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Ler para aprender conteúdos, ler por hábito, ou pelo prazer de ler: novas e
velhas concepções de leitura no currículo do ensino fundamental
                                            Marlene Carvalho – UCP



       O que se diz e o que se pensa sobre a leitura na escola? Que mudanças é possível
detectar no discurso sobre leitura de professoras e orientadoras pedagógicas? Que
efeitos tem a criação de salas de leitura sobre a formação de leitores? Como se dá o
funcionamento destas salas? Estes espaços cumprem o papel que lhes é destinado?
       Diferentes discursos sobre a leitura podem coexistir no mesmo lugar e tempo
histórico, dependendo de interesses e necessidades de grupos em confronto. Chartier e
Hébrard (1995) analisaram discursos sobre a leitura produzidos na França entre 1880 e
1980, apontando que os modos pelos quais a leitura era compreendida e o lugar que lhe
cabia na vida social eram diferentes, segundo a origem dos discursos. Nas primeiras
décadas do século XX, a Igreja Católica recomendava moderação e prudência na
escolha das leituras, por temer que textos mal escolhidos pervertessem as mentes de
crianças e adultos. Seria preferível menos leitura a leituras abundantes, porém
perniciosas. A escola republicana desejava difundir a leitura útil e instrutiva, que
contribuísse para a formação de cidadãos politicamente esclarecidos. Tanto os
pedagogos quanto as autoridades da Igreja viam a leitura como instrumento para a
formação de determinado tipos de indivíduos, mas preconizavam textos e práticas
leitoras diversas.
       Em meados do século XX, apareceu o discurso liberal dos bibliotecários, que
pregavam a liberdade de escolha do leitor, o direito à leitura prazerosa e a mudança do
caráter sisudo das bibliotecas. Esta nova posição ganhou força e legitimidade:
atualmente as obras de literatura infantil de caráter moralizante e conteúdo nitidamente
pedagógico estão perdendo lugar na preferência de muitos pesquisadores, educadores e
críticos literários. Já se admite que crianças e jovens tenham direito à escolha de textos e
busquem prazer na leitura. Isso não significa que a antiga aliança entre pedagogia e
literatura infantil esteja rompida, mas há uma tendência no sentido de buscar produções
que ofereçam aos jovens leitores a invenção e a beleza da linguagem literária, sem
incorrer na infantilização, no pedagogismo. As histórias destinadas ao público infantil
não são apenas aquelas centradas em animais, seres e objetos mágicos, vida na fazenda
e no circo, modelos de bons meninos e meninas etc. Autores como Ligia Bojunga, Ruth


                                                                                          1
Rocha, Fernanda Lopes de Almeida, Ana Maria Machado, Bartolomeu Campos de
Queirós, entre outros, escreveram livros que abordam temas complexos como relações
em família, crescimento, afirmação da identidade, gênero, raça, relações de poder em
casa e na escola, e também problemas e injustiças sociais. Os autores citados tratam
temas considerados difíceis de maneira simbólica, acessível ao entendimento das
crianças.
       De fato, a literatura infantil brasileira oferece um acervo importante de obras de
qualidade, nem sempre conhecidas pelos professores e alunos, que poderiam servir de
base para a formação do gosto literário. Isso não significa, no entanto, que a produção
de literatura infantil se enquadre sempre em altos padrões. Ano após ano, editoras
continuam a publicar centenas de títulos sem qualquer valor literário, livros de péssima
qualidade gráfica, versões e adaptações apressadas de obras estrangeiras, um verdadeiro
lixo editorial que continua ser vendido e consumido, inclusive nas escolas.
       Na primeira parte deste artigo, procuramos analisar o discurso das professoras
sobre a leitura, distinguindo três conceitos: a leitura como hábito, como instrumento
para aquisição de conhecimentos e como fruição, fonte de entretenimento e prazer.
       Na segunda parte, descrevemos a organização e disponibilização dos acervos nas
escolas, em salas de leitura ou em outros espaços improvisados e/ou adaptados;
discutimos como se dá o funcionamento destas salas e quais são os seus limites e
possibilidades.
       Nas conclusões, argumentamos que por mais importante que seja a fruição da
leitura, o prazer da leitura literária, agora descobertos e enfatizados pelas professoras,
estas têm que preparar os alunos para a leitura como estudo. Ao privilegiar o prazer da
leitura, a escola corre o risco de deixar em segundo plano importantes facetas da
formação de leitores.
       A base teórica do trabalho encontra-se nos trabalhos sobre leitura literária,
escolarização da literatura e formação de leitores dentro e fora da escola realizados por
Batista (1998), Colomer (2003), Chartier (1995, 1998), Kleiman (1989, 1992, 1995),
Lajolo e Zilberman (1999), entre outros.
       Os dados aqui citados foram gerados em duas pesquisas das quais participamos e
as quais coordenamos: a primeira, uma pesquisa-ação em uma escola municipal do Rio
de Janeiro; a segunda, levada a cabo em escolas do sistema municipal de Petrópolis.
Ambas as pesquisas focalizaram apenas as quatro séries iniciais do ensino fundamental



                                                                                        2
e tiveram como principais instrumentos metodológicos entrevistas individuais e
coletivas, visitas, observação e análise de documentos.


           Primeira parte


           Pesquisa na Escola Olavo Bilac: quando a leitura é um hábito


           Os dados empíricos aqui mencionados provêm das conclusões de uma pesquisa-
ação na Escola Municipal Olavo Bilac1, localizada no Rio, na qual se desenvolvia um
projeto patrocinado pelo jornal O DIA, matutino popular, de preço baixo e grande
circulação. (Carvalho, Cavalieri e Ulup, 1999). O estudo, realizado nos anos letivos de
1997e 1998, tornou possível aprofundar a compreensão da cultura da escola, do lugar da
leitura no currículo, e das tensões existentes entre as professoras no que dizia respeito
aos usos da sala de leitura.
           O projeto O DIA na SALA de AULA previa a distribuição gratuita do jornal O
DIA a mais de quarenta escolas municipais do Rio de Janeiro. Para participar, as
professoras deveriam usar os jornais como material didático e comparecer aos encontros
e palestras periodicamente realizados pela empresa, nos quais eram apresentados os
trabalhos realizados pelos alunos. Prêmios eram atribuídos aos melhores trabalhos
inspirados pela leitura do jornal. Ao introduzir os jornais na escola, a empresa pretendia
criar um amplo programa de formação de jovens leitores, além de estimular a troca de
experiências sobre o uso do jornal na escola.
           Além da participação no projeto mencionado, a escola tinha ainda um outro
trunfo que poderia ser valioso para a formação de leitores: uma sala de leitura com um
bom acervo de literatura infantil e um número razoável de livros de pedagogia e
didática.
           Em relação ao uso da sala de leitura, foram observadas três diferentes fases.
Quando começou a pesquisa, a sala havia perdido sua função original, servindo como
depósito de material e só ocasionalmente aberta, para os alunos verem televisão e vídeo.
Num segundo momento, após a designação de uma professora responsável, a sala de
leitura foi recuperada e dinamizada, recebendo alunos para leitura livre, contação de
histórias, empréstimo de livros e outras atividades. Num terceiro momento, a
responsável pela sala teve que assumir uma turma, devido à falta de professoras; suas
1
    Nome fictício.


                                                                                        3
colegas não deram continuidade ao trabalho por ela iniciado, nem preservaram a
organização do espaço e do acervo. Pouco a pouco, a sala de leitura esvaziou-se de seu
novo sentido e retornou à função inicial de depósito de livros e sala de televisão. O
detalhamento deste processo será feito na segunda parte deste artigo.


       O mundo da leitura escolar


       Este trecho do diário de campo ilustra os procedimentos didáticos em aulas de
leitura, observadas durante a pesquisa, para as séries mais adiantadas (3ª e 4ª séries).

       Ao chegarmos à sala da 4ª série, a turma estava dividida em grupos de quatro, algumas
       crianças acompanhavam a leitura (da professora) em seus livros, ou junto com outro
       colega (nem todos haviam comprado o livro). Outras apenas ouviam, mas grande parte
       já estava distraída, conversando baixinho ou mexendo em objetos sobre a mesa. (...) a
       atividade já durava algum tempo e a hora do recreio se aproximava. Às vezes, a
       professora interrompia a leitura, esmiuçava o trecho que acabava de ler, na tentativa de
       “traduzir” o que poderia ser considerado difícil. Buscava também a participação da
       turma na interpretação de palavras ou trechos, mas nem sempre explorava as opiniões
       dos alunos. Ao finalizar a leitura, a professora partiu imediatamente para o destaque dos
       termos não compreendidos, escrevendo-os no quadro negro e pedindo que as crianças
       procurassem seus significados no dicionário. Lembrou que era necessário adequar o
       significado ao contexto da leitura; os significados considerados mais adequados foram
       escritos pela professora ao lado da palavra correspondente. Em seguida, a professora
       elogia as crianças que haviam procurado em casa o sentido das palavras mais difíceis.
       Avisou que para a próxima semana deveriam procurar em casa o significado de cada
       palavra sobre a qual tivessem dúvidas.

       Repertoriando os gestos de leitura escolar, registramos a leitura em voz alta pela
professora, o acompanhamento da leitura no livro pelo aluno, os comentários
interpretativos da professora e a ida ao dicionário como coroamento da lição de leitura.
A procura do significado de todas as palavras ignoradas no dicionário, visando não só a
compreensão imediata, a curto prazo, mas também o enriquecimento do vocabulário, era
ponto de honra de algumas professoras, mas causava evidentes dificuldades às crianças,
que justamente por não serem leitores proficientes, não conseguiam perceber qual das
várias acepções de um vocábulo era adequada ao contexto de leitura. Assim, a resposta
final sobre o sentido do termo procurado no dicionário era dada pela professora. As
estratégias de inferir o significado de um vocábulo pelo entorno lingüístico ou por
outras pistas semânticas sugeridas pelo autor não eram ensinadas às crianças,
possivelmente porque as próprias professoras as desconhecessem e julgassem que o
procedimento “correto” era lançar mão do dicionário logo que surgisse uma dúvida.



                                                                                              4
Quanto às atividades relacionadas com o jornal O DIA, por um lado não
observamos qualquer momento de discussão, ou simples comentário, sobre as notícias e
reportagens publicadas. Por outro lado, as crianças eram solicitadas a procurar, nos
textos jornalísticos, monossílabos, dissílabos, palavras acentuadas, plurais, e a recortar
fotos dos jornais para confeccionar cartazes.
        Assim, uma prática pedagógica corrente na Escola Olavo Bilac era usar o texto
como pretexto para o estudo da gramática, prática severamente criticada por Geraldi
(1997). O autor afirma que a produção de textos - e não o ensino de gramática
normativa - deve ser o ponto de partida e de chegada de todo o processo de
ensino/aprendizagem da língua.


        Confunde-se estudar a língua com estudar Gramática, e a gramática, tal qual de
        ordinário se cursa nas escolas, não só não interessa à infância (...) quanto aos benefícios
        que se lhe atribuem, se reduz a uma influência totalmente negativa, senão que, onde
        atua positivamente, é como elemento de antagonismo ao desenvolvimento intelectual do
        aluno. (p. 119)


        Nos relatórios parciais e no diário de campo2, há trechos de falas para ilustrar
como as professoras concebiam o papel da leitura. Dirigindo-se ora aos alunos, ora às
pesquisadoras que haviam desenvolvido atividades de leitura e escrita na sua turma,
durante um semestre letivo, a professora avaliou o que foi alcançado e deu conselhos às
crianças. Eis um trecho da fala da professora Silvia:3

        (...) é bom que vocês (os alunos) desenvolvam esse hábito de ler, qualquer coisa que
        seja, tanto faz livros como revistas, jornais, mas que vocês tenham esse hábito de
        leitura. Aqui, elas (as pesquisadoras) trabalharam mais diretamente com os livros, que
        também são muito importantes. Além de serem bons para contar histórias, de serem
        engraçados, também podemos, através dos livros, ter conhecimento das coisas. Então
        essa é uma das coisas mais importantes do trabalho que vocês (as pesquisadoras)
        desenvolvem, a questão de criar hábitos de leitura. Os alunos realmente melhoraram o
        hábito porque tiveram oportunidade de estar com os livros à mão, né? pra poder fazer a
        escolha, de poder levar os livros para casa. Então, é realmente muito importante esse
        hábito, esse gosto, despertar. Que vocês (alunos) permaneçam com esse hábito, no
        sentido que não só na escola mas em outros lugares que vocês forem, vocês vejam os
        livros, que vocês tenham o hábito de comprar livros. E a leitura desenvolve muito o
        crescimento, o crescimento cultural que a gente tem, a gente passa a fazer as coisas com
        muito mais facilidade se a gente tem o hábito de ler, se a gente lê com facilidade, a
        gente vai ter possibilidade de fazer mais trabalhos, de falar melhor, né? Então tudo isso
        vai acontecendo decorrente da leitura.


2
  Os textos citados foram retirados do relatório parcial de Flávia Salgado P. Góes, da equipe de pesquisa
intitulada Práticas de leitura e produção de texto no ensino fundamental.
3
  Nome fictício.


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A fala desta professora oferece uma síntese dos sentidos que presidiam a
exploração da leitura na sala de aula, ou os objetivos buscados no “trabalhar com
leitura”. A professora expressa, de modo enfático, o conceito de leitura como hábito, e
acrescenta que é um meio de aprender a falar melhor, algo que ajuda ater
conhecimento das coisas, a fazer mais trabalhos.
          O entendimento de que a leitura é um hábito que é preciso adquirir desde cedo é
bastante generalizado, dentro e fora do grupo do magistério, aparentemente sem
qualquer reflexão sobre o fato de que este “hábito” está relacionado com as condições
sociais e materiais de vida das pessoas. Os alunos da escola em questão eram pobres,
viviam modestamente, mas a professora sugeria criar o hábito de comprar livros, sem
mencionar existência de bibliotecas (havia duas bibliotecas públicas no bairro) nem a
sala de leitura da própria escola.
          Existe algo de hábito no comportamento de leitores proficientes? Sim. Alguns
indivíduos desenvolvem certos comportamentos habituais associados à leitura: ler numa
certa posição, num determinado lugar e a certa hora do dia, por exemplo, ler algumas
páginas antes de dormir, ou ler o jornal pela manhã. O leitor proficiente desenvolve
também automatismos que facilitam a leitura, como abranger, pelos movimentos
sacádicos dos olhos, grupos de palavras, em lugar de decifrar palavra por palavra
(Smith, 1989, p. 110). No entanto, como processo de instituição de sentidos, a leitura
exige operações mentais que não se pode reduzir a hábitos. Na complexa equação da
leitura, entram em jogo o leitor, seus objetivos de leitura, sua familiaridade, ou não com
o tema, sua história de leituras; o texto - seu autor, as condições em que foi produzido,
para atender a que objetivos, sua organização e estrutura, sua composição gráfica; a
situação de leitura, o local em que esta se realiza etc. (Kleiman, 1989; 1992, 1995).
Pensar a leitura principalmente como hábito é deixar de lado aspectos essenciais do ato
de ler.
          A propósito da leitura na escola, disse Martins (1989) 4:


          No âmbito escolar, o discurso sobre a importância da literatura e da formação o hábito
          de ler se transforma em prática pedagógica que, em geral, não abre espaço para refletir e
          discutir sobre a natureza e o desenvolvimento do processo de atribuição de sentido a um
          texto. E, embora se consiga ultrapassar o ato mecânico de decodificação do signo
          lingüístico, dificilmente são criadas condições para a formação de leitores efetivos.
          Muito menos se indaga a respeito da peculiaridade da recepção de textos pelas crianças.
          (p. 25)
4
 Para fins de pesquisa, Maria Helena Martins (1989) criou uma “salinha de leitura” fora da escola, e
observou o comportamento das crianças neste espaço alternativo.


                                                                                                  6
Na fala da professora Silvia, citada anteriormente, além da referência ao hábito
de ler, há elementos do discurso sobre a importância da literatura, a que se refere
Martins: a leitura é um meio de aprender e de crescer culturalmente; torna o indivíduo
mais apto para certos trabalhos (inclusive tarefas escolares) e mais preparado para
falar bem. Paradoxalmente, as atividades didáticas propostas pela Escola Olavo Bilac
pareciam não contribuir para alcançar estes objetivos, pois as crianças, na altura da 4ª
série, mal eram capazes de usar a leitura como instrumento para aquisição de
conhecimentos, ou de escrever algumas linhas.
       Batista (1998) registra e procura explicar a preocupação docente em usar a
leitura de maneira pragmática, como ponte para aquisição de conteúdos gramaticais e
outros, dos programas curriculares. Apresentando resultados de pesquisa com
professores de Português de Minas Gerais, afirma que muitos são, nas respectivas
famílias, os primeiros indivíduos a usufruírem de uma longa escolaridade. Seu capital
cultural é portanto modesto, tiveram pouco acesso a livros e jornais, raramente
freqüentaram bibliotecas. Foi na escola que se formaram como leitores, portanto, desde
sempre expostos à didatização da leitura que reina nas instituições escolares. Na vida
profissional, estes professores vão repetir os modelos de leitura a que foram submetidos,
ou seja, adotam práticas escolares que valorizam “o conteúdo” dos textos, enquanto que
as práticas não-escolares “acentuam a gratuidade, o desinteresse e a autonomia do
leitor”. Afirma Batista (1998, p.50):

       (...) tendo desenvolvido sua formação como leitores dependentes da escola, os
       professores devem à escola os instrumentos com base nos quais se apropriam dos textos,
       mesmo que as situações de leitura sejam não-escolares. Suas leituras são, desse modo,
       marcadas pela não-gratuidade, orientadas pela busca de um aprendizado ou ensinamento
       (...)


       Os achados de Batista confirmaram-se na pesquisa-ação em pauta e ajudaram-
nos a compreender porque algumas professoras que têm grande empenho em ensinar,
que acreditam no valor e na importância da escola pública, esforçam-se de todas as
maneiras para ajudar as crianças, mas, mesmo diante da evidência do fracasso escolar
constante, não modificam sua postura muito tradicional em relação à leitura e à escrita,
e mostram-se incrédulas quanto à necessidade de experimentar novas abordagens.
Paradoxalmente, não estão contribuindo para a formação de leitores, e possivelmente




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nem para a assimilação de conteúdos curriculares. Em suma, os mestres repetem sua
própria experiência de formação de “leitores escolares”.


          Programa Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE)5 e o prazer da leitura
literária


          Uma pesquisa realizada em Petrópolis (Carvalho, Silva e Silva, 2007) analisou a
recepção do Programa Nacional de Biblioteca Escolares 2005 (PNBE 2005), criado pelo
Ministério da Educação para incentivar a criação ou expansão de bibliotecas nas escolas
públicas brasileiras. Em 2005, o Programa visava a distribuição de livros de literatura
destinados a crianças de 6 a 12 anos, freqüentando as 4 primeiras séries do ensino
fundamental.
          Reconhecendo um quadro nacional adverso que inclui escassez de bibliotecas e
salas de leitura, má formação dos professores e dificuldades de acesso de crianças e
jovens aos livros, o Ministério da Educação criou projetos educacionais de amplo
alcance, como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Pró-
letramento e o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE), entre outros.

          Tendo sido criado em 1998, o PNBE em 2005 priorizou a distribuição de obras
literárias para crianças da 1a a 4a série, de diferentes gêneros, a saber: 1) poesias,
quadras, parlendas e cantigas; 2) contos, crônicas, teatro, textos de tradição popular,
mitologias, lendas, fábulas, apólogos, contos de fadas e adivinhas; 3)novelas (clássico,
terror, aventura, suspense, amor, humor) e 4) livros de imagem.
          Esse programa atingiu, pela primeira vez, todas as 136.934 escolas públicas
brasileiras que atendem as 4 séries iniciais do Ensino Fundamental. O número de títulos
que cada escola recebeu foi proporcional ao tamanho da matrícula, variando entre 20
títulos para as menores (de até 150 alunos) a 100 títulos para escolas com 700 alunos ou
mais. No Estado do Rio de Janeiro, foram beneficiadas 4 599 escolas, que em 2006
receberam 426 985 livros, ordenados em 22 080 acervos. Os livros distribuídos têm


5
    O Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE) assim é definido:
 (...) desde 1997, incentivando o hábito da leitura e o acesso à cultura junto aos alunos,
professores e a comunidade em geral mediante a execução do Programa Nacional Biblioteca da
Escola (PNBE). O programa consiste na aquisição e na distribuição de obras de literatura
brasileira e estrangeira, infanto-juvenis, de pesquisa, de referência além de outros materiais de
apoio a professores e alunos, como atlas, globos e mapas. (www.fnde.gov.br)



                                                                                               8
exatamente as mesmas características das edições originais, existentes no mercado, em
termos de qualidade do papel, da capa, da encadernação, da ilustração, etc.
        No caso do PNBE 2005, cujo foco foi exclusivamente a distribuição de obras de
literatura infantil para crianças das quatro séries iniciais, a primeira questão foi: que
livros escolher para crianças de 6 a 12 anos de todas as escolas públicas de um país tão
vasto e desigual como o Brasil? O que é um bom livro de literatura infantil segundo os
cânones literários e segundo a escola, ou seja, as professoras que vão apresentá-lo aos
alunos? Que posição acerca da qualidade literária deveria ser assumida pelos
especialistas e professores universitários que foram chamados para selecionar livros
para o PNBE 2005? A este respeito, Colomer (2003, p.164) afirma:


        A literatura infantil e juvenil que cumpra ambos os objetivos, o educativo e o literário,
        pode ser sancionada pelos adultos como literatura infantil e juvenil de qualidade. Trata-
        se das obras que Shavit (1986) qualifica de “literatura canônica”, ao ressaltar que
        qualquer sistema literário, tanto o de adultos como o infantil, diversifica-se em formas
        literárias canônicas e não-canônicas. A definição de literatura infantil e juvenil canônica
        “implica, pois, que este corpus deve ajustar-se aos critérios que os adultos têm sobre o
        destinatário infantil. Ou seja, deve basear-se em sua opinião, como responsáveis sociais
        da etapa educativa, do que lhes parece educativo e compreensível para crianças”.

        Assim sendo, o grupo de especialistas encarregado da seleção dos títulos
assumiu o pressuposto de escolher apenas obras de boa qualidade literária segundo os
critérios explicitados pelos especialistas do gênero, como Colomer (2003), Lajolo e
Zilberman (1999), entre outros.
        A pesquisa sobre a recepção do PNBE 2005, realizada em Petrópolis em 2006
envolveu um grupo de 13 professoras e 13 orientadoras pedagógicas, representando 10
escolas municipais, intencionalmente escolhidas, situadas em locais diferentes, como
zona favelizada, zona rural, centro da cidade e bairros de classe média; algumas eram
instituições de pequeno porte, com menos de 200 alunos, enquanto outras tinham
matrícula de 700 crianças, ou mais.
        No presente artigo, foi feito um recorte da pesquisa mais ampla6, abordando
apenas a maneira pela qual as professoras e orientadoras definem os objetivos da leitura
e na escola e quais são as condições de funcionamento das salas de leitura.
        Foram realizados dois grupos focais, um com professoras, e outro com
orientadoras pedagógicas, responsáveis pela execução da política de leitura do
6
    A pesquisa intitula-se Programa Nacional de Biblioteca na Escola - PNBE-2005:
seleção, escolha, acesso e apropriação do acervo em escolas do município de Petrópolis. Os objetivos
incluíam, entre outros, analisar concepções de leitura na escola; projetos, atividades, tempos e espaços de
leitura literária; registrar a avaliação das obras do PNBE 2005 recebidas pelas escolas.


                                                                                                         9
município nas escolas. Os temas tratados nos grupos focais foram: critérios de seleção
dos livros a serem apresentados às crianças; gêneros textuais considerados adequados
para as 4 primeiras séries; objetivos da leitura na escola; diferenças entre a leitura de
fragmentos de textos literários inseridos nos livros didáticos e a leitura integral de livros
de literatura infantil; recepção, guarda, acesso e avaliação dos livros do PNBE 2005.
       Eis um trecho da gravação do grupo focal em que se discutiu, entre outros temas,
critérios de seleção de livros. As professoras estão designadas como P1, P2, etc.,
enquanto as orientadoras estão sendo chamadas O1, O2, e assim por diante.


Entrevistadora: Como vocês escolhem um livro de literatura para apresentar às
crianças? Quais são os critérios utilizados?


P1: Se [a leitura] vai ser agradável e se as crianças vão gostar do livro.


P2: E também observar como que é a turma, o que eles gostam. Você tem que encantar,
olhar as ilustrações, o autor, quando a gente conhece a gente já sabe, vai direto naquele
autor, ver se está sendo apropriado, aproveitar o que está sendo falado em sala e alguns
problemas para se trabalhar alguns valores.


P3: As ilustrações também eu acho muito importante, porque principalmente com
crianças menores chamam muito atenção. Às vezes aquela leitura é cansativa, né? E às
vezes na própria gravura já chama mais atenção e ela já consegue entender o texto, de
repente no comecinho da Classe de Alfabetização que a criança ainda não sabe ler, né?
Que fique mais chamativo pra ela.


P4: Para os maiores também. Os maiores quando a gente lê pra eles, dizem: Ah, mostra
tia, deixa eu ver. Eles também pedem pra ver.


O1. É [bom livro] é o que mexe com os sentimentos, com a imaginação, que a leva
mesmo pensar que ela é capaz de produzir.


O2. Eu concordo, mas acho também que o bom livro de literatura infantil convida. O
bom livro, ele convida, ele te instiga, ele te dá aquela vontade de conhecer! A criança vê
e ela tem o desejo de abrir, de conhecer o que tem ali. O bom livro parte por aí.


                                                                                          10
Entrevistadora: Que tipo de livro é esse que dá vontade de abrir?


O3: É o livro que tem qualidade literária. Acho que é o livro que toca a subjetividade
afetiva. Ele vai tocar esse universo. Por isso ele é tão instigante!


O5: Que chame a atenção da criança, que faz com que ela se interesse pela história que
está nesse livro.


O9. Não só as figuras, mas acho que principalmente o título.


Entrevistadora: Um livro que convida, um livro que tem qualidade literária, um livro
que tem um título atraente, um livro que provoca a imaginação. Esse livro atraente, que
provoca a imaginação, como objeto material, como é? O que ele tem de bom?


O5: Dependendo a faixa etária, eu acredito que a criança fica seduzida com a imagem.
Se ele tem folhas coloridas, se ele tem boas ilustrações. O papel é importante para a
criança. Se ele tem formas diferentes de se apresentar, se ele abre alguma janela. Como
é que ele se apresenta, eu acho que para a criança chama muita atenção. Se ele é de
pano, se ele é de papel, se ele é de borracha. Acho que isso chama muita atenção
inicialmente. A capa eu acho que chama muita atenção, e dentro da capa não são apenas
as gravuras, mas como a C. colocou, o título. Como são essas letras no título? São
grandes? São pequenas? São desenhadas? A fotografia da autora, eu acho que também
interessa.


       Professoras e orientadores destacam como critério de qualidade para a escolha
do livro a possibilidade de o texto proporcionar uma experiência de leitura prazerosa; no
discurso, são usados os verbos encantar, instigar, convidar e expressões como mexer
com os sentimentos e com a imaginação, tocar a subjetividade afetiva. Embora os dois
grupos de profissionais - o das professoras e o das orientadoras – concordem quanto á
importância de ter prazer na leitura, gostar da história, etc., constatou-se uma diferença
sutil entre eles: as professoras parecem mais inclinadas a descobrir o que a criança
aceita e gosta, e a oferecer-lhes exatamente isso, enquanto as orientadoras parecem mais
propensas a apostar em livros com qualidade literária e bom projeto gráfico, isto é, não


                                                                                       11
querem apenas textos que fiquem ao nível das crianças, mas que apresentem algo de
novo. Isso provavelmente se deve à diferença de papéis profissionais que exercem:
enquanto as professoras lidam diretamente com as crianças, as orientadoras
pedagógicas, desempenhando funções de supervisão e formação continuada em serviço,
lidam diretamente com as professoras e só indiretamente com as crianças. Deve-se
também levar em conta que as orientadoras participantes dos grupos focais eram
sujeitos de um projeto municipal de formação continuada sobre leitura7.
        A orientadora O5 usou expressões como qualidade literária e projeto gráfico,
que não apareceram no discurso das professoras, o que sugere mais familiaridade com
termos próprios da literatura especializada. Detalhou aspectos do projeto gráfico,
destacando a importância da qualidade do papel, uso de materiais alternativos (pano,
borracha), recursos do tipo livro pop up (que abre uma janela), título, capa, cores,
tamanho das letras e informações relativas ao autor e ilustrador, inclusive suas fotos.
        A importância das ilustrações para as crianças pequenas, mas também para as
maiores, foi mencionada mais vezes e com mais ênfase pelas professoras do que pelas
orientadoras. A escolha pelos autores foi também mencionada por orientadoras e
professoras, mas o único nome citado foi o da escritora Ruth Rocha. Apenas uma
participante do grupo focal das professoras disse que procura conteúdos úteis para o
ensino e aproveita às vezes a literatura como recurso para ensinar valores. O papel
edificante da literatura na formação moral, que foi tão exaltado em outras épocas,
parece estar perdendo lugar, embora não se possa garantir que a prática pedagógica
corresponda ao discurso.


Em relação à questão apresentada no grupo focal das professoras “qual é o sentido
da literatura infantil na escola?” destacamos as seguintes respostas:


P13: Eu acho que existem vários objetivos. Eu acho que também existe ensinar alguma
coisa ao se trabalhar com o livro, mas eu penso também que o contato com o livro,
ouvir leituras e histórias vai propiciar à criança uma melhor maneira de se expressar,
também de estabelecer esse modelo de leitor, de produtor de textos.




7
 Projeto Além das Letras, da Prefeitura de Petrópolis, realizado no Centro de Capacitação em Educação
Frei Memória.


                                                                                                  12
P9: Formar hábito também, né? Principalmente porque na realidade delas, às vezes o
pai e a mãe dentro de casa não pegam no jornal para ler e a criança não tem esse
contato. E o único contato que ela tem é na escola. É o primeiro e o único porque
ninguém em casa tem esse hábito.


P2: É o que eu digo é a coisa do hábito mesmo você pegar diferentes tipos de leitura,
mas você também tem que criar isso. Eu não gosto de repente de ler uma poesia, um
texto mais elaborado literário, aquelas coisas assim, mas eu tenho que começar a criar
esse hábito para eu começar a passar isso pra eles. Gostando ou não eles têm que ter
esse contato. Eu acredito que é assim.


P9: Uma coisa que a gente está observando lá na escola é que nós temos uma professora
que ela não tinha o hábito da leitura e com a chegada dos livros, conforme eles foram
chegando ela olhou para os livros e começou a se interessar, abriu as caixas, a pegar, ela
não tem o trabalho de leitura e ela começou a gostar, a perguntar.


P7: Começou a descobrir a leitura. Isso também acontece com a criança.


P6: É também a própria experimentação. Porque assim... se a gente não experimenta o
novo, nós não podemos saber se gostamos ou não. Assim como eu não gosto de poesia
não será porque talvez ninguém tenha lido uma poesia pra mim tão bem?


PF: No começo do ano houve um projeto lá na escola de Manoel Bandeira (...) e acabou
que quem fez foi a 4ª série, a minha turma. Eu não imaginava encontrar em Manoel
Bandeira algo assim para a 4ª série, para crianças, mas como eles gostaram e até hoje
guardam algumas poesias. Só conhecendo para eles mesmos descobrirem e descobrindo
que vem o gosto. Melhor do que o hábito é o gosto mesmo, né? Não é apenas hábito,
tem que ter o hábito e gostar também da leitura.


       Nas falas das professoras aparece insistentemente a idéia de que a leitura é um
hábito, embora uma delas conclua dizendo Melhor do que o hábito é o gosto mesmo,
né? Não é apenas hábito, tem que ter o hábito e gostar também da leitura. Estão
presentes outros s conceitos já expressos pelas professoras na pesquisa da Escola Olavo
Bilac, ou seja, a leitura pode servir para aquisição de conhecimentos, e ajudar a criança


                                                                                       13
a se expressar melhor, a tornar-se leitora e produtora de textos. O papel da família na
formação do hábito é mencionado, mas tendo em vista a modesta situação sociocultural
dos alunos, não é provável que tal aconteça.


       Segunda parte


       Salas de leitura


       Examinamos aqui as condições observadas nas salas de leitura, começando pela
Escola Olavo Bilac.
       Ao chegarmos à escola para iniciar a pesquisa-ação, encontramos a sala de
leitura fechada, reduzida à condição de depósito de livros, centenas deles amontoados
sobre mesas cobertas de plástico e estantes precárias. Um armário continha materiais
didáticos de matemática, em bom estado, além de livros novos, enviados pela Secretaria
Municipal de Educação, ainda não registrados (o registro consistia em anotar os dados
num caderno de capa dura). No centro da sala, num pequeno espaço livre, viam-se
algumas cadeiras colocadas em fila, diante de um aparelho de televisão, um vídeo e um
aparelho de som. Pelos cantos, mapas velhos enrolados, fantoches e brinquedos em mau
estado, restos de “experiências científicas”, papéis e lixo.
       Oficialmente, havia uma professora responsável pela sala de leitura, mas esta
desempenhava tarefas administrativas na Secretaria, de modo que, na prática, não havia
quem se ocupasse daquele espaço. Quando uma das professoras desejava levar os
alunos para ver televisão, retirava a chave que era guardada na Secretaria.
       Propusemos à direção limpar, reorganizar e dinamizar a sala de leitura, o que nos
foi concedido, sem maior entusiasmo. Pretendíamos começar as atividades em parceria
com duas professoras, nossas principais interlocutoras na pesquisa-ação, com a
expectativa de mais tarde abrir a sala para toda a escola.
       O acervo, que parecia ter sido constituído há pelo menos duas décadas, era
variado, de boa qualidade, e muito representativo da literatura infantil nacional, a partir
dos anos 50. Havia também um pequeno número de obras destinadas a professores e
livros de referência e de consulta. A maior parte dos livros tinha fichas de empréstimo
corretamente colocadas nas respectivas capas. Um exame do material acumulado
deixava entrever momentos diferentes do uso da sala: além dos livros, havia fantoches e



                                                                                        14
máscaras que haviam servido para dramatizações infantis. A presença poderosa da
televisão, do vídeo e do aparelho de som, no lugar de honra, era a marca dos anos 90.
        Limpa e organizada a sala pela equipe de pesquisa, começamos a realizar
atividades de leitura e produção de textos. Que mudanças buscamos instaurar em
relação ao que tínhamos observado? Quais foram nossos pressupostos? Com que
modelo de leitura estávamos trabalhando?
        Em primeiro lugar, buscávamos uma forma de re-significar a leitura para as
crianças, tornando-a menos “escolar” e mais voltada para a interação entre o leitor e o
autor, via texto (Kleiman, 1989). Em lugar de fazermos todas as crianças
acompanharem a leitura de um único texto, como era regra nas salas de aula,
propusemos um leque mais amplo de escolhas. As crianças tinham livre acesso aos
livros, podiam escolhê-los, manipulá-los, iniciar uma leitura para logo depois
interrompê-la. Consideramos importante estimular o contato visual e tátil com os livros,
primeira forma infantil de aproximação com o objeto. Muitas crianças ficaram em
estado de grande agitação nas primeiras vezes em que entraram na sala da leitura,
devido principalmente à falta de familiaridade com a situação e à excitação da
descoberta de tantos livros coloridos, atraentes, alguns deles articulados ou com
formatos insólitos, mas os limites foram respeitados e não houve danos ao acervo.
        Em relação às atividades de leitura desenvolvidas, buscamos principalmente
criar espaços para a expressão de preferências dos leitores, para o prazer de ouvir a
leitura de histórias, para livre atribuição de sentidos aos textos literários e para a
formação de “redes” para empréstimo de livros, e troca de opiniões e comentários entre
leitores. Convidamos as duas professoras, a quem estamos chamando interlocutoras,
para assistirem às atividades, trocamos idéias e tentamos criar uma ponte entre as
atividades da sala de leitura e as da sala de aula. Houve alguma interação, mas também
muita dificuldade para estabelecer um diálogo mais aprofundado, tanto por motivos
práticos - falta de tempo devido à dupla matrícula8 das professoras - quanto por
divergências conceituais. À época, pensávamos que estas divergências poderiam ser
resolvidas à medida que o trabalho avançasse, mas elas se revelaram mais profundas do
que esperávamos.
        A equipe de pesquisa não podia manter a sala permanentemente aberta, em
regime de funcionamento regular, disponível para todas as turmas da escola. Nossa

8
 Dupla matrícula significa que a professora trabalha em dois turnos consecutivos ( manhã e tarde), às
vezes em escolas diferentes.


                                                                                                  15
presença na escola não era suficiente para atender a todas as turmas; para que isso fosse
possível, era preciso que fosse designada uma professora responsável pela sala, o que
finalmente veio a ocorrer.
       Com vasta experiência anterior de sala de leitura, a responsável novamente
limpou e reorganizou o acervo, fez reuniões com o corpo docente, ofereceu-lhe seus
préstimos para procurar material para as “pesquisas escolares”, estabeleceu um
cronograma para atender às turmas. Fez um plano anual de trabalho, ligado às
comemorações de datas especiais, que ocupam lugar importante na rotina do ensino
fundamental: Dia das Mães, do Índio, da Árvore, do Folclore, etc. Para estes eventos,
ofereceu assessoria, sugeriu e forneceu textos. A sala de leitura passou a ficar aberta
durante o recreio, para acolher as crianças que desejassem ver televisão, ler ou levar
livros emprestados.
       Embora alguns alunos pré-adolescentes tentassem desafiar as regras de
convivência estabelecidas pela responsável - zelo com os livros, proibição de comer,
gritar e correr - o fato é que as reações dos alunos foram, em geral, muito positivas. Os
empréstimos de livros se multiplicaram, a responsável estava sempre cercada de
crianças curiosas e o ambiente agradável da sala de leitura era nitidamente diferente do
restante da escola, tanto do ponto de vista material quanto da atmosfera social.
       Os entraves que perturbaram esta situação aparentemente ideal foram de duas
ordens: administrativa e interpessoal.
       Em primeiro lugar, duas turmas ficaram temporariamente sem professoras e a
orientação da Secretaria Municipal de Educação (SME) foi que a responsável pela sala
de leitura assumisse uma delas. Isto causou-lhe grande desapontamento, pois significava
prejudicar todo o seu trabalho. Além do mais, tratava-se de uma turma de 1ª série, e ela
não tinha experiência de alfabetização. Ainda assim, assumiu a tarefa, contando que
seria liberada em breve. Efetivamente o foi, mas, logo a seguir, ordenaram-lhe que
assumisse outra turma. Nova decepção, nova acomodação, outras responsabilidades.
Nos intervalos dessas idas e vindas, a sala de leitura perdeu sua atmosfera de ordem e
cuidado, ficou novamente suja, com lixo pelo chão, as cadeiras dispostas em frente à
televisão, os livros desorganizados. A responsável tentou mais uma vez recuperar a sala
de leitura, mas já então suas relações interpessoais com as colegas apresentavam
problemas.
       De que se queixava a responsável e que pontos de atrito apareceram?



                                                                                      16
De modo geral, a responsável achava que as colegas não respeitavam nem
valorizavam seu trabalho. Aceitavam sua presença apenas porque queriam gozar de
algum tempo livre enquanto suas turmas tinham atividades programadas na sala de
leitura; não obstante vários convites, não assistiam a essas atividades. Na sua ausência,
voltavam a usar o espaço exclusivamente como sala de televisão e vídeo, sem dar
continuidade ao trabalho com leitura; não controlavam o comportamento dos alunos,
que ocasionalmente sujavam a sala, desarrumavam as estantes e danificavam o acervo.
       Vivendo uma situação de grande mal estar profissional, a responsável pela sala
de leitura refugiou-se numa atitude defensiva, declarando que daí por diante iria limitar-
se a cumprir suas obrigações, sem mais esperança de envolver a comunidade na
revitalização e recuperação das funções da sala de leitura.
       De que maneira nós, da equipe de pesquisa, nos situamos em relação a estes
problemas? Havia ali um padrão recorrente: o que se fazia na sala de leitura não
encontrava eco nas salas de aula, pois se tratava de um outro modo de entender,
trabalhar, usar e propor a leitura. Em conseqüência, dificilmente a escola reconheceria a
sala de leitura como um espaço educativo importante, em que ocorreria uma iniciação à
leitura mais produtiva e enriquecedora, para crianças de condição social muito modesta,
que pouca familiaridade tinham com livros, não freqüentavam livrarias nem bibliotecas.
Pela via da literatura infantil, havíamos esperado criar um tipo de relação com os livros
mais aberta. Nossa atividade de pesquisadoras sobre leitura nos levava a esperar muito
desta sala, mas constatamos que nem a existência de condições materiais adequadas,
nem a chegada de uma experiente e entusiasmada responsável eram suficientes para
mudar pontos de vista profundamente arraigados.

       Mais uma vez transcrevo um trecho do diário de campo:
       Ao chegarem à sala de leitura, os alunos foram logo sentando-se nas cadeiras
       enfileiradas de frente para os aparelhos de televisão e vídeo. Após alguns minutos de
       burburinho, conversamos sobre as mudanças que estavam ocorrendo na sala de leitura:
       organização prejudicada, empréstimo/ devolução praticamente estagnados, afastamento
       da professora X (a responsável pela sala) das atividades que até então vinha
       desenvolvendo com as turmas da escola. Explicando que a professora X tinha assumido
       o lugar de uma professora em licença, informamos que a sala de leitura voltaria a
       funcionar assim que o problema fosse solucionado. E numa tentativa mais simbólica do
       que eficaz de preservar a sala de leitura, pois estávamos cientes de que para funcionar
       plenamente uma sala de leitura precisa mais do que ‘aparências’, pedimos aos alunos
       que rearrumassem as mesas e cadeiras em grupos, como estavam originalmente.


       Em suma, a sala de leitura não era reconhecida pela administração e pelo corpo
docente como um espaço educativo importante e legítimo. Constatamos que as


                                                                                           17
professoras regentes e a responsável pela sala de leitura tinham convicções diversas a
respeito do que se deve ler, de que maneira, e com que objetivos. As práticas de leitura
escolar adotadas pelas professoras nas salas de aula, baseadas nos conceitos de leitura
como hábito e como instrumento para aquisição de conhecimentos, entravam em
choque com a proposta de facilitação da leitura independente, autônoma e prazerosa que
era prevalecente na sala de leitura.
       Passemos a seguir a examinar a situação das salas de leitura em algumas escolas
de Petrópolis, em 2007.
       Em 2 das 7 escolas visitadas, existem salas de leitura. Ambas são escolas recém
reformadas, aprazíveis, em excelente estado de conservação. Uma delas possui uma
verdadeira biblioteca, com acervo extenso (várias enciclopédias, muitas coleções de
grandes autores nacionais e estrangeiros, obras científicas), obtido graças a doações da
comunidade no entorno da escola, uma área com grandes mansões e casas de veraneio.
Embora possua certo valor literário, ou histórico, a maior parte do acervo
provavelmente não será utilizado pelas crianças de 1ª a 4ª série, devido à inadequação
dos títulos. A outra escola, situada em área carente, tem uma sala de leitura grande e
bem decorada, mas o acervo bibliográfico é modesto; poderá crescer com a chegada de
livros recebidos do PNBE e de doações do governo estadual. Nessas duas escolas, há
espaços privilegiados que convidam à leitura, com mobiliário adequado, estantes,
cadeiras e mesas; no entanto, não há professoras responsáveis pelas salas.
       Nas outras 5 escolas, as condições são heterogêneas. A falta de salas de leitura
obriga professoras e orientadoras a guardarem os livros em locais improvisados: no
refeitório, na sala dos professores, no alto dos armários da sala da direção, ou num
depósito em que se misturam livros, material didático, sucata, produtos de limpeza, etc.
Numa pequena escola, as estantes de livros estão localizadas no refeitório, próximas às
mesas em que merendam os alunos, mas o ambiente é acolhedor, os alunos procuram os
livros e usam efetivamente o acervo. Os livros recebidos do PNBE 2005 estavam nesse
refeitório, guardados num armário, mas as professoras se encarregavam de levá-los para
as salas e lê-los para as crianças. Noutra escola existe uma pequena sala com três
estantes, mas não é uma sala de leitura: não há mesas nem cadeiras, é apenas um local
para guarda dos livros.
       A situação menos favorável é a da escola em que livros estão guardados num
depósito, junto com materiais de consumo, sucata, papéis, etc. Nessa escola há apenas



                                                                                      18
alguns livros expostos numa estante na sala dos professores, mas as salas de aula
contam com cantinhos de leitura.
       Seja nas salas de leitura, ou em espaços improvisados, os livros estão
classificados, seja por gênero, seja em função da faixa etária dos leitores. As professoras
usam um sistema de cores para uma rápida identificação do livro pelas crianças (por
exemplo, etiqueta branca para poesia, vermelha para contos etc.)
       Mais frequentemente, só as professoras têm acesso aos livros recebidos do
PNBE 2005. As crianças têm acesso por via indireta. As professoras temem que as
crianças estraguem os livros, por isso relutam em emprestá-los. Os livros circulam entre
as professoras, que escolhem alguns títulos para lerem na sala de aula durante a semana
(Projeto Leitura em Voz Alta). Na semana seguinte, as trocas são feitas entre
professoras.
       É difícil para as professoras, já sobrecarregadas com múltiplas tarefas,
controlarem o acesso aos livros, fazerem anotações nos cadernos de empréstimo,
recuperarem os livros perdidos ou avariados, etc. Assim, não há circulação ou
empréstimo de livros para a comunidade.


       Conclusões


       Na primeira pesquisa, realizada na Escola Olavo Bilac, o discurso predominante
era que a leitura é um hábito e um instrumento para aquisição de conhecimentos, para
fazer trabalhos escolares, para falar melhor.
       Na segunda pesquisa, constatou-se que o discurso sobre a leitura como
instrumento de aprendizagem de conteúdos, ou como hábito a ser inculcado pela escola,
continua presente, mas está cedendo lugar ao discurso sobre a leitura como fruição,
fonte de prazer para o leitor. Nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a
escolha de leituras pelas professoras obedece principalmente ao pressuposto segundo o
qual as histórias oferecidas ás crianças devem antes de tudo diverti-las, entretê-las, e
proporcionar-lhes momentos agradáveis. Para isso, devem ser escritas em linguagem
simples e acessível e trazer belas ilustrações. O pressuposto é que assim se formará o
gosto pela leitura, e que o prazer de ler acompanhará o aprendiz ao longo de sua
trajetória escolar, sejam quais forem os textos que lhe forem apresentados.
       Trata-se de um pressuposto equivocado. Há diferentes modos de ler, segundo
natureza do material de leitura, os objetivos do leitor, as condições de produção da


                                                                                        19
leitura. Ler para documentar-se, para descobrir informações, para aprender conteúdos
escolares, como preparação para escrever algo etc. são modalidades distintas de leitura,
igualmente válidas e importantes na vida social, tanto quanto ler para divertir-se ou
regalar-se na fruição da obra literária. A escola deve levar em conta que nem toda
leitura é prazerosa; pode ser também uma operação mental difícil, que exige repetidos
esforços do leitor.
       O que está sendo feito para mostrar os diferentes caminhos da leitura? Estará a
escola correndo o risco de banalizar o ato de ler, levando os jovens leitores a acreditar
que a leitura é uma vigem sem mapa nem documentos?
       A chamada “leitura escolar” tem sido objeto de estudo de vários lingüistas, entre
os quais Kleiman (1989, 1992, 1995). Ensinar a ler com compreensão, segundo a
autora, não significa impor uma leitura única, aquela do professor, pois a compreensão é
altamente subjetiva e cada leitor aborda o texto a partir de sua experiência de mundo,
seu conhecimento do assunto, seu momento existencial. Isto, no entanto, não significa
que não há nada a ser ensinado quando se ensina a leitura. Muito ao contrário, uma
compreensão teórica do ato de ler e algum conhecimento de Lingüística são, para
Kleiman, indispensáveis ao professor. Afirma a autora:

       Para criar essa atitude (de busca da compreensão) frente ao texto devemos, por um lado,
       sensibilizar a criança para os traços lingüísticos que servem de suporte à reconstrução
       do quadro referencial proposto pelo autor, isto é, aqueles traços que salientam,
       hierarquizam informações, e que funcionam no nível macroestrutural de texto, como
       macroconectivos, ou predicações que marcam a linha temática. Por outro lado, mais
       importante é criar condições na sala de aula para que a criança interaja globalmente
       com o autor via texto.

       Ainda segundo Kleiman (1989, p.151-155),
       As práticas mais comumente usadas em sala de aula são inibidoras do desenvolvimento
       da capacidade de compreensão, a saber: a leitura em voz alta para verificar se houve
       compreensão; a leitura sem orientação prévia e sem objetivo definido; as práticas de
       leitura que visam a automatismos e não criam condições para que a criança reconstrua
       o sentido global do texto; a escolha de livros didáticos cujos textos são falhos em
       matéria de coerência e legibilidade; as aulas centradas no ensino de vocabulário (um dos
       objetivos mais enfatizados da leitura escolar), obedecendo a princípios metodológicos
       inadequados e inconsistentes com o modelo de leitura como interação entre leitor e
       autor via texto.


       Kleiman sugere que o ensino de leitura deveria seguir alguma forma de
sistematização e intervenção, baseada em pressupostos teóricos bem fundamentados,
pois não basta deixar o aluno entregue à própria sorte, construindo livremente seu
repertório de leituras, na expectativa de que, em certo momento de sua trajetória,


                                                                                            20
transforme-se magicamente em leitor proficiente. A intervenção inteligente do professor
no processo de formação de leitores passaria por diversos pontos, incluindo a escolha de
textos que reunissem condições de coerência, alto grau de legibilidade e interesse dos
pequenos leitores; o ensino de estratégias de predição de significados; a adaptação do
modo de ler (leitura oral ou silenciosa, leitura intensiva e detalhada ou leitura
superficial, rápida, etc.) aos objetivos do leitor em determinada ocasião. Neste ponto,
esbarramos no problema, já bastante debatido, da precária formação do professor, de
sua escassa familiaridade com a leitura, da sua descrença em relação a propostas
didáticas que estão na contramão de sua própria experiência de leitores “escolares”.
        Retomando a pesquisa na Escola Olavo Bilac, tentamos demonstrar que quando
existe um divórcio entre conceitos de leitura em curso na escola, a sala de leitura não
ganha status de espaço educativo importante, nem é apoiada pela direção e pelo corpo
docente, que deveriam partilhar a responsabilidade pela sua dinâmica e preservação.
Assim, permanece como uma espécie de apêndice irrelevante, da vida escolar “séria”.
        Comparando o que se fazia nas salas de aula e o que se propunha na sala de
leitura, constatamos que nesta última havia uma outra postura em relação “aos direitos
dos leitores”: estímulo à leitura silenciosa de livros escolhidos pelas próprias crianças,
liberdade para comentar, ou não, o que haviam lido, sem ter que responder a exercícios
e questionários; possibilidade de confrontar sua leitura com a de outros colegas, além do
prazer de ouvir histórias e ler poesia. Supomos que, para o sucesso de uma sala de
leitura, é preciso que não haja tamanhas diferenças entre o que se realiza ali e o que se
pratica nas salas de aula, mas isto é mais fácil de dizer do que de alcançar.
        Em relação à pesquisa realizada em Petrópolis, o principal problema a apontar é
que são poucas as salas de leitura existentes9 e as que existem não podem funcionar
plenamente porque não há professoras encarregadas da guarda e empréstimos dos
livros, nem dinamização de atividades que ali se pode e deve desenvolver, como
projetos literários, exposições, hora do conto, etc.
        Argumentamos que a instalação de novas salas de leitura, sem a designação de
professores responsáveis, é uma medida equivocada. É possível pensar a sala de leitura
efetivamente integrada à vida escolar, como espaço de enriquecimento da leitura de
alunos e professoras? Que condições seria preciso reunir para que esta proposta se
tornasse realidade?

9
  Dentre as 182 escolas municipais de ensino fundamental existentes em 2006, 62 possuíam salas de
leitura ou bilbiotecas.


                                                                                              21
As salas de leitura deveriam ter tratamento privilegiado das autoridades, tanto do
ponto de vista da reposição e atualização do acervo, quanto de respeito ao trabalho dos
que ali trabalham, os quais não deveriam ser afastados de suas funções para substituir
colegas licenciados. A descontinuidade das atividades é fonte de perturbação dos
usuários da sala de leitura e reforça a impressão de que esta constitui um mero apêndice
da vida escolar.
       Concluindo, afirmamos que o PNBE é uma valiosa política de distribuição de
livros, mas não é, nem pretende ser, uma política de leitura. Cabe ao município criar
essa política, condições objetivas para melhorar o acesso à literatura na escola –
organizar salas de leitura e designar professores para organizá-las e dinamizá-las,
desenvolver projetos de formação continuada de professores, criar eventos como feiras
e exposições de livros. Para que as escolas promovam a leitura e que os livros sejam
efetivamente lidos pelas crianças, não basta que estes sejam distribuídos: se os acervos
não forem conhecidos, valorizados e explorados pelo corpo docente, correm o risco de
permanecerem ignorados, trancados em armários, empoeirados nas prateleiras. Neste
sentido, não se pode ignorar o papel crucial dos professores como mediadores da leitura
na escola; Não basta investir grandes somas na distribuição gratuita de livros, é preciso
saber se e como estão sendo recebidos, avaliados, apropriados por alunos e professores.


Referências bibliográficas
BATISTA, Antonio Augusto Gomes. Os professores são não-leitores? In: MARINHO,
      Marildes e SILVA, Ceris Salete R. da (orgs.). Leituras do professor. Campinas,
      SP: Mercado de Letras, Associação de Leitura do Brasil, 1998.
CARVALHO, Marlene, SILVA, Janaína Martins e SILVA, Anderson Barbosa da.
      Programa     Nacional     de    Biblioteca   na    Escola     -   PNBE-2005:
      seleção, escolha, acesso e apropriação do acervo em escolas do município de
      Petrópolis. Faculdade de Educação, Universidade Católica de Petrópolis.
      Relatório de pesquisa, nov. 2007 (documento de circulação interna).
CAVALIÉRI, Ana Maria, CARVALHO, Marlene A. de O., ULUP, Lilian. Práticas de
      leitura e produção de texto no ensino fundamental. Relatório de pesquisa.
      Faculdade de Educação, UFRJ, mar. 1999 (documento de circulação interna).
CHARTIER, Anne Marie e HÉBRARD, Jean. Discursos sobre a leitura – 1880-1980.
      São Paulo: Ática, 1995.



                                                                                      22
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     Brasileira de Educação. ANPED, n. zero, set-dez 1995, p. 17-52.
______. Alfabetização e formação dos professores da escola primária. Revista
     Brasileira de Educação. ANPED, n. 8, mai.-ago., 1998.
COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário. Narrativa infantil e juvenil atual.
     São Paulo: Global Editora, 2003.
GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
     1997.
KLEIMAN, Angela (org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre
     a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995.
______. Texto e leitor. Aspectos cognitivos da leitura. 2ª edição. Campinas, SP: Pontes,
     1992.
______. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 1989.
LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. 3. ed. São
     Paulo: Ática, 1999.
MARTINS, Maria Helena. Crônica de uma utopia. Leitura e literatura infantil em
     trânsito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.
SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüistica da leitura e do
     aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.




                                                                                     23

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Texto Marlene Carvalho

  • 1. Ler para aprender conteúdos, ler por hábito, ou pelo prazer de ler: novas e velhas concepções de leitura no currículo do ensino fundamental Marlene Carvalho – UCP O que se diz e o que se pensa sobre a leitura na escola? Que mudanças é possível detectar no discurso sobre leitura de professoras e orientadoras pedagógicas? Que efeitos tem a criação de salas de leitura sobre a formação de leitores? Como se dá o funcionamento destas salas? Estes espaços cumprem o papel que lhes é destinado? Diferentes discursos sobre a leitura podem coexistir no mesmo lugar e tempo histórico, dependendo de interesses e necessidades de grupos em confronto. Chartier e Hébrard (1995) analisaram discursos sobre a leitura produzidos na França entre 1880 e 1980, apontando que os modos pelos quais a leitura era compreendida e o lugar que lhe cabia na vida social eram diferentes, segundo a origem dos discursos. Nas primeiras décadas do século XX, a Igreja Católica recomendava moderação e prudência na escolha das leituras, por temer que textos mal escolhidos pervertessem as mentes de crianças e adultos. Seria preferível menos leitura a leituras abundantes, porém perniciosas. A escola republicana desejava difundir a leitura útil e instrutiva, que contribuísse para a formação de cidadãos politicamente esclarecidos. Tanto os pedagogos quanto as autoridades da Igreja viam a leitura como instrumento para a formação de determinado tipos de indivíduos, mas preconizavam textos e práticas leitoras diversas. Em meados do século XX, apareceu o discurso liberal dos bibliotecários, que pregavam a liberdade de escolha do leitor, o direito à leitura prazerosa e a mudança do caráter sisudo das bibliotecas. Esta nova posição ganhou força e legitimidade: atualmente as obras de literatura infantil de caráter moralizante e conteúdo nitidamente pedagógico estão perdendo lugar na preferência de muitos pesquisadores, educadores e críticos literários. Já se admite que crianças e jovens tenham direito à escolha de textos e busquem prazer na leitura. Isso não significa que a antiga aliança entre pedagogia e literatura infantil esteja rompida, mas há uma tendência no sentido de buscar produções que ofereçam aos jovens leitores a invenção e a beleza da linguagem literária, sem incorrer na infantilização, no pedagogismo. As histórias destinadas ao público infantil não são apenas aquelas centradas em animais, seres e objetos mágicos, vida na fazenda e no circo, modelos de bons meninos e meninas etc. Autores como Ligia Bojunga, Ruth 1
  • 2. Rocha, Fernanda Lopes de Almeida, Ana Maria Machado, Bartolomeu Campos de Queirós, entre outros, escreveram livros que abordam temas complexos como relações em família, crescimento, afirmação da identidade, gênero, raça, relações de poder em casa e na escola, e também problemas e injustiças sociais. Os autores citados tratam temas considerados difíceis de maneira simbólica, acessível ao entendimento das crianças. De fato, a literatura infantil brasileira oferece um acervo importante de obras de qualidade, nem sempre conhecidas pelos professores e alunos, que poderiam servir de base para a formação do gosto literário. Isso não significa, no entanto, que a produção de literatura infantil se enquadre sempre em altos padrões. Ano após ano, editoras continuam a publicar centenas de títulos sem qualquer valor literário, livros de péssima qualidade gráfica, versões e adaptações apressadas de obras estrangeiras, um verdadeiro lixo editorial que continua ser vendido e consumido, inclusive nas escolas. Na primeira parte deste artigo, procuramos analisar o discurso das professoras sobre a leitura, distinguindo três conceitos: a leitura como hábito, como instrumento para aquisição de conhecimentos e como fruição, fonte de entretenimento e prazer. Na segunda parte, descrevemos a organização e disponibilização dos acervos nas escolas, em salas de leitura ou em outros espaços improvisados e/ou adaptados; discutimos como se dá o funcionamento destas salas e quais são os seus limites e possibilidades. Nas conclusões, argumentamos que por mais importante que seja a fruição da leitura, o prazer da leitura literária, agora descobertos e enfatizados pelas professoras, estas têm que preparar os alunos para a leitura como estudo. Ao privilegiar o prazer da leitura, a escola corre o risco de deixar em segundo plano importantes facetas da formação de leitores. A base teórica do trabalho encontra-se nos trabalhos sobre leitura literária, escolarização da literatura e formação de leitores dentro e fora da escola realizados por Batista (1998), Colomer (2003), Chartier (1995, 1998), Kleiman (1989, 1992, 1995), Lajolo e Zilberman (1999), entre outros. Os dados aqui citados foram gerados em duas pesquisas das quais participamos e as quais coordenamos: a primeira, uma pesquisa-ação em uma escola municipal do Rio de Janeiro; a segunda, levada a cabo em escolas do sistema municipal de Petrópolis. Ambas as pesquisas focalizaram apenas as quatro séries iniciais do ensino fundamental 2
  • 3. e tiveram como principais instrumentos metodológicos entrevistas individuais e coletivas, visitas, observação e análise de documentos. Primeira parte Pesquisa na Escola Olavo Bilac: quando a leitura é um hábito Os dados empíricos aqui mencionados provêm das conclusões de uma pesquisa- ação na Escola Municipal Olavo Bilac1, localizada no Rio, na qual se desenvolvia um projeto patrocinado pelo jornal O DIA, matutino popular, de preço baixo e grande circulação. (Carvalho, Cavalieri e Ulup, 1999). O estudo, realizado nos anos letivos de 1997e 1998, tornou possível aprofundar a compreensão da cultura da escola, do lugar da leitura no currículo, e das tensões existentes entre as professoras no que dizia respeito aos usos da sala de leitura. O projeto O DIA na SALA de AULA previa a distribuição gratuita do jornal O DIA a mais de quarenta escolas municipais do Rio de Janeiro. Para participar, as professoras deveriam usar os jornais como material didático e comparecer aos encontros e palestras periodicamente realizados pela empresa, nos quais eram apresentados os trabalhos realizados pelos alunos. Prêmios eram atribuídos aos melhores trabalhos inspirados pela leitura do jornal. Ao introduzir os jornais na escola, a empresa pretendia criar um amplo programa de formação de jovens leitores, além de estimular a troca de experiências sobre o uso do jornal na escola. Além da participação no projeto mencionado, a escola tinha ainda um outro trunfo que poderia ser valioso para a formação de leitores: uma sala de leitura com um bom acervo de literatura infantil e um número razoável de livros de pedagogia e didática. Em relação ao uso da sala de leitura, foram observadas três diferentes fases. Quando começou a pesquisa, a sala havia perdido sua função original, servindo como depósito de material e só ocasionalmente aberta, para os alunos verem televisão e vídeo. Num segundo momento, após a designação de uma professora responsável, a sala de leitura foi recuperada e dinamizada, recebendo alunos para leitura livre, contação de histórias, empréstimo de livros e outras atividades. Num terceiro momento, a responsável pela sala teve que assumir uma turma, devido à falta de professoras; suas 1 Nome fictício. 3
  • 4. colegas não deram continuidade ao trabalho por ela iniciado, nem preservaram a organização do espaço e do acervo. Pouco a pouco, a sala de leitura esvaziou-se de seu novo sentido e retornou à função inicial de depósito de livros e sala de televisão. O detalhamento deste processo será feito na segunda parte deste artigo. O mundo da leitura escolar Este trecho do diário de campo ilustra os procedimentos didáticos em aulas de leitura, observadas durante a pesquisa, para as séries mais adiantadas (3ª e 4ª séries). Ao chegarmos à sala da 4ª série, a turma estava dividida em grupos de quatro, algumas crianças acompanhavam a leitura (da professora) em seus livros, ou junto com outro colega (nem todos haviam comprado o livro). Outras apenas ouviam, mas grande parte já estava distraída, conversando baixinho ou mexendo em objetos sobre a mesa. (...) a atividade já durava algum tempo e a hora do recreio se aproximava. Às vezes, a professora interrompia a leitura, esmiuçava o trecho que acabava de ler, na tentativa de “traduzir” o que poderia ser considerado difícil. Buscava também a participação da turma na interpretação de palavras ou trechos, mas nem sempre explorava as opiniões dos alunos. Ao finalizar a leitura, a professora partiu imediatamente para o destaque dos termos não compreendidos, escrevendo-os no quadro negro e pedindo que as crianças procurassem seus significados no dicionário. Lembrou que era necessário adequar o significado ao contexto da leitura; os significados considerados mais adequados foram escritos pela professora ao lado da palavra correspondente. Em seguida, a professora elogia as crianças que haviam procurado em casa o sentido das palavras mais difíceis. Avisou que para a próxima semana deveriam procurar em casa o significado de cada palavra sobre a qual tivessem dúvidas. Repertoriando os gestos de leitura escolar, registramos a leitura em voz alta pela professora, o acompanhamento da leitura no livro pelo aluno, os comentários interpretativos da professora e a ida ao dicionário como coroamento da lição de leitura. A procura do significado de todas as palavras ignoradas no dicionário, visando não só a compreensão imediata, a curto prazo, mas também o enriquecimento do vocabulário, era ponto de honra de algumas professoras, mas causava evidentes dificuldades às crianças, que justamente por não serem leitores proficientes, não conseguiam perceber qual das várias acepções de um vocábulo era adequada ao contexto de leitura. Assim, a resposta final sobre o sentido do termo procurado no dicionário era dada pela professora. As estratégias de inferir o significado de um vocábulo pelo entorno lingüístico ou por outras pistas semânticas sugeridas pelo autor não eram ensinadas às crianças, possivelmente porque as próprias professoras as desconhecessem e julgassem que o procedimento “correto” era lançar mão do dicionário logo que surgisse uma dúvida. 4
  • 5. Quanto às atividades relacionadas com o jornal O DIA, por um lado não observamos qualquer momento de discussão, ou simples comentário, sobre as notícias e reportagens publicadas. Por outro lado, as crianças eram solicitadas a procurar, nos textos jornalísticos, monossílabos, dissílabos, palavras acentuadas, plurais, e a recortar fotos dos jornais para confeccionar cartazes. Assim, uma prática pedagógica corrente na Escola Olavo Bilac era usar o texto como pretexto para o estudo da gramática, prática severamente criticada por Geraldi (1997). O autor afirma que a produção de textos - e não o ensino de gramática normativa - deve ser o ponto de partida e de chegada de todo o processo de ensino/aprendizagem da língua. Confunde-se estudar a língua com estudar Gramática, e a gramática, tal qual de ordinário se cursa nas escolas, não só não interessa à infância (...) quanto aos benefícios que se lhe atribuem, se reduz a uma influência totalmente negativa, senão que, onde atua positivamente, é como elemento de antagonismo ao desenvolvimento intelectual do aluno. (p. 119) Nos relatórios parciais e no diário de campo2, há trechos de falas para ilustrar como as professoras concebiam o papel da leitura. Dirigindo-se ora aos alunos, ora às pesquisadoras que haviam desenvolvido atividades de leitura e escrita na sua turma, durante um semestre letivo, a professora avaliou o que foi alcançado e deu conselhos às crianças. Eis um trecho da fala da professora Silvia:3 (...) é bom que vocês (os alunos) desenvolvam esse hábito de ler, qualquer coisa que seja, tanto faz livros como revistas, jornais, mas que vocês tenham esse hábito de leitura. Aqui, elas (as pesquisadoras) trabalharam mais diretamente com os livros, que também são muito importantes. Além de serem bons para contar histórias, de serem engraçados, também podemos, através dos livros, ter conhecimento das coisas. Então essa é uma das coisas mais importantes do trabalho que vocês (as pesquisadoras) desenvolvem, a questão de criar hábitos de leitura. Os alunos realmente melhoraram o hábito porque tiveram oportunidade de estar com os livros à mão, né? pra poder fazer a escolha, de poder levar os livros para casa. Então, é realmente muito importante esse hábito, esse gosto, despertar. Que vocês (alunos) permaneçam com esse hábito, no sentido que não só na escola mas em outros lugares que vocês forem, vocês vejam os livros, que vocês tenham o hábito de comprar livros. E a leitura desenvolve muito o crescimento, o crescimento cultural que a gente tem, a gente passa a fazer as coisas com muito mais facilidade se a gente tem o hábito de ler, se a gente lê com facilidade, a gente vai ter possibilidade de fazer mais trabalhos, de falar melhor, né? Então tudo isso vai acontecendo decorrente da leitura. 2 Os textos citados foram retirados do relatório parcial de Flávia Salgado P. Góes, da equipe de pesquisa intitulada Práticas de leitura e produção de texto no ensino fundamental. 3 Nome fictício. 5
  • 6. A fala desta professora oferece uma síntese dos sentidos que presidiam a exploração da leitura na sala de aula, ou os objetivos buscados no “trabalhar com leitura”. A professora expressa, de modo enfático, o conceito de leitura como hábito, e acrescenta que é um meio de aprender a falar melhor, algo que ajuda ater conhecimento das coisas, a fazer mais trabalhos. O entendimento de que a leitura é um hábito que é preciso adquirir desde cedo é bastante generalizado, dentro e fora do grupo do magistério, aparentemente sem qualquer reflexão sobre o fato de que este “hábito” está relacionado com as condições sociais e materiais de vida das pessoas. Os alunos da escola em questão eram pobres, viviam modestamente, mas a professora sugeria criar o hábito de comprar livros, sem mencionar existência de bibliotecas (havia duas bibliotecas públicas no bairro) nem a sala de leitura da própria escola. Existe algo de hábito no comportamento de leitores proficientes? Sim. Alguns indivíduos desenvolvem certos comportamentos habituais associados à leitura: ler numa certa posição, num determinado lugar e a certa hora do dia, por exemplo, ler algumas páginas antes de dormir, ou ler o jornal pela manhã. O leitor proficiente desenvolve também automatismos que facilitam a leitura, como abranger, pelos movimentos sacádicos dos olhos, grupos de palavras, em lugar de decifrar palavra por palavra (Smith, 1989, p. 110). No entanto, como processo de instituição de sentidos, a leitura exige operações mentais que não se pode reduzir a hábitos. Na complexa equação da leitura, entram em jogo o leitor, seus objetivos de leitura, sua familiaridade, ou não com o tema, sua história de leituras; o texto - seu autor, as condições em que foi produzido, para atender a que objetivos, sua organização e estrutura, sua composição gráfica; a situação de leitura, o local em que esta se realiza etc. (Kleiman, 1989; 1992, 1995). Pensar a leitura principalmente como hábito é deixar de lado aspectos essenciais do ato de ler. A propósito da leitura na escola, disse Martins (1989) 4: No âmbito escolar, o discurso sobre a importância da literatura e da formação o hábito de ler se transforma em prática pedagógica que, em geral, não abre espaço para refletir e discutir sobre a natureza e o desenvolvimento do processo de atribuição de sentido a um texto. E, embora se consiga ultrapassar o ato mecânico de decodificação do signo lingüístico, dificilmente são criadas condições para a formação de leitores efetivos. Muito menos se indaga a respeito da peculiaridade da recepção de textos pelas crianças. (p. 25) 4 Para fins de pesquisa, Maria Helena Martins (1989) criou uma “salinha de leitura” fora da escola, e observou o comportamento das crianças neste espaço alternativo. 6
  • 7. Na fala da professora Silvia, citada anteriormente, além da referência ao hábito de ler, há elementos do discurso sobre a importância da literatura, a que se refere Martins: a leitura é um meio de aprender e de crescer culturalmente; torna o indivíduo mais apto para certos trabalhos (inclusive tarefas escolares) e mais preparado para falar bem. Paradoxalmente, as atividades didáticas propostas pela Escola Olavo Bilac pareciam não contribuir para alcançar estes objetivos, pois as crianças, na altura da 4ª série, mal eram capazes de usar a leitura como instrumento para aquisição de conhecimentos, ou de escrever algumas linhas. Batista (1998) registra e procura explicar a preocupação docente em usar a leitura de maneira pragmática, como ponte para aquisição de conteúdos gramaticais e outros, dos programas curriculares. Apresentando resultados de pesquisa com professores de Português de Minas Gerais, afirma que muitos são, nas respectivas famílias, os primeiros indivíduos a usufruírem de uma longa escolaridade. Seu capital cultural é portanto modesto, tiveram pouco acesso a livros e jornais, raramente freqüentaram bibliotecas. Foi na escola que se formaram como leitores, portanto, desde sempre expostos à didatização da leitura que reina nas instituições escolares. Na vida profissional, estes professores vão repetir os modelos de leitura a que foram submetidos, ou seja, adotam práticas escolares que valorizam “o conteúdo” dos textos, enquanto que as práticas não-escolares “acentuam a gratuidade, o desinteresse e a autonomia do leitor”. Afirma Batista (1998, p.50): (...) tendo desenvolvido sua formação como leitores dependentes da escola, os professores devem à escola os instrumentos com base nos quais se apropriam dos textos, mesmo que as situações de leitura sejam não-escolares. Suas leituras são, desse modo, marcadas pela não-gratuidade, orientadas pela busca de um aprendizado ou ensinamento (...) Os achados de Batista confirmaram-se na pesquisa-ação em pauta e ajudaram- nos a compreender porque algumas professoras que têm grande empenho em ensinar, que acreditam no valor e na importância da escola pública, esforçam-se de todas as maneiras para ajudar as crianças, mas, mesmo diante da evidência do fracasso escolar constante, não modificam sua postura muito tradicional em relação à leitura e à escrita, e mostram-se incrédulas quanto à necessidade de experimentar novas abordagens. Paradoxalmente, não estão contribuindo para a formação de leitores, e possivelmente 7
  • 8. nem para a assimilação de conteúdos curriculares. Em suma, os mestres repetem sua própria experiência de formação de “leitores escolares”. Programa Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE)5 e o prazer da leitura literária Uma pesquisa realizada em Petrópolis (Carvalho, Silva e Silva, 2007) analisou a recepção do Programa Nacional de Biblioteca Escolares 2005 (PNBE 2005), criado pelo Ministério da Educação para incentivar a criação ou expansão de bibliotecas nas escolas públicas brasileiras. Em 2005, o Programa visava a distribuição de livros de literatura destinados a crianças de 6 a 12 anos, freqüentando as 4 primeiras séries do ensino fundamental. Reconhecendo um quadro nacional adverso que inclui escassez de bibliotecas e salas de leitura, má formação dos professores e dificuldades de acesso de crianças e jovens aos livros, o Ministério da Educação criou projetos educacionais de amplo alcance, como o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Pró- letramento e o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE), entre outros. Tendo sido criado em 1998, o PNBE em 2005 priorizou a distribuição de obras literárias para crianças da 1a a 4a série, de diferentes gêneros, a saber: 1) poesias, quadras, parlendas e cantigas; 2) contos, crônicas, teatro, textos de tradição popular, mitologias, lendas, fábulas, apólogos, contos de fadas e adivinhas; 3)novelas (clássico, terror, aventura, suspense, amor, humor) e 4) livros de imagem. Esse programa atingiu, pela primeira vez, todas as 136.934 escolas públicas brasileiras que atendem as 4 séries iniciais do Ensino Fundamental. O número de títulos que cada escola recebeu foi proporcional ao tamanho da matrícula, variando entre 20 títulos para as menores (de até 150 alunos) a 100 títulos para escolas com 700 alunos ou mais. No Estado do Rio de Janeiro, foram beneficiadas 4 599 escolas, que em 2006 receberam 426 985 livros, ordenados em 22 080 acervos. Os livros distribuídos têm 5 O Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE) assim é definido: (...) desde 1997, incentivando o hábito da leitura e o acesso à cultura junto aos alunos, professores e a comunidade em geral mediante a execução do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE). O programa consiste na aquisição e na distribuição de obras de literatura brasileira e estrangeira, infanto-juvenis, de pesquisa, de referência além de outros materiais de apoio a professores e alunos, como atlas, globos e mapas. (www.fnde.gov.br) 8
  • 9. exatamente as mesmas características das edições originais, existentes no mercado, em termos de qualidade do papel, da capa, da encadernação, da ilustração, etc. No caso do PNBE 2005, cujo foco foi exclusivamente a distribuição de obras de literatura infantil para crianças das quatro séries iniciais, a primeira questão foi: que livros escolher para crianças de 6 a 12 anos de todas as escolas públicas de um país tão vasto e desigual como o Brasil? O que é um bom livro de literatura infantil segundo os cânones literários e segundo a escola, ou seja, as professoras que vão apresentá-lo aos alunos? Que posição acerca da qualidade literária deveria ser assumida pelos especialistas e professores universitários que foram chamados para selecionar livros para o PNBE 2005? A este respeito, Colomer (2003, p.164) afirma: A literatura infantil e juvenil que cumpra ambos os objetivos, o educativo e o literário, pode ser sancionada pelos adultos como literatura infantil e juvenil de qualidade. Trata- se das obras que Shavit (1986) qualifica de “literatura canônica”, ao ressaltar que qualquer sistema literário, tanto o de adultos como o infantil, diversifica-se em formas literárias canônicas e não-canônicas. A definição de literatura infantil e juvenil canônica “implica, pois, que este corpus deve ajustar-se aos critérios que os adultos têm sobre o destinatário infantil. Ou seja, deve basear-se em sua opinião, como responsáveis sociais da etapa educativa, do que lhes parece educativo e compreensível para crianças”. Assim sendo, o grupo de especialistas encarregado da seleção dos títulos assumiu o pressuposto de escolher apenas obras de boa qualidade literária segundo os critérios explicitados pelos especialistas do gênero, como Colomer (2003), Lajolo e Zilberman (1999), entre outros. A pesquisa sobre a recepção do PNBE 2005, realizada em Petrópolis em 2006 envolveu um grupo de 13 professoras e 13 orientadoras pedagógicas, representando 10 escolas municipais, intencionalmente escolhidas, situadas em locais diferentes, como zona favelizada, zona rural, centro da cidade e bairros de classe média; algumas eram instituições de pequeno porte, com menos de 200 alunos, enquanto outras tinham matrícula de 700 crianças, ou mais. No presente artigo, foi feito um recorte da pesquisa mais ampla6, abordando apenas a maneira pela qual as professoras e orientadoras definem os objetivos da leitura e na escola e quais são as condições de funcionamento das salas de leitura. Foram realizados dois grupos focais, um com professoras, e outro com orientadoras pedagógicas, responsáveis pela execução da política de leitura do 6 A pesquisa intitula-se Programa Nacional de Biblioteca na Escola - PNBE-2005: seleção, escolha, acesso e apropriação do acervo em escolas do município de Petrópolis. Os objetivos incluíam, entre outros, analisar concepções de leitura na escola; projetos, atividades, tempos e espaços de leitura literária; registrar a avaliação das obras do PNBE 2005 recebidas pelas escolas. 9
  • 10. município nas escolas. Os temas tratados nos grupos focais foram: critérios de seleção dos livros a serem apresentados às crianças; gêneros textuais considerados adequados para as 4 primeiras séries; objetivos da leitura na escola; diferenças entre a leitura de fragmentos de textos literários inseridos nos livros didáticos e a leitura integral de livros de literatura infantil; recepção, guarda, acesso e avaliação dos livros do PNBE 2005. Eis um trecho da gravação do grupo focal em que se discutiu, entre outros temas, critérios de seleção de livros. As professoras estão designadas como P1, P2, etc., enquanto as orientadoras estão sendo chamadas O1, O2, e assim por diante. Entrevistadora: Como vocês escolhem um livro de literatura para apresentar às crianças? Quais são os critérios utilizados? P1: Se [a leitura] vai ser agradável e se as crianças vão gostar do livro. P2: E também observar como que é a turma, o que eles gostam. Você tem que encantar, olhar as ilustrações, o autor, quando a gente conhece a gente já sabe, vai direto naquele autor, ver se está sendo apropriado, aproveitar o que está sendo falado em sala e alguns problemas para se trabalhar alguns valores. P3: As ilustrações também eu acho muito importante, porque principalmente com crianças menores chamam muito atenção. Às vezes aquela leitura é cansativa, né? E às vezes na própria gravura já chama mais atenção e ela já consegue entender o texto, de repente no comecinho da Classe de Alfabetização que a criança ainda não sabe ler, né? Que fique mais chamativo pra ela. P4: Para os maiores também. Os maiores quando a gente lê pra eles, dizem: Ah, mostra tia, deixa eu ver. Eles também pedem pra ver. O1. É [bom livro] é o que mexe com os sentimentos, com a imaginação, que a leva mesmo pensar que ela é capaz de produzir. O2. Eu concordo, mas acho também que o bom livro de literatura infantil convida. O bom livro, ele convida, ele te instiga, ele te dá aquela vontade de conhecer! A criança vê e ela tem o desejo de abrir, de conhecer o que tem ali. O bom livro parte por aí. 10
  • 11. Entrevistadora: Que tipo de livro é esse que dá vontade de abrir? O3: É o livro que tem qualidade literária. Acho que é o livro que toca a subjetividade afetiva. Ele vai tocar esse universo. Por isso ele é tão instigante! O5: Que chame a atenção da criança, que faz com que ela se interesse pela história que está nesse livro. O9. Não só as figuras, mas acho que principalmente o título. Entrevistadora: Um livro que convida, um livro que tem qualidade literária, um livro que tem um título atraente, um livro que provoca a imaginação. Esse livro atraente, que provoca a imaginação, como objeto material, como é? O que ele tem de bom? O5: Dependendo a faixa etária, eu acredito que a criança fica seduzida com a imagem. Se ele tem folhas coloridas, se ele tem boas ilustrações. O papel é importante para a criança. Se ele tem formas diferentes de se apresentar, se ele abre alguma janela. Como é que ele se apresenta, eu acho que para a criança chama muita atenção. Se ele é de pano, se ele é de papel, se ele é de borracha. Acho que isso chama muita atenção inicialmente. A capa eu acho que chama muita atenção, e dentro da capa não são apenas as gravuras, mas como a C. colocou, o título. Como são essas letras no título? São grandes? São pequenas? São desenhadas? A fotografia da autora, eu acho que também interessa. Professoras e orientadores destacam como critério de qualidade para a escolha do livro a possibilidade de o texto proporcionar uma experiência de leitura prazerosa; no discurso, são usados os verbos encantar, instigar, convidar e expressões como mexer com os sentimentos e com a imaginação, tocar a subjetividade afetiva. Embora os dois grupos de profissionais - o das professoras e o das orientadoras – concordem quanto á importância de ter prazer na leitura, gostar da história, etc., constatou-se uma diferença sutil entre eles: as professoras parecem mais inclinadas a descobrir o que a criança aceita e gosta, e a oferecer-lhes exatamente isso, enquanto as orientadoras parecem mais propensas a apostar em livros com qualidade literária e bom projeto gráfico, isto é, não 11
  • 12. querem apenas textos que fiquem ao nível das crianças, mas que apresentem algo de novo. Isso provavelmente se deve à diferença de papéis profissionais que exercem: enquanto as professoras lidam diretamente com as crianças, as orientadoras pedagógicas, desempenhando funções de supervisão e formação continuada em serviço, lidam diretamente com as professoras e só indiretamente com as crianças. Deve-se também levar em conta que as orientadoras participantes dos grupos focais eram sujeitos de um projeto municipal de formação continuada sobre leitura7. A orientadora O5 usou expressões como qualidade literária e projeto gráfico, que não apareceram no discurso das professoras, o que sugere mais familiaridade com termos próprios da literatura especializada. Detalhou aspectos do projeto gráfico, destacando a importância da qualidade do papel, uso de materiais alternativos (pano, borracha), recursos do tipo livro pop up (que abre uma janela), título, capa, cores, tamanho das letras e informações relativas ao autor e ilustrador, inclusive suas fotos. A importância das ilustrações para as crianças pequenas, mas também para as maiores, foi mencionada mais vezes e com mais ênfase pelas professoras do que pelas orientadoras. A escolha pelos autores foi também mencionada por orientadoras e professoras, mas o único nome citado foi o da escritora Ruth Rocha. Apenas uma participante do grupo focal das professoras disse que procura conteúdos úteis para o ensino e aproveita às vezes a literatura como recurso para ensinar valores. O papel edificante da literatura na formação moral, que foi tão exaltado em outras épocas, parece estar perdendo lugar, embora não se possa garantir que a prática pedagógica corresponda ao discurso. Em relação à questão apresentada no grupo focal das professoras “qual é o sentido da literatura infantil na escola?” destacamos as seguintes respostas: P13: Eu acho que existem vários objetivos. Eu acho que também existe ensinar alguma coisa ao se trabalhar com o livro, mas eu penso também que o contato com o livro, ouvir leituras e histórias vai propiciar à criança uma melhor maneira de se expressar, também de estabelecer esse modelo de leitor, de produtor de textos. 7 Projeto Além das Letras, da Prefeitura de Petrópolis, realizado no Centro de Capacitação em Educação Frei Memória. 12
  • 13. P9: Formar hábito também, né? Principalmente porque na realidade delas, às vezes o pai e a mãe dentro de casa não pegam no jornal para ler e a criança não tem esse contato. E o único contato que ela tem é na escola. É o primeiro e o único porque ninguém em casa tem esse hábito. P2: É o que eu digo é a coisa do hábito mesmo você pegar diferentes tipos de leitura, mas você também tem que criar isso. Eu não gosto de repente de ler uma poesia, um texto mais elaborado literário, aquelas coisas assim, mas eu tenho que começar a criar esse hábito para eu começar a passar isso pra eles. Gostando ou não eles têm que ter esse contato. Eu acredito que é assim. P9: Uma coisa que a gente está observando lá na escola é que nós temos uma professora que ela não tinha o hábito da leitura e com a chegada dos livros, conforme eles foram chegando ela olhou para os livros e começou a se interessar, abriu as caixas, a pegar, ela não tem o trabalho de leitura e ela começou a gostar, a perguntar. P7: Começou a descobrir a leitura. Isso também acontece com a criança. P6: É também a própria experimentação. Porque assim... se a gente não experimenta o novo, nós não podemos saber se gostamos ou não. Assim como eu não gosto de poesia não será porque talvez ninguém tenha lido uma poesia pra mim tão bem? PF: No começo do ano houve um projeto lá na escola de Manoel Bandeira (...) e acabou que quem fez foi a 4ª série, a minha turma. Eu não imaginava encontrar em Manoel Bandeira algo assim para a 4ª série, para crianças, mas como eles gostaram e até hoje guardam algumas poesias. Só conhecendo para eles mesmos descobrirem e descobrindo que vem o gosto. Melhor do que o hábito é o gosto mesmo, né? Não é apenas hábito, tem que ter o hábito e gostar também da leitura. Nas falas das professoras aparece insistentemente a idéia de que a leitura é um hábito, embora uma delas conclua dizendo Melhor do que o hábito é o gosto mesmo, né? Não é apenas hábito, tem que ter o hábito e gostar também da leitura. Estão presentes outros s conceitos já expressos pelas professoras na pesquisa da Escola Olavo Bilac, ou seja, a leitura pode servir para aquisição de conhecimentos, e ajudar a criança 13
  • 14. a se expressar melhor, a tornar-se leitora e produtora de textos. O papel da família na formação do hábito é mencionado, mas tendo em vista a modesta situação sociocultural dos alunos, não é provável que tal aconteça. Segunda parte Salas de leitura Examinamos aqui as condições observadas nas salas de leitura, começando pela Escola Olavo Bilac. Ao chegarmos à escola para iniciar a pesquisa-ação, encontramos a sala de leitura fechada, reduzida à condição de depósito de livros, centenas deles amontoados sobre mesas cobertas de plástico e estantes precárias. Um armário continha materiais didáticos de matemática, em bom estado, além de livros novos, enviados pela Secretaria Municipal de Educação, ainda não registrados (o registro consistia em anotar os dados num caderno de capa dura). No centro da sala, num pequeno espaço livre, viam-se algumas cadeiras colocadas em fila, diante de um aparelho de televisão, um vídeo e um aparelho de som. Pelos cantos, mapas velhos enrolados, fantoches e brinquedos em mau estado, restos de “experiências científicas”, papéis e lixo. Oficialmente, havia uma professora responsável pela sala de leitura, mas esta desempenhava tarefas administrativas na Secretaria, de modo que, na prática, não havia quem se ocupasse daquele espaço. Quando uma das professoras desejava levar os alunos para ver televisão, retirava a chave que era guardada na Secretaria. Propusemos à direção limpar, reorganizar e dinamizar a sala de leitura, o que nos foi concedido, sem maior entusiasmo. Pretendíamos começar as atividades em parceria com duas professoras, nossas principais interlocutoras na pesquisa-ação, com a expectativa de mais tarde abrir a sala para toda a escola. O acervo, que parecia ter sido constituído há pelo menos duas décadas, era variado, de boa qualidade, e muito representativo da literatura infantil nacional, a partir dos anos 50. Havia também um pequeno número de obras destinadas a professores e livros de referência e de consulta. A maior parte dos livros tinha fichas de empréstimo corretamente colocadas nas respectivas capas. Um exame do material acumulado deixava entrever momentos diferentes do uso da sala: além dos livros, havia fantoches e 14
  • 15. máscaras que haviam servido para dramatizações infantis. A presença poderosa da televisão, do vídeo e do aparelho de som, no lugar de honra, era a marca dos anos 90. Limpa e organizada a sala pela equipe de pesquisa, começamos a realizar atividades de leitura e produção de textos. Que mudanças buscamos instaurar em relação ao que tínhamos observado? Quais foram nossos pressupostos? Com que modelo de leitura estávamos trabalhando? Em primeiro lugar, buscávamos uma forma de re-significar a leitura para as crianças, tornando-a menos “escolar” e mais voltada para a interação entre o leitor e o autor, via texto (Kleiman, 1989). Em lugar de fazermos todas as crianças acompanharem a leitura de um único texto, como era regra nas salas de aula, propusemos um leque mais amplo de escolhas. As crianças tinham livre acesso aos livros, podiam escolhê-los, manipulá-los, iniciar uma leitura para logo depois interrompê-la. Consideramos importante estimular o contato visual e tátil com os livros, primeira forma infantil de aproximação com o objeto. Muitas crianças ficaram em estado de grande agitação nas primeiras vezes em que entraram na sala da leitura, devido principalmente à falta de familiaridade com a situação e à excitação da descoberta de tantos livros coloridos, atraentes, alguns deles articulados ou com formatos insólitos, mas os limites foram respeitados e não houve danos ao acervo. Em relação às atividades de leitura desenvolvidas, buscamos principalmente criar espaços para a expressão de preferências dos leitores, para o prazer de ouvir a leitura de histórias, para livre atribuição de sentidos aos textos literários e para a formação de “redes” para empréstimo de livros, e troca de opiniões e comentários entre leitores. Convidamos as duas professoras, a quem estamos chamando interlocutoras, para assistirem às atividades, trocamos idéias e tentamos criar uma ponte entre as atividades da sala de leitura e as da sala de aula. Houve alguma interação, mas também muita dificuldade para estabelecer um diálogo mais aprofundado, tanto por motivos práticos - falta de tempo devido à dupla matrícula8 das professoras - quanto por divergências conceituais. À época, pensávamos que estas divergências poderiam ser resolvidas à medida que o trabalho avançasse, mas elas se revelaram mais profundas do que esperávamos. A equipe de pesquisa não podia manter a sala permanentemente aberta, em regime de funcionamento regular, disponível para todas as turmas da escola. Nossa 8 Dupla matrícula significa que a professora trabalha em dois turnos consecutivos ( manhã e tarde), às vezes em escolas diferentes. 15
  • 16. presença na escola não era suficiente para atender a todas as turmas; para que isso fosse possível, era preciso que fosse designada uma professora responsável pela sala, o que finalmente veio a ocorrer. Com vasta experiência anterior de sala de leitura, a responsável novamente limpou e reorganizou o acervo, fez reuniões com o corpo docente, ofereceu-lhe seus préstimos para procurar material para as “pesquisas escolares”, estabeleceu um cronograma para atender às turmas. Fez um plano anual de trabalho, ligado às comemorações de datas especiais, que ocupam lugar importante na rotina do ensino fundamental: Dia das Mães, do Índio, da Árvore, do Folclore, etc. Para estes eventos, ofereceu assessoria, sugeriu e forneceu textos. A sala de leitura passou a ficar aberta durante o recreio, para acolher as crianças que desejassem ver televisão, ler ou levar livros emprestados. Embora alguns alunos pré-adolescentes tentassem desafiar as regras de convivência estabelecidas pela responsável - zelo com os livros, proibição de comer, gritar e correr - o fato é que as reações dos alunos foram, em geral, muito positivas. Os empréstimos de livros se multiplicaram, a responsável estava sempre cercada de crianças curiosas e o ambiente agradável da sala de leitura era nitidamente diferente do restante da escola, tanto do ponto de vista material quanto da atmosfera social. Os entraves que perturbaram esta situação aparentemente ideal foram de duas ordens: administrativa e interpessoal. Em primeiro lugar, duas turmas ficaram temporariamente sem professoras e a orientação da Secretaria Municipal de Educação (SME) foi que a responsável pela sala de leitura assumisse uma delas. Isto causou-lhe grande desapontamento, pois significava prejudicar todo o seu trabalho. Além do mais, tratava-se de uma turma de 1ª série, e ela não tinha experiência de alfabetização. Ainda assim, assumiu a tarefa, contando que seria liberada em breve. Efetivamente o foi, mas, logo a seguir, ordenaram-lhe que assumisse outra turma. Nova decepção, nova acomodação, outras responsabilidades. Nos intervalos dessas idas e vindas, a sala de leitura perdeu sua atmosfera de ordem e cuidado, ficou novamente suja, com lixo pelo chão, as cadeiras dispostas em frente à televisão, os livros desorganizados. A responsável tentou mais uma vez recuperar a sala de leitura, mas já então suas relações interpessoais com as colegas apresentavam problemas. De que se queixava a responsável e que pontos de atrito apareceram? 16
  • 17. De modo geral, a responsável achava que as colegas não respeitavam nem valorizavam seu trabalho. Aceitavam sua presença apenas porque queriam gozar de algum tempo livre enquanto suas turmas tinham atividades programadas na sala de leitura; não obstante vários convites, não assistiam a essas atividades. Na sua ausência, voltavam a usar o espaço exclusivamente como sala de televisão e vídeo, sem dar continuidade ao trabalho com leitura; não controlavam o comportamento dos alunos, que ocasionalmente sujavam a sala, desarrumavam as estantes e danificavam o acervo. Vivendo uma situação de grande mal estar profissional, a responsável pela sala de leitura refugiou-se numa atitude defensiva, declarando que daí por diante iria limitar- se a cumprir suas obrigações, sem mais esperança de envolver a comunidade na revitalização e recuperação das funções da sala de leitura. De que maneira nós, da equipe de pesquisa, nos situamos em relação a estes problemas? Havia ali um padrão recorrente: o que se fazia na sala de leitura não encontrava eco nas salas de aula, pois se tratava de um outro modo de entender, trabalhar, usar e propor a leitura. Em conseqüência, dificilmente a escola reconheceria a sala de leitura como um espaço educativo importante, em que ocorreria uma iniciação à leitura mais produtiva e enriquecedora, para crianças de condição social muito modesta, que pouca familiaridade tinham com livros, não freqüentavam livrarias nem bibliotecas. Pela via da literatura infantil, havíamos esperado criar um tipo de relação com os livros mais aberta. Nossa atividade de pesquisadoras sobre leitura nos levava a esperar muito desta sala, mas constatamos que nem a existência de condições materiais adequadas, nem a chegada de uma experiente e entusiasmada responsável eram suficientes para mudar pontos de vista profundamente arraigados. Mais uma vez transcrevo um trecho do diário de campo: Ao chegarem à sala de leitura, os alunos foram logo sentando-se nas cadeiras enfileiradas de frente para os aparelhos de televisão e vídeo. Após alguns minutos de burburinho, conversamos sobre as mudanças que estavam ocorrendo na sala de leitura: organização prejudicada, empréstimo/ devolução praticamente estagnados, afastamento da professora X (a responsável pela sala) das atividades que até então vinha desenvolvendo com as turmas da escola. Explicando que a professora X tinha assumido o lugar de uma professora em licença, informamos que a sala de leitura voltaria a funcionar assim que o problema fosse solucionado. E numa tentativa mais simbólica do que eficaz de preservar a sala de leitura, pois estávamos cientes de que para funcionar plenamente uma sala de leitura precisa mais do que ‘aparências’, pedimos aos alunos que rearrumassem as mesas e cadeiras em grupos, como estavam originalmente. Em suma, a sala de leitura não era reconhecida pela administração e pelo corpo docente como um espaço educativo importante e legítimo. Constatamos que as 17
  • 18. professoras regentes e a responsável pela sala de leitura tinham convicções diversas a respeito do que se deve ler, de que maneira, e com que objetivos. As práticas de leitura escolar adotadas pelas professoras nas salas de aula, baseadas nos conceitos de leitura como hábito e como instrumento para aquisição de conhecimentos, entravam em choque com a proposta de facilitação da leitura independente, autônoma e prazerosa que era prevalecente na sala de leitura. Passemos a seguir a examinar a situação das salas de leitura em algumas escolas de Petrópolis, em 2007. Em 2 das 7 escolas visitadas, existem salas de leitura. Ambas são escolas recém reformadas, aprazíveis, em excelente estado de conservação. Uma delas possui uma verdadeira biblioteca, com acervo extenso (várias enciclopédias, muitas coleções de grandes autores nacionais e estrangeiros, obras científicas), obtido graças a doações da comunidade no entorno da escola, uma área com grandes mansões e casas de veraneio. Embora possua certo valor literário, ou histórico, a maior parte do acervo provavelmente não será utilizado pelas crianças de 1ª a 4ª série, devido à inadequação dos títulos. A outra escola, situada em área carente, tem uma sala de leitura grande e bem decorada, mas o acervo bibliográfico é modesto; poderá crescer com a chegada de livros recebidos do PNBE e de doações do governo estadual. Nessas duas escolas, há espaços privilegiados que convidam à leitura, com mobiliário adequado, estantes, cadeiras e mesas; no entanto, não há professoras responsáveis pelas salas. Nas outras 5 escolas, as condições são heterogêneas. A falta de salas de leitura obriga professoras e orientadoras a guardarem os livros em locais improvisados: no refeitório, na sala dos professores, no alto dos armários da sala da direção, ou num depósito em que se misturam livros, material didático, sucata, produtos de limpeza, etc. Numa pequena escola, as estantes de livros estão localizadas no refeitório, próximas às mesas em que merendam os alunos, mas o ambiente é acolhedor, os alunos procuram os livros e usam efetivamente o acervo. Os livros recebidos do PNBE 2005 estavam nesse refeitório, guardados num armário, mas as professoras se encarregavam de levá-los para as salas e lê-los para as crianças. Noutra escola existe uma pequena sala com três estantes, mas não é uma sala de leitura: não há mesas nem cadeiras, é apenas um local para guarda dos livros. A situação menos favorável é a da escola em que livros estão guardados num depósito, junto com materiais de consumo, sucata, papéis, etc. Nessa escola há apenas 18
  • 19. alguns livros expostos numa estante na sala dos professores, mas as salas de aula contam com cantinhos de leitura. Seja nas salas de leitura, ou em espaços improvisados, os livros estão classificados, seja por gênero, seja em função da faixa etária dos leitores. As professoras usam um sistema de cores para uma rápida identificação do livro pelas crianças (por exemplo, etiqueta branca para poesia, vermelha para contos etc.) Mais frequentemente, só as professoras têm acesso aos livros recebidos do PNBE 2005. As crianças têm acesso por via indireta. As professoras temem que as crianças estraguem os livros, por isso relutam em emprestá-los. Os livros circulam entre as professoras, que escolhem alguns títulos para lerem na sala de aula durante a semana (Projeto Leitura em Voz Alta). Na semana seguinte, as trocas são feitas entre professoras. É difícil para as professoras, já sobrecarregadas com múltiplas tarefas, controlarem o acesso aos livros, fazerem anotações nos cadernos de empréstimo, recuperarem os livros perdidos ou avariados, etc. Assim, não há circulação ou empréstimo de livros para a comunidade. Conclusões Na primeira pesquisa, realizada na Escola Olavo Bilac, o discurso predominante era que a leitura é um hábito e um instrumento para aquisição de conhecimentos, para fazer trabalhos escolares, para falar melhor. Na segunda pesquisa, constatou-se que o discurso sobre a leitura como instrumento de aprendizagem de conteúdos, ou como hábito a ser inculcado pela escola, continua presente, mas está cedendo lugar ao discurso sobre a leitura como fruição, fonte de prazer para o leitor. Nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a escolha de leituras pelas professoras obedece principalmente ao pressuposto segundo o qual as histórias oferecidas ás crianças devem antes de tudo diverti-las, entretê-las, e proporcionar-lhes momentos agradáveis. Para isso, devem ser escritas em linguagem simples e acessível e trazer belas ilustrações. O pressuposto é que assim se formará o gosto pela leitura, e que o prazer de ler acompanhará o aprendiz ao longo de sua trajetória escolar, sejam quais forem os textos que lhe forem apresentados. Trata-se de um pressuposto equivocado. Há diferentes modos de ler, segundo natureza do material de leitura, os objetivos do leitor, as condições de produção da 19
  • 20. leitura. Ler para documentar-se, para descobrir informações, para aprender conteúdos escolares, como preparação para escrever algo etc. são modalidades distintas de leitura, igualmente válidas e importantes na vida social, tanto quanto ler para divertir-se ou regalar-se na fruição da obra literária. A escola deve levar em conta que nem toda leitura é prazerosa; pode ser também uma operação mental difícil, que exige repetidos esforços do leitor. O que está sendo feito para mostrar os diferentes caminhos da leitura? Estará a escola correndo o risco de banalizar o ato de ler, levando os jovens leitores a acreditar que a leitura é uma vigem sem mapa nem documentos? A chamada “leitura escolar” tem sido objeto de estudo de vários lingüistas, entre os quais Kleiman (1989, 1992, 1995). Ensinar a ler com compreensão, segundo a autora, não significa impor uma leitura única, aquela do professor, pois a compreensão é altamente subjetiva e cada leitor aborda o texto a partir de sua experiência de mundo, seu conhecimento do assunto, seu momento existencial. Isto, no entanto, não significa que não há nada a ser ensinado quando se ensina a leitura. Muito ao contrário, uma compreensão teórica do ato de ler e algum conhecimento de Lingüística são, para Kleiman, indispensáveis ao professor. Afirma a autora: Para criar essa atitude (de busca da compreensão) frente ao texto devemos, por um lado, sensibilizar a criança para os traços lingüísticos que servem de suporte à reconstrução do quadro referencial proposto pelo autor, isto é, aqueles traços que salientam, hierarquizam informações, e que funcionam no nível macroestrutural de texto, como macroconectivos, ou predicações que marcam a linha temática. Por outro lado, mais importante é criar condições na sala de aula para que a criança interaja globalmente com o autor via texto. Ainda segundo Kleiman (1989, p.151-155), As práticas mais comumente usadas em sala de aula são inibidoras do desenvolvimento da capacidade de compreensão, a saber: a leitura em voz alta para verificar se houve compreensão; a leitura sem orientação prévia e sem objetivo definido; as práticas de leitura que visam a automatismos e não criam condições para que a criança reconstrua o sentido global do texto; a escolha de livros didáticos cujos textos são falhos em matéria de coerência e legibilidade; as aulas centradas no ensino de vocabulário (um dos objetivos mais enfatizados da leitura escolar), obedecendo a princípios metodológicos inadequados e inconsistentes com o modelo de leitura como interação entre leitor e autor via texto. Kleiman sugere que o ensino de leitura deveria seguir alguma forma de sistematização e intervenção, baseada em pressupostos teóricos bem fundamentados, pois não basta deixar o aluno entregue à própria sorte, construindo livremente seu repertório de leituras, na expectativa de que, em certo momento de sua trajetória, 20
  • 21. transforme-se magicamente em leitor proficiente. A intervenção inteligente do professor no processo de formação de leitores passaria por diversos pontos, incluindo a escolha de textos que reunissem condições de coerência, alto grau de legibilidade e interesse dos pequenos leitores; o ensino de estratégias de predição de significados; a adaptação do modo de ler (leitura oral ou silenciosa, leitura intensiva e detalhada ou leitura superficial, rápida, etc.) aos objetivos do leitor em determinada ocasião. Neste ponto, esbarramos no problema, já bastante debatido, da precária formação do professor, de sua escassa familiaridade com a leitura, da sua descrença em relação a propostas didáticas que estão na contramão de sua própria experiência de leitores “escolares”. Retomando a pesquisa na Escola Olavo Bilac, tentamos demonstrar que quando existe um divórcio entre conceitos de leitura em curso na escola, a sala de leitura não ganha status de espaço educativo importante, nem é apoiada pela direção e pelo corpo docente, que deveriam partilhar a responsabilidade pela sua dinâmica e preservação. Assim, permanece como uma espécie de apêndice irrelevante, da vida escolar “séria”. Comparando o que se fazia nas salas de aula e o que se propunha na sala de leitura, constatamos que nesta última havia uma outra postura em relação “aos direitos dos leitores”: estímulo à leitura silenciosa de livros escolhidos pelas próprias crianças, liberdade para comentar, ou não, o que haviam lido, sem ter que responder a exercícios e questionários; possibilidade de confrontar sua leitura com a de outros colegas, além do prazer de ouvir histórias e ler poesia. Supomos que, para o sucesso de uma sala de leitura, é preciso que não haja tamanhas diferenças entre o que se realiza ali e o que se pratica nas salas de aula, mas isto é mais fácil de dizer do que de alcançar. Em relação à pesquisa realizada em Petrópolis, o principal problema a apontar é que são poucas as salas de leitura existentes9 e as que existem não podem funcionar plenamente porque não há professoras encarregadas da guarda e empréstimos dos livros, nem dinamização de atividades que ali se pode e deve desenvolver, como projetos literários, exposições, hora do conto, etc. Argumentamos que a instalação de novas salas de leitura, sem a designação de professores responsáveis, é uma medida equivocada. É possível pensar a sala de leitura efetivamente integrada à vida escolar, como espaço de enriquecimento da leitura de alunos e professoras? Que condições seria preciso reunir para que esta proposta se tornasse realidade? 9 Dentre as 182 escolas municipais de ensino fundamental existentes em 2006, 62 possuíam salas de leitura ou bilbiotecas. 21
  • 22. As salas de leitura deveriam ter tratamento privilegiado das autoridades, tanto do ponto de vista da reposição e atualização do acervo, quanto de respeito ao trabalho dos que ali trabalham, os quais não deveriam ser afastados de suas funções para substituir colegas licenciados. A descontinuidade das atividades é fonte de perturbação dos usuários da sala de leitura e reforça a impressão de que esta constitui um mero apêndice da vida escolar. Concluindo, afirmamos que o PNBE é uma valiosa política de distribuição de livros, mas não é, nem pretende ser, uma política de leitura. Cabe ao município criar essa política, condições objetivas para melhorar o acesso à literatura na escola – organizar salas de leitura e designar professores para organizá-las e dinamizá-las, desenvolver projetos de formação continuada de professores, criar eventos como feiras e exposições de livros. Para que as escolas promovam a leitura e que os livros sejam efetivamente lidos pelas crianças, não basta que estes sejam distribuídos: se os acervos não forem conhecidos, valorizados e explorados pelo corpo docente, correm o risco de permanecerem ignorados, trancados em armários, empoeirados nas prateleiras. Neste sentido, não se pode ignorar o papel crucial dos professores como mediadores da leitura na escola; Não basta investir grandes somas na distribuição gratuita de livros, é preciso saber se e como estão sendo recebidos, avaliados, apropriados por alunos e professores. Referências bibliográficas BATISTA, Antonio Augusto Gomes. Os professores são não-leitores? In: MARINHO, Marildes e SILVA, Ceris Salete R. da (orgs.). Leituras do professor. Campinas, SP: Mercado de Letras, Associação de Leitura do Brasil, 1998. CARVALHO, Marlene, SILVA, Janaína Martins e SILVA, Anderson Barbosa da. Programa Nacional de Biblioteca na Escola - PNBE-2005: seleção, escolha, acesso e apropriação do acervo em escolas do município de Petrópolis. Faculdade de Educação, Universidade Católica de Petrópolis. Relatório de pesquisa, nov. 2007 (documento de circulação interna). CAVALIÉRI, Ana Maria, CARVALHO, Marlene A. de O., ULUP, Lilian. Práticas de leitura e produção de texto no ensino fundamental. Relatório de pesquisa. Faculdade de Educação, UFRJ, mar. 1999 (documento de circulação interna). CHARTIER, Anne Marie e HÉBRARD, Jean. Discursos sobre a leitura – 1880-1980. São Paulo: Ática, 1995. 22
  • 23. CHARTIER, Anne-Marie. Leitura escolar: entre pedagogia e sociologia. Revista Brasileira de Educação. ANPED, n. zero, set-dez 1995, p. 17-52. ______. Alfabetização e formação dos professores da escola primária. Revista Brasileira de Educação. ANPED, n. 8, mai.-ago., 1998. COLOMER, Teresa. A formação do leitor literário. Narrativa infantil e juvenil atual. São Paulo: Global Editora, 2003. GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. KLEIMAN, Angela (org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995. ______. Texto e leitor. Aspectos cognitivos da leitura. 2ª edição. Campinas, SP: Pontes, 1992. ______. Leitura: ensino e pesquisa. Campinas, SP: Pontes, 1989. LAJOLO, Marisa e ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Ática, 1999. MARTINS, Maria Helena. Crônica de uma utopia. Leitura e literatura infantil em trânsito. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüistica da leitura e do aprender a ler. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 23