos serviços de outplacement que começaram a ser
oferecidos pela consultoria de recursos humanos. A capacidade de adquirir
novos conhecimentos e habilidades será um ingrediente básico da emprega-
bilidade. Processos contínuos de aprendizagem e desaprendizagem serão, por
isso, consubstanciais em tais cenários.


Do homo faber ao homo sapiens

     A entrada na sociedade do conhecimento pressupôs a conversão do ta-
lento das pessoas num ativo crucial para as organizações (Obeso, 1999, p. 23
e seguintes). Este fato implica, por um lado, uma perda de peso do trabalho
menos qualificado, que tende a mecanizar-se ou a ser providenciado fora. Por
outro lado, tornou prioritária a captação e o desenvolvimento de trabalhadores
qualificados, freqüentemente portadores da vantagem competitiva, cuja gestão
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS    29




exige formas e métodos muito diferentes dos que têm caracterizado as buro-
cracias empresariais da era industrial. A capacidade de atrair, reter e motivar o
talento impõe-se como um fator diferenciador da gestão contemporânea dos
recursos humanos. A construção de uma boa “marca de empregador” con-
centra já os esforços daquelas empresas que perceberam que é necessário ser
competitiva no mercado do trabalho qualificado para sê-lo também naquele
mercado para o qual produzem seus bens ou serviços.
      O que acabamos de dizer não pode nos levar a ignorar, se não quere-
mos incorrer numa evidente simplificação da realidade, a existência de nu-
tridos mercados periféricos de trabalho, nos quais se realizam as transações
que afetam a mão-de-obra de inferior qualificação. A necessidade de gerenciar
adequadamente tanto a relação com esses mercados como as pessoas que nu-
trem esse segmento dos recursos humanos não pode ser ignorada. Esquecer
dos “normais” – lembra Serlavós (1996, p. 10) –, sobre os quais descansa a res-
ponsabilidade de assegurar e dar continuidade aos “primeiros da classe”, é um
erro pelo qual os gestores de pessoas costumam pagar muito caro.
      Por isso, a idéia, amplamente difundida e divulgada, de que as empresas
começaram a travar uma “guerra pelo talento”, não está isenta de contestações.
Pfeffer (2001, p. 249 e seguintes) chama atenção para elas, destacando os se-
guintes possíveis efeitos negativos dessa orientação: a) a ênfase no rendimento
individual (glorificar as “estrelas”) pode criar concorrência interna destrutiva
e enfraquecer o trabalho de equipe; b) exaltar os talentos dos de fora pode su-
bestimar os de dentro; c) pode produzir um efeito de profecia auto-cumprida,
conseguindo fazer com que certas pessoas cheguem a ser menos capazes de-
pois de terem recebido sistematicamente menos atenção e recursos; d) tende a
minimizar a importância das questões de ordem sistêmica e cultural e dos pro-
cessos empresariais freqüentemente mais importantes para o sucesso do que
o fato de encontrar o melhor, e e) pode desenvolver uma atitude arrogante e
auto-satisfeita (já ganhamos a guerra, o melhor pessoal é o nosso) que deteriore
significativamente a capacidade de percepção objetiva da própria organização.
      De qualquer modo, é indiscutível a afirmação de que em nossa época
o talento das pessoas conta. Especialmente se não limitarmos nossa visão do
talento à mera posse de conhecimento. O verdadeiro homo sapiens de nossos
dias é aquele que, além de possuir conhecimento, dispõe da capacidade para
contextualizá-lo, recriá-lo, aplicá-lo, codificá-lo, difundi-lo e compartilhá-lo.
O que nos leva a um paradoxo, mais um, num universo como o do trabalho
contemporâneo, repleto deles: nunca o conhecimento foi tão importante como
hoje, e nunca como hoje, por contraditório que possa parecer, os componentes
propriamente cognitivos do talento humano precisam ser, no entanto, mati-
30   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




zados e relativizados. Os conhecimentos devem estar vinculados à posse de
qualidades sem as quais não produzem sucesso no trabalho. Como veremos a
seguir, nas situações de trabalho atuais a noção de qualificação se enriquece,
deixa de identificar-se com os conhecimento técnicos especializados e se es-
tende (Dalziel, 1996, p. 32 e seguintes) a um conjunto mais amplo de compe-
tências, no qual outras características humanas, especialmente as que possuem
uma dimensão relacional, adquirem, cada vez mais, um significado determi-
nante (Longo, 2002).


Os paradoxos de um mercado de trabalho global

      Os países europeus têm vivido nos últimos anos um crescimento signifi-
cativo do desemprego, que se converteu na principal preocupação dos governos
(Conselho Europeu, 1997). Alguns países, dos quais a França é o exemplo mais
destacado, desenvolveram planos nos quais o setor público desempenhava um
papel relevante nos processos de aprendizagem e inserção no trabalho, ligados
a novas oportunidades de emprego. Ainda hoje, na Espanha, o desemprego é,
de longe, como revelam as pesquisas, a principal preocupação dos cidadãos.
      Paralelamente, e de modo paradoxal, o crescimento da demanda de em-
pregados qualificados excedeu, às vezes muito, a capacidade do mercado de
trabalho para provê-los. A crise generalizada dos sistemas educacionais acen-
tuou esse desajuste que, embora tenha afetado principalmente os trabalhadores
do conhecimento, acabou estendendo-se a setores de qualificação média da
indústria e dos serviços, insuficientemente nutridos pelos sistemas regrados
de educação profissional. Estudos recentes (Jiménez e outros, 2002) prognosti-
cam para a Espanha, em poucos anos, como conseqüência principalmente da
queda demográfica, um excedente de postos de trabalho oferecidos em todos
os setores da atividade econômica. Se isso for certo, estaríamos, por contra-
ditório que possa parecer em relação ao quadro atual, diante de uma situação
iminente de endurecimento da concorrência entre as empresas no mercado
de trabalho, especialmente no que se refere, como já dissemos, à captação de
pessoal qualificado.
      Esta concorrência se desenvolve num mercado cada vez mais global, o
que acentua seus aspectos mais paradoxais. Embora em alguns casos vejamos
um acirramento, como apontávamos, da concorrência entre empregadores
pela captação e retenção de talento, em outros – onde a interface entre tarefas
e qualificações o permite – o que fica acirrado é a concorrência entre países e
territórios pela captação das empresas, utilizando o custo do trabalho como
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS    31




elemento diferenciador. As práticas do que vem sendo chamado de dumping
social (manutenção de salários baixos e condições de trabalho precárias para
atrair investimentos) e os processos de “des-localização” de empresas (mudan-
ças de sedes e de pessoal, à procura de custos de trabalho mais baixos) são fe-
nômenos característicos dessas situações. Alguns especialistas têm destacado o
efeito de tudo isso sobre o recorte dos direitos trabalhistas e o enfraquecimento
da posição dos sindicatos (Giarini e Liedtke, 1996, p. 223).


A reordenação do tempo de trabalho

      A dimensão temporal do emprego passou para o centro do cenário, re-
estruturando as relações de trabalho (Supiot, 2001). No contexto empresarial
fala-se de um novo sistema de concorrência centrado na economia do tempo,
que leva em conta o tempo empregado para produzir bens, para inovar e para
comercializar novos produtos e serviços (Beynon e outros, 2002, p. 122).
      A importância do tempo de trabalho vem se fundamentando num conjun-
to de dinâmicas diferentes, e nem sempre interrelacionadas, que afetam tanto o
sistema produtivo como o sistema social. Por um lado, os novos ambientes da
empresa vêm exigindo, cada vez mais, uma capacidade flexível de resposta que
as regulações padronizadas da jornada de trabalho não facilitam (Brewster e
outros, 1997). As jornadas anualizadas – os contratos fazem constar um núme-
ro anual de horas de trabalho, permitindo certas flutuações no horário mensal
ou semanal para adaptar-se aos fluxos de demanda, estoques etc. –, as reservas
de horas para trabalho imprevisto ou sazonal, a compensação de horas extras
por tempo livre ou simplesmente o prolongamento não remunerado da jorna-
da de trabalho – a mais comum e freqüentemente esquecida (Hegewish, 1999,
p. 125) das modalidades de flexibilidade temporária – têm sido, entre outras, as
fórmulas cada vez mais utilizadas nessa direção. Por sua vez, a reordenação do
tempo de trabalho abriu caminho para melhoras de produtividade que funda-
mentaram algumas tentativas de redução da jornada de trabalho, nos moldes
das políticas públicas de luta contra o desemprego. Um modelo de novo pacto
social chegou a desenhar-se em torno da organização de tempo de trabalho. A
França foi o país que apostou mais forte nisso, embora as mudanças políticas
tenham levado a uma certa reconsideração da iniciativa.
      Os processos de mudança neste campo foram acelerados, por outro lado,
por fenômenos como a maciça incorporação da mulher ao trabalho, ou as ne-
cessidades, que têm aumentado, de conciliar o trabalho com a vida pessoal e
familiar, que estimularam modalidades de trabalho em tempo parcial, a dis-
32   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




tância, e outras (Fundación Encuentro, 1998, p. 174; Giarini e Liedtke, 1996,
p. 236 e seguintes). Esta não foi, no entanto, uma tarefa fácil. Para alguns es-
pecialistas, os trabalhadores devem se esforçar hoje mais por conservar seus
empregos e por manter seu próprio tempo privado e familiar separado daquele
que oferecem ao seu empregador (Perrons, 1998). Por sua vez, Sennett (2000,
p. 61) destacou o caráter contraditório da flexibilização do tempo de trabalho,
aparentemente desenvolvido de forma mais livre, mas igualmente controlado,
embora de forma diferente: “Nas instituições, e para os indivíduos, o tempo
foi liberado da jaula de ferro do passado, mas está sujeito a novos controles e a
uma nova vigilância vertical”.
       Tudo isso levou, nesse terreno, a processos de ajuste, nem sempre fáceis,
entre as necessidades empresariais e as preferência pessoais dos trabalhadores,
cujo resultado tem sido, em geral, uma ampla diversificação e flexibilização dos
modelos de jornada, que perderam uma boa parte da uniformidade e imuta-
bilidade que caracterizava a ordenação dos tempos de trabalho nas empresas
da era industrial.


A empresa diversa, multicultural e individualizada

      A globalização rompe as barreiras e intensifica os movimentos da força de
trabalho através das fronteiras nacionais. Esta intensificação dos fenômenos mi-
gratórios está transformando aspectos substanciais das sociedades contemporâ-
neas, especialmente no primeiro mundo. A plena incorporação das mulheres ao
trabalho se une ao surgimento de minorias sociais em atividades produtivas que
antes lhes eram vedadas. Numerosas e diferentes identidades grupais coabitam
nos mesmos ambientes de trabalho. A Divisão de Assuntos Econômicos e So-
ciais das Nações Unidas inclui, na noção de diversidade social na esfera do tra-
balho, as diferenças de gênero, raça, etnia, religião, orientação sexual e aptidão
psicofísica, assim como as que emanam do substrato e dos status familiar, eco-
nômico, educacional e geográfico (Undesa-IIAS, 2001, p. 1). Certamente, não
estamos mais falando apenas de fatos que afetam os níveis baixos da estrutura
de tarefas das organizações, mas que começam a apresentar, como é inevitável
num mundo globalizado, traços que se introduzem na gestão de profissionais e
dirigentes e que atravessam toda a organização do trabalho.
      Estas situações transferem para a gestão das pessoas novas perguntas, a
saber: como minimizar os aspectos negativos da diversidade sobre a capaci-
dade dos grupos humanos para satisfazer as necessidades de seus membros e
funcionar com eficácia? Como, paralelamente, maximizar os efeitos positivos
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS      33




da diversidade sobre a criatividade, a qualidade das decisões e a maior partici-
pação na governabilidade organizacional? Como reduzir as diferenças entre os
grupos de identidade concorrentes no lugar de trabalho e destacar os interesses
comuns, ao mesmo tempo em que se avaliam e se apreciam as contribuições
originadas justamente da diversidade social? Como assegurar uma adaptação
rápida e suficiente das políticas e práticas de pessoal a fim de garantir que o tra-
balho se converta num ambiente acolhedor para empregados que no passado
ficavam excluídos? (Ospina, 2001, p. 21).
      A gestão da diversidade passa a converter-se assim num imperativo orga-
nizacional e num novo desafio para os gestores. Por sua vez, incorpora novas
oportunidades, que não devem ser ignoradas. A flexibilidade funcional exigi-
da pela empresa atual, como assinalaremos mais adiante, requer a diversidade
funcional, ou seja, a diversificação de características humanas relevantes para
o desempenho, tais como as diferenças em conhecimentos, habilidades, capa-
cidades, valores, atitudes, personalidade e estilos cognitivos e de conduta. Pois
bem, alguns especialistas têm destacado que a diversidade funcional se nutre
em boa medida da diversidade social, enquanto a resistência a admiti-lo reduz
as oportunidades de encontrar as pessoas mais adequadas no momento devido
(Schneider e Northcraft, 1999).
      Trata-se de fenômenos que, como outros que temos apontado, não só
requerem uma atenção específica e o desenvolvimento de um instrumental
de gestão ad hoc, como, principalmente, uma mudança de modelos mentais.
Provavelmente, a própria noção de identidade grupal começa a ficar para nós
insuficiente para explicar a verdadeira diversidade da empresa contemporânea.
A expressão “empresa individualizada” (Ghoshal e Bartlett, 1997) fala-nos de
um passo a mais: o necessário para destacar o indivíduo como o verdadeiro
protagonista da diversidade no trabalho. No fundo, o que está acontecendo é
que o trabalho humano deve começar a ser visto como um território povoa-
do por pessoas, cada uma das quais – sem prejuízo das múltiplas identidades
de grupo, freqüentemente assimétricas e sobrepostas, e dos aspectos comuns
que as assemelham em certas coisas – apresenta características próprias. Cada
trabalhador expressa interesses e preferências que se desprendem especifica-
mente dessa individualidade. Podemos colocar isso da seguinte forma, embora
soe redundante: as organizações de nossos dias necessitam cada vez mais de
uma gestão personalizada das pessoas. Talvez a biogenética resolva um dia o
problema da diversidade da força de trabalho, mas por enquanto o mundo do
trabalho se tornou cada vez mais fluido, paradoxal, fragmentado, heterogêneo;
e sua gestão, forçosamente, tende a se tornar cada vez mais flexível, individua-
lizada e complexa.
34   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




AS NOVAS ORIENTAÇÕES DA GESTÃO DAS PESSOAS

      Agora, sim, é o momento de nós nos perguntarmos sobre a influência
de todas estas mudanças nas convicções e nas tendências que caracterizam
a gestão contemporânea das pessoas. Trata-se de uma pergunta que não tem
resposta fácil. Não existe atualmente um modelo indiscutível, um paradigma
dominante ao qual possamos nos referir; pelo contrário, a teoria da gestão de
recursos humanos apresenta a aparência de um fórum ou ágora na qual se en-
trecruzam debates e propostas de feição diferente. Apesar de tudo, é possível,
sim, apontar para algumas tendências que, pela intensidade e extensão com
que parecem estar influenciando as práticas reais das organizações, podem ser
vistas como enfoques que transcendem as modas do management e merecem
por isso ser consideradas como orientações de fundo no período em que vive-
mos. Vamos a seguir apontá-las de modo breve e sistemático, advertindo que
não se tratam de enfoques antagônicos, mas freqüentemente complementares,
embora não isentos de certos elementos contraditórios. A forma pela qual os
apresentamos obedece à pretensão de introduzir uma sistemática que facilite a
leitura, mas não implica desconhecer as abundantes inter-relações e sobrepo-
sições que existem entre eles.


O lema da flexibilidade

      Se uma única palavra pudesse servir como lema das orientações contem-
porâneas do emprego e dos recursos humanos, e isso tanto na literatura sobre
gestão como nos ambientes acadêmicos e empresariais, essa palavra seria sem
dúvida “flexibilidade”. Flexibilidade é um termo carregado de significados pos-
síveis que, como costuma ocorrer, entram às vezes em conflito. Vale a pena, por
isso, fazer um esforço para esclarecer de que coisa, ou melhor, de que coisas
estamos falando quando o utilizamos neste campo.
      O debate contemporâneo sobre a flexibilidade no trabalho inicia-se na
Europa no final da década de 1970 e no início da de 1980 (Farnham e Horton,
2000, p. 7), ligado a um conjunto de fatos sociais entre os quais se encon-
tram: 1) a mudança nos mercados mundiais e o incremento da concorrência
global; 2) a mudança tecnológica, especialmente a registrada no campo da
informação e das comunicações; 3) a volatilidade dos mercados de produto;
4) o desemprego crescente, e 5) o trânsito da economia industrial para a cha-
mada era pós-industrial. São cenários que afetam diversos atores sociais, em
torno de um conjunto de questões como a educação e a formação continuada,
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS    35




a legislação social, os sistemas salariais, a jornada de trabalho, a igualdade de
oportunidades e a flexibilidade das organizações de serviço público (Comis-
são Européia, 1997).
      O paradigma da “empresa flexível” (Atkinson e Meager, 1986, p. 2-11),
supostamente capaz de fazer frente ao conjunto de desafios que derivam de tais
cenários, incorpora diversos tipos de flexibilidade no que se refere à gestão dos
recursos humanos.
■  A flexibilidade numérica, definida como a capacidade das companhias para
   ajustar o número de trabalhadores ou de horas de trabalho às mudanças
   ocorridas na demanda.
■  A flexibilidade funcional, ou capacidade de reorganizar as competências
   associadas aos empregos, de maneira que os titulares dos postos possam
   desenvolvê-las através de um leque de tarefas ampliado horizontalmente,
   verticalmente ou em ambos os sentidos.
■  O “distanciamento”, concebido como a substituição de contratos de trabalho
   por contratos mercantis ou pela subcontratação, a fim de concentrar a orga-
   nização na vantagem competitiva ou encontrar fórmulas menos onerosas de
   administrar as atividades não nucleares.
■  A flexibilidade salarial, que se identifica com a capacidade da empresa para
   conseguir que suas estruturas de retribuição estimulem a flexibilidade fun-
   cional, se revelem competitivas no que respeita às competências mais escas-
   sas no mercado de trabalho e recompensem o esforço e desempenho indi-
   vidual dos empregados.

      Implícitas neste conjunto de enunciados (em sentido similar, Institute of
Personnel and Development, 1994), encontramos duas visões da flexibilidade,
presentes, em doses variáveis, nos processos e discursos de mudança dos siste-
mas de gestão das pessoas. Embora não se tratem, em sentido estrito, de visões
reciprocamente excludentes, elas costumam corresponder aos enfoques domi-
nantes de gestão adotados em cada caso.
      A primeira dessas visões da flexibilidade ancora-se numa percepção do-
minante das pessoas como restrição e se centra na redução dos custos de pes-
soal. Ela combina com os discursos empresarias da reengenharia, da redução
de pessoal (downsizing), das competências-chave e da empresa em rede, e se
orienta principalmente para a detecção e eliminação de excedentes e para a
conversão dos custos de pessoal, fixos em variáveis. A segunda visão tende a
perceber as pessoas mais como oportunidade, e coloca a ênfase na flexibilida-
de da Gestão de Recursos Humanos (GRH) como apoio à criação de valor por
parte das pessoas. Sintoniza-se com os discursos empresariais da qualidade
36   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




total (Fundação Européia para a Gestão da Qualidade, 1999), do nivelamento
de estruturas e da promoção de autonomia pessoal para decidir (empower-
ment), ou com as práticas de alto desempenho (Pfeffer, 1998b, p. 44 e seguin-
tes), e se orienta principalmente para a melhora qualitativa das políticas de
recursos humanos, especialmente das mais relacionadas com o envolvimento
e o compromisso das pessoas. Em sentido análogo, faz-se distinção entre uma
gestão de recursos humanos “dura”, caracterizada por uma aproximação mais
instrumental e uma ênfase clara na minimização dos custos, e uma “bran-
da”, integrada pelo conjunto de políticas destinadas a maximizar a integração
organizacional, o compromisso dos empregados e a qualidade do trabalho
(Storey, 1995).
      Sob um prisma diferente, o das preferências e expectativas dos atores em
jogo, outras duas visões são possíveis e necessárias (Ridley, 2000, p. 33). De um
lado, do ponto de vista dos interesses das organizações, a flexibilidade se rela-
ciona com os mecanismos por meio dos quais se consegue que as estruturas
organizacionais, os processos de trabalho e as práticas de pessoal incrementem
o controle dos gestores sobre os recursos humanos. De outro, a partir da pers-
pectiva das pessoas, a flexibilidade tem a ver com as mudanças que habilitam
os trabalhadores a exercer maior controle sobre suas vidas, como ocorre, para
citar um só exemplo, com a relação entre a maternidade e o uso do emprego
em tempo parcial.
      Levando em conta esta ambivalência, afirmou-se que o desenvolvimento
das novas modalidades de emprego flexível pode ser considerado em parte
como o resultado da mútua interação de fatores situados no lado da oferta e
no da demanda (Beynon e outros, 2002, p. 123). Ambas as dimensões contri-
buem, em proporções a serem determinadas em cada caso, para as mudanças
nos sistemas de GRH. Em algumas ocasiões, são perspectivas compatíveis e
complementares que se reforçam reciprocamente. Às vezes, no entanto, en-
tram em conflito e obrigam os gestores a definir opções que privilegiam uma
ou outra.
      Seja como for, a orientação dos sistemas de gestão do emprego e dos re-
cursos humanos para a flexibilidade não deve se dar à custa da perda de conti-
nuidade e coesão. Um excesso de flexibilidade pode produzir danos (Lundblad
e outros, 1996), como um comportamento organizacional anárquico, uma li-
derança enfraquecida pela dificuldade de exercê-la sobre pessoas cujo vínculo
com o posto é fraco ou por uma cultura organizacional dispersa, fragmentada
e pouco comprometida com o propósito comum. Mayrhofer (1996) utilizou
o exemplo da coluna vertebral para tornar visível a necessidade de que as or-
ganizações adaptáveis combinem, em proporções adequadas, elementos flexí-
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS    37




veis e rígidos. Richards (1995, p. 16) nos lembra por sua vez que a flexibilidade
não equivale à pura reatividade diante de estímulos externos, nem pressupõe
a carência de uma estratégia de recursos humanos. Ao contrário, devem ser
levadas em consideração as necessidades da política de pessoal a longo prazo
e integrar as diferentes partes da gestão de recursos humanos num sistema
mais flexível. Por isso, “[...] flexibilidade e estratégia não se contrapõem: se
dão a mão”.


A gestão por competência

      As idéias sobre a gestão por competência impregnaram a GRH ao longo
das duas últimas décadas, a ponto de alguns autores chegarem a falar de uma
mudança de paradigma que substituiria uma organização baseada no posto
por uma organização baseada nas competências (Lawler, 1994).
      A noção de competência aparece na gestão contemporânea dos recursos
humanos a partir de uma série de estudos empíricos desenvolvidos nos Esta-
dos Unidos em princípios da década de 1970. Um artigo de McClelland em
The American Psychologist, do ano de 1973, é considerado por alguns como
o momento fundacional dessa orientação. Esses estudos constatam o víncu-
lo existente entre o sucesso no trabalho (resultados obtidos pelas pessoas no
trabalho) e a prática reiterada de uma série de comportamentos observáveis
no contexto de sua atividade produtiva. A exploração e identificação desses
comportamentos, assim como sua análise por meio de certas técnicas, os re-
lacionam com a posse de determinadas qualidades ou características pessoais.
É descoberta transcendente que tais qualidades vão além dos conhecimentos
técnicos especializados, tradicionalmente considerados determinantes da qua-
lificação profissional, para penetrar em motivos, traços de caráter, conceitos
de si mesmo, atitudes ou valores, habilidades e capacidades cognitivas ou de
conduta. Isso leva McClelland a desqualificar os exames e provas tradicionais
como prenunciadores do sucesso no trabalho. A McBer Associates, consultoria
criada por McClelland, elaborou para diferentes companhias norte-america-
nas modelos de competências baseados neste enfoque.
      Em 1982, um dos membros da McBer, Richard Boyatzis, desenvolveu por
encomenda da American Management Association uma pesquisa cujo objetivo
era identificar as competências que diferenciam os managers excelentes dos que
produzem resultados meramente aceitáveis, e estes últimos dos menos bem-
sucedidos. Participaram deste estudo 1.800 dirigentes, titulares de 41 postos
diferentes e pertencentes a 12 companhias. A publicação desse estudo contém
38   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




a definição, já clássica, das competências como “características subjacentes a
uma pessoa, causalmente relacionadas com uma atuação de sucesso num posto
de trabalho” (Boyatzis, 1982). Embora a pesquisa identificasse dezenove com-
petências genéricas que os dirigentes deveriam possuir (mais tarde esse dicio-
nário genérico seria refinado e ampliado por seu autor), Boyatzis enfatizou
desde o primeiro momento o peso do contexto, sublinhando a necessidade de
definir modelos de competências próprios de cada organização.
      Em estreita relação com este enfoque encontra-se a noção de “inteligência
emocional”, popularizada pelo best-seller de Goleman (1996). A inteligência
emocional foi definida como “uma forma de inteligência social que inclui a ca-
pacidade de manejar os sentimentos e emoções próprios e os dos outros, fazer
distinção entre eles e usar essa informação como guia dos próprios pensamen-
tos e ação” (Salovey e Mayer, 1990). Num desenvolvimento mais recente, em
que esta noção foi aplicada à análise da liderança, sustentou-se que 80 a 90%
das competências, que permitem distinguir os líderes que se sobressaem, per-
tencem ao domínio da inteligência emocional, e não às capacidades cognitivas
(Goleman, Boyatzis e McKee, 2002, p. 306).
      A gestão por competência pressupõe sua utilização como um padrão ou
norma para a seleção de pessoal, o planejamento de carreiras e a sucessão, a
avaliação do desempenho e o desenvolvimento pessoal (Hooghiemstra, 1992).
Este enfoque converte as competências num eixo central dos sistemas de ges-
tão das pessoas, tal como hoje são entendidas e praticadas num número cres-
cente de empresas e organizações de todo tipo. Como já apontamos, entramos
numa época em que os conhecimentos especializados adquiridos num certo
momento vêm sua vida útil se reduzir progressivamente, enquanto os proces-
sos permanentes de aprendizagem e re-qualificação são vistos como inerentes
ao sucesso no trabalho. Parece razoável pensar que as competências genéricas,
que tornam possíveis esses processos de ajuste, podem chegar a ter tanta ou
mais importância que o grau de saber técnico específico possuído num mo-
mento dado. Se esta é uma reflexão importante para os indivíduos, já que está
ligada à sua empregabilidade, não o é menos para as empresas, cujo ativo hu-
mano será com freqüência tanto mais valioso quanto mais adaptável.
      Gerenciar por competências implica dedicar uma atenção prioritária aos
elementos qualitativos do investimento em capital humano. Neste enfoque en-
contram seu fundamento conceitual algumas inovações importantes da gestão
dos recursos humanos em nossos dias. Referimo-nos a orientações que afetam
os sistemas de organização do trabalho, como é o caso do desenho de pos-
tos em banda larga (broadbanding); os de incorporação, como se detecta no
uso crescente da entrevista de incidentes críticos ou dos centros de avaliação
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS   39




(assessment centers); os de desenvolvimento de pessoas, como ocorre com os
modelos de carreira horizontal, ou os de compensação, que incorporam cres-
centemente os planos de retribuição por competências. A todas elas iremos nos
referir mais adiante.


O capital intelectual como vantagem competitiva

      Embora a gestão por competência centre sua atenção, como vimos, nas
pessoas e em suas qualidades e características individuais, a noção de compe-
tência serviu de base para orientações de gestão baseadas na dimensão coletiva
daquelas, e em sua difusão e interiorização por parte da organização. Os con-
ceitos de “competência distintiva” ou “competências-chave” (core competences),
extensamente difundidos, entre outros, por Pralahad e Hamel (1990, 1995),
transferem do ambiente exterior para o interior da empresa, e fundamental-
mente para as pessoas, a reflexão sobre a vantagem competitiva. Aquilo que a
organização sabe fazer melhor que seus concorrentes é a chave do sucesso. Em
comparação com os produtos que a empresa é capaz de obter e lançar no mer-
cado, suas competências-chave são mais estáveis e não diminuem com o uso.
Pelo contrário, nas palavras dos autores citados, as competências aumentam
quando são aplicadas e compartilhadas. A concorrência real entre as empresas,
chega a dizer Hamel (1991, p. 83), numa frase que em espanhol parece um
jogo de palavras, é a concorrência entre competências (NT)6. Ou, o que vem
a dar na mesma: diferentemente do que ocorre quando a concorrência é entre
produtos, a concorrência entre as empresas está diretamente relacionada com a
aquisição, posse, difusão e aplicação de conhecimentos e habilidades.
      A criação e manutenção de uma vantagem competitiva concebida desta
forma depende não só da qualidade da soma dos recursos humanos individuais
reunidos pela empresa, mas da própria capacidade desta última para aprender
coletivamente. Os mesmos Pralahad e Hamel (1990, p. 82) identificam a core
competence com “a aprendizagem coletiva, em especial sobre como coordenar
diversas habilidades na produção e integrar fluxos múltiplos de tecnologias”.
      Por isso é importante que as empresas consigam converter-se em organi-
zações que aprendem (learning organisations), em empresas capazes de criar
conhecimento. Durante a década de 1990, obras como as de Senge (1992)
e Nonaka e Takeuchi (1995) desenvolveram esse enfoque de gestão tendo a


6
    NT: em espanhol, competencia entre competencias.
40   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




aprendizagem organizacional como centro. Considerando que a aprendiza-
gem, sem discutir sua dimensão grupal e seu impacto organizacional, é um
fenômeno protagonizado sempre por indivíduos, a relação dessas orientações
com a gestão das pessoas fica evidente e estreita. As companhias que desejem
ser “organizações que aprendem” deverão propor a si mesmas e desenvolver
um conjunto de políticas e práticas de gestão cujo centro sejam as ações e rela-
ções humanas no interior da organização.
      Em estreito contato com tudo isso está a noção, difundida mais recente-
mente, de “capital intelectual”. Como assinalou Stewart (1997, p. 55), quando
os mercados de capitais avaliam as companhias três, quatro ou dez vezes acima
do valor contabilizado de seus ativos, estão dizendo simplesmente o seguin-
te: os ativos materiais de uma empresa baseada no conhecimento contribuem
muito menos para o valor de seu produto ou serviço final do que os ativos
intangíveis, ou seja, os talentos de seu pessoal, a eficácia de seus sistemas de
gestão, o caráter das relações com seus clientes etc. Estas coisas são, considera-
das em conjunto, seu capital intelectual. Este capital deve ser gerenciado e sua
gestão vai muito além do armazenamento e da manipulação de dados. Pode
ser definida (Azúa, 1999, p. 67, citando Marshall e outros) como a “tarefa de
reconhecer um ativo humano enterrado na mente das pessoas, e convertê-lo
num ativo empresarial que possa ser acessado e que possa ser utilizado por um
maior número de pessoas, de cujas decisões depende a empresa”. Em outras
palavras, a inteligência se torna um ativo quando adquire uma utilidade exter-
na ao livre fluxo das idéias no cérebro; quando se dá a ela uma forma coerente
(um banco de dados, uma listagem postal, a agenda de uma reunião, a descri-
ção de um processo); quando ela é capturada de uma forma que permita sua
descrição, compartilhamento e exploração, coisas que seriam impossíveis se
permanecesse dispersa. O capital intelectual é conhecimento útil empacotado
(Stewart, 1997, p. 67).
      Como gerenciá-lo? Obeso (1999, p. 35 e seguintes), citando Davenport e
Prusak, enumera quatro enfoques reconhecíveis na prática empresarial:
a) armazéns de conhecimento: o conhecimento é catalogado como algo “exter-
    no” aos seus criadores, e armazenado em documentos físicos ou eletrônicos;
b) acesso e transferência de conhecimentos: centrados no desenho de procedi-
    mentos para favorecer a transmissão de conhecimentos entre possuidores e
    usuários potenciais;
c) ambientes favoráveis ao conhecimento: centram-se em criar consciência e re-
    ceptividade cultural a respeito do uso e da transmissão de conhecimento;
d) projetos de medição e melhora: sua ênfase está nas técnicas de avaliação do
    conhecimento disponível.
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS     41




      Sem dúvida, a gestão do capital intelectual tem um aspecto “duro” (hard),
que está ligado ao uso das tecnologias: procedimentos de comunicação on-line,
de prospecção de dados, sistemas especialistas etc. Sem prejuízo disso, seu centro
se encontra muito próximo da gestão das pessoas, especialmente daquela gestão
que se desenvolve em organizações de profissionais. Nahapiet e Ghoshal (1998)
relacionaram os bons resultados das organizações na gestão do capital intelec-
tual com sua riqueza em capital social interno – amplitude e densidade das redes
internas de intercâmbios de conhecimento baseados na confiança interpessoal e
na existência de normas de reciprocidade. Essa aproximação realça os elementos
próprios da gestão das pessoas como chave do sucesso. Afinal, nenhuma intranet
será capaz de criar conhecimento ali onde este não exista, ou de difundi-lo em
contextos organizacionais nos quais os incentivos existentes estimulam mais a
sua apropriação com exclusividade do que seu compartilhamento.


As práticas de alto desempenho

      Sob o lema de “alto desempenho” ou de “alto compromisso” (Lawler e
outros, 1995) podemos agrupar um conjunto de orientações, políticas e práti-
cas empresariais de gestão dos recursos humanos que tenham como objetivo a
obtenção do máximo possível de alinhamento, envolvimento e produtividade
dos empregados. O fio condutor dessas políticas é a busca de maior grau de
identificação entre as expectativas e preferências individuais e os objetivos de
desempenho derivados da estratégia de empresa. O que faz da empresa um lu-
gar atraente para os empregados? Basicamente, a alta qualidade de três relações
interconectadas: a relação entre os empregados e seus trabalhos; a relação dos
empregados entre si, e a relação entre eles e suas chefias (Great Place to Work
Institute, 2003). Agrupamos aqui, sem pretensão de sermos exaustivos nem
sistemáticos, algumas práticas de gestão destinadas a satisfazer essas aspirações
e melhorar assim os resultados empresariais.


O enfoque do empowerment


      Transferir para as pessoas uma esfera tão ampla quanto possível de poder
de decisão, e responsabilizá-las por isso, surge como conseqüência tanto da
adoção de determinadas teorias sobre o comportamento humano, como de
reflexões derivadas da própria evolução do trabalho e das tecnologias, especial-
mente nos ambientes apropriados dos serviços.
42   MÉRITO E FLEXIBILIDADE




      Assim, por um lado, uma crescente tendência de incorporar à gestão das
pessoas aquelas teorias sobre a motivação que acentuam a identificação com a
tarefa (Hackman e Oldham, 1975, 1979) leva a salientar na medida do possível
o significado do posto de trabalho para a pessoa, assim como a percepção desta
de ser responsável pela execução da tarefa e dos resultados da referida execução.
Isso, por outro lado, mostra coerência com o incremento do peso dos serviços
na economia produtiva, que implica a generalização de processos nos quais a
produção e a distribuição se concentram e são protagonizados pelo indivíduo,
em direta interação com o mercado. A própria qualidade do serviço prestado
requer nesses casos uma ampliação significativa da margem de decisão das pes-
soas. Nas organizações de profissionais que caracterizam a economia do conhe-
cimento, essas exigências são sentidas de maneira particularmente intensa.
      A criação de equipes de trabalho autodirigidas (Pfefffer, 1998b, p. 83) é
uma das modalidades de empowerment que combina a descentralização da de-
cisão com o estímulo da interação grupal. O trabalho em equipe, sem dúvida
outro dos mitos de nossa época, revela-se particularmente necessário quando
a complexidade do ambiente exige articular a combinação multifuncional de
diferentes saberes técnicos em contextos não hierárquicos, como mecanismo
adequado para produzir respostas de qualidade. Nonaka e Takeuchi (1995,
p. 160 e seguintes), entre outros, destacaram a relação das equipes com a pro-
dução de inovação.
      Quer tendo como destinatários indivíduos, quer equipes de trabalho, a
descentralização do poder de decisão, substituindo o controle hierárquico pela
autodireção, relaciona-se estreitamente com uma destacada tendência contem-
porânea do desenho de estruturas organizacionais, que consiste na eliminação
de níveis de hierarquia intermediária. Essa eliminação de camadas (delayering)
nas cadeias de autoridade formal das organizações expressa, ao mesmo tempo,
a influência do enfoque do empowerment e a preferência por estruturas planas.
Nestas, os fluxos de informação ascendente, descendente e lateral circulam com
maior velocidade e facilitam por isso a agilidade da resposta estratégica das or-
ganizações às mudanças cada vez mais freqüentes do ambiente empresarial.


A gestão do desempenho


     Atualmente os enfoques sobre o desempenho das pessoas no trabalho
tendem a superar as abordagens tradicionais, centradas na medição do rendi-
mento, assim como os correspondentes debates em torno das técnicas e méto-
dos de avaliação mais confiáveis e válidos, e vão introduzindo orientações de
A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS     43




gestão de caráter mais relacional, centradas no crescimento profissional das
pessoas. Estes novos enfoques do desempenho são coerentes, por um lado,
com a desconfiança, própria de nossa época, nos artefatos centralizados pró-
prios das burocracias taylorianas; por outro lado, se assentam em concepções
dinâmicas do desempenho, que o vinculam ao desenvolvimento do potencial
das pessoas.
      Em concordância com tudo isso, a gestão do desempenho profissional
tende a ser vista cada vez mais como uma forma de estimular as competências
e a motivação dos empregados para a obtenção de melhoras de desempenho
(Spencer e Spencer, 1993, p. 264 e seguintes), e não apenas como um conjunto
de técnicas de medição cuja utilidade é facilitar a aplicação de medidas admi-
nistrativas (retribuir, promover, punir etc.).
      Nestes enfoques, o dirigente de linha ou supervisor imediato passa a
desempenhar um papel fundamental, já que recai sobre ele a transforma-
ção das prioridades organizacionais em padrões e objetivos de desempenho
individual dos empregados sob sua esfera de autoridade, assim como a ade-
quada comunicação dos padrões e objetivos e a obtenção do compromis-
so das pessoas em torno da sua consecução. As melhoras do desempenho
consensuadas entre ambas as partes constituem o eixo de uma relação sus-
tentada na qual são postas à prova as habilidades interpessoais e sociais dos
dirigentes. A obtenção de melhoras no desempenho decorre, cada vez mais,
do crescimento profissional das pessoas, ou seja, do desenvolvimento de suas
competências, especialmente daquelas que apareçam em cada caso como de-
ficitárias. O coaching, ou atividade destinada a orientar, facilitar e apoiar esse
desenvolvimento, converte-se às vezes, nesse contexto, em parte da função de
dirigir equipes humanas.
      A ênfase em vincular a apreciação do desempenho ao desenvolvimento
das pessoas produz, sem prejuízo do papel fundamental dos comandos hie-
rárquicos, que temos destacado, a extensão de novos métodos de avaliação,
que ampliam o universo de atores que participam da mesma. Em particular, a
avaliação de 360 graus, que converte em avaliadores os superiores, subordina-
dos, colegas e inclusive os clientes e fornecedores, internos ou externos, é uma
prática utilizada já por um número crescente de empresas, freqüentemente no
contexto de experiências de gestão da qualidade. Sua utilidade reside princi-
palmente no potencial identificador de áreas de melhora e de desenvolvimento
pessoal e profissional que oferece às pessoas e às equipes de trabalho.
      Todas essas práticas exigem cenários de trabalho distintos dos que carac-
terizavam as burocracias empresariais da era industrial. Para seu enraizamento
e difusão, são necessárias culturas organizacionais mais horizontais e partici-
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Gestão de Pessoas no Setor Público

  • 1. MÉRITO E FLEXIBILIDADE A gestão das pessoas no setor público
  • 2.
  • 3. MÉRITO E FLEXIBILIDADE A gestão das pessoas no setor público Francisco Longo EdiçõesFundap
  • 4. Governador do Estado José Serra Secretário de Gestão Pública Sidney Beraldo FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO ADMINISTRATIVO–FUNDAP Diretora Executiva Neide S. Hahn Coordenação editorial Carlos H. Knapp Tradução Ana Corbisier Lucia Jahn Luis Reyes Gil Paulo Anthero Barbosa Revisão Helena Jansen Revisão técnica Pedro Anibal Drago Sandra Souza Pinto Capa Cristina Penz Ilustração da capa baseada na escultura “Le Chariot” (1950), de Alberto Giacometti Editoração eletrônica Ricardo Serraino Fevereiro/2007 © 2004 by Ediciones Paidós Ibérica, S.A. Reprodução proibida sem a expressa autorização da Fundap. Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP) (Centro de Documentação da Fundap, SP, Brasil) Longo, Francisco Mérito e flexibilidade: a gestão das pessoas no setor público / Francisco Longo; tradução Ana Corbisier, Lucia Jahn, Luis Reyes Gil, Paulo Anthero Barbosa; revisão Helena Jansen; revisão técnica Pedro Anibal Drago, Sandra Souza Pinto. – São Paulo: FUNDAP, 2007 248 p. Tradução de: Mérito y flexibilidad: la gestión de las personas en las organizaciones del sector público. ISBN 978-85-7285-102-2 1. Administração de pessoal. 2. Administração de pessoal – Setor público. 3. Gestão de pessoas – Setor público. I. Fundação do Desenvolvimento Administrativo – Fundap. II. Título. CDD – 360.1 EDIÇÕES FUNDAP Rua Cristiano Viana, 428 05411-902, São Paulo, SP Telefone (11) 3066 5584 Fax (11) 3081 9082 livraria@fundap.sp.gov.br
  • 5. Para Alejandro e Alberto Longo
  • 6.
  • 7. SUMÁRIO Agradecimentos Apresentação da edição brasileira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 1. A gestão das pessoas nas sociedades contemporâneas. . . . 23 2. O que o emprego público tem de diferente. A função pública . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 3. Gerir pessoas no setor público: um sistema integrado de valor estratégico . . . . . . . . . . . . . . . 77 4. Os grandes subsistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 5. As tendências de reforma da gestão das pessoas nas democracias avançadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 6. Dirigentes públicos profissionais: por que, para que e como . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 7. Os desafios do futuro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 197 Epílogo: mérito e flexibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 223 Bibliografia. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227
  • 8.
  • 9. AGRADECIMENTOS Como autor deste livro, tenho uma dívida de gratidão para com muitas pessoas. Entre elas está antes de mais nada uma longa lista de gestores públi- cos que participaram dos programas do IDGP da Esade1 nos quais exerci a docência. Tenho consciência de ter recebido, deles, estímulos e ensinamen- tos muito valiosos. Devo mencionar também os governadores e dirigentes que confiaram na minha capacidade de consultor e assessor ao longo destes anos. E também os meus alunos de nove promoções de MBA da Esade, que ano após ano desafiaram minha capacidade para formar gestores de pessoas. As coisas que aprendi com todos eles contribuíram para filtrar minhas percepções, apro- ximar à realidade os meus pontos de vista e melhorar minha habilidade para comunicá-los. Esade, a instituição em que desenvolvo meu trabalho há mais de dez anos, deve ser especificamente destacada neste parágrafo. Sua configuração aberta e horizontal, que oxalá seja capaz de conservar durante muito tempo, proporcio- nou-me o ambiente estimulante e de cooperação, necessário a todo o trabalho intelectual, e o contato com as pessoas cuja contribuição generosa foi básica para o meu crescimento profissional. Sua cultura humanista e plural facilitou o engate de minhas convicções com os valores próprios do ambiente organiza- cional em que trabalho. Sou consciente do privilégio que isso significa. Nesse ponto, dirijo minha gratidão a Lluís Pugès, o diretor que me contratou, e a Carlos Losada, que um dia me sugeriu a incorporação e depois, com a respon- sabilidade atual de diretor geral, manteve sua confiança em mim. Dentro do Esade, recebi dos meus companheiros do Instituto de Direção e Gestão Pública numerosas contribuições e uma influência que, sem dúvida, se traduzem naquilo que este livro terá de mais valioso. Em especial a freqüente colaboração na docência, na pesquisa e na consultoria de Koldo Echebarría, hoje licenciado, foi uma importante influência para configurar a minha forma de entender a gestão pública, como também o foi o estreito contato profissional que mantive esses anos com Xavier Mendoza, Alfred Vernis, Albert Serra e o já citado Carlos Losada. Também expresso meus agradecimentos a Manolo Férez, Rafa Jiménez Asensio, Pere Puig, Manel Peiró, Enric Colet, Roberto Quiroga, 1 NT: IDGP é o Instituto de Dirección y Gestión Pública, instituição da Esade (Escuela Su- perior de Administración de Empresas), uma das dez mais prestigiosas Business Schools da Europa.
  • 10. 10 MÉRITO E FLEXIBILIDADE Sam Husenman, Tamyko Ysa, Eduard Gil, Joat Henrich, Cristina Navarro e as demais pessoas que colaboram com o IDGP. Alguns colegas do departamento de Direção de Recursos Humanos da Esade leram trechos do manuscrito e me passaram seus valiosos comentários. É o caso de Carlos Obeso e de Ricard Serlavós, a quem devo um reconheci- mento especial por ser o inspirador do modelo de gestão de recursos humanos que adotei na época, apliquei e desenvolvi nos últimos anos e que, adaptado à gestão pública, apresento neste livro. A relação de trabalho com outras pessoas do mundo acadêmico propor- cionou-me valiosas referências e comentários que beneficiam o livro. Nesse ponto, devo citar Joan Subirats e toda a equipe do IGOV da Universidade Autônoma de Barcelona; Manuel Villoria, do Instituto Universitário Ortega y Gasset; Manuel Zafra e Frederico Castillo, do CEMCI de Granada; Miguel Sánchez Morón, da Universidade de Alcalá de Henares; Alberto Palomar, da Universidade Carlos III; Carlos Vignolo, da Universidade do Chile; Regina Pa- checo, da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; e Oscar Oszlak, da Universi- dade de Buenos Aires. Agradeço também a Michael Barzelay, da London School of Economics, e a Sonia Ospina, da New York University, pelos comentários sobre um material prévio em que apoiei uma parte do livro. Considero a experiência de dirigente público, no meu caso, como uma fonte decisiva para o crescimento pessoal e profissional. Em particular, os oito anos de trabalho na municipalidade de Barcelona foram para mim uma au- têntica escola de gestão pública, sem a qual este livro não teria sido possível. A coincidência entre o período de desenvolvimento do projeto olímpico de 1992 e uma etapa de transformação urbana sem precedentes, liderada pelo governo da cidade, fez daqueles anos uma experiência difícil de se repetir. Eram mui- tos os que comigo faziam parte da equipe do prefeito Pasqual Maragall e me proporcionavam úteis aprendizados. Na impossibilidade de nomeá-los, recor- ro a um agradecimento genérico dirigido a todos. Personalizarei esta menção em Albert Galofré, com quem ainda compartilhei, depois daquela experiência, muitas horas de consultoria e amizade. Diversos trabalhos encomendados durante os últimos anos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento me proporcionaram marcos de estudo e experiências que contribuíram para enriquecer várias partes do livro. Em particular, a elaboração de um marco analítico para a avaliação de sistemas de serviço civil e o acompanhamento de sua aplicação nos diagnósticos institu- cionais de uma vintena de países da América Latina e do Caribe me brindaram com excelentes e raras oportunidades para contrastar os modelos conceituais utilizados.
  • 11. AGRADECIMENTOS 11 Recebi do Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações Unidas e do Centro Latino-Americano de Administração para o Desenvol- vimento o pedido de elaborar um anteprojeto da Carta Ibero-Americana da Função Pública e de defendê-lo, como relator, perante a Conferência de Mi- nistros de Administração Pública e Reforma do Estado, em junho de 2003, em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia). Essa tarefa me obrigava a sintetizar e enquadrar em formato peculiar as minhas concepções básicas sobre a gestão pública do emprego e das pessoas, a fim de torná-las acessíveis a diferentes ambientes institucionais e susceptíveis de serem compartidas por diferentes governos. A aprovação da Carta pela cúpula dos chefes de estado e de governo e sua conversão em documento oficial da ONU pela Assembléia Geral são os primeiros resultados, que espero sejam seguidos por iniciativas de aplicação de seus princípios nos países da comunidade ibero-americana. Em todo caso, é justo que eu faça constar aqui minha gratidão às instituições que confiaram em mim para esse trabalho. Carmen, minha mulher, revisou o manuscrito, como faz habitualmente, tratando de polir minha linguagem. Sou grato a ela por isso e, principalmente, por tantas outras coisas. APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO BRASILEIRA Escrevo estas linhas de apresentação quando acaba de se celebrar, em Bar- celona, um seminário internacional, auspiciado pelo CIDOB2, sobre a profis- sionalização do emprego público na América Latina. Com Carles Ramió, meu colega da Universidade Pompeu Fabra, tive o prazer de co-dirigir o seminário, que contou com a participação de reputados especialistas de ambos os lados do Atlântico. Durante as sessões, como não poderia deixar de ser, os dois grandes temas que dão título a este livro, mérito e flexibilidade, assim como a relação entre ambos, foram profundamente abordados e discutidos de ângulos diversos, dando lugar a pontos de vista às vezes antagônicos. Retive especialmente dois dos temas de debate e me permito comentá-los resumidamente aqui. O primeiro centra-se na idéia de mérito; mais especificamente, em suas dimensões formal e substantiva, e na conveniência de distingui-las entre si. 2 NT: CIDOB: Centro de Investigación de Relaciones Internacionales y Desarrollo. Centro de Pesquisa de Relações Internacionais e Desenvolvimento.
  • 12. 12 MÉRITO E FLEXIBILIDADE Freqüentemente, o mérito, enquanto atributo do emprego público, é pensado fundamentalmente na primeira dessas dimensões. Assim concebido, um sis- tema de mérito converte-se num conjunto de garantias formais cujos efeitos benéficos se produziriam – diríamos com fraseologia jurídica – erga omnes, ou seja, projetando-se para o exterior dos governos e organizações públicas e pensando nas necessidades da sociedade em seu conjunto. Uma vez que a sociedade necessita de administrações compostas por profissionais capazes de emitir decisões conformes com a legalidade e protegidas contra a captura e a corrupção, a criação dessas garantias é imprescindível. Entretanto, para dentro das organizações, isto é, para o governante ou o dirigente público, essas garantias operam basicamente como limitações, como condicionamentos de suas decisões de manejo do emprego público que res- tringem sua margem de decisão discricional. A partir disso é fácil concluir que essas limitações podem comprometer a eficácia das decisões e processos de gestão das pessoas e que precisam, por isso, ser compensadas por políticas flexíveis que restabeleçam um equilíbrio adequado. Nesta perspectiva, mérito e flexibilidade se situariam no marco de um trade off, de um dilema fundamental que confronta os requisitos de profissionalidade da ação pública, de um lado, com sua pretensão de eficácia, de outro, de tal modo que os avanços em um campo significassem retrocessos no outro e vice-versa. No meu entender, a questão muda de modo fundamental se abordarmos a noção de mérito por sua dimensão material e substantiva. Nessa aproximação, as garantias do mérito protegem a profissionalidade da administração porque conseguem que as decisões de manejo do emprego público persigam e assegu- rem a idoneidade das pessoas, isto é, o mais alto grau de adequação de todas suas capacidades (de suas competências, diríamos no jargão atual dos recursos humanos) para o desempenho das tarefas que devem cumprir. Para conseguir essa idoneidade, os instrumentos de gestão devem garan- tir adequadamente a busca, a escolha, o estímulo e a recompensa dos melhores em cada caso. Deste ponto de vista, as decisões sobre o emprego devem ser meritocráticas nos governos e organizações do setor público para proteger os cidadãos e os mercados da arbitrariedade e da corrupção. Razões semelhantes recomendam os ajustes meritocráticos também em outros tipos de organiza- ção, inclusive nas empresas do setor privado, para produzir os resultados alme- jados pelas estratégias e objetivos de cada uma. Quando contemplamos o mérito dessa forma, a profissionalidade dos servidores públicos deixa de ser vista como uma limitação à eficácia dos gover- nos e se converte, pelo contrário, em seu pré-requisito. A superação do saque, do clientelismo e da apropriação de setores e sua substituição por modelos me-
  • 13. AGRADECIMENTOS 13 ritocráticos de emprego público não produzem unicamente maior segurança jurídica nas sociedades que realizam essas mudanças, mas também mais eficá- cia, eficiência e efetividade em bancos centrais, na fiscalização de arrecadação de tributos, nas polícias, nos hospitais e nos serviços sociais. A relação entre mérito e flexibilidade deixa de ser de confronto. Na realidade, se desejarmos al- cançar a idoneidade das pessoas nos contextos contemporâneos, precisaremos de fórmulas cada vez mais flexíveis no acesso, na carreira, na capacitação e na recompensa; e essa flexibilidade reforçará, em lugar de debilitar, a dimensão meritocrática do emprego público. O segundo dos temas mencionados, não muito distante deste, nos introduz mais uma vez no que Bresser Pereira3 denominou “a questão da seqüência”. Em muitos foros continua viva a idéia, a meu ver falaciosa e ademais desmentida pelos fatos, de que na América Latina os esforços reformadores devem se concentrar na construção de burocracias weberianas para, depois, num futuro indeterminado, incorporar as reformas flexibilizadoras da gestão de recursos humanos que hoje constituem moeda comum no primeiro mun- do. É fácil notar que essa visão se apóia na aproximação formalista da idéia de mérito que acabamos de discutir. Na obra citada, o ilustre político e acadêmi- co brasileiro argumenta vigorosamente contra esse discurso. De minha parte, depois de concordar com ele, remeto-me modestamente ao epílogo deste livro em que se acha uma argumentação sobre esse ponto. Na minha opinião, ela é substancialmente válida. Como se deduz dos parágrafos anteriores, as convicções que me levaram a escrever “Mérito e Flexibilidade” continuam vivas, no substancial, no momen- to de sua publicação em língua portuguesa no Brasil. Não é preciso mencionar que esse fato é para mim motivo de profunda satisfação, que agradeço muito sinceramente à Fundap e, em especial, ao estímulo da minha admirada amiga Evelyn Levy. Ao longo dos últimos anos, desde meus primeiros seminários na ENAP de Brasília, têm sido freqüentes os encontros com acadêmicos e gestores públicos brasileiros com os quais sempre encontrei um alto grau de sintonia, tanto nas preocupações como também, quase sempre, nos enfoques. Também no Brasil a modernização da gestão dos recursos humanos se encontra sistematicamente entre os grandes temas de qualquer agenda de re- forma da gestão pública. Nós a encontramos quando revisamos o modelo de 3 Bresser Pereira, L. C., Democracy and Public Management Reform. Building the Republi- can State. Oxford University Press, 2004.
  • 14. 14 MÉRITO E FLEXIBILIDADE gestão do PPA4 na esfera federal, quando acompanhamos a experiência de ges- tão dos serviços assistenciais e culturais por meio das organizações sociais do Estado de São Paulo ou quando analisamos as carreiras e a avaliação do de- sempenho nessa apaixonante experiência de reforma conhecida como “Cho- que de Gestão”, em Minas Gerais. Ela está igualmente presente nas principais preocupações dos secretários de gestão reunidos nessa importante plataforma de inovação e reforma institucional que é o Consad5. Também no Brasil, os temas relativos aos recursos humanos são, com freqüência, os mais resistentes a reformas; aqueles em que são mais habituais as percepções de insatisfação com o logrado. Nada que revele características idiossincráticas dos contextos institucionais brasileiros, mas sim, como este livro pretende evidenciar, traços comuns das tentativas de melhorar a gestão pública das pessoas em qualquer lugar e circunstância. Para o bem ou para o mal, o comportamento humano nas organizações é uma variável sobre a qual é difícil influir. Ao mesmo tempo, exercer essa influência constitui uma questão central para a eficácia, eficiência e efetividade das organizações, que se acentua nos serviços públicos e que, portanto, se torna irrenunciável para os inovado- res e reformadores da gestão pública. A todos eles, felizmente numerosos no Brasil, é dedicada em primeiro lugar a edição deste livro em português. Oxalá lhes seja útil. Barcelona, janeiro de 2007 Francisco Longo 4 PPA, Plano Plurianual instituído no governo Fernando Henrique Cardoso. 5 Consad: Conselho Nacional de Secretários de Estado de Administração.
  • 15. INTRODUÇÃO “É mais importante conhecer os temperamentos e características das pessoas que os das ervas e das pedras. Esta é uma das coisas mais sutis da vida: os metais se conhecem pelo som e as pessoas pelo que dizem. As palavras demonstram a retidão, mas os fatos muito mais ainda. São necessários, em grau máximo, reflexão, ob- servação e capacidade crítica.” Baltasar Gracián, Oráculo Manual y Arte de Prudencia, 1647 Mais de vinte e cinco anos de dedicação à gestão pública, na administra- ção e no mundo acadêmico, foram fortalecendo minha convicção da impor- tância crucial do fator humano como chave para explicar os êxitos e fracassos dos governos e das organizações do setor público. Na condição de dirigente, experimentei na primeira pessoa o caráter críti- co do comportamento humano nas organizações, seu extraordinário peso nos resultados de qualquer iniciativa ou projeto, e também a complexidade de suas motivações, a fluidez e pluralidade dos fatores que o influenciam, o quanto é árdua a tarefa de decifrar as origens e procurar as respostas aos problemas que afetam as pessoas no trabalho. Tenho experimentado a dificuldade adicional que o ofício de gerir pessoas traz implícito nos ambientes públicos; a ambigüi- dade das prioridades, seu caráter mutável, a brevidade dos ciclos políticos, a reticência para medir e avaliar, o peso imenso da inércia, as numerosas limita- ções legais e, principalmente, as restrições intangíveis de natureza cultural. Como docente, o prolongado contato com dirigentes públicos nos pro- gramas do Instituto de Direção e Gestão Pública (IDGP) do Esade tornou-me consciente tanto do interesse com que são abordadas as questões relaciona- das ao fator humano, como do déficit de preparação específica que pode ser constatado na maioria dos casos. Os conhecimentos e habilidades relacionados com a gestão das pessoas não são normalmente levados em conta entre os re- quisitos de capacitação exigidos para exercer responsabilidades de direção no setor público. Este fato não impede que, às vezes, nos intercâmbios que caracte- rizam a formação para dirigentes, aflorem as boas práticas, os casos de sucesso e as experiência inovadoras. Em geral, não obstante, a percepção dominante entre os gestores públicos combina a crítica dos modelos de gestão existentes com uma aguda sensação, próxima do desalento ou do ceticismo, a respeito de como é difícil mudá-los.
  • 16. 16 MÉRITO E FLEXIBILIDADE A experiência como consultor de governos e organizações públicas ra- tificou para mim muitas destas percepções e as tornou extensivas a diferen- tes países e ambientes institucionais. Hoje a gestão do emprego público e das pessoas que fazem parte dele preocupa cada vez mais aqueles que dirigem as organizações e os sistemas multiorganizacionais do setor público. A demanda de idéias, estratégias, metodologias e instrumentos que permitam melhorá-la cresceu de modo significativo. Foi ficando evidente que as mudanças legais, as reestruturações organizacionais e a modernização tecnológica, embora sejam importantes, não são suficientes para mudar em profundidade o funcionamen- to das organizações públicas. A verdadeira mudança é aquela que consegue penetrar nas mentes dos indivíduos e transferir-se para suas condutas. O olhar se volta conscientemente para as pessoas e é, na maioria das vezes, um olhar de interrogação, dúvida e perplexidade. Em suma, melhorar a gestão das pessoas é visto em nossos dias como um dos desafios principais da gestão pública e, ao mesmo tempo, como o que enfrenta maiores obstáculos e resistências. Dessa dupla convicção sobre a im- portância e a dificuldade desse empenho nasce este livro. A QUEM SE DIRIGE ESTE LIVRO E COMO PRETENDE FAZÊ-LO Este é um livro sobre gestão pública, o que quer dizer no mínimo duas coisas. A primeira, que ele assume a orientação pluridisciplinar que caracteriza a referida perspectiva e incorpora, sem complexos, contribuições e enfoques próprios da economia, do direito, da ciência política, da sociologia e de outras disciplinas científicas. A segunda, que ele se fundamenta numa noção ampla do management, que vai além da mera importação de técnicas nascidas no mundo empresarial privado. A gestão pública modula seu instrumental analí- tico partindo da especificidade do público e incorpora não só modelos teóricos e ferramentas, mas também um conjunto de valores necessários para o bom funcionamento e a renovação dos sistemas públicos e suas organizações. O livro tem uma pluralidade de destinatários: os primeiros são os dirigen- tes públicos, no sentido mais amplo da expressão. Incluímos aí todas as pes- soas que assumem, nas organizações do setor público, responsabilidades que compreendem a direção de equipes humanas; desde aqueles que, no vértice estratégico das administrações, adotam decisões que afetam milhares de em- pregados, até aqueles que gerenciam pequenos centros ou serviços dotados de poucas pessoas. Todos eles – seus objetivos, problemas e preocupações – têm sido a principal referência inspiradora deste trabalho.
  • 17. INTRODUÇÃO 17 O livro pretende ser também útil para aqueles que se ocupam da admi- nistração pública a partir da reflexão acadêmica ou da consultoria, assim como – esperamos – para aqueles que o fazem a partir da política ou do sindicalismo. Pode igualmente ser proveitoso para os empregados públicos e para os jovens que aspiram fazer da gestão pública sua profissão e desejam melhorar seu conhe- cimento sobre uma parcela básica dela. Não fica descartado, inclusive, que possa captar o interesse de outros públicos. Afinal, fala de questões que acabam afetan- do a vida da maioria. Há tempos estou convencido de que a modernização da gestão pública geralmente se produz quando seus temas saem do círculo restrito dos especialistas e passam para a esfera do debate público. Acredito que qualquer cidadão interessado no funcionamento das organizações públicas encontrará nestas páginas algumas reflexões úteis, quer concorde com elas ou não. Embora minha experiência tenha sido gestada principalmente no am- biente institucional espanhol, e este fato se transfira inevitavelmente para o que escrevo, o livro não foi produzido pensando apenas no leitor desse País. Ao contrário, tenho tentado fazer com que as análises e reflexões sejam, no fundo e na forma, acessíveis e úteis a leitores de outras latitudes. Como poderá com- provar quem siga adiante, tanto os modelos conceituais como os referenciais utilizados caracterizam-se por uma vocação de universalidade e uma orien- tação comparada. Em particular, teve-se presente a todo momento a possível utilidade do livro para os leitores latino-americanos. A freqüência e intensida- de dos contatos com governos e organizações públicas da Ibero-América ao longo dos últimos dez anos tornaram-me particularmente sensível à maneira de tratar a questão pública que caracteriza essa parte do mundo, tão distante e tão próxima. A probabilidade de que este livro seja de interesse será tanto maior quan- to mais aberto à mudança for o espírito com que se empreenda sua leitura. No IDGP da Esade adotamos como sinal de identidade um compromisso com os inovadores do setor público. Este compromisso está presente no livro, que incorpora nossa crença na questão pública, em seu papel insubstituível para o bem-estar e o progresso de nossas sociedades, mas também no seu imenso potencial de melhora, imprescindível para adaptar-se às exigências de uma de- manda social intensa e mutante. O livro aborda um assunto de especial complexidade. Há questões para as quais o desenvolvimento científico e tecnológico acabou criando protocolos de respostas predeterminadas. As incidências relacionadas à gestão das pessoas costumam pertencer, ao contrário, àquela categoria de problemas que Schuma- cher chama de divergentes; aqueles que, quanto mais conhecimento especia- lizado incluem, mais soluções possíveis admitem. Além disso, em matéria de
  • 18. 18 MÉRITO E FLEXIBILIDADE recursos humanos, essas soluções são quase sempre a médio ou longo prazo, o que obriga a adotar decisões cujo êxito ou fracasso não pode ser verificado imediatamente. Por outro lado, as questões que afetam as pessoas e seu traba- lho costumam ser objeto de pontos de vista diferentes, que refletem a diver- sidade de interesses e valores dos grupos humanos afetados. O conflito com freqüência faz parte da situação. A necessidade de harmonizar na medida do possível as preferências e expectativas de uns e outros obriga a assumir uma vi- são não dogmática das coisas ou, o que dá no mesmo, um enfoque contingente das respostas. O peso do contexto, do situacional, é determinante, o que reduz o valor prescritivo do precedente e obriga a investir em diagnóstico. A capaci- dade para ler adequadamente cada realidade concreta, com as singularidades e matizes que lhe são inerentes, é uma condição do sucesso. Toda esta complexidade normalmente aumenta nos ambientes públicos pelo peso que a dimensão política tem neles. A gestão pública das pessoas é um território intrincado, onde é fácil perder-se. Este livro pretende fornecer ele- mentos de orientação que tornem mais fácil transitar por esse território, mas não a qualquer preço. Não quisemos oferecer ao leitor uma viagem organizada, daquelas que levam a passar de um ponto a outro através de um itinerário pré- fixado, tornando mais cômoda a vida do viajante à custa de selecionar para ele umas poucas porções de realidade e apresentá-las superficialmente. Optou-se de forma deliberada por outro enfoque: aquele que tenta apresentar as coisas em toda a sua complexidade, procurando ao mesmo tempo oferecer as pistas e referências possíveis para facilitar uma leitura adequada da realidade nos di- ferentes contextos. Assim, o livro é mais uma bússola ou, quando muito, um mapa, uma carta de navegação, que o viajante-leitor deverá usar segundo suas circunstâncias e conveniência. O QUE O LIVRO CONTÉM E COMO FOI ORDENADO Meu objetivo principal ao empreender a tarefa de escrever este livro era apresentar o modelo global de gestão pública das pessoas que venho utilizando e aplicando há anos na docência, na pesquisa e na consultoria, para projetar depois sobre ele uma análise das principais tendências de mudança que as or- ganizações do setor público enfrentam em nossos dias. Na hora de fazer isso, deparei-me com a necessidade de contextualizar este propósito num quadro mais amplo: o da gestão das pessoas no setor público, qualquer que seja a natu- reza destas, isto é, incluindo entre elas, de modo bem destacado, as empresas e organizações do setor privado.
  • 19. INTRODUÇÃO 19 A essa finalidade foi dedicado o capítulo 1, cujo objetivo é oferecer uma panorama geral, obrigatoriamente sintético, dos aspectos e tendências apre- sentados pela gestão dos recursos humanos nas sociedades atuais. Para chegar a esse ponto, foi necessário abordar primeiro uma série de mudanças cuja na- tureza, de algum modo, faz com que precedam a gestão como tal; nos últimos anos elas transformaram substancialmente o universo do trabalho humano, tanto em sua dimensão formal como nos elementos intangíveis que fazem par- te da relação de emprego. Portanto, em linhas gerais, descrevemos esse cenário cheio de paradoxos e claros-escuros, para, a partir dele, explorar as principais orientações que podem ser reconhecidas como tendências de fundo de nossa época, tanto na literatura da gestão como na prática empresarial. A noção de flexibilidade, característica das abordagens contemporâneas à gestão das pes- soas, aparece aqui pela primeira vez e nos acompanhará ao longo de todo nos- so percurso posterior. A introdução a esses conteúdos nos obrigava, por sua vez, a entrar na exploração do que o emprego público tem de específico. A pergunta é: em que se apóiam, na realidade, os aspectos singulares, as diferenças que fazem com que as mudanças e as orientações de gestão mencionadas no primeiro capítu- lo cheguem de forma distinta ou matizada às organizações do setor público? Desta questão vamos nos ocupar no capítulo 2, que apresenta e desenvolve a noção de função pública (tratada expressamente como sinônimo de “serviço civil”, termo mais usado em certas latitudes). Elucidar o que é e o que não é função pública nos parecia imprescindível para precisar até que ponto a gestão do emprego público e das pessoas que o integram deve ser entendida como um território singular. É aqui que aparece e é desenvolvida a idéia do mérito e da necessida- de de garanti-lo para tornar possível a existência de administrações profissio- nais. O profissionalismo da administração pública é um atributo exigido tanto pela segurança jurídica como pela eficácia dos serviços públicos, e requer um conjunto de arranjos institucionais que a preservem e a protejam. Determinar onde termina neles a proteção dos bens de interesse geral e onde começa a dos privilégios corporativos dos funcionários será uma questão que teremos que elucidar em cada caso. Nesse capítulo é examinada a natureza distinta desses arranjos em diferentes países e ambientes, e são apresentados assim os traços básicos dos diferentes modelos de função pública. Este parecia o ponto adequado para expor o modelo de gestão que esta- mos propondo. A isso dedicamos o capítulo 3. Nele, definimos a gestão dos recursos humanos como um sistema integrado, colocado a serviço da estraté- gia organizacional, cujo objetivo é produzir resultados que estejam de acordo
  • 20. 20 MÉRITO E FLEXIBILIDADE com ela. Conseguir essa sintonia estratégica é particularmente complicado nos ambientes públicos, cujas características de ambigüidade e instabilidade con- duzem ao “dilema da estratégia”, que abordamos neste ponto – e que constitui sem dúvida o principal obstáculo que o gestor público encontra em sua tarefa. Por outro lado, falar de resultados obriga-nos a precisar primeiro o alcan- ce da noção e a explorar depois os elementos que relacionam as pessoas com os resultados. As políticas e práticas de gestão das pessoas produzem resultados graças a seu impacto sobre duas variáveis principais: o dimensionamento dos recursos humanos, de um lado, e o comportamento dos indivíduos, de outro. Por sua vez, a influência sobre esta segunda variável – a conduta das pessoas no trabalho – se desenvolve por meio da gestão de dois fatores básicos: as compe- tências das pessoas e sua vontade de esforço ou motivação. São desenvolvidas nesse capítulo todas estas noções, inseridas nos cenários característicos da ges- tão pública, e, por último, são descritos, também a partir dessa perspectiva, os principais fatores situacionais que exercem influência em tudo isso. A apresentação do modelo continua no capítulo 4, que o desenvolve por meio da apresentação de sete subsistemas básicos: os de planejamento, organi- zação do trabalho, gestão do emprego, desempenho, compensação, desenvol- vimento e relações humanas e sociais. Foi acrescentada uma parte dedicada à organização da função de recursos humanos. Para cada um desses subsistemas, descreve-se em primeiro lugar seu objetivo ou finalidade fundamental, e de- pois detalham-se as relações existentes com os demais subsistemas, seguindo a orientação integrada à que fizemos referência. A seguir, identificam-se os processos e práticas nos quais eles se desdobram para alcançar suas finalidades. Foi incorporada para cada subsistema uma relação de pontos críticos, enuncia- dos como proposições de boa prática em cada um dos campos abordados, que pode ser utilizada como instrumento de comparação na análise e avaliação de experiências concretas de gestão. Finalmente, foram incluídas considerações específicas que a análise de cada subsistema deve levar em conta. Depois de apresentado o modelo de gestão, o passo seguinte é identificar as tendências de mudança que estão sendo produzidas nos sistemas e organi- zações do setor público de nossa época. As últimas duas décadas foram o cená- rio de numerosas transformações na gestão pública das pessoas, especialmente nos países do mundo desenvolvido. Dessas reformas, cujo alcance e profundi- dade têm sido bastante desiguais, assim como das dinâmicas abertas por elas, ocupamo-nos no capítulo 5. De novo, o lema da flexibilidade nos aparece aqui como um fio condutor de boa parte das orientações de mudança. Para apresen- tá-las, começamos descrevendo o diagnóstico que lhes deu fundamento, cujos conteúdos se inserem nas orientações próprias do discurso pós-burocrático
  • 21. INTRODUÇÃO 21 ou gerencialista da chamada “nova gestão pública”. Abordamos depois o sen- tido das mudanças, detalhando as estruturas e políticas que têm sido objeto preferencial das transformações, assim como a direção e o alcance destas nos diferentes cenários institucionais, e concluímos com uma série de reflexões a título de balanço. Algumas das mudanças identificáveis nas reformas mencionadas conver- gem para um tema ao qual, por sua especial importância para a gestão pública contemporânea, demos um tratamento diferenciado. Trata-se do surgimento, desenvolvimento e consolidação da gerência pública ou direção pública pro- fissional. Dedicamos a esse tema o capítulo 6, no qual, depois de descrever o fenômeno e seu significado, no contexto das reformas da gestão pública antes apontadas, fazemos nosso o modelo de exercício da função dirigente divulga- do por Mark Moore e seus colegas da Kennedy School de Harvard, e tentamos definir as bases por meio das quais ele pode ser incorporado ao desenho ins- titucional dos sistemas públicos. Apresentamos para isso um quadro de res- ponsabilidade voltado para a direção pública, integrado por quatro elementos básicos: um âmbito discricionário, um sistema de controle e prestação de con- tas, um regime de prêmios e sanções, e um conjunto de valores de referência. Abordamos em seguida a nada fácil tentativa de identificar um espaço dirigen- te profissional, o que nos leva a explorar a delimitação entre cargos políticos e dirigentes, para o que propomos um modelo contingente baseado na análise de quatro variáveis básicas. O capítulo termina com uma reflexão a respeito das áreas nas quais se deveria intervir para alcançar um grau aceitável de institu- cionalização da gerência pública. O capítulo 7 e último é dedicado à identificação dos principais desafios oferecidos atualmente pela gestão das pessoas nas organizações do setor pú- blico. Isso obriga a examinar, de saída, uma das situações possíveis: a de uma eventual minimização progressiva do emprego público como conseqüência da tendência de privatizar a gestão dos serviços públicos, o que sem dúvida tira- ria importância dos esforços voltados para reformá-lo. Descartada essa opção, e argumentada a necessidade decorrente de investir na melhora dos sistemas públicos de gestão do emprego e dos recursos humanos, abordam-se alguns eixos prioritários de intervenção, ordenados pelos diferentes subsistemas que foram descritos anteriormente. Alude-se depois à mudança nas regras do jogo, tanto formais como informais, que essas mudanças exigem. Por último, inclui- se uma parte destinada a explorar os desafios do futuro, passando em revista primeiro as competências que será necessário incorporar e desenvolver nos sistemas públicos, para concluir enunciando os temas que estão convocados a configurar a agenda dos próximos anos.
  • 22. 22 MÉRITO E FLEXIBILIDADE O livro finaliza com um breve epílogo para onde convergem dois grandes eixos, em torno dos quais se dá a reflexão de fundo, ou seja, os dois atributos essenciais que, a nosso ver, devem ser incorporados por qualquer sistema pú- blico de gestão das pessoas: mérito e flexibilidade. A idéia que articula esta reflexão final é que ambos os componentes devem ser tratados como dois prin- cípios condutores complementares que, longe de competir entre si, se reforcem reciprocamente. Como ler este livro? Para quem disponha de tempo e interesse, a reco- mendação é que o faça pela ordem em que acabamos de apresentar o conteúdo. Afinal, é a forma pela qual organizamos nossas idéias e construímos o discurso subjacente aos diferentes temas. No entanto, não é a única maneira possível de fazê-lo e, portanto, sugerimos outras opções. O leitor interessado em conhecer imediatamente o marco conceitual em que se assenta nossa visão do assunto pode começar a leitura diretamente pelo capítulo 3 e completá-la com a do 4. A partir daí, fica a seu critério, se desejar, selecionar, nos demais capítulos que integram o sumário, aquelas matérias que despertem especialmente seu interesse, sem que a ordem em que o faça acarre- te, a nosso ver, maiores problemas de compreensão. Por sua vez, os leitores cujo interesse principal prescinda dos aspectos mais teóricos e se concentre nas tendências de mudança no emprego público, podem começar pelo capítulo 5, continuar com a primeira parte do 6 – a que apresenta a eclosão da administração pública – e terminar com o 7. Se dispu- serem de um pouco de tempo, provavelmente lhes será útil ler antes o primeiro capítulo, destinado, como dissemos, a situar as mudanças num contexto mais amplo que o do setor público em sentido estrito. Em todo caso, se um leitor, qualquer que seja a seqüência escolhida, de- seja aprofundar a noção de mérito, que é, como temos dito, um dos elementos básicos de qualquer sistema de gestão pública das pessoas nos estados demo- cráticos de direito, encontrará no capítulo 2 os modelos conceituais e os argu- mentos correspondentes.
  • 23. 1. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS Este primeiro capítulo destina-se a apresentar um panorama geral das principais tendências atuais da gestão do emprego e dos recursos humanos. O propósito é caracterizar a situação global em que hoje se situa o emprego público, cuja gestão constitui a reflexão principal do livro. Os aspectos e as orientações aqui descritos pretendem, portanto, servir de referência ou de con- traponto a esse assunto central. A necessidade de apresentar uma realidade multifacetada e complexa num espaço limitado obriga a desenhar este pano de fundo com uma técnica de grandes traços, ou seja, a dar prioridade à síntese em lugar da profundidade analítica, à concisão em vez da riqueza expositiva. Tudo isso priva inevitavelmente o resultado de desenvolvimentos e de matizes que teriam exigido uma extensão maior. A NOVA PREEMINÊNCIA DAS PESSOAS Entre os numerosos trabalhos que nos últimos anos tratam de interpretar as mudanças sociais, tentando vislumbrar o futuro das sociedades e de suas organizações, seria difícil encontrar algum que não tenha destacado o valor do fator humano. Na nossa época, pelo menos para aqueles que escrevem sobre ela, as pessoas importam. Desde a sobrevivência ou o crescimento empresa- rial até a própria competitividade das nações, os grandes objetivos de qualquer projeto coletivo contemporâneo parecem depender em boa medida da correta provisão, desenvolvimento e utilização do capital humano. A preeminência das pessoas é destacada por abordagens de caráter muito diferente. Os enfoques quantitativos costumam colocar ênfase na magnitude do investimento e na ne- cessidade de garantir taxas de retorno adequadas. As abordagens qualitativas sublinham mais a conexão dos recursos humanos com a produção de vanta- gens competitivas, destacando seu vínculo com o desenvolvimento do conhe- cimento, a inovação tecnológica e a gestão da complexidade; fatores, todos eles, determinantes do sucesso das empresas e das sociedades atuais. Os livros e revistas de management repercutem esta coincidência e têm sido o veículo de uma abundante produção teórica que revalorizou a gestão das pessoas, entronizando-a entre as práticas empresariais de valor estratégico. A importância do ativo humano tem fundamentado orientações de mudança que
  • 24. 24 MÉRITO E FLEXIBILIDADE atravessam a estrutura da empresa em todas as direções. Para cima, aumentan- do as opções básicas relacionadas com as pessoas no nível das decisões estra- tégicas. Para os lados, produzindo transferências de responsabilidade a partir das unidades especializadas até a linha de comando. Para baixo, por meio de processos de delegação (empowerment) destinados a incrementar o poder de decisão nos níveis em que se produz a interação com o mercado. Paralelamen- te, e congruentemente com tudo isso, as políticas de pessoas se orientam para a gestão do talento e o compromisso dos indivíduos. Dispor dos melhores a cada momento e alinhar seus objetivos vitais com os da empresa passam a ser os objetivos centrais. Sem dúvida, em toda esta explosão há influências da moda, como tantas vezes ocorre no mundo da gestão empresarial. Com freqüência, as invocações retóricas da importância das pessoas maquiam apenas práticas de gestão que as desmentem contundentemente. Perto de nós, o número de pessoas em trabalho precário e em aposentadoria antecipada e prematura seria uma mostra disso. O desperdício desse ativo humano supostamente estratégico é ainda mais evi- dente nos abundantes exemplos de redução de pessoal ou downsizing que nos últimos anos têm proliferado em muitas empresas do mundo desenvolvido. Freqüentemente, tais processos têm sido menos uma resposta a situações de crise, ou medida de estrito saneamento de custos, e mais a conseqüência de sucessivas operações de reengenharia destinadas à eliminação de qualquer apa- rência de gordura, resultante das cifras de pessoal. São fatos que deixam patente o sucesso conseguido por uma visão de “empresa flexível”, que interioriza uma obsessão por converter todas as pessoas, e a todo momento, em custo variável. A vinculação dos incentivos (compensação, carreira etc.) da alta direção das empresas à rentabilidade econômica a curto prazo, característica da filosofia de gestão que coloca ênfase na “criação de valor para o acionista”, ou a utilização de técnicas contábeis EVA (Valor Econômico Agregado), que ponderam nos resultados o custo de oportunidade dos ativos fixos utilizados, criaram nos ges- tores a tendência a evitar qualquer investimento de caráter estrutural (Cappelli e outros, 1997, p. 38 e seguintes.), acentuando assim essas tendências. Em geral, a tensão entre a visão de médio e de longo prazo exigida pelas políticas de recursos humanos e a lógica reativa e a curto prazo com que são adotadas habitualmente as decisões nos turbulentos ambientes empresariais de nossos dias é uma fonte de dificuldades para aqueles que querem situar as pes- soas no centro do cenário. Por sua vez, explica porque essa nova preeminência das pessoas não é tanto uma característica comum, generalizável às empresas atuais, e sim um traço diferenciador daqueles projetos empresariais com autên- tica vocação de sustentabilidade. Só quando se busca o sucesso a longo prazo é
  • 25. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 25 que se está disposto a avaliar adequadamente investimentos que, como ocorre com freqüência com os de capital humano, oferecem um retorno consideravel- mente demorado no tempo. Ainda mais contraditórias com as alegações de centralidade do capital humano são as operações de cirurgia de dotações, cuja finalidade é puramen- te o incremento conjuntural da capitalização na bolsa. Como soube ver Sen- nett (2000, p. 52), o mero anúncio da reorganização de uma empresa eleva o valor da ação. Quando se incluem drásticas reduções de pessoal, a eficácia do fenômeno é ainda maior. O acesso a cotas estratégicas da propriedade das empresas por parte de “investidores institucionais” – cujo interesse não é promover projetos empresariais sustentáveis mas especular a curto prazo nos mercados de capitais – favorece a ampliação do fenômeno. Assim, temos observado às vezes, nos últimos anos, como esses anúncios de redução são impudicamente divulgados, justamente nas épocas de maior bonança nos re- sultados empresariais. De qualquer modo, sem negar o quanto de contraditório tem a situação exposta, a centralidade estratégica das pessoas nas organizações contempo- râneas abre caminho para além da retórica do fashion management e de seu aproveitamento por mero interesse. O volume de recursos de diversas origens aplicado pelas empresas à gestão dos recursos humanos cresceu significativa- mente. A posição interna da função de recursos humanos cresceu de nível e status organizacional. A consultoria estratégica de recursos humanos tem se consolidado como um setor de serviços profissionais em alta, para além das oscilações conjunturais derivadas do ciclo econômico. Novas práticas de ges- tão, impregnadas dessa atribuição de valor ao ativo humano, abrem caminho na realidade de muitas empresas. Quais são essas orientações emergentes da gestão das pessoas? Até que ponto questionam paradigmas enraizados no funcionamento e na cultura das organizações? Antes de tentar um esboço de resposta a estas questões, parece necessário examinar algumas mudanças importantes produzidas, ao longo dos últimos anos, no mundo do trabalho. AS MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO Um conjunto de mudanças de amplo alcance alterou ao longo das duas últimas décadas, nas economias e nas sociedades do mundo desenvolvido, o contexto do trabalho humano (Bridges, 1995; Giarini e Liedtke, 1996; Brews- ter e outros, 1997; Cappelli e outros, 1997; Fundación Encuentro, 1998; Pfeffer,
  • 26. 26 MÉRITO E FLEXIBILIDADE 1998b; Navarro, 1999; Sennett, 2000; Beynon e outros, 2002). São transforma- ções que não advêm, no entanto, de uma causa única. O vertiginoso desen- volvimento tecnológico, especialmente o produzido no campo da informação e das comunicações, mas também aquele que afetou a biogenética e as fontes energéticas, tem sido sem dúvida um dos fatores decisivos. A mundialização dos intercâmbios de toda ordem, a maciça incorporação das mulheres ao tra- balho, assim como a crise dos valores da modernidade, que desde a revolução industrial e durante muitas décadas formaram o substrato cultural das empre- sas e das sociedades, são também fatores poderosos de mudança, amplamente destacados pela literatura sociológica contemporânea. As transformações às quais nos referimos afetaram tanto a estrutura das relações no ambiente de trabalho (entendendo como tal o conjunto de elemen- tos formais ou formalizáveis dessas relações), como a cultura subjacente, isto é, os aspectos intangíveis: modelos mentais, valores dominantes, normas de con- duta etc. São mudanças de amplo espectro, que afetam as formas pelas quais as pessoas têm acesso ao mercado de trabalho, a sua experiência sobre o processo de trabalho e suas expectativas sobre segurança no emprego (Beynon e outros, 2002, p. 297). Enunciamos a seguir alguns dos aspectos que nos parecem mais destacáveis. O contrato de trabalho: em direção ao fim do taylorismo A uniformidade e padronização que caracterizava a relação de emprego da era industrial tornou-se em nossos dias diversidade e flexibilidade. Os pro- dutos ou serviços podem ser produzidos e distribuídos através de redes globais (Giarini e Liedtke, 1996, p. 194), o que criou uma tendência à redefinição e descentralização do lugar de trabalho. Os desenhos empresariais na rede esti- mulam o surgimento de novas modalidades de articulação das relações entre a organização e o trabalhador. O trabalho itinerante ou a distância abre caminho como uma fórmula que pode ser útil para ambas as partes. A redução de custos empresariais em infra-estrutura e espaço físico combina-se, para o trabalha- dor, com a disponibilidade flexível do próprio tempo, tão conveniente para os novos modelos de vida pessoal e familiar. Freqüentemente, essa remodelação do tecido contratual se fundamenta numa distinção entre trabalhadores essenciais, os que são vitais para produzir a vantagem competitiva a longo prazo e a sobrevivência da organização, e que portanto devem estar permanentemente empregados; e trabalhadores periféri- cos, aqueles cujos postos são menos importantes para a empresa e cujas habi-
  • 27. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 27 lidades podem ser compradas com maior facilidade externamente (Hegewish, 1999, p. 115), o que os sujeita com freqüência a políticas de alta rotatividade. Como conseqüência de tudo isso, o binômio dependência/autonomia do trabalho por conta alheia começa a ser conjugado de formas muito diversas. Múltiplos tipos de relação de emprego, nos quais os mecanismos de prestação e contraprestação se diversificam, substituem o contrato de trabalho tradicional. Os contornos dessas relações se esfumam e dão lugar a figuras – o trabalhador autônomo, o emprego em tempo parcial, o trabalhador designado através de uma empresa de trabalho temporário, o consultor de processos – que coexis- tem no ambiente de trabalho com os empregados que mantêm relações formais mais convencionais. O diretor de recursos humanos de nossos dias começa a não saber com clareza quem deve ser convidado para a festinha de fim de ano. O enfraquecimento do emprego estável Esse novo contrato de trabalho tende a perder uma parte considerável da estabilidade que o caracterizava. As conseqüências deste fato são de grande importância. Para compreender todo o seu alcance, é preciso recorrer à noção de “contrato psicológico”, entendido como o equilíbrio intangível subjacente à articulação formal da relação de emprego, e que se materializa no conjunto de percepções tácitas que são interiorizadas pelas partes dessa relação. O contrato psicológico subjacente à relação de trabalho da era industrial podia ser esquematizado como “lealdade em troca de segurança”. O trabalha- dor entregava seu esforço e se comprometia com os interesses e objetivos de sua empresa, que em contrapartida lhe assegurava trabalho estável e perspecti- vas de progresso profissional. Certamente, esse esquema básico admitia modu- lações em função do tipo e da cultura da empresa, que acentuavam ou diluíam o substrato paternalista do modelo, mas o núcleo deste podia ser considerado comum. A aspiração do trabalhador era encontrar “uma boa empresa”, ou seja, aquela que mais se ajustava ao padrão definido. Por sua vez, o empregador se esforçava por estimular no trabalhador o sentido de pertinência que caracteri- za uma relação deste tipo. Em nossos dias, esse edifício contratual desabou estrepitosamente. O trabalho para toda a vida praticamente desapareceu do horizonte de nossos trabalhadores, em especial dos mais jovens. A expectativa temporária de uma vida de trabalho se torna muito mais duradoura que o primeiro posto de tra- balho, e provavelmente mais que a própria empresa na qual se encontra o primeiro emprego. O ajuste entre a pessoa e o emprego se descentraliza, passa
  • 28. 28 MÉRITO E FLEXIBILIDADE a ser uma responsabilidade transferida exclusivamente ao indivíduo. Já se fo- ram os dias – afirma Supiot (2001) – em que as organizações empregadoras aceitavam de bom grado que, como compensação por assumir o controle e a direção da vida das pessoas, elas deviam assumir alguma responsabilidade sobre o emprego futuro e a segurança salarial de seus empregados. As pessoas encaram o trabalho, cada vez mais solitariamente, como um itinerário no qual a mudança de empregador será inevitável, o que provavelmente implicará ad- ministrar várias vezes, no percurso, processos de ajuste que terão o mercado de trabalho como cenário. O conceito que para alguns (Waterman e outros, 2000, p. 403) simbo- liza a nova relação, e redefine o contrato psicológico entre as organizações e seus empregados é o de empregabilidade, que significa (Pfeffer, 1998b, p. 162) que as empresas proporcionam trabalhos interessantes que ajudarão o traba- lhador a desenvolver sua capacidade, mas não prometem uma permanência a longo prazo no posto. Em seu lugar, a única promessa é que a experiência e as habilidades adquiridas irão abrir-lhe melhores possibilidades de encontrar emprego quando tiver necessidade de um novo. Como afirma Bridges (1995, p. 76), nessa nova relação a esfera do posto de trabalho, de ambos os lados da fronteira da organização, converte-se num mercado; manter alto seu valor de mercado será uma preocupação fundamental do trabalhador nos cenários do futuro. As “boas empresas” de nossos dias não seriam já as que prometem uma estabilidade que não está ao seu alcance, mas aquelas que garantem a manu- tenção e o desenvolvimento de uma alta empregabilidade, ou que pelo menos facilitam, caso necessário, a recolocação de seus empregados excedentes, utili- zando para isso os numerosos serviços de outplacement que começaram a ser oferecidos pela consultoria de recursos humanos. A capacidade de adquirir novos conhecimentos e habilidades será um ingrediente básico da emprega- bilidade. Processos contínuos de aprendizagem e desaprendizagem serão, por isso, consubstanciais em tais cenários. Do homo faber ao homo sapiens A entrada na sociedade do conhecimento pressupôs a conversão do ta- lento das pessoas num ativo crucial para as organizações (Obeso, 1999, p. 23 e seguintes). Este fato implica, por um lado, uma perda de peso do trabalho menos qualificado, que tende a mecanizar-se ou a ser providenciado fora. Por outro lado, tornou prioritária a captação e o desenvolvimento de trabalhadores qualificados, freqüentemente portadores da vantagem competitiva, cuja gestão
  • 29. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 29 exige formas e métodos muito diferentes dos que têm caracterizado as buro- cracias empresariais da era industrial. A capacidade de atrair, reter e motivar o talento impõe-se como um fator diferenciador da gestão contemporânea dos recursos humanos. A construção de uma boa “marca de empregador” con- centra já os esforços daquelas empresas que perceberam que é necessário ser competitiva no mercado do trabalho qualificado para sê-lo também naquele mercado para o qual produzem seus bens ou serviços. O que acabamos de dizer não pode nos levar a ignorar, se não quere- mos incorrer numa evidente simplificação da realidade, a existência de nu- tridos mercados periféricos de trabalho, nos quais se realizam as transações que afetam a mão-de-obra de inferior qualificação. A necessidade de gerenciar adequadamente tanto a relação com esses mercados como as pessoas que nu- trem esse segmento dos recursos humanos não pode ser ignorada. Esquecer dos “normais” – lembra Serlavós (1996, p. 10) –, sobre os quais descansa a res- ponsabilidade de assegurar e dar continuidade aos “primeiros da classe”, é um erro pelo qual os gestores de pessoas costumam pagar muito caro. Por isso, a idéia, amplamente difundida e divulgada, de que as empresas começaram a travar uma “guerra pelo talento”, não está isenta de contestações. Pfeffer (2001, p. 249 e seguintes) chama atenção para elas, destacando os se- guintes possíveis efeitos negativos dessa orientação: a) a ênfase no rendimento individual (glorificar as “estrelas”) pode criar concorrência interna destrutiva e enfraquecer o trabalho de equipe; b) exaltar os talentos dos de fora pode su- bestimar os de dentro; c) pode produzir um efeito de profecia auto-cumprida, conseguindo fazer com que certas pessoas cheguem a ser menos capazes de- pois de terem recebido sistematicamente menos atenção e recursos; d) tende a minimizar a importância das questões de ordem sistêmica e cultural e dos pro- cessos empresariais freqüentemente mais importantes para o sucesso do que o fato de encontrar o melhor, e e) pode desenvolver uma atitude arrogante e auto-satisfeita (já ganhamos a guerra, o melhor pessoal é o nosso) que deteriore significativamente a capacidade de percepção objetiva da própria organização. De qualquer modo, é indiscutível a afirmação de que em nossa época o talento das pessoas conta. Especialmente se não limitarmos nossa visão do talento à mera posse de conhecimento. O verdadeiro homo sapiens de nossos dias é aquele que, além de possuir conhecimento, dispõe da capacidade para contextualizá-lo, recriá-lo, aplicá-lo, codificá-lo, difundi-lo e compartilhá-lo. O que nos leva a um paradoxo, mais um, num universo como o do trabalho contemporâneo, repleto deles: nunca o conhecimento foi tão importante como hoje, e nunca como hoje, por contraditório que possa parecer, os componentes propriamente cognitivos do talento humano precisam ser, no entanto, mati-
  • 30. 30 MÉRITO E FLEXIBILIDADE zados e relativizados. Os conhecimentos devem estar vinculados à posse de qualidades sem as quais não produzem sucesso no trabalho. Como veremos a seguir, nas situações de trabalho atuais a noção de qualificação se enriquece, deixa de identificar-se com os conhecimento técnicos especializados e se es- tende (Dalziel, 1996, p. 32 e seguintes) a um conjunto mais amplo de compe- tências, no qual outras características humanas, especialmente as que possuem uma dimensão relacional, adquirem, cada vez mais, um significado determi- nante (Longo, 2002). Os paradoxos de um mercado de trabalho global Os países europeus têm vivido nos últimos anos um crescimento signifi- cativo do desemprego, que se converteu na principal preocupação dos governos (Conselho Europeu, 1997). Alguns países, dos quais a França é o exemplo mais destacado, desenvolveram planos nos quais o setor público desempenhava um papel relevante nos processos de aprendizagem e inserção no trabalho, ligados a novas oportunidades de emprego. Ainda hoje, na Espanha, o desemprego é, de longe, como revelam as pesquisas, a principal preocupação dos cidadãos. Paralelamente, e de modo paradoxal, o crescimento da demanda de em- pregados qualificados excedeu, às vezes muito, a capacidade do mercado de trabalho para provê-los. A crise generalizada dos sistemas educacionais acen- tuou esse desajuste que, embora tenha afetado principalmente os trabalhadores do conhecimento, acabou estendendo-se a setores de qualificação média da indústria e dos serviços, insuficientemente nutridos pelos sistemas regrados de educação profissional. Estudos recentes (Jiménez e outros, 2002) prognosti- cam para a Espanha, em poucos anos, como conseqüência principalmente da queda demográfica, um excedente de postos de trabalho oferecidos em todos os setores da atividade econômica. Se isso for certo, estaríamos, por contra- ditório que possa parecer em relação ao quadro atual, diante de uma situação iminente de endurecimento da concorrência entre as empresas no mercado de trabalho, especialmente no que se refere, como já dissemos, à captação de pessoal qualificado. Esta concorrência se desenvolve num mercado cada vez mais global, o que acentua seus aspectos mais paradoxais. Embora em alguns casos vejamos um acirramento, como apontávamos, da concorrência entre empregadores pela captação e retenção de talento, em outros – onde a interface entre tarefas e qualificações o permite – o que fica acirrado é a concorrência entre países e territórios pela captação das empresas, utilizando o custo do trabalho como
  • 31. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 31 elemento diferenciador. As práticas do que vem sendo chamado de dumping social (manutenção de salários baixos e condições de trabalho precárias para atrair investimentos) e os processos de “des-localização” de empresas (mudan- ças de sedes e de pessoal, à procura de custos de trabalho mais baixos) são fe- nômenos característicos dessas situações. Alguns especialistas têm destacado o efeito de tudo isso sobre o recorte dos direitos trabalhistas e o enfraquecimento da posição dos sindicatos (Giarini e Liedtke, 1996, p. 223). A reordenação do tempo de trabalho A dimensão temporal do emprego passou para o centro do cenário, re- estruturando as relações de trabalho (Supiot, 2001). No contexto empresarial fala-se de um novo sistema de concorrência centrado na economia do tempo, que leva em conta o tempo empregado para produzir bens, para inovar e para comercializar novos produtos e serviços (Beynon e outros, 2002, p. 122). A importância do tempo de trabalho vem se fundamentando num conjun- to de dinâmicas diferentes, e nem sempre interrelacionadas, que afetam tanto o sistema produtivo como o sistema social. Por um lado, os novos ambientes da empresa vêm exigindo, cada vez mais, uma capacidade flexível de resposta que as regulações padronizadas da jornada de trabalho não facilitam (Brewster e outros, 1997). As jornadas anualizadas – os contratos fazem constar um núme- ro anual de horas de trabalho, permitindo certas flutuações no horário mensal ou semanal para adaptar-se aos fluxos de demanda, estoques etc. –, as reservas de horas para trabalho imprevisto ou sazonal, a compensação de horas extras por tempo livre ou simplesmente o prolongamento não remunerado da jorna- da de trabalho – a mais comum e freqüentemente esquecida (Hegewish, 1999, p. 125) das modalidades de flexibilidade temporária – têm sido, entre outras, as fórmulas cada vez mais utilizadas nessa direção. Por sua vez, a reordenação do tempo de trabalho abriu caminho para melhoras de produtividade que funda- mentaram algumas tentativas de redução da jornada de trabalho, nos moldes das políticas públicas de luta contra o desemprego. Um modelo de novo pacto social chegou a desenhar-se em torno da organização de tempo de trabalho. A França foi o país que apostou mais forte nisso, embora as mudanças políticas tenham levado a uma certa reconsideração da iniciativa. Os processos de mudança neste campo foram acelerados, por outro lado, por fenômenos como a maciça incorporação da mulher ao trabalho, ou as ne- cessidades, que têm aumentado, de conciliar o trabalho com a vida pessoal e familiar, que estimularam modalidades de trabalho em tempo parcial, a dis-
  • 32. 32 MÉRITO E FLEXIBILIDADE tância, e outras (Fundación Encuentro, 1998, p. 174; Giarini e Liedtke, 1996, p. 236 e seguintes). Esta não foi, no entanto, uma tarefa fácil. Para alguns es- pecialistas, os trabalhadores devem se esforçar hoje mais por conservar seus empregos e por manter seu próprio tempo privado e familiar separado daquele que oferecem ao seu empregador (Perrons, 1998). Por sua vez, Sennett (2000, p. 61) destacou o caráter contraditório da flexibilização do tempo de trabalho, aparentemente desenvolvido de forma mais livre, mas igualmente controlado, embora de forma diferente: “Nas instituições, e para os indivíduos, o tempo foi liberado da jaula de ferro do passado, mas está sujeito a novos controles e a uma nova vigilância vertical”. Tudo isso levou, nesse terreno, a processos de ajuste, nem sempre fáceis, entre as necessidades empresariais e as preferência pessoais dos trabalhadores, cujo resultado tem sido, em geral, uma ampla diversificação e flexibilização dos modelos de jornada, que perderam uma boa parte da uniformidade e imuta- bilidade que caracterizava a ordenação dos tempos de trabalho nas empresas da era industrial. A empresa diversa, multicultural e individualizada A globalização rompe as barreiras e intensifica os movimentos da força de trabalho através das fronteiras nacionais. Esta intensificação dos fenômenos mi- gratórios está transformando aspectos substanciais das sociedades contemporâ- neas, especialmente no primeiro mundo. A plena incorporação das mulheres ao trabalho se une ao surgimento de minorias sociais em atividades produtivas que antes lhes eram vedadas. Numerosas e diferentes identidades grupais coabitam nos mesmos ambientes de trabalho. A Divisão de Assuntos Econômicos e So- ciais das Nações Unidas inclui, na noção de diversidade social na esfera do tra- balho, as diferenças de gênero, raça, etnia, religião, orientação sexual e aptidão psicofísica, assim como as que emanam do substrato e dos status familiar, eco- nômico, educacional e geográfico (Undesa-IIAS, 2001, p. 1). Certamente, não estamos mais falando apenas de fatos que afetam os níveis baixos da estrutura de tarefas das organizações, mas que começam a apresentar, como é inevitável num mundo globalizado, traços que se introduzem na gestão de profissionais e dirigentes e que atravessam toda a organização do trabalho. Estas situações transferem para a gestão das pessoas novas perguntas, a saber: como minimizar os aspectos negativos da diversidade sobre a capaci- dade dos grupos humanos para satisfazer as necessidades de seus membros e funcionar com eficácia? Como, paralelamente, maximizar os efeitos positivos
  • 33. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 33 da diversidade sobre a criatividade, a qualidade das decisões e a maior partici- pação na governabilidade organizacional? Como reduzir as diferenças entre os grupos de identidade concorrentes no lugar de trabalho e destacar os interesses comuns, ao mesmo tempo em que se avaliam e se apreciam as contribuições originadas justamente da diversidade social? Como assegurar uma adaptação rápida e suficiente das políticas e práticas de pessoal a fim de garantir que o tra- balho se converta num ambiente acolhedor para empregados que no passado ficavam excluídos? (Ospina, 2001, p. 21). A gestão da diversidade passa a converter-se assim num imperativo orga- nizacional e num novo desafio para os gestores. Por sua vez, incorpora novas oportunidades, que não devem ser ignoradas. A flexibilidade funcional exigi- da pela empresa atual, como assinalaremos mais adiante, requer a diversidade funcional, ou seja, a diversificação de características humanas relevantes para o desempenho, tais como as diferenças em conhecimentos, habilidades, capa- cidades, valores, atitudes, personalidade e estilos cognitivos e de conduta. Pois bem, alguns especialistas têm destacado que a diversidade funcional se nutre em boa medida da diversidade social, enquanto a resistência a admiti-lo reduz as oportunidades de encontrar as pessoas mais adequadas no momento devido (Schneider e Northcraft, 1999). Trata-se de fenômenos que, como outros que temos apontado, não só requerem uma atenção específica e o desenvolvimento de um instrumental de gestão ad hoc, como, principalmente, uma mudança de modelos mentais. Provavelmente, a própria noção de identidade grupal começa a ficar para nós insuficiente para explicar a verdadeira diversidade da empresa contemporânea. A expressão “empresa individualizada” (Ghoshal e Bartlett, 1997) fala-nos de um passo a mais: o necessário para destacar o indivíduo como o verdadeiro protagonista da diversidade no trabalho. No fundo, o que está acontecendo é que o trabalho humano deve começar a ser visto como um território povoa- do por pessoas, cada uma das quais – sem prejuízo das múltiplas identidades de grupo, freqüentemente assimétricas e sobrepostas, e dos aspectos comuns que as assemelham em certas coisas – apresenta características próprias. Cada trabalhador expressa interesses e preferências que se desprendem especifica- mente dessa individualidade. Podemos colocar isso da seguinte forma, embora soe redundante: as organizações de nossos dias necessitam cada vez mais de uma gestão personalizada das pessoas. Talvez a biogenética resolva um dia o problema da diversidade da força de trabalho, mas por enquanto o mundo do trabalho se tornou cada vez mais fluido, paradoxal, fragmentado, heterogêneo; e sua gestão, forçosamente, tende a se tornar cada vez mais flexível, individua- lizada e complexa.
  • 34. 34 MÉRITO E FLEXIBILIDADE AS NOVAS ORIENTAÇÕES DA GESTÃO DAS PESSOAS Agora, sim, é o momento de nós nos perguntarmos sobre a influência de todas estas mudanças nas convicções e nas tendências que caracterizam a gestão contemporânea das pessoas. Trata-se de uma pergunta que não tem resposta fácil. Não existe atualmente um modelo indiscutível, um paradigma dominante ao qual possamos nos referir; pelo contrário, a teoria da gestão de recursos humanos apresenta a aparência de um fórum ou ágora na qual se en- trecruzam debates e propostas de feição diferente. Apesar de tudo, é possível, sim, apontar para algumas tendências que, pela intensidade e extensão com que parecem estar influenciando as práticas reais das organizações, podem ser vistas como enfoques que transcendem as modas do management e merecem por isso ser consideradas como orientações de fundo no período em que vive- mos. Vamos a seguir apontá-las de modo breve e sistemático, advertindo que não se tratam de enfoques antagônicos, mas freqüentemente complementares, embora não isentos de certos elementos contraditórios. A forma pela qual os apresentamos obedece à pretensão de introduzir uma sistemática que facilite a leitura, mas não implica desconhecer as abundantes inter-relações e sobrepo- sições que existem entre eles. O lema da flexibilidade Se uma única palavra pudesse servir como lema das orientações contem- porâneas do emprego e dos recursos humanos, e isso tanto na literatura sobre gestão como nos ambientes acadêmicos e empresariais, essa palavra seria sem dúvida “flexibilidade”. Flexibilidade é um termo carregado de significados pos- síveis que, como costuma ocorrer, entram às vezes em conflito. Vale a pena, por isso, fazer um esforço para esclarecer de que coisa, ou melhor, de que coisas estamos falando quando o utilizamos neste campo. O debate contemporâneo sobre a flexibilidade no trabalho inicia-se na Europa no final da década de 1970 e no início da de 1980 (Farnham e Horton, 2000, p. 7), ligado a um conjunto de fatos sociais entre os quais se encon- tram: 1) a mudança nos mercados mundiais e o incremento da concorrência global; 2) a mudança tecnológica, especialmente a registrada no campo da informação e das comunicações; 3) a volatilidade dos mercados de produto; 4) o desemprego crescente, e 5) o trânsito da economia industrial para a cha- mada era pós-industrial. São cenários que afetam diversos atores sociais, em torno de um conjunto de questões como a educação e a formação continuada,
  • 35. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 35 a legislação social, os sistemas salariais, a jornada de trabalho, a igualdade de oportunidades e a flexibilidade das organizações de serviço público (Comis- são Européia, 1997). O paradigma da “empresa flexível” (Atkinson e Meager, 1986, p. 2-11), supostamente capaz de fazer frente ao conjunto de desafios que derivam de tais cenários, incorpora diversos tipos de flexibilidade no que se refere à gestão dos recursos humanos. ■ A flexibilidade numérica, definida como a capacidade das companhias para ajustar o número de trabalhadores ou de horas de trabalho às mudanças ocorridas na demanda. ■ A flexibilidade funcional, ou capacidade de reorganizar as competências associadas aos empregos, de maneira que os titulares dos postos possam desenvolvê-las através de um leque de tarefas ampliado horizontalmente, verticalmente ou em ambos os sentidos. ■ O “distanciamento”, concebido como a substituição de contratos de trabalho por contratos mercantis ou pela subcontratação, a fim de concentrar a orga- nização na vantagem competitiva ou encontrar fórmulas menos onerosas de administrar as atividades não nucleares. ■ A flexibilidade salarial, que se identifica com a capacidade da empresa para conseguir que suas estruturas de retribuição estimulem a flexibilidade fun- cional, se revelem competitivas no que respeita às competências mais escas- sas no mercado de trabalho e recompensem o esforço e desempenho indi- vidual dos empregados. Implícitas neste conjunto de enunciados (em sentido similar, Institute of Personnel and Development, 1994), encontramos duas visões da flexibilidade, presentes, em doses variáveis, nos processos e discursos de mudança dos siste- mas de gestão das pessoas. Embora não se tratem, em sentido estrito, de visões reciprocamente excludentes, elas costumam corresponder aos enfoques domi- nantes de gestão adotados em cada caso. A primeira dessas visões da flexibilidade ancora-se numa percepção do- minante das pessoas como restrição e se centra na redução dos custos de pes- soal. Ela combina com os discursos empresarias da reengenharia, da redução de pessoal (downsizing), das competências-chave e da empresa em rede, e se orienta principalmente para a detecção e eliminação de excedentes e para a conversão dos custos de pessoal, fixos em variáveis. A segunda visão tende a perceber as pessoas mais como oportunidade, e coloca a ênfase na flexibilida- de da Gestão de Recursos Humanos (GRH) como apoio à criação de valor por parte das pessoas. Sintoniza-se com os discursos empresariais da qualidade
  • 36. 36 MÉRITO E FLEXIBILIDADE total (Fundação Européia para a Gestão da Qualidade, 1999), do nivelamento de estruturas e da promoção de autonomia pessoal para decidir (empower- ment), ou com as práticas de alto desempenho (Pfeffer, 1998b, p. 44 e seguin- tes), e se orienta principalmente para a melhora qualitativa das políticas de recursos humanos, especialmente das mais relacionadas com o envolvimento e o compromisso das pessoas. Em sentido análogo, faz-se distinção entre uma gestão de recursos humanos “dura”, caracterizada por uma aproximação mais instrumental e uma ênfase clara na minimização dos custos, e uma “bran- da”, integrada pelo conjunto de políticas destinadas a maximizar a integração organizacional, o compromisso dos empregados e a qualidade do trabalho (Storey, 1995). Sob um prisma diferente, o das preferências e expectativas dos atores em jogo, outras duas visões são possíveis e necessárias (Ridley, 2000, p. 33). De um lado, do ponto de vista dos interesses das organizações, a flexibilidade se rela- ciona com os mecanismos por meio dos quais se consegue que as estruturas organizacionais, os processos de trabalho e as práticas de pessoal incrementem o controle dos gestores sobre os recursos humanos. De outro, a partir da pers- pectiva das pessoas, a flexibilidade tem a ver com as mudanças que habilitam os trabalhadores a exercer maior controle sobre suas vidas, como ocorre, para citar um só exemplo, com a relação entre a maternidade e o uso do emprego em tempo parcial. Levando em conta esta ambivalência, afirmou-se que o desenvolvimento das novas modalidades de emprego flexível pode ser considerado em parte como o resultado da mútua interação de fatores situados no lado da oferta e no da demanda (Beynon e outros, 2002, p. 123). Ambas as dimensões contri- buem, em proporções a serem determinadas em cada caso, para as mudanças nos sistemas de GRH. Em algumas ocasiões, são perspectivas compatíveis e complementares que se reforçam reciprocamente. Às vezes, no entanto, en- tram em conflito e obrigam os gestores a definir opções que privilegiam uma ou outra. Seja como for, a orientação dos sistemas de gestão do emprego e dos re- cursos humanos para a flexibilidade não deve se dar à custa da perda de conti- nuidade e coesão. Um excesso de flexibilidade pode produzir danos (Lundblad e outros, 1996), como um comportamento organizacional anárquico, uma li- derança enfraquecida pela dificuldade de exercê-la sobre pessoas cujo vínculo com o posto é fraco ou por uma cultura organizacional dispersa, fragmentada e pouco comprometida com o propósito comum. Mayrhofer (1996) utilizou o exemplo da coluna vertebral para tornar visível a necessidade de que as or- ganizações adaptáveis combinem, em proporções adequadas, elementos flexí-
  • 37. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 37 veis e rígidos. Richards (1995, p. 16) nos lembra por sua vez que a flexibilidade não equivale à pura reatividade diante de estímulos externos, nem pressupõe a carência de uma estratégia de recursos humanos. Ao contrário, devem ser levadas em consideração as necessidades da política de pessoal a longo prazo e integrar as diferentes partes da gestão de recursos humanos num sistema mais flexível. Por isso, “[...] flexibilidade e estratégia não se contrapõem: se dão a mão”. A gestão por competência As idéias sobre a gestão por competência impregnaram a GRH ao longo das duas últimas décadas, a ponto de alguns autores chegarem a falar de uma mudança de paradigma que substituiria uma organização baseada no posto por uma organização baseada nas competências (Lawler, 1994). A noção de competência aparece na gestão contemporânea dos recursos humanos a partir de uma série de estudos empíricos desenvolvidos nos Esta- dos Unidos em princípios da década de 1970. Um artigo de McClelland em The American Psychologist, do ano de 1973, é considerado por alguns como o momento fundacional dessa orientação. Esses estudos constatam o víncu- lo existente entre o sucesso no trabalho (resultados obtidos pelas pessoas no trabalho) e a prática reiterada de uma série de comportamentos observáveis no contexto de sua atividade produtiva. A exploração e identificação desses comportamentos, assim como sua análise por meio de certas técnicas, os re- lacionam com a posse de determinadas qualidades ou características pessoais. É descoberta transcendente que tais qualidades vão além dos conhecimentos técnicos especializados, tradicionalmente considerados determinantes da qua- lificação profissional, para penetrar em motivos, traços de caráter, conceitos de si mesmo, atitudes ou valores, habilidades e capacidades cognitivas ou de conduta. Isso leva McClelland a desqualificar os exames e provas tradicionais como prenunciadores do sucesso no trabalho. A McBer Associates, consultoria criada por McClelland, elaborou para diferentes companhias norte-america- nas modelos de competências baseados neste enfoque. Em 1982, um dos membros da McBer, Richard Boyatzis, desenvolveu por encomenda da American Management Association uma pesquisa cujo objetivo era identificar as competências que diferenciam os managers excelentes dos que produzem resultados meramente aceitáveis, e estes últimos dos menos bem- sucedidos. Participaram deste estudo 1.800 dirigentes, titulares de 41 postos diferentes e pertencentes a 12 companhias. A publicação desse estudo contém
  • 38. 38 MÉRITO E FLEXIBILIDADE a definição, já clássica, das competências como “características subjacentes a uma pessoa, causalmente relacionadas com uma atuação de sucesso num posto de trabalho” (Boyatzis, 1982). Embora a pesquisa identificasse dezenove com- petências genéricas que os dirigentes deveriam possuir (mais tarde esse dicio- nário genérico seria refinado e ampliado por seu autor), Boyatzis enfatizou desde o primeiro momento o peso do contexto, sublinhando a necessidade de definir modelos de competências próprios de cada organização. Em estreita relação com este enfoque encontra-se a noção de “inteligência emocional”, popularizada pelo best-seller de Goleman (1996). A inteligência emocional foi definida como “uma forma de inteligência social que inclui a ca- pacidade de manejar os sentimentos e emoções próprios e os dos outros, fazer distinção entre eles e usar essa informação como guia dos próprios pensamen- tos e ação” (Salovey e Mayer, 1990). Num desenvolvimento mais recente, em que esta noção foi aplicada à análise da liderança, sustentou-se que 80 a 90% das competências, que permitem distinguir os líderes que se sobressaem, per- tencem ao domínio da inteligência emocional, e não às capacidades cognitivas (Goleman, Boyatzis e McKee, 2002, p. 306). A gestão por competência pressupõe sua utilização como um padrão ou norma para a seleção de pessoal, o planejamento de carreiras e a sucessão, a avaliação do desempenho e o desenvolvimento pessoal (Hooghiemstra, 1992). Este enfoque converte as competências num eixo central dos sistemas de ges- tão das pessoas, tal como hoje são entendidas e praticadas num número cres- cente de empresas e organizações de todo tipo. Como já apontamos, entramos numa época em que os conhecimentos especializados adquiridos num certo momento vêm sua vida útil se reduzir progressivamente, enquanto os proces- sos permanentes de aprendizagem e re-qualificação são vistos como inerentes ao sucesso no trabalho. Parece razoável pensar que as competências genéricas, que tornam possíveis esses processos de ajuste, podem chegar a ter tanta ou mais importância que o grau de saber técnico específico possuído num mo- mento dado. Se esta é uma reflexão importante para os indivíduos, já que está ligada à sua empregabilidade, não o é menos para as empresas, cujo ativo hu- mano será com freqüência tanto mais valioso quanto mais adaptável. Gerenciar por competências implica dedicar uma atenção prioritária aos elementos qualitativos do investimento em capital humano. Neste enfoque en- contram seu fundamento conceitual algumas inovações importantes da gestão dos recursos humanos em nossos dias. Referimo-nos a orientações que afetam os sistemas de organização do trabalho, como é o caso do desenho de pos- tos em banda larga (broadbanding); os de incorporação, como se detecta no uso crescente da entrevista de incidentes críticos ou dos centros de avaliação
  • 39. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 39 (assessment centers); os de desenvolvimento de pessoas, como ocorre com os modelos de carreira horizontal, ou os de compensação, que incorporam cres- centemente os planos de retribuição por competências. A todas elas iremos nos referir mais adiante. O capital intelectual como vantagem competitiva Embora a gestão por competência centre sua atenção, como vimos, nas pessoas e em suas qualidades e características individuais, a noção de compe- tência serviu de base para orientações de gestão baseadas na dimensão coletiva daquelas, e em sua difusão e interiorização por parte da organização. Os con- ceitos de “competência distintiva” ou “competências-chave” (core competences), extensamente difundidos, entre outros, por Pralahad e Hamel (1990, 1995), transferem do ambiente exterior para o interior da empresa, e fundamental- mente para as pessoas, a reflexão sobre a vantagem competitiva. Aquilo que a organização sabe fazer melhor que seus concorrentes é a chave do sucesso. Em comparação com os produtos que a empresa é capaz de obter e lançar no mer- cado, suas competências-chave são mais estáveis e não diminuem com o uso. Pelo contrário, nas palavras dos autores citados, as competências aumentam quando são aplicadas e compartilhadas. A concorrência real entre as empresas, chega a dizer Hamel (1991, p. 83), numa frase que em espanhol parece um jogo de palavras, é a concorrência entre competências (NT)6. Ou, o que vem a dar na mesma: diferentemente do que ocorre quando a concorrência é entre produtos, a concorrência entre as empresas está diretamente relacionada com a aquisição, posse, difusão e aplicação de conhecimentos e habilidades. A criação e manutenção de uma vantagem competitiva concebida desta forma depende não só da qualidade da soma dos recursos humanos individuais reunidos pela empresa, mas da própria capacidade desta última para aprender coletivamente. Os mesmos Pralahad e Hamel (1990, p. 82) identificam a core competence com “a aprendizagem coletiva, em especial sobre como coordenar diversas habilidades na produção e integrar fluxos múltiplos de tecnologias”. Por isso é importante que as empresas consigam converter-se em organi- zações que aprendem (learning organisations), em empresas capazes de criar conhecimento. Durante a década de 1990, obras como as de Senge (1992) e Nonaka e Takeuchi (1995) desenvolveram esse enfoque de gestão tendo a 6 NT: em espanhol, competencia entre competencias.
  • 40. 40 MÉRITO E FLEXIBILIDADE aprendizagem organizacional como centro. Considerando que a aprendiza- gem, sem discutir sua dimensão grupal e seu impacto organizacional, é um fenômeno protagonizado sempre por indivíduos, a relação dessas orientações com a gestão das pessoas fica evidente e estreita. As companhias que desejem ser “organizações que aprendem” deverão propor a si mesmas e desenvolver um conjunto de políticas e práticas de gestão cujo centro sejam as ações e rela- ções humanas no interior da organização. Em estreito contato com tudo isso está a noção, difundida mais recente- mente, de “capital intelectual”. Como assinalou Stewart (1997, p. 55), quando os mercados de capitais avaliam as companhias três, quatro ou dez vezes acima do valor contabilizado de seus ativos, estão dizendo simplesmente o seguin- te: os ativos materiais de uma empresa baseada no conhecimento contribuem muito menos para o valor de seu produto ou serviço final do que os ativos intangíveis, ou seja, os talentos de seu pessoal, a eficácia de seus sistemas de gestão, o caráter das relações com seus clientes etc. Estas coisas são, considera- das em conjunto, seu capital intelectual. Este capital deve ser gerenciado e sua gestão vai muito além do armazenamento e da manipulação de dados. Pode ser definida (Azúa, 1999, p. 67, citando Marshall e outros) como a “tarefa de reconhecer um ativo humano enterrado na mente das pessoas, e convertê-lo num ativo empresarial que possa ser acessado e que possa ser utilizado por um maior número de pessoas, de cujas decisões depende a empresa”. Em outras palavras, a inteligência se torna um ativo quando adquire uma utilidade exter- na ao livre fluxo das idéias no cérebro; quando se dá a ela uma forma coerente (um banco de dados, uma listagem postal, a agenda de uma reunião, a descri- ção de um processo); quando ela é capturada de uma forma que permita sua descrição, compartilhamento e exploração, coisas que seriam impossíveis se permanecesse dispersa. O capital intelectual é conhecimento útil empacotado (Stewart, 1997, p. 67). Como gerenciá-lo? Obeso (1999, p. 35 e seguintes), citando Davenport e Prusak, enumera quatro enfoques reconhecíveis na prática empresarial: a) armazéns de conhecimento: o conhecimento é catalogado como algo “exter- no” aos seus criadores, e armazenado em documentos físicos ou eletrônicos; b) acesso e transferência de conhecimentos: centrados no desenho de procedi- mentos para favorecer a transmissão de conhecimentos entre possuidores e usuários potenciais; c) ambientes favoráveis ao conhecimento: centram-se em criar consciência e re- ceptividade cultural a respeito do uso e da transmissão de conhecimento; d) projetos de medição e melhora: sua ênfase está nas técnicas de avaliação do conhecimento disponível.
  • 41. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 41 Sem dúvida, a gestão do capital intelectual tem um aspecto “duro” (hard), que está ligado ao uso das tecnologias: procedimentos de comunicação on-line, de prospecção de dados, sistemas especialistas etc. Sem prejuízo disso, seu centro se encontra muito próximo da gestão das pessoas, especialmente daquela gestão que se desenvolve em organizações de profissionais. Nahapiet e Ghoshal (1998) relacionaram os bons resultados das organizações na gestão do capital intelec- tual com sua riqueza em capital social interno – amplitude e densidade das redes internas de intercâmbios de conhecimento baseados na confiança interpessoal e na existência de normas de reciprocidade. Essa aproximação realça os elementos próprios da gestão das pessoas como chave do sucesso. Afinal, nenhuma intranet será capaz de criar conhecimento ali onde este não exista, ou de difundi-lo em contextos organizacionais nos quais os incentivos existentes estimulam mais a sua apropriação com exclusividade do que seu compartilhamento. As práticas de alto desempenho Sob o lema de “alto desempenho” ou de “alto compromisso” (Lawler e outros, 1995) podemos agrupar um conjunto de orientações, políticas e práti- cas empresariais de gestão dos recursos humanos que tenham como objetivo a obtenção do máximo possível de alinhamento, envolvimento e produtividade dos empregados. O fio condutor dessas políticas é a busca de maior grau de identificação entre as expectativas e preferências individuais e os objetivos de desempenho derivados da estratégia de empresa. O que faz da empresa um lu- gar atraente para os empregados? Basicamente, a alta qualidade de três relações interconectadas: a relação entre os empregados e seus trabalhos; a relação dos empregados entre si, e a relação entre eles e suas chefias (Great Place to Work Institute, 2003). Agrupamos aqui, sem pretensão de sermos exaustivos nem sistemáticos, algumas práticas de gestão destinadas a satisfazer essas aspirações e melhorar assim os resultados empresariais. O enfoque do empowerment Transferir para as pessoas uma esfera tão ampla quanto possível de poder de decisão, e responsabilizá-las por isso, surge como conseqüência tanto da adoção de determinadas teorias sobre o comportamento humano, como de reflexões derivadas da própria evolução do trabalho e das tecnologias, especial- mente nos ambientes apropriados dos serviços.
  • 42. 42 MÉRITO E FLEXIBILIDADE Assim, por um lado, uma crescente tendência de incorporar à gestão das pessoas aquelas teorias sobre a motivação que acentuam a identificação com a tarefa (Hackman e Oldham, 1975, 1979) leva a salientar na medida do possível o significado do posto de trabalho para a pessoa, assim como a percepção desta de ser responsável pela execução da tarefa e dos resultados da referida execução. Isso, por outro lado, mostra coerência com o incremento do peso dos serviços na economia produtiva, que implica a generalização de processos nos quais a produção e a distribuição se concentram e são protagonizados pelo indivíduo, em direta interação com o mercado. A própria qualidade do serviço prestado requer nesses casos uma ampliação significativa da margem de decisão das pes- soas. Nas organizações de profissionais que caracterizam a economia do conhe- cimento, essas exigências são sentidas de maneira particularmente intensa. A criação de equipes de trabalho autodirigidas (Pfefffer, 1998b, p. 83) é uma das modalidades de empowerment que combina a descentralização da de- cisão com o estímulo da interação grupal. O trabalho em equipe, sem dúvida outro dos mitos de nossa época, revela-se particularmente necessário quando a complexidade do ambiente exige articular a combinação multifuncional de diferentes saberes técnicos em contextos não hierárquicos, como mecanismo adequado para produzir respostas de qualidade. Nonaka e Takeuchi (1995, p. 160 e seguintes), entre outros, destacaram a relação das equipes com a pro- dução de inovação. Quer tendo como destinatários indivíduos, quer equipes de trabalho, a descentralização do poder de decisão, substituindo o controle hierárquico pela autodireção, relaciona-se estreitamente com uma destacada tendência contem- porânea do desenho de estruturas organizacionais, que consiste na eliminação de níveis de hierarquia intermediária. Essa eliminação de camadas (delayering) nas cadeias de autoridade formal das organizações expressa, ao mesmo tempo, a influência do enfoque do empowerment e a preferência por estruturas planas. Nestas, os fluxos de informação ascendente, descendente e lateral circulam com maior velocidade e facilitam por isso a agilidade da resposta estratégica das or- ganizações às mudanças cada vez mais freqüentes do ambiente empresarial. A gestão do desempenho Atualmente os enfoques sobre o desempenho das pessoas no trabalho tendem a superar as abordagens tradicionais, centradas na medição do rendi- mento, assim como os correspondentes debates em torno das técnicas e méto- dos de avaliação mais confiáveis e válidos, e vão introduzindo orientações de
  • 43. A GESTÃO DAS PESSOAS NAS SOCIEDADES CONTEMPORÂNEAS 43 gestão de caráter mais relacional, centradas no crescimento profissional das pessoas. Estes novos enfoques do desempenho são coerentes, por um lado, com a desconfiança, própria de nossa época, nos artefatos centralizados pró- prios das burocracias taylorianas; por outro lado, se assentam em concepções dinâmicas do desempenho, que o vinculam ao desenvolvimento do potencial das pessoas. Em concordância com tudo isso, a gestão do desempenho profissional tende a ser vista cada vez mais como uma forma de estimular as competências e a motivação dos empregados para a obtenção de melhoras de desempenho (Spencer e Spencer, 1993, p. 264 e seguintes), e não apenas como um conjunto de técnicas de medição cuja utilidade é facilitar a aplicação de medidas admi- nistrativas (retribuir, promover, punir etc.). Nestes enfoques, o dirigente de linha ou supervisor imediato passa a desempenhar um papel fundamental, já que recai sobre ele a transforma- ção das prioridades organizacionais em padrões e objetivos de desempenho individual dos empregados sob sua esfera de autoridade, assim como a ade- quada comunicação dos padrões e objetivos e a obtenção do compromis- so das pessoas em torno da sua consecução. As melhoras do desempenho consensuadas entre ambas as partes constituem o eixo de uma relação sus- tentada na qual são postas à prova as habilidades interpessoais e sociais dos dirigentes. A obtenção de melhoras no desempenho decorre, cada vez mais, do crescimento profissional das pessoas, ou seja, do desenvolvimento de suas competências, especialmente daquelas que apareçam em cada caso como de- ficitárias. O coaching, ou atividade destinada a orientar, facilitar e apoiar esse desenvolvimento, converte-se às vezes, nesse contexto, em parte da função de dirigir equipes humanas. A ênfase em vincular a apreciação do desempenho ao desenvolvimento das pessoas produz, sem prejuízo do papel fundamental dos comandos hie- rárquicos, que temos destacado, a extensão de novos métodos de avaliação, que ampliam o universo de atores que participam da mesma. Em particular, a avaliação de 360 graus, que converte em avaliadores os superiores, subordina- dos, colegas e inclusive os clientes e fornecedores, internos ou externos, é uma prática utilizada já por um número crescente de empresas, freqüentemente no contexto de experiências de gestão da qualidade. Sua utilidade reside princi- palmente no potencial identificador de áreas de melhora e de desenvolvimento pessoal e profissional que oferece às pessoas e às equipes de trabalho. Todas essas práticas exigem cenários de trabalho distintos dos que carac- terizavam as burocracias empresariais da era industrial. Para seu enraizamento e difusão, são necessárias culturas organizacionais mais horizontais e partici-