SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 108
Baixar para ler offline
0
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA
LOUISE CARPENEDO
CONSUMO COLABORATIVO NA ERA DA INTERNET:
A MANIFESTAÇÃO DO MERCADO COLABORATIVO EM PORTO ALEGRE (RS)
Porto Alegre
2014
1
LOUISE CARPENEDO
CONSUMO COLABORATIVO NA ERA DA INTERNET:
A MANIFESTAÇÃO DO MERCADO COLABORATIVO EM PORTO ALEGRE (RS)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel
em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e
Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Profª. Drª. Cristiane Mafacioli Carvalho
Porto Alegre
2014
2
LOUISE CARPENEDO
CONSUMO COLABORATIVO NA ERA DA INTERNET:
A MANIFESTAÇÃO DO MERCADO COLABORATIVO EM PORTO ALEGRE (RS)
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como
requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel
em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e
Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Aprovada em: __ de ____________ de 2014
BANCA EXAMINADORA:
___________________________________
Profª. Drª. Cristiane Mafacioli Carvalho
___________________________________
Prof. Dr. Roberto Tietzmann
___________________________________
Profª. Me. SuzanaGib Azevedo
Porto Alegre
2014
3
AGRADECIMENTOS
À minha família, pelo suporte em todos os momentos da minha vida.
Aos meus amigos, por estarem sempre ao meu lado.
Aos meus colegas, pelo aprendizado compartilhado.
Aos entrevistados, pela colaboração para que este estudo pudesse ser realizado.
À minha orientadora, pela dedicação e por acreditar neste trabalho.
4
RESUMO
Este trabalho tem como tema a manifestação do consumo colaborativo em Porto
Alegre. Através de pesquisa teórico-aplicada de caráter exploratório, os objetivos desta
pesquisa são identificar as principais formas de consumo colaborativo presentes no cenário
porto-alegrense, descobrir de que modo as pessoas e empresas colaborativas se inserem no
mercado de consumo e identificar os principais fatores que impedem e impulsionam o
desenvolvimento da cultura colaborativa em Porto Alegre. Este trabalho tem como foco três
sistemas definidos por Bostman e Rogers (2010): sistemas de serviço de produtos, mercados
de redistribuição e estilos de vida colaborativos. Para isso, tem-se como base três objetos de
estudo que representam cada um destes sistemas na cidade: BikePoa, briques do Facebook
e Casa Liberdade, respectivamente. Apresenta-se, na primeira parte deste trabalho, como o
consumo colaborativo se estabeleceu na sociedade,e o surgimento de uma nova cultura
baseada no compartilhamento, impulsionada pela Internet e colocada em prática por uma
geração que cresceu em meio a um ambiente digital e uma crise econômica. Após, busca-se
compreender como este novo modelo de consumo está presente na sociedade atual, no
Brasil e no mundo. Por fim, aborda-se o cenário de consumo colaborativo em Porto Alegre e
como este vem se manifestando na cidade, com base em entrevistas em profundidade
semiabertas com consumidores e idealizadores de consumo colaborativo. Após a análise do
material coletado, é possível verificar que a cultura colaborativa cresceu significativamente
em Porto Alegre no último ano, embora ainda enfrente desafios como falta de estrutura na
cidade e dificuldade de confiança entre estranhos. Além disso, fica claro que os
consumidores envolvidos nos estilos de vida colaborativos têm maior engajamento com o
tema, e percebe-se um grande potencial de crescimento deste sistema em Porto Alegre.
Palavras-chave: Consumo Colaborativo. Geração Digital. Compartilhamento.
5
ABSTRACT
This dissertation aims to understand the state of collaborative consumption in Porto
Alegre. Through applied theoretical research, the dissertation's objectives are to identify the
main types of collaborative consumption in the city, to find out the role that individuals and
collaborative businesses play in the consumer market, and to identify the main factors that
prevent and stimulate the development of a collaborative culture in Porto Alegre. The
research is based on three systems defined by Botsman and Rogers (2010): service product
systems, redistribution markets and collaborative lifestyles. It focuses on three subjects of
study that represent each of these systems in the city: BikePoa, Facebook peer to
peermarket groups and Casa Liberdade, respectively. The first part of the dissertation
presents how collaborative consumption was established in society, along with the rise of a
new culture based on sharing values, driven by the Internet and put into practice by a
generation growing up in the context of a digital environment and the economic crisis of
2008. The dissertation then aims to establish how this new model of consumption operates
in today's society, both in Brazil and globally. Finally, it discusses the collaborative
consumption market in Porto Alegre, and how it expresses itself in the city through in-depth
interviews with consumers and creators of collaborative consumption. By analyzing the
collected material, it is possible to ascertain that the collaborative culture has grown
significantly in Porto Alegre throughout the past year, though there are still challenges to be
faced such as the lack of infrastructure in the city and trust issues between strangers.
Furthermore, it is clear that consumers involved with collaborative lifestyles have a deeper
engagement with the subject, and a great potential for this system's growth can be seen in
Porto Alegre.
Key words: Collaborative Consumption, Digital Generation, Sharing.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...............................................................................................................................8
1 DO CONSUMO AO CONSUMO COLABORATIVO......................................................................... 12
1.1 A SOCIEDADE DE CONSUMO....................................................................................................... 12
1.1.1 A Sociedade Urbana e o Individualismo............................................................................... 15
1.1.2 O Consumo Descartável e os Problemas Socioambientais .................................................. 16
1.2 A SOCIEDADE COLABORATIVA .................................................................................................... 19
1.2.1 A Internet e o Compartilhamento........................................................................................ 19
1.2.2 A Geração Colaborativa........................................................................................................ 24
1.2.3 Uma Nova Forma de Consumir ............................................................................................ 28
2 ENTENDENDO O CONSUMO COLABORATIVO............................................................................ 31
2.1 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS FUNDAMENTAIS .................................................................................. 31
2.2 OS TRÊS SISTEMAS ...................................................................................................................... 34
2.2.1 Sistemas De Serviços De Produtos (SSP).............................................................................. 34
2.2.2 Mercados de Redistribuição................................................................................................. 37
2.2.3 Estilos de Vida Colaborativos ............................................................................................... 40
2.3 A NOVA MOEDA DA ECONOMIA É A REPUTAÇÃO...................................................................... 44
2.4 AS EMPRESAS E OS VALORES COLABORATIVOS.......................................................................... 46
2.5 O FUTURO DA COLABORAÇÃO.................................................................................................... 49
2.6 CONSUMO COLABORATIVO NO BRASIL...................................................................................... 52
2.6.1 Porto Alegre ......................................................................................................................... 54
3 O MERCADO DE CONSUMO COLABORATIVO EM PORTO ALEGRE .............................................. 56
3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.......................................................................................... 56
3.2 O CENÁRIO COLABORATIVO PORTO-ALEGRENSE ....................................................................... 59
3.2.1 Sistemas de Serviços de Produtos........................................................................................ 61
3.2.2 Mercados de Redistribuição................................................................................................. 62
3.2.3 Estilos de Vida Colaborativos ............................................................................................... 64
3.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS......................................................................................................... 70
3.3.1 Sistemas de Serviços de Produtos........................................................................................ 71
3.3.2 Mercados de Redistribuição................................................................................................. 76
3.3.3 Estilos de Vida Colaborativos ............................................................................................... 80
3.3.4 Idealizando Projetos Colaborativos...................................................................................... 86
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 92
7
REFERÊNCIAS.............................................................................................................................. 96
APÊNDICE A: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS – BIKEPOA................................................................. 103
APÊNDICE B: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS – BRIQUES DO FACEBOOK.......................................... 104
APÊNDICE C: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS – CASA LIBERDADE..................................................... 105
APÊNDICE D: ROTEIRO DA ENTREVISTA – OUISHARE FESTIVAL................................................... 106
APÊNDICE E: ROTEIRO DA ENTREVISTA - SHAREFEST.................................................................. 107
8
INTRODUÇÃO
Embora o ato de consumir esteja presente na sociedade há muito tempo, foi a partir
do século XX, junto a um novo contexto socioconômico, que surge o termo "sociedade de
consumo". Nesta sociedade, segundo Barbosa (2010), os objetos e mercadorias são
utilizados como signos culturais, alimentando os desejos insaciáveis dos consumidores. Além
de gerar uma grande quantidade de desperdício e problemas ambientais, o consumismo deu
lugar a espaços urbanos tomados por uma cultura individualista, onde os laços sociais se
tornaram cada vez mais frágeis, e os valores de comunidade se perderam (BAUMAN, 2001).
No entanto, ao mesmo tempo em que a sociedade de consumo crescia, novas
tecnologias e redes de comunicação estavam sendo desenvolvidas, dando origem,
posteriormente, à Internet e à cibercultura (LEMOS, 2009). Leadbeater (2011) afirma que,
enquanto a modernidade colaborou para o desenvolvimento do individualismo e da
alienação da sociedade, as novas tecnologias instituem uma relação de proximidade e
comunidade entre os usuários, principalmente através das redes sociais. A inteligência
coletiva é capaz de criar novas maneiras de produzir uma sociedade mais democrática,
criativa e inovadora.
Essa troca mútua de ideias dá lugar a uma nova visão sobre o futuro, na qual o que se
compartilha é tão importante quanto o que se possui, e o que se cultiva é tão importante
quanto as conquistas individuais. Um dos princípios que define a Internet é o de que
estamos construindo juntos uma rede que permite "[...] compartilhar, socializar, colaborar e,
acima de tudo, criar no âmbito de comunidades livremente conectadas" (TAPSCOTT;
WILLIAMS, 2007, p. 62). Leadbeater (2009) afirma que a interação entre várias pessoas com
diferentes pontos de vista e habilidades possibilita colaboração e criatividade social, capazes
de alterar aspectos fundamentais da vida econômica, como o trabalho, o consumo, a
inovação, a liderança e a produção.
A Internet deu origem a novas formas de relacionamento e consumo, e os jovens que
cresceram em meio a este mundo digital foram capazes de organizar comunidades virtuais
responsáveis pelo renascimento de novos modelos de colaboração. Estes jovens, definidos
por Tapscott (2010) como Geração Digital, estão sendo responsáveis pela transformação da
Internet de um lugar no qual se encontra informações em um lugar no qual se compartilha
informações, se colabora em projetos de interesse mútuo e se cria novas maneiras de
9
resolver problemas culturais, econômicos, políticos e de consumo. Isso deu origem a uma
nova economia, baseada no "que é meu é seu".
Dentro deste novo cenário, as pessoas estão passando de consumidores passivos
para criadores e colaboradores altamente capacitados. A Internet está removendo o
intermediário entre empresas e indivíduos, possibilitando também que os próprios
indivíduos comercializem entre si. Nasce, assim, o consumo colaborativo, que tem como
base o "compartilhamento tradicional, escambo, empréstimo, negociação, locação, doação e
troca redefinido por meio da tecnologia e de comunidades de indivíduos em uma escala e
de formas jamais antes possíveis" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. xv).
O consumo colaborativo teve início nos Estados Unidos e na Europa, e foi
impulsionado pela crise econômica de 2008, que fez com que os consumidores destes países
buscassem alternativas para economizar dinheiro e reaproveitar produtos que já possuiam.
Embora os hábitos colaborativos já existissem antes da crise, a necessidade econômica
tornou as pessoas mais abertas a novas formas de ter acesso ao que elas precisavam.
(BOTSMAN; ROGERS, 2010).
O consumo colaborativo, além de aparecer como solução para muitos dos problemas
que as pessoas enfrentaram no cenário econômico em crise, também foi impulsionado por
uma mudança de valores. Botsman e Rogers (2010) explicam que as discussões sobre
sustentabilidade estão cada vez mais presentes, e os consumidores estão se tornando mais
conscientes sobre os danos do hiperconsumismo na natureza e na sociedade, ao mesmo
tempo em que as pessoas estão revendo seus relacionamentos com amigos, vizinhos e
familiares, trazendo de volta a crença na importância da comunidade, na transparência dos
produtos e em um relacionamento mais próximo entre quem compra e quem vende.
As pessoas estão experienciando os benefícios da desmaterizalização, e grandes
empresas globais estão reinventando o que oferecem e deixando de serem vendedoras de
produtos para se tornarem provedoras de serviços. O sentimento de propriedade está cada
vez menos atrelado ao que se possui e cada vez mais associado à experiência de autonomia
e controle. Além disso, o consumo colaborativo possibilita uma relação mais próxima dos
consumidores com outras pessoas ao invés de marcas.
Botsman e Rogers (2010) categorizam os diferentes tipos de consumo colaborativo
em três sistemas: sistemas de serviço de produtos (SSP), baseado no aluguel de produtos ao
invés da compra; mercados de redistribuição, onde itens usados são revendidos ou trocados
10
por outros itens; e estilos de vida colaborativos, que têm base no compartilhamento de
dinheiro, habilidades, tempo e espaço.
Embora o movimento tenha iniciado e ainda prevaleça muito mais significativo em
países europeus e norte-americanos, países "em desenvolvimento" como o Brasil já estão se
tornando parte desta nova tendência. Embora o consumo colaborativo no país ainda seja um
movimento de nome pouco conhecido, cada vez mais pessoas estão compartilhando e se
tornando parte de uma comunidade. Serviços de aluguel de carros e bicicletas, mercados de
redistribuição, espaços de coworking e sites de financiamento coletivo talvez sejam os
mercados colaborativos mais conhecidos no país.
O consumo colaborativo apareceu primeiramente em grandes cidades como São
Paulo e Rio de Janeiro, mas já está se espalhando para todos os cantos do país, adquirindo
notabilidade principalmente na região sul. Porto Alegre, embora não tenha investimento
econômico semelhante aos grandes polos brasileiros, está se mostrando cada vez mais
presente culturalmente e socialmente no país. Já é possível ver o surgimento de ações e
comunidades colaborativas dos mais diversos tipos na cidade — serviço de aluguel de
bicicletas, briques de troca e venda de produtos usados em redes sociais, espaços
compartilhados de trabalho e lazer, inúmeras ações de financiamento coletivo, entre outros.
Isso mostra que Porto Alegre, embora ainda esteja em processo inicial no sentido da
colaboração, está se tornando parte deste grande movimento global.
Como este novo cenário colaborativo vem se manifestando em Porto Alegre? Para
responder a essa questão, este estudo tem como objetivo investigar o crescimento do
mercado de consumo colaborativo na cidade de Porto Alegre (RS), com base nos três
sistemas definidos por Botsman e Rogers (2010). Especificamente, a pesquisa visa identificar
as principais formas de consumo colaborativo presentes no cenário porto-alegrense,
descobrir de que modo as pessoas e empresas colaborativas de Porto Alegre se inserem no
mercado de consumo e identificar os principais fatores que impedem e impulsionam o
desenvolvimento da cultura colaborativa na cidade.
Para que esses objetivos fossem alcançados, foi realizada pesquisa teórico-aplicada
de caráter exploratório. Além da técnica de pesquisa bibliográfica, foram utilizados como
dados complementares informações retiradas de sites, blogs e redes sociais, devido ao
consumo colaborativo ser um assunto recente que tem ganhado espaço principalmente nos
últimos cinco anos. Desenvolveu-se, então, um levantamento de dados secundários com o
11
objetivo de identificar, explicar e exemplificar as principais formas de consumo colaborativo
presentes no cenário porto-alegrense. A partir daí, foram selecionados objetos de estudo
relevantes para a pesquisa, e empregada a técnica de entrevista em profundidade para a
coleta de dados primários, tanto com usuários e consumidores colaborativos quanto com
idealizadores de projetos.
O desenvolvimento desta monografia está estruturado em três seções. A primeira
tem como objetivo mostrar como o consumo colaborativo se estabeleceu na sociedade e os
seus principais efeitos, e o surgimento de uma nova cultura baseada no compartilhamento,
impulsionada pela Internet e colocada em prática por uma geração que cresceu em meio a
um ambiente digital e uma crise econômica. A segunda seção busca compreender como esta
nova forma de consumo está presente na sociedade atual, passando pelos princípios básicos
fundamentais, os principais sistemas que formam a economia colaborativa, a confiança e a
reputação na Internet, a influência que a colaboração pode ter nas empresas e negócios, o
possível futuro do compartilhamento e, por fim, um breve panorama do consumo
colaborativo no Brasil. A terceira seção aborda os procedimentos metodológicos de
pesquisa, o cenário de consumo colaborativo em Porto Alegre e a análise do material
coletado, para que os principais objetivos deste estudo sejam atendidos.
12
1 DO CONSUMO AO CONSUMO COLABORATIVO
Para entender o conceito de consumo colaborativo, primeiramente é necessário
compreender como a palavra "consumo" se relaciona com "colaboração". Nesta seção
busca-se, com base em pesquisa bibliográfica, mostrar como o consumo se estabeleceu na
sociedade e os seus principais efeitos, e o surgimento de uma nova cultura baseada no
compartilhamento, impulsionada pela Internet e colocada em prática por uma geração que
cresceu em meio a um ambiente digital e uma crise econômica. Para isso, são centrais as
ideias dos autores Bauman (2001, 2008), Barbosa (2010), Korten (1996), Leadbeater (2011),
Tapscott e Williams (2007), Tapscott (2010) e Botsman e Rogers (2010).
1.1 A SOCIEDADE DE CONSUMO
O consumo, atualmente, está tão presente na sociedade que fica difícil imaginar a
vida sem consumir. A maioria das pessoas, que cresceu em meio a uma sociedade
consumista, aceita o consumo como algo natural.
Se reduzido à forma arquetípica do ciclo metabólico de ingestão, digestão e
excreção, o consumo é uma condição, e um aspecto, permanente e irremovível,
sem limites temporais ou históricos; um elemento inseparável da sobrevivência
biológica que nós humanos compartilhamos com todos os outros organismos vivos
(BAUMAN, 2008, p. 37).
No entanto, a partir do século XX, surge um novo contexto socioeconômico que dá
origem ao que hoje conhecemos por "sociedade de consumo". Em decorrência do ambiente
de terror gerado pela Primeira Guerra Mundial, o homem passa a ter uma nova percepção
do tempo e da vida, onde passa a viver em função do presente e a valorizar o individualismo.
Na questão industrial, há um aumento da produção e do mercado para os mais diversos
produtos, e a velocidade de desenvolvimento científico e tecnológico provoca mudanças em
todos os outros aspectos da sociedade (GONÇALVES, 2008).
Após a Segunda Guerra Mundial, os países europeus se encontravam em ruínas, e o
mundo se dividiu em duas superpotências: os Estados Unidos (EUA), e a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que, durante quase meio século, travaram uma
disputa pela hegemonia do mundo, no conflito ideológico-político conhecido como Guerra
Fria. Durante este tempo, as grandes empresas estadunidenses investiram em
13
desenvolvimento tecnológico e tornaram globais os meios de comunicação (GONÇALVES,
2008).
Os novos avanços tecnológicos possibilitaram um crescente desenvolvimento
industrial, tornando os preços cada vez menores e a renda cada vez maior, aumentando a
demanda de produtos e serviços (HAWKEN, 2007). Esse crescimento teve como base o
aumento da produtividade do trabalho e, consequentemente, do salário-hora per capita em
diversos países industrializados, aumentanto o poder de compra dos assalariados. "Por
conseguinte, eleva-se o nível de consumo; modifica-se a estrutura de consumo; generaliza-
se a compra de novos bens duráveis, símbolos da 'sociedade de consumo'" (BEAUD, 2004, p.
318).
Ou seja, ao lado das peculiaridades sócio-culturais de cada povo, de cada nação ou
nacionalidade, desenvolvem-se, segundo Ianni (1999a, p.218), tecnologias e
mentalidades com base nos princípios da produtividade e da competitividade da
lógica de mercado. Desenvolvem-se e mundializam-se, também, padrões,
instituições e valores sócio-culturais, formas de agir, pensar e perceber o mundo de
acordo com as necessidades da produtividade, do lucro e da competitividade,
imprescindíveis à indústria. Desse modo, ultrapassando as fronteiras do
comportamento e de pensamento dos indivíduos, o consumismo se generaliza e se
intensifica (GONÇALVES, 2008, p. 26).
Para Bauman (2008), o consumo é uma característica e ocupação dos seres humanos
como indivíduos, enquanto o consumismo é um atributo da sociedade, que transforma as
vontades, desejos e anseios humanos rotineiros na principal força que coordena a
reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação da
identidade individual e de grupo.
Se até então o consumo era analisado de forma moral, a partir da década de 1980,
ele passou a ser discutido com base em uma visão sociológica. Barbosa (2010) afirma que a
cultura material e o consumo são aspectos fundamentais de qualquer sociedade, e as
atividades cotidianas são responsáveis pela formação de identidades, relações e intuições
sociais. No entanto, apenas a sociedade atual foi caracterizada como sociedade de consumo,
ou seja, o consumo passa a ter um significado muito maior do que apenas satisfazer as
necessidades materiais e sociais.
A cultura do consumidor é uma cultura de consumo de uma sociedade de mercado.
No mundo moderno o consumo se tornou o foco central da vida social. Práticas
sociais, valores culturais, ideias, aspirações e identidades são definidas e orientadas
em relação ao consumo ao invés e para outras dimensões sociais como trabalho,
cidadania e religião entre outros (SLATER apud BARBOSA, 2010, p. 31).
14
Nesse ambiente de consumo, "os objetos e as mercadorias são utilizados como
signos culturais de forma livre pelas pessoas para produzirem efeitos expressivos em um
determinado contexto" (BARBOSA, 2010, p. 23). Partindo da análise de Mike Featherstone,
no livro "Cultura de consumo e pós-modernismo", Barbosa (2010) define consumo como a
simbolização e o uso dos bens materiais como comunicadores e não apenas utilidades.
Na mesma linha, Baudrillard (1981) entende que não consumimos o objeto em si, no
seu valor de uso, mas sim os signos que estes objetos representam e distinguem o indivíduo,
alimentando os desejos de consumo. Já Bauman (2008) entende que a sociedade de
consumo tem como base a promessa de satisfazer os desejos humanos de forma que
nenhuma outra sociedade passada pode fazer, mas essa promessa só permanece sedutora
enquanto o desejo continuar insatisfeito.
Para que os consumidores mantenham-se sempre interessados em adquirir produtos
novos, é preciso que haja sempre uma grande variedade de produtos disponíveis nas
prateleiras. Segundo Sennet (2006), a fabricação industrial capitalista se baseia na
"construção em plataforma" dos mais variados bens de consumo. A plataforma é um
objetivo básico, onde são aplicadas pequenas mudanças superficiais, para transformar o
produto numa marca específica. Desta forma, aumenta-se a variedade dos produtos e a
opção de escolha dos consumidores, aumentando consequentemente o consumo.
O capitalismo não entregou os bens às pessoas; as pessoas foram crescentemente
entregues aos bens; o que quer dizer que o próprio caráter e sensibilidade das
pessoas foi reelaborado, reformulado, de tal forma que elas se agrupam
aproximadamente ... com as mercadorias, experiências e sensações ... cuja venda é
o que dá forma e significado a suas vidas (SEABROOK apud BAUMAN, 2001, p. 100).
Para Bauman (2008), o consumismo engana o consumidor, indo contra a razão e
estimulando emoções consumistas. O consumo tem um caráter ilimitado, no qual a
produtividade é gigantesca e a capacidade de consumo ainda maior, e as necessidades
jamais podem ser satisfeitas, pois "[...] é no consumo do excedente e do supérfulo que,
tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só existir, mas viver" (BAUDRILLARD,
1981, p. 41).
15
1.1.1 A Sociedade Urbana e o Individualismo
Para Lefevbre (1999), a sociedade pós-industrial pode ser denominada "sociedade
urbana", o que não tira o valor de outro termo muito utilizado para designar a realidade
contemporânea: "sociedade burocrática de consumo dirigido". O crescimento econômico e a
industrialização tiveram um enorme impacto na formação dos territórios. As pessoas que
antes viviam no campo acompanharam os meios de produção, e se integraram à indústria e
ao consumo de produtos dessa indústria. Dá-se início, então, ao processo de urbanização, e
surge o que hoje denominamos as grandes cidades. As ruas que formam estas cidades são
lugares de passagem, que permitem apenas encontros superficiais entre as pessoas. "A rua
não permite a constituição de um grupo, de um 'sujeito', mas se povoa de um amontado de
seres em busca. De quê? O mundo da mercadoria desenvolve-se na rua" (LEVEVBRE, 1999,
p. 30).
Bauman (2001), por sua vez, afirma que os espaços públicos das cidades
contemporâneas se afastam do modelo ideal do espaço civil. Muitos deles carecem de
hospitalidade, atuando apenas como objeto de admiração e não de interação, e outros são
projetados com o principal objetivo de compartilhar o consumo, ou seja, o espaço é
compartilhado por diversas pessoas que realizam a mesma atividade e participam da mesma
ação, porém sem nenhuma interação social entre si. "Por mais cheios que possam estar, os
lugares de consumo coletivo não têm nada de 'coletivo'" (BAUMAN, 2001, p. 114).
Estes espaços públicos, mas não civis, permitem às pessoas que elas compartilhem
um mesmo espaço com estranhos sem ter a necessidade de interagir; desta forma os laços
sociais se tornam cada vez mais frágeis, e as pessoas desenvolvem "medo" do diferente, do
estranho, do estrangeiro, criando barreiras e cercas de proteção e segmentação.
A comunidade definida por suas fronteiras vigiadas de perto e não mais por seu
conteúdo; a "defesa da comunidade" traduzida como o emprego de guardiões
armados para controlar a entrada; assaltante e vagabundo promovidos à posição
de inimigo número um; compartimentação das áreas públicas em enclaves
"defensáveis" com acesso seletivo; separação no lugar da vida em comum - essas
são as principais dimensões da evolução corrente da vida urbana (BAUMAN, 2001,
p. 111).
Bauman (2001) afirma, ainda, que a individualização vai contra os princípios da
cidadania. Enquanto o cidadão tende a buscar o seu bem-estar através do bem-estar da
cidade, o indivíduo tem como foco gozar da sua liberdade de escolha e satisfazer apenas
16
seus desejos. "A individualização traz para um número sempre crescente de pessoas uma
liberdade sem precedentes de experimentar—mas [...] traz junto a tarefa também sem
precedentes de enfrentar as consequências" (BAUMAN, 2001, p. 47).
Embora vista de forma positiva por alguns, levando à liberdade individual e ao
igualitarismo, a cultura do consumo é vista por outros como a responsável pelo afastamento
das pessoas de valores e relações sociais mais verdadeiros. Segundo Barbosa (2010), o
consumo é uma atividade solitária, baseada no desempenho individual, mesmo que
realizado na companhia de alguém, pois não consegue estabelecer vínculos duradouros.
Bauman (2008) também afirma que o mercado de consumo gera uma vida
autocentrada, autorreferencial e egoísta, e acaba com a responsabilidade pelo outro, pela
comunidade. A busca pela autoidentificaçã oatravés do consumo é capaz de desestruturar
uma sociedade; ao compartilhar uma mesma tarefa — consumir — em condições
inteiramente diferentes, as pessoas são induzidas à competição, e acabam não
desenvolvendo a condição humana de cooperar (BAUMAN, 2001).
Korten (1996) critica o desenvolvimento das cidades, que foram inventadas como
lugares dedicados à interação humana e, antigamente, consistiam principalmente de espaço
de troca para as pessoas, com o propósito de "facilitar o intercâmbio de informações, de
amizade, cultura, conhecimento, percepções [e] habilidades" (ENGWICHT apud KORTEN,
1996, p. 323). Este individualismo característico da vida urbana baseado no consumismo
teve um impacto direto na vida das pessoas e no meio-ambiente, levando a sérias
consequências socioambientais. Para que isto seja revertido, é necessário reorganizar as
sociedades de forma sustentável e equilibrada; valorizando as escolhas coletivas ao invés
das individuais.
1.1.2 O Consumo Descartável e os Problemas Socioambientais
A síndrome consumista, que valoriza a novidade acima da permanência, tem como
principais objetos do desejo humano o ato da apropriação e, em seguida, da remoção de
lixo. Ela envolve velocidade, excesso e desperdício. Bauman (2008) afirma que, em uma
sociedade consumista, a felicidade não está atrelada à satisfação de necessidades, mas sim a
um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, que exigem o uso imediato e a
rápida substituição de objetos para satisfazê-los. Se desfazer de um objeto ou produto traz
17
uma sensação de prazer às pessoas. Assim, cria-se uma "obsolescência embutida" dos bens
oferecidos no mercado e um significativo aumento na indústria da remoção do lixo.
Sennet (2006) apresenta, como exemplo contrário ao consumismo atual, um olhar
aos objetos presentes na casa de um funcionário parisiense do antigo regime. No quarto,
haveria poucas roupas e sapatos, passados de mão em mão através de gerações. Na cozinha,
algumas louças, tudo feito à mão. Entretanto, na metade do século XX, a economia tornou
possível que, ao invés de serem consertados ou reutilizados, esses objetos fossem
descartados e substituídos por novos.
Em 1955, a revista americana Life publicou um artigo entitulado Throwaway Living.
Acompanhado de uma imagem de uma família alegre jogando para o alto todos os tipos de
utensílios descartáveis, o artigo tinha como objetivo propagar a nova cultura de consumo
nascida com o pós-guerra, celebrando o descarte dos objetos. Dizia o texto que
acompanhava a foto: "Os objetos voando pelo ar demorariam 40 horas para serem limpos,
mas nenhuma dona de casa precisa se preocupar. Todos eles podem ser jogados fora após o
uso" (LIFE, c2014, tradução nossa).
Segundo Baudrillard (1981), a sociedade de consumo sente a necessidade de
adquirir objetos e, em seguida, os destruir. O objeto de consumo não é mais produzido em
função do seu valor de uso ou duração, mas sim em função da sua morte, tornando-o, desta
forma, frágil, obsoleto e efêmero. Para que este sistema permaneça em funcionamento, a
publicidade tem como objetivo principal tirar o valor de uso dos objetos, diminuindo seu
tempo de vida e os sujeitando à renovação acelerada.
Devido a isso, grande parte das mercadorias chega ao depósito de lixo antes de
encontrar alguém interessado em adquirí-las. Muitas vezes, os consumidores se desfazem de
um produto ainda em boas condições de uso apenas pelo desejo de usufruir um produto
novo e aperfeiçoado. É importante notar que "[...] para atender a todas essas novas
necessidades, impulsos, compulsões e vícios, assim como oferecer novos mecanismos de
motivação, orientação e monitoramento da conduta humana, a economia consumista tem
de se basear no excesso e no desperdício" (BAUMAN, 2008, p. 54).
A economia consumista, que se baseia no movimento de mercadorias, tem como
principal interesse o crescimento do PIB. Bauman (2008) afirma que, para que isso ocorra, as
campanhas de marketing devem ter como foco apresentar aos consumidores uma felicidade
18
não mais baseada no armazenamento de produtos, mas sim no descarte e na substituição de
produtos antigos por novos, mesmo que estejam em boas condições de uso.
Korten (1996) complementa essa visão ao caracterizar o produto nacional bruto, uma
medida de fluxo do dinheiro na economia, como uma medida da velocidade em que estamos
transformando os recursos em lixo. As ações que mais contribuem para o crescimento do
PIB são as que mais prejudicam o meio-ambiente, como dirigir um carro ao invés de andar
de bicicleta, ligar o ar-condicionado ao invés de abrir uma janela, e consumir alimentos
processados ao invés de naturais.
De acordo com as definições econômicas atuais, a maior parte do desperdício
industrial, ambiental e social é computada como produto interno bruto, ou seja,
exatamente como os televisores, as bananas, os carros e as bonecas Barbie. A
definição de crescimento econômico abarca todas as despesas, sem levar em conta
se a sociedade se beneficou ou saiu perdendo (HAWKEN, 2007, p. 56).
Segundo Baudrillard (1981), a produtividade é vista sempre como positiva pelos
economistas, sendo ela proveninente de serviços públicos ou privados. Os aspectos
deficitários, a degradação e a obsolência não aparecem na mensuração do produto nacional
bruto, e se surgem, são vistas como aumento de produção e riqueza social.
O sistema econômico globalizado valoriza, acima de tudo, o lucro das grandes
corporações, que exploram os trabalhadores, desmatam as florestas, despejam lixo tóxico
no meio-ambiente e implementam políticas que promovem os interesses corporativos acima
dos interesses humanos. Este sistema voltado para o consumo em massa, que teve início nos
Estados Unidos, é responsável por toda a devastação econômica, social e ambiental do
mundo, e favorece a competitividade, a exploração de recursos e o curto prazo (KORTEN,
1996).
Uma matéria na revista Super Interessante trouxe um dado relevante: se todas as
pessoas consumissem como nos Estados Unidos, seriam necessários 4,5 planetas Terra para
que o mundo não entrasse em colapso. Os estadounidenses jogam fora ou fazem com que
se joguem fora quase 500 toneladas de material por pessoa por ano (SCHNEIDER, 2009).
"Parte do fluxo pode ser vista nas latas de lixo, nos shopping centers, nos postos de gasolina,
nos restaurantes à beira da estrada ou nos contêiners empilhados no cais do porto"
(HAWKEN, 2007, p. 45).
Para Hawken (2007), a industrialização causou três grandes crises no século XXI que
têm como causa em comum o desperdício: a deterioração do ambiente natural, a dissolução
19
das sociedades civis na ilegalidade, no desespero e na apatia, e a falta de vontade pública
necessária para mitigar o sofrimento humano e promover o bem-estar. Korten (1996) afirma
que, para que o mundo não entre em colapso, é necessário voltar o foco para a comunidade
e o cooperativo, criando zonas de confiança e responsabilidade local onde as pessoas têm o
poder de adminstrar suas próprias economias.
1.2 A SOCIEDADE COLABORATIVA
No século XXI, em meio à sociedade consumista, nasce uma nova cultura de consumo
com base na colaboração, possibilitada a partir do surgimento da Internet e colocada em
prática por uma geração que cresceu junto a um ambiente digital. Esta subseção tem como
objetivo explicar como o compartilhamento de informações e as redes sociais deram origem
à colaboração em massa online, abordar a influência destes jovens conectados nas
diferentes esferas socioeconômicas, e dar enfoque ao surgimento de uma nova forma de
consumir, impulsionada pela crise econômica de 2008 nos Estados Unidos.
1.2.1 A Internet e o Compartilhamento
Os primeiros computadores surgiram em 1945, nos Estados Unidos e na Inglaterra,
com o objetivo de reproduzir cálculos científicos para os militares. Até os anos 1960, a
informática servia, principalmente, ao Estado e às grandes empresas (LÉVY, 1999).
Em 1968, em São Francisco (EUA), Doug Engelbart apresentou o que viria a ser,
décadas depois, o que conhecemos hoje como a Internet. Ele mostrou, em uma tela gigante,
em um computador do tamanho de uma sala, como editar textos utilizando um teclado e um
mouse, inserir links em um documento, misturar texto com imagens gráficas e vídeos e
conectar um computador a outro há milhas de distância, utilizando uma linha telefônica.
Tudo isso com o objetivo de mostrar que, no futuro, as pessoas poderiam trabalhar nos
mesmos documentos, mesmo estando em continentes diferentes. Segundo Leadbeater
(2009), antes disso, o computador era visto como uma ferramenta desumana do controle
burocrático e corporativo.
20
Pela primeira vez eles puderam ver um sistema de computadores altamente
individualizado e altamente interativo, construído não em volta de números
complexos, mas sim da circulação de informação e da construção de uma
comunidade local de trabalho (TURNER apud LEADBEATER, 2009, p. 38).
O desenvolvimento de novas tecnologias e redes de comunicação deram origem ao
que chamamos de cibercultura, que se tornou popular a partir da década de 1970, com o
surgimento do microcomputador, e se estabeleceu completamente nos anos 1980, com a
informática de massa, e na década de 1990, com as redes telemáticas e, principalmente,
com o boom da Internet (LEMOS, 2004).
Lemos (2004) define o ciberespaço como um conjunto de redes de computadores,
interligadas ou não, em todo planeta, à Internet. Este espaço é composto de dois grandes
sistemas interdependentes — o macro-sistema tecnológico, formado pelas máquinas
interligadas, e o micro-sistema social, formado pelos usuários — responsáveis pela
disseminação de informação, pelo fluxo de dados e pelas relações sociais. A Internet "age
como potencial descentralizadora do poder tecno-industrial-mediático abrindo 'uma rede
verdadeiramente aberta e acessível (...) um ambiente de expressões onde nenhum governo
pode controlar'" (LEMOS, 2004, p. 117).
Leadbeater (2009) informa que essa descentralização tem raízes no surgimento da
Internet, que não foi criada com fins comerciais ou em um laboratório de pesquisa, e sim por
pessoas — acadêmicos, visionários, hackers, hippies, designers de computadores — que,
muitas vezes, trabalhavam em comunidades não voltadas ao mercado, e acreditavam no
conceito de comunidade. Enquanto a modernidade colaborou para o desenvolvimento do
individualismo e da alienação da sociedade, as novas tecnologias instituem uma relação de
proximidade e comunidadeentre os usuários. Segundo Lemos (2004, p. 138), "mais do que
um fenômeno técnico, o ciberespaço é um fenômeno social".
A Internet possibilitou às pessoas a expressão e sociabilização através de ferramentas
de comunicação mediadas pelo computador, que se dão, na maioria das vezes, através das
redes sociais. Recuero (2009) explica que estas redes constituem-se de dois elementos
principais: os atores (pessoas, instituições ou grupos) e as suas conexões (interações ou laços
sociais). "Estabelece-se, dessa forma, um processo não-linear de concepção e de utilização
(interatividade) dos conteúdos, onde a realização da obra [...] é impossível sem o usuário"
(LEMOS, 2004, p. 122).
21
Os sites de redes sociais como Facebook, Flickr, Linkedin, Instagram, Twitter, Youtube
entre outros, são espaços utilizados para a expressão das redes sociais na Internet. Recuero
(2009) aponta que estes sites aumentaram a conectividade dos grupos sociais, pois são
capazes de facilitar a emergência de tipos de capital social não facilmente acessíveis aos
atores sociais no mundo real, devido à maior facilidade de criar conexões com pessoas de
todos os lugares do mundo. Além disso, os sites de redes sociais permitem um maior
controle das impressões deixadas pelos atores, sendo extremamente efetivos na construção
de reputação e confiança online, colaborando, assim, para formação de comunidades
virtuais.
Para Lévy (1999), um dos maiores pensadores sobre a cultura virtual contemporânea,
o crescimento do ciberespaço é fundamentado em três princípios: a interconexão, a criação
de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. A interconexão se baseia na conexão
universal entre indivíduos, possibilitando um fluxo de informações sem fronteiras e uma
comunicação interativa entre os usuários. Essa conexão dá origem às comunidades virtuais,
que são construídas com base nos interesses e conhecimentos em comum, projetos mútuos
e em um processo de cooperação e troca, responsáveis pelas relações humanas
desterritorializadas e livres, e atuando como complemento às relações sociais físicas e reais.
O principal objetivo na construção dessas comunidades está em construir o ideal da
inteligência coletiva, mais imaginativo, mais rápido e mais capaz de aprender e inventar. "A
interconexão condiciona a comunidade virtual, que é uma inteligência coletiva em potencial"
(LÉVY, 1999, p. 133).
Leadbeater (2009) explica que, através da inteligência coletiva, é possível criar novas
maneiras de trabalhar em equipe para produzir uma sociedade mais democrática, criativa e
inovadora. A participação dos indivíduos na Internet apenas fará diferença no mundo se
estes forem capazes de compartilhar e combinar suas ideias. Desta forma, a Internet é capaz
de remodelar culturas ao redor do mundo e mudar como as pessoas pensam e se
relacionam uns com os outros.
Na maioria das áreas - ciência, cultura, negócios, academia - a criatividade surge
quando pessoas com diferentes pontos de vista, habilidades e conhecimentos
combinam suas ideias a fim de produzir algo novo. A web fornece a plataforma
para que possamos ser criativos juntos em uma escala antes jamais imaginável.
Está mudando como compartilhamos ideias e, desta forma, como pensamos
(LEADBEATER, 2009, p. 19, tradução nossa).
22
Essa troca mútua de ideias dá lugar a uma nova visão sobre o futuro, na qual o que se
compartilha é tão importante quanto o que se possui, eo que se cultivaem comum é tão
importante quanto as conquistas individuais. A Internet deu vida a uma nova economia,
baseada não mais em bens materiais, e sim em ideias, onde os indivíduos são identificados
pelas redes às quais se vinculam,com quem se intercomunicam e por quais ideias, imagens,
vídeos, links ou comentários compartilham (LEADBEATER, 2009).
A cultura do compartilhamento, a descentralização e a democracia online tornam a
Internet a plataforma ideal para grupos se auto-organizarem, combinando suas ideias e
criando jogos, enciclopédias, softwares, redes sociais, sites de compartilhamento de vídeos e
imagens ou universos paralelos completos (LEADBEATER, 2009). Um dos princípios que
define a Internet é o de que estamos construindo juntos uma rede que permite "[...]
compartilhar, socializar, colaborar e, acima de tudo, criar no âmbito de comunidades
livremente conectadas" (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 62).
Esta colaboração em massa que surgiu com a Internet está reinventando a economia,
através de um novo modelo alternativo de produção que explora a capacidade e a
inteligência humana coletiva. Este modelo, conhecido como peering, é "uma maneira de
produzir bens e serviços que depende totalmente de comunidades auto-organizadas e
igualitárias de indivíduos que se unem voluntariamente para produzir um resultado
compartilhado" (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 89).
O maior exemplo de peering atualmente é a Wikipedia, criada pelo norte-americano
Jimmy Wales. Atualmente a maior enciclopédiado mundo, ela foi construída gratuitamente
através da colaboração de voluntários em uma plataforma onlinea berta que permite que
qualquer pessoa seja editora. Composta de mais de quatro milhões de artigos em mais de
duzentos idiomas, é um dos sites mais visitados na web, e tem como objetivo disponibilizar
todo o conhecimento humano através do acesso livre para todos. A colaboração entre os
usuários permite que o conteúdo seja sempre aprimorado, e publicações com erros ou
informações falsas geralmente conseguem ser corrigidas em, em média, 1,7 minuto. Dos um
milhão de usuários registrados, cerca de 100 mil contribuíram e cerca de 5 mil atuam como
responsáveis pelas tarefas administrativas que mantêm o site funcionando (TAPSCOTT;
WILLIAMS, 2007).
Outro exemplo bem sucedido de peering teve início em 1991, quando Linus Torvalds,
um estudante finlandês de ciência da computação, postou na Internet sua primeira versão
23
de um programa de computador que ele mesmo havia criado: o Linux. Ele disponibilizou o
código de fonte do programa, deixando-o em aberto para que outras pessoas opinassem,
colaborassem e sugerissem melhoras. Nasceu assim, o maior software de código aberto do
mundo, criado — e aperfeiçoado durante 15 anos — por uma das maiores comunidades de
colaboração em massa online que já existiu. Em 2007, havia 655 grupos de usuários do Linux
em 91 países, compartilhando ideias através de sites, fóruns online e pessoalmente. O Linux
apenas teve sucesso porque uma comunidade se organizou sistematicamente para criar,
compartilhar, testar, rejeitar e desenvolver ideias além dos meios convencionais
(LEADBEATER, 2009).
Para Botsman e Rogers (2010), o poder coletivo de indivíduos conectados
virtualmente se fortaleceu ao longo da década de 2000, através do conceito de
crowdsourcing, que significa, segundo o próprio Wikipedia, a obtenção de serviços, ideias ou
conteúdos, solicitando contribuições de um grupo de pessoas a partir de uma comunidade
online. O crowdsourcing tem se mostrado um sistema bem sucedido, e faz com que as
pessoas abandonem comportamentos de consumo hiperindividualistas.
Leadbeater (2009) chama essas comunidades online de compartilhamento de
informações de We Think. Para ele, a interação entre várias pessoas com diferentes pontos
de vista e habilidades possibilita colaboração e criatividade social, capazes de alterar
aspectos fundamentais da vida econômica, como o trabalho, o consumo, a inovação, a
liderança e a produção.
E os impactos do compartilhamento e da colaboração online não estão restritos ao
mundo virtual. Eles estão vazando para o mundo offline, criando mudança dentro
dos nossos mundos culturais, econômicos, políticos e de consumo (BOTSMAN;
ROGERS, 2010, p. 50).
Uma prova de que o compartilhamento na Internet está trazendo de volta os valores
de comunidade pode ser vista em 2006, quando a revista Time elegeu todas as pessoas do
mundo como "a pessoa do ano". A manchete da matéria lia "Você —Sim, Você —é a Pessoa
do Ano da Time", seguida da legenda "Em 2006, a World Wide Web se tornou a ferramenta
capaz de unir as pequenas contribuições de milhões de pessoas e fazer com que elas tenham
importância" (GROSSMAN, 2006, tradução nossa). A revista falava que a Internet possibilitou
o surgimento da colaboração e de comunidades em uma escala jamais antes vista, que irá
mudar o mundo. "Esta é uma oportunidade para construir um novo tipo de entendimento
24
internacional, não de político para político, de homem importante para homem importante,
mas de cidadão para cidadão, pessoa para pessoa" (GROSSMAN, 2006, tradução nossa).
No passado, a colaboração acontecia, na maioria das vezes, em pequena escala,
entre famílias, amigos, comunidades e locais de trabalho. As pessoas tinham papéis
limitados na sociedade, como consumidores passivos ou trabalhadores em organizações
tradicionais, tornando rara a participação direta da população na economia. Hoje, no
entanto, o acesso crescente à tecnologia possibilita que as pessoas tenham acesso a
ferramentas necessárias para colaborar, criar valor e competir. Essas novas colaborações
servem tanto para interesses comerciais quanto para ajudar as pessoas a executar tarefas
que podem ajudar o mundo, como "como curar doenças genéticas, prever mudanças
climáticas globais e encontrar novos planetas e astros" (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 22).
Na mesma linha, Leadbeater (2009) afirma que, no século passado, quase todas as
pessoas eram trabalhadores e consumidores de uma economia de produção em massa; já
nas próximas décadas, devido ao acesso crescente a ferramentas que possibilitam a
criatividade em diferentes formas, as pessoas começarão a ter diferentes papéis na
sociedade, sendo participantes, contribuidores e inovadores.
1.2.2 A Geração Colaborativa
O século XXI deu início a uma nova era — a Era das Conexões — impulsionada pelo
crescimento da Internet e da telefonia. Neste novo milênio, o principal valor da sociedade
está associado aos relacionamentos, tendo como principal base a conexão online entre as
pessoas (OLIVEIRA, 2010).Tapscott (2010) afirma que o conhecimento está fluindo com mais
liberdade do que nunca graças à Internet, mas que o verdadeiro potencial desta só foi
atingido de verdade quando os jovens começaram a usar computadores. Principalmente
através das redes sociais, estes jovens foram capazes de organizar comunidades virtuais
responsáveis pelo renascimento de novos modelos de colaboração, e estão causando
impacto na vida cívica e política.
Oliveira (2010) explica que é na faixa etária dos 20 anos de idade, ao chegar à vida
adulta e entrar no mercado de trabalho, que os jovens começam a interferir de forma mais
significativa na sociedade, sendo fundamental compreender aqueles nascidos nos anos 1980
e 1990. Estes jovens são conhecidos como Geração Y, nome que surgiu devido à forte
25
influência que a antiga União Soviética tinha sobre os países comunistas, a ponto de definir a
primeira letra dos nomes que deveriam ser dados aos bebês; nas duas décadas em questão,
a principal letra era o Y e, embora isso não tenha tido muita influência no mundo ocidental,
o termo foi adotado por estudiosos.
Tapscott (2010), no entanto, considera o termo Y muito parecido com o nome da
geração anterior — Geração X — diminuindo, assim, sua importância. Essa geração também
é conhecida como Millenials, ou Geração do Milênio, mas o ano 2000 não alterou de fato a
experiência dos jovens daquela época. O autor, então, decidiu nomear esta comunidade de
jovens de Geração Digital, ou Geração Internet, definindo assim todos os jovens que
cresceram durante o rápido desenvolvimento das tecnologias digitais.
O fato de ter crescido em um ambiente digital causou um impacto profundo no modo
de pensar dos jovens da Geração Internet, a ponto de mudar a maneira como o seu cérebro
está programado. Muitas pessoas das gerações passadas — que nasceram e cresceram após
a Segunda Guerra Mundial, em um ambiente de conflito ideológico,ao mesmo tempo em
que o consumismo começava a tomar forma, e as televisões se tornavam o principal meio de
entretenimento e informação — aderem a estes jovens características negativas que vieram
com o uso constante das tecnologias: ansiedade, impaciência, superficialidade,
transitoriedade, indecisão e egoísmo (OLIVEIRA, 2010).
Embora a quantidade imensa de informações às quais estão diariamente expostos,
essa imersão digital teve, no geral, um impacto positivo nos jovens, tornando-os, na
verdade, mais tolerantes, espertos e rápidos do que as gerações anteriores. "Esses jovens
estão remodelando todas as instituições da vida moderna, do local de trabalho ao mercado,
da política à educação, até chegarem à estrutura básica representada pela família"
(TAPSCOTT, 2010, p. 20).
Os jovens da Geração Internet estão colaborando uns com os outros e mudando a
forma de ver o mundo. No trabalho e na educação, estão derrubando a hierarquia rígida e
valorizando, acima de tudo, uma abordagem colaborativa. No mercado, estão alterando o
conceito de marca através da coinovação de produtos e serviços com os seus fabricantes. Na
questão familiar, estão mudando o relacionamento entre pais e filhos. Como cidadãos, estão
dando vida à ação política e, na sociedade como um todo, respaldados pelo alcance global
da Internet, sua atividade cívica está se tornando um novo e mais poderoso tipo de ativismo
social (TAPSCOTT, 2010).
26
Tapscott (2010) apresenta oito características da Geração Internet: (1) os jovens
querem liberdade em tudo que fazem, desde liberdade de escolha à liberdade de expressão;
(2) eles têm um grande interesse em personalizar, utilizando a Internet também para
produzir seus próprios conteúdos; (3) eles usam seu poder de mercado para exigir mais das
empresas e dos empregadores; (4) eles procuram integridade e abertura empresarial,
certificando de que valores das empresas estão alinhados aos seus; (5) tendo crescido em
meio a um ambiente interativo, eles querem diversão no trabalho, na educação e na vida
social; (6) eles são a geração da colaboração e do relacionamento, criando redes de
influências online; (7) eles querem velocidade de informação e comunicação; e, por fim, (8)
eles são inovadores, buscando sempre novas formas de colaborar, se divertir, aprender e
trabalhar.
Nitidamente, os jovens da Geração Y estão mudando muitas verdades que
aprendemos em nossa juventude. Eles valorizam muito mais os relacionamentos, a
conexão e a integração com as pessoas. Querem respostas diretas e claras, sem
coisas subentendidas e obscuras. Exigem transparência de seus pais e de seus
líderes e estão dispostos a lutar por seus sonhos (OLIVEIRA, 2010, p. 103).
Além de valorizar a interação com as pessoas, a geração dos jovens que cresceram
com a Internet tem uma enorme capacidade criativa, apresentando ideias capazes de
modificar as circustâncias do mundo à sua volta. Por passarem muito tempo em atividades
virtuais, estes jovens desenvolveram uma capacidade de pensar de forma abstrata maior
que a das gerações passadas, realizando pensamentos imaginativos com mais facilidade
(OLIVEIRA, 2010). Tapscott (2010) complementa que esta geração está sendo responsável
pela transformação da Internet de um lugar no qual se encontra informações em um lugar
no qual se compartilha informações, se colabora em projetos de interesse mútuo e se cria
novas maneiras de resolver alguns dos problemas mais urgentes do mundo.
Os integrantes da Geração Internet são colaboradores em todas as esferas da vida.
Como ativistas civis, eles estão utilizando com desenvoltura essa característica
colaborativa. A Geração Internet quer ajudar. Eles vão auxiliar as empresas a criar
produtos e serviços melhores. Estão participando de ações de voluntariado em
números recordes, em parte porque a Internet oferece muitas maneiras, grandes e
pequenas, de ajudar (TAPSCOTT, 2010, p. 112).
Os jovens da Geração Digital estão engajados em comunidades como seus pais nunca
tiveram, mostrando que a ideia de que esta geração é formada de jovens mimados,
preguiçosos e egocêntricos não é verdadeira (TAPSCOTT, 2010). Em 2009, o site
Trendwatching publicou uma matéria entitulada "Geração G: G de generosidade, não de
27
ganância” (TRENDWATCHING, 2009, tradução nossa), com o objetivo de mostrar que a
geração que cresceu com a Internet não é nada egoísta.
Geração G: a crescente importância da 'generosidade' como uma forma de pensar
relacionada à sociedade e aos negócios. Como os consumidores estão enojados
com a ganância e as terríveis consequências atuais na economia [...] a necessidade
de mais generosidade coincide, de forma positiva, com a emergência contínua [...]
de uma cultura online de indivíduos que compartilham, doam, se engajam, criam e
colaboram em grande número. Na verdade, para muitos, compartilhar uma paixão
e ser reconhecido substituiram o "adquirir" como novo símbolo de status. Os
negócios deveriam seguir esta mudança social e de comportamento, mesmo que
muito disto oponha suas devoções egocêntricas construídas há décadas
(TRENDWATCHING, 2009, tradução nossa).
As características relacionadas à generosidade desta geração puderam ser percebidas
de forma clara especialmente após a crise econômica que eclodiu em 2008 nos Estados
Unidos, e fez com que os consumidores ficassem ainda mais críticos com relação às grandes
corporações. Muitas delas esqueceram que estão vivendo em um mundo onde seus
consumidores são bem informados e críticos, e desejam um bom relacionamento com os
empregados, os clientes e o meio ambiente (TRENDWATCHING, 2009). Os jovens da geração
digital têm consciência social como indivíduos, consumidores e trabalhadores. Cerca de 61%
dos jovens entre 13 e 25 anos se sentem pessoalmente responsáveis por fazer a diferença no
mundo, e 83% irão confiar mais em uma empresa se esta for socialmente e ambientalmente
responsável (JAYSON, 2006).
A Geração G é formada de indivíduos que desejam, cada vez mais, dar, compartilhar
e colaborar, ser mais "generososos" de diversos modos, buscando — e encontrando —
gratificação em atividades que não envolvem consumir mais e melhor. E tudo isso graças à
cultura da Internet (TRENDWATCHING, 2009).
[...] enquanto a mídia industrial de estilo ímpar consignou-nos a meramente assistir
e ler, a Internetextende vastamente o alcance de pessoas que podem fazer parte
de debates públicos e expande o alcance de ideias que elas podem propor. Como
consumimos informação, quais notícias e visualizações recebemos, é fundamental
para a forma como vemos o mundo e tomamos decisões. As atividades culturais
das quais participamos e os interesses que buscamos têm uma importância enorme
em quem pensamos que somos, o que importa para nós, o ponto de vista do qual
vemos o mundo (LEADBEATER, 2009, p. 211).
Segundo Tapscott (2010), os jovens da Geração Internet estão percebendo que, para
manterem o mundo um lugar saudável para seus filhos, eles devem usar todos os meios
disponíveis e acessíveis, pela primeira vez a uma sociedade, para colaborar e se organizar em
torno de uma mudança verdadeira.
28
1.2.3 Uma Nova Forma de Consumir
Uma dinâmica extremamente poderosa, com enormes implicações comerciais e
culturais, está em andamento. O rápido desenvolvimento das tecnologias, como vimos
anteriormente, possibilitou a confiança entre estranhos. Vive-se agora uma era na qual o
relacionamento entre pessoas, através das redes sociais, está transformando o mundo em
uma enorme vila global, reinventando atividades antigas — permutar, trocar, barganhar,
compartilhar — de forma dinâmica e atraente. "E os impactos do compartilhamento e da
colaboração online não estão restritos ao mundo virtual. Eles estão vazando para o mundo
offline, criando mudança dentro dos nossos mundos culturais, econômicos, políticos e de
consumo" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 50). Isso deu origem a uma nova economia,
baseada no "que é meu é seu".
Gansky (2011) chama este novo modelo econômico, onde os consumidores têm mais
escolhas, mais ferramentas, mais informações e mais poder para guiar suas escolhas de
Mesh, que descreve um tipo de rede que permite a ligação de nós entre os sistemas,
movendo-se em conjunto. Ou seja, formam-se conexões entre empresas e empresas,
clientes e clientes ou empresas e clientes, através de redes sociais.Os negócios Mesh
compartilham quatro características fundamentais: (1) o compartilhamento dentro de uma
comunidade, mercado ou cadeia de valor;(2) o uso avançado da web e redes móveis de
informação; (3) um foco em mercadorias físicas e materiais compartilháveis; e (4) o
comprometimento com os clientes, através das redes sociais.
Dentro deste novo cenário, Botsman(2010) afirma que as pessoas estão passando de
consumidores passivos para criadores e colaboradores altamente capacitados. A Internet
está removendo o intermediário entre empresas e indivíduos, possibilitando também que os
próprios indivíduos comercializem entre si. Gansky (2011) complementa que a Internet
permite tanto a empresas quanto a indivíduos terem bons lucros e, ao mesmo tempo,
racionalizar o acesso a bens físicos e serviços. Esses negócios são geralmente fáceis de
iniciar, partindo da troca e do compartilhamento entre indivíduos, como o aluguel de
bicicletas, troca de roupas e objetos, escritórios compartilhados, entre outros.
Essa mudança deve-se, principalmente, aos jovens que cresceram na Era Digital,
como visto anteriormente. O compartilhamento é natural para esta geração, que está
transformando a cultura do "eu", estabelecida atravésdo sistema de consumo exarcebado,
29
em uma "cultura do nós". Nasce, assim, o consumo colaborativo, que tem como base o
"compartilhamento tradicional, escambo, empréstimo, negociação, locação, doação e troca
— redefinido por meio da tecnologia e de comunidades de indivíduos em uma escala e de
formas jamais antes possíveis" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. xv).
Uma economia completa está emergindo em torno da troca de bens e serviços
entre indivíduos ao invés de empresa para consumidor. Isto está redefinindo os
relacionamentos de mercado entre os compradores e vendedores tradicionais,
expandindo modelos de transação e consumo, e impactando modelos de negócios
e ecossistemas (ALTIMETER, 2013, p.4).
Segundo Botsman e Rogers (2010), o consumo colaborativo teve início nos Estados
Unidos e na Europa, e foi impulsionado pela crise econômica de 2008, que fez com que os
consumidores destes países buscassem alternativas para economizar dinheiro e reaproveitar
produtos que já possuiam. Embora os hábitos colaborativos já existissem antes da crise, a
necessidade econômica tornou as pessoas mais abertas a novas formas de ter acesso ao que
elas precisavam. O colapso financeiro de 2008 teve impacto profundo em todos os cantos do
mundo, e milhões de pessoas foram prejudicadas, perdendo suas moradias, seus empregos
e seu poder aquisitivo. Logo, percebeu-se sinais de uma nova e crescente consciência do
consumidor. "2008 foi quando batemos contra a parede — quando tanto a Mãe Natureza
quanto o mercado disseram: não dá mais" (FRIEDMAN apud BOTSMAN; ROGERS, 2010, p.
xvii).
Gansky (2011) também aponta o cenário da crise de 2008 como importante fator
para o desenvolvimento de uma economia de compartilhamento. A crise gerou desconfiança
sobre empresas antigas e encorajou pessoas a repensar o que é realmente importante nas
suas vidas. As mudanças climáticas causadas pelos problemas ambientais aumentaram o
custo de fazer negócios, incluindo a fabricação e venda de produtos descartáveis. As redes
de informação de todos os tipos se tornaram capazes de prover serviços personalizados
melhores e maiores exatamente quando necessários e, por fim, o crescimento da população
e a maior urbanização criaram densidades que favorecem o compartilhamento.
As cidades sãoo ambiente perfeito para o surgimento de negócios de
compartilhamento. O crescimento da população urbana nas últimas décadas fez com que as
pessoas migrassem, cada vez mais, para dentro das áreas urbanas, em busca de melhores
empregos, expandido as cidades verticalmente e aumentando a densidade da população.
Embora a sociedade de consumo tenha tornado as cidades lugares individualistas e
30
dificultado a interação entre as pessoas, a Internet possibilitou o surgimento de um novo
cenário urbano. A maior quantidade de pessoas em um mesmo lugar amplia as chances de
um negócio ou atividade colaborativa crescer e se desenvolver, pois é mais fácil encontrar
pessoas para acessar e compartilhar carros, roupas ou bicicletas (GANSKY, 2011).
O consumo colaborativo, além de aparecer como solução para muitos dos problemas
que as pessoas enfretaram no cenário econômico em crise, também foi impulsionado por
uma mudança de valores. Botsman e Rogers (2010) explicam que as discussões sobre
sustentabilidade estão cada vez mais presentes, e os consumidores estão se tornando mais
conscientes sobre os danos do hiperconsumismo na natureza e na sociedade, ao mesmo
tempo em que as pessoas estão revendo seus relacionamentos com amigos, vizinhos e
familiares, trazendo de volta a crença na importância da comunidade, na transparência dos
produtos e em um relacionamento mais próximo entre quem compra e quem vende. Está
surgindo um desejo de reviver valores que remetem à comunidade, e de unir o interesse
próprio com o bem coletivo.
[...] no século XX do hiperconsumismo éramos definidos por crédito, propaganda e
pelas coisas que possuíamos. No século XXI do consumo colaborativo, seremos
definidos pela reputação, pela comunidade e por aquilo que podemos acessar, pelo
modo como compartilhamos e pelo que doamos (LEADBEATER apud BOTSMAN;
ROGERS, 2010, p. xviii).
Em 2011, a revista Time elegeu o consumo colaborativo como uma das dez
dimensões que irão mudar o mundo (WALSH, 2011). Uma pesquisa realizada pela empresa
britânica de inteligência de mercado Euromonitor International (KASRIEL-ALEXANDRE, 2013)
apontou o compartilhamento de bens e serviços como uma das dez maiores tendências de
consumo para o ano de 2014.
Segundo Botsman e Rogers (2010), independentemente do motivo que leva as
pessoas a compartilhar, o importante é que essa nova forma de consumo ganhe espaço na
sociedade, e traga mais satisfação do que o consumismo presente atualmente. Seja para
economizar ou ganhar tempo e dinheiro, para conhecer pessoas e fazer novos amigos ou por
uma simples questão de praticidade e conveniência, por se sentir parte de uma comunidade
ou praticar a sustentabilidade, cada vez mais pessoas estão aderindo a essa nova forma de
consumo.
31
2 ENTENDENDO O CONSUMO COLABORATIVO
Nesta sessão busca-se, com base em pesquisa bibliográfica e em dados levantados
em artigos e documentos da Internet, compreender como o consumo colaborativo está
presente na sociedade atual, passando pelos princípios básicos fundamentais, os principais
sistemas que formam a economia colaborativa, a confiança e a reputação na Internet, a
influência que a colaboração pode ter nas empresas e negócios, o possível futuro do
compartilhamento e, por fim, um breve panorama do consumo colaborativo no Brasil.
Devido à indisponibilidade de bibliografia sobre o tema, por este ser ainda muito recente,
serão centrais as ideias dos autores Botsman e Rogers (2010), complementadas com as de
Gansky (2011), e dados atualizados obtidos juntos às informações disponíveis na Internet.
2.1 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS FUNDAMENTAIS
Botsman e Rogers (2010) apontam quatro princípios básicos fundamentais para que
o consumo colaborativo possa se estabelecer em uma comunidade. Todos os princípios são
igualmente importantes, embora alguns sejam mais essenciais do que outros para fazer
determinado sistema funcionar. São eles: massa crítica, capacidade ociosa, bem comum e
confiança entre desconhecidos.
A massa crítica "é um termo sociológico utilizado para descrever a existência de um
impulso suficiente em um sistema para torná-lo autossustentável" (BOTSMAN; ROGERS,
2010, p. 64). Este princípio explica o surgimento de novas tendências de consumo na
sociedade, e porque alguns produtos e serviços se tornam extremamente populares entre os
consumidores, enquanto outros ficam abandonados nas prateleiras das lojas.
A massa crítica é vital para o consumo colaborativo por dois motivos. O primeiro tem
a ver com a escolha. O processo de compra está diretamente associado a escolher qual
produto comprar. Ou seja, o consumidor espera ter um grande número de opções de
escolha para poder se satisfazer. Para o consumo colaborativo competir com as compras
convencionais, é necessário que este seja conveniente e que os consumidores tenham
opções de escolha suficientes.
Um exemplo de massa crítica é a troca de roupas usadas entre indivíduos: se não
houver opções — tamanhos, cores, modelos — suficientes para que todas as pessoas
32
envolvidas nas trocas saiam satisfeitas, é bastante provável que elas deem preferência a
comprar em lojas convencionais. Outro exemplo é o aluguel de bicicletas: para que as
pessoas escolham se deslocar pela cidade em bicicletas ao invés de carros ou outras formas
de transporte, é preciso que esta opção seja vantajosa e prática para os cidadãos, tendo
estações de estacionamento e retirada das bicicletas bem distribuídas pela cidade, um
número suficiente de bicicletas disponíveis a qualquer hora, e uma boa estrutura de
ciclovias.
[...] o sistema será bem-sucedido se os usuários estiverem satisfeitos com a escolha
e com a conveniência à sua disposição. Caso contrário, provavelmenteo sistema
será mal utilizado e sobreviverá por pouco tempo (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p.
68).
O segundo motivo pelo qual a massa crítica é importante para o consumo
colaborativo é a prova social. Ou seja, para que um novo sistema funcione, é importante que
haja um grupo de usuários fiéis e frequentes que irão mostrar a outros indivíduos que vale a
pena experimentar. "Isso permite que as pessoas, não apenas os primeiros adeptos, cruzem
a barreira psicológica que muitas vezes existe em torno de novos comportamentos"
(BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 69). A prova social trata-se de um instinto primitivo e de um
atalho cognitivo que permite às pessoas tomar decisões com base em copiar ações e
comportamentos de outras pessoas. Para que velhos hábitos sejam combatidos em
detrimento de novos — no caso, o consumo colaborativo — é importante que a maioria das
pessoas veja ou experimente uma massa crítica de consumidores participarem deste novo
sistema. Assim, elas se sentirão mais confortáveis e confiantes a também participarem.
Já a capacidade ociosa refere-se ao potencial ocioso destes bens quando não estão
sendo usados. Segundo Botsman e Rogers (2010), muitos dos bens físicos que as pessoas
possuem são utilizados apenas em determinadas ocasiões e, na maior parte do tempo, ficam
parados, sem uso. Um exemplo disso são as furadeiras. A maioria das pessoas tem uma
furadeira em casa, porém apenas a utilizam por alguns minutos durante toda a sua vida útil.
Outro exemplo são os carros, que ficam ociosos em média 22 horas por dia. Nos Estados
Unidos, 80% dos itens que as pessoas possuem são usados menos de uma vez por mês.
O consumo colaborativo tem como objetivo, através do compartilhamento de bens
entre as pessoas, aproveitar esta capacidade ociosa e redistribuí-la em outros lugares.
Assim, é possível evitar o desperdício e maximizar o potencial de uso dos produtos. As
tecnologias modernas — Internet, redes sociais, GPS — podem ser utilizadas como as
33
principais ferramentas para que as pessoas entrem em contato umas com as outras, e
encontrem produtos e serviços que necessitam de forma rápida, confiável e a baixo custo.
Sobre o conceito de bem comum, ele se refere a todos os bens públicos
compartilhados entre uma população. Embora o interesse próprio tenha prevalecido sobre
o bem coletivo nas últimas décadas, sendo necessária sempre a supervisão, Botsman e
Rogers (2010) mostram que isto já está mudando. A Internet, o maior bem comum da
história, é o melhor exemplo de como as pessoas são capazes de se auto-organizar em prol
do interesse coletivo.
Através de experiências online, as pessoas estão percebendo que, ao fornecer valor
para a comunidade, permitem que seu próprio valor social se expanda em troca. Ou seja, ao
compartilhar conhecimento no Wikipedia ou fotografias no Flickr, as pessoas percebem que
precisam "dar para receber" nestas comunidades. O consumo colaborativo age com os
mesmos princípios, indo além da mídia e do conteúdo, ao buscar uma solução ou um
movimento de pessoas com interesses semelhantes. Da mesma forma que um telefone
precisa de uma rede de telefones para que seja útil, quanto mais pessoas participarem do
compartilhamento de bicicletas, por exemplo, melhor o sistema fucionará para todos.
"Todos que aderem ou usam o consumo colaborativo criam valor para outras pessoas,
mesmo que a intenção não tivesse sido essa" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 76).
E, por fim, a confiança entre desconhecidos diz respeito aos seguintes aspectos: ao
contrário dos modelos tradicionais de negócios, realizados de uma empresa para indivíduos,
com base em uma hierarquia de controle em que, na maioria das vezes, não há contato
direto entre quem vende e quem compra — sendo realizado por intermediários — a
Internet possibilita uma nova estrutura de mercado. Nesta nova forma de negócio, é
possível formar comunidades online entre os consumidores onde o contato direto entre eles
é essencial, e contribui para uma forma descentralizada e transparente de comércio, sendo
fundamental que se desenvolva uma confiança entre estranhos.
Novos mercados online e offline estão se formando, em que as pessoas podem
voltar a se 'encontrar' em uma vila global e desenvolver uma confiança que não
seja local. [...] quando as relações pessoais e o capital social voltam para o centro
das trocas, a confiança entre pares é facilmente criada e administrada, e, na
maioria das vezes, ela é reforçada, não quebrada" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p.
80).
Essa confiança gerada no mundo virtual traz, tanto para o relacionamento entre
usuários quanto entre empresas e usuários, um maior conhecimento do desconhecido,
34
eliminando o anonimato das transações e, desta forma, contribuindo para uma relação mais
verdadeira entre as duas partes.
2.2 OS TRÊS SISTEMAS
Em meio às inúmeras formas de consumo colaborativo com as quais se depararam,
Bostman e Rogers (2010) as classificaram em três grandes sistemas principais: os sistemas de
serviços de produtos, os mercados de redistribuição e os estilos de vida colaborativos.
2.2.1 Sistemas De Serviços De Produtos (SSP)
Botsman e Rogers (2010) chamam de Sistemas de Serviços de Produtos (SSP) a
categoria de consumo colaborativo baseada no acesso ao invés da propriedade, realizado
através do aluguel e empréstimo de bens físicos, tanto de empresa para indivíduo quanto
entre indivíduos. Desta forma, os produtos (tangíveis) se transformam em serviços
(intangíveis) e o sentimento de posse dá lugar à colaboração. Este sistema faz com que as
pessoas não tenham a necessidade de comprar um produto de uso ocasional, podendo ter
acesso a ele apenas quando necessário.
Uma quantidade cada vez maior de pessoas de diferentes origens e de todas as
faixas etárias está mudando para uma "mentalidade de uso", na qual elas pagam
pelo benefício de um produto — o que ele faz por elas — sem ter que possuir o
produto definitivamente. Esta é a base dos sistemas de serviços de produtos (SSP),
que estão afetando setores tradicionais baseados em modelos de propriedade
privada individual (BOSTMAN e ROGERS, 2010, p. 61).
Gansky (2011) explica que foi a partir da segunda metade do século XX que as
pessoas passaram a ter um grande desejo pela propriedade de bens físicos. Essa tendência
foi encorajada pela combinação de políticas governamentais, através dos subsídios à
gasolina e aos empréstimos baratos para compras de casas, e do desejo das pessoas por
autonomia e conveniência, que se transformou em indicador de status. No entanto,
atualmente a cultura da posse está em momento de transição, pois a moda que concede o
valor de status está tendendo profundamente ao compartilhamento. Botsman e Rogers
(2010) complementam que, para os Millenials, a primeira geração que cresceu no mundo
digital, o relacionamento com a propriedade está se quebrando. A identidade destes jovens
35
está mais atrelada ao conteúdo que compartilham online do que à propriedade de bens
materiais, o que torna favorável o desenvolvimento de sistemas de serviços de produtos.
Embora o sistema de aluguel de produtos já exista há muito tempo, a Internet
"possibilitou compartilhar uma grande variedade de produtos de maneira conveniente e
eficaz em termos econômicos a fim de acessar itens sob demanda" (BOTSMAN; ROGERS,
2010, p. 84). Assim, é possível criar uma nova relevância para sistemas de
compartilhamento, de forma bem diferente dos aluguéis tradicionais.
Ao alugar um produto apenas quando necessário ao invés de fazer a compra do
mesmo, as pessoas têm que lidar com a perda do sentimento de posse. Para Botsman e
Rogers (2010), o sucesso de um sistema de serviço de produto está na sua capacidade de
satisfazer as necessidades de posse dos indivíduos enquanto os produtos estiverem sob seu
uso. Para que isso aconteça, as empresas devem criar serviços que valorizem a sensação de
autonomia e controle, e não a propriedade do produto em si. Além disso, para que os
consumidores deem preferência ao acesso ao invés da posse, o compartilhamento deve ser
conveniente, seguro e mais eficaz em termos de custos do que a propriedade.
Uma das vantagens que a perda da posse proporciona às pessoas é o acesso
indeterminado a uma grande quantidade de opções. A sociedade de consumo nos dá uma
enorme variedade de produtos de diferentes cores, marcas, tamanhos, qualidade, sabores,
perfumes etc. Na hora da compra, na maioria das vezes, temos que fazer uma escolha, que
nem sempre é fácil. Os sistemas de serviços de produtos, ao mesmo tempo em que
trabalham com a reutilização e o compartilhamento de produtos, proporcionam às pessoas
o acesso a todas estas opções, indefinidamente, sem causar o descarte para o lixo. "Quando
mudamos para uma economia baseada na maximização de unidades de uso em vez de na
qualidade de unidades vendidas, a eficiência ambiental e a de negócios se alinham"
(BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 96).
Botsman e Rogers (2010) classificam os SSPs em dois modelos principais. Em um SSP
de "uso", um indivíduo ou uma empresa tem propriedade de um produto e diversos usuários
compartilham seus benefícios por meio de um serviço. Este tipo de SSP funciona bem em
cenários específicos de mercado: produtos que possuem uma elevada capacidade ociosa,
como automóveis, bicicletas e ferramentas domésticas; produtos que têm uso limitado
devido à moda — como bolsas — ou quando atendem a uma necessidade temporária —
como equipamentos para bebês e roupas para gestantes; produtos que tem sua atração e
36
seu valor reduzidos após o uso, como filmes e livros; e produtos cujo custo inicial ou de
compra são elevados, como painéis solares.
O segundo modelo é chamado de SSP de "longa vida", no qual serviços de pós-venda
como manutenção, consertos ou atualizações se tornam parte do ciclo de vida do produto,
reduzindo assim a necessidade de substituição ou descarte. Esse tipo de modelo funciona
bem com produtos caros, como tapetes e eletrodomésticos, produtos que exigem um
conhecimento especializado para conserto, como produtos eletrônicos, e com produtos que
necessitam de atualizações e manutenção frequentes para preservar sua atratividade, como
móveis.
No modelo de consumo atual, após a realizaçãoda compra de um produto, este passa
a ser de total responsabilidade do consumidor e do ponto de venda. Ou seja, se o produto
estraga, muitas vezes ele é substituído por um novo, gerando lixo. No modelo colaborativo
dos sistemas de serviços de produtos, a empresa responsável pela fabricação do produto
também é responsável pelo produto após a sua venda, gerando um ciclo de vida fechado e
evitando o desperdício (BOTSMAN; ROGERS, 2010).
Provavelmente o exemplo mais comum de sistemas de serviços de produtos está
relacionado aos meios de transporte, como o aluguel de carros e bicicletas. Segundo
Botsman e Rogers (2010), o conceito de transporte público para aluguel já existia em grande
parte da Europa dois séculos antes da invenção do automóvel, e tinha como base o aluguel
de carruagens puxadas a cavalo e cocheiros. No entanto, o conceito contemporâneo de
compartilhamento urbano de carros existe há pouco mais de 60 anos, tendo se popularizado
como um estilo de vida sustentável nos últimos cinco ou seis anos. Atualmente existem mais
de mil cidades no mundo onde as pessoas podem compartilhar carros.
O melhor exemplo de compartilhamento de carros que existe atualmente teve início
e ganhou espaço nos Estados Unidos, Canadá e Europa. A Zipcar, considerada uma das
empresas com as taxas mais rápidas de crescimento da década, é um exemplo de
compartilhamento de sucesso. A empresa trabalha com o aluguel de automóveis de uma
forma diferente, na qual os carros podem ser facilmente localizados e distribuídos por toda a
cidade através da Internet, tornando o serviço extremamente prático e sustentável. Para
criar um vínculo mais forte entre os clientes e a empresa, é dado um nome para cada carro -
como "Betsy", o primeiro deles. Além disso, os clientes recebem um Zipcard e são
apelidados de Zipsters, construindo uma identidade de comunidade entre os usuários, e
37
diferenciando a Zipcar das antigas empresas de compartilhamento de carros (GANSKY,
2011). Botsman e Rogers (2010) destacam que o Zipcar está alterando o valor de
propriedade de carro para as pessoas, utilizando a mesma mentalidade psicológica e
sociológica de marcas que as levou a comprar e possuir, para fazê-las compartilhar.
Outra forma de transporte altamente favorecida nas grandes cidades é o
compartilhamento de bicicletas. Além de ter preços baixos de mensalidade e manutenção, o
sistema de aluguel de bicicletas está se tornando cada vez mais comum em todos os lugares
do mundo. O uso público das bicicletas teve início em 1968, em Amsterdam, Holanda, com
as White Bikes. O projeto, no entanto, não deu certo, e morreu logo em seguida. Em 1995,
foi lançado um projeto parecido em Copenhagen, Dinamarca, baseado num depósito de
moedas em estações específicas na cidade. No entanto, foi devido às tecnologias modernas
que os sistemas de compartilhamento de bicicletas se popularizaram (DEMAIO, 2013). Em
2013, o compartilhamento de bicicletas cresceu 60% em todo o mundo. Estima-se que cerca
de 700 cidades ofereçam atualmente o serviço. De acordo com consultores do The Bike-
Sharing Blog, existem 700 mil bicicletas em 33 mil estações em todo o mundo. A África e a
Antártica são os únicos continentes onde o sistema ainda não existe (MEDDIN, 2013). Esta
tendência só tende a crescer.
2.2.2 Mercados de Redistribuição
Segundo Botsman e Rogers (2010), os mercados de redistribuição têm como base a
troca, compra e venda de produtos usados, que podem ser "redistribuídos" para outras
pessoas que os necessitem. Com o objetivo de tornar mais longa a vida de determinado
produto, a redistribuição entra como o quinto "R" em um sistema sustentável de comércio:
reduzir, reciclar, reutilizar, reformar e redistribuir.
A redistribuição de produtos possui duas consequências não intencionais positivas.
Ao compartilhar mercadorias ao invés de comprar novos produtos, são evidentes os
benefícios ambientais. Além de maximizar o uso de produtos e ampliar a longevidade de
itens individuais, a redistribuição diminui a necessidade de recursos para a produção de um
novo produto, e reduz as emissões de carbono. Assim, é possível evitar o desperdício e
"quebrar" o sistema de hiperconsumismo.
38
A agência de proteção ambiental dos EUA estimou que 98% de todo o lixo seja
industrial (e que uma grande porcentagem seja produzida ao fabricar novos
produtos) e apenas 2% seja doméstico. Por mais que reciclemos nosso papel,
nossas garrafas e nossos plásticos, a melhor maneira de ajudar a evitar o
desperdício é comprar menos coisas novas e reutilizar e redistribuir mais do que já
temos (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 106).
O segundo benefício dos mercados de redistribuição é a construção da comunidade.
Antes do surgimento da Internet, era extremamente difícil manter grupos de pessoas com
desejos e necessidades semelhantes alinhados. Para que uma pessoa que tivesse algo para
dar e outra que quisesse aquele item se encontrassem era uma tarefa complicada, tornando
o compartilhamento de produtos um tanto inconveniente. A Internet e as redes sociais
tornaram este processo muito mais rápido e eficiente, ao combinar oferta e demanda por
meio de uma sincronização em massa quase instantânea de desejos ou necessidades em que
as duas partes sempre ganham. Como consequência não intencional, os mercados de
redistribuição acabam por gerar interações entre pessoas e um sentimento de comunidade.
Nas redes sociais, uma pessoa ajuda a outra sem necessariamente exigir um retorno
desta mesma pessoa. Isto se chama reciprocidade indireta, propagada pela dinâmica
cooperativa. Botsman e Rogers (2010) explicam que essa cultura costuma ser chamada de
"economia do presente", na qual as pessoas dão mercadorias e serviços sem um acordo
explícito de alguma recompensa imediata ou futura. Desta forma, a reutilização cria
confiança entre desconhecidos. Normalmente as redes de redistribuição online têm um
enorme alcance e usuários de todos os lugares do mundo. Mesmo assim, os casos de fraude
e mau comportamento são apenas uma pequena porcentagem. As comunidades geralmente
são descentralizadas e auto-organizadas.
Assim como acontece com tantas outras formas de consumo colaborativo,
empurrando o poder de volta para os seus usuários, estes mercados de
redistribuição motivam as pessoas a administrar suas próprias ações e as ações de
toda a comunidade. Por sua vez, isso cria um grau elevado de confiança e
reciprocidade para fazer com que coisas excedentes passem de maneira eficiente
da falta de utilização para a reutilização (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 113)
O site de redistribuição de produtos mais conhecido mundialmente, que aplicou pela
primeira vez a auto-organização entre seus usários, é o e-Bay. Criado em 1996, ele se tornou
um modelo bem-sucedido de consumo colaborativo, devido à sua abordagem de baixo para
cima, chamada de "ambiente do povo, pelo povo e para o povo" pelo seu fundador, o norte-
americano Pierre Omidyar. Além disso, foi através do e-Bay que surgiu o sistema de
reputação mais conhecido na Internet, onde os usuários podem avaliar os outros membros
39
publicamente através de feedback e mensagens. O site teve início como uma ferramente de
leilões de produtos usados, e em pouco tempo teve um crescimento vertiginoso. Em 2010, o
e-Bay contava com mais de 221 milhões de membros que negociavam mais de US$ 52
bilhões em mercadorias por ano, o que representa mais do que o Produto Interno Bruto de
125 países do mundo. Ao contrário do seu propósito inicial, o site atualmente é conhecido
como uma gigantesca loja online, com um percentual significativo de trocas envolvendo
produtos novos, mas fornece uma infraestrutura global para a troca de mercadorias
secundárias (BOTSMAN; ROGERS, 2010).
Outro site que é conhecido mundialmente entre os mercados de redistribuição é o
craigslist. Criado em 1995, por Craig Newmark, o site funciona como uma seção de
classificados online, que tem como objetivo atender uma variedade de necessidades
cotidianas das pessoas. Os membros podem anunciar ofertas de trabalho e serviços, achados
e perdidos, realizar fóruns de discussão, negociar a troca e venda de produtos usados, entre
inúmeras outras opções. O craigslist se tornou o site mais popular do mundo para anúncios
classificados, e recebe cerca de 20 bilhões de acessos por mês, o que faz dele o sétimo site
mais visto na Internet (BOSTMAN; ROGERS, 2010).
Tanto o e-Bay como o craigslit podem atuar como ferramenta de troca de produtos
usados, porém ambos os sites trabalham também com a venda de produtos e serviços. No
entanto, em 2003, surgiu um novo site de redistribuição, baseado somente em trocas não
monetárias entre os usuários, o Freecycle. Seu criador, o norte-americano Deron Beal, era
diretor de uma pequena organização sem fins lucrativos que recolhia e reciclava
suprimentos de escritório para empresas locais. Ele percebeu que havia uma grande
quantidade de objetos ainda em boas condições que iam para o lixo, e teve a ideia de criar
uma forma de se desfazer dos objetos que não queria mais, ao mesmo tempo em que
ajudava alguém que poderia reaproveitá-los. Atualmente, o Freecycle é um dos movimentos
voluntários que mais cresce no mundo, com mais de 7 milhões de membros em mais de 95
países (BOTSMAN; ROGERS, 2010).
Outro mercado de redistribuição que tem ganhando espaço na Internet é o Swap
Tree. Lançado em 2007 pelos amigos e experts da matemática Boesel e Hexamer, o site atua
de uma forma um pouco diferente dos vistos acima. Os usuários que desejam trocar um
produto por outro devem digitar o código de barras do seu produto e a condição em que ele
se encontra —de gasto a nunca utilizado —e, em menos de 60 milésimos, é possível ter uma
40
lista completa de todos os produtos que podem ser trocados na mesma faixa de valor e
condição. Assim, é possível que os usuários tenham uma experiência de escolha e satisfação
instantânea similar a da compra de produtos novos (BOTSMAN; ROGERS, 2010).
Segundo Botsman e Rogers (2010), os mercados de redistribuição funcionam melhor
para produtos que tem como objetivo atender uma necessidade de curto prazo ou produtos
que ficam menos atraentes após um tempo, como livros, jogos e roupas. O rápido
crescimento da troca e venda de produtos usados mostra que, no futuro, o conceito de
"propriedade temporária" será tão comum quanto comprar algo novo.
2.2.3 Estilos de Vida Colaborativos
O compartilhamento de espaço, tempo, dinheiro e habilidades não surgiu com a
Internet, e sim remete a atividades exercidas antigamente que, com o desenvolvimento da
sociedade de consumo, muitas vezes acabaram esquecidas ou desinteressantes. Botsman e
Rogers (2010) afirmam que, no entanto, a tecnologia foi a ferramenta que faltava para que
este tipo de atividade voltasse à tona, trazendo novos valores a estas soluções, como
abertura, comunidade, acessibilidade, sustentabilidade e, claro, colaboração.
Sistemas de serviços de produtos e mercados de redistribuição nos levam a
repensar as razões e a maneira como consumimos produtos e serviços. Mas o que
dizer sobre os ativos menos tangíveis e mais pessoais que compõem nossas vidas
quotidianas? E o que dizer de coisas como o conhecimento, tempo, espaços de
trabalho, criatividade, dinheiro, casas, jardins e outros espaços sociais? Não são
apenas bens de consumo que podem ser trocados, emprestados, presenteados ou
permutados. Você pode compartilhar um sofá, um jardim, um escritório, uma
carona, um espaço de trabalho, uma refeição, uma tarefa, uma habilidade, ou
vegetais orgânicos. Estes intercâmbios estão prosperando em um sistema que
chamamos de estilos de vida colaborativos (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 129).
Uma das formas mais inovadoras de estilos de vida colaborativos tem base no
escambo, a atividade mais antiga de negociação econômica. Botsman e Rogers (2010)
explicam que, através de plataformas online, os mercados de escambo, como são chamados,
não carregam quaisquer produtos ou serviços, mas funcionam como a corretora ou
facilitadora das transações. Ou seja, empresas e indivíduos doam mercadorias e serviços
para ganhar dólares ou libras de escambo que se tornam um crédito dentro de uma conta.
Este crédito pode ter utilizado para adquirir outras mercadorias ou produtos, não
necessariamente do usuário ou empresa que utilizou os seus serviços ou mercadorias.
41
Muitos destes sistemas utilizam moedas imaginárias, chamadas também de moedas entre
pares.
Este sistema supera o problema da "coincidência dupla de desejos" —quando os dois
indivíduos envolvidos na troca devem querer as mercadorias e serviços um do outro — já
que as trocas não precisam ser recíprocas. Ou seja, uma pessoa dona de um hotel pode
disponibilizar sem custo um quarto para um viajante e ganhar um crédito online na sua
conta, que pode gastar utilizando serviços que outras pessoas disponibilizam na mesma
rede, desde um tratamento odontológico a um corte de cabelo, entre outras inúmeras
opções. Entre os mercados de escambo que existem atualmente estão o ITEX, Superfluid
Barterbrokers, Tradebank, Nubarter e o Bartercard, que atuam principalmente nos países
norte-americanos e europeus.
Outro exemplo de estilo de vida colaborativo está crescendo no mundo financeiro,
conhecido como empréstimo social. Empresas como o Zopa, na Europa, e o Prosper e o
Lending Club, nos Estados Unidos, têm como base o empréstimo de dinheiro entre pessoas,
eliminando a função de intermediário do grande banco. Para Botsman e Rogers (2010), este
sistema retoma a premissa básica do empréstimo social, quando pessoas emprestavam
dinheiro para família e amigos, sendo necessário, para que um empréstimo acontecesse, um
credor, um tomador de empréstimo e uma testemunha. Com o desenvolvimento do
comércio e da economia, estas negociações passaram a depender de um canal central de
confiança, e surgiram os intermediários financeiros, que removiam a fidelidade da
comunidade.
Neste novo sistema, os credores conseguem taxas de lucros maiores do que nos
investimentos em poupanças e no mercado de ações, e os tomadores de empréstimos
conseguem juros mais acessíveis que os dos bancos. Os mercados de empréstimo social,
como o Zopa, cobram taxas muito mais baixas que os cartões de créditos, e a transparência
cria mais confiança entre os usuários. "Os tomadores de empréstimos costumam dizer que
preferem pagar juros para os credores do Zopa a pagarem para um banco. Eles se sentem
valorizados em vez de explorados" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 138).
Outra forma de compartilhar dinheiro, conhecida mundialmente, é o crowdfunding,
ou financiamento coletivo. Através de uma plataforma online é possível arrecadar fundos
para os mais diversos tipos de projetos sociais, culturais e pessoais. Gansky (2011) estuda o
caso do Kickstarter, maior site de financiamento coletivo do mundo, que nasceu em 2009 e
42
trouxe uma nova maneira de financiar ideias e projetos criativos na Internet. Começar um
projeto no site é gratuito, e deve-se estabelecer uma meta financeira a ser atingida em um
prazo determinado. Para incentivar as pessoas a ajudarem, além da divulgação e
identificação com o projeto, é necessário disponibilizar recompensas para os financiadores,
que variam conforme o valor doado, flexível. O Kickstarter aplica uma taxa de 5% ao valor
apurado, e se o objetivo não é atingido no prazo, todos os compromissos são cancelados.
Segundo pesquisa divulgada pelo site Globo (2013), o interesse sobre crowdfunding cresceu
depois que o presidente norte-americano Barack Obama assinou uma legislação para
legalizar o sistema, que está sendo regulamentado. Desde então, os volumes de
financiamento coletivo alcançaram US$ 2,66 bilhões em 2012, segundo pesquisa da
Massolution, empresa de consultoria especializada no setor (GLOBO, 2013).
Botsman e Rogers (2010) apontam que, atualmente, estão surgindo, em todo o
mundo, estilos de vida colaborativos baseados em ecovilas, habitações coletivas,
cooperativas e outras formas de comunidades intencionais, que remetem ao conceito de
"comunas", comunidades em que os recursos são compartilhados. Estas comunidades
permitem que as pessoas colaborem, formem novos vínculos sociais e fragmentem as
barreiras emocionais e estigmas associados com o ato de compartilhar ou pedir ajuda. Um
dos mais famosos tipos de comunidades que surgiram nos últimos anos são os espaços
compartilhados de trabalho, oucoworking.
O conceito de coworking foi criado por Brad Neuberg, em 2005. Ele trabalhava como
freelancer e gostava de trabalhar em casa, porém estava cansado de não ter pessoas com
quem conversar nos intervalos. Ele já havia tentado trabalhar em cafés, mas achou
barulhento e sentiu falta de interações significativas. Na busca de um local de trabalho que
pudesse unir a liberdade e independência de ser um freelancer e o sentimento de
comunidade, ele e mais três amigos alugaram um espaço para reuniões e, posteriormente,
promoveram um encontro de coworking. Diversos profissionais se interessaram e o conceito
de escritório compartilhado foi ganhando espaço mundialmente (BOTSMAN; ROGERS, 2010).
Botsman e Rogers (2010) apontam que os escritórios de coworking são vistos por
muitos dos seus usuários como centros de interações, e combinam os melhores elementos
de um café (social enérgico, criativo) com os melhores elementos de um espaço de trabalho
(produtivo, funcional). Segundo pesquisa realizada pela DeskMag, os espaços de coworking
no mundo inteiro estão crescendo e se diversificando. Dois terços dos espaços já existentes
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre
Consumo colaborativo em Porto Alegre

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a Consumo colaborativo em Porto Alegre

Observatório de Cultura Digital - Conexões Científicas 2014: "Tecnologia Soci...
Observatório de Cultura Digital - Conexões Científicas 2014: "Tecnologia Soci...Observatório de Cultura Digital - Conexões Científicas 2014: "Tecnologia Soci...
Observatório de Cultura Digital - Conexões Científicas 2014: "Tecnologia Soci...AcessaSP
 
Desafio Profissional Anjos de patas
Desafio Profissional Anjos de patasDesafio Profissional Anjos de patas
Desafio Profissional Anjos de patasWellinton Santos
 
TCC Marcelo Fraiha - A Colaboração Social no Mundo dos Negócios e da Inovação...
TCC Marcelo Fraiha - A Colaboração Social no Mundo dos Negócios e da Inovação...TCC Marcelo Fraiha - A Colaboração Social no Mundo dos Negócios e da Inovação...
TCC Marcelo Fraiha - A Colaboração Social no Mundo dos Negócios e da Inovação...Marcelo Azevedo
 
Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.
Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.
Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.Ofhelia Raquel Lemos
 
Artigo Científico - Marketing de Mídias Sócias para PMEs Em Meio as Mudanças...
Artigo Científico - Marketing de Mídias Sócias para PMEs Em Meio as Mudanças...Artigo Científico - Marketing de Mídias Sócias para PMEs Em Meio as Mudanças...
Artigo Científico - Marketing de Mídias Sócias para PMEs Em Meio as Mudanças...Caio César
 
Experiencias de consumo contemporaneo-libre
Experiencias de consumo contemporaneo-libreExperiencias de consumo contemporaneo-libre
Experiencias de consumo contemporaneo-libreNathália Santos
 
Do advento da internet à catalaxia do ciberespaço
Do advento da internet à catalaxia do ciberespaçoDo advento da internet à catalaxia do ciberespaço
Do advento da internet à catalaxia do ciberespaçoTatiana Couto
 
Experiencias de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
Experiencias de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergênciaExperiencias de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
Experiencias de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergênciaPatricia Bieging
 
Experiências de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
Experiências de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergênciaExperiências de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
Experiências de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergênciaPimenta Cultural
 
Aneel A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs Livio Giosa
Aneel   A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs Livio GiosaAneel   A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs Livio Giosa
Aneel A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs Livio Giosataniamaciel
 
CóPia De Aneel A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs L...
CóPia De Aneel   A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs L...CóPia De Aneel   A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs L...
CóPia De Aneel A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs L...taniamaciel
 
ShareFest Porto Alegre - Apresentação, Pilares de Conteúdo e Eixos Temáticos
ShareFest Porto Alegre - Apresentação, Pilares de Conteúdo e Eixos TemáticosShareFest Porto Alegre - Apresentação, Pilares de Conteúdo e Eixos Temáticos
ShareFest Porto Alegre - Apresentação, Pilares de Conteúdo e Eixos TemáticosPh Martins
 
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital s...
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital s...Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital s...
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital s...Renato Davini
 
O USO DA INTERNET/ REDES SOCIAIS PELAS EMPRESAS
O USO DA INTERNET/ REDES SOCIAIS PELAS EMPRESASO USO DA INTERNET/ REDES SOCIAIS PELAS EMPRESAS
O USO DA INTERNET/ REDES SOCIAIS PELAS EMPRESASMayara Atherino Macedo
 
Aspectos comunicacionais e mercadológicos na era dos negócios digitais
Aspectos comunicacionais e mercadológicos na era dos negócios digitaisAspectos comunicacionais e mercadológicos na era dos negócios digitais
Aspectos comunicacionais e mercadológicos na era dos negócios digitaisGrupo COMERTEC
 
A UTILIZAÇÃO DO SOCIAL COMMERCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARA MICRO E PEQUEN...
A UTILIZAÇÃO DO SOCIAL COMMERCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARA MICRO E PEQUEN...A UTILIZAÇÃO DO SOCIAL COMMERCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARA MICRO E PEQUEN...
A UTILIZAÇÃO DO SOCIAL COMMERCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARA MICRO E PEQUEN...Jose Ribeiro
 
Assessoria de imprensa nas redes sociais: uma análise da comunicação da Eletr...
Assessoria de imprensa nas redes sociais: uma análise da comunicação da Eletr...Assessoria de imprensa nas redes sociais: uma análise da comunicação da Eletr...
Assessoria de imprensa nas redes sociais: uma análise da comunicação da Eletr...Adam Esteves Debiasi
 

Semelhante a Consumo colaborativo em Porto Alegre (20)

Observatório de Cultura Digital - Conexões Científicas 2014: "Tecnologia Soci...
Observatório de Cultura Digital - Conexões Científicas 2014: "Tecnologia Soci...Observatório de Cultura Digital - Conexões Científicas 2014: "Tecnologia Soci...
Observatório de Cultura Digital - Conexões Científicas 2014: "Tecnologia Soci...
 
Desafio Profissional Anjos de patas
Desafio Profissional Anjos de patasDesafio Profissional Anjos de patas
Desafio Profissional Anjos de patas
 
TCC Marcelo Fraiha - A Colaboração Social no Mundo dos Negócios e da Inovação...
TCC Marcelo Fraiha - A Colaboração Social no Mundo dos Negócios e da Inovação...TCC Marcelo Fraiha - A Colaboração Social no Mundo dos Negócios e da Inovação...
TCC Marcelo Fraiha - A Colaboração Social no Mundo dos Negócios e da Inovação...
 
PLATAFORMA COLABORATIVA: PÉ NO PEDAÇO - AGÊNCIA CLARIÔ
PLATAFORMA COLABORATIVA: PÉ NO PEDAÇO - AGÊNCIA CLARIÔPLATAFORMA COLABORATIVA: PÉ NO PEDAÇO - AGÊNCIA CLARIÔ
PLATAFORMA COLABORATIVA: PÉ NO PEDAÇO - AGÊNCIA CLARIÔ
 
Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.
Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.
Consumo, Publicidade e a “Nova Classe C” no Brasil.
 
Artigo Científico - Marketing de Mídias Sócias para PMEs Em Meio as Mudanças...
Artigo Científico - Marketing de Mídias Sócias para PMEs Em Meio as Mudanças...Artigo Científico - Marketing de Mídias Sócias para PMEs Em Meio as Mudanças...
Artigo Científico - Marketing de Mídias Sócias para PMEs Em Meio as Mudanças...
 
Experiencias de consumo contemporaneo-libre
Experiencias de consumo contemporaneo-libreExperiencias de consumo contemporaneo-libre
Experiencias de consumo contemporaneo-libre
 
Do advento da internet à catalaxia do ciberespaço
Do advento da internet à catalaxia do ciberespaçoDo advento da internet à catalaxia do ciberespaço
Do advento da internet à catalaxia do ciberespaço
 
Artigo o que importa é ter fãs
Artigo o que importa é ter fãs Artigo o que importa é ter fãs
Artigo o que importa é ter fãs
 
Experiencias de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
Experiencias de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergênciaExperiencias de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
Experiencias de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
 
Experiências de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
Experiências de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergênciaExperiências de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
Experiências de consumo contemporaneo: pesquisas sobre mídia e convergência
 
Aneel A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs Livio Giosa
Aneel   A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs Livio GiosaAneel   A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs Livio Giosa
Aneel A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs Livio Giosa
 
CóPia De Aneel A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs L...
CóPia De Aneel   A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs L...CóPia De Aneel   A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs L...
CóPia De Aneel A Realidade Brasileira No Caminho Da Sustentabilidade E Rs L...
 
ShareFest Porto Alegre - Apresentação, Pilares de Conteúdo e Eixos Temáticos
ShareFest Porto Alegre - Apresentação, Pilares de Conteúdo e Eixos TemáticosShareFest Porto Alegre - Apresentação, Pilares de Conteúdo e Eixos Temáticos
ShareFest Porto Alegre - Apresentação, Pilares de Conteúdo e Eixos Temáticos
 
Rafael arevalo
Rafael arevaloRafael arevalo
Rafael arevalo
 
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital s...
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital s...Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital s...
Transformações no mercado de turismo provocadas pela valorização do capital s...
 
O USO DA INTERNET/ REDES SOCIAIS PELAS EMPRESAS
O USO DA INTERNET/ REDES SOCIAIS PELAS EMPRESASO USO DA INTERNET/ REDES SOCIAIS PELAS EMPRESAS
O USO DA INTERNET/ REDES SOCIAIS PELAS EMPRESAS
 
Aspectos comunicacionais e mercadológicos na era dos negócios digitais
Aspectos comunicacionais e mercadológicos na era dos negócios digitaisAspectos comunicacionais e mercadológicos na era dos negócios digitais
Aspectos comunicacionais e mercadológicos na era dos negócios digitais
 
A UTILIZAÇÃO DO SOCIAL COMMERCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARA MICRO E PEQUEN...
A UTILIZAÇÃO DO SOCIAL COMMERCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARA MICRO E PEQUEN...A UTILIZAÇÃO DO SOCIAL COMMERCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARA MICRO E PEQUEN...
A UTILIZAÇÃO DO SOCIAL COMMERCE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO PARA MICRO E PEQUEN...
 
Assessoria de imprensa nas redes sociais: uma análise da comunicação da Eletr...
Assessoria de imprensa nas redes sociais: uma análise da comunicação da Eletr...Assessoria de imprensa nas redes sociais: uma análise da comunicação da Eletr...
Assessoria de imprensa nas redes sociais: uma análise da comunicação da Eletr...
 

Consumo colaborativo em Porto Alegre

  • 1. 0 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA LOUISE CARPENEDO CONSUMO COLABORATIVO NA ERA DA INTERNET: A MANIFESTAÇÃO DO MERCADO COLABORATIVO EM PORTO ALEGRE (RS) Porto Alegre 2014
  • 2. 1 LOUISE CARPENEDO CONSUMO COLABORATIVO NA ERA DA INTERNET: A MANIFESTAÇÃO DO MERCADO COLABORATIVO EM PORTO ALEGRE (RS) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Orientadora: Profª. Drª. Cristiane Mafacioli Carvalho Porto Alegre 2014
  • 3. 2 LOUISE CARPENEDO CONSUMO COLABORATIVO NA ERA DA INTERNET: A MANIFESTAÇÃO DO MERCADO COLABORATIVO EM PORTO ALEGRE (RS) Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social - Habilitação em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Aprovada em: __ de ____________ de 2014 BANCA EXAMINADORA: ___________________________________ Profª. Drª. Cristiane Mafacioli Carvalho ___________________________________ Prof. Dr. Roberto Tietzmann ___________________________________ Profª. Me. SuzanaGib Azevedo Porto Alegre 2014
  • 4. 3 AGRADECIMENTOS À minha família, pelo suporte em todos os momentos da minha vida. Aos meus amigos, por estarem sempre ao meu lado. Aos meus colegas, pelo aprendizado compartilhado. Aos entrevistados, pela colaboração para que este estudo pudesse ser realizado. À minha orientadora, pela dedicação e por acreditar neste trabalho.
  • 5. 4 RESUMO Este trabalho tem como tema a manifestação do consumo colaborativo em Porto Alegre. Através de pesquisa teórico-aplicada de caráter exploratório, os objetivos desta pesquisa são identificar as principais formas de consumo colaborativo presentes no cenário porto-alegrense, descobrir de que modo as pessoas e empresas colaborativas se inserem no mercado de consumo e identificar os principais fatores que impedem e impulsionam o desenvolvimento da cultura colaborativa em Porto Alegre. Este trabalho tem como foco três sistemas definidos por Bostman e Rogers (2010): sistemas de serviço de produtos, mercados de redistribuição e estilos de vida colaborativos. Para isso, tem-se como base três objetos de estudo que representam cada um destes sistemas na cidade: BikePoa, briques do Facebook e Casa Liberdade, respectivamente. Apresenta-se, na primeira parte deste trabalho, como o consumo colaborativo se estabeleceu na sociedade,e o surgimento de uma nova cultura baseada no compartilhamento, impulsionada pela Internet e colocada em prática por uma geração que cresceu em meio a um ambiente digital e uma crise econômica. Após, busca-se compreender como este novo modelo de consumo está presente na sociedade atual, no Brasil e no mundo. Por fim, aborda-se o cenário de consumo colaborativo em Porto Alegre e como este vem se manifestando na cidade, com base em entrevistas em profundidade semiabertas com consumidores e idealizadores de consumo colaborativo. Após a análise do material coletado, é possível verificar que a cultura colaborativa cresceu significativamente em Porto Alegre no último ano, embora ainda enfrente desafios como falta de estrutura na cidade e dificuldade de confiança entre estranhos. Além disso, fica claro que os consumidores envolvidos nos estilos de vida colaborativos têm maior engajamento com o tema, e percebe-se um grande potencial de crescimento deste sistema em Porto Alegre. Palavras-chave: Consumo Colaborativo. Geração Digital. Compartilhamento.
  • 6. 5 ABSTRACT This dissertation aims to understand the state of collaborative consumption in Porto Alegre. Through applied theoretical research, the dissertation's objectives are to identify the main types of collaborative consumption in the city, to find out the role that individuals and collaborative businesses play in the consumer market, and to identify the main factors that prevent and stimulate the development of a collaborative culture in Porto Alegre. The research is based on three systems defined by Botsman and Rogers (2010): service product systems, redistribution markets and collaborative lifestyles. It focuses on three subjects of study that represent each of these systems in the city: BikePoa, Facebook peer to peermarket groups and Casa Liberdade, respectively. The first part of the dissertation presents how collaborative consumption was established in society, along with the rise of a new culture based on sharing values, driven by the Internet and put into practice by a generation growing up in the context of a digital environment and the economic crisis of 2008. The dissertation then aims to establish how this new model of consumption operates in today's society, both in Brazil and globally. Finally, it discusses the collaborative consumption market in Porto Alegre, and how it expresses itself in the city through in-depth interviews with consumers and creators of collaborative consumption. By analyzing the collected material, it is possible to ascertain that the collaborative culture has grown significantly in Porto Alegre throughout the past year, though there are still challenges to be faced such as the lack of infrastructure in the city and trust issues between strangers. Furthermore, it is clear that consumers involved with collaborative lifestyles have a deeper engagement with the subject, and a great potential for this system's growth can be seen in Porto Alegre. Key words: Collaborative Consumption, Digital Generation, Sharing.
  • 7. 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO...............................................................................................................................8 1 DO CONSUMO AO CONSUMO COLABORATIVO......................................................................... 12 1.1 A SOCIEDADE DE CONSUMO....................................................................................................... 12 1.1.1 A Sociedade Urbana e o Individualismo............................................................................... 15 1.1.2 O Consumo Descartável e os Problemas Socioambientais .................................................. 16 1.2 A SOCIEDADE COLABORATIVA .................................................................................................... 19 1.2.1 A Internet e o Compartilhamento........................................................................................ 19 1.2.2 A Geração Colaborativa........................................................................................................ 24 1.2.3 Uma Nova Forma de Consumir ............................................................................................ 28 2 ENTENDENDO O CONSUMO COLABORATIVO............................................................................ 31 2.1 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS FUNDAMENTAIS .................................................................................. 31 2.2 OS TRÊS SISTEMAS ...................................................................................................................... 34 2.2.1 Sistemas De Serviços De Produtos (SSP).............................................................................. 34 2.2.2 Mercados de Redistribuição................................................................................................. 37 2.2.3 Estilos de Vida Colaborativos ............................................................................................... 40 2.3 A NOVA MOEDA DA ECONOMIA É A REPUTAÇÃO...................................................................... 44 2.4 AS EMPRESAS E OS VALORES COLABORATIVOS.......................................................................... 46 2.5 O FUTURO DA COLABORAÇÃO.................................................................................................... 49 2.6 CONSUMO COLABORATIVO NO BRASIL...................................................................................... 52 2.6.1 Porto Alegre ......................................................................................................................... 54 3 O MERCADO DE CONSUMO COLABORATIVO EM PORTO ALEGRE .............................................. 56 3.1 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.......................................................................................... 56 3.2 O CENÁRIO COLABORATIVO PORTO-ALEGRENSE ....................................................................... 59 3.2.1 Sistemas de Serviços de Produtos........................................................................................ 61 3.2.2 Mercados de Redistribuição................................................................................................. 62 3.2.3 Estilos de Vida Colaborativos ............................................................................................... 64 3.3 ANÁLISE DOS RESULTADOS......................................................................................................... 70 3.3.1 Sistemas de Serviços de Produtos........................................................................................ 71 3.3.2 Mercados de Redistribuição................................................................................................. 76 3.3.3 Estilos de Vida Colaborativos ............................................................................................... 80 3.3.4 Idealizando Projetos Colaborativos...................................................................................... 86 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 92
  • 8. 7 REFERÊNCIAS.............................................................................................................................. 96 APÊNDICE A: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS – BIKEPOA................................................................. 103 APÊNDICE B: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS – BRIQUES DO FACEBOOK.......................................... 104 APÊNDICE C: ROTEIRO DAS ENTREVISTAS – CASA LIBERDADE..................................................... 105 APÊNDICE D: ROTEIRO DA ENTREVISTA – OUISHARE FESTIVAL................................................... 106 APÊNDICE E: ROTEIRO DA ENTREVISTA - SHAREFEST.................................................................. 107
  • 9. 8 INTRODUÇÃO Embora o ato de consumir esteja presente na sociedade há muito tempo, foi a partir do século XX, junto a um novo contexto socioconômico, que surge o termo "sociedade de consumo". Nesta sociedade, segundo Barbosa (2010), os objetos e mercadorias são utilizados como signos culturais, alimentando os desejos insaciáveis dos consumidores. Além de gerar uma grande quantidade de desperdício e problemas ambientais, o consumismo deu lugar a espaços urbanos tomados por uma cultura individualista, onde os laços sociais se tornaram cada vez mais frágeis, e os valores de comunidade se perderam (BAUMAN, 2001). No entanto, ao mesmo tempo em que a sociedade de consumo crescia, novas tecnologias e redes de comunicação estavam sendo desenvolvidas, dando origem, posteriormente, à Internet e à cibercultura (LEMOS, 2009). Leadbeater (2011) afirma que, enquanto a modernidade colaborou para o desenvolvimento do individualismo e da alienação da sociedade, as novas tecnologias instituem uma relação de proximidade e comunidade entre os usuários, principalmente através das redes sociais. A inteligência coletiva é capaz de criar novas maneiras de produzir uma sociedade mais democrática, criativa e inovadora. Essa troca mútua de ideias dá lugar a uma nova visão sobre o futuro, na qual o que se compartilha é tão importante quanto o que se possui, e o que se cultiva é tão importante quanto as conquistas individuais. Um dos princípios que define a Internet é o de que estamos construindo juntos uma rede que permite "[...] compartilhar, socializar, colaborar e, acima de tudo, criar no âmbito de comunidades livremente conectadas" (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 62). Leadbeater (2009) afirma que a interação entre várias pessoas com diferentes pontos de vista e habilidades possibilita colaboração e criatividade social, capazes de alterar aspectos fundamentais da vida econômica, como o trabalho, o consumo, a inovação, a liderança e a produção. A Internet deu origem a novas formas de relacionamento e consumo, e os jovens que cresceram em meio a este mundo digital foram capazes de organizar comunidades virtuais responsáveis pelo renascimento de novos modelos de colaboração. Estes jovens, definidos por Tapscott (2010) como Geração Digital, estão sendo responsáveis pela transformação da Internet de um lugar no qual se encontra informações em um lugar no qual se compartilha informações, se colabora em projetos de interesse mútuo e se cria novas maneiras de
  • 10. 9 resolver problemas culturais, econômicos, políticos e de consumo. Isso deu origem a uma nova economia, baseada no "que é meu é seu". Dentro deste novo cenário, as pessoas estão passando de consumidores passivos para criadores e colaboradores altamente capacitados. A Internet está removendo o intermediário entre empresas e indivíduos, possibilitando também que os próprios indivíduos comercializem entre si. Nasce, assim, o consumo colaborativo, que tem como base o "compartilhamento tradicional, escambo, empréstimo, negociação, locação, doação e troca redefinido por meio da tecnologia e de comunidades de indivíduos em uma escala e de formas jamais antes possíveis" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. xv). O consumo colaborativo teve início nos Estados Unidos e na Europa, e foi impulsionado pela crise econômica de 2008, que fez com que os consumidores destes países buscassem alternativas para economizar dinheiro e reaproveitar produtos que já possuiam. Embora os hábitos colaborativos já existissem antes da crise, a necessidade econômica tornou as pessoas mais abertas a novas formas de ter acesso ao que elas precisavam. (BOTSMAN; ROGERS, 2010). O consumo colaborativo, além de aparecer como solução para muitos dos problemas que as pessoas enfrentaram no cenário econômico em crise, também foi impulsionado por uma mudança de valores. Botsman e Rogers (2010) explicam que as discussões sobre sustentabilidade estão cada vez mais presentes, e os consumidores estão se tornando mais conscientes sobre os danos do hiperconsumismo na natureza e na sociedade, ao mesmo tempo em que as pessoas estão revendo seus relacionamentos com amigos, vizinhos e familiares, trazendo de volta a crença na importância da comunidade, na transparência dos produtos e em um relacionamento mais próximo entre quem compra e quem vende. As pessoas estão experienciando os benefícios da desmaterizalização, e grandes empresas globais estão reinventando o que oferecem e deixando de serem vendedoras de produtos para se tornarem provedoras de serviços. O sentimento de propriedade está cada vez menos atrelado ao que se possui e cada vez mais associado à experiência de autonomia e controle. Além disso, o consumo colaborativo possibilita uma relação mais próxima dos consumidores com outras pessoas ao invés de marcas. Botsman e Rogers (2010) categorizam os diferentes tipos de consumo colaborativo em três sistemas: sistemas de serviço de produtos (SSP), baseado no aluguel de produtos ao invés da compra; mercados de redistribuição, onde itens usados são revendidos ou trocados
  • 11. 10 por outros itens; e estilos de vida colaborativos, que têm base no compartilhamento de dinheiro, habilidades, tempo e espaço. Embora o movimento tenha iniciado e ainda prevaleça muito mais significativo em países europeus e norte-americanos, países "em desenvolvimento" como o Brasil já estão se tornando parte desta nova tendência. Embora o consumo colaborativo no país ainda seja um movimento de nome pouco conhecido, cada vez mais pessoas estão compartilhando e se tornando parte de uma comunidade. Serviços de aluguel de carros e bicicletas, mercados de redistribuição, espaços de coworking e sites de financiamento coletivo talvez sejam os mercados colaborativos mais conhecidos no país. O consumo colaborativo apareceu primeiramente em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, mas já está se espalhando para todos os cantos do país, adquirindo notabilidade principalmente na região sul. Porto Alegre, embora não tenha investimento econômico semelhante aos grandes polos brasileiros, está se mostrando cada vez mais presente culturalmente e socialmente no país. Já é possível ver o surgimento de ações e comunidades colaborativas dos mais diversos tipos na cidade — serviço de aluguel de bicicletas, briques de troca e venda de produtos usados em redes sociais, espaços compartilhados de trabalho e lazer, inúmeras ações de financiamento coletivo, entre outros. Isso mostra que Porto Alegre, embora ainda esteja em processo inicial no sentido da colaboração, está se tornando parte deste grande movimento global. Como este novo cenário colaborativo vem se manifestando em Porto Alegre? Para responder a essa questão, este estudo tem como objetivo investigar o crescimento do mercado de consumo colaborativo na cidade de Porto Alegre (RS), com base nos três sistemas definidos por Botsman e Rogers (2010). Especificamente, a pesquisa visa identificar as principais formas de consumo colaborativo presentes no cenário porto-alegrense, descobrir de que modo as pessoas e empresas colaborativas de Porto Alegre se inserem no mercado de consumo e identificar os principais fatores que impedem e impulsionam o desenvolvimento da cultura colaborativa na cidade. Para que esses objetivos fossem alcançados, foi realizada pesquisa teórico-aplicada de caráter exploratório. Além da técnica de pesquisa bibliográfica, foram utilizados como dados complementares informações retiradas de sites, blogs e redes sociais, devido ao consumo colaborativo ser um assunto recente que tem ganhado espaço principalmente nos últimos cinco anos. Desenvolveu-se, então, um levantamento de dados secundários com o
  • 12. 11 objetivo de identificar, explicar e exemplificar as principais formas de consumo colaborativo presentes no cenário porto-alegrense. A partir daí, foram selecionados objetos de estudo relevantes para a pesquisa, e empregada a técnica de entrevista em profundidade para a coleta de dados primários, tanto com usuários e consumidores colaborativos quanto com idealizadores de projetos. O desenvolvimento desta monografia está estruturado em três seções. A primeira tem como objetivo mostrar como o consumo colaborativo se estabeleceu na sociedade e os seus principais efeitos, e o surgimento de uma nova cultura baseada no compartilhamento, impulsionada pela Internet e colocada em prática por uma geração que cresceu em meio a um ambiente digital e uma crise econômica. A segunda seção busca compreender como esta nova forma de consumo está presente na sociedade atual, passando pelos princípios básicos fundamentais, os principais sistemas que formam a economia colaborativa, a confiança e a reputação na Internet, a influência que a colaboração pode ter nas empresas e negócios, o possível futuro do compartilhamento e, por fim, um breve panorama do consumo colaborativo no Brasil. A terceira seção aborda os procedimentos metodológicos de pesquisa, o cenário de consumo colaborativo em Porto Alegre e a análise do material coletado, para que os principais objetivos deste estudo sejam atendidos.
  • 13. 12 1 DO CONSUMO AO CONSUMO COLABORATIVO Para entender o conceito de consumo colaborativo, primeiramente é necessário compreender como a palavra "consumo" se relaciona com "colaboração". Nesta seção busca-se, com base em pesquisa bibliográfica, mostrar como o consumo se estabeleceu na sociedade e os seus principais efeitos, e o surgimento de uma nova cultura baseada no compartilhamento, impulsionada pela Internet e colocada em prática por uma geração que cresceu em meio a um ambiente digital e uma crise econômica. Para isso, são centrais as ideias dos autores Bauman (2001, 2008), Barbosa (2010), Korten (1996), Leadbeater (2011), Tapscott e Williams (2007), Tapscott (2010) e Botsman e Rogers (2010). 1.1 A SOCIEDADE DE CONSUMO O consumo, atualmente, está tão presente na sociedade que fica difícil imaginar a vida sem consumir. A maioria das pessoas, que cresceu em meio a uma sociedade consumista, aceita o consumo como algo natural. Se reduzido à forma arquetípica do ciclo metabólico de ingestão, digestão e excreção, o consumo é uma condição, e um aspecto, permanente e irremovível, sem limites temporais ou históricos; um elemento inseparável da sobrevivência biológica que nós humanos compartilhamos com todos os outros organismos vivos (BAUMAN, 2008, p. 37). No entanto, a partir do século XX, surge um novo contexto socioeconômico que dá origem ao que hoje conhecemos por "sociedade de consumo". Em decorrência do ambiente de terror gerado pela Primeira Guerra Mundial, o homem passa a ter uma nova percepção do tempo e da vida, onde passa a viver em função do presente e a valorizar o individualismo. Na questão industrial, há um aumento da produção e do mercado para os mais diversos produtos, e a velocidade de desenvolvimento científico e tecnológico provoca mudanças em todos os outros aspectos da sociedade (GONÇALVES, 2008). Após a Segunda Guerra Mundial, os países europeus se encontravam em ruínas, e o mundo se dividiu em duas superpotências: os Estados Unidos (EUA), e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) que, durante quase meio século, travaram uma disputa pela hegemonia do mundo, no conflito ideológico-político conhecido como Guerra Fria. Durante este tempo, as grandes empresas estadunidenses investiram em
  • 14. 13 desenvolvimento tecnológico e tornaram globais os meios de comunicação (GONÇALVES, 2008). Os novos avanços tecnológicos possibilitaram um crescente desenvolvimento industrial, tornando os preços cada vez menores e a renda cada vez maior, aumentando a demanda de produtos e serviços (HAWKEN, 2007). Esse crescimento teve como base o aumento da produtividade do trabalho e, consequentemente, do salário-hora per capita em diversos países industrializados, aumentanto o poder de compra dos assalariados. "Por conseguinte, eleva-se o nível de consumo; modifica-se a estrutura de consumo; generaliza- se a compra de novos bens duráveis, símbolos da 'sociedade de consumo'" (BEAUD, 2004, p. 318). Ou seja, ao lado das peculiaridades sócio-culturais de cada povo, de cada nação ou nacionalidade, desenvolvem-se, segundo Ianni (1999a, p.218), tecnologias e mentalidades com base nos princípios da produtividade e da competitividade da lógica de mercado. Desenvolvem-se e mundializam-se, também, padrões, instituições e valores sócio-culturais, formas de agir, pensar e perceber o mundo de acordo com as necessidades da produtividade, do lucro e da competitividade, imprescindíveis à indústria. Desse modo, ultrapassando as fronteiras do comportamento e de pensamento dos indivíduos, o consumismo se generaliza e se intensifica (GONÇALVES, 2008, p. 26). Para Bauman (2008), o consumo é uma característica e ocupação dos seres humanos como indivíduos, enquanto o consumismo é um atributo da sociedade, que transforma as vontades, desejos e anseios humanos rotineiros na principal força que coordena a reprodução sistêmica, a integração e a estratificação sociais, além da formação da identidade individual e de grupo. Se até então o consumo era analisado de forma moral, a partir da década de 1980, ele passou a ser discutido com base em uma visão sociológica. Barbosa (2010) afirma que a cultura material e o consumo são aspectos fundamentais de qualquer sociedade, e as atividades cotidianas são responsáveis pela formação de identidades, relações e intuições sociais. No entanto, apenas a sociedade atual foi caracterizada como sociedade de consumo, ou seja, o consumo passa a ter um significado muito maior do que apenas satisfazer as necessidades materiais e sociais. A cultura do consumidor é uma cultura de consumo de uma sociedade de mercado. No mundo moderno o consumo se tornou o foco central da vida social. Práticas sociais, valores culturais, ideias, aspirações e identidades são definidas e orientadas em relação ao consumo ao invés e para outras dimensões sociais como trabalho, cidadania e religião entre outros (SLATER apud BARBOSA, 2010, p. 31).
  • 15. 14 Nesse ambiente de consumo, "os objetos e as mercadorias são utilizados como signos culturais de forma livre pelas pessoas para produzirem efeitos expressivos em um determinado contexto" (BARBOSA, 2010, p. 23). Partindo da análise de Mike Featherstone, no livro "Cultura de consumo e pós-modernismo", Barbosa (2010) define consumo como a simbolização e o uso dos bens materiais como comunicadores e não apenas utilidades. Na mesma linha, Baudrillard (1981) entende que não consumimos o objeto em si, no seu valor de uso, mas sim os signos que estes objetos representam e distinguem o indivíduo, alimentando os desejos de consumo. Já Bauman (2008) entende que a sociedade de consumo tem como base a promessa de satisfazer os desejos humanos de forma que nenhuma outra sociedade passada pode fazer, mas essa promessa só permanece sedutora enquanto o desejo continuar insatisfeito. Para que os consumidores mantenham-se sempre interessados em adquirir produtos novos, é preciso que haja sempre uma grande variedade de produtos disponíveis nas prateleiras. Segundo Sennet (2006), a fabricação industrial capitalista se baseia na "construção em plataforma" dos mais variados bens de consumo. A plataforma é um objetivo básico, onde são aplicadas pequenas mudanças superficiais, para transformar o produto numa marca específica. Desta forma, aumenta-se a variedade dos produtos e a opção de escolha dos consumidores, aumentando consequentemente o consumo. O capitalismo não entregou os bens às pessoas; as pessoas foram crescentemente entregues aos bens; o que quer dizer que o próprio caráter e sensibilidade das pessoas foi reelaborado, reformulado, de tal forma que elas se agrupam aproximadamente ... com as mercadorias, experiências e sensações ... cuja venda é o que dá forma e significado a suas vidas (SEABROOK apud BAUMAN, 2001, p. 100). Para Bauman (2008), o consumismo engana o consumidor, indo contra a razão e estimulando emoções consumistas. O consumo tem um caráter ilimitado, no qual a produtividade é gigantesca e a capacidade de consumo ainda maior, e as necessidades jamais podem ser satisfeitas, pois "[...] é no consumo do excedente e do supérfulo que, tanto o indivíduo como a sociedade, se sentem não só existir, mas viver" (BAUDRILLARD, 1981, p. 41).
  • 16. 15 1.1.1 A Sociedade Urbana e o Individualismo Para Lefevbre (1999), a sociedade pós-industrial pode ser denominada "sociedade urbana", o que não tira o valor de outro termo muito utilizado para designar a realidade contemporânea: "sociedade burocrática de consumo dirigido". O crescimento econômico e a industrialização tiveram um enorme impacto na formação dos territórios. As pessoas que antes viviam no campo acompanharam os meios de produção, e se integraram à indústria e ao consumo de produtos dessa indústria. Dá-se início, então, ao processo de urbanização, e surge o que hoje denominamos as grandes cidades. As ruas que formam estas cidades são lugares de passagem, que permitem apenas encontros superficiais entre as pessoas. "A rua não permite a constituição de um grupo, de um 'sujeito', mas se povoa de um amontado de seres em busca. De quê? O mundo da mercadoria desenvolve-se na rua" (LEVEVBRE, 1999, p. 30). Bauman (2001), por sua vez, afirma que os espaços públicos das cidades contemporâneas se afastam do modelo ideal do espaço civil. Muitos deles carecem de hospitalidade, atuando apenas como objeto de admiração e não de interação, e outros são projetados com o principal objetivo de compartilhar o consumo, ou seja, o espaço é compartilhado por diversas pessoas que realizam a mesma atividade e participam da mesma ação, porém sem nenhuma interação social entre si. "Por mais cheios que possam estar, os lugares de consumo coletivo não têm nada de 'coletivo'" (BAUMAN, 2001, p. 114). Estes espaços públicos, mas não civis, permitem às pessoas que elas compartilhem um mesmo espaço com estranhos sem ter a necessidade de interagir; desta forma os laços sociais se tornam cada vez mais frágeis, e as pessoas desenvolvem "medo" do diferente, do estranho, do estrangeiro, criando barreiras e cercas de proteção e segmentação. A comunidade definida por suas fronteiras vigiadas de perto e não mais por seu conteúdo; a "defesa da comunidade" traduzida como o emprego de guardiões armados para controlar a entrada; assaltante e vagabundo promovidos à posição de inimigo número um; compartimentação das áreas públicas em enclaves "defensáveis" com acesso seletivo; separação no lugar da vida em comum - essas são as principais dimensões da evolução corrente da vida urbana (BAUMAN, 2001, p. 111). Bauman (2001) afirma, ainda, que a individualização vai contra os princípios da cidadania. Enquanto o cidadão tende a buscar o seu bem-estar através do bem-estar da cidade, o indivíduo tem como foco gozar da sua liberdade de escolha e satisfazer apenas
  • 17. 16 seus desejos. "A individualização traz para um número sempre crescente de pessoas uma liberdade sem precedentes de experimentar—mas [...] traz junto a tarefa também sem precedentes de enfrentar as consequências" (BAUMAN, 2001, p. 47). Embora vista de forma positiva por alguns, levando à liberdade individual e ao igualitarismo, a cultura do consumo é vista por outros como a responsável pelo afastamento das pessoas de valores e relações sociais mais verdadeiros. Segundo Barbosa (2010), o consumo é uma atividade solitária, baseada no desempenho individual, mesmo que realizado na companhia de alguém, pois não consegue estabelecer vínculos duradouros. Bauman (2008) também afirma que o mercado de consumo gera uma vida autocentrada, autorreferencial e egoísta, e acaba com a responsabilidade pelo outro, pela comunidade. A busca pela autoidentificaçã oatravés do consumo é capaz de desestruturar uma sociedade; ao compartilhar uma mesma tarefa — consumir — em condições inteiramente diferentes, as pessoas são induzidas à competição, e acabam não desenvolvendo a condição humana de cooperar (BAUMAN, 2001). Korten (1996) critica o desenvolvimento das cidades, que foram inventadas como lugares dedicados à interação humana e, antigamente, consistiam principalmente de espaço de troca para as pessoas, com o propósito de "facilitar o intercâmbio de informações, de amizade, cultura, conhecimento, percepções [e] habilidades" (ENGWICHT apud KORTEN, 1996, p. 323). Este individualismo característico da vida urbana baseado no consumismo teve um impacto direto na vida das pessoas e no meio-ambiente, levando a sérias consequências socioambientais. Para que isto seja revertido, é necessário reorganizar as sociedades de forma sustentável e equilibrada; valorizando as escolhas coletivas ao invés das individuais. 1.1.2 O Consumo Descartável e os Problemas Socioambientais A síndrome consumista, que valoriza a novidade acima da permanência, tem como principais objetos do desejo humano o ato da apropriação e, em seguida, da remoção de lixo. Ela envolve velocidade, excesso e desperdício. Bauman (2008) afirma que, em uma sociedade consumista, a felicidade não está atrelada à satisfação de necessidades, mas sim a um volume e uma intensidade de desejos sempre crescentes, que exigem o uso imediato e a rápida substituição de objetos para satisfazê-los. Se desfazer de um objeto ou produto traz
  • 18. 17 uma sensação de prazer às pessoas. Assim, cria-se uma "obsolescência embutida" dos bens oferecidos no mercado e um significativo aumento na indústria da remoção do lixo. Sennet (2006) apresenta, como exemplo contrário ao consumismo atual, um olhar aos objetos presentes na casa de um funcionário parisiense do antigo regime. No quarto, haveria poucas roupas e sapatos, passados de mão em mão através de gerações. Na cozinha, algumas louças, tudo feito à mão. Entretanto, na metade do século XX, a economia tornou possível que, ao invés de serem consertados ou reutilizados, esses objetos fossem descartados e substituídos por novos. Em 1955, a revista americana Life publicou um artigo entitulado Throwaway Living. Acompanhado de uma imagem de uma família alegre jogando para o alto todos os tipos de utensílios descartáveis, o artigo tinha como objetivo propagar a nova cultura de consumo nascida com o pós-guerra, celebrando o descarte dos objetos. Dizia o texto que acompanhava a foto: "Os objetos voando pelo ar demorariam 40 horas para serem limpos, mas nenhuma dona de casa precisa se preocupar. Todos eles podem ser jogados fora após o uso" (LIFE, c2014, tradução nossa). Segundo Baudrillard (1981), a sociedade de consumo sente a necessidade de adquirir objetos e, em seguida, os destruir. O objeto de consumo não é mais produzido em função do seu valor de uso ou duração, mas sim em função da sua morte, tornando-o, desta forma, frágil, obsoleto e efêmero. Para que este sistema permaneça em funcionamento, a publicidade tem como objetivo principal tirar o valor de uso dos objetos, diminuindo seu tempo de vida e os sujeitando à renovação acelerada. Devido a isso, grande parte das mercadorias chega ao depósito de lixo antes de encontrar alguém interessado em adquirí-las. Muitas vezes, os consumidores se desfazem de um produto ainda em boas condições de uso apenas pelo desejo de usufruir um produto novo e aperfeiçoado. É importante notar que "[...] para atender a todas essas novas necessidades, impulsos, compulsões e vícios, assim como oferecer novos mecanismos de motivação, orientação e monitoramento da conduta humana, a economia consumista tem de se basear no excesso e no desperdício" (BAUMAN, 2008, p. 54). A economia consumista, que se baseia no movimento de mercadorias, tem como principal interesse o crescimento do PIB. Bauman (2008) afirma que, para que isso ocorra, as campanhas de marketing devem ter como foco apresentar aos consumidores uma felicidade
  • 19. 18 não mais baseada no armazenamento de produtos, mas sim no descarte e na substituição de produtos antigos por novos, mesmo que estejam em boas condições de uso. Korten (1996) complementa essa visão ao caracterizar o produto nacional bruto, uma medida de fluxo do dinheiro na economia, como uma medida da velocidade em que estamos transformando os recursos em lixo. As ações que mais contribuem para o crescimento do PIB são as que mais prejudicam o meio-ambiente, como dirigir um carro ao invés de andar de bicicleta, ligar o ar-condicionado ao invés de abrir uma janela, e consumir alimentos processados ao invés de naturais. De acordo com as definições econômicas atuais, a maior parte do desperdício industrial, ambiental e social é computada como produto interno bruto, ou seja, exatamente como os televisores, as bananas, os carros e as bonecas Barbie. A definição de crescimento econômico abarca todas as despesas, sem levar em conta se a sociedade se beneficou ou saiu perdendo (HAWKEN, 2007, p. 56). Segundo Baudrillard (1981), a produtividade é vista sempre como positiva pelos economistas, sendo ela proveninente de serviços públicos ou privados. Os aspectos deficitários, a degradação e a obsolência não aparecem na mensuração do produto nacional bruto, e se surgem, são vistas como aumento de produção e riqueza social. O sistema econômico globalizado valoriza, acima de tudo, o lucro das grandes corporações, que exploram os trabalhadores, desmatam as florestas, despejam lixo tóxico no meio-ambiente e implementam políticas que promovem os interesses corporativos acima dos interesses humanos. Este sistema voltado para o consumo em massa, que teve início nos Estados Unidos, é responsável por toda a devastação econômica, social e ambiental do mundo, e favorece a competitividade, a exploração de recursos e o curto prazo (KORTEN, 1996). Uma matéria na revista Super Interessante trouxe um dado relevante: se todas as pessoas consumissem como nos Estados Unidos, seriam necessários 4,5 planetas Terra para que o mundo não entrasse em colapso. Os estadounidenses jogam fora ou fazem com que se joguem fora quase 500 toneladas de material por pessoa por ano (SCHNEIDER, 2009). "Parte do fluxo pode ser vista nas latas de lixo, nos shopping centers, nos postos de gasolina, nos restaurantes à beira da estrada ou nos contêiners empilhados no cais do porto" (HAWKEN, 2007, p. 45). Para Hawken (2007), a industrialização causou três grandes crises no século XXI que têm como causa em comum o desperdício: a deterioração do ambiente natural, a dissolução
  • 20. 19 das sociedades civis na ilegalidade, no desespero e na apatia, e a falta de vontade pública necessária para mitigar o sofrimento humano e promover o bem-estar. Korten (1996) afirma que, para que o mundo não entre em colapso, é necessário voltar o foco para a comunidade e o cooperativo, criando zonas de confiança e responsabilidade local onde as pessoas têm o poder de adminstrar suas próprias economias. 1.2 A SOCIEDADE COLABORATIVA No século XXI, em meio à sociedade consumista, nasce uma nova cultura de consumo com base na colaboração, possibilitada a partir do surgimento da Internet e colocada em prática por uma geração que cresceu junto a um ambiente digital. Esta subseção tem como objetivo explicar como o compartilhamento de informações e as redes sociais deram origem à colaboração em massa online, abordar a influência destes jovens conectados nas diferentes esferas socioeconômicas, e dar enfoque ao surgimento de uma nova forma de consumir, impulsionada pela crise econômica de 2008 nos Estados Unidos. 1.2.1 A Internet e o Compartilhamento Os primeiros computadores surgiram em 1945, nos Estados Unidos e na Inglaterra, com o objetivo de reproduzir cálculos científicos para os militares. Até os anos 1960, a informática servia, principalmente, ao Estado e às grandes empresas (LÉVY, 1999). Em 1968, em São Francisco (EUA), Doug Engelbart apresentou o que viria a ser, décadas depois, o que conhecemos hoje como a Internet. Ele mostrou, em uma tela gigante, em um computador do tamanho de uma sala, como editar textos utilizando um teclado e um mouse, inserir links em um documento, misturar texto com imagens gráficas e vídeos e conectar um computador a outro há milhas de distância, utilizando uma linha telefônica. Tudo isso com o objetivo de mostrar que, no futuro, as pessoas poderiam trabalhar nos mesmos documentos, mesmo estando em continentes diferentes. Segundo Leadbeater (2009), antes disso, o computador era visto como uma ferramenta desumana do controle burocrático e corporativo.
  • 21. 20 Pela primeira vez eles puderam ver um sistema de computadores altamente individualizado e altamente interativo, construído não em volta de números complexos, mas sim da circulação de informação e da construção de uma comunidade local de trabalho (TURNER apud LEADBEATER, 2009, p. 38). O desenvolvimento de novas tecnologias e redes de comunicação deram origem ao que chamamos de cibercultura, que se tornou popular a partir da década de 1970, com o surgimento do microcomputador, e se estabeleceu completamente nos anos 1980, com a informática de massa, e na década de 1990, com as redes telemáticas e, principalmente, com o boom da Internet (LEMOS, 2004). Lemos (2004) define o ciberespaço como um conjunto de redes de computadores, interligadas ou não, em todo planeta, à Internet. Este espaço é composto de dois grandes sistemas interdependentes — o macro-sistema tecnológico, formado pelas máquinas interligadas, e o micro-sistema social, formado pelos usuários — responsáveis pela disseminação de informação, pelo fluxo de dados e pelas relações sociais. A Internet "age como potencial descentralizadora do poder tecno-industrial-mediático abrindo 'uma rede verdadeiramente aberta e acessível (...) um ambiente de expressões onde nenhum governo pode controlar'" (LEMOS, 2004, p. 117). Leadbeater (2009) informa que essa descentralização tem raízes no surgimento da Internet, que não foi criada com fins comerciais ou em um laboratório de pesquisa, e sim por pessoas — acadêmicos, visionários, hackers, hippies, designers de computadores — que, muitas vezes, trabalhavam em comunidades não voltadas ao mercado, e acreditavam no conceito de comunidade. Enquanto a modernidade colaborou para o desenvolvimento do individualismo e da alienação da sociedade, as novas tecnologias instituem uma relação de proximidade e comunidadeentre os usuários. Segundo Lemos (2004, p. 138), "mais do que um fenômeno técnico, o ciberespaço é um fenômeno social". A Internet possibilitou às pessoas a expressão e sociabilização através de ferramentas de comunicação mediadas pelo computador, que se dão, na maioria das vezes, através das redes sociais. Recuero (2009) explica que estas redes constituem-se de dois elementos principais: os atores (pessoas, instituições ou grupos) e as suas conexões (interações ou laços sociais). "Estabelece-se, dessa forma, um processo não-linear de concepção e de utilização (interatividade) dos conteúdos, onde a realização da obra [...] é impossível sem o usuário" (LEMOS, 2004, p. 122).
  • 22. 21 Os sites de redes sociais como Facebook, Flickr, Linkedin, Instagram, Twitter, Youtube entre outros, são espaços utilizados para a expressão das redes sociais na Internet. Recuero (2009) aponta que estes sites aumentaram a conectividade dos grupos sociais, pois são capazes de facilitar a emergência de tipos de capital social não facilmente acessíveis aos atores sociais no mundo real, devido à maior facilidade de criar conexões com pessoas de todos os lugares do mundo. Além disso, os sites de redes sociais permitem um maior controle das impressões deixadas pelos atores, sendo extremamente efetivos na construção de reputação e confiança online, colaborando, assim, para formação de comunidades virtuais. Para Lévy (1999), um dos maiores pensadores sobre a cultura virtual contemporânea, o crescimento do ciberespaço é fundamentado em três princípios: a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. A interconexão se baseia na conexão universal entre indivíduos, possibilitando um fluxo de informações sem fronteiras e uma comunicação interativa entre os usuários. Essa conexão dá origem às comunidades virtuais, que são construídas com base nos interesses e conhecimentos em comum, projetos mútuos e em um processo de cooperação e troca, responsáveis pelas relações humanas desterritorializadas e livres, e atuando como complemento às relações sociais físicas e reais. O principal objetivo na construção dessas comunidades está em construir o ideal da inteligência coletiva, mais imaginativo, mais rápido e mais capaz de aprender e inventar. "A interconexão condiciona a comunidade virtual, que é uma inteligência coletiva em potencial" (LÉVY, 1999, p. 133). Leadbeater (2009) explica que, através da inteligência coletiva, é possível criar novas maneiras de trabalhar em equipe para produzir uma sociedade mais democrática, criativa e inovadora. A participação dos indivíduos na Internet apenas fará diferença no mundo se estes forem capazes de compartilhar e combinar suas ideias. Desta forma, a Internet é capaz de remodelar culturas ao redor do mundo e mudar como as pessoas pensam e se relacionam uns com os outros. Na maioria das áreas - ciência, cultura, negócios, academia - a criatividade surge quando pessoas com diferentes pontos de vista, habilidades e conhecimentos combinam suas ideias a fim de produzir algo novo. A web fornece a plataforma para que possamos ser criativos juntos em uma escala antes jamais imaginável. Está mudando como compartilhamos ideias e, desta forma, como pensamos (LEADBEATER, 2009, p. 19, tradução nossa).
  • 23. 22 Essa troca mútua de ideias dá lugar a uma nova visão sobre o futuro, na qual o que se compartilha é tão importante quanto o que se possui, eo que se cultivaem comum é tão importante quanto as conquistas individuais. A Internet deu vida a uma nova economia, baseada não mais em bens materiais, e sim em ideias, onde os indivíduos são identificados pelas redes às quais se vinculam,com quem se intercomunicam e por quais ideias, imagens, vídeos, links ou comentários compartilham (LEADBEATER, 2009). A cultura do compartilhamento, a descentralização e a democracia online tornam a Internet a plataforma ideal para grupos se auto-organizarem, combinando suas ideias e criando jogos, enciclopédias, softwares, redes sociais, sites de compartilhamento de vídeos e imagens ou universos paralelos completos (LEADBEATER, 2009). Um dos princípios que define a Internet é o de que estamos construindo juntos uma rede que permite "[...] compartilhar, socializar, colaborar e, acima de tudo, criar no âmbito de comunidades livremente conectadas" (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 62). Esta colaboração em massa que surgiu com a Internet está reinventando a economia, através de um novo modelo alternativo de produção que explora a capacidade e a inteligência humana coletiva. Este modelo, conhecido como peering, é "uma maneira de produzir bens e serviços que depende totalmente de comunidades auto-organizadas e igualitárias de indivíduos que se unem voluntariamente para produzir um resultado compartilhado" (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 89). O maior exemplo de peering atualmente é a Wikipedia, criada pelo norte-americano Jimmy Wales. Atualmente a maior enciclopédiado mundo, ela foi construída gratuitamente através da colaboração de voluntários em uma plataforma onlinea berta que permite que qualquer pessoa seja editora. Composta de mais de quatro milhões de artigos em mais de duzentos idiomas, é um dos sites mais visitados na web, e tem como objetivo disponibilizar todo o conhecimento humano através do acesso livre para todos. A colaboração entre os usuários permite que o conteúdo seja sempre aprimorado, e publicações com erros ou informações falsas geralmente conseguem ser corrigidas em, em média, 1,7 minuto. Dos um milhão de usuários registrados, cerca de 100 mil contribuíram e cerca de 5 mil atuam como responsáveis pelas tarefas administrativas que mantêm o site funcionando (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007). Outro exemplo bem sucedido de peering teve início em 1991, quando Linus Torvalds, um estudante finlandês de ciência da computação, postou na Internet sua primeira versão
  • 24. 23 de um programa de computador que ele mesmo havia criado: o Linux. Ele disponibilizou o código de fonte do programa, deixando-o em aberto para que outras pessoas opinassem, colaborassem e sugerissem melhoras. Nasceu assim, o maior software de código aberto do mundo, criado — e aperfeiçoado durante 15 anos — por uma das maiores comunidades de colaboração em massa online que já existiu. Em 2007, havia 655 grupos de usuários do Linux em 91 países, compartilhando ideias através de sites, fóruns online e pessoalmente. O Linux apenas teve sucesso porque uma comunidade se organizou sistematicamente para criar, compartilhar, testar, rejeitar e desenvolver ideias além dos meios convencionais (LEADBEATER, 2009). Para Botsman e Rogers (2010), o poder coletivo de indivíduos conectados virtualmente se fortaleceu ao longo da década de 2000, através do conceito de crowdsourcing, que significa, segundo o próprio Wikipedia, a obtenção de serviços, ideias ou conteúdos, solicitando contribuições de um grupo de pessoas a partir de uma comunidade online. O crowdsourcing tem se mostrado um sistema bem sucedido, e faz com que as pessoas abandonem comportamentos de consumo hiperindividualistas. Leadbeater (2009) chama essas comunidades online de compartilhamento de informações de We Think. Para ele, a interação entre várias pessoas com diferentes pontos de vista e habilidades possibilita colaboração e criatividade social, capazes de alterar aspectos fundamentais da vida econômica, como o trabalho, o consumo, a inovação, a liderança e a produção. E os impactos do compartilhamento e da colaboração online não estão restritos ao mundo virtual. Eles estão vazando para o mundo offline, criando mudança dentro dos nossos mundos culturais, econômicos, políticos e de consumo (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 50). Uma prova de que o compartilhamento na Internet está trazendo de volta os valores de comunidade pode ser vista em 2006, quando a revista Time elegeu todas as pessoas do mundo como "a pessoa do ano". A manchete da matéria lia "Você —Sim, Você —é a Pessoa do Ano da Time", seguida da legenda "Em 2006, a World Wide Web se tornou a ferramenta capaz de unir as pequenas contribuições de milhões de pessoas e fazer com que elas tenham importância" (GROSSMAN, 2006, tradução nossa). A revista falava que a Internet possibilitou o surgimento da colaboração e de comunidades em uma escala jamais antes vista, que irá mudar o mundo. "Esta é uma oportunidade para construir um novo tipo de entendimento
  • 25. 24 internacional, não de político para político, de homem importante para homem importante, mas de cidadão para cidadão, pessoa para pessoa" (GROSSMAN, 2006, tradução nossa). No passado, a colaboração acontecia, na maioria das vezes, em pequena escala, entre famílias, amigos, comunidades e locais de trabalho. As pessoas tinham papéis limitados na sociedade, como consumidores passivos ou trabalhadores em organizações tradicionais, tornando rara a participação direta da população na economia. Hoje, no entanto, o acesso crescente à tecnologia possibilita que as pessoas tenham acesso a ferramentas necessárias para colaborar, criar valor e competir. Essas novas colaborações servem tanto para interesses comerciais quanto para ajudar as pessoas a executar tarefas que podem ajudar o mundo, como "como curar doenças genéticas, prever mudanças climáticas globais e encontrar novos planetas e astros" (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p. 22). Na mesma linha, Leadbeater (2009) afirma que, no século passado, quase todas as pessoas eram trabalhadores e consumidores de uma economia de produção em massa; já nas próximas décadas, devido ao acesso crescente a ferramentas que possibilitam a criatividade em diferentes formas, as pessoas começarão a ter diferentes papéis na sociedade, sendo participantes, contribuidores e inovadores. 1.2.2 A Geração Colaborativa O século XXI deu início a uma nova era — a Era das Conexões — impulsionada pelo crescimento da Internet e da telefonia. Neste novo milênio, o principal valor da sociedade está associado aos relacionamentos, tendo como principal base a conexão online entre as pessoas (OLIVEIRA, 2010).Tapscott (2010) afirma que o conhecimento está fluindo com mais liberdade do que nunca graças à Internet, mas que o verdadeiro potencial desta só foi atingido de verdade quando os jovens começaram a usar computadores. Principalmente através das redes sociais, estes jovens foram capazes de organizar comunidades virtuais responsáveis pelo renascimento de novos modelos de colaboração, e estão causando impacto na vida cívica e política. Oliveira (2010) explica que é na faixa etária dos 20 anos de idade, ao chegar à vida adulta e entrar no mercado de trabalho, que os jovens começam a interferir de forma mais significativa na sociedade, sendo fundamental compreender aqueles nascidos nos anos 1980 e 1990. Estes jovens são conhecidos como Geração Y, nome que surgiu devido à forte
  • 26. 25 influência que a antiga União Soviética tinha sobre os países comunistas, a ponto de definir a primeira letra dos nomes que deveriam ser dados aos bebês; nas duas décadas em questão, a principal letra era o Y e, embora isso não tenha tido muita influência no mundo ocidental, o termo foi adotado por estudiosos. Tapscott (2010), no entanto, considera o termo Y muito parecido com o nome da geração anterior — Geração X — diminuindo, assim, sua importância. Essa geração também é conhecida como Millenials, ou Geração do Milênio, mas o ano 2000 não alterou de fato a experiência dos jovens daquela época. O autor, então, decidiu nomear esta comunidade de jovens de Geração Digital, ou Geração Internet, definindo assim todos os jovens que cresceram durante o rápido desenvolvimento das tecnologias digitais. O fato de ter crescido em um ambiente digital causou um impacto profundo no modo de pensar dos jovens da Geração Internet, a ponto de mudar a maneira como o seu cérebro está programado. Muitas pessoas das gerações passadas — que nasceram e cresceram após a Segunda Guerra Mundial, em um ambiente de conflito ideológico,ao mesmo tempo em que o consumismo começava a tomar forma, e as televisões se tornavam o principal meio de entretenimento e informação — aderem a estes jovens características negativas que vieram com o uso constante das tecnologias: ansiedade, impaciência, superficialidade, transitoriedade, indecisão e egoísmo (OLIVEIRA, 2010). Embora a quantidade imensa de informações às quais estão diariamente expostos, essa imersão digital teve, no geral, um impacto positivo nos jovens, tornando-os, na verdade, mais tolerantes, espertos e rápidos do que as gerações anteriores. "Esses jovens estão remodelando todas as instituições da vida moderna, do local de trabalho ao mercado, da política à educação, até chegarem à estrutura básica representada pela família" (TAPSCOTT, 2010, p. 20). Os jovens da Geração Internet estão colaborando uns com os outros e mudando a forma de ver o mundo. No trabalho e na educação, estão derrubando a hierarquia rígida e valorizando, acima de tudo, uma abordagem colaborativa. No mercado, estão alterando o conceito de marca através da coinovação de produtos e serviços com os seus fabricantes. Na questão familiar, estão mudando o relacionamento entre pais e filhos. Como cidadãos, estão dando vida à ação política e, na sociedade como um todo, respaldados pelo alcance global da Internet, sua atividade cívica está se tornando um novo e mais poderoso tipo de ativismo social (TAPSCOTT, 2010).
  • 27. 26 Tapscott (2010) apresenta oito características da Geração Internet: (1) os jovens querem liberdade em tudo que fazem, desde liberdade de escolha à liberdade de expressão; (2) eles têm um grande interesse em personalizar, utilizando a Internet também para produzir seus próprios conteúdos; (3) eles usam seu poder de mercado para exigir mais das empresas e dos empregadores; (4) eles procuram integridade e abertura empresarial, certificando de que valores das empresas estão alinhados aos seus; (5) tendo crescido em meio a um ambiente interativo, eles querem diversão no trabalho, na educação e na vida social; (6) eles são a geração da colaboração e do relacionamento, criando redes de influências online; (7) eles querem velocidade de informação e comunicação; e, por fim, (8) eles são inovadores, buscando sempre novas formas de colaborar, se divertir, aprender e trabalhar. Nitidamente, os jovens da Geração Y estão mudando muitas verdades que aprendemos em nossa juventude. Eles valorizam muito mais os relacionamentos, a conexão e a integração com as pessoas. Querem respostas diretas e claras, sem coisas subentendidas e obscuras. Exigem transparência de seus pais e de seus líderes e estão dispostos a lutar por seus sonhos (OLIVEIRA, 2010, p. 103). Além de valorizar a interação com as pessoas, a geração dos jovens que cresceram com a Internet tem uma enorme capacidade criativa, apresentando ideias capazes de modificar as circustâncias do mundo à sua volta. Por passarem muito tempo em atividades virtuais, estes jovens desenvolveram uma capacidade de pensar de forma abstrata maior que a das gerações passadas, realizando pensamentos imaginativos com mais facilidade (OLIVEIRA, 2010). Tapscott (2010) complementa que esta geração está sendo responsável pela transformação da Internet de um lugar no qual se encontra informações em um lugar no qual se compartilha informações, se colabora em projetos de interesse mútuo e se cria novas maneiras de resolver alguns dos problemas mais urgentes do mundo. Os integrantes da Geração Internet são colaboradores em todas as esferas da vida. Como ativistas civis, eles estão utilizando com desenvoltura essa característica colaborativa. A Geração Internet quer ajudar. Eles vão auxiliar as empresas a criar produtos e serviços melhores. Estão participando de ações de voluntariado em números recordes, em parte porque a Internet oferece muitas maneiras, grandes e pequenas, de ajudar (TAPSCOTT, 2010, p. 112). Os jovens da Geração Digital estão engajados em comunidades como seus pais nunca tiveram, mostrando que a ideia de que esta geração é formada de jovens mimados, preguiçosos e egocêntricos não é verdadeira (TAPSCOTT, 2010). Em 2009, o site Trendwatching publicou uma matéria entitulada "Geração G: G de generosidade, não de
  • 28. 27 ganância” (TRENDWATCHING, 2009, tradução nossa), com o objetivo de mostrar que a geração que cresceu com a Internet não é nada egoísta. Geração G: a crescente importância da 'generosidade' como uma forma de pensar relacionada à sociedade e aos negócios. Como os consumidores estão enojados com a ganância e as terríveis consequências atuais na economia [...] a necessidade de mais generosidade coincide, de forma positiva, com a emergência contínua [...] de uma cultura online de indivíduos que compartilham, doam, se engajam, criam e colaboram em grande número. Na verdade, para muitos, compartilhar uma paixão e ser reconhecido substituiram o "adquirir" como novo símbolo de status. Os negócios deveriam seguir esta mudança social e de comportamento, mesmo que muito disto oponha suas devoções egocêntricas construídas há décadas (TRENDWATCHING, 2009, tradução nossa). As características relacionadas à generosidade desta geração puderam ser percebidas de forma clara especialmente após a crise econômica que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos, e fez com que os consumidores ficassem ainda mais críticos com relação às grandes corporações. Muitas delas esqueceram que estão vivendo em um mundo onde seus consumidores são bem informados e críticos, e desejam um bom relacionamento com os empregados, os clientes e o meio ambiente (TRENDWATCHING, 2009). Os jovens da geração digital têm consciência social como indivíduos, consumidores e trabalhadores. Cerca de 61% dos jovens entre 13 e 25 anos se sentem pessoalmente responsáveis por fazer a diferença no mundo, e 83% irão confiar mais em uma empresa se esta for socialmente e ambientalmente responsável (JAYSON, 2006). A Geração G é formada de indivíduos que desejam, cada vez mais, dar, compartilhar e colaborar, ser mais "generososos" de diversos modos, buscando — e encontrando — gratificação em atividades que não envolvem consumir mais e melhor. E tudo isso graças à cultura da Internet (TRENDWATCHING, 2009). [...] enquanto a mídia industrial de estilo ímpar consignou-nos a meramente assistir e ler, a Internetextende vastamente o alcance de pessoas que podem fazer parte de debates públicos e expande o alcance de ideias que elas podem propor. Como consumimos informação, quais notícias e visualizações recebemos, é fundamental para a forma como vemos o mundo e tomamos decisões. As atividades culturais das quais participamos e os interesses que buscamos têm uma importância enorme em quem pensamos que somos, o que importa para nós, o ponto de vista do qual vemos o mundo (LEADBEATER, 2009, p. 211). Segundo Tapscott (2010), os jovens da Geração Internet estão percebendo que, para manterem o mundo um lugar saudável para seus filhos, eles devem usar todos os meios disponíveis e acessíveis, pela primeira vez a uma sociedade, para colaborar e se organizar em torno de uma mudança verdadeira.
  • 29. 28 1.2.3 Uma Nova Forma de Consumir Uma dinâmica extremamente poderosa, com enormes implicações comerciais e culturais, está em andamento. O rápido desenvolvimento das tecnologias, como vimos anteriormente, possibilitou a confiança entre estranhos. Vive-se agora uma era na qual o relacionamento entre pessoas, através das redes sociais, está transformando o mundo em uma enorme vila global, reinventando atividades antigas — permutar, trocar, barganhar, compartilhar — de forma dinâmica e atraente. "E os impactos do compartilhamento e da colaboração online não estão restritos ao mundo virtual. Eles estão vazando para o mundo offline, criando mudança dentro dos nossos mundos culturais, econômicos, políticos e de consumo" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 50). Isso deu origem a uma nova economia, baseada no "que é meu é seu". Gansky (2011) chama este novo modelo econômico, onde os consumidores têm mais escolhas, mais ferramentas, mais informações e mais poder para guiar suas escolhas de Mesh, que descreve um tipo de rede que permite a ligação de nós entre os sistemas, movendo-se em conjunto. Ou seja, formam-se conexões entre empresas e empresas, clientes e clientes ou empresas e clientes, através de redes sociais.Os negócios Mesh compartilham quatro características fundamentais: (1) o compartilhamento dentro de uma comunidade, mercado ou cadeia de valor;(2) o uso avançado da web e redes móveis de informação; (3) um foco em mercadorias físicas e materiais compartilháveis; e (4) o comprometimento com os clientes, através das redes sociais. Dentro deste novo cenário, Botsman(2010) afirma que as pessoas estão passando de consumidores passivos para criadores e colaboradores altamente capacitados. A Internet está removendo o intermediário entre empresas e indivíduos, possibilitando também que os próprios indivíduos comercializem entre si. Gansky (2011) complementa que a Internet permite tanto a empresas quanto a indivíduos terem bons lucros e, ao mesmo tempo, racionalizar o acesso a bens físicos e serviços. Esses negócios são geralmente fáceis de iniciar, partindo da troca e do compartilhamento entre indivíduos, como o aluguel de bicicletas, troca de roupas e objetos, escritórios compartilhados, entre outros. Essa mudança deve-se, principalmente, aos jovens que cresceram na Era Digital, como visto anteriormente. O compartilhamento é natural para esta geração, que está transformando a cultura do "eu", estabelecida atravésdo sistema de consumo exarcebado,
  • 30. 29 em uma "cultura do nós". Nasce, assim, o consumo colaborativo, que tem como base o "compartilhamento tradicional, escambo, empréstimo, negociação, locação, doação e troca — redefinido por meio da tecnologia e de comunidades de indivíduos em uma escala e de formas jamais antes possíveis" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. xv). Uma economia completa está emergindo em torno da troca de bens e serviços entre indivíduos ao invés de empresa para consumidor. Isto está redefinindo os relacionamentos de mercado entre os compradores e vendedores tradicionais, expandindo modelos de transação e consumo, e impactando modelos de negócios e ecossistemas (ALTIMETER, 2013, p.4). Segundo Botsman e Rogers (2010), o consumo colaborativo teve início nos Estados Unidos e na Europa, e foi impulsionado pela crise econômica de 2008, que fez com que os consumidores destes países buscassem alternativas para economizar dinheiro e reaproveitar produtos que já possuiam. Embora os hábitos colaborativos já existissem antes da crise, a necessidade econômica tornou as pessoas mais abertas a novas formas de ter acesso ao que elas precisavam. O colapso financeiro de 2008 teve impacto profundo em todos os cantos do mundo, e milhões de pessoas foram prejudicadas, perdendo suas moradias, seus empregos e seu poder aquisitivo. Logo, percebeu-se sinais de uma nova e crescente consciência do consumidor. "2008 foi quando batemos contra a parede — quando tanto a Mãe Natureza quanto o mercado disseram: não dá mais" (FRIEDMAN apud BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. xvii). Gansky (2011) também aponta o cenário da crise de 2008 como importante fator para o desenvolvimento de uma economia de compartilhamento. A crise gerou desconfiança sobre empresas antigas e encorajou pessoas a repensar o que é realmente importante nas suas vidas. As mudanças climáticas causadas pelos problemas ambientais aumentaram o custo de fazer negócios, incluindo a fabricação e venda de produtos descartáveis. As redes de informação de todos os tipos se tornaram capazes de prover serviços personalizados melhores e maiores exatamente quando necessários e, por fim, o crescimento da população e a maior urbanização criaram densidades que favorecem o compartilhamento. As cidades sãoo ambiente perfeito para o surgimento de negócios de compartilhamento. O crescimento da população urbana nas últimas décadas fez com que as pessoas migrassem, cada vez mais, para dentro das áreas urbanas, em busca de melhores empregos, expandido as cidades verticalmente e aumentando a densidade da população. Embora a sociedade de consumo tenha tornado as cidades lugares individualistas e
  • 31. 30 dificultado a interação entre as pessoas, a Internet possibilitou o surgimento de um novo cenário urbano. A maior quantidade de pessoas em um mesmo lugar amplia as chances de um negócio ou atividade colaborativa crescer e se desenvolver, pois é mais fácil encontrar pessoas para acessar e compartilhar carros, roupas ou bicicletas (GANSKY, 2011). O consumo colaborativo, além de aparecer como solução para muitos dos problemas que as pessoas enfretaram no cenário econômico em crise, também foi impulsionado por uma mudança de valores. Botsman e Rogers (2010) explicam que as discussões sobre sustentabilidade estão cada vez mais presentes, e os consumidores estão se tornando mais conscientes sobre os danos do hiperconsumismo na natureza e na sociedade, ao mesmo tempo em que as pessoas estão revendo seus relacionamentos com amigos, vizinhos e familiares, trazendo de volta a crença na importância da comunidade, na transparência dos produtos e em um relacionamento mais próximo entre quem compra e quem vende. Está surgindo um desejo de reviver valores que remetem à comunidade, e de unir o interesse próprio com o bem coletivo. [...] no século XX do hiperconsumismo éramos definidos por crédito, propaganda e pelas coisas que possuíamos. No século XXI do consumo colaborativo, seremos definidos pela reputação, pela comunidade e por aquilo que podemos acessar, pelo modo como compartilhamos e pelo que doamos (LEADBEATER apud BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. xviii). Em 2011, a revista Time elegeu o consumo colaborativo como uma das dez dimensões que irão mudar o mundo (WALSH, 2011). Uma pesquisa realizada pela empresa britânica de inteligência de mercado Euromonitor International (KASRIEL-ALEXANDRE, 2013) apontou o compartilhamento de bens e serviços como uma das dez maiores tendências de consumo para o ano de 2014. Segundo Botsman e Rogers (2010), independentemente do motivo que leva as pessoas a compartilhar, o importante é que essa nova forma de consumo ganhe espaço na sociedade, e traga mais satisfação do que o consumismo presente atualmente. Seja para economizar ou ganhar tempo e dinheiro, para conhecer pessoas e fazer novos amigos ou por uma simples questão de praticidade e conveniência, por se sentir parte de uma comunidade ou praticar a sustentabilidade, cada vez mais pessoas estão aderindo a essa nova forma de consumo.
  • 32. 31 2 ENTENDENDO O CONSUMO COLABORATIVO Nesta sessão busca-se, com base em pesquisa bibliográfica e em dados levantados em artigos e documentos da Internet, compreender como o consumo colaborativo está presente na sociedade atual, passando pelos princípios básicos fundamentais, os principais sistemas que formam a economia colaborativa, a confiança e a reputação na Internet, a influência que a colaboração pode ter nas empresas e negócios, o possível futuro do compartilhamento e, por fim, um breve panorama do consumo colaborativo no Brasil. Devido à indisponibilidade de bibliografia sobre o tema, por este ser ainda muito recente, serão centrais as ideias dos autores Botsman e Rogers (2010), complementadas com as de Gansky (2011), e dados atualizados obtidos juntos às informações disponíveis na Internet. 2.1 OS PRINCÍPIOS BÁSICOS FUNDAMENTAIS Botsman e Rogers (2010) apontam quatro princípios básicos fundamentais para que o consumo colaborativo possa se estabelecer em uma comunidade. Todos os princípios são igualmente importantes, embora alguns sejam mais essenciais do que outros para fazer determinado sistema funcionar. São eles: massa crítica, capacidade ociosa, bem comum e confiança entre desconhecidos. A massa crítica "é um termo sociológico utilizado para descrever a existência de um impulso suficiente em um sistema para torná-lo autossustentável" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 64). Este princípio explica o surgimento de novas tendências de consumo na sociedade, e porque alguns produtos e serviços se tornam extremamente populares entre os consumidores, enquanto outros ficam abandonados nas prateleiras das lojas. A massa crítica é vital para o consumo colaborativo por dois motivos. O primeiro tem a ver com a escolha. O processo de compra está diretamente associado a escolher qual produto comprar. Ou seja, o consumidor espera ter um grande número de opções de escolha para poder se satisfazer. Para o consumo colaborativo competir com as compras convencionais, é necessário que este seja conveniente e que os consumidores tenham opções de escolha suficientes. Um exemplo de massa crítica é a troca de roupas usadas entre indivíduos: se não houver opções — tamanhos, cores, modelos — suficientes para que todas as pessoas
  • 33. 32 envolvidas nas trocas saiam satisfeitas, é bastante provável que elas deem preferência a comprar em lojas convencionais. Outro exemplo é o aluguel de bicicletas: para que as pessoas escolham se deslocar pela cidade em bicicletas ao invés de carros ou outras formas de transporte, é preciso que esta opção seja vantajosa e prática para os cidadãos, tendo estações de estacionamento e retirada das bicicletas bem distribuídas pela cidade, um número suficiente de bicicletas disponíveis a qualquer hora, e uma boa estrutura de ciclovias. [...] o sistema será bem-sucedido se os usuários estiverem satisfeitos com a escolha e com a conveniência à sua disposição. Caso contrário, provavelmenteo sistema será mal utilizado e sobreviverá por pouco tempo (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 68). O segundo motivo pelo qual a massa crítica é importante para o consumo colaborativo é a prova social. Ou seja, para que um novo sistema funcione, é importante que haja um grupo de usuários fiéis e frequentes que irão mostrar a outros indivíduos que vale a pena experimentar. "Isso permite que as pessoas, não apenas os primeiros adeptos, cruzem a barreira psicológica que muitas vezes existe em torno de novos comportamentos" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 69). A prova social trata-se de um instinto primitivo e de um atalho cognitivo que permite às pessoas tomar decisões com base em copiar ações e comportamentos de outras pessoas. Para que velhos hábitos sejam combatidos em detrimento de novos — no caso, o consumo colaborativo — é importante que a maioria das pessoas veja ou experimente uma massa crítica de consumidores participarem deste novo sistema. Assim, elas se sentirão mais confortáveis e confiantes a também participarem. Já a capacidade ociosa refere-se ao potencial ocioso destes bens quando não estão sendo usados. Segundo Botsman e Rogers (2010), muitos dos bens físicos que as pessoas possuem são utilizados apenas em determinadas ocasiões e, na maior parte do tempo, ficam parados, sem uso. Um exemplo disso são as furadeiras. A maioria das pessoas tem uma furadeira em casa, porém apenas a utilizam por alguns minutos durante toda a sua vida útil. Outro exemplo são os carros, que ficam ociosos em média 22 horas por dia. Nos Estados Unidos, 80% dos itens que as pessoas possuem são usados menos de uma vez por mês. O consumo colaborativo tem como objetivo, através do compartilhamento de bens entre as pessoas, aproveitar esta capacidade ociosa e redistribuí-la em outros lugares. Assim, é possível evitar o desperdício e maximizar o potencial de uso dos produtos. As tecnologias modernas — Internet, redes sociais, GPS — podem ser utilizadas como as
  • 34. 33 principais ferramentas para que as pessoas entrem em contato umas com as outras, e encontrem produtos e serviços que necessitam de forma rápida, confiável e a baixo custo. Sobre o conceito de bem comum, ele se refere a todos os bens públicos compartilhados entre uma população. Embora o interesse próprio tenha prevalecido sobre o bem coletivo nas últimas décadas, sendo necessária sempre a supervisão, Botsman e Rogers (2010) mostram que isto já está mudando. A Internet, o maior bem comum da história, é o melhor exemplo de como as pessoas são capazes de se auto-organizar em prol do interesse coletivo. Através de experiências online, as pessoas estão percebendo que, ao fornecer valor para a comunidade, permitem que seu próprio valor social se expanda em troca. Ou seja, ao compartilhar conhecimento no Wikipedia ou fotografias no Flickr, as pessoas percebem que precisam "dar para receber" nestas comunidades. O consumo colaborativo age com os mesmos princípios, indo além da mídia e do conteúdo, ao buscar uma solução ou um movimento de pessoas com interesses semelhantes. Da mesma forma que um telefone precisa de uma rede de telefones para que seja útil, quanto mais pessoas participarem do compartilhamento de bicicletas, por exemplo, melhor o sistema fucionará para todos. "Todos que aderem ou usam o consumo colaborativo criam valor para outras pessoas, mesmo que a intenção não tivesse sido essa" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 76). E, por fim, a confiança entre desconhecidos diz respeito aos seguintes aspectos: ao contrário dos modelos tradicionais de negócios, realizados de uma empresa para indivíduos, com base em uma hierarquia de controle em que, na maioria das vezes, não há contato direto entre quem vende e quem compra — sendo realizado por intermediários — a Internet possibilita uma nova estrutura de mercado. Nesta nova forma de negócio, é possível formar comunidades online entre os consumidores onde o contato direto entre eles é essencial, e contribui para uma forma descentralizada e transparente de comércio, sendo fundamental que se desenvolva uma confiança entre estranhos. Novos mercados online e offline estão se formando, em que as pessoas podem voltar a se 'encontrar' em uma vila global e desenvolver uma confiança que não seja local. [...] quando as relações pessoais e o capital social voltam para o centro das trocas, a confiança entre pares é facilmente criada e administrada, e, na maioria das vezes, ela é reforçada, não quebrada" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 80). Essa confiança gerada no mundo virtual traz, tanto para o relacionamento entre usuários quanto entre empresas e usuários, um maior conhecimento do desconhecido,
  • 35. 34 eliminando o anonimato das transações e, desta forma, contribuindo para uma relação mais verdadeira entre as duas partes. 2.2 OS TRÊS SISTEMAS Em meio às inúmeras formas de consumo colaborativo com as quais se depararam, Bostman e Rogers (2010) as classificaram em três grandes sistemas principais: os sistemas de serviços de produtos, os mercados de redistribuição e os estilos de vida colaborativos. 2.2.1 Sistemas De Serviços De Produtos (SSP) Botsman e Rogers (2010) chamam de Sistemas de Serviços de Produtos (SSP) a categoria de consumo colaborativo baseada no acesso ao invés da propriedade, realizado através do aluguel e empréstimo de bens físicos, tanto de empresa para indivíduo quanto entre indivíduos. Desta forma, os produtos (tangíveis) se transformam em serviços (intangíveis) e o sentimento de posse dá lugar à colaboração. Este sistema faz com que as pessoas não tenham a necessidade de comprar um produto de uso ocasional, podendo ter acesso a ele apenas quando necessário. Uma quantidade cada vez maior de pessoas de diferentes origens e de todas as faixas etárias está mudando para uma "mentalidade de uso", na qual elas pagam pelo benefício de um produto — o que ele faz por elas — sem ter que possuir o produto definitivamente. Esta é a base dos sistemas de serviços de produtos (SSP), que estão afetando setores tradicionais baseados em modelos de propriedade privada individual (BOSTMAN e ROGERS, 2010, p. 61). Gansky (2011) explica que foi a partir da segunda metade do século XX que as pessoas passaram a ter um grande desejo pela propriedade de bens físicos. Essa tendência foi encorajada pela combinação de políticas governamentais, através dos subsídios à gasolina e aos empréstimos baratos para compras de casas, e do desejo das pessoas por autonomia e conveniência, que se transformou em indicador de status. No entanto, atualmente a cultura da posse está em momento de transição, pois a moda que concede o valor de status está tendendo profundamente ao compartilhamento. Botsman e Rogers (2010) complementam que, para os Millenials, a primeira geração que cresceu no mundo digital, o relacionamento com a propriedade está se quebrando. A identidade destes jovens
  • 36. 35 está mais atrelada ao conteúdo que compartilham online do que à propriedade de bens materiais, o que torna favorável o desenvolvimento de sistemas de serviços de produtos. Embora o sistema de aluguel de produtos já exista há muito tempo, a Internet "possibilitou compartilhar uma grande variedade de produtos de maneira conveniente e eficaz em termos econômicos a fim de acessar itens sob demanda" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 84). Assim, é possível criar uma nova relevância para sistemas de compartilhamento, de forma bem diferente dos aluguéis tradicionais. Ao alugar um produto apenas quando necessário ao invés de fazer a compra do mesmo, as pessoas têm que lidar com a perda do sentimento de posse. Para Botsman e Rogers (2010), o sucesso de um sistema de serviço de produto está na sua capacidade de satisfazer as necessidades de posse dos indivíduos enquanto os produtos estiverem sob seu uso. Para que isso aconteça, as empresas devem criar serviços que valorizem a sensação de autonomia e controle, e não a propriedade do produto em si. Além disso, para que os consumidores deem preferência ao acesso ao invés da posse, o compartilhamento deve ser conveniente, seguro e mais eficaz em termos de custos do que a propriedade. Uma das vantagens que a perda da posse proporciona às pessoas é o acesso indeterminado a uma grande quantidade de opções. A sociedade de consumo nos dá uma enorme variedade de produtos de diferentes cores, marcas, tamanhos, qualidade, sabores, perfumes etc. Na hora da compra, na maioria das vezes, temos que fazer uma escolha, que nem sempre é fácil. Os sistemas de serviços de produtos, ao mesmo tempo em que trabalham com a reutilização e o compartilhamento de produtos, proporcionam às pessoas o acesso a todas estas opções, indefinidamente, sem causar o descarte para o lixo. "Quando mudamos para uma economia baseada na maximização de unidades de uso em vez de na qualidade de unidades vendidas, a eficiência ambiental e a de negócios se alinham" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 96). Botsman e Rogers (2010) classificam os SSPs em dois modelos principais. Em um SSP de "uso", um indivíduo ou uma empresa tem propriedade de um produto e diversos usuários compartilham seus benefícios por meio de um serviço. Este tipo de SSP funciona bem em cenários específicos de mercado: produtos que possuem uma elevada capacidade ociosa, como automóveis, bicicletas e ferramentas domésticas; produtos que têm uso limitado devido à moda — como bolsas — ou quando atendem a uma necessidade temporária — como equipamentos para bebês e roupas para gestantes; produtos que tem sua atração e
  • 37. 36 seu valor reduzidos após o uso, como filmes e livros; e produtos cujo custo inicial ou de compra são elevados, como painéis solares. O segundo modelo é chamado de SSP de "longa vida", no qual serviços de pós-venda como manutenção, consertos ou atualizações se tornam parte do ciclo de vida do produto, reduzindo assim a necessidade de substituição ou descarte. Esse tipo de modelo funciona bem com produtos caros, como tapetes e eletrodomésticos, produtos que exigem um conhecimento especializado para conserto, como produtos eletrônicos, e com produtos que necessitam de atualizações e manutenção frequentes para preservar sua atratividade, como móveis. No modelo de consumo atual, após a realizaçãoda compra de um produto, este passa a ser de total responsabilidade do consumidor e do ponto de venda. Ou seja, se o produto estraga, muitas vezes ele é substituído por um novo, gerando lixo. No modelo colaborativo dos sistemas de serviços de produtos, a empresa responsável pela fabricação do produto também é responsável pelo produto após a sua venda, gerando um ciclo de vida fechado e evitando o desperdício (BOTSMAN; ROGERS, 2010). Provavelmente o exemplo mais comum de sistemas de serviços de produtos está relacionado aos meios de transporte, como o aluguel de carros e bicicletas. Segundo Botsman e Rogers (2010), o conceito de transporte público para aluguel já existia em grande parte da Europa dois séculos antes da invenção do automóvel, e tinha como base o aluguel de carruagens puxadas a cavalo e cocheiros. No entanto, o conceito contemporâneo de compartilhamento urbano de carros existe há pouco mais de 60 anos, tendo se popularizado como um estilo de vida sustentável nos últimos cinco ou seis anos. Atualmente existem mais de mil cidades no mundo onde as pessoas podem compartilhar carros. O melhor exemplo de compartilhamento de carros que existe atualmente teve início e ganhou espaço nos Estados Unidos, Canadá e Europa. A Zipcar, considerada uma das empresas com as taxas mais rápidas de crescimento da década, é um exemplo de compartilhamento de sucesso. A empresa trabalha com o aluguel de automóveis de uma forma diferente, na qual os carros podem ser facilmente localizados e distribuídos por toda a cidade através da Internet, tornando o serviço extremamente prático e sustentável. Para criar um vínculo mais forte entre os clientes e a empresa, é dado um nome para cada carro - como "Betsy", o primeiro deles. Além disso, os clientes recebem um Zipcard e são apelidados de Zipsters, construindo uma identidade de comunidade entre os usuários, e
  • 38. 37 diferenciando a Zipcar das antigas empresas de compartilhamento de carros (GANSKY, 2011). Botsman e Rogers (2010) destacam que o Zipcar está alterando o valor de propriedade de carro para as pessoas, utilizando a mesma mentalidade psicológica e sociológica de marcas que as levou a comprar e possuir, para fazê-las compartilhar. Outra forma de transporte altamente favorecida nas grandes cidades é o compartilhamento de bicicletas. Além de ter preços baixos de mensalidade e manutenção, o sistema de aluguel de bicicletas está se tornando cada vez mais comum em todos os lugares do mundo. O uso público das bicicletas teve início em 1968, em Amsterdam, Holanda, com as White Bikes. O projeto, no entanto, não deu certo, e morreu logo em seguida. Em 1995, foi lançado um projeto parecido em Copenhagen, Dinamarca, baseado num depósito de moedas em estações específicas na cidade. No entanto, foi devido às tecnologias modernas que os sistemas de compartilhamento de bicicletas se popularizaram (DEMAIO, 2013). Em 2013, o compartilhamento de bicicletas cresceu 60% em todo o mundo. Estima-se que cerca de 700 cidades ofereçam atualmente o serviço. De acordo com consultores do The Bike- Sharing Blog, existem 700 mil bicicletas em 33 mil estações em todo o mundo. A África e a Antártica são os únicos continentes onde o sistema ainda não existe (MEDDIN, 2013). Esta tendência só tende a crescer. 2.2.2 Mercados de Redistribuição Segundo Botsman e Rogers (2010), os mercados de redistribuição têm como base a troca, compra e venda de produtos usados, que podem ser "redistribuídos" para outras pessoas que os necessitem. Com o objetivo de tornar mais longa a vida de determinado produto, a redistribuição entra como o quinto "R" em um sistema sustentável de comércio: reduzir, reciclar, reutilizar, reformar e redistribuir. A redistribuição de produtos possui duas consequências não intencionais positivas. Ao compartilhar mercadorias ao invés de comprar novos produtos, são evidentes os benefícios ambientais. Além de maximizar o uso de produtos e ampliar a longevidade de itens individuais, a redistribuição diminui a necessidade de recursos para a produção de um novo produto, e reduz as emissões de carbono. Assim, é possível evitar o desperdício e "quebrar" o sistema de hiperconsumismo.
  • 39. 38 A agência de proteção ambiental dos EUA estimou que 98% de todo o lixo seja industrial (e que uma grande porcentagem seja produzida ao fabricar novos produtos) e apenas 2% seja doméstico. Por mais que reciclemos nosso papel, nossas garrafas e nossos plásticos, a melhor maneira de ajudar a evitar o desperdício é comprar menos coisas novas e reutilizar e redistribuir mais do que já temos (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 106). O segundo benefício dos mercados de redistribuição é a construção da comunidade. Antes do surgimento da Internet, era extremamente difícil manter grupos de pessoas com desejos e necessidades semelhantes alinhados. Para que uma pessoa que tivesse algo para dar e outra que quisesse aquele item se encontrassem era uma tarefa complicada, tornando o compartilhamento de produtos um tanto inconveniente. A Internet e as redes sociais tornaram este processo muito mais rápido e eficiente, ao combinar oferta e demanda por meio de uma sincronização em massa quase instantânea de desejos ou necessidades em que as duas partes sempre ganham. Como consequência não intencional, os mercados de redistribuição acabam por gerar interações entre pessoas e um sentimento de comunidade. Nas redes sociais, uma pessoa ajuda a outra sem necessariamente exigir um retorno desta mesma pessoa. Isto se chama reciprocidade indireta, propagada pela dinâmica cooperativa. Botsman e Rogers (2010) explicam que essa cultura costuma ser chamada de "economia do presente", na qual as pessoas dão mercadorias e serviços sem um acordo explícito de alguma recompensa imediata ou futura. Desta forma, a reutilização cria confiança entre desconhecidos. Normalmente as redes de redistribuição online têm um enorme alcance e usuários de todos os lugares do mundo. Mesmo assim, os casos de fraude e mau comportamento são apenas uma pequena porcentagem. As comunidades geralmente são descentralizadas e auto-organizadas. Assim como acontece com tantas outras formas de consumo colaborativo, empurrando o poder de volta para os seus usuários, estes mercados de redistribuição motivam as pessoas a administrar suas próprias ações e as ações de toda a comunidade. Por sua vez, isso cria um grau elevado de confiança e reciprocidade para fazer com que coisas excedentes passem de maneira eficiente da falta de utilização para a reutilização (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 113) O site de redistribuição de produtos mais conhecido mundialmente, que aplicou pela primeira vez a auto-organização entre seus usários, é o e-Bay. Criado em 1996, ele se tornou um modelo bem-sucedido de consumo colaborativo, devido à sua abordagem de baixo para cima, chamada de "ambiente do povo, pelo povo e para o povo" pelo seu fundador, o norte- americano Pierre Omidyar. Além disso, foi através do e-Bay que surgiu o sistema de reputação mais conhecido na Internet, onde os usuários podem avaliar os outros membros
  • 40. 39 publicamente através de feedback e mensagens. O site teve início como uma ferramente de leilões de produtos usados, e em pouco tempo teve um crescimento vertiginoso. Em 2010, o e-Bay contava com mais de 221 milhões de membros que negociavam mais de US$ 52 bilhões em mercadorias por ano, o que representa mais do que o Produto Interno Bruto de 125 países do mundo. Ao contrário do seu propósito inicial, o site atualmente é conhecido como uma gigantesca loja online, com um percentual significativo de trocas envolvendo produtos novos, mas fornece uma infraestrutura global para a troca de mercadorias secundárias (BOTSMAN; ROGERS, 2010). Outro site que é conhecido mundialmente entre os mercados de redistribuição é o craigslist. Criado em 1995, por Craig Newmark, o site funciona como uma seção de classificados online, que tem como objetivo atender uma variedade de necessidades cotidianas das pessoas. Os membros podem anunciar ofertas de trabalho e serviços, achados e perdidos, realizar fóruns de discussão, negociar a troca e venda de produtos usados, entre inúmeras outras opções. O craigslist se tornou o site mais popular do mundo para anúncios classificados, e recebe cerca de 20 bilhões de acessos por mês, o que faz dele o sétimo site mais visto na Internet (BOSTMAN; ROGERS, 2010). Tanto o e-Bay como o craigslit podem atuar como ferramenta de troca de produtos usados, porém ambos os sites trabalham também com a venda de produtos e serviços. No entanto, em 2003, surgiu um novo site de redistribuição, baseado somente em trocas não monetárias entre os usuários, o Freecycle. Seu criador, o norte-americano Deron Beal, era diretor de uma pequena organização sem fins lucrativos que recolhia e reciclava suprimentos de escritório para empresas locais. Ele percebeu que havia uma grande quantidade de objetos ainda em boas condições que iam para o lixo, e teve a ideia de criar uma forma de se desfazer dos objetos que não queria mais, ao mesmo tempo em que ajudava alguém que poderia reaproveitá-los. Atualmente, o Freecycle é um dos movimentos voluntários que mais cresce no mundo, com mais de 7 milhões de membros em mais de 95 países (BOTSMAN; ROGERS, 2010). Outro mercado de redistribuição que tem ganhando espaço na Internet é o Swap Tree. Lançado em 2007 pelos amigos e experts da matemática Boesel e Hexamer, o site atua de uma forma um pouco diferente dos vistos acima. Os usuários que desejam trocar um produto por outro devem digitar o código de barras do seu produto e a condição em que ele se encontra —de gasto a nunca utilizado —e, em menos de 60 milésimos, é possível ter uma
  • 41. 40 lista completa de todos os produtos que podem ser trocados na mesma faixa de valor e condição. Assim, é possível que os usuários tenham uma experiência de escolha e satisfação instantânea similar a da compra de produtos novos (BOTSMAN; ROGERS, 2010). Segundo Botsman e Rogers (2010), os mercados de redistribuição funcionam melhor para produtos que tem como objetivo atender uma necessidade de curto prazo ou produtos que ficam menos atraentes após um tempo, como livros, jogos e roupas. O rápido crescimento da troca e venda de produtos usados mostra que, no futuro, o conceito de "propriedade temporária" será tão comum quanto comprar algo novo. 2.2.3 Estilos de Vida Colaborativos O compartilhamento de espaço, tempo, dinheiro e habilidades não surgiu com a Internet, e sim remete a atividades exercidas antigamente que, com o desenvolvimento da sociedade de consumo, muitas vezes acabaram esquecidas ou desinteressantes. Botsman e Rogers (2010) afirmam que, no entanto, a tecnologia foi a ferramenta que faltava para que este tipo de atividade voltasse à tona, trazendo novos valores a estas soluções, como abertura, comunidade, acessibilidade, sustentabilidade e, claro, colaboração. Sistemas de serviços de produtos e mercados de redistribuição nos levam a repensar as razões e a maneira como consumimos produtos e serviços. Mas o que dizer sobre os ativos menos tangíveis e mais pessoais que compõem nossas vidas quotidianas? E o que dizer de coisas como o conhecimento, tempo, espaços de trabalho, criatividade, dinheiro, casas, jardins e outros espaços sociais? Não são apenas bens de consumo que podem ser trocados, emprestados, presenteados ou permutados. Você pode compartilhar um sofá, um jardim, um escritório, uma carona, um espaço de trabalho, uma refeição, uma tarefa, uma habilidade, ou vegetais orgânicos. Estes intercâmbios estão prosperando em um sistema que chamamos de estilos de vida colaborativos (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 129). Uma das formas mais inovadoras de estilos de vida colaborativos tem base no escambo, a atividade mais antiga de negociação econômica. Botsman e Rogers (2010) explicam que, através de plataformas online, os mercados de escambo, como são chamados, não carregam quaisquer produtos ou serviços, mas funcionam como a corretora ou facilitadora das transações. Ou seja, empresas e indivíduos doam mercadorias e serviços para ganhar dólares ou libras de escambo que se tornam um crédito dentro de uma conta. Este crédito pode ter utilizado para adquirir outras mercadorias ou produtos, não necessariamente do usuário ou empresa que utilizou os seus serviços ou mercadorias.
  • 42. 41 Muitos destes sistemas utilizam moedas imaginárias, chamadas também de moedas entre pares. Este sistema supera o problema da "coincidência dupla de desejos" —quando os dois indivíduos envolvidos na troca devem querer as mercadorias e serviços um do outro — já que as trocas não precisam ser recíprocas. Ou seja, uma pessoa dona de um hotel pode disponibilizar sem custo um quarto para um viajante e ganhar um crédito online na sua conta, que pode gastar utilizando serviços que outras pessoas disponibilizam na mesma rede, desde um tratamento odontológico a um corte de cabelo, entre outras inúmeras opções. Entre os mercados de escambo que existem atualmente estão o ITEX, Superfluid Barterbrokers, Tradebank, Nubarter e o Bartercard, que atuam principalmente nos países norte-americanos e europeus. Outro exemplo de estilo de vida colaborativo está crescendo no mundo financeiro, conhecido como empréstimo social. Empresas como o Zopa, na Europa, e o Prosper e o Lending Club, nos Estados Unidos, têm como base o empréstimo de dinheiro entre pessoas, eliminando a função de intermediário do grande banco. Para Botsman e Rogers (2010), este sistema retoma a premissa básica do empréstimo social, quando pessoas emprestavam dinheiro para família e amigos, sendo necessário, para que um empréstimo acontecesse, um credor, um tomador de empréstimo e uma testemunha. Com o desenvolvimento do comércio e da economia, estas negociações passaram a depender de um canal central de confiança, e surgiram os intermediários financeiros, que removiam a fidelidade da comunidade. Neste novo sistema, os credores conseguem taxas de lucros maiores do que nos investimentos em poupanças e no mercado de ações, e os tomadores de empréstimos conseguem juros mais acessíveis que os dos bancos. Os mercados de empréstimo social, como o Zopa, cobram taxas muito mais baixas que os cartões de créditos, e a transparência cria mais confiança entre os usuários. "Os tomadores de empréstimos costumam dizer que preferem pagar juros para os credores do Zopa a pagarem para um banco. Eles se sentem valorizados em vez de explorados" (BOTSMAN; ROGERS, 2010, p. 138). Outra forma de compartilhar dinheiro, conhecida mundialmente, é o crowdfunding, ou financiamento coletivo. Através de uma plataforma online é possível arrecadar fundos para os mais diversos tipos de projetos sociais, culturais e pessoais. Gansky (2011) estuda o caso do Kickstarter, maior site de financiamento coletivo do mundo, que nasceu em 2009 e
  • 43. 42 trouxe uma nova maneira de financiar ideias e projetos criativos na Internet. Começar um projeto no site é gratuito, e deve-se estabelecer uma meta financeira a ser atingida em um prazo determinado. Para incentivar as pessoas a ajudarem, além da divulgação e identificação com o projeto, é necessário disponibilizar recompensas para os financiadores, que variam conforme o valor doado, flexível. O Kickstarter aplica uma taxa de 5% ao valor apurado, e se o objetivo não é atingido no prazo, todos os compromissos são cancelados. Segundo pesquisa divulgada pelo site Globo (2013), o interesse sobre crowdfunding cresceu depois que o presidente norte-americano Barack Obama assinou uma legislação para legalizar o sistema, que está sendo regulamentado. Desde então, os volumes de financiamento coletivo alcançaram US$ 2,66 bilhões em 2012, segundo pesquisa da Massolution, empresa de consultoria especializada no setor (GLOBO, 2013). Botsman e Rogers (2010) apontam que, atualmente, estão surgindo, em todo o mundo, estilos de vida colaborativos baseados em ecovilas, habitações coletivas, cooperativas e outras formas de comunidades intencionais, que remetem ao conceito de "comunas", comunidades em que os recursos são compartilhados. Estas comunidades permitem que as pessoas colaborem, formem novos vínculos sociais e fragmentem as barreiras emocionais e estigmas associados com o ato de compartilhar ou pedir ajuda. Um dos mais famosos tipos de comunidades que surgiram nos últimos anos são os espaços compartilhados de trabalho, oucoworking. O conceito de coworking foi criado por Brad Neuberg, em 2005. Ele trabalhava como freelancer e gostava de trabalhar em casa, porém estava cansado de não ter pessoas com quem conversar nos intervalos. Ele já havia tentado trabalhar em cafés, mas achou barulhento e sentiu falta de interações significativas. Na busca de um local de trabalho que pudesse unir a liberdade e independência de ser um freelancer e o sentimento de comunidade, ele e mais três amigos alugaram um espaço para reuniões e, posteriormente, promoveram um encontro de coworking. Diversos profissionais se interessaram e o conceito de escritório compartilhado foi ganhando espaço mundialmente (BOTSMAN; ROGERS, 2010). Botsman e Rogers (2010) apontam que os escritórios de coworking são vistos por muitos dos seus usuários como centros de interações, e combinam os melhores elementos de um café (social enérgico, criativo) com os melhores elementos de um espaço de trabalho (produtivo, funcional). Segundo pesquisa realizada pela DeskMag, os espaços de coworking no mundo inteiro estão crescendo e se diversificando. Dois terços dos espaços já existentes