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1
HEGEL E O CETICISMO:
SOBRE AS POSSIBILIDADES E OS LIMITES DA
SUPERAÇÃO DO CETICISMO PELA FUNDAMENTAÇÃO DA
FILOSOFIA
Lucas Nascimento Machado
(Departamento de filosofia / FFLCH – USP)
lucas.machado@usp.br
Resumo: Neste artigo, buscaremos discutir, em linhas gerais, como a fundamentação
hegeliana da filosofia estaria intimamente ligada a uma necessidade de responder aos
tropos céticos da diversidade, da regressão ao infinito, da relação, do postulado e da
circularidade. Para tanto, discutiremos os modos pelos quais Hegel buscaria superar,
quer na sua juventude, quer na sua maturidade, as objeções tipicamente céticas desses
tropos, mostrando como a retomada da reflexão pelo Hegel de maturidade leva à
necessidade de superar essas objeções de maneira distinta daquela que é utilizada em
sua juventude. Esperamos, desse modo, mostrar como a internalização de toda
exterioridade pela Razão, pela qual se deve remover toda espécie de independência da
primeira em relação à segunda, se faz chave para concepção hegeliana de filosofia e de
sua fundamentação, bem como para a problematização dos limites e possibilidades
dessa concepção e dessa fundamentação. Nesse sentido, pensar a relação entre ceticismo
e filosofia na filosofia de Hegel seria pensar questões centrais a ela e à própria filosofia
contemporânea, em seu diálogo com Hegel e para além dele.
Palavras-chave: ceticismo – fundamento - tropos do ceticismo - reflexão – negação –
exterioridade – internalização
2
Introdução
Responder às objeções céticas: eis uma exigência recorrente na história da
filosofia, à qual se buscou satisfazer de diversas maneiras. Afinal, para garantir a certeza
e verdade do discurso filosófico que buscam instaurar, diversos filósofos sentiram a
necessidade de responder às objeções céticas sobre qualquer pretensão de conhecimento
a respeito do objeto de suas reflexões filosóficas. Nesse sentido, ser capaz de responder
às objeções céticas seria condição de possibilidade para que um discurso filosófico seja
fundamentado e, desse modo, seja efetivamente capaz de dar conta de seu objeto.
Ora, o idealismo alemão é um dos momentos da história da filosofia nos quais
essa necessidade de responder aos céticos se encontra mais forte e explicitamente dada.
Basta lembrarmos-nos da bem conhecida afirmação de Kant de que foi Hume – um
cético moderno – que o despertou do seu ‘sono dogmático’, levando-o a conceber sua
Crítica da Razão Pura como resposta às objeções deste cético quanto à possibilidade de
se ter algum conhecimento certo e seguro das coisas. Entretanto, essa necessidade de se
responder ao ceticismo não é apenas o que impulsiona o idealismo alemão em seu
começo, mas também a exigência recorrente com a qual os filósofos desse período
tiveram que se confrontar, a fim de darem conta de construir e firmar os seus próprios
discursos filosóficos – como se houvesse uma necessidade constante de responder às
objeções céticas, onde estas ainda não tinham sido satisfatória ou suficientemente
respondidas pelos filósofos antecedentes. O caso de Fichte é paradigmático: com efeito,
é a crítica de Schulze à filosofia crítica, em seu Aenesidemus1
, que leva Fichte a
considerar necessária uma nova exposição de tal filosofia, levando-o a construir, por
esse meio, o seu próprio sistema filosófico23
. Desse modo, parece-nos não ser exagero
afirmar que a possibilidade (ou impossibilidade) de se responder às objeções céticas
sobre a efetividade do conhecimento, bem como o modo com essa resposta poderia ser
feita, é uma das questões centrais em torno das quais o idealismo alemão se mobiliza.
No que diz respeito a esse ponto, Hegel não é nenhuma exceção. Muito pelo
contrário, suas reflexões sobre a relação entre ceticismo e filosofia são desenvolvidas
desde a sua juventude, mostrando o quanto, para ele, a possibilidade de uma
1
Cf. SCHULZE,, 2000.
2
Cf. FICHTE, 2000.
3
Cf. BREAZEALE, 1981.
3
fundamentação legítima da filosofia seria indissociável de uma apreensão correta da
relação existente entre ceticismo e filosofia. De fato, é à exposição da relação entre
ceticismo e filosofia que Hegel dedica um de seus artigos de juventude, apresentando
nele aquelas que considera serem as diferentes figuras do ceticismo, e quais seriam os
modos de cada uma delas de se relacionar com a filosofia. Desse modo, Hegel espera
mostrar não apenas como certas figuras do ceticismo são, em verdade, subversões dele -
incapazes, portanto, de atingir a filosofia, na medida em que carecem de um fundamento
autêntico para suas objeções -, mas também como o ceticismo genuíno é indissociável
da filosofia genuína, e só nessa união com ela é capaz de fundamentar suas objeções. O
que quer dizer, em outras palavras, que, para Hegel, dar conta das objeções céticas
significa, em última instância, mostrar que elas não precisam de resposta, porque não
concernem à filosofia genuína; antes, essas objeções dizem respeito ao modo do senso
comum de pôr seus objetos, ao pensamento dentro dos moldes do entendimento. O que
importa mostrar é, portanto, como a Razão, por não ser entendimento, não se submete
às críticas do ceticismo, e toda tentativa de se aplicar as críticas do ceticismo à Razão
falha, porque voltá-las contra a Razão é voltá-las contra o seu próprio fundamento –
como se o ceticismo, para lançar sua sombra, precisasse da luz infindável da Razão.
Assim, Hegel recorre, em seu artigo, a uma discussão sobre os tropos do
ceticismo antigo, tais como expostos por Sexto Empírico. Desses tropos, destaca cinco
como produzidos devido à virada do ceticismo contra a filosofia: o tropo da diversidade
de opiniões, o da regressão ao infinito, o da relação, o dos postulados e o da
circularidade. Seriam esses tropos que, para Hegel, estariam completamente voltados e
dedicados à suspensão da cognição filosófica, na medida em que atacam a certeza de tal
cognição pelo recurso às dificuldades de fundamentação que estariam envolvidas na
possibilidade dessa cognição. Diante da diversidade de opiniões e posicionamentos
filosóficos, como saber qual opinião é verdadeira? Como fundamentar a cognição
filosófica, se cada fundamento fornecido a ela careceria, por sua vez, de um fundamento
para si próprio, e assim ao infinito? Como essa cognição poderia ser verdadeira e
absoluta, se, muito pelo contrário, aparece-nos sempre como tudo é relativo, tudo só é
como é dentro de uma relação com alguma outra coisa? Como fornecer certeza para
essa cognição por meio da postulação de algo como uma verdade que não pode nem
deve ser provada, se se poderia postular igualmente aquilo a que esse algo se opõe? E,
por fim, como uma cognição filosófica poderia ser certa e absoluta, se o fundamento de
sua verdade depender e se fundamentar, por sua vez, na própria cognição filosófica, de
4
tal forma que a cognição e o seu fundamento se encontrem em uma relação de
circularidade? São essas as dificuldades oferecidas por esses tropos à efetividade de
qualquer cognição filosófica, e são essas dificuldades que Hegel busca mostrar, em seu
artigo, que não atingem a filosofia e a Razão, enquanto são dificuldades próprias ao
entendimento, e não o modo racional de apreensão do Absoluto, no qual as dicotomias
da reflexão são dissolvidas e superadas na intuição intelectual do Absoluto.
Porém, sendo o artigo de Hegel sobre a relação entre ceticismo e filosofia um
artigo de sua juventude, sua compreensão acerca do que seja a cognição do Absoluto
sem dúvidas difere da compreensão que adquire a partir de sua Fenomenologia do
Espírito – e com a mudança dessa compreensão, também muda o modo pelo qual Hegel
concebe a relação entre ceticismo e filosofia. Sendo assim, cabe-nos perguntar: de que
maneira, com essa mudança no interior da filosofia hegeliana, muda também a resposta
às objeções céticas e o modo com que se espera pôr a Razão e a cognição filosófica do
Absoluto para além do alcance destas? Como a filosofia de maturidade de Hegel, o
clássico fecho do idealismo alemão, daria conta de superar as objeções céticas? Em que
medida a filosofia hegeliana teria sido capaz de dar conta de uma das principais
exigências de fundamentação postas para o idealismo alemão, de responder ao
ceticismo? De que maneira, em outras palavras, Hegel pretenderia contornar e superar
as dificuldades céticas postas pelos cinco tropos céticos ‘voltados contra a filosofia’? E
como as dificuldades e possíveis problemas relacionados ao seu modo próprio de
superar as objeções céticas estariam intimamente ligadas a problemas e dificuldades
maiores do sistema hegeliano, e, desse modo, às objeções que podem ser (e que por
muitas vezes foram) feitas a esse?
São essas as perguntas que este artigo visa discutir, em suas linhas gerais e em
alguns de seus aspectos, os quais julgamos centrais. Para nós, a relevância de tal
discussão não reside apenas na importância e no lugar do ceticismo para a compreensão
aprofundada e apurada da filosofia hegeliana, mas também e, sobretudo, pela relevância
que tal discussão pode ter para a reflexão sobre problemas maiores da filosofia, no que
diz respeito à sua possibilidade de auto-fundamentação e do que está em jogo nela.
A fim de organizar a discussão aqui proposta, o artigo seguirá o seguinte
percurso: em primeiro lugar, discutiremos a resposta de Hegel aos tropos céticos em seu
artigo de juventude, Sobre a relação entre ceticismo e filosofia, apontando em que
medida essa resposta consistiria na afirmação de que a Razão, por estar acima da
reflexão e se realizar pela dissolução desta, está acima das objeções céticas, que só
5
possuem validade no domínio da reflexão. Em segundo lugar, discutiremos como a
mudança pela qual a filosofia hegeliana passa exige uma mudança na resposta aos
tropos céticos, na medida em que a reflexão (não mais limitada à reflexão externa,
característica ao entendimento) passa a ser o modo de operação próprio ao pensamento
pelo qual se pode apreender e realizar o fundamento incondicionado da própria
filosofia. Para fazer essa discussão, recorreremos ao modo como Hegel opera, em sua
maturidade, com diferentes modalidades de negação, por meio das quais, ainda que não
sejam colocadas sempre explicitamente como respostas ao ceticismo, visar-se-ia,
entretanto, superar dificuldades fundamentalmente céticas e colocadas pelos tropos
céticos que lhes são característicos. Por fim, discutiremos brevemente alguns possíveis
problemas da e objeções à resposta hegeliana a essas objeções céticas, e como a
discussão sobre esses possíveis problemas e objeções está intimamente ligada a
questões centrais da e para a filosofia contemporânea.
A auto-cognição da Razão e a dissolução da reflexão
Em seu artigo de juventude, Sobre a relação do ceticismo com a filosofia, Hegel
faz uma resenha do livro de Schulze, Crítica da Razão Teórica. Nesse livro, Schulze,
um dos céticos modernos mais proeminentes de sua época, busca demonstrar como a
filosofia especulativa – aquela que busca ‘as causas mais incondicionadas das coisas
condicionais cuja atualidade nós temos certeza’ – estaria fadada ao fracasso. Isto porque
tal filosofia buscaria conhecer as coisas incondicionadas, quer dizer, aquilo que as
coisas são fora da consciência, quer dizer, em-si mesmas, por meio daquilo que as
coisas são dentro da consciência, quer dizer, segundo elas são pensadas e
representadas na consciência. No entanto, como aquilo que as coisas são, enquanto
pensadas por meio de conceitos, não é o mesmo que elas são em si mesmas, resta que
toda tentativa de conhecer o que elas são em si mesmas por meio de conceitos jamais
poderá ter o valor de uma cognição certa e definitiva das coisas em si mesmas. Afinal,
isso seria inferir a causa a partir do efeito, as coisas tais como elas são em si mesmas a
partir do efeito que elas produzem em nós, dos conceitos e representações delas que são
causados em nossa consciência por elas. E toda inferência da causa a partir do efeito é,
6
necessariamente, incerta4
– de tal modo que a filosofia especulativa jamais poderia
assegurar uma cognição efetiva de seu objeto.
Nesse estado de coisas, para Schulze, apenas um tipo de objeto pode ser efetiva
e seguramente conhecido: trata-se precisamente, das ‘coisas condicionadas de cuja
atualidade temos certeza’, dos fatos da consciência, que, enquanto dados da
consciência, estão ao pleno alcance dela e podem ser plena e seguramente conhecidos
por ela. Aquilo que aparece à consciência possui certeza indubitável enquanto
aparência – não se pode duvidar que aquilo que aparece à consciência apareça tal como
aparece mais do que se pode duvidar da própria consciência, o que faz que esses fatos
da consciência, enquanto aquilo que aparece para a consciência, possam ser
perfeitamente conhecidos como tais. Por isso, é aos fatos da consciência que a filosofia
deve reportar-se em suas especulações, jamais buscando ultrapassar os limites e o
domínio próprios à consciência5
.
É essa ‘grosseira’ concepção da filosofia especulativa e do ‘reino do racional’
que Hegel pretende atacar em seu artigo. Para tanto, propõe-se a expor as diferentes
figuras do ceticismo em sua relação com a filosofia, a fim de mostrar como o ceticismo,
muito antes de se colocar em oposição a e separado da filosofia, é, em sua forma
genuína, indissociável da genuína filosofia. O ceticismo não se opõe à filosofia
especulativa; antes, apreendido em sua verdade, é um momento essencial e
indispensável da própria, que é tão incapaz de se sustentar sem a filosofia quanto a
filosofia é de se sustentar sem ele. Nesse sentido, trata-se de mostrar como o ceticismo
de Schulze é inconsequente, a começar pela sua adesão aos assim chamados fatos da
consciência.
Com efeito, para Hegel, uma das maiores distinções a serem feitas entre o
ceticismo moderno e o antigo (quer seja o ceticismo de Pirro, quer seja o de Sexto
Empírico) diz respeito à relação que o cético mantém com o senso comum, com a
consciência ordinária comum e as ‘verdades finitas’, determinadas, às quais ela se
aferra. Enquanto o ceticismo moderno, assim como a consciência ordinária comum, se
aferra àquilo que é condicionado – ou seja, às aparências – como a algo que pode ser
certo e seguro por si próprio, o cético antigo, muito pelo contrário, denuncia a
instabilidade e efemeridade de tudo aquilo que aparece para a consciência, expondo
como aquilo que é condicionado, precisamente por ser condicionado, não tem nada de
4
Cf. HEGEL, 2000, p.345
5
Cf. HEGEL, 2000, p.318
7
certo e seguro em si mesmo. Não se pode ter nenhum conhecimento certo e seguro
sobre as aparências, porque as aparências não possuem nada de certo em seguro em si
mesmas – o modo de as coisas aparecerem muda de acordo com a relação que elas
estabelecem com aquele para quem aparecem 6
, de tal maneira que não se pode, como
Schulze gostaria, ter um conhecimento certo e seguro das coisas tais como elas são
enquanto aparências. Não se pode conhecer como a aparência é na consciência,
precisamente porque, por ser aparência, ela não é – a aparência da coisa não é uma ou
outra, mas antes varia conforme a relação com aquele para quem aparece varia. É isso
que os céticos antigos buscavam apontar, denunciando a impropriedade da consciência
ordinária comum ao considerar que pelas aparências seria possível obter qualquer
espécie de conhecimento dotado de certeza e segurança inquestionáveis. Isso porque
tudo que é da ordem daquilo que aparece é da ordem daquilo que é determinado – e, por
isso mesmo, daquilo que é condicionado, relativo. Sendo assim, cabe considerar mais
detalhadamente porque, para o Hegel da juventude, tudo aquilo que é determinado só
pode ter um estatuto condicionado e relativo.
Determinar é negar; nisso, Hegel segue o adágio espinosista, omni determinatio
est negatio. Determinar um objeto significa defini-lo por meio daquilo que ele não é,
constituindo seu conceito pela negação daquilo que não pertence a ele. Dessa maneira,
estabelece-se entre o objeto e aquilo que ele nega uma relação de exclusão, na qual tudo
aquilo que não se encontra no interior da determinação do objeto é colocado para fora
dele, sendo nessa exclusão que o objeto se define. Determinar um objeto significa,
portanto, estabelecer uma relação de oposição dele com aquilo que carrega a
determinação que lhe é oposta. O que é doce não é amargo; o que é claro não é escuro, e
assim por diante.
Se determinar um objeto é estabelecer uma relação de oposição entre ele e aquilo
que porta a determinação oposta, isso significa que todo objeto determinado só existe no
interior da relação de oposição pela qual ele é determinado. Em outras palavras, é só
enquanto se opõe e exclui de si aquilo que é oposto à sua própria determinação que o
objeto subsiste enquanto determinado – o que quer dizer que só subsiste em sua
determinação enquanto se relaciona com outro ao qual se opõe. Todo objeto
determinado, portanto, é um objeto que não subsiste por si próprio, mas sim apenas no
interior de uma relação, tendo, por conseguinte, um estatuto relativo, condicionado e
6
Cf. HEGEL, 2000, p.330 e p.332
8
dependente da relação na qual se encontra. O objeto determinado, precisamente porque,
para ser determinado, precisa manter-se no interior de seus limites e, portanto, de sua
finitude, só pode subsistir enquanto determinado dentro de uma relação de oposição: o
que ele é enquanto determinado não é absoluto, valendo por si mesmo e
independentemente de qualquer condição, mas sim relativo, só subsistindo no interior
da relação de oposição que estabelece com seu outro.
Se tudo que é determinado é da ordem do relativo, precisamente na medida em
que não subsiste em si e por si mesmo, então tudo que é da ordem das aparências é
igualmente relativo. Isso porque é precisamente na ordem do sensível que os objetos são
dispostos de acordo com as suas determinações e opostos uns aos outros desse modo: o
que é doce não é amargo, o que é claro não é escuro, o que é causa não é efeito, etc.
Sendo assim, todo o conhecimento e pensamento do sensível enquanto sensível, quer
dizer, todo o conhecimento obtido por meio de conceitos determinados que se referem
aos objetos tais como eles são enquanto determinados, é um conhecimento relativo, que
não dá a conhecer as coisas tais como elas são em si mesmas, mas sim apenas como são
no interior das relações de oposição pelas quais se tornam determinadas. Esse é o modo
de pensamento e conhecimento característico do entendimento, que busca conhecer as
coisas, por meio de seus conceitos e categorias, na medida em que elas são
determinadas. O entendimento, que tem por seu modo próprio de operar reflexivamente,
é precisamente o modo de pensamento que, a partir da reflexão acerca de seu objeto,
precisa instaurar dicotomias apenas a partir das quais lhe é possível pensá-lo, justamente
porque só é capaz de pensar seu objeto enquanto algo determinado. Pensar, para o
entendimento, é refletir; e refletir é produzir dicotomias, pensar o seu objeto sempre em
oposição ao seu outro – o que significa, igualmente pensar a si mesmo em oposição ao
seu objeto: o entendimento não é seu objeto; por isso, jamais pode ter pleno acesso ao
que ele é em-si.
Nesse sentido, não seria à toa que o procedimento próprio ao ceticismo antigo
era o de opor, a todo argumento a favor de que a coisa seja determinada de um modo,
argumentos igualmente persuasivos a favor de que ela seja determinada da maneira
oposta, de tal modo que, ao fim dessa operação, fosse impossível decidir se a coisa é,
em si mesma, determinada de uma ou de outra forma7
. Dessa maneira, o cético antigo
pretendia mostrar que não há conhecimento seguro que se possa obter por meio das
7
Cf. EMPÍRICO, 2000, I, seção iv
9
aparências ou do pensamento acerca delas, porque elas, assim como o modo pelo qual
são pensadas, são meramente relativos e, por isso mesmo, incapazes de alcançar aquilo
que a coisa é absoluta e incondicionalmente. Se Schulze gostaria de afirmar que é
possível ter um conhecimento certo e seguro daquilo que é condicionado, os céticos
antigos lembravam precisamente que aquilo que é condicionado não tem nada de certo e
seguro em si mesmo, não podendo ser fonte de qualquer conhecimento desse tipo. O
que o ceticismo antigo fazia, portanto, ao denunciar a impossibilidade de se ter qualquer
conhecimento certo e seguro por meio das aparências, era denunciar a incapacidade do
entendimento de sustentar-se por si próprio. Pois o entendimento, capaz apenas de
cognições meramente relativas, se atua isoladamente, é incapaz de fornecer um
fundamento absoluto para suas cognições, na medida em que só é capaz de apreender
aquilo que é relativo, condicionado. É por isso que o verdadeiro ceticismo, muito antes
de se aferrar às verdades determinadas e finitas do senso comum, realiza a crítica desse
apego dogmático da consciência ordinária comum às suas verdades finitas8
. Para Hegel,
que o ceticismo antigo ataque ao senso comum e ao entendimento, em seu apego àquilo
que é meramente relativo, pode ser visto por meio dos dez primeiros tropos do
ceticismo9
, pelos quais far-se-iam a exposição e denúncia da diversidade e relatividade
presente naquilo que é da ordem das aparências, da ordem do sensível. Se o cético
moderno, na sua adesão aos fatos da consciência, acredita poder permanecer dentro dos
limites do entendimento e, ainda assim, ser capaz de uma cognição certa e segura, o
cético antigo, por sua vez, insistia na impossibilidade de que o conhecimento obtido
pela reflexão operada pelo entendimento acerca daquilo que é determinado possa ter
algo de certo e seguro em si mesmo.
Entretanto, Hegel observa, se o ceticismo antigo mantinha-se fiel à sua própria
essência, ao denunciar a finitude das verdades da consciência ordinária comum, a forma
que ele adquire com Sexto Empírico já revela uma subversão sua. Isso porque, a partir
desse momento, o cético não dirige suas críticas apenas à consciência ordinária comum
e às suas verdades finitas, mas também à própria Razão em sua auto-cognição. Essa
virada do ceticismo contra a filosofia seria, para Hegel, claramente visível pelos cinco
tropos do ceticismo que se seguem aos dez primeiros, cujo conteúdo revelaria serem
tropos voltados não contra o senso comum, mas sim contra as pretensões de uma
8
Cf. HEGEL, 2000, p.336
9
Cf. idem ibid., pp. 330-332
10
cognição racional e filosófica10
. Trata-se, como mencionamos anteriormente, dos tropos
da diversidade de opiniões, da regressão ao infinito, da relação, dos postulados e da
circularidade. Por meio desses tropos, o cético pretenderia deslegitimar a pretensão da
filosofia de ter uma cognição racional do Absoluto; afinal, se ela realmente tivesse tal
cognição, como explicar as divergências de opinião acerca dessa cognição e do que ela
seja? Como fundamentar tal cognição sem que se caia em uma regressão ao infinito, na
qual cada fundamento precise por sua vez de um fundamento para si próprio? Como
fornecer um fundamento absoluto para essa cognição, se tudo que existe, existe apenas
em relação com alguma outra coisa? Como fundamentar essa cognição por meio do
postulado de um princípio que não pode ser provado e deve ser evidente por si mesmo,
se é possível postular igualmente o princípio contrário? E, por fim, como fundamentar
essa cognição por meio de uma relação de circularidade entre o fundamento e a
cognição, se nesse caso nem a cognição, nem o seu fundamento, possuem validade em
si próprios, mas sim só são válidos nessa relação um com o outro?
Ora, para Hegel, se o cético questiona a efetividade da cognição filosófica – que
nada mais é do que a auto-cognição da Razão, precisamente porque apenas o
incondicionado pode ter uma apreensão efetiva daquilo que é incondicionado -, isso se
deve ao fato de confundir a Razão com o entendimento, o que seria constatável
precisamente pelos tropos com os quais o cético tenta atacar a filosofia. Com efeito, da
forma como Hegel os compreende, esses tropos, ao serem voltados contra a filosofia –
e, portanto, contra a Razão – a subvertem em entendimento, na medida em que a
concebem como algo de determinado, algo de finito11
. Afinal, concebem a cognição
filosófica – ou, em outras palavras, a auto-cognição da Razão, a cognição do
incondicionado pelo incondicionado - como algo de determinado, algo que se encontra
em uma relação de exterioridade com outra coisa. Só desse modo pode-se conceber uma
diversidade irreconciliável de opiniões que desvalidaria a cognição filosófica, ou
conceber a necessidade de se buscar um fundamento para essa cognição que seja
exterior a ela, de tal modo que cairíamos na regressão ao infinito ou na circularidade.
Igualmente, só desse modo pode-se tomar a Razão como um postulado não provado,
como se em oposição a ela pudesse se postular aquilo a que ela se opõe e que é exterior
a ela; e, por fim, só desse modo pode-se conceber que a Razão só é o que é no interior
de uma relação com algo exterior a ela, sendo, portanto, meramente relativa. Em outras
10
Cf. idem ibid., pp.334-335
11
Cf. idem ibid., p.337
11
palavras: os tropos céticos, para poderem se aplicar à Razão, precisam subvertê-la a
algo de determinado, que se encontra em uma relação de exterioridade com alguma
outra coisa. Mas a Razão, precisamente porque não é algo de determinado, algo
marcado pela relação com um outro que lhe é externo, não pode ser submetida ao ataque
desses tropos:
“No que diz respeito ao primeiro tropo (da diversidade), o racional é sempre e em todo
lugar idêntico a si mesmo; pura não-igualdade é possível apenas para o entendimento; e tudo que
é dessemelhante é posto pela Razão como um e o mesmo. (...) Não pode ser provado sobre o
racional, de acordo com o terceiro tropo, que ele apenas existe dentro da relação, que ele se
encontra em uma relação com outro; pois ele é ele mesmo nada mais que a relação. Já que o
racional é a relação ela mesma, os termos que se encontram em uma relação um com o outro,
que devem fundar um ao outro, quando postos pelo entendimento, podem muito bem cair em
circularidade, ou no quinto tropo, o tropo da reciprocidade; mas o mesmo não ocorre com o
racional ele mesmo, pois dentro da relação, nada é reciprocamente fundado. Similarmente o
racional não é um postulado não-provado, de tal modo que a sua contraparte pudesse com o
mesmo direito ser pressuposta sem prova em oposição a ele; pois o racional não tem contraparte
oposta; ele inclui ambos dos finitos opostos, que são contrapartes mútuas, dentro de si mesmo.
Os dois tropos precedentes contém o conceito de um fundamento e um conseqüente, de acordo
com o qual um termo estaria fundado no outro; já que para a Razão, não há oposição de um
termo em relação ao outro, esses dois tropos se tornam irrelevantes, assim como a demanda por
um fundamento que é avançada na esfera das oposições, e repetida infindavelmente (no segundo
tropo, o da regressão ao infinito). Nem essa demanda, nem a do regresso ao infinito, dizem
respeito à Razão.” (HEGEL, 2000, p.336)
A Razão é o incondicionado que é condição de todo o condicionado; mas, se o
condicionado é aquilo que é determinado, e que, por esse motivo, tem como condição
de sua existência a relação de oposição na qual se encontra, a Razão, enquanto o
indeterminado que é condição de todo o determinado, nada mais é do que a relação ela
mesma e, portanto, aquilo que não se encontra em oposição ou em relação de exclusão
com nenhuma coisa, posto que todo e qualquer termo que seja contraposto se encontra
dentro dessa mesma relação. Por isso ela não é afetada pelos tropos que o cético busca
usar contra ela: esses tropos só são aplicáveis aos objetos da reflexão, ao entendimento
que, ao refletir sobre seu objeto, o cinde e o coloca em oposição com algo que é externo
a ele. Mas a Razão, enquanto é a relação de oposição que torna possível os termos da
relação que se opõem um ao outro, não pode ser apreendida do mesmo modo que esses
termos o são, quer dizer, por meio de sua oposição a alguma outra coisa; antes, a Razão,
12
o Absoluto, deve ser apreendido em sua indeterminação característica. Por isso que, não
apenas o ceticismo não atinge a filosofia, como também, para poder fundamentar as
suas objeções, deve fundar-se nela, quer dizer, na Razão, porque só a partir do patamar
do indeterminado, do infinito, que tudo aquilo que é finito pode ser denunciado e
exposto enquanto tal. É em função disso que Hegel considera o ceticismo genuíno como
o lado negativo da auto-cognição da Razão: para que a Razão possa apreender a si
mesma em sua indeterminação característica e intuir a si mesma enquanto tal, ela
precisa dissolver a fixidez das determinações que é posta pela reflexão12
. Para que a
auto-cognição da Razão se dê, é preciso que a reflexão dissolva a si mesma, negando a
negação que ela põe pelas determinações que opera em seu objeto e, assim, abrindo
caminho para a intuição intelectual do Absoluto13
; mas essa dissolução da reflexão por
si mesma não é outra coisa senão o ceticismo, enquanto este é genuíno. O ceticismo
genuíno, portanto, é inseparável da filosofia genuína, da auto-cognição efetiva da
Razão. E, por isso mesmo, os tropos céticos não apenas dizem respeito unicamente
àquilo que é da ordem da reflexão, que dispõe os objetos como externos uns aos outros,
como também só podem ser aplicados legitimamente à reflexão quando se fundam na
Razão. É só por meio dela que o ceticismo pode expor que aquilo que é produzido pela
reflexão, pelo entendimento que reflete sobre os seus objetos, não subsiste por si
mesmo, só se sustentando na medida em que se encontra no interior da Razão, que não
reconhece nada como sendo externo a ela. Os tropos céticos só são capazes de
demonstrar a insuficiência de tudo aquilo que se encontra em uma relação de
exterioridade com alguma outra coisa; porém, a Razão, precisamente porque não tem
nada que seja exterior a si mesma, não apenas não pode ser abalada pelos tropos céticos,
como é a condição de possibilidade para que a insuficiência daquilo que possui algo
exterior a si mesmo possa ser criticado em sua insuficiência, que só se revela enquanto
tal frente à plenitude indeterminada da Razão.
12
Cf. HEGEL, 2003, p.38
13
Cf. idem ibid., p.34
13
Razão e reflexão: a reflexão para além do ceticismo
Se, para o Hegel da juventude, a cognição filosófica do Absoluto só poderia ser
dar por meio da intuição intelectual do incondicionado em sua indeterminação
característica, para o Hegel da maturidade o fundamento incondicional de todas as
coisas, com o qual a filosofia se ocupa, só pode ser conhecido e realizado plenamente
por meio do caminho de suas próprias determinações e mediações internas14
. O
fundamento não pode jamais ser plenamente conhecido e realizado se permanece em
sua indeterminação abstrata, em sua imediaticidade abstrata; antes, é preciso seguir o
percurso de suas determinações internas pelas quais a imediaticidade e indeterminação
do fundamento não são apenas asseveradas, mas também deduzidas e efetivadas. Em
outras palavras: a necessidade de se provar e deduzir o fundamento em sua
incondicionalidade, mais do que simplesmente asseverá-la para além de toda a prova e
dedução possíveis, leva o Hegel da maturidade a conceber a determinação não mais
como aquilo que deve ser meramente dissolvido, a fim de que se possa apreender o
fundamento, mas sim como condição de possibilidade para que ele possa se realizar em
sua verdade15
.
Entretanto, conceber a determinação ou, melhor dizendo, o percurso das
determinações internas do fundamento como condição de possibilidade de sua
realização, significa não mais poder conceber a reflexão como aquilo que deve ser
meramente dissolvido, a fim de que se possa ter a cognição do fundamento. Muito antes
de se subtrair à reflexão, o fundamento agora terá que mergulhar completamente nela,
na medida em que só por meio da operação e produção de determinações próprias à
reflexão que ele poderá se realizar em sua verdade, que ele poderá ser não apenas
asseverado em sua incondicionalidade, mas sim igualmente provado16
. Não por outro
motivo Hegel afirma que “a verdade só no conceito tem o elemento de sua existência”
(HEGEL, 2007, §6).
Mas se Hegel, em sua juventude, concebia a reflexão como a esfera na qual as
objeções céticas são insuperáveis, de que maneira será possível tornar o fundamento
14
Cf. HEGEL, 2007, §10 e §16
15
Cf. idem ibid., §18
16
Cf. idem ibid., §5 e HEGEL, 2005, §1
14
aquilo que se realiza por meio da reflexão, sem, entretanto, submetê-lo às limitações
postas e expostas pelos tropos céticos a que Hegel respondia, em seu artigo de então?
Para que se possa responder a essa pergunta, é preciso lembrar o que Hegel
associava à reflexão, na sua juventude: ela era, com efeito, o modo próprio de operar do
entendimento. Isso porque ela operava determinações, constituindo seus objetos através
de negações que os colocavam em uma relação de oposição um com o outro e os
tornavam relativos a essa oposição. Nessa medida, sua operação de determinação dos
objetos era uma organização destes a partir de um regime de exterioridade; ao
determinar os objetos como opostos uns aos outros, o entendimento os colocava, por
meio de sua reflexão, como externos uns aos outros, e colocava a si mesmo, em sua
reflexão sobre os objetos, como externo àquilo que os objetos são em-si (daí a
impossibilidade do entendimento de apreender o fundamento incondicional em sua
incondicionalidade). Nesse sentido, a reflexão que Hegel considerava incapaz de
apreender ou realizar o Absoluto, aquela que se prestava à crítica por meio da aplicação
dos tropos céticos, é aquela que concebe os seus objetos em uma relação de
exterioridade uns com os outros e que concebe a si mesma em uma relação de
exterioridade com o seu objeto. Trata-se de uma reflexão que só sabe operar a
determinação dos objetos por meio da negação simples, uma determinação que só se
constitui por meio da simples negação e exclusão de tudo aquilo que a contradiz.
Ocorre, porém, que, se para o Hegel da juventude, a reflexão se confundia com a
reflexão operada pelo entendimento, de tal maneira que dissolver esse modo de reflexão
seria dissolver a reflexão ela mesma, o Hegel da maturidade conceberá essa reflexão
externa apenas como um momento interno à reflexão, o qual, entretanto, é superado. O
que quer dizer que os modos de determinação da reflexão não se limitarão aos modos de
determinação da reflexão externa; o que significa, por sua vez, que as negações
operadas pela reflexão na organização de seus objetos não serão mais apenas a negação
operada pela reflexão externa em sua relação com o seu objeto – não serão, portanto,
negações que se limitam à exclusão mútua dos termos que se encontram nessa relação
de negação17
. Por isso, se era o regime de negação próprio à reflexão externa que a
tornava vítima dos tropos céticos, parece adequado considerar que é a superação desse
regime de negação que tornará possível, ao mesmo tempo em que não se abandona a
reflexão na cognição do fundamento, dar conta dos tropos céticos pelos quais buscar-se-
17
Cf. HEGEL, 2002, p.405
15
ia comprometer tal apreensão e realização. Sendo assim, buscaremos esboçar aqui, de
maneira bastante esquemática, de que modo, pelo que nos parece, Hegel organiza os
diversos modos de negação operados pela reflexão de maneira a dar conta dos tropos
céticos. Para tanto, comecemos pela negação simples – a negação própria ao
entendimento, à reflexão externa – e vejamos como, já por meio desta negação, Hegel
daria conta do tropo do ceticismo referente aos postulados.
Se para a reflexão dar conta da apreensão e realização do fundamento
incondicionado é necessário que ela supere o regime de negação da reflexão externa,
isso não significa, entretanto, que essa mesma negação já não desempenhe um papel
fundamental e indispensável para a cognição do fundamento: daí porque ela não deve
ser meramente dissolvida, mas sim superada. Com efeito, é a negação simples que
possibilita à ciência filosófica – quer estejamos falando da Fenomenologia, quer da
Ciência da Lógica - possuir um começo que não seja arbitrário. A fim de melhor
compreendermos essa afirmação, retomemos as nossas considerações sobre o
indeterminado, tal como ele é tratado pelo Hegel da juventude.
Efetivamente, para o jovem Hegel, o Absoluto deve ser apreendido pela negação
da negação, quer dizer, pelo aniquilamento das determinações do entendimento a partir
do qual o Absoluto é apreendido em sua indeterminação característica. Essa negação da
negação é, no entanto, uma negação simples da negação simples. O indeterminado é,
assim, a negação simples (ou abstrata) de toda determinidade. Nesse sentido,
poderíamos igualmente dizer: ele é a negação simples tomada em si mesma, na medida
em que essa negação simples, enquanto não é tomada como a negação de uma ou outra
determinidade em particular, mas sim em si mesma, é a negação de toda e qualquer
determinidade – é, em outras palavras, o indeterminado. O indeterminado é, por
conseguinte, pura negatividade.
É essa pura negatividade que tornará possível à ciência filosófica possuir um
começo que não seja arbitrário, que não seja um começo meramente postulado, frente
ao qual poder-se-ia propor começos diversos e opostos a esse. Afinal, é só começando
pelo puramente indeterminado que se tem a garantia de se estar começando com o
fundamento incondicionado, com aquilo que não é apenas um começo subjetivo da
filosofia, mas igualmente o seu princípio objetivo18
. Começar por algo de determinado
seria um começo arbitrário, um começo relativo, na medida em que toda determinação
18
Cf. MULLER, 2011, p.2
16
já supõe uma mediação anterior por meio da qual ela veio a ser. Daí porque todo
começo feito por meio de algo determinado teria necessariamente esse algo como seu
pressuposto ou como seu postulado, na medida em que começar pelo determinado seria
começar por algo que possui uma mediação anterior a ele a qual, entretanto, não é
provada19
. Sendo assim, esse começo é um começo relativo e subjetivo, não absoluto e
objetivo; é um começo apenas em relação à reflexão que escolhe esse ponto
determinado da Coisa como ponto de partida, e não o começo, o princípio da Coisa ela
mesma. Sendo assim, começar a filosofia por um começo determinado é tornar-se
vítima do tropo cético do postulado: uma pressuposição não possui vantagem alguma
em relação com a pressuposição oposta, de tal maneira que qualquer começo
determinado, e por isso meramente pressuposto, não dá conta de servir de base e
fundamento para a filosofia. Pois a filosofia, enquanto ciência que deve servir de
fundamento para as outras filosofias, não pode se dar ao luxo destas de pressupor o seu
objeto como dado20
. Para não ser alvo do tropo cético do postulado, então, é necessário
à filosofia começar pelo indeterminado, tomando-o como sua base e fundamento, já que
apenas o indeterminado, na medida em que é a negação simples de toda determinidade,
imediaticidade simples sem nenhuma mediação, pode ser simultaneamente o começo da
filosofia e o princípio da própria coisa, a partir da qual a filosofia se desdobra e por
meio desse desdobramento produz o seu próprio objeto. Nesse sentido, podemos dizer
que a negatividade pura do começo, a negação abstrata em si mesma que é esse começo,
é o que possibilita à filosofia não se tornar vítima do tropo do postulado.
A filosofia deve começar pelo indeterminado; nisso, o Hegel da juventude e o da
maturidade estão de acordo. Todavia, se para o primeiro, o fundamento já é plenamente
realizado nessa sua indeterminação inicial, para o segundo, essa indeterminação só pode
ser a primeira manifestação do Absoluto, de tal forma que, para que ele se realize
plenamente, é preciso que ele percorra o caminho de suas determinações internas. Isso
porque se o fundamento, em sua indeterminação, é a negação simples de toda
determinidade, essa no entanto, é a sua própria determinidade. O indeterminado,
enquanto é essa imediaticidade simples, precisamente porque exclui de si toda
determinação, é algo que só pode ser simplesmente asseverado, e não provado – e,
igualmente, algo que só põe como imediato, mas que ainda não é capaz de corresponder
à sua própria imediaticidade na medida em que ainda se encontra preso à sua
19
Cf. HEGEL, 2010, p.70
20
Cf. idem ibid., p.74
17
determinidade de negação simples de toda determinidade. A negação simples não dá
conta, isoladamente, de realizar o fundamento incondicionado em sua
incondicionalidade, já que coloca toda determinação como exterior ao fundamento, e é
precisamente por meio do percurso de suas determinações que ele deve se realizar.
É aqui que o próximo modo de negação, a saber, o de negação determinada,
desempenha um papel fundamental. É graças à negação determinada que o fundamento
não permanece como algo meramente indeterminado, frente ao qual toda determinação
é externa a ele próprio. Isso porque a negação determinada não é mais uma negação na
qual o termo que é negado permanece exterior àquilo que o nega; antes, nessa negação,
o que está em questão é, precisamente, a passagem de um termo ao seu oposto. Mas
como é possível que algo passe ao seu oposto, que a determinação do objeto, mais do
que defini-lo por meio daquilo que o nega, torne o objeto a sua própria negação? Ora,
para responder a essa pergunta, podemos antes nos perguntar: qual é a condição de
possibilidade para que, na negação simples, uma tal passagem ao oposto não seja
possível?
Relembremos, mais uma vez: a negação simples determina aos seus objetos por
meio de uma relação de exterioridade. Em um regime de negação simples, o que é
negado permanece em uma relação de pura exterioridade com aquilo que o nega: por
exemplo, as determinações são completamente exteriores à imediaticidade simples e
indeterminada do começo. Sendo assim, não há como, por meio da negação simples,
conceber que os termos de uma oposição passem um ao outro, na medida em que a sua
relação é uma relação de exterioridade, na qual nenhuma ligação que torne ambos os
termos internos um ao outro é possível.
Entretanto, há de se lembrar que o começo foi definido como pura negatividade.
O começo nada mais é do que a negação em si, do que a negação imediata – ele não
possui outro substrato senão esse. Sendo assim, se o começo é a negação de toda
determinidade, a fim de realizar-se enquanto tal, ele deve negar mesmo a sua
determinidade de ser negação de toda determinidade21
; deve, por isso mesmo, passar à
determinidade com a qual ele se confrontava anteriormente como algo puramente
externo. Sendo assim, a negatividade pura da própria Coisa já exige que aquilo a que ela
se opunha como algo externo seja aquilo que ela deve se tornar a fim de pode realizar a
si mesma. Só é possível permanecer-se no regime da negação simples enquanto não se
21
Cf. MULLER, 2011, p.14
18
reconhece que todas as coisas são em si mesmas a sua própria negação, que não
possuem outro modo de se produzirem e se realizarem do que por meio da sua própria
negação. As coisas tornam-se elas mesmas, pela negação de si mesmas, o seu oposto; e
é apenas por essa passagem no seu oposto que elas podem efetivamente se realizar no
que são22
, precisamente porque são, essencialmente, essa negatividade auto-referencial,
essa negatividade pura da própria Coisa. Assim, a negação simples do fundamento
indeterminado leva necessariamente à negação determinada unicamente pela qual ele
pode realizar-se em sua imediaticidade negativa. Por isso, aquilo que aparece
inicialmente como puramente externo à Coisa se revela como sendo desde sempre
interno a ela: a exteriorização é apenas um momento interior à própria Coisa.
Se a negação simples do começo dava conta do tropo dos postulados, podemos
dizer que a negação determinada que advém desse começo dá conta, por sua vez, do
tropo da diversidade. De fato, Hegel afirma explicitamente, na introdução à sua
Fenomenologia do Espírito que, se o cético enxerga nas opiniões filosóficas (ou,
colocado de outra forma, nos saberes fenomenais e imperfeitos), apenas a pura
diversidade, fazendo dessas opiniões completamente externas umas às outras, isso se
deve ao fato de enxergar a contradição entre elas como um produto da negação simples,
produto que não é senão o nada abstrato. Por isso, na medida em que se aferra a
conceber a contradição entre opiniões como irreconciliáveis, na medida em que cada
opinião é a negação simples da outra, o cético ele mesmo é apenas uma das figuras da
consciência imperfeita, que, por mais que seja absolutamente necessária e interna à
apreensão do Saber Absoluto pela consciência, deve, no entanto, ser superada23
. Por
outro lado, o ceticismo que apreende a sua atividade própria de produção de contradição
entre saberes fenomenais na negação verdadeiramente operante nela – a saber, não a
negação simples, mas sim a negação determinada – reconhece, a partir daí, que essas
opiniões filosóficas não são puramente externas umas às outras, mas sim produzem
umas às outras na série de figuras da consciência passando de si mesmas ao seu oposto.
Esse ‘ceticismo perfeito’ se confunde com o próprio caminho do desespero, o percurso
fenomenológico que a consciência deve passar para aceder ao Saber Absoluto24
. Nesse
sentido, o ceticismo não apenas é interno à filosofia na medida em que, enquanto é
imperfeito, figura como um dos momentos internos e necessários à ascensão da
22
Cf. SAFATLE, 2006, p.131
23
Cf. HEGEL, 2007, §79
24
Cf. idem ibid., §78
19
consciência ao Saber Absoluto; concebido em sua perfeição; ele é a própria atividade
filosófica pela qual se reconhece cada figura da consciência imperfeita como ligada
àquela a que se opõe e passando a ela, e só por meio dessa passagem se realizando em
seu conceito. Se a filosofia não pode ser vitimada pelo tropo da diversidade, isso se
deve ao fato de que, nela, nenhum dos termos de uma oposição permanece exterior
àquilo a que se opõe.
Por fim, se é por meio do percurso de suas negações determinadas que o
fundamento incondicionado poderá realizar-se, isso se deve ao fato de que, por meio
dessas negações, a negatividade do começo negará a si mesma, realizando-se enquanto
negação absoluta. Isso porque, se a negação determinada leva à passagem de um termo
ao seu oposto, por meio das inversões próprias à Verkehrung25
, ela também produz,
como resultado dessas inversões, a superação delas, ou seja, a Aufhebung da passagem
dos oposto um ao outro. É esse movimento de um oposto a outro, tomado como
resultado da negação determinada, que permitirá o avanço pelas determinações próprias
do fundamento, na medida em que, nesse movimento, o próprio movimento é produzido
como algo novo que ultrapassa os momentos opostos nos quais ele ocorre ao mesmo
tempo em que contém a ambos os opostos em seu interior. Assim, se a negação absoluta
é aquela que se realiza por meio das Aufhebungen resultantes das negações
determinadas do percurso do fundamento, e se essa realização é a realização do próprio
fundamento em sua verdade, isso é porque só dessa maneira o fundamento se torna em
verdade a negatividade que desde sempre foi. Lembremos da nossa afirmação anterior
quanto à pura negatividade do fundamento: essa pura negatividade, para realizar-se,
precisava negar a si mesma. Agora, podemos dizer, mais especificamente: o
fundamento, para realizar-se em sua pura negatividade, deve negá-la ela mesma, quer
dizer, deve negar a negação simples do seu começo para que, assim, realize aquilo que
ele é, a saber, negação em si. Ora, mas negar a negação simples significa, justamente,
negar todo regime de exterioridade – o que significa, em outras palavras, não mais
conceber os opostos de acordo com uma relação de exterioridade, mas sim de acordo
com uma relação de interioridade, na qual cada termo já contém e já é em si mesmo a
passagem ao seu oposto. Ora, mas é precisamente essa interioridade dos opostos que a
negação determinada possibilita, produzindo como resultado a negação absoluta. Afinal,
a negação absoluta não é simplesmente um termo que passa ao seu oposto26
, mas sim o
25
Cf. SAFATLE, 2006, p.132
26
Cf. idem ibid. p.135
20
movimento ele mesmo de passagem de um oposto ao outro que, por isso mesmo,
contém em seu próprio interior ambos os opostos, superando, nessa medida, a sua
oposição. E é na superação dessa oposição que, por fim, o fundamento realiza e retorna
a si mesmo – de tal modo que o percurso da ciência filosófica não é outro senão o
percurso circular, no qual o avanço nas determinações do fundamento é, ao mesmo
tempo, uma retrogressão àquilo que ele sempre foi. A exteriorização do fundamento, em
suas determinações, é, na verdade, o que realiza aquilo que ele sempre foi, de tal
maneira que, o ponto final da especulação coincide com o ponto inicial. A negatividade
absoluta do final nada mais é que a negatividade simples do início, na medida em que
essa negatividade pura do início só é verdadeiramente por meio das suas mediações
internas e da superação delas. Aquela negatividade do fundamento que aparecia,
inicialmente, como pura indeterminação, já era ela mesma, entretanto (e desde sempre),
possível e produzível apenas pelo processo de determinação e mediação por meio do
qual ela retorna a si mesma.27
Dessa maneira, no que diz respeito a dar conta dos demais tropos céticos, a
negação absoluta possui um lugar peculiar. Isso porque, pelo que parece, sua
possibilidade de responder aos tropos da regressão ao infinito e da relação deve-se a
uma espécie de aceitação do tropo da circularidade, na qual a circularidade da filosofia,
por mais que seja reconhecida, não se torna um obstáculo a essa. Na verdade, a resposta
a esses três últimos tropos precisa conjugar, de alguma forma, todos os modos de
negação abordados até aqui, já que o modo de responder a esses tropos deve recorrer à
relação existente entre as negações aqui trabalhadas. Para que essa conjugação seja
possível, entretanto, é necessário admitir, ao mesmo tempo, como a circularidade é ela
mesma o modo de superação das objeções céticas oferecidas por esses tropos.
Assim, se o tropo da regressão ao infinito não atinge a filosofia, podemos
atribuir isso tanto ao seu começo indeterminado, quanto à sua circularidade. Isso
porque, por um lado, o começo indeterminado garante que esse começo não é nenhuma
pressuposição, não é nada de determinado a partir do qual se deva buscar um
fundamento determinado e, para esse fundamento outro fundamento, igualmente
determinado, e assim por diante. Por outro lado, a circularidade da negação absoluta,
produzida pelo percurso das negações determinadas da filosofia, garante que o avanço
pelas determinações do fundamento não seja uma ‘regressão ao infinito’ invertida,
27
Cf. Müller, 2011, p.8
21
levando-nos a cair no infinito ruim no qual nenhuma determinação é capaz de suprir a
necessidade da correspondência entre o finito e o infinito.
Igualmente, o tropo da relação não compromete a filosofia no seu modo de
relacionamento próprio enquanto ciência. Afinal, os termos de uma relação só
permanecem relativos um ao outro na medida em que são externos um ao outro: só
nesse sentido dependem de algo outro do que de si mesmo. Se a relação, porém, não é
concebida como uma relação com algo externo, mas sim é uma relação da Coisa
consigo mesma, então a Coisa, por mais que esteja em uma relação, não é relativa. E,
com efeito, o que é mostrado pelo percurso das negações do fundamento é que mesmo a
sua relação com aquilo que lhe aparecia inicialmente como exterior a si já era uma
relação consigo mesmo. Por isso, na medida em que não se relaciona com nada que seja
puramente exterior a si mesmo, a ciência filosófica, que nada mais é que o
desdobramento da própria Coisa, nada possui de relativo.
Entretanto, mais uma vez, o que torna essa relação consigo mesma possível é,
precisamente, a circularidade do fundamento em seu desdobramento: é só por meio
dessa circularidade que o seu relacionamento com suas determinações, isto é, com as
suas exteriorizações, realiza-se como um relacionamento consigo mesmo. Por isso, cabe
a pergunta: se o percurso próprio da filosofia é o percurso circular, não estaria ela, por
isso mesmo, submetida às dificuldades oferecidas pelo tropo cético da circularidade?
Não teria ela se rendido à impossibilidade de superar essas dificuldades?
A esse respeito, parece ser possível oferecer a seguinte resposta: a filosofia é um
círculo que não está, ele mesmo, em relação de circularidade com nada – por isso, a
filosofia, apesar de seu percurso circular, não se torna presa do tropo cético da
circularidade. O fundamento, plenamente realizado em suas determinações, não é
imediata e abstratamente idêntico ao fundamento em sua indeterminação inicial; por
isso, a relação de circularidade entre as determinações do fundamento e a sua
indeterminação inicial não colocam o fundamento plenamente realizado em uma relação
de circularidade com qualquer coisa; afinal, ele não é meramente o início da filosofia,
nem meramente o seu resultado, nem qualquer uma das determinações pelas quais passa
para ir do seu início ao seu resultado. O fundamento plenamente realizado é a totalidade
do percurso da filosofia de seu início para o seu resultado, o fundamento como união de
seu início e de seu resultado. Em outras palavras: o fundamento plenamente realizado é
o círculo que une o fundamento a si mesmo em suas duas faces, a de início e a de
resultado, superando ambas em sua unilateralidade. O fundamento, quer enquanto
22
início, quer enquanto resultado, encontra-se em uma relação de circularidade; porém, o
fundamento plenamente realizado e apreendido em sua totalidade é o círculo que funda
a circularidade do fundamento enquanto início e enquanto resultado. Daí a necessidade,
frequentemente ressaltada por Hegel, de não considerar o fundamento como plenamente
dado quer apenas no seu início, quer apenas no seu fim, mas sim apenas na sua
atualização28
. Se é só no fim do percurso de suas determinações que o fundamento se
realiza plenamente, isso não se deve ao fato de o fundamento se encontrar plenamente
no fim a que chega, de tal maneira que poder-se-ia deixar de lado tudo aquilo que é
anterior a esse fim. Antes, deve-se ao fato de que só chegando ao fim de seu percurso
que o fundamento se fecha enquanto círculo, no interior do qual o fundamento enquanto
início e enquanto fim encontram-se em relação de circularidade, mas o qual, enquanto o
círculo próprio dessa relação, ultrapassa a relação de circularidade por meio da qual
advém círculo. E advir círculo nada mais significa do que advir absoluta relação
consigo mesmo, relação a si mesmo na qual não há nenhuma pressuposição, nenhuma
regressão ao infinito, nenhuma diversidade, nenhuma relatividade, nenhuma
circularidade enquanto reciprocidade de si com algo externo a si mesmo. Pois a
reciprocidade da circularidade é a reciprocidade daquilo que se encontra no interior do
círculo, e não do círculo ele mesmo em relação com algo que seja exterior a ele. Assim,
as objeções levantadas pelos tropos céticos contra a filosofia seriam plenamente
superáveis e superadas no interior da própria reflexão, e a filosofia, muito antes de dever
abdicar da reflexão para respondê-las, só pode responder a essas objeções levando a
reflexão até seus últimos limites ou, melhor dizendo, até a superação de seus próprios
limites.
28
Cf. Hegel 2007, §3
23
Considerações Finais: A filosofia entre a interioridade e a exterioridade
Quer no Hegel de juventude, quer no de maturidade, a possibilidade de
responder aos tropos céticos voltados contra a filosofia dependem, no limite, de uma
mesma operação: a de tornar tudo, em última instância, interior à Razão. Essa
necessidade de internalização de tudo aquilo que se oferece como objeto à filosofia
teria, pelo que nos parece, levado Hegel a desdobrar essa exigência de internalização até
os seus últimos limites, transformando-a em uma exigência de circularidade. Tornar
tudo interior à Razão significa dizer, em outras palavras, que a Razão gira em torno de
si mesma. Ou, colocado de outra forma, para se fazer tudo interno à Razão é preciso
fazer com que ela se feche em si mesma, referenciando-se apenas a si mesma em sua
reflexão acerca de seus objetos – e fechar-se em si mesma em sua auto-referência é,
precisamente, advir círculo, fechando seus objetos em seu próprio interior. Poderíamos
dizer, então, que a possibilidade hegeliana de resposta ao ceticismo depende de uma
dissolução da autonomia da exterioridade. Para que a filosofia possa fundamentar-se
para além das objeções céticas, é necessário acabar com toda exterioridade em si, a qual
é pressuposto dos tropos céticos e aquilo que os legitima. Nesse sentido, não é à toa que
a exigência de interiorizar o próprio ceticismo se faz absolutamente necessária.
Assim, a resposta hegeliana ao ceticismo, da qual depende, em alguma medida, a
fundamentação de sua filosofia e de sua concepção de filosofia, ainda que
profundamente conseqüente, não deixa, a nosso ver, de possuir aspectos cuja
problematização é possível, devido à própria forma com que se configuram. Pois
mesmo o círculo, em sua auto-referência, pressupõe um plano exterior a partir do qual
ele possa ser traçado. Nessa medida, pressupõe uma referência a um exterior autônomo,
que não é o exterior dos pontos do círculo em relação uns aos outros, o qual é
interiorizado pelo traçado do círculo. Poderia se objetar que se está aqui abusando da
imagem do círculo: que ela, enquanto mera concepção figurativa do sistema, não
deveria ser levada tão a sério. Entretanto, é possível com igual direito perguntar-se se a
relação com a exterioridade existente na concepção figurada do círculo não é, na
verdade, uma relação que extrapola a figuração do círculo, na qual podemos vê-la com
maior clareza; se não é, em verdade, uma relação constituinte de toda e qualquer auto-
referência com uma exterioridade que, mais do que ser irredutível, jamais pode ser
plenamente internalizada por essa auto-referência. É possível, em outras palavras,
24
perguntar-se em que medida toda e qualquer auto-referência já não deve portar,
simultaneamente, uma relação com uma exterioridade que não lhe é interna, como mero
momento de seu próprio interior. E, talvez, mesmo onde o ceticismo não pode acusar o
círculo de cair em circularidade, ele possa ainda acusar o círculo de ser mero círculo, e
mais do que isso, de ser círculo apenas em relação ao centro a partir do qual é traçado,
podendo ser igualmente visto como mero ponto em relação ao plano no qual é traçado.
Cabe notar que todas essas questões relativas aos limites e possibilidades da
filosofia enquanto auto-referência fechada, isto é, enquanto círculo no qual tudo é
interior à Razão, são questões centrais para a filosofia contemporânea, intimamente
ligadas às objeções feitas a Hegel por Adorno29
, de um lado, e por Deleuze30
, de outro.
Ainda que as alternativas oferecidas por esses filósofos acerca do que é a filosofia e do
que é seu fundamento sejam bastante distintas, ambas parecem empenhar-se em pensar
uma filosofia que não precise internalizar os seus objetos para que possa pensá-los, uma
filosofia que dê conta de objetos que não podem ser plenamente internalizados pela
Razão em suas pretensões de identidade (mesmo que de identidade da identidade e da
não-identidade). Nesse sentido, acreditamos que a reflexão sobre o modo como Hegel
concebe a relação entre ceticismo e filosofia e, mais do que isso, sobre o modo como a
sua filosofia da maturidade busca dar conta de objeções fundamentalmente céticas, são
fundamentais para que se possa pensar e problematizar os limites e possibilidades de
sua concepção e fundamentação da filosofia. Problematização essa que, a nosso ver, é
central para a filosofia contemporânea e para que se possa pensá-la em seus temas e
questões centrais e na qual vale sempre lembrar as palavras de Foucault:
Mas escapar realmente de Hegel supõe apreciar exatamente o quanto custa se
separar dele; supõe saber até onde Hegel, insidiosamente, talvez, se aproximou de
nós; supõe saber, nisso que nos permite pensar contra Hegel, isso que ainda é
hegeliano; e de medir em que nosso recurso contra ele é, talvez, ainda uma astúcia
que ele nos opõe e ao termo da qual nos espera, imóvel e em outro lugar
(FOUCAULT, 1986, p.81).
Sendo assim, pensar o custo de se separar de Hegel parece, pelo que discutimos
neste artigo, ser indissociável de pensar em que medida podemos nos desvencilhar da
operação hegeliana de internalização de todas as coisas à Razão, ou talvez, por outra
29
Cf. Adorno, 2009, introdução
30
Cf. Deleuze, 2006, introdução
25
via, em que medida é possível concebê-la de um modo distinto, no qual a internalização
não se confunda mais com a remoção da autonomia daquilo que é exterior. Nesse
sentido, a problematização da internalização hegeliana por meio da reflexão sobre sua
relação com o ceticismo e suas objeções pode ter um papel chave para a indicação e
possibilidade de novos caminhos.
Abstract: In this article we aim to discuss how the hegelian grounding of philosophy is
intimately connected with a demand to answer the skeptical tropes of diversity,
regression to infinity, relationship, postulate and circularity. To that end, we’ll discuss
the ways through which Hegel attempts to overcome, be it in his youth, be it in his
maturity, the typically skeptical objections of these tropes, exposing how the recovery
of reflection done by mature Hegel requires him to overcome these objections in a
manner other than the one attempted at his youth – a manner in which, as we shall see,
the different kinds of negation conceived by Hegel play a key role. We hope, this way,
to show how the internalization of all exteriority by Reason, made through the removal
of all autonomy of the former in relation to the latter, is key to Hegel’s conception of
philosophy and its grounding, as well as to questioning the limits and possibilities of
said conception and grounding. To that extend, to reflect upon the relationship of
skepticism and philosophy on Hegel’s philosophy is to reflect upon matters central to it
and to contemporary philosophy itself, in its dialogue with Hegel and beyond it.
Key-words: skepticism – ground – skeptical tropes – reflection – negation – exteriority
– internalization.
26
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Tradução: H. S. Harris. In: Between Kant and Hegel: texts in the development of post-
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___________. Science of Logic. Tradução: A. V. Miller. Nova York: Muirhead
Library of Philosophy, 2010.
MULLER, M. L. A negatividade do começo absoluto. In: VI Congresso Internacional
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SAFATLE, V. P. Linguagem e negação: sobre as relações entre pragmática e
ontologia em Hegel. In: doispontos, ISSN: 1807-3883, Revista dos Departamentos de
Filosofia da Universidade Federal do Paraná e da Universidade Federal de São Carlos.
Curitiba: 2006, vol. 3, pp 109-146.
SCHULZE, G. E. – Aenesidemus. Tradução: H. S. Harris. In: Between Kant and
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Hegel e o ceticismo: superando objeções através da razão

  • 1. 1 HEGEL E O CETICISMO: SOBRE AS POSSIBILIDADES E OS LIMITES DA SUPERAÇÃO DO CETICISMO PELA FUNDAMENTAÇÃO DA FILOSOFIA Lucas Nascimento Machado (Departamento de filosofia / FFLCH – USP) lucas.machado@usp.br Resumo: Neste artigo, buscaremos discutir, em linhas gerais, como a fundamentação hegeliana da filosofia estaria intimamente ligada a uma necessidade de responder aos tropos céticos da diversidade, da regressão ao infinito, da relação, do postulado e da circularidade. Para tanto, discutiremos os modos pelos quais Hegel buscaria superar, quer na sua juventude, quer na sua maturidade, as objeções tipicamente céticas desses tropos, mostrando como a retomada da reflexão pelo Hegel de maturidade leva à necessidade de superar essas objeções de maneira distinta daquela que é utilizada em sua juventude. Esperamos, desse modo, mostrar como a internalização de toda exterioridade pela Razão, pela qual se deve remover toda espécie de independência da primeira em relação à segunda, se faz chave para concepção hegeliana de filosofia e de sua fundamentação, bem como para a problematização dos limites e possibilidades dessa concepção e dessa fundamentação. Nesse sentido, pensar a relação entre ceticismo e filosofia na filosofia de Hegel seria pensar questões centrais a ela e à própria filosofia contemporânea, em seu diálogo com Hegel e para além dele. Palavras-chave: ceticismo – fundamento - tropos do ceticismo - reflexão – negação – exterioridade – internalização
  • 2. 2 Introdução Responder às objeções céticas: eis uma exigência recorrente na história da filosofia, à qual se buscou satisfazer de diversas maneiras. Afinal, para garantir a certeza e verdade do discurso filosófico que buscam instaurar, diversos filósofos sentiram a necessidade de responder às objeções céticas sobre qualquer pretensão de conhecimento a respeito do objeto de suas reflexões filosóficas. Nesse sentido, ser capaz de responder às objeções céticas seria condição de possibilidade para que um discurso filosófico seja fundamentado e, desse modo, seja efetivamente capaz de dar conta de seu objeto. Ora, o idealismo alemão é um dos momentos da história da filosofia nos quais essa necessidade de responder aos céticos se encontra mais forte e explicitamente dada. Basta lembrarmos-nos da bem conhecida afirmação de Kant de que foi Hume – um cético moderno – que o despertou do seu ‘sono dogmático’, levando-o a conceber sua Crítica da Razão Pura como resposta às objeções deste cético quanto à possibilidade de se ter algum conhecimento certo e seguro das coisas. Entretanto, essa necessidade de se responder ao ceticismo não é apenas o que impulsiona o idealismo alemão em seu começo, mas também a exigência recorrente com a qual os filósofos desse período tiveram que se confrontar, a fim de darem conta de construir e firmar os seus próprios discursos filosóficos – como se houvesse uma necessidade constante de responder às objeções céticas, onde estas ainda não tinham sido satisfatória ou suficientemente respondidas pelos filósofos antecedentes. O caso de Fichte é paradigmático: com efeito, é a crítica de Schulze à filosofia crítica, em seu Aenesidemus1 , que leva Fichte a considerar necessária uma nova exposição de tal filosofia, levando-o a construir, por esse meio, o seu próprio sistema filosófico23 . Desse modo, parece-nos não ser exagero afirmar que a possibilidade (ou impossibilidade) de se responder às objeções céticas sobre a efetividade do conhecimento, bem como o modo com essa resposta poderia ser feita, é uma das questões centrais em torno das quais o idealismo alemão se mobiliza. No que diz respeito a esse ponto, Hegel não é nenhuma exceção. Muito pelo contrário, suas reflexões sobre a relação entre ceticismo e filosofia são desenvolvidas desde a sua juventude, mostrando o quanto, para ele, a possibilidade de uma 1 Cf. SCHULZE,, 2000. 2 Cf. FICHTE, 2000. 3 Cf. BREAZEALE, 1981.
  • 3. 3 fundamentação legítima da filosofia seria indissociável de uma apreensão correta da relação existente entre ceticismo e filosofia. De fato, é à exposição da relação entre ceticismo e filosofia que Hegel dedica um de seus artigos de juventude, apresentando nele aquelas que considera serem as diferentes figuras do ceticismo, e quais seriam os modos de cada uma delas de se relacionar com a filosofia. Desse modo, Hegel espera mostrar não apenas como certas figuras do ceticismo são, em verdade, subversões dele - incapazes, portanto, de atingir a filosofia, na medida em que carecem de um fundamento autêntico para suas objeções -, mas também como o ceticismo genuíno é indissociável da filosofia genuína, e só nessa união com ela é capaz de fundamentar suas objeções. O que quer dizer, em outras palavras, que, para Hegel, dar conta das objeções céticas significa, em última instância, mostrar que elas não precisam de resposta, porque não concernem à filosofia genuína; antes, essas objeções dizem respeito ao modo do senso comum de pôr seus objetos, ao pensamento dentro dos moldes do entendimento. O que importa mostrar é, portanto, como a Razão, por não ser entendimento, não se submete às críticas do ceticismo, e toda tentativa de se aplicar as críticas do ceticismo à Razão falha, porque voltá-las contra a Razão é voltá-las contra o seu próprio fundamento – como se o ceticismo, para lançar sua sombra, precisasse da luz infindável da Razão. Assim, Hegel recorre, em seu artigo, a uma discussão sobre os tropos do ceticismo antigo, tais como expostos por Sexto Empírico. Desses tropos, destaca cinco como produzidos devido à virada do ceticismo contra a filosofia: o tropo da diversidade de opiniões, o da regressão ao infinito, o da relação, o dos postulados e o da circularidade. Seriam esses tropos que, para Hegel, estariam completamente voltados e dedicados à suspensão da cognição filosófica, na medida em que atacam a certeza de tal cognição pelo recurso às dificuldades de fundamentação que estariam envolvidas na possibilidade dessa cognição. Diante da diversidade de opiniões e posicionamentos filosóficos, como saber qual opinião é verdadeira? Como fundamentar a cognição filosófica, se cada fundamento fornecido a ela careceria, por sua vez, de um fundamento para si próprio, e assim ao infinito? Como essa cognição poderia ser verdadeira e absoluta, se, muito pelo contrário, aparece-nos sempre como tudo é relativo, tudo só é como é dentro de uma relação com alguma outra coisa? Como fornecer certeza para essa cognição por meio da postulação de algo como uma verdade que não pode nem deve ser provada, se se poderia postular igualmente aquilo a que esse algo se opõe? E, por fim, como uma cognição filosófica poderia ser certa e absoluta, se o fundamento de sua verdade depender e se fundamentar, por sua vez, na própria cognição filosófica, de
  • 4. 4 tal forma que a cognição e o seu fundamento se encontrem em uma relação de circularidade? São essas as dificuldades oferecidas por esses tropos à efetividade de qualquer cognição filosófica, e são essas dificuldades que Hegel busca mostrar, em seu artigo, que não atingem a filosofia e a Razão, enquanto são dificuldades próprias ao entendimento, e não o modo racional de apreensão do Absoluto, no qual as dicotomias da reflexão são dissolvidas e superadas na intuição intelectual do Absoluto. Porém, sendo o artigo de Hegel sobre a relação entre ceticismo e filosofia um artigo de sua juventude, sua compreensão acerca do que seja a cognição do Absoluto sem dúvidas difere da compreensão que adquire a partir de sua Fenomenologia do Espírito – e com a mudança dessa compreensão, também muda o modo pelo qual Hegel concebe a relação entre ceticismo e filosofia. Sendo assim, cabe-nos perguntar: de que maneira, com essa mudança no interior da filosofia hegeliana, muda também a resposta às objeções céticas e o modo com que se espera pôr a Razão e a cognição filosófica do Absoluto para além do alcance destas? Como a filosofia de maturidade de Hegel, o clássico fecho do idealismo alemão, daria conta de superar as objeções céticas? Em que medida a filosofia hegeliana teria sido capaz de dar conta de uma das principais exigências de fundamentação postas para o idealismo alemão, de responder ao ceticismo? De que maneira, em outras palavras, Hegel pretenderia contornar e superar as dificuldades céticas postas pelos cinco tropos céticos ‘voltados contra a filosofia’? E como as dificuldades e possíveis problemas relacionados ao seu modo próprio de superar as objeções céticas estariam intimamente ligadas a problemas e dificuldades maiores do sistema hegeliano, e, desse modo, às objeções que podem ser (e que por muitas vezes foram) feitas a esse? São essas as perguntas que este artigo visa discutir, em suas linhas gerais e em alguns de seus aspectos, os quais julgamos centrais. Para nós, a relevância de tal discussão não reside apenas na importância e no lugar do ceticismo para a compreensão aprofundada e apurada da filosofia hegeliana, mas também e, sobretudo, pela relevância que tal discussão pode ter para a reflexão sobre problemas maiores da filosofia, no que diz respeito à sua possibilidade de auto-fundamentação e do que está em jogo nela. A fim de organizar a discussão aqui proposta, o artigo seguirá o seguinte percurso: em primeiro lugar, discutiremos a resposta de Hegel aos tropos céticos em seu artigo de juventude, Sobre a relação entre ceticismo e filosofia, apontando em que medida essa resposta consistiria na afirmação de que a Razão, por estar acima da reflexão e se realizar pela dissolução desta, está acima das objeções céticas, que só
  • 5. 5 possuem validade no domínio da reflexão. Em segundo lugar, discutiremos como a mudança pela qual a filosofia hegeliana passa exige uma mudança na resposta aos tropos céticos, na medida em que a reflexão (não mais limitada à reflexão externa, característica ao entendimento) passa a ser o modo de operação próprio ao pensamento pelo qual se pode apreender e realizar o fundamento incondicionado da própria filosofia. Para fazer essa discussão, recorreremos ao modo como Hegel opera, em sua maturidade, com diferentes modalidades de negação, por meio das quais, ainda que não sejam colocadas sempre explicitamente como respostas ao ceticismo, visar-se-ia, entretanto, superar dificuldades fundamentalmente céticas e colocadas pelos tropos céticos que lhes são característicos. Por fim, discutiremos brevemente alguns possíveis problemas da e objeções à resposta hegeliana a essas objeções céticas, e como a discussão sobre esses possíveis problemas e objeções está intimamente ligada a questões centrais da e para a filosofia contemporânea. A auto-cognição da Razão e a dissolução da reflexão Em seu artigo de juventude, Sobre a relação do ceticismo com a filosofia, Hegel faz uma resenha do livro de Schulze, Crítica da Razão Teórica. Nesse livro, Schulze, um dos céticos modernos mais proeminentes de sua época, busca demonstrar como a filosofia especulativa – aquela que busca ‘as causas mais incondicionadas das coisas condicionais cuja atualidade nós temos certeza’ – estaria fadada ao fracasso. Isto porque tal filosofia buscaria conhecer as coisas incondicionadas, quer dizer, aquilo que as coisas são fora da consciência, quer dizer, em-si mesmas, por meio daquilo que as coisas são dentro da consciência, quer dizer, segundo elas são pensadas e representadas na consciência. No entanto, como aquilo que as coisas são, enquanto pensadas por meio de conceitos, não é o mesmo que elas são em si mesmas, resta que toda tentativa de conhecer o que elas são em si mesmas por meio de conceitos jamais poderá ter o valor de uma cognição certa e definitiva das coisas em si mesmas. Afinal, isso seria inferir a causa a partir do efeito, as coisas tais como elas são em si mesmas a partir do efeito que elas produzem em nós, dos conceitos e representações delas que são causados em nossa consciência por elas. E toda inferência da causa a partir do efeito é,
  • 6. 6 necessariamente, incerta4 – de tal modo que a filosofia especulativa jamais poderia assegurar uma cognição efetiva de seu objeto. Nesse estado de coisas, para Schulze, apenas um tipo de objeto pode ser efetiva e seguramente conhecido: trata-se precisamente, das ‘coisas condicionadas de cuja atualidade temos certeza’, dos fatos da consciência, que, enquanto dados da consciência, estão ao pleno alcance dela e podem ser plena e seguramente conhecidos por ela. Aquilo que aparece à consciência possui certeza indubitável enquanto aparência – não se pode duvidar que aquilo que aparece à consciência apareça tal como aparece mais do que se pode duvidar da própria consciência, o que faz que esses fatos da consciência, enquanto aquilo que aparece para a consciência, possam ser perfeitamente conhecidos como tais. Por isso, é aos fatos da consciência que a filosofia deve reportar-se em suas especulações, jamais buscando ultrapassar os limites e o domínio próprios à consciência5 . É essa ‘grosseira’ concepção da filosofia especulativa e do ‘reino do racional’ que Hegel pretende atacar em seu artigo. Para tanto, propõe-se a expor as diferentes figuras do ceticismo em sua relação com a filosofia, a fim de mostrar como o ceticismo, muito antes de se colocar em oposição a e separado da filosofia, é, em sua forma genuína, indissociável da genuína filosofia. O ceticismo não se opõe à filosofia especulativa; antes, apreendido em sua verdade, é um momento essencial e indispensável da própria, que é tão incapaz de se sustentar sem a filosofia quanto a filosofia é de se sustentar sem ele. Nesse sentido, trata-se de mostrar como o ceticismo de Schulze é inconsequente, a começar pela sua adesão aos assim chamados fatos da consciência. Com efeito, para Hegel, uma das maiores distinções a serem feitas entre o ceticismo moderno e o antigo (quer seja o ceticismo de Pirro, quer seja o de Sexto Empírico) diz respeito à relação que o cético mantém com o senso comum, com a consciência ordinária comum e as ‘verdades finitas’, determinadas, às quais ela se aferra. Enquanto o ceticismo moderno, assim como a consciência ordinária comum, se aferra àquilo que é condicionado – ou seja, às aparências – como a algo que pode ser certo e seguro por si próprio, o cético antigo, muito pelo contrário, denuncia a instabilidade e efemeridade de tudo aquilo que aparece para a consciência, expondo como aquilo que é condicionado, precisamente por ser condicionado, não tem nada de 4 Cf. HEGEL, 2000, p.345 5 Cf. HEGEL, 2000, p.318
  • 7. 7 certo e seguro em si mesmo. Não se pode ter nenhum conhecimento certo e seguro sobre as aparências, porque as aparências não possuem nada de certo em seguro em si mesmas – o modo de as coisas aparecerem muda de acordo com a relação que elas estabelecem com aquele para quem aparecem 6 , de tal maneira que não se pode, como Schulze gostaria, ter um conhecimento certo e seguro das coisas tais como elas são enquanto aparências. Não se pode conhecer como a aparência é na consciência, precisamente porque, por ser aparência, ela não é – a aparência da coisa não é uma ou outra, mas antes varia conforme a relação com aquele para quem aparece varia. É isso que os céticos antigos buscavam apontar, denunciando a impropriedade da consciência ordinária comum ao considerar que pelas aparências seria possível obter qualquer espécie de conhecimento dotado de certeza e segurança inquestionáveis. Isso porque tudo que é da ordem daquilo que aparece é da ordem daquilo que é determinado – e, por isso mesmo, daquilo que é condicionado, relativo. Sendo assim, cabe considerar mais detalhadamente porque, para o Hegel da juventude, tudo aquilo que é determinado só pode ter um estatuto condicionado e relativo. Determinar é negar; nisso, Hegel segue o adágio espinosista, omni determinatio est negatio. Determinar um objeto significa defini-lo por meio daquilo que ele não é, constituindo seu conceito pela negação daquilo que não pertence a ele. Dessa maneira, estabelece-se entre o objeto e aquilo que ele nega uma relação de exclusão, na qual tudo aquilo que não se encontra no interior da determinação do objeto é colocado para fora dele, sendo nessa exclusão que o objeto se define. Determinar um objeto significa, portanto, estabelecer uma relação de oposição dele com aquilo que carrega a determinação que lhe é oposta. O que é doce não é amargo; o que é claro não é escuro, e assim por diante. Se determinar um objeto é estabelecer uma relação de oposição entre ele e aquilo que porta a determinação oposta, isso significa que todo objeto determinado só existe no interior da relação de oposição pela qual ele é determinado. Em outras palavras, é só enquanto se opõe e exclui de si aquilo que é oposto à sua própria determinação que o objeto subsiste enquanto determinado – o que quer dizer que só subsiste em sua determinação enquanto se relaciona com outro ao qual se opõe. Todo objeto determinado, portanto, é um objeto que não subsiste por si próprio, mas sim apenas no interior de uma relação, tendo, por conseguinte, um estatuto relativo, condicionado e 6 Cf. HEGEL, 2000, p.330 e p.332
  • 8. 8 dependente da relação na qual se encontra. O objeto determinado, precisamente porque, para ser determinado, precisa manter-se no interior de seus limites e, portanto, de sua finitude, só pode subsistir enquanto determinado dentro de uma relação de oposição: o que ele é enquanto determinado não é absoluto, valendo por si mesmo e independentemente de qualquer condição, mas sim relativo, só subsistindo no interior da relação de oposição que estabelece com seu outro. Se tudo que é determinado é da ordem do relativo, precisamente na medida em que não subsiste em si e por si mesmo, então tudo que é da ordem das aparências é igualmente relativo. Isso porque é precisamente na ordem do sensível que os objetos são dispostos de acordo com as suas determinações e opostos uns aos outros desse modo: o que é doce não é amargo, o que é claro não é escuro, o que é causa não é efeito, etc. Sendo assim, todo o conhecimento e pensamento do sensível enquanto sensível, quer dizer, todo o conhecimento obtido por meio de conceitos determinados que se referem aos objetos tais como eles são enquanto determinados, é um conhecimento relativo, que não dá a conhecer as coisas tais como elas são em si mesmas, mas sim apenas como são no interior das relações de oposição pelas quais se tornam determinadas. Esse é o modo de pensamento e conhecimento característico do entendimento, que busca conhecer as coisas, por meio de seus conceitos e categorias, na medida em que elas são determinadas. O entendimento, que tem por seu modo próprio de operar reflexivamente, é precisamente o modo de pensamento que, a partir da reflexão acerca de seu objeto, precisa instaurar dicotomias apenas a partir das quais lhe é possível pensá-lo, justamente porque só é capaz de pensar seu objeto enquanto algo determinado. Pensar, para o entendimento, é refletir; e refletir é produzir dicotomias, pensar o seu objeto sempre em oposição ao seu outro – o que significa, igualmente pensar a si mesmo em oposição ao seu objeto: o entendimento não é seu objeto; por isso, jamais pode ter pleno acesso ao que ele é em-si. Nesse sentido, não seria à toa que o procedimento próprio ao ceticismo antigo era o de opor, a todo argumento a favor de que a coisa seja determinada de um modo, argumentos igualmente persuasivos a favor de que ela seja determinada da maneira oposta, de tal modo que, ao fim dessa operação, fosse impossível decidir se a coisa é, em si mesma, determinada de uma ou de outra forma7 . Dessa maneira, o cético antigo pretendia mostrar que não há conhecimento seguro que se possa obter por meio das 7 Cf. EMPÍRICO, 2000, I, seção iv
  • 9. 9 aparências ou do pensamento acerca delas, porque elas, assim como o modo pelo qual são pensadas, são meramente relativos e, por isso mesmo, incapazes de alcançar aquilo que a coisa é absoluta e incondicionalmente. Se Schulze gostaria de afirmar que é possível ter um conhecimento certo e seguro daquilo que é condicionado, os céticos antigos lembravam precisamente que aquilo que é condicionado não tem nada de certo e seguro em si mesmo, não podendo ser fonte de qualquer conhecimento desse tipo. O que o ceticismo antigo fazia, portanto, ao denunciar a impossibilidade de se ter qualquer conhecimento certo e seguro por meio das aparências, era denunciar a incapacidade do entendimento de sustentar-se por si próprio. Pois o entendimento, capaz apenas de cognições meramente relativas, se atua isoladamente, é incapaz de fornecer um fundamento absoluto para suas cognições, na medida em que só é capaz de apreender aquilo que é relativo, condicionado. É por isso que o verdadeiro ceticismo, muito antes de se aferrar às verdades determinadas e finitas do senso comum, realiza a crítica desse apego dogmático da consciência ordinária comum às suas verdades finitas8 . Para Hegel, que o ceticismo antigo ataque ao senso comum e ao entendimento, em seu apego àquilo que é meramente relativo, pode ser visto por meio dos dez primeiros tropos do ceticismo9 , pelos quais far-se-iam a exposição e denúncia da diversidade e relatividade presente naquilo que é da ordem das aparências, da ordem do sensível. Se o cético moderno, na sua adesão aos fatos da consciência, acredita poder permanecer dentro dos limites do entendimento e, ainda assim, ser capaz de uma cognição certa e segura, o cético antigo, por sua vez, insistia na impossibilidade de que o conhecimento obtido pela reflexão operada pelo entendimento acerca daquilo que é determinado possa ter algo de certo e seguro em si mesmo. Entretanto, Hegel observa, se o ceticismo antigo mantinha-se fiel à sua própria essência, ao denunciar a finitude das verdades da consciência ordinária comum, a forma que ele adquire com Sexto Empírico já revela uma subversão sua. Isso porque, a partir desse momento, o cético não dirige suas críticas apenas à consciência ordinária comum e às suas verdades finitas, mas também à própria Razão em sua auto-cognição. Essa virada do ceticismo contra a filosofia seria, para Hegel, claramente visível pelos cinco tropos do ceticismo que se seguem aos dez primeiros, cujo conteúdo revelaria serem tropos voltados não contra o senso comum, mas sim contra as pretensões de uma 8 Cf. HEGEL, 2000, p.336 9 Cf. idem ibid., pp. 330-332
  • 10. 10 cognição racional e filosófica10 . Trata-se, como mencionamos anteriormente, dos tropos da diversidade de opiniões, da regressão ao infinito, da relação, dos postulados e da circularidade. Por meio desses tropos, o cético pretenderia deslegitimar a pretensão da filosofia de ter uma cognição racional do Absoluto; afinal, se ela realmente tivesse tal cognição, como explicar as divergências de opinião acerca dessa cognição e do que ela seja? Como fundamentar tal cognição sem que se caia em uma regressão ao infinito, na qual cada fundamento precise por sua vez de um fundamento para si próprio? Como fornecer um fundamento absoluto para essa cognição, se tudo que existe, existe apenas em relação com alguma outra coisa? Como fundamentar essa cognição por meio do postulado de um princípio que não pode ser provado e deve ser evidente por si mesmo, se é possível postular igualmente o princípio contrário? E, por fim, como fundamentar essa cognição por meio de uma relação de circularidade entre o fundamento e a cognição, se nesse caso nem a cognição, nem o seu fundamento, possuem validade em si próprios, mas sim só são válidos nessa relação um com o outro? Ora, para Hegel, se o cético questiona a efetividade da cognição filosófica – que nada mais é do que a auto-cognição da Razão, precisamente porque apenas o incondicionado pode ter uma apreensão efetiva daquilo que é incondicionado -, isso se deve ao fato de confundir a Razão com o entendimento, o que seria constatável precisamente pelos tropos com os quais o cético tenta atacar a filosofia. Com efeito, da forma como Hegel os compreende, esses tropos, ao serem voltados contra a filosofia – e, portanto, contra a Razão – a subvertem em entendimento, na medida em que a concebem como algo de determinado, algo de finito11 . Afinal, concebem a cognição filosófica – ou, em outras palavras, a auto-cognição da Razão, a cognição do incondicionado pelo incondicionado - como algo de determinado, algo que se encontra em uma relação de exterioridade com outra coisa. Só desse modo pode-se conceber uma diversidade irreconciliável de opiniões que desvalidaria a cognição filosófica, ou conceber a necessidade de se buscar um fundamento para essa cognição que seja exterior a ela, de tal modo que cairíamos na regressão ao infinito ou na circularidade. Igualmente, só desse modo pode-se tomar a Razão como um postulado não provado, como se em oposição a ela pudesse se postular aquilo a que ela se opõe e que é exterior a ela; e, por fim, só desse modo pode-se conceber que a Razão só é o que é no interior de uma relação com algo exterior a ela, sendo, portanto, meramente relativa. Em outras 10 Cf. idem ibid., pp.334-335 11 Cf. idem ibid., p.337
  • 11. 11 palavras: os tropos céticos, para poderem se aplicar à Razão, precisam subvertê-la a algo de determinado, que se encontra em uma relação de exterioridade com alguma outra coisa. Mas a Razão, precisamente porque não é algo de determinado, algo marcado pela relação com um outro que lhe é externo, não pode ser submetida ao ataque desses tropos: “No que diz respeito ao primeiro tropo (da diversidade), o racional é sempre e em todo lugar idêntico a si mesmo; pura não-igualdade é possível apenas para o entendimento; e tudo que é dessemelhante é posto pela Razão como um e o mesmo. (...) Não pode ser provado sobre o racional, de acordo com o terceiro tropo, que ele apenas existe dentro da relação, que ele se encontra em uma relação com outro; pois ele é ele mesmo nada mais que a relação. Já que o racional é a relação ela mesma, os termos que se encontram em uma relação um com o outro, que devem fundar um ao outro, quando postos pelo entendimento, podem muito bem cair em circularidade, ou no quinto tropo, o tropo da reciprocidade; mas o mesmo não ocorre com o racional ele mesmo, pois dentro da relação, nada é reciprocamente fundado. Similarmente o racional não é um postulado não-provado, de tal modo que a sua contraparte pudesse com o mesmo direito ser pressuposta sem prova em oposição a ele; pois o racional não tem contraparte oposta; ele inclui ambos dos finitos opostos, que são contrapartes mútuas, dentro de si mesmo. Os dois tropos precedentes contém o conceito de um fundamento e um conseqüente, de acordo com o qual um termo estaria fundado no outro; já que para a Razão, não há oposição de um termo em relação ao outro, esses dois tropos se tornam irrelevantes, assim como a demanda por um fundamento que é avançada na esfera das oposições, e repetida infindavelmente (no segundo tropo, o da regressão ao infinito). Nem essa demanda, nem a do regresso ao infinito, dizem respeito à Razão.” (HEGEL, 2000, p.336) A Razão é o incondicionado que é condição de todo o condicionado; mas, se o condicionado é aquilo que é determinado, e que, por esse motivo, tem como condição de sua existência a relação de oposição na qual se encontra, a Razão, enquanto o indeterminado que é condição de todo o determinado, nada mais é do que a relação ela mesma e, portanto, aquilo que não se encontra em oposição ou em relação de exclusão com nenhuma coisa, posto que todo e qualquer termo que seja contraposto se encontra dentro dessa mesma relação. Por isso ela não é afetada pelos tropos que o cético busca usar contra ela: esses tropos só são aplicáveis aos objetos da reflexão, ao entendimento que, ao refletir sobre seu objeto, o cinde e o coloca em oposição com algo que é externo a ele. Mas a Razão, enquanto é a relação de oposição que torna possível os termos da relação que se opõem um ao outro, não pode ser apreendida do mesmo modo que esses termos o são, quer dizer, por meio de sua oposição a alguma outra coisa; antes, a Razão,
  • 12. 12 o Absoluto, deve ser apreendido em sua indeterminação característica. Por isso que, não apenas o ceticismo não atinge a filosofia, como também, para poder fundamentar as suas objeções, deve fundar-se nela, quer dizer, na Razão, porque só a partir do patamar do indeterminado, do infinito, que tudo aquilo que é finito pode ser denunciado e exposto enquanto tal. É em função disso que Hegel considera o ceticismo genuíno como o lado negativo da auto-cognição da Razão: para que a Razão possa apreender a si mesma em sua indeterminação característica e intuir a si mesma enquanto tal, ela precisa dissolver a fixidez das determinações que é posta pela reflexão12 . Para que a auto-cognição da Razão se dê, é preciso que a reflexão dissolva a si mesma, negando a negação que ela põe pelas determinações que opera em seu objeto e, assim, abrindo caminho para a intuição intelectual do Absoluto13 ; mas essa dissolução da reflexão por si mesma não é outra coisa senão o ceticismo, enquanto este é genuíno. O ceticismo genuíno, portanto, é inseparável da filosofia genuína, da auto-cognição efetiva da Razão. E, por isso mesmo, os tropos céticos não apenas dizem respeito unicamente àquilo que é da ordem da reflexão, que dispõe os objetos como externos uns aos outros, como também só podem ser aplicados legitimamente à reflexão quando se fundam na Razão. É só por meio dela que o ceticismo pode expor que aquilo que é produzido pela reflexão, pelo entendimento que reflete sobre os seus objetos, não subsiste por si mesmo, só se sustentando na medida em que se encontra no interior da Razão, que não reconhece nada como sendo externo a ela. Os tropos céticos só são capazes de demonstrar a insuficiência de tudo aquilo que se encontra em uma relação de exterioridade com alguma outra coisa; porém, a Razão, precisamente porque não tem nada que seja exterior a si mesma, não apenas não pode ser abalada pelos tropos céticos, como é a condição de possibilidade para que a insuficiência daquilo que possui algo exterior a si mesmo possa ser criticado em sua insuficiência, que só se revela enquanto tal frente à plenitude indeterminada da Razão. 12 Cf. HEGEL, 2003, p.38 13 Cf. idem ibid., p.34
  • 13. 13 Razão e reflexão: a reflexão para além do ceticismo Se, para o Hegel da juventude, a cognição filosófica do Absoluto só poderia ser dar por meio da intuição intelectual do incondicionado em sua indeterminação característica, para o Hegel da maturidade o fundamento incondicional de todas as coisas, com o qual a filosofia se ocupa, só pode ser conhecido e realizado plenamente por meio do caminho de suas próprias determinações e mediações internas14 . O fundamento não pode jamais ser plenamente conhecido e realizado se permanece em sua indeterminação abstrata, em sua imediaticidade abstrata; antes, é preciso seguir o percurso de suas determinações internas pelas quais a imediaticidade e indeterminação do fundamento não são apenas asseveradas, mas também deduzidas e efetivadas. Em outras palavras: a necessidade de se provar e deduzir o fundamento em sua incondicionalidade, mais do que simplesmente asseverá-la para além de toda a prova e dedução possíveis, leva o Hegel da maturidade a conceber a determinação não mais como aquilo que deve ser meramente dissolvido, a fim de que se possa apreender o fundamento, mas sim como condição de possibilidade para que ele possa se realizar em sua verdade15 . Entretanto, conceber a determinação ou, melhor dizendo, o percurso das determinações internas do fundamento como condição de possibilidade de sua realização, significa não mais poder conceber a reflexão como aquilo que deve ser meramente dissolvido, a fim de que se possa ter a cognição do fundamento. Muito antes de se subtrair à reflexão, o fundamento agora terá que mergulhar completamente nela, na medida em que só por meio da operação e produção de determinações próprias à reflexão que ele poderá se realizar em sua verdade, que ele poderá ser não apenas asseverado em sua incondicionalidade, mas sim igualmente provado16 . Não por outro motivo Hegel afirma que “a verdade só no conceito tem o elemento de sua existência” (HEGEL, 2007, §6). Mas se Hegel, em sua juventude, concebia a reflexão como a esfera na qual as objeções céticas são insuperáveis, de que maneira será possível tornar o fundamento 14 Cf. HEGEL, 2007, §10 e §16 15 Cf. idem ibid., §18 16 Cf. idem ibid., §5 e HEGEL, 2005, §1
  • 14. 14 aquilo que se realiza por meio da reflexão, sem, entretanto, submetê-lo às limitações postas e expostas pelos tropos céticos a que Hegel respondia, em seu artigo de então? Para que se possa responder a essa pergunta, é preciso lembrar o que Hegel associava à reflexão, na sua juventude: ela era, com efeito, o modo próprio de operar do entendimento. Isso porque ela operava determinações, constituindo seus objetos através de negações que os colocavam em uma relação de oposição um com o outro e os tornavam relativos a essa oposição. Nessa medida, sua operação de determinação dos objetos era uma organização destes a partir de um regime de exterioridade; ao determinar os objetos como opostos uns aos outros, o entendimento os colocava, por meio de sua reflexão, como externos uns aos outros, e colocava a si mesmo, em sua reflexão sobre os objetos, como externo àquilo que os objetos são em-si (daí a impossibilidade do entendimento de apreender o fundamento incondicional em sua incondicionalidade). Nesse sentido, a reflexão que Hegel considerava incapaz de apreender ou realizar o Absoluto, aquela que se prestava à crítica por meio da aplicação dos tropos céticos, é aquela que concebe os seus objetos em uma relação de exterioridade uns com os outros e que concebe a si mesma em uma relação de exterioridade com o seu objeto. Trata-se de uma reflexão que só sabe operar a determinação dos objetos por meio da negação simples, uma determinação que só se constitui por meio da simples negação e exclusão de tudo aquilo que a contradiz. Ocorre, porém, que, se para o Hegel da juventude, a reflexão se confundia com a reflexão operada pelo entendimento, de tal maneira que dissolver esse modo de reflexão seria dissolver a reflexão ela mesma, o Hegel da maturidade conceberá essa reflexão externa apenas como um momento interno à reflexão, o qual, entretanto, é superado. O que quer dizer que os modos de determinação da reflexão não se limitarão aos modos de determinação da reflexão externa; o que significa, por sua vez, que as negações operadas pela reflexão na organização de seus objetos não serão mais apenas a negação operada pela reflexão externa em sua relação com o seu objeto – não serão, portanto, negações que se limitam à exclusão mútua dos termos que se encontram nessa relação de negação17 . Por isso, se era o regime de negação próprio à reflexão externa que a tornava vítima dos tropos céticos, parece adequado considerar que é a superação desse regime de negação que tornará possível, ao mesmo tempo em que não se abandona a reflexão na cognição do fundamento, dar conta dos tropos céticos pelos quais buscar-se- 17 Cf. HEGEL, 2002, p.405
  • 15. 15 ia comprometer tal apreensão e realização. Sendo assim, buscaremos esboçar aqui, de maneira bastante esquemática, de que modo, pelo que nos parece, Hegel organiza os diversos modos de negação operados pela reflexão de maneira a dar conta dos tropos céticos. Para tanto, comecemos pela negação simples – a negação própria ao entendimento, à reflexão externa – e vejamos como, já por meio desta negação, Hegel daria conta do tropo do ceticismo referente aos postulados. Se para a reflexão dar conta da apreensão e realização do fundamento incondicionado é necessário que ela supere o regime de negação da reflexão externa, isso não significa, entretanto, que essa mesma negação já não desempenhe um papel fundamental e indispensável para a cognição do fundamento: daí porque ela não deve ser meramente dissolvida, mas sim superada. Com efeito, é a negação simples que possibilita à ciência filosófica – quer estejamos falando da Fenomenologia, quer da Ciência da Lógica - possuir um começo que não seja arbitrário. A fim de melhor compreendermos essa afirmação, retomemos as nossas considerações sobre o indeterminado, tal como ele é tratado pelo Hegel da juventude. Efetivamente, para o jovem Hegel, o Absoluto deve ser apreendido pela negação da negação, quer dizer, pelo aniquilamento das determinações do entendimento a partir do qual o Absoluto é apreendido em sua indeterminação característica. Essa negação da negação é, no entanto, uma negação simples da negação simples. O indeterminado é, assim, a negação simples (ou abstrata) de toda determinidade. Nesse sentido, poderíamos igualmente dizer: ele é a negação simples tomada em si mesma, na medida em que essa negação simples, enquanto não é tomada como a negação de uma ou outra determinidade em particular, mas sim em si mesma, é a negação de toda e qualquer determinidade – é, em outras palavras, o indeterminado. O indeterminado é, por conseguinte, pura negatividade. É essa pura negatividade que tornará possível à ciência filosófica possuir um começo que não seja arbitrário, que não seja um começo meramente postulado, frente ao qual poder-se-ia propor começos diversos e opostos a esse. Afinal, é só começando pelo puramente indeterminado que se tem a garantia de se estar começando com o fundamento incondicionado, com aquilo que não é apenas um começo subjetivo da filosofia, mas igualmente o seu princípio objetivo18 . Começar por algo de determinado seria um começo arbitrário, um começo relativo, na medida em que toda determinação 18 Cf. MULLER, 2011, p.2
  • 16. 16 já supõe uma mediação anterior por meio da qual ela veio a ser. Daí porque todo começo feito por meio de algo determinado teria necessariamente esse algo como seu pressuposto ou como seu postulado, na medida em que começar pelo determinado seria começar por algo que possui uma mediação anterior a ele a qual, entretanto, não é provada19 . Sendo assim, esse começo é um começo relativo e subjetivo, não absoluto e objetivo; é um começo apenas em relação à reflexão que escolhe esse ponto determinado da Coisa como ponto de partida, e não o começo, o princípio da Coisa ela mesma. Sendo assim, começar a filosofia por um começo determinado é tornar-se vítima do tropo cético do postulado: uma pressuposição não possui vantagem alguma em relação com a pressuposição oposta, de tal maneira que qualquer começo determinado, e por isso meramente pressuposto, não dá conta de servir de base e fundamento para a filosofia. Pois a filosofia, enquanto ciência que deve servir de fundamento para as outras filosofias, não pode se dar ao luxo destas de pressupor o seu objeto como dado20 . Para não ser alvo do tropo cético do postulado, então, é necessário à filosofia começar pelo indeterminado, tomando-o como sua base e fundamento, já que apenas o indeterminado, na medida em que é a negação simples de toda determinidade, imediaticidade simples sem nenhuma mediação, pode ser simultaneamente o começo da filosofia e o princípio da própria coisa, a partir da qual a filosofia se desdobra e por meio desse desdobramento produz o seu próprio objeto. Nesse sentido, podemos dizer que a negatividade pura do começo, a negação abstrata em si mesma que é esse começo, é o que possibilita à filosofia não se tornar vítima do tropo do postulado. A filosofia deve começar pelo indeterminado; nisso, o Hegel da juventude e o da maturidade estão de acordo. Todavia, se para o primeiro, o fundamento já é plenamente realizado nessa sua indeterminação inicial, para o segundo, essa indeterminação só pode ser a primeira manifestação do Absoluto, de tal forma que, para que ele se realize plenamente, é preciso que ele percorra o caminho de suas determinações internas. Isso porque se o fundamento, em sua indeterminação, é a negação simples de toda determinidade, essa no entanto, é a sua própria determinidade. O indeterminado, enquanto é essa imediaticidade simples, precisamente porque exclui de si toda determinação, é algo que só pode ser simplesmente asseverado, e não provado – e, igualmente, algo que só põe como imediato, mas que ainda não é capaz de corresponder à sua própria imediaticidade na medida em que ainda se encontra preso à sua 19 Cf. HEGEL, 2010, p.70 20 Cf. idem ibid., p.74
  • 17. 17 determinidade de negação simples de toda determinidade. A negação simples não dá conta, isoladamente, de realizar o fundamento incondicionado em sua incondicionalidade, já que coloca toda determinação como exterior ao fundamento, e é precisamente por meio do percurso de suas determinações que ele deve se realizar. É aqui que o próximo modo de negação, a saber, o de negação determinada, desempenha um papel fundamental. É graças à negação determinada que o fundamento não permanece como algo meramente indeterminado, frente ao qual toda determinação é externa a ele próprio. Isso porque a negação determinada não é mais uma negação na qual o termo que é negado permanece exterior àquilo que o nega; antes, nessa negação, o que está em questão é, precisamente, a passagem de um termo ao seu oposto. Mas como é possível que algo passe ao seu oposto, que a determinação do objeto, mais do que defini-lo por meio daquilo que o nega, torne o objeto a sua própria negação? Ora, para responder a essa pergunta, podemos antes nos perguntar: qual é a condição de possibilidade para que, na negação simples, uma tal passagem ao oposto não seja possível? Relembremos, mais uma vez: a negação simples determina aos seus objetos por meio de uma relação de exterioridade. Em um regime de negação simples, o que é negado permanece em uma relação de pura exterioridade com aquilo que o nega: por exemplo, as determinações são completamente exteriores à imediaticidade simples e indeterminada do começo. Sendo assim, não há como, por meio da negação simples, conceber que os termos de uma oposição passem um ao outro, na medida em que a sua relação é uma relação de exterioridade, na qual nenhuma ligação que torne ambos os termos internos um ao outro é possível. Entretanto, há de se lembrar que o começo foi definido como pura negatividade. O começo nada mais é do que a negação em si, do que a negação imediata – ele não possui outro substrato senão esse. Sendo assim, se o começo é a negação de toda determinidade, a fim de realizar-se enquanto tal, ele deve negar mesmo a sua determinidade de ser negação de toda determinidade21 ; deve, por isso mesmo, passar à determinidade com a qual ele se confrontava anteriormente como algo puramente externo. Sendo assim, a negatividade pura da própria Coisa já exige que aquilo a que ela se opunha como algo externo seja aquilo que ela deve se tornar a fim de pode realizar a si mesma. Só é possível permanecer-se no regime da negação simples enquanto não se 21 Cf. MULLER, 2011, p.14
  • 18. 18 reconhece que todas as coisas são em si mesmas a sua própria negação, que não possuem outro modo de se produzirem e se realizarem do que por meio da sua própria negação. As coisas tornam-se elas mesmas, pela negação de si mesmas, o seu oposto; e é apenas por essa passagem no seu oposto que elas podem efetivamente se realizar no que são22 , precisamente porque são, essencialmente, essa negatividade auto-referencial, essa negatividade pura da própria Coisa. Assim, a negação simples do fundamento indeterminado leva necessariamente à negação determinada unicamente pela qual ele pode realizar-se em sua imediaticidade negativa. Por isso, aquilo que aparece inicialmente como puramente externo à Coisa se revela como sendo desde sempre interno a ela: a exteriorização é apenas um momento interior à própria Coisa. Se a negação simples do começo dava conta do tropo dos postulados, podemos dizer que a negação determinada que advém desse começo dá conta, por sua vez, do tropo da diversidade. De fato, Hegel afirma explicitamente, na introdução à sua Fenomenologia do Espírito que, se o cético enxerga nas opiniões filosóficas (ou, colocado de outra forma, nos saberes fenomenais e imperfeitos), apenas a pura diversidade, fazendo dessas opiniões completamente externas umas às outras, isso se deve ao fato de enxergar a contradição entre elas como um produto da negação simples, produto que não é senão o nada abstrato. Por isso, na medida em que se aferra a conceber a contradição entre opiniões como irreconciliáveis, na medida em que cada opinião é a negação simples da outra, o cético ele mesmo é apenas uma das figuras da consciência imperfeita, que, por mais que seja absolutamente necessária e interna à apreensão do Saber Absoluto pela consciência, deve, no entanto, ser superada23 . Por outro lado, o ceticismo que apreende a sua atividade própria de produção de contradição entre saberes fenomenais na negação verdadeiramente operante nela – a saber, não a negação simples, mas sim a negação determinada – reconhece, a partir daí, que essas opiniões filosóficas não são puramente externas umas às outras, mas sim produzem umas às outras na série de figuras da consciência passando de si mesmas ao seu oposto. Esse ‘ceticismo perfeito’ se confunde com o próprio caminho do desespero, o percurso fenomenológico que a consciência deve passar para aceder ao Saber Absoluto24 . Nesse sentido, o ceticismo não apenas é interno à filosofia na medida em que, enquanto é imperfeito, figura como um dos momentos internos e necessários à ascensão da 22 Cf. SAFATLE, 2006, p.131 23 Cf. HEGEL, 2007, §79 24 Cf. idem ibid., §78
  • 19. 19 consciência ao Saber Absoluto; concebido em sua perfeição; ele é a própria atividade filosófica pela qual se reconhece cada figura da consciência imperfeita como ligada àquela a que se opõe e passando a ela, e só por meio dessa passagem se realizando em seu conceito. Se a filosofia não pode ser vitimada pelo tropo da diversidade, isso se deve ao fato de que, nela, nenhum dos termos de uma oposição permanece exterior àquilo a que se opõe. Por fim, se é por meio do percurso de suas negações determinadas que o fundamento incondicionado poderá realizar-se, isso se deve ao fato de que, por meio dessas negações, a negatividade do começo negará a si mesma, realizando-se enquanto negação absoluta. Isso porque, se a negação determinada leva à passagem de um termo ao seu oposto, por meio das inversões próprias à Verkehrung25 , ela também produz, como resultado dessas inversões, a superação delas, ou seja, a Aufhebung da passagem dos oposto um ao outro. É esse movimento de um oposto a outro, tomado como resultado da negação determinada, que permitirá o avanço pelas determinações próprias do fundamento, na medida em que, nesse movimento, o próprio movimento é produzido como algo novo que ultrapassa os momentos opostos nos quais ele ocorre ao mesmo tempo em que contém a ambos os opostos em seu interior. Assim, se a negação absoluta é aquela que se realiza por meio das Aufhebungen resultantes das negações determinadas do percurso do fundamento, e se essa realização é a realização do próprio fundamento em sua verdade, isso é porque só dessa maneira o fundamento se torna em verdade a negatividade que desde sempre foi. Lembremos da nossa afirmação anterior quanto à pura negatividade do fundamento: essa pura negatividade, para realizar-se, precisava negar a si mesma. Agora, podemos dizer, mais especificamente: o fundamento, para realizar-se em sua pura negatividade, deve negá-la ela mesma, quer dizer, deve negar a negação simples do seu começo para que, assim, realize aquilo que ele é, a saber, negação em si. Ora, mas negar a negação simples significa, justamente, negar todo regime de exterioridade – o que significa, em outras palavras, não mais conceber os opostos de acordo com uma relação de exterioridade, mas sim de acordo com uma relação de interioridade, na qual cada termo já contém e já é em si mesmo a passagem ao seu oposto. Ora, mas é precisamente essa interioridade dos opostos que a negação determinada possibilita, produzindo como resultado a negação absoluta. Afinal, a negação absoluta não é simplesmente um termo que passa ao seu oposto26 , mas sim o 25 Cf. SAFATLE, 2006, p.132 26 Cf. idem ibid. p.135
  • 20. 20 movimento ele mesmo de passagem de um oposto ao outro que, por isso mesmo, contém em seu próprio interior ambos os opostos, superando, nessa medida, a sua oposição. E é na superação dessa oposição que, por fim, o fundamento realiza e retorna a si mesmo – de tal modo que o percurso da ciência filosófica não é outro senão o percurso circular, no qual o avanço nas determinações do fundamento é, ao mesmo tempo, uma retrogressão àquilo que ele sempre foi. A exteriorização do fundamento, em suas determinações, é, na verdade, o que realiza aquilo que ele sempre foi, de tal maneira que, o ponto final da especulação coincide com o ponto inicial. A negatividade absoluta do final nada mais é que a negatividade simples do início, na medida em que essa negatividade pura do início só é verdadeiramente por meio das suas mediações internas e da superação delas. Aquela negatividade do fundamento que aparecia, inicialmente, como pura indeterminação, já era ela mesma, entretanto (e desde sempre), possível e produzível apenas pelo processo de determinação e mediação por meio do qual ela retorna a si mesma.27 Dessa maneira, no que diz respeito a dar conta dos demais tropos céticos, a negação absoluta possui um lugar peculiar. Isso porque, pelo que parece, sua possibilidade de responder aos tropos da regressão ao infinito e da relação deve-se a uma espécie de aceitação do tropo da circularidade, na qual a circularidade da filosofia, por mais que seja reconhecida, não se torna um obstáculo a essa. Na verdade, a resposta a esses três últimos tropos precisa conjugar, de alguma forma, todos os modos de negação abordados até aqui, já que o modo de responder a esses tropos deve recorrer à relação existente entre as negações aqui trabalhadas. Para que essa conjugação seja possível, entretanto, é necessário admitir, ao mesmo tempo, como a circularidade é ela mesma o modo de superação das objeções céticas oferecidas por esses tropos. Assim, se o tropo da regressão ao infinito não atinge a filosofia, podemos atribuir isso tanto ao seu começo indeterminado, quanto à sua circularidade. Isso porque, por um lado, o começo indeterminado garante que esse começo não é nenhuma pressuposição, não é nada de determinado a partir do qual se deva buscar um fundamento determinado e, para esse fundamento outro fundamento, igualmente determinado, e assim por diante. Por outro lado, a circularidade da negação absoluta, produzida pelo percurso das negações determinadas da filosofia, garante que o avanço pelas determinações do fundamento não seja uma ‘regressão ao infinito’ invertida, 27 Cf. Müller, 2011, p.8
  • 21. 21 levando-nos a cair no infinito ruim no qual nenhuma determinação é capaz de suprir a necessidade da correspondência entre o finito e o infinito. Igualmente, o tropo da relação não compromete a filosofia no seu modo de relacionamento próprio enquanto ciência. Afinal, os termos de uma relação só permanecem relativos um ao outro na medida em que são externos um ao outro: só nesse sentido dependem de algo outro do que de si mesmo. Se a relação, porém, não é concebida como uma relação com algo externo, mas sim é uma relação da Coisa consigo mesma, então a Coisa, por mais que esteja em uma relação, não é relativa. E, com efeito, o que é mostrado pelo percurso das negações do fundamento é que mesmo a sua relação com aquilo que lhe aparecia inicialmente como exterior a si já era uma relação consigo mesmo. Por isso, na medida em que não se relaciona com nada que seja puramente exterior a si mesmo, a ciência filosófica, que nada mais é que o desdobramento da própria Coisa, nada possui de relativo. Entretanto, mais uma vez, o que torna essa relação consigo mesma possível é, precisamente, a circularidade do fundamento em seu desdobramento: é só por meio dessa circularidade que o seu relacionamento com suas determinações, isto é, com as suas exteriorizações, realiza-se como um relacionamento consigo mesmo. Por isso, cabe a pergunta: se o percurso próprio da filosofia é o percurso circular, não estaria ela, por isso mesmo, submetida às dificuldades oferecidas pelo tropo cético da circularidade? Não teria ela se rendido à impossibilidade de superar essas dificuldades? A esse respeito, parece ser possível oferecer a seguinte resposta: a filosofia é um círculo que não está, ele mesmo, em relação de circularidade com nada – por isso, a filosofia, apesar de seu percurso circular, não se torna presa do tropo cético da circularidade. O fundamento, plenamente realizado em suas determinações, não é imediata e abstratamente idêntico ao fundamento em sua indeterminação inicial; por isso, a relação de circularidade entre as determinações do fundamento e a sua indeterminação inicial não colocam o fundamento plenamente realizado em uma relação de circularidade com qualquer coisa; afinal, ele não é meramente o início da filosofia, nem meramente o seu resultado, nem qualquer uma das determinações pelas quais passa para ir do seu início ao seu resultado. O fundamento plenamente realizado é a totalidade do percurso da filosofia de seu início para o seu resultado, o fundamento como união de seu início e de seu resultado. Em outras palavras: o fundamento plenamente realizado é o círculo que une o fundamento a si mesmo em suas duas faces, a de início e a de resultado, superando ambas em sua unilateralidade. O fundamento, quer enquanto
  • 22. 22 início, quer enquanto resultado, encontra-se em uma relação de circularidade; porém, o fundamento plenamente realizado e apreendido em sua totalidade é o círculo que funda a circularidade do fundamento enquanto início e enquanto resultado. Daí a necessidade, frequentemente ressaltada por Hegel, de não considerar o fundamento como plenamente dado quer apenas no seu início, quer apenas no seu fim, mas sim apenas na sua atualização28 . Se é só no fim do percurso de suas determinações que o fundamento se realiza plenamente, isso não se deve ao fato de o fundamento se encontrar plenamente no fim a que chega, de tal maneira que poder-se-ia deixar de lado tudo aquilo que é anterior a esse fim. Antes, deve-se ao fato de que só chegando ao fim de seu percurso que o fundamento se fecha enquanto círculo, no interior do qual o fundamento enquanto início e enquanto fim encontram-se em relação de circularidade, mas o qual, enquanto o círculo próprio dessa relação, ultrapassa a relação de circularidade por meio da qual advém círculo. E advir círculo nada mais significa do que advir absoluta relação consigo mesmo, relação a si mesmo na qual não há nenhuma pressuposição, nenhuma regressão ao infinito, nenhuma diversidade, nenhuma relatividade, nenhuma circularidade enquanto reciprocidade de si com algo externo a si mesmo. Pois a reciprocidade da circularidade é a reciprocidade daquilo que se encontra no interior do círculo, e não do círculo ele mesmo em relação com algo que seja exterior a ele. Assim, as objeções levantadas pelos tropos céticos contra a filosofia seriam plenamente superáveis e superadas no interior da própria reflexão, e a filosofia, muito antes de dever abdicar da reflexão para respondê-las, só pode responder a essas objeções levando a reflexão até seus últimos limites ou, melhor dizendo, até a superação de seus próprios limites. 28 Cf. Hegel 2007, §3
  • 23. 23 Considerações Finais: A filosofia entre a interioridade e a exterioridade Quer no Hegel de juventude, quer no de maturidade, a possibilidade de responder aos tropos céticos voltados contra a filosofia dependem, no limite, de uma mesma operação: a de tornar tudo, em última instância, interior à Razão. Essa necessidade de internalização de tudo aquilo que se oferece como objeto à filosofia teria, pelo que nos parece, levado Hegel a desdobrar essa exigência de internalização até os seus últimos limites, transformando-a em uma exigência de circularidade. Tornar tudo interior à Razão significa dizer, em outras palavras, que a Razão gira em torno de si mesma. Ou, colocado de outra forma, para se fazer tudo interno à Razão é preciso fazer com que ela se feche em si mesma, referenciando-se apenas a si mesma em sua reflexão acerca de seus objetos – e fechar-se em si mesma em sua auto-referência é, precisamente, advir círculo, fechando seus objetos em seu próprio interior. Poderíamos dizer, então, que a possibilidade hegeliana de resposta ao ceticismo depende de uma dissolução da autonomia da exterioridade. Para que a filosofia possa fundamentar-se para além das objeções céticas, é necessário acabar com toda exterioridade em si, a qual é pressuposto dos tropos céticos e aquilo que os legitima. Nesse sentido, não é à toa que a exigência de interiorizar o próprio ceticismo se faz absolutamente necessária. Assim, a resposta hegeliana ao ceticismo, da qual depende, em alguma medida, a fundamentação de sua filosofia e de sua concepção de filosofia, ainda que profundamente conseqüente, não deixa, a nosso ver, de possuir aspectos cuja problematização é possível, devido à própria forma com que se configuram. Pois mesmo o círculo, em sua auto-referência, pressupõe um plano exterior a partir do qual ele possa ser traçado. Nessa medida, pressupõe uma referência a um exterior autônomo, que não é o exterior dos pontos do círculo em relação uns aos outros, o qual é interiorizado pelo traçado do círculo. Poderia se objetar que se está aqui abusando da imagem do círculo: que ela, enquanto mera concepção figurativa do sistema, não deveria ser levada tão a sério. Entretanto, é possível com igual direito perguntar-se se a relação com a exterioridade existente na concepção figurada do círculo não é, na verdade, uma relação que extrapola a figuração do círculo, na qual podemos vê-la com maior clareza; se não é, em verdade, uma relação constituinte de toda e qualquer auto- referência com uma exterioridade que, mais do que ser irredutível, jamais pode ser plenamente internalizada por essa auto-referência. É possível, em outras palavras,
  • 24. 24 perguntar-se em que medida toda e qualquer auto-referência já não deve portar, simultaneamente, uma relação com uma exterioridade que não lhe é interna, como mero momento de seu próprio interior. E, talvez, mesmo onde o ceticismo não pode acusar o círculo de cair em circularidade, ele possa ainda acusar o círculo de ser mero círculo, e mais do que isso, de ser círculo apenas em relação ao centro a partir do qual é traçado, podendo ser igualmente visto como mero ponto em relação ao plano no qual é traçado. Cabe notar que todas essas questões relativas aos limites e possibilidades da filosofia enquanto auto-referência fechada, isto é, enquanto círculo no qual tudo é interior à Razão, são questões centrais para a filosofia contemporânea, intimamente ligadas às objeções feitas a Hegel por Adorno29 , de um lado, e por Deleuze30 , de outro. Ainda que as alternativas oferecidas por esses filósofos acerca do que é a filosofia e do que é seu fundamento sejam bastante distintas, ambas parecem empenhar-se em pensar uma filosofia que não precise internalizar os seus objetos para que possa pensá-los, uma filosofia que dê conta de objetos que não podem ser plenamente internalizados pela Razão em suas pretensões de identidade (mesmo que de identidade da identidade e da não-identidade). Nesse sentido, acreditamos que a reflexão sobre o modo como Hegel concebe a relação entre ceticismo e filosofia e, mais do que isso, sobre o modo como a sua filosofia da maturidade busca dar conta de objeções fundamentalmente céticas, são fundamentais para que se possa pensar e problematizar os limites e possibilidades de sua concepção e fundamentação da filosofia. Problematização essa que, a nosso ver, é central para a filosofia contemporânea e para que se possa pensá-la em seus temas e questões centrais e na qual vale sempre lembrar as palavras de Foucault: Mas escapar realmente de Hegel supõe apreciar exatamente o quanto custa se separar dele; supõe saber até onde Hegel, insidiosamente, talvez, se aproximou de nós; supõe saber, nisso que nos permite pensar contra Hegel, isso que ainda é hegeliano; e de medir em que nosso recurso contra ele é, talvez, ainda uma astúcia que ele nos opõe e ao termo da qual nos espera, imóvel e em outro lugar (FOUCAULT, 1986, p.81). Sendo assim, pensar o custo de se separar de Hegel parece, pelo que discutimos neste artigo, ser indissociável de pensar em que medida podemos nos desvencilhar da operação hegeliana de internalização de todas as coisas à Razão, ou talvez, por outra 29 Cf. Adorno, 2009, introdução 30 Cf. Deleuze, 2006, introdução
  • 25. 25 via, em que medida é possível concebê-la de um modo distinto, no qual a internalização não se confunda mais com a remoção da autonomia daquilo que é exterior. Nesse sentido, a problematização da internalização hegeliana por meio da reflexão sobre sua relação com o ceticismo e suas objeções pode ter um papel chave para a indicação e possibilidade de novos caminhos. Abstract: In this article we aim to discuss how the hegelian grounding of philosophy is intimately connected with a demand to answer the skeptical tropes of diversity, regression to infinity, relationship, postulate and circularity. To that end, we’ll discuss the ways through which Hegel attempts to overcome, be it in his youth, be it in his maturity, the typically skeptical objections of these tropes, exposing how the recovery of reflection done by mature Hegel requires him to overcome these objections in a manner other than the one attempted at his youth – a manner in which, as we shall see, the different kinds of negation conceived by Hegel play a key role. We hope, this way, to show how the internalization of all exteriority by Reason, made through the removal of all autonomy of the former in relation to the latter, is key to Hegel’s conception of philosophy and its grounding, as well as to questioning the limits and possibilities of said conception and grounding. To that extend, to reflect upon the relationship of skepticism and philosophy on Hegel’s philosophy is to reflect upon matters central to it and to contemporary philosophy itself, in its dialogue with Hegel and beyond it. Key-words: skepticism – ground – skeptical tropes – reflection – negation – exteriority – internalization.
  • 26. 26 Bibliografia: ADORNO, T. W. Dialética Negativa. Tradução: Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2009. BREAZEALE, D. Fichte’s “Aenesidemus” Review and the Transformation of German Idealism. In: The Review of Metaphysic, Vol. 34, No.3, pp. 545-568. Philosophy Education Society Inc., 1981. DELEUZE, G. Diferença e Repetição. Tradução: Luiz Orlandi e Roberto Machado. São Paulo, Edições Graal, 2006. FICHTE, J.G. Review of Aenesidemus. Tradução: George di Giovanni. In: Between Kant and Hegel: texts in the development of post-kantian idealism. Indianopolis/Cambridge, Hackett Publishing Company, 2000. FOUCAULT, M. L’ordre du discours: leçon inaugurale au Collège de France prononcée le 2 décembre de 1970. Paris : Gallimard, 1986. HEGEL, G.W.F. Diferença entre os sistemas filosóficos de Fichte e Schelling. Tradução: Carlos Morujão. Lisboa, Casa da Moeda, 2003. ___________. Enciclopédia das Ciências Filosóficas, I – Ciência da Lógica. Tradução: Paulo Meneses e Pe. José Machado. São Paulo: Edições Loyola, 2005. ___________. Fenomenologia do espírito. Tradução: Paulo Meneses. São Paulo: Editora Vozes, 2007. ___________. On the Relationship of Skepticism to Philosophy, Exposition of its Different Modifications and Comparison of the Latest Form with the Ancient One. Tradução: H. S. Harris. In: Between Kant and Hegel: texts in the development of post- kantian idealism. Indianopolis/Cambridge, Hackett Publishing Company, 2000 ___________. Science of Logic. Tradução: A. V. Miller. Nova York: Muirhead Library of Philosophy, 2010. MULLER, M. L. A negatividade do começo absoluto. In: VI Congresso Internacional da Sociedade Hegel Brasileira. Rio de Janeiro: SHB, 2011. SAFATLE, V. P. Linguagem e negação: sobre as relações entre pragmática e ontologia em Hegel. In: doispontos, ISSN: 1807-3883, Revista dos Departamentos de Filosofia da Universidade Federal do Paraná e da Universidade Federal de São Carlos. Curitiba: 2006, vol. 3, pp 109-146. SCHULZE, G. E. – Aenesidemus. Tradução: H. S. Harris. In: Between Kant and Hegel: texts in the development of post-kantian idealism. Indianopolis/Cambridge: Hackett Publishing Company, 2000.