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CulturaCulturaJornal Angolano de Artes e Letras
14 de Maio a 3 de Junho de 2012 | Nº 4 | Ano 1 Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00
África
Surge
etAmbulaPPOOEEMMAADDEE RRUUII DDEENNOORROONNHHAA PPAAGG.. 22
Nagrelha
Oestadomaiordo
kuduro
continuano
Baião,pág.20a22
CheikhAntaDiop
eaestratégiade
desenvolvimento
docontinente
africano,pág.6
Ndalatando
Angolacria
primeiroCentro
Nacional
deLeitura,pág.12
14deMaioa3deJunho2012 | Cultura2|ARTE POÉTICA
ÁfricaSurgeetAmbula
António RUI DE NORONHA, poeta mo-
çambicano,nascidoa28deOutubrode1909,em
Lourenço Marques (hoje, Maputo), e falecido a
24/25deDezembrode1943.OBradoAfricano,
OMundoPortuguês,ÁfricaMagazine,Miragem,
Moçambique e Notícias do Bloqueio estampa-
ram os seus textos de crítica literária e os seus
poemas,partedosquaisforamreunidossobotí-
tulo Sonetos, no ano da sua morte, em edição
póstuma, icandoinéditososseuscontos.Incluí-
do em inúmeras antologias estrangeiras – na
Rússia,naRepúblicaCheca,naHolanda,naItá-
lia,nosEUA,naFrança,naArgélia,naSuécia,no
BrasileemPortugal–RuideNoronhacelebri-
zou-sepelopoema“Quenguelequezée…”
–cujotítuloéumgritocaracterístico
doritodepassagemdocuiandla,
noqualsemostraàluanovaa
criançarecém-nascida,pa-
ra que ela se transfor-
meempessoa(…).
Dormes!eomundomarcha,ópátriadomistério.
Dormes!eomundorola,omundovaiseguindo...
Oprogressocaminhaaoaltodeumhemisfério
Etudormesnooutroosonoteuin inito...
Aselvafazdetisinistroeremitério
Ondesozinhaànoite,aferaandarugindo...
Lança-teoTempoaorostoestranhovitupério
Etu,aoTempoalheia,óÁfrica,dormindo...
Desperta!Jánoaltoadejamnegroscorvos
Ansiososdecairedebeberaossorvos
Teusangueaindaquenteemcarnedesonâmbula.
Desperta!Oteudormirjáfoimaisqueterreno
OuveavozdoProgresso,esteoutronazareno
Queamãoteestendeediz:África,surge
etambula!
RUIdeNORONHA
Surgeetambula-Levanta-teeanda
ECODEANGOLA|3Cultura | 14de Maioa3deJunhode2012
1
Todososdias,aopôr-do-sol,voamgaivotasatéaomar,eofenomenal
círculodesanguecaindonalinhadohorizonte,entrecortadopelaté-
nue brancura das asas, consolida o nosso amor pela grandeza desta
África.Áfricanossaquecelebramostodososdias,comaproduçãodasnossas
mãos e das nossas almas, África nossa, mãe da Humanidade que, este 25 de
Maio, repensa o legado cultural pan-africanista da Organização de Unidade
Africana (OUA),expressonasuaCartaCulturaladoptadaemJulhode1976em
Port-Louis,nasilhasMaurícias.
Naverdade,aCartaCulturaldeÁfricatemcomoobjectivospreservarepro-
moveropatrimónioculturalafricano,reforçaropapeldesteúltimonapromo-
çãodapazeboagovernação,egarantirorespeitopelasidentidadesnacionais
eregionaisnosdomíniosdaculturaedosdireitosculturaisdasminoriasbem
comodastrocasedifusõesdeexperiênciasentrepaísesafricanos.ACartaCul-
turalretomou,pois,daOUA(hojeUniãoAfricana),aslinhasfundantesdoPan-
Africanismo, que surgiu, ainda em inais do século XIX, e que, a partir da Se-
gundaGuerraMundial,seapresentariacomoumaideologiadedefesadosva-
loresculturaisdeÁfrica.
2
Oquesigni ica,hoje,nestatábuarasadaGlobalização,serintelectual,
ser escritor, ser artista africano? Haverá, como na época do Renasci-
mentoEuropeu,umleitmotivcomuminspirador,umaclaraorientação
ilosó icaquenosunanao icinadopensamentoedacriatividade?
RepartidospeloscamposnuncaestanquesdasArtesedasLetras,algunsin-
telectuais angolanos da geração mais madura e da jovem geração trazem
aportesaestefórumdaCultura,comdiversasre lexõeseestudossobreumas-
suntoquenosémuitocaroenãomenosguardadonagavetadoolvido:oRe-
nascimentoAfricano.
AinstalaçãoemNdalatando,doprimeiroCentroNacionaldeLeitura,dotado
de novas tecnologias, é um passo decisivo na edi icação social da cidadania
cultural,preconizadapeloidealdaCartaCulturaldeÁfrica.
SimãoSouindoulapartedopassadoparaprognosticarumfuturopromissor
paraoContinente.FilipeZaufala-nosdeumaÁfricaqueseriapolítica,cultural
e economicamente livre. “Contudo, o sonho da Grande África durou pouco”.
QueefeitosteveestadecadênciadosonhosobreosectordaCultura?Opensa-
mentodeCheikhAntaDiop,orefundadordahistóriadeÁfrica,éaquiretoma-
do.Estepensadordisseque“aÁfricadeveoptarporumapolíticadedesenvol-
vimentocientí icoeintelectualepagaropreçoquefornecessário.Odesenvol-
vimentointelectualéomeiomaissegurodeacabarcomachantagem,aintimi-
dação e a humilhação.” Na linha deste grande pensador africano, Nguimba
Ngolapreconizaumatomadadeconsciênciadequenós,africanos,contribui-
mosdeverasparaoprogressodaHumanidade.RasKilunjifazumasingelaho-
menagemàprimeiragrandeestreladoTerceiroMundo,BobMarley.
3
“Cultura” transporta, assim, para o Jornalismo Cultural o élan do Re-
nascimento Africano, criando para si, caro leitor, a cada número, um
manancialdeconhecimentotransformadordasconsciênciaseilumi-
nado pelas mais belas cores do nosso Continente. Como bem o demonstra a
objectivavisionáriadeFredericoNingi.
Editorial
Renascimento
Africano
ARTE POÉTICA
África Surge etAmbula |
Rui Noronha
ECO DEANGOLA
EDITORIAL-RenascimentoAfricano |
José Luís Mendonça
RENASCIMENTOAFRICANO
África Um passado glorioso um futuro pro-
missor |Simão Souindoula
CheikhAnta Diop e a estratégia de desenvolvimento do continente afri-
cano
Da autonomização política à dependência económica | Filipe Zau
África e o “evangelho de um novo caminho” | Nguimba Ngola
Bob Marley a primeira grande estrela doTerceiro Mundo | Ras Kilunji
LETRAS
Angola cria primeiro Centro Nacional de Leitura
Jean Hebrard, historiador francês: “Um escravo tem só um primeiro no-
me” | José Luís Mendonça
De tantas falas e alguma escrita | J.A.S. Lopito Feijóo K.
Institucionalização de uma disciplina: Literaturas africanas ou Literatu-
raAfricana? |Luís Kandjimbo
“O reino do Kongo e a sua origem meridional” | Simão Souindoula
“Marcas da Guerra, Percepção Íntima e outros Fonemas Doutrinários”
de Lopito Feijóo | Matadi Makola
ARTES
Nagrelha o estado maior do kuduro continua no Baião | Cristina da Silva
Arte angolana contemporânea - Uma criatividade plástica endógena |
Johnny Kapela
Bienal “ENSARTE”, Dinâmica expressiva e campo temático significati-
vo | Simão Souindoula
Entre nós, Info-Poesia ou Poesia Digital |Frederico Ningi
DIALOGO INTERCULTURAL
SemanaAfricana na UNESCO homenageia Wangari Maathai
“Rabelados” filme de Benvindo Cabral |Nuno Rebocho
Um Guia de Cabo Verde | Nuno Rebocho
BARRADO KWANZA
Estranhos pássaros de asas abertas | Pepetela
MEMÓRIAS
Kudilonga - O exame de admissão ao liceu, Laços lacinhos e laçarotes
IXiminya
JOSÉLUÍSMENDONÇA
Sumário
Conselho deAdministração
António José Ribeiro | presidente
Administradores Executivos |
Catarina Vieira Dias Cunha
Eduardo Minvu
Filomeno Manaças
Sara Fialho
Mateus Francisco João dos Santos Júnior
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CONSELHO EDITORIAL
Director e Editor-chefe | José Luís Mendonça
Editor de Letras | Isaquiel Cori
Editor de Artes | Francisco Pedro
Assistente Editorial | Berenice Garcia
Fotografia | Paulino Damião (Cinquenta)
e Arquivo do Jornal de Angola
Edição de Arte e Paginação |
Albino Camana e Tomás Cruz
COLABORAM NESTE NÚMERO
Angola - Cristina da Silva, Filipe Zau, Frederico
Ningi, J.A.S. Lopito Feijóo K., Luís Kandjimbo,
Matadi Makola, Nguimba Ngola, Ras Kilunji,
Simão Souindoula, Ximinya
Cabo Verde - Nuno Rebocho
International Networking Bantulink - Johnny
Kapela
FONTES DE INFORMAÇÃO:
AGULHA, revista de cultura,
São Paulo, Brasil
Correio da UNESCO, Paris, França
AFRICULTURES, Portal e revista
de referência das culturas africanas,
Les Pilles, França
Publicidade: (+244) 222 337 690 | 222 333 466
CulturaJornalAngolano deArtes e Letras
Propriedade
Nº 4 | Ano 1 |14 de Maio a 3 de Junho de 2012
4|RENASCIMENTOAFRICANO| 14deMaioa3deJunho de2012| Cultura
BERÇODAHUMANIDADE
Asdescobertasrecentesfeitasnodomíniodaar-
queologiapré-histórica,sobretudonaÁfricaorien-
tal e central, con irmam que é no nosso continente
que se registaram, há cerca de 3 500 000 anos, os
primeirosprocessosdehominização.
Estaevoluçãohominídeaseráfeitaparalelamen-
teàinvençãodediversosmoldeslíticos,epartirdo
LaterStoneAge,hácercade10000anos,doexercí-
ciodavegeculturaedacriação.
Estafaseprogredirá,extraordinariamente,nova-
le do Nilo, no IV milénio antes da nossa era, com a
brilhantecivilizaçãoegípcia.
Éumestádiofundamentaldahistóriadahumani-
dadecomagrandecaracterísticadoEgiptoterman-
tidorelaçõescomaNúbiaeaEtiópiaantiga.
São5000anosdehistóriaqueseestendemaolon-
godos6700kmdoNilo,desdeoLagoVitória,naÁfri-
ca oriental, até ao delta, no Mediterrâneo, e que se
inscreveunumabaciadecercade3milhõesdekm2.
Asprovasdaexistênciadesteblocohistóricosãoos
melano-africanosquetiveramumpapeldeterminan-
te no Egipto faraónico e as línguas negro-africanas
apresentamlaçosgenéticoscomoegípcioantigo.
Eumdosnumerososfactosareteréo“Misr”anti-
go,quesesituaentre1580e1085,umadasgrandes
potênciasdoOriente.
Ao sul da “doação do Nilo”, vão prosperar no de-
cursodoprimeiromilénioantesdanossaeraatéao
primeiroséculodanossaera,váriasformaçõeshis-
tóricastaiscomooReinodeMéroé,queserásubsti-
tuído,maistarde,pelooReinodeAksoum.
Nestemesmoperíodo,regista-seaemergênciade
Nok, na actual Nigéria. É próximo desta região que
partirá uma das grandes dinâmicas civilizacionais
dahistóriaafricanacomascontínuasmigraçõesea
extraordináriaexpansãodaspopulaçõesbantu.
Essaspopulaçõesmetalurgistas,vãoocuparoter-
çodeÁfricaousejamaisde11milhõesdekm2eor-
ganizar,naÁfricacentral,orientaleaustral,emépo-
casdiversas,dezenasdeentidadespolíticastaisco-
mooKongoeosseusterritóriosaliados,oTéké,oKu-
ba,oLuba,oLunda,oLozi,oZimbabwé,oMwanaMu-
tapa,oZulu,oSwazi,oRuanda,oRundi,oGanda,etc.
AÁfricaocidental,ligadaàzonabantuatravésda
classi icação“Níger–Congo“,conheceuigualmente
asurgimentoeaorganizaçãodeváriosreinoseim-
périos, tais o São, o Ifé, o Benim, o Gana, o Mali, o
Songhai,oBornoueoMossi.
AÁfricadeontem,vastoblocosemoSaaradeser-
ti icado e mesmo depois desta mudança climática
maior, era sinónima de contactos e trocas de vária
ordemassimcomodefusõesdepopulações.
Umadasconsequênciasdestaevoluçãohistóricaé
queascivilizaçõesafricanasapresentam,hoje,umvas-
toquadrodesimilitudeslinguísticaseantropológicas.
EstaÁfricaé,globalmente,umuniversopós-neo-
lítico e proto-histórico. É nesta etapa de evolução
que ela entrará em contacto, a partir do século XV,
comaEuropadapós-idademédia,comassuasvan-
tagenstecnológicas,sobretudonosdomíniosdana-
vegação marítima e, mais tarde, do uso da força ex-
plosivadapólvora.
Esta realidade, associada ã descoberta do conti-
nente americano e do conjunto insular caribenho,
mudarárápidaede initivamenteanaturezadaspri-
meirasrelaçõesentreosdoiscontinentes.
Com efeito, no encalço da cristalização das pri-
meirasformasdeproduçãocapitalistaedapreemi-
nência das convicções mercantilistas na Europa,
Áfricavaisubirumadaspunçõesdemográ icasmais
severasdahistóriadahumanidade,aprovocadape-
lotrá icodeescravostransatlântico.
Serãomaisde15milhõesdeafricanosquechega-
rãovivosnasimensasAméricasenaarmadilhacari-
benha,e,cativos,aproximadamente,namesmaor-
demdeimportância,perderãoavidadurantetodas
asetapasdaimplacávelredeorganizativadestene-
góciodesereshumanos.
Esta “ shoah” que durou mais de quatro séculos
terá graves consequências no desenvolvimento do
continenteafricano.
Comefeito,nãoeraotrabalhoprodutivoquepri-
mavaduranteesteinadmissívellongoprocessohis-
tórico, mas sim, a organização de violentas acções
decapturadeescravos,oencaminhamentodoscati-
vosemdirecçãoaolitoral,aconcentraçãodaspeças
deÍndiaseoseuembarque.
Peranteocaráctereconómicocontra-produtivoe
aincontrolabilidadesocialepolíticadasdiferentes
formações esclavagistas, as potências europeias,
comaindustrialInglaterraparticularmenteinteres-
sada, não tiveram outra solução senão proibir esta
formabrutaldeexploraçãodohomempelohomem.
Mas, a nova Europa, a da Revolução industrial –
metamorfoseada tal como na mitologia grega – e,
mais do que nunca, convicta da justeza da teoria
mercantilista, segundo a qual os metais preciosos
constituem a riqueza essencial dos Estados, as po-
tências, ilhasdeMinos,organizarãoumanovafor-
ma de explorar o continente, alargando desta vez a
sua ocupação e assegurando a sua partilha, entre
elas, mais ou menos ordenada, num contexto de
neo-escravatura.
Seráentãoinstaladoumsistemacapitalistacolo-
nialcaracterizado,invariavelmente:
-pelaexploraçãodasestratégicasminas;
- pelo fomento, em prioridade, das culturas
comerciais,asdeexportação;
-pelaumaindustrializaçãobastantelimitada;
-epelarealizaçãodefabulososlucros.
Essassociedades,particularmentedesiguais,se-
rãominadas,naturalmente,porcrescentestensões
sociaisepolíticas,sobretudoapósasduasGrandes
Guerras, na sequência de mais de 60 anos de lutas
políticas,sociaisouarmadaspersistentesedinâmi-
cas que desembocarão na independência de todos
os países africanos, do Egipto, em 1936, até ao im
doapartheid,naÁfricadoSul,em1994.
Três anos após o ano das previsíveis rupturas, a
África independente, consciente da configuração
fragmentada das suas diferentes componentes,
cristalizou os seus projectos de coordenação polí-
tica, integração económica, desenvolvimento so-
cial e renascimento cultural numa organização pa-
nafricana, a OUA.
Osoprodo“ventosinérgicodeAddis”revelou-se
útil,apesardasinevitáveisdi iculdadesdetodaor-
dem,queenfrentouaOrganização.
Comefeito,elafoioespaço,porexcelência,parao
diálogo,aconcertaçãoeoconsenso.Emsuma,privi-
legiou-se,nestequadro,oessencialdosobjectivos.
Operíodopós-independênciafoi,quaseinvaria-
velmente,caracterizado,nosdiferentespaísesafri-
canos, pela instauração de dinâmicas políticas in-
ternasunitáriasepelaexperimentaçãodaestatiza-
çãodaeconomia.
UMPRESENTEDIFÍCIL
MASSUPORTÁVEL
Um dos passos políticos animadores dados no
iníciodesteséculofoiainstauraçãodaUniãoAfrica-
naemsubstituiçãodaOUA.
Acinquentenadepaísesafricanostraçoucomes-
taescolhaaviaparaumpotencialtecidofederalcu-
jos instrumentos de facilitação e aceleração são a
quinzena de mercados integrados actualmente
existentes.Noplanodaorganizaçãopolíticainterna,
A
bordareiaminhaanalise,numaevolu-
ção tríptica, que realçará os grandes
factos atestados ao nosso continente,
duranteoperíodopré-histórico,afase
detransiçãoproto-histórica,ocalamitosoepisó-
dio do trá ico de escravos, as seculares e multi-
secularesocupaçãoeadministraçãocoloniais,a
con iguraçãogeraldasituaçãoactualealgumas
linhasprospectivas.
SSIIMMÃÃOO
SSOOUUIINNDDOOUULLAA
Pintura mural do Egipto Antigo
ÁfricaUmpassado
gloriosoumfuturopromissor
HHIISSTTOORRIIAADDOORR,,
CCOONNSSUULLTTOORR DDAA
UUNNIIÃÃOOAAFFRRIICCAANNAA
RENASCIMENTOAFRICANO|5Cultura |14deMaio a3deJunho de2012
quasetodosospaísesdocontinenteoptarampor
uma democracia multipartidária, original, que
tenta salvaguardar as sinergias federativas esta-
belecidasapósasindependências.
As mudanças económicas que foram decididas
nos últimos anos, ou que ocorrem actualmente,
visam corrigir as insuficiências constatadas nas
performances económicas, num diagnóstico de
realismo e numa clara estratégia de compromis-
so histórico.
Assiste-se, entre outras acções, à extensão da
economiademercado,visivelmentesocializante,
àreformulaçãoconstitutivaoudesnacionalização
de grandes empresas, ao incentivo a investimen-
tosestrangeiros,aoapoioaosurgimento declas-
sesempresariaisnacionaisdinâmicas,e icientese
competitivas.
UMFUTUROPROMISSOR
Oconjuntodemedidasglobaistomadasaugura,
paraosdiversosprazosprospectivos ixados,tais
como o estabelecimento, em 2035, do Mercado
ComumAfricano,boasperspectivasparaoconti-
nenteafricano.
Com efeito, o mercado africano que apresenta
actualmente um total de mais de 950 milhões de
consumidores teránoano2015,1200000000
decompradores.
Num outro ângulo de leitura deste
dado, esta população conti-
nuará a ostentar uma
metade de indiví-
duoscommenosde15anos,constituindoassima
perpetuação de uma força de trabalho absoluta-
mentedecisiva.
Deve-se acrescentar a este dado, outros ele-
mentos de potencialidade espacial, agrícola, mi-
neiraeindustrial.
Assim,ocontinentepossui:
- 30 milhões de km2, e que constituem 20,3 %
dasterras irmesdoplaneta;
-efabulosasreservasdosvitaispetróleoecobre,
doestratégicourânio,dosessenciaisferro,manga-
nês,zinco,ouroecobalto,titânio,vanádio,croma,
bauxita,assimcomodosrentáveisdiamantes.
Essas possibilidades de riquezas são capazes
de corrigir decisivamente os actuais fracos indi-
cadores sociais do continente tais como a taxa
de mortalidade infantil, a esperança de vida, a
educação feminina, a ocupação da população ac-
tiva, uma má distribuição do emprego, a fraca
cobertura dos serviços de saúde, a sub-nutrição,
a baixa taxa de escolaridade, um analfabetismo
ainda elevado, etc.
CONCLUSÃO
A breve análise que acabamos de apresentar
prova que a África soube, a todos tempos da sua
longa evolução histórica, explorar as suas vanta-
gens civilizacionais, enfrentar com coragem as
barreiras postas contra ela e ultrapassar os seus
passosincertos.
Apôs mais ou quase meio século de indepen-
dência, os Estados da “ Ifriqiya”, os Comissários,
peritoseconsultoresdaUniãodoplanaltoetíope,
sabem que uma das condições sine qua non para
umfuturomelhorparaonossocontinenteéama-
nutençãoda estabilidade nos seio dos diferentes
tecidosterritoriaisnacionaiseregionais.
Emsuma,asalvaçãodocontinentedoOsagyefo,
asuaRenascença,passará,pelaestaestabilidade,
quedeve,emprimeirolugar,serobradospróprios
africanos, porque como os Bakongos a irmam:
Mbakulukubonguakoenlumbunzenza(oenten-
dimentonãoeumfrutoquesecolhenoquintaldo
vizinho).
CheikhAntaDiopAestratégia
dedesenvolvimentodocontinenteafricano
Como elaborar uma verdadeira estratégia de desenvolvi-
mentodocontinenteafricano:educação,saúde,defesa,ener-
gia, investigação, indústria, instituições políticas, desporto,
culturaetc.?
C
heikhAntaDiopdemonstra
queparaseobterasrespos-
taspertinentesaestainter-
rogação fundamental é ne-
cessárioumconhecimentodahistória
omaisobjectivopossível,recuandono
tempotãolongequantopossível.
É nesta primeira grandetarefa que
Cheikh Anta Diop se concentra: a de
restituirahistóriadocontinenteafri-
cano, a partirda pré-história,através
de uma investigação cientí ica pluri-
disciplinar. É, por isso, o refundador
dahistóriadeÁfrica.
Alémdoconhecimentodopassado
realdeÁfricaedahumanidadeemge-
ral, Cheikh Anta Diop atribui aos tra-
balhosquedesenvolveasquatro ina-
lidadesqueseindicamdeseguida.
1. A recuperação da consciência
histórica africana, ou seja, da cons-
ciênciadeterumahistória.Arecupera-
çãodestaconsciênciahistóricaimplica
queaegiptologiasejadesenvolvidana
Áfricanegraequeacivilizaçãoegípcio-
núbiasejareanalisadaemtodososdo-
míniospelosprópriosafricanos.
“Só o enraizamento de uma disci-
plinacientí icadestanatureza(aegip-
tologia) na África negra permitirá
compreender um dia a singularidade
eariquezadaconsciênciaculturalque
pretendemos suscitar, bem como a
qualidade,aamplitudeeopodercria-
tivodamesma.”
“Na medida em que o Egipto é a
mãelongínquadaciênciaedacultura
ocidentais,comosepodededuzirpela
leitura deste livro, grande parte das
ideias que baptizamos estrangeiras
não são muitas vezes mais do que as
imagens deturpadas, invertidas, mo-
di icadas,aperfeiçoadasdascriações
dos nossos antepassados: judaísmo,
cristianismo, islamismo, dialéctica,
teoriadoser,ciênciasexactas,aritmé-
tica, geometria, mecânica, astrono-
mia, medicina, literatura (romance,
poesia, drama), arquitectura, artes
etc.[...]Talcomoatecnologiaeaciên-
cia moderna vêm da Europa, na Anti-
guidade,osaberuniversal luíadova-
le do Nilo para o resto do mundo e es-
pecialmenteemdirecçãoàGrécia,que
servia de elo intermediário. Conse-
quentemente,nenhumpensamentoé,
na sua essência, estrangeiro em Áfri-
ca,terraemquefoicriado.Époisnum
contexto de total liberdade que os
africanos devem usufruir da herança
intelectual comum da humanidade e
nãose deixar guiarunicamentepelas
noçõesdeutilidadeedee iciência.”
“O homem africano que nos com-
preendeuéaqueleque,apósterlidoas
nossasobras,terásentidonasceremsi
um homem diferente, com uma cons-
ciência histórica, um verdadeiro cria-
dor,umPrometeuportadordeumano-
va civilização e perfeitamente cons-
cientedoqueaterrainteiradeveaoseu
génioancestralemtodososdomínios
da ciência, da cultura e da religião” (C.
A.Diop,CivilisationetBarbarie).
2. O restabelecimento da conti-
nuidadehistórica,ouseja,arestitui-
ção,noespaçoenotempo,daevolução
das sociedades e dos Estados africa-
nos,especialmentedesdeapré-histó-
riaatéaoséculoXVI,operíodomenos
conhecido. Cheikh Anta Diop insiste,
nosseusescritos,nofactodeainvesti-
gaçãosócio-históricaestarlongedeser
concebidacomoumaretiradaoucomo
umameradeleitaçãodopassado.
“A função da sociologia africana é
fazer o balanço do passado para aju-
dara África a enfrentarmelhoropre-
senteeofuturo.”(C.A.Diop,Antériori-
té des civilisationsnègres– Mythe ou
véritéhistorique?)
“Arelatividadedasnossasestrutu-
ras, assim evidenciadas, poderia aju-
dar-nosaidenti icarasbasesteóricas
da evolução das nossas sociedades
porclasses,evoluçãoquesóseráirre-
versível se for alicerçada no conheci-
mentodoporquêdascoisas.Nãoéisto
umdosaspectosmaisimportantesda
revolução social dos nossos países?”
(C.A.Diop,CivilisationouBarbarie)
O estudo sócio-históricodas civili-
zações africanas permite identi icar
osvaloresque izeramasuagrandeza
eosfactoresqueprovocaramoseude-
clínio, e elaborar estratégias para o
desenvolvimentodocontinente.
3.Aconstruçãodeumacivilização
planetária.CheikhAntaDioppretende
contribuir“[…]paraoprogressoemge-
ral da humanidade e para a eclosão de
umaeradeacordouniversal[…]”e“To-
dos aspiramos ao triunfo da noção de
espécie humana nos espíritos e nas
consciências, de forma que a história
particulardestaoudaquelaraçaseapa-
gue diante da do indivíduo. Teremos
entãodedescrever,apenasemtermos
gerais, pois as singularidades aciden-
tais deixam de ter interesse, as etapas
signi icativas da conquista da civiliza-
çãopelohomem,pelaespéciehumana
comoumtodo.Aidadedapedralasca-
daeaconquistadofogo,oneolíticoea
descobertadaagricultura,aidadedos
metais, a descoberta da escrita etc.
etc. deixarão de ser descritos como
instantes comoventes das relações
dialécticasentreohomemeanature-
za, a série dos “desa ios” da Natureza
vitoriosamente ultrapassados pelo
homem”. (C. A. Diop, Antériorité des
civilisationsnègres–Mytheouvérité
historique?)
“O clima, para a criação da aparên-
cia ísica das raças, traçou fronteiras
étnicas que recaem sobre o sentido,
captam a imaginação e determinam
os comportamentos instintivos que
tantomalprovocaramnahistória.To-
dos os povos que desapareceram ao
longodahistória,desdeaAntiguidade
até aos nossos dias, foram condena-
dos, não por uma inferioridade origi-
nal qualquer,maspela aparência ísi-
caepelasdiferençasculturais.[…]Por
isso, a questão está em reeducar a
nossapercepçãodoserhumano,para
queelasedescoledaaparênciaracial
esepolarizenumserhumanolivrede
14deMaioa3deJunho de2012| Cultura6|RENASCIMENTOAFRICANO
rótulos étnicos.” C. A. Diop, “L'unité
d'originedel'espècehumaine”,Coló-
quio "Racisme, Science et Pseudo-
Science", organizadoemAtenaspela
UNESCO,em1982).
Oacessoaestefuturodesejadoexi-
ge, por isso, o rompimento com o ra-
cismo.Rompercoma“mentiracultu-
ral”queconsistiuemnegarahumani-
dade dos Negros, emnegara história
deÁfrica.Esta“mentiracultural”ain-
da hoje reside na negação de que o
Egipto faraónico pertence ao mundo
negro-africano, assim comona mini-
mização do papel civilizador deste
EgiptonaAntiguidade.Exigetambém
queseultrapassemosobstáculosque
impedemodesenvolvimentodocon-
tinenteafricano,ameaçamaseguran-
çaehipotecamasobrevivência.Épre-
ciso“garantirqueocontinenteafrica-
nonãopagapeloprogressohumano”,
“friamente esmagado pela roda da
história”, e, por isso, “não podemos
escaparàsnecessidadesdomomento
histórico a que pertencemos”. (C. A.
Diop,Antérioritédescivilisationsnè-
gres – Mythe ou vérité historique ?)
Hoje, este momento histórico é o do
renascimentoafricano.
4. O renascimento africano.
CheikhAntaDioptinha25anosquan-
do, enquanto estudante em Paris, em
1984, de iniu o conteúdo e as condi-
ções do renascimento africano num
artigointitulado“Quandopoderemos
falardeumrenascimentoafricano?”.
Nestaperspectiva,aevoluçãopara
um estado federal torna-se numa ur-
gênciacontinental,poisumaconjun-
tura geopolítica desta natureza seria
capazdegarantir,estruturareoptimi-
zarodesenvolvimentodocontinente
africano: “É necessário fazer pender
de initivamenteaÁfricanegrapara
osentidododestinofederal[...]só
um Estado federal continental
ousubcontinentalofereceum
espaço político e económi-
co, em segurança, su i-
cientementeestabiliza-
do para que se possa
implementarumafór-
mularacionaldedesen-
volvimento económico
dosnossospaísesdepotencialidades
tão diversas.” (C. A. Diop, prefácio do
livrodeMahtarDiouf,Intégrationéco-
nomique, perspectives africaines,
1984).
CheikhAntaDiopterminaasuaobra
Lesfondementséconomiquesetcultu-
rels d'un État fédéral d'Afrique noire
com catorze propostas de acções con-
cretas que vão desde a educação à in-
dustrialização.Destacam-seasduasne-
cessidadesvitaisdeseguidaindicadas.
- A necessidade de de inir uma po-
lítica de investigação cientí ica e i-
ciente: “A África deve optar por uma
políticadedesenvolvimentocientí i-
co e intelectual e pagar o preço que
fornecessário;aexcessivavulnerabi-
lidadedestecontinenteduranteosúl-
timoscincoséculoséaconsequência
de uma de iciência técnica. O desen-
volvimento intelectual é o meio mais
segurodeacabarcomachantagem,a
intimidação e a humilhação. A África
podetornar-senum centrodeinicia-
tivasededecisõescientí icas,emvez
decontinuaraacreditarqueestácon-
denada a ser o apêndice, o campo de
expansão económica dos países de-
senvolvidos.”
- A necessidade de de inir uma
doutrinaenergéticaafricanaedeuma
verdadeira industrialização: “Trata-
se de propor um esquema de desen-
volvimento energético continental
quetenhaemcontasimultaneamente
asfontesdeenergiarenováveisenão-
renováveis,aecologiaeosprogressos
técnicos das próximas décadas…. A
Áfricanegradeveráencontraruma
fórmula de pluralismo energético
que associe harmoniosamente as
seguintes fontes de energia: 1.
energia hidroeléctrica (barra-
gens); 2. energia solar; 3. energia
geotérmica; 4. energia nuclear; 5.
os hidrocarbonetos (petróleo); 6.
energia termonuclear”. Pode-se
acrescentaraestasfontesovector
energéticohidrogénio.
RENASCIMENTOAFRICANO|7Cultura | 14deMaio a3deJunho de2012
Estatua do Renascimento
Africano no Senegal
A
pós a II Guerra Mundial,
com as lutas pela indepen-
dência em África, surgiu,
nas décadas de 50 e 60, o
sonhodeliberdadeedeprosperidade.
PatriceLumumba,olíderdaindepen-
dência congolesa, a irmava, naquele
período, que nunca iriam esquecer
que a independência tinha sido con-
quistadacomlágrimas,fogoesangue
eque,apósoitentaanosdecolonialis-
mo, iriam demonstrar “o que o ho-
mem negro é capaz de fazer quando
trabalha pela liberdade”[MUNARI:
31]. Era ideia comum que as nações
recém-formadas em África estariam
determinadasaosucesso.Áfricaseria
política,culturaleeconomicamenteli-
vre a partir de processos de recons-
trução a serem implementados em
novosmoldes.
ParaLeopoldSedarSenghor,doSe-
negal,aoladodareconstruçãoeconó-
mica tornar-se-ia necessário “desco-
brirnovosvaloresculturais,próprios
dacivilizaçãonegro-africana:emoção
e simpatia, ritmo e forma, imagens e
mitos, espírito comunitário e demo-
crático”[Ibidem].
Contudo, o sonho da Grande África
duroupouco.Umfracassotambémas-
sociadoàsdisputasinternasentrefac-
ções rivais, às guerras pelo controlo
do Estado, ou ainda às experiências
políticas frustradas. Os chamados
“pais da pátria”, entre outros homens
da envergadura de Touré, Kenyatta e
Nyerere, “(...) viram mitos de um pas-
sadoremotoqueserviuparalançarno
cenário internacional uma turma de
líderes tristemente famosos pela in-
competência,corrupção e falta de es-
crúpulos”[Idem].
Mas,tambémécerto,queoslíderes
dosnovospaísesafricanospensavam
que, inalmente,poderiamentrarnum
processo de trocas justas e equilibra-
das com os países do Norte, pautadas
pelo reconhecimento integral das
suassoberanias,respeitomútuoenão
ingerência nos seus assuntos inter-
nos. Um intercâmbio onde os países
doSulexportassemassuasmatérias-
primas, de acordo com as necessida-
des industriais dos países do Norte,
recebendo em troca bens industriali-
zados, essenciais para o arranque do
crescimentoeconómicodequeneces-
sitavam, para o desenvolvimento dos
seusrespectivospovos.
Porém,talnãoaconteceu,porqueas
matérias-primas exportadas foram
valendo cada vez menos nas relações
procura/oferta e custo/bene ício.
Eramnecessáriascadavezmaismaté-
rias-primasparaumnúmerocadavez
menor de produtos manufacturados
dos países do Norte. Tal facto provo-
couumclarodesequilíbrionabalança
comercial,oquelevouoseconomistas
dos países em desenvolvimento a re-
conheceremadeterioraçãocrescente
nostermosdetroca.
O relatório Cuidar o Futuro, con ir-
ma esta a irmação ao referir que, de
facto, houve investimentos ruinosos
assimcomopráticascorruptas.Contu-
do, também explicita que foi assusta-
dorodeclínionospreçosdasmatérias-
primas, o que resultou numa forte de-
terioraçãodostermosdocomércioin-
ternacional e afectou gravemente os
paísesemdesenvolvimento:“em1993,
eram 32 % mais baixos do que em
1980,emrelaçãoaopreçodebensma-
nufacturados eram 55% mais baixos
doqueem1960”[WORLDBANK,citin,
COMISÃO INDEPENDENTE POPULA-
ÇÃOEQUALIDADEDEVIDA:52-53].
Oanode1980representouaacele-
raçãodeumaviolentacriseeconómi-
caparaospaísesnãoindustrializados,
masosprimeirossinaisdessacrise,de
acordocomoBancoMundial,começa-
ram a sentir-se um pouco mais cedo
emÁfrica;i.e.,nosúltimosanosdadé-
cada de 70. Neste continente, a agri-
cultura,querepresentaamaiorparte
daprodução(cercadeumterçodoto-
tal), foi primeiro atingida pela seca,
que assolou inúmeros locais entre
1968 e 1973. Posteriormente, ainda
noiníciodosanos80,seguiu-seasubi-
da dos preços de energia, que coinci-
diucomodecréscimodospreçosagrí-
colasecom“umadesastrosagestãoda
economia, em particular no sector
agrícola” [EMMERI : 111]. Paralela-
mente,ataxadeinvestimentonaÁfri-
ca subsahariana desceu de tal forma
que, em1983, osmaisde18%deren-
dimentosdosanos70,passarampara
menosde15%.Em1990, Áfricatinha
jáorendimentomaisbaixodetodasas
regiões em vias de desenvolvimento.
A esta estagnação económica asso-
ciou-seumrápidocrescimentodemo-
grá ico que, no seu todo, levou a uma
progressiva deterioração dos níveis
devidadaspopulações[BANCOMUN-
DIAL(1990):20].
O rendimento per capita no conti-
nenteafricanodesceucerca de4%ao
ano, entre 1980 e 1984. Em 1990, já
erainferioraorendimento percapita
de1970.Adívidapúblicaexternacon-
traída aumentou onze vezes entre
1970 e 1984 e os pagamentos do ser-
viçodadívidapraticamentequadripli-
caram; i.e. passaram de 1,2% para
4,4% do PNB. As despesas com a ad-
ministraçãocentralaumentarameas
receitas foram-se mantendo mais ou
menosestacionárias.Osdé icesorça-
mentais passaram a atingir cerca de
10%doPNB[Idem].
Para cobrirem os seus dé ices, os
paísesemdesenvolvimentoviram-se
forçadosarecorrersistematicamente
aempréstimosdospaísesindustriali-
zadosedeinstituições inanceirasin-
ternacionais,comooBancoMundiale
o FMI. Desta forma endividaram-se
ainda mais e tornaram-se ainda mais
pobres.Ofosso,quejáosseparavados
paísesindustrializados,foiprogressi-
vamentealargandoerestou-lhesape-
nas manifestar o desejo de uma nova
ordem económica mundial [SANTOS
BENEDITO:19-20].
Na verdade, o desejo de uma nova
ordemeconómicainternacionalvinha
já sendo reclamado nos anos 70 e 80,
ainda antes da implementação dos
ProgramasdeAjustamentoEstrutural
das instituições de “Bretton Woods”.
Actualmente, não há nenhum país
africano ao sul do Sahara que, para
tentarsobreviveràconjunturaeconó-
mica imposta pela globalização, não
seja dependente de Programas de
Ajustamento Estrutural. Mas, o que,
naprática,severi icaéoinvestimento
para o desenvolvimento dos países
africanosbene iciar,apenasecadavez
mais, os países já desenvolvidos [CO-
MISSÃO INDEPENDENTE POPULA-
ÇÃOEQUALIDADEDEVIDA:53].
O Relatório sobre o Desenvolvi-
mentoMundial 2000/2001doBanco
Mundial apresenta também um con-
junto de dados que justi icam esta
a irmação. É um facto que, desde
1960, a esperança média de vida nos
países em desenvolvimento aumen-
tou,emmédia,20anos;Ataxademor-
talidade infantil, desde 1960, dimi-
nuiu em mais de metade; O ingresso
escolar entre 1990 e 1998 aumentou
13%; o número de pessoas em situa-
ção de extrema pobreza baixou para
78milhões.Mas,emcontrapartida,já
neste início do século XXI, veri ica-se
que a pobreza continua a ser um pro-
blemaglobaldeenormesproporções:
- Dos 6 mil milhões de habitantes
hojeexistentes, 2,8milmilhões(qua-
semetade)vivemcommenosde2dó-
lares/dia e 1,2 mil milhões (um quin-
to)commenosde1dólar/dia;
- Nos países mais ricos, menos de
uma em 100 crianças não completa
os cinco anos. Porém, nos países em
desenvolvimento, um quinto das
crianças morre antes de atingir essa
mesma idade;
-Enquantonospaísesindustrializa-
dosmenosde5%detodasascrianças,
commenosdecincoanossãodesnutri-
das,nospaísespobresaproporçãoche-
gaa50%(i.e.,metadedascrianças);
-Acomparaçãoderendimentosin-
dividuais levada a cabo pelo PNUD
concluiu que 1% das pessoas mais ri-
casdomundo,recebeomesmorendi-
mentoque37%dasmaispobres;
- O rendimento dos 5% mais ricos
domundoé114vezessuperioraodos
5%maispobres;
-Os10%doshabitantesmaisricos
Daautonomizaçãopolítica
àdependênciaeconómica
FFIILLIIPPEE
ZZAAUU
8|RENASCIMENTOAFRICANO 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura
Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012 RENASCIMENTOAFRICANO |9
Áfricaeo“evangelhodeumnovocaminho”
É
comNokNogueiraqueabro
o “tempo africano” tempo
de canção, tempo de “hino
vinte e cinco de Maio pela
reinvençãodocaminho”,eisamelodia
“ó África ó alma ó muxima como rein-
ventarafestadakixima”?Reinventan-
doopensamentodanegritude?Dopa-
nafricanismo? Provavelmente, pois
assim como Nok, subscreveremos “a
memóriadeumaÁfricaenvoltaemte-
lasdeamor”.
Na verdade, Aimé Césaire pensava
a negritude numa dimensão tridi-
mensional:ohomemnegrotemdeas-
sumir-se negro com orgulho, isto é,
identidade, a ligação permanente
comaMãe-áfrica,istoé,a idelidade,e
o sentimento de união e identidade
comumentretodososnegros,istoé,a
solidariedade.Éassimqueinspirados
por esse ideal, cantamos em Mátria
“oh minha África/anelo teus doces
beijos/ no dúlcido amplexo da unida-
defraternal...”
Umprotestointelectual,umatoma-
da de consciência de que nós, africa-
nos,contribuimosdeverasparaopro-
gressodaHumanidadedevepersistir
para desmisti icar os mitos e precon-
ceitosqueocultaramaomundoaver-
dadehistóricasobreÁfrica.Juntemo-
nosespiritualmenteaossábiosCheikh
Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo, Téophile
Obenga e outros para escrever “ale-
griasnorostonegro”,pensar“Senghor
Neto Lumumba Cabral Mandela/ele-
fantesdaliberdade” eanular“aanore-
xiaquegraçanaplanície...ondeabru-
tres almejam o SOL”. “Ó negro de Áfri-
ca/negrosdetodoomundo”eisocha-
mado África, para avançar o tempo e
arregaçar“nocalendárioaessência/a
eloquência” vencendo assim com o
grito do hungo e subscrevendo sem-
preairmandade.
O “evangelho africano” deve evi-
denciar a educação pois no pensa-
mento de Du Bois, ela é instrumento
de luta e de ascensão do homem ne-
gro. A cultura, a história, a literatura,
as tradições africanas devem constar
do projecto político-pedagógico das
sociedades africanas. Deve-se ainda
reivindicar permanentemente os di-
reitosinalienáveisàvida,àliberdade,
àfelicidade,assimcomoagarantiados
direitos de cidadania mantendo o so-
nhodeLutherKing.
Estou com o professor Jorge Mace-
do, ilósofo, etnomusicologo e escri-
tor, ao escrever que a frente cultural
africana não deve se “deixar embru-
lhar pelos traidores africanos colo-
candoÁfricacontraÁfrica,osseusde-
tratores prolongando neocolonialis-
mos de toda a espécie em epaços dé-
beis do período africano pós-inde-
pendência, feridos de guerras civís,
carências, contradições, má governa-
ção,fomesletais...”eoutrosmales.De-
vemosainda olharpara África sobum
novo olhar, com os negros na diáspo-
ra, de modo a desmisti icar
preconceitos e a domina-
çãocultural eurocêntri-
ca.
Como angolanos,
jáéhoradevislum-
brarmosa dimen-
são africana da
nossa cultura e não
aceitarmos rótulos
colonizadores de “povo
sem cultura e a civiilizar”.
Acertaram no recanto dos nossos
valoresoqueafectouanossacaracte-
rísticasolidadriedade,hospitalidade.
Émisterpoisoresgatedosnossosva-
loresangolanoslogo,africanosbantu
e o dever de pensar e fazer por nós
mesmos. Já é hora de emancipar as
nossasmentesdaescravidãocultural,
pensandoBobMarley.
E com o Nok fecho chamando-te “ó
bantucordãoumbilicalretratodepu-
radevoção”“tuésbelezatranscenden-
tal das lores com que enterrámos/
nossos heróis// o Maio anuncia o re-
gresso da bonança na noçãodaspala-
vras...”assimdeverásernesse“tempo
africano”odesbravarnocaminhoum
novoevangelho,umevangelhodePAZ.
VIVAAÁFRICA.
MulembawaxaNgola,
08deMaiode2012.01h49´
NNGGUUIIMMBBAA
NNGGOOLLAA
dos EUA têm um rendimento igual ao
dos 43% mais pobres do Mundo; i.e.,
25 milhões de americanos têm um
rendimento igual a 2 mil milhões de
pessoas.[FERREIRA:30].
*Extractodolivro“EducaçãoemAngola;No-
vos Trilhos para o Desenvolvimento” de Filipe
Zau,editadopelaMoviLivros,em2009.
**PhDemCiênciasdaEducaçãoeMestreem
RelaçõesInterculturais
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ro25b.htm,09/09/2003
14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura
BBoobb MMaarrlleeyy
aa pprriimmeeiirraa
ggrraannddee eessttrreellaa
ddoo TTeerrcceeiirroo
MMuunnddoo
T
alvez poucos saibam, mas
Robert Nesta Marley, ou
simplesmente Bob Marley,
nasceu a 6 de Fevereiro de
1945,naParóquiadeSaintAnn,Jamai-
ca.O11deMaiotemsidoodiaemque
maisgenteseidenti icacomBobMar-
ley.Talcomooex-beattleJohnLennon
queéreverenciadonodia8deDezem-
bro,odiaemquefoiassassinadoenão
a9deOutubro,dianoseunascimento,
assimcomonodia16deAgostoosfans
deElvisPresleyprestamtributoaoRei
doRockenãoa8deJaneiro.Seiquees-
tapolémicaentreacelebraçãodadata
do nascimento e da morte é algo que
fazcorrermuitatinta,noentanto,para
nósRASTAFARIANOS,adatadonasci-
mentoéamaisimportanteporquees-
te é o dia em que iniciámos a nossa a
obra.EisarazãoporqueosRastasrele-
vam mais o 6 de Fevereiro, em detri-
mentodo11deMaio.
Efeméridesaparte,aívãoumasdicas
sobreestemestiço,BobMarley, ilhode
NorvalMarley,o icialdamarinhabritâ-
nicacom45anosdeidadeedeCedella
Booker,umaadolescentenegraJamai-
cana, que vivia em Rodhen Hall. Bob
Marley teve vários ilhos, dos quais
destacamosoprimogénitoZiggyMar-
ley,paraalémdeCedellaMarley,Steven
Marley,todos ilhosdeRitaMarley,Da-
myan Marley ilho, Cindy Breakspear
MissMundoeJulianMarley, ilhodeLu-
cy.Pounder, Ky-mani Marley, de Anita
Belnavis, e Rohan Marley de Janet na
Inglaterra,depoisadotadopelamãede
Bob. Como podem notar Marley teve
váriasmulheres.
Bob falava dos problemas dos po-
bres, oprimidos, África, amor e ques-
tõesespirituais.Foioprincipaldivul-
gadordosideaisdareligiãoRastafary.
Rastaman
Marley começou tocando ska, pas-
sou pelo Rock steady, até chegar ao
reggae.Eleétalvezmaisconhecidope-
loseutrabalhocomogrupodereggae
The Wailers, que incluía outros dois
grandes nomes, Bunny Wailer e Peter
Tosh. Bunny e Tosh posteriormente
deixariamogrupoparainiciaremuma
bem-sucedidacarreiraasolo.
No início, foi produzida por Coxso-
ne Dodd no Studio One. O trabalho de
Bob Marley foi responsável pela acei-
tação cultural da música reggae fora
da Jamaica. Ele assinou com o selo Is-
land Records, de Chris Blackwell, em
1971, na época uma gravadora bem
in luente e inovadora. Foi ali, com No
Woman, No Cry em 1975, que ele ga-
nhoufamainternacional.
Bob Marley era adepto da religião
Rastafári. Ele foi in luenciado pela es-
posaRita,epassouareceberosensina-
mentos de Mortimer Planno (um dos
primeirosanciãosdomovimentoRAS-
TA) . Ele servia de facto como um mis-
sionário rasta (suas acções e músicas
demonstram que isso talvez fosse in-
tencional),fazendocomqueareligião
fosse conhecida internacionalmente.
Em suas cançõe,s Marley pregava ir-
mandadeepazparatodaahumanida-
de. Antes de morre,r ele foi inclusive
baptizado na Igreja Ortodoxa da Etió-
piacomonomeBerhaneSelassié.
Marley também tinha conexões
comacorrenterastafári"DozeTribos
de Israel", e expressou isso com uma
frase bíblica sobre José, ilho de Jacó,
nacapadoálbumRastamanVibration.
EamúsicadeMARLEYtambémba-
teuemAngola,quemnãoselembrado
No Womam No Cry, One Love, ou
Could You Be Loved, músicas que não
apenas os amantes do reggae têm o
prazerdeouvir.
Da grande discogra ia de Bob Mar-
ley temos as seguintes obras: Judge
Not (1961) (compacto), Simmer
Down (1964) (compacto) , Keep On
Skanking(1967),SoulRebels(1970),
Satisfy My Soul (1972), Catch a Fire
(1973),RocktotheRock(1973),Afri-
can Herbsman (1973), Live Jam'
(1973) ,Burnin' (1973), Natty Dread
(1974), Live! (1975) - gravado no Ly-
ceumTheatre,Londres,RastamanVi-
bration (1976), Exodus (1977), Kaya
(1978),OneLoveConcert(1978),Ba-
bylonbyBus(1978),Survival(1979),
Uprising (1980), Live At Rockpalast
(1980),ChancesAre(1981),Confron-
tation(1983),Legend(1984),TheFi-
nal Concert (1985), Talking Blues
(1991),NaturalMystic(1995),Chant
Down Babylon (1999), One Love-The
AssimfalouMarley:
“Oshomenspensamquepossuemumamente,
maséamentequeospossui.”
RRAASS
KKIILLUUNNJJII
10|RENASCIMENTOAFRICANO
RENASCIMENTOAFRICANO|11Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012
VeryBestofBobMarley&theWailers
(2002).Brevementesairáumagrava-
çãodeBobcomCarlosSantana.
Destes álbuns, o meu preferido é o
Rastaman Vibration, mas o pessoal
aqui curte muito o Legend que é uma
colectânea das melhores músicas de
Marley, segundo a editora, outro ál-
bumbemapreciadoaquiéoSurvival.
Os seus ilhos têm feitos regrava-
ções das suas músicas. Muitos músi-
cos tambémtrabalhama suaobra.Na
línguaportuguesa,GilbertoGil,coma
versãodeMulhernãoChoresMaisdeu
opontapédesaídaeposteriormenteo
mesmo fez um álbum apenas com te-
mas de Marley aclamado Kaya nan
Kandaya.
Um mês antes de sua morte, Bob
Marley foi premiado com a Ordem ao
MéritoJamaicana.
Omito
A música e a lenda de Bob Marley
ganharammaisemaisforçadesdesua
morte, e continuam a render grandes
lucros para seus herdeiros. Também
deu a ele um status mítico, similar ao
deElvisPresleyeJohnLennon.Marley
é enormemente popular e bastante
conhecido ao redor do mundo, parti-
cularmentenaÁfricaenaAméricaLa-
tina.Éconsideradopormuitoscomoo
primeiropopstardoTerceiroMundo.
Marley foi agraciado com vários
prémios.Destacoosseguintes:
• 1976 - Banda do Ano (Rolling
Stone)
• Junho de 1978 - Premiado
com a "Medalha de Paz do Terceiro
Mundo"pelasNaçõesUnidas
• Fevereirode1981-Premiado
com a mais alta condecoração jamai-
cana,a"OrdemaoMérito"
• 1999 - Álbum do Século (Re-
vistaTime)porExodus
• Fevereiro de 2001 - Uma es-
trela na Calçada da Fama de Holly-
wood
• Fevereirode2001-Premiado
com um Grammy pelo "Conjunto da
Obra"
• 2004:RollingStoneMagazine
classi icou-o número 11 em sua lista
dos"100MaioresArtistasdeTodosos
Tempos"[4]
• "One Love" chamada canção
domilêniopelaBBC
• Votado como um dos maiores
letristas de todos os tempos por uma
sondagemdaBBC
OlegadodeMarleycontinuamuito
forte.AfamíliaMarley,em2005,reali-
zouaprimeiraediçãodofestivalÁfri-
ca Unite na Etiópia, que não é apenas
músicamasincluioutrasactividades,
comodebatessobretemasrelaciona-
dos com a juventude e outros proble-
masqueaÁfricaeosafricanosenfren-
tam. No anos seguintes os mesmos
festivaisrealizaram-senoGana,África
do Sul e Jamaica. África Unite, porque
um dos grande sonhos deste afro-ja-
maicanoeraveraÁfricaunida.
Os ilhos de Marley estão também
bem lançados. Os premiados das três
últimas edições dos Grammys, na ca-
tegoriade Reggae,tinhamo sobreno-
me Marley. Damiam Marley, Ziggy
Marley e Steven Marley. Ziggy e Da-
miamjáhaviamconquistadorotroféu
emediçõespassadas.
A obra de Marley continua actual,
in luenciandocantoresdeváriosesti-
los e conquistando sempre novos ad-
miradores.AmúsicadeBobnãoéape-
nas uma música Rasta é uma música
paraoMundo,semserdomundo.
12|LETRAS 14deMaioa3deJunho de2012| Cultura
AngolacriaprimeiroCentroNacionaldeLeitura
criarnohomem
criarnamassa
(…)
Criarcriar
criaramorcomosolhossecos.
AgostinhoNeto
A
ministra da Comunicação
Social, Carolina Cerqueira.
inaugurou,nopassadodia8
de Maio, o primeiro Centro
NacionaldeLeitura,projectadoecons-
truídopelasEdiçõesNovembronacida-
dedeNdalatando,tendo-oclassi icado
comoumpreciosobene íciodapaz.
“Os Centros Nacionais de Leitura
são instrumentos fundamentais para
promover a Cultura Angolana e, ao
mesmo tempo, mobilizar a juventude
para o conhecimento. Neste caso, do-
támos esta estrutura de novas tecno-
logias que vão permitir aos estudan-
tes do Kwanza-Norte aprender mais,
investigar, estarem ligados ao mundo
através da Internet e todas as suas
ferramentas”, explicou o PCA das
Edições Novembro, José Ribeiro, no
acto inaugural.
Segundo José Ribeiro, o primeiro
CentroNacionaldeLeituranasceuem
Ndalatando por razões históricas, já
quefoinaquelacidadeque,naprimei-
ra década do século XX, nasceu um
movimentonacionalistalideradopor
intelectuaisdaestirpedeAssisJúnior,
quemaistardeparticipounosaconte-
cimentos de Ndalatando e Lucala,
aliandoaculturaàsededejustiçaeao
sonhodaIndependênciaNacional.
“A Empresa Edições Novembro, ao
projectareconstruiresteedi ício,quis
colaborarcomospoderespúblicosno
projecto exaltante de levar a Cultura
Nacional a todos os cidadãos”, acres-
centouRibeiro.
ObispodadiocesedoKwanza-Nor-
te,AlmeidaKanda,quebenzeuoedi í-
cio, ladeado pelo vice-governador da
província, Manuel Pereira da Silva, e
pelovice-ministrodasTecnologiasde
Informação, Pedro Teta, considerou
queocentro,“emprimeirolugarajuda
os nossos jovens a cultivar a sua vida
académica,intelectual”,porissoespe-
ra que “possam desfrutar deste meio
para o enriquecimento da sua vida” e
esperaque“estacasaestejaaoserviço
da verdade e da justiça, infundindo
uma mensagem reconciliadora que
possaunirasnossaspopulações.”
João Cristóvão, aluno da 12ª classe
na escola Complexo Comandante Be-
nedito,foiumdosprimeirosjovensde
Ndalatandoaensaiarumcomputador
no centro: Para ele, “a vantagem que
euvejonoaproveitamentodestasno-
vas tecnologias de informação é aju-
dar os jovens na sua vida académica,
com as nossas pesquisas, investiga-
ções, temos aqui muitos jornais, te-
mosaquiumasaladeinformáticabem
equipadaquenospermitecontactaro
restodopaíseomundo.”
C
onheci Jean Hébrard no Ar-
quivoHistóricoNacional.Di-
rector do CRBC - Centro de
Pesquisas Bretão e Céltico
daEscoladeAltosEstudosemCiências
Económicas da França, este homem
cordial,depeletisnadapelosol,come-
çoupordizer:“Aminhaespecialidade
éahistóriadeCabinda.Souprincipal-
menteumespecialistadoBrasil.Quan-
dovocêfaladahistóriadoBrasil,você
temdefalarinfalivelmentesobreahis-
tóriadeÁfrica,ehádoislugaresmuito
importantes,ogolfodoBenin,quetem
umarelaçãomuitoprofundacomSal-
vadordaBahia,eaqui,Angola,quetem
uma relação muito importante com o
Rio de Janeiro. Aqui vamos pesquisar
osfactosdopassado,principalmentea
partida dosescravos.O que acontecia
aqui, no momento da captura, da ins-
crição,darelaçãocomasmercadorias
detroca,etc.”
Comooleitorjáseapercebeu,estive
a conversar com um pesquisador das
rotasdaescravatura,que,aliás,temjá
um ítulo publicado nos Estados Uni-
dos, que se chama “Freedom Papers”
(DocumentosdaLiberdade).“Éumli-
vro sobre a história de Rosalie, da na-
ção Poulard, uma escrava capturada
no Senegal, deslocada para Santo Do-
mingo,ilhafrancesa.Elachegouaesta
parte,algunsanosantesdarevolução
haitiana.Foitestemunhadirectadare-
volução haitiana. Mais tarde, foi para
Cuba e aí conseguiu criar uma família
totalmentenova,quecontinuaatého-
je, tem seis gerações, ela era a grande
matriarca. Família essa toda ela des-
cendente de escravos. Antes de partir
deFrança,encontreiumadescendente
dessafamílianoSuldaFrança.Éincrí-
vel! O nome dessa família é Tinchant.
Como é um nome pouco usado, pouco
comum,torna-semuitofácilpesquisar
oseupassado,asuaárvoregenealógi-
ca”,medisseHébrard,comaquelapai-
xãohistóricaqueoenvolve.
O nosso interlocutor prossegue:
“AquinoArquivo,omaterialéfantásti-
co, a minha pesquisa fundamental
agora é procurar entender melhor a
questão do nome do escravo. Porque,
aprimeiracoisaqueacontece,quando
vocêécapturado,éperderoseunome.
Você é imediatamente baptizado e
temdeengolironovonomeeumano-
va identidade, que é uma identidade
cristã.Eumacoisaqueconstateiclara-
mente é que um escravo tem só um
primeiro nome. Jamais um nome de
família.Afamílianãotemvalor,vocêé
João, ilho de Joana, ou Maria, ilha de
Ana, mas você não é nunca João Silva,
vocêéapenasJoão.”
Uma outra questão que muito o in-
teressa,édesaberoqueacontececom
osescravosalforriados.Comoelesre-
construiamumaidentidadenova,du-
ranteaescravidão,depoisdaescravi-
dão nas Américas e também aqui, no
continente africano. “Porque aqui
também houve muitos escravos que
foramalforriadosetiveramderecons-
truirumavidanova.Aquestãocentral
da minha pesquisa é a questão da
identidade. Ser capturado, com um
novoestatuto,umanovacondição,es-
tou muito interessado em conhecer a
situação da escravidão do ponto de
vistadomercado”,concluiuHébrard.
Jean Hebrard realizou ainda uma
palestraemBenguela,comoapoiodo
historiadorSimãoSouindoula,sobreo
temadarotadaescravatura.
JeanHebrardhistoriadorfrancês
“Umescravotemsóumprimeironome”
JJOOSSÉÉ LLUUÍÍSS MMEENNDDOONNÇÇAA
João Cristovão confiante no futuro
LETRAS|13Cultura |14deMaioa3deJunho de2012
Detantasfalas&algumaescrita
N
umacurta,masmuitobem-
sucedida, estadia na Covi-
lhã – onde reencontrámos
oJoséCarlosVenâncio,que
hámaisdeduasdécadasaliseestabe-
leceuleccionandoedivulgandolitera-
turasafricanasnaUniversidadedaBei-
ra-Interior–,tivemosogratoprazerde,
uma vez mais, conviver com o mestre
Luandino.Falámosdetudomais,algu-
ma coisa dentre tantas coisas do hoje
da vida política, cultural (principal-
menteliterária,claro!),danossaterra,
nossaamadasemprepresente.
Inevitavalmente, falámos da nossa
História e dos movimentos literários
geracionaisdesdeosidosdadécadade
quarenta do passado século. Falámos
dosmovimentoseditoriaisemAngola
e das actuais editoras do burgo. Falá-
mosdosautoresnacionaiseestrangei-
ros, tal como Tomás Vieira da Cruz e
seu ilhoTomásJorge,cujaobrapoética
foirecentementerecolhidaepublicada
exemplarmente pela ‘’Kilombelombe
Editora’’ doLapin.
Falámos de Geraldo Bessa Victor e
dealgunsdosseuspecados.Dofolclore
angolano:ÓscarRibasdaCasaMuseue
do ‘’Missosso’’. De Manuel dos Santos
Limade‘’OBuraco’’.DeA.Neto,Viriato,
MárioPinto,deJacinto–poetado‘’Kia-
posse’’, e do Mário António dos ”100
Poemas’’.Poetadere inadapenaeapu-
radasensibilidade.Opróprioensaísta
do‘’RelerÁfrica’’.Falámosdocaráctere
dapersonalidadeliteráriadecadaum
deles, bem como do papel por eles de-
sempenhadonomovimentodeliberta-
ção nacional. Falámos de Rui Nogar,
Craveirinha, Noémia de Sousa, da tia
Alda do Espírito Santo e de Amílcar e
VascoCabral,todosjáfalecidos.
Falámos, como não podia deixar de
ser, da nossa geração de 80 e do nosso
contributoparaaconsolidaçãoeode-
senvolvimentodocorpusedaossatura
damodernaliteraturaangolana.Falá-
mos do Ruy Duarte, do David Mestre,
do Arlindo Barbeitos e naturalmente
dain luênciadestesnassubsequentes
propostasdetextoestéticoeliterarie-
dadeconteudística.Falámosdosuple-
mento «Vida & Cultura», do Jornal de
Angola e do ‘’general’’ do jornalismo
cultural dos anos 80 em Angola, refe-
rindo-nos ao Américo Gonçalves ou
Ocirema,comotambémsubscrevia.
FalámosdoLuísKandjimboenquan-
todedicadoensaístaafricano,dassuas
polémicas e contradições espirituais.
FalámosdaPaulaTavares,quechegou
mesmo a ser apelidada e taxada (por
algumasfemeninasmentalidadespuri-
tanasdeentão...),depoetapornográ i-
caemrazãodoseuprofundoeintenso
erotismopoético.DoZéLuísMendon-
ça, que desprecisou de ser brigadista
da literatura para se a irmar no nosso
contexto geracional como um dos
maiores senão mesmo o maior, com a
sua ‘’Chuva Novembrina’’, seguida da
‘’Gíria de Cacimbo’’ e de tantos outros
títuloscujadiversidadetemáticaeiró-
nica podemos agora certi icar com a
suamaisrecenterecolhapoéticaedita-
da em Portugal pela NÓSSOMOS, uma
editora de poesia com propósitos es-
sencialmente de divulgação cultural
além-fronteiras.
Re iro-me, em suposta primeira
mão, ao ‘’Africalema’’. Livro com 102
poemasescolhidos‘’naquindautilitá-
ria‘’de9doscercade20 publicadospe-
loautor,sobosdesígniosda«existência
popular generalizada», em função da
incompleta glória de ser HOMEM e ci-
dadão do mundo, que se alimenta só e
somentedofrutodaspalavrassempre
rentes à metáfora dos corpos desnu-
dos.
No meio de tantas falas faladas, no
carro, no departamento de sociologia
da Universidade da Beira-Interior, na
bibliotecadaCâmaraMunicipaldaCo-
vilhã, e até mesmo nos restaurantes
corredores e elevadores do hotel cujo
nomenãoéaquichamado,algoquenos
chamou devidamente a atenção e to-
couprofundamenteocoraçãofoiofac-
todequeopúblicoleitoreamantedali-
teratura em Portugal já entendeu que
Angola, e os demais países africanos
colonizados por Portugal, não têm só
umametadedemeiadúziadeescrito-
resquelhessãoinsistentementeapre-
sentados em razão do circuito do co-
mércioeditorial.
Ficouclara–apreto-e-brancoeaco-
res! –, a necessidade e e avidez de co-
nhecerem também os outros. Os não
euro-descendentes,comodiriaoRicar-
do Riso. Os outros ainda não editados
em Portugal. Os outros que só editam
localmente.Osoutros,osoutros,osou-
tros....pois,osleitoresestafados...mui-
tocansadosmesmocomosmesmos,os
mesmos,ecomosmesmos.
...E falámos que isso acontece tam-
bémporculpadadebilidadedaspolíti-
cas culturais no mundo da cultural-
mente‘’inexistente’’Comunidadedos
PaísesdoscidadãosfalantesdaLíngua
que«supostamente»Camõesimortali-
zou. Por isso e por exemplo, os livros
editadosentrenósnãocirculamemla-
do nenhum nem mesmo no interior
dos nossos países africanos. Assim
sendo,julgamosestarmaisquenaho-
ra,jácomtamanhoatraso,dequemde
direito pensar e repensar sobre esta
suave polémica em questão. Os bens
culturais devem circular, mas não de
qualquermaneira.
Na Covilhã e em boa companhia,
passamosmomentosregradosemuito
bem regados. Falámos, falámos, falá-
mos mas, em abono da verdade e para
vossogoverno,interessa-medizer-vos,
inalmente, que nós ouvimos mais do
que falámos, pois assim reza a regra
primeira segundo Ruy Duarte de Car-
valhonoseulegado:HUMILDADE!
Odivelas,Maiode2012
JJ..AA..SS..LLOOPPIITTOO
FFEEIIJJÓÓOO KK..
NNOOTTAASS && NNÓÓTTUULLAASS
Escritores angolanos na Covilhã
A audiência
14|LETRAS 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura
P
ara compreender os funda-
mentos epistemológicos
dos Estudos Africanos nos
quais se inscrevem os Estu-
dos Literários Africanos, importa in-
terrogar-nos sobre o momento a par-
tirdoqualseconstituemcomocampo
disciplinar dando lugar ao processo
deproduçãodoconhecimentosobreo
continenteafricano.
Numa abordagem histórica e
comparadadosEstudosAfricanos,en-
quantoinvestigaçãoespecializadaso-
breassociedadeseculturasafricanas,
a que também se designa por «africa-
nismo», observa-se que eles são uma
emanação das políticas coloniais da
Alemanha, Grã-Bretanha, França e
Bélgica, potências que disputavam a
ocupaçãoefectivadeÁfrica,procuran-
doconferiràsuapresençaumalegiti-
maçãocientí icamaisintensa,durante
as duas primeiras décadas do século
XX. Foi na Alemanha onde, em 1910,
ocorreuaprimeiraexperiênciadeins-
titucionalizaçãoacadémicadosEstu-
dosAfricanos,porocasião danomea-
ção de Diedrich Westermann como
professor do Departamento de Lín-
guas Orientais na Universidade de
Berlim.Seguiu-seaGrã-Bretanhacon-
sagrandoessedomíniodosabercoma
criação do International Institute of
African Languages and Cultures, em
1926, que passou a publicar a revista
África. O surgimento da School of
OrientalandAfricanStudiesnaUniver-
sidade de Londres, em 1939, substi-
tuindoaSchoolofOrientalStudies,tes-
temunhaaexistênciadeumacomuni-
dadedeinvestigadores,antropólogos
e sociólogos, que realizavam já pes-
quisasemÁfrica.EmFrança,ainvesti-
gação neste domínio adquire uma di-
mensão institucional alguns anos
maistarde,apósafundaçãodaSociétè
desAfricanistesem1930.
Ora, é legítimo levantar questões
acercadocarácterafricanodosEstudos
Africanosedaunidadedassuasdiscipli-
nas,talcomofazPaulinHountondji.Ao
esboçarassuasrespostas,partindodo
pressupostodequeaactividadecientí i-
caemÁfricapodeserquali icadacomo
«extravertida» e «destinada a ir ao en-
contro das necessidades teóricas dos
nossos parceiros ocidentais e respon-
deràsperguntasporelescolocadas»,o
ilósofobeninenseescreve:
Os chamados estudos africanos não
só se baseiam em metodologias e teo-
rias que se consolidaram em vários
campos […] muito antes de terem sido
aplicadasaÁfricaenquantonovocam-
po de estudo, como é, de resto, comum,
em instituições académicas e de inves-
tigação, encontrar esta matéria asso-
ciadaaoutrasdisciplinas[…].
Portanto,éperfeitamenteadmissí-
vel discernir perspectivas radical-
mentediferentesdefendidasporAfri-
canosenão-Africanos,noquedizres-
peitoàsemânticadosEstudosLiterá-
riosAfricanosesuasdisciplinas.
Na organização institucional das
universidades, os Estudos Literários
Africanos constituem-se após a Se-
gunda Guerra Mundial. Foi nas déca-
dasde40e50quesurgiramasprimei-
rasuniversidadesafricanasdoséculo
XX.MasaformaçãodosEstadosinde-
pendentes ocorre a partir da década
de60,obedecendoaomodeloociden-
taleherdandoasfronteiraseasinsti-
tuiçõespolíticasdasantigaspotências
coloniais.Aedi icaçãodesistemasde
ensinoquepudessemincorporarcon-
teúdos programáticos sem qualquer
in luênciaexternafoiimediata.Emal-
guns países africanos as mudanças
curricularesdematériasrespeitantes
àsLiteraturasAfricanasocorreramlo-
go a seguir à independência. É o que
sucedeucomoSenegal,ondesereali-
zou o primeiro colóquio consagrado
ao ensino das Literaturas Africanas,
em 1962. Na Universidade de Dakar
assim como na maior parte das uni-
versidadesafricanas,aestadisciplina
foraconferidoumestatutosemelhan-
teaoutrasdisciplinasleccionadas,no
âmbito da organização de
departamentos autóno-
mos (Kane, 1994:27-39).
Quantoaoensinosecundá-
rio, as Literaturas Africa-
nas, sustenta Kane, foi in-
troduzida de modo anár-
quico, sem métodos, sem
programas.Numa perspec-
tiva comparada, verifica-
se que nos países africanos
de língua francesa, o ensi-
no das Literaturas Africanas
nas universidades e nas escolas se-
cundárias se consolida em princípios
da década de 70. Por exemplo, a in-
trodução de textos literários africa-
nos (incluindo a literatura oral tradi-
cional) ocorre apenas em 1972, após
a Conferência de Ministros da Educa-
ção, realizada em Madagáscar.
Nos países africanos de língua in-
glesa, o mais expressivo sinal de mu-
dançaproduz-secomumtextodatado
de 1968, subscrito por três autores
origináriosdaÁfricaOriental,através
do qual defendem a abolição do De-
partamentodeInglêsnaUniversidade
deNairobieacriaçãodoDepartamen-
to de Línguas e Literaturas Africanas
(WaThiong’o,1982:145-150).Talco-
mo diz Biodun Jeyifo, «the constitu-
tionofAfricanliterarystudyasalegi-
timateacademicdisciplinewithcerti-
ieddegreesandprofessionalspeciali-
zation began in Africa, not in Europe
orAmerica». Podedizer-sequeocen-
troinauguraldegravidadedeumensi-
nosériodasLiteraturasAfricanasestá
situadoemÁfrica.
Ao apresentar as conclusões do um
inquéritosobreoensinodasLiteraturas
Africanasnasuniversidadesdospaíses
africanosdelínguainglesa,BernthLind-
fors,observaqueadescolonizaçãodos
estudos literários
emÁfricaestavaemcursoeemestado
bastante avançado. Nota que dos 194
cursosseleccionadosem30universida-
desdouniversode14países,aamostra
representavacercade60%donúmero
total de cursos em que se inscrevem
226autores.Aconclusãoaquechegao
referido investigador permite susten-
taraideiadequeasLiteraturasAfrica-
nas ocupavam um lugar signi icativo
nosprogramasdosDepartamentosde
Inglês, Departamentos de Literaturas
Africanas ou Departamentos de Lín-
guasEuropeias.Estesindicadoresesta-
tísticos fornecem um quadro que re-
lecte,provavelmente,deigualmodoa
situaçãodospaísesdelínguafrancesa.
Efectivamente,ainvestigaçãoeoensi-
nodasLiteraturasAfricanastinhamal-
cançadoníveissemprecedentes,espe-
cialmentenoquedizrespeitoàsuains-
titucionalizaçãoacadémica.Ignora-se,
noentanto,ecomalgumarazãooquese
passa nos países africanos de língua
portuguesa.
Oprocessodeautonomizaçãodisci-
plinar das Literaturas Africanas foi
dando origem ao abandono das deno-
minações generalistas elaboradas na
basedecritériosraciais.Ahistoriogra-
iaregistain luênciasprofundasqueo
movimentopanafricanistaeposte-
Literaturasafricanas
ouLiteraturaAfricana
LLUUIISS
KKAANNDDJJIIMMBBOO
Institucionalizaçãodeumadisciplina
DR
LETRAS|15Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012
riormente a Negritude exerceram so-
breasideologiasdosescritoresAfrica-
nos.DurantemuitotempoasLiteratu-
ras Africanas eram adjectivadas com
fundamentonocritériofalaciosodara-
ça.Eracomumousodeexpressõesco-
mo«literaturanegro-africana»,«litera-
tura neo-africana» ou simplesmente
«literaturanegra»
Parajusti icartaisdesignações,Ly-
lian Kesteloot, na sua Anthologie Né-
gro-Africaine,argumenta:
Consideramos a literatura negro-
africanacomomanifestaçãoepartein-
tegrantedacivilizaçãoafricana.Emes-
moquandoéproduzidanum meio cul-
turalmente diferente, anglo-saxónico
nos Estados Unidos, Ibérico em Cuba e
noBrasil[…]Oespaçodaliteraturane-
gro-africanacobrenãoapenasaÁfrica
ao sul do Sahara, mas todos os cantos
do mundo onde se estabeleceram co-
munidadesNegras,sobosauspíciosde
umahistóriaturbulentaquearrancou
ao Continente centenas de milhões de
homenscomoescravos[…].
Otipodeargumentosaduzidospor
autorescomoLilyanKesteloot(litera-
tura negro-africana), Janheinz Jahn
(literatura neo-africana) ou Jacques
Chevrier(literaturanegra)nãoofere-
cemqualquerconsistênciateóricapa-
ra merecerem a dignidade que lhes é
conferida. A partir da década de 70 e
80, a tendência dominante da crítica
designa as Literaturas Africanas no
plural,con inando-asaosespaçosna-
cionais.Passamaserpublicadosestu-
doseantologiasqueobedecemaocri-
tériodanacionalidadeliterária.Deste
modo,LiteraturasAfricanasouLitera-
turaAfricanaéadenominaçãodeuma
disciplinaquepelasuavocaçãogene-
ralista contradiz a lógica do Estado-
naçãodequeemanaoparadigma ilo-
lógico nacional em que se funda o en-
sino das LiteraturasEuropeias. Não é
raro encontrar professores e investi-
gadores europeus e americanos que,
negando a existência de literaturas
nacionais em África, defendem a de-
nominação colectiva destas literatu-
rasenquantodisciplinacujade inição
depende do seu vínculo com as lín-
guas europeias em que são escritas,
sendo,porisso,leccionadasnoâmbito
de Departamentos de Estudos Ingle-
ses,FrancesesouPortugueses.Porau-
sência deumarobustaepistemologia
africana independente, observam-se
repercussõesdeletériasdessahierar-
quizaçãonasuniversidadesafricanas.
Deste modo a investigação e o ensino
das várias Literaturas Nacionais do
continente africano em muitos casos
ainda assentavam em duas hipóteses
erradas.Emprimeirolugar,adenomi-
nação generalista de Literatura Afri-
canaouLiteraturasAfricanasqueeli-
minaapossibilidadedepassaràcom-
preensão das suas especi icidades.
Emsegundolugar,abalcanizaçãolin-
guística dos Estados que está na ori-
gem da marginalização das Literatu-
ras Africanas de Língua Portuguesa
dosEstudosLiteráriosAfricanoscuja
denominaçãodisciplinar(Literaturas
Africanas de Expressão Portuguesa)
empaísescomoPortugalrevelaaper-
vivênciadeumpaternalismocolonial
que, segundo o investigador portu-
guês Carlos Reis se manifesta através
de uma «mal disfarçada resistência
contraoreconhecimentodosigni ica-
dopróprio[…]frutoempartederemi-
niscênciasideológicasderaizcolonia-
lista, essa resistência funda-se tam-
bémnaleituradetaisliteraturasàluz
docânoneliterárioportuguêseeuro-
peu,leituradestepontedevista,éna-
turalmentedesquali icadora».
Apesar disso, o volume de tra-
balhos de investigação consagrados
às Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa deu lugar à sua discipli-
narização em várias universidades
do mundo, especialmente do Brasil,
Portugal e Estados Unidos da Améri-
ca. Se entendermos que o processo de
disciplinarização comporta duas fa-
ses, uma pré-disciplinar e outra disci-
plinar, concluiremos que à primeira
chega-se em finais da década de
70.Mas a fase disciplinar não alcan-
çou a sua consolidação.
Na fase disciplinar destacamos
nomes de três professores universi-
tários, os discipline-builders, no-
meadamente Russell Hamilton dos
Estados Unidos da América, Manuel
Ferreira de Portugal e Maria Apareci-
da Santili do Brasil.
ManuelFerreiranotabiliza-secomoo
responsávelpelaintroduçãodadiscipli-
na de Literaturas Africanas de Expres-
sãoPortuguesanaFaculdadedeLetras
daUniversidadedeLisboa,em1974.Se-
guiram-se as Faculdades de Letras da
Universidade do Porto em 1975, pela
mãodeSalvatoTrigoe,em1980,asFa-
culdadesdeLetrasdaUniversidadede
CoimbraedaUniversidadeNovadeLis-
boa.Asuainstitucionalizaçãoocorreria
em 1978, através dos Decreto-Lei nº
53/78de31deMaioedoDecreto-Leinº
75/84 de 27 de Novembro. Os primei-
rosMestradoseDoutoramentosforam
criadosnosanos80doséculoXXpelas
universidades em que se leccionava a
disciplinaaoníveldalicenciatura.
No Brasil, em 1984 discutia-se
ainda a legitimação do ensino das Li-
teraturas Africanas nos cursos de Le-
tras. Durante as duas décadas que se
seguiram, ao que parece a situação
não sofreu alterações signi icativas,
apesar da «última proposta de refor-
mulaçãocurricular»,talcomonosdiz
a professora Laura Padilha (2010:4)
que chega mesmo a defender, em ma-
tériadeensinodasLiteraturasAfrica-
nas de Língua Portuguesa, a necessi-
dadedeuma«descolonizaçãocurricu-
lar»paraoBrasil.
Chamoaatençãoparaofactode
incidirmosa re lexão sobre as Litera-
turasAfricanasdeLínguaPortuguesa
emgeral.Nãorigorosamentedaslite-
raturas nacionais de cada um destes
países. É de ensino das Literaturas
Africanas de Língua Portuguesa que
setrata.Levanta-seaquiapossibilida-
dedeestarmosperanteduasdiscipli-
nas, Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa e a Literatura de cada um
dospaíses,istoé,LiteraturaAngolana,
Literatura Moçambicana, Literatura
Cabo-Verdiana, Literatura da Guiné-
Bissau e Literatura de S.Tomé. Rela-
tivamente à primeira podemos falar
da necessidade de desenvolver um
ensino interdisciplinar cruzando os
Estudos Africanos e as Literaturas
Africanas de Língua Portuguesa, es-
tabelecendo as devidas linhas de
diálogo com as Literaturas Africanas
de Língua Inglesa e Língua Francesa.
No dizer de Jean-Marie Grassin, a
aludida perspectiva comparatista
começaria por privilegiar a aborda-
gem inter-africana :
Trata-se de valorizar a sua especi i-
cidade e o seu papel nos grandes con-
juntos literários para os quais ela terá
contribuído […] Um comparativismo
intra-africanopermitiria situar, atra-
vésdoestudodoscorrelatosexternos,a
cultura africana no quadro das gran-
des correntes artísticas, políticas e so-
ciais do planeta. O que é indubitavel-
mente melhor do que um olhar sobre a
palavra africana no seio dos grandes
conjuntos exófonos. (Grassin, 1984
:257-271).
Portanto, é um imperativo para os
Estudos Literários Africanos, proce-
deràrevisãodasdenominaçõesdisci-
plinares das Literaturas Africanas no
pluraledasLiteraturasnacionaisdos
países africanos no singular. É que a
história da formação das disciplinas
demonstraopapelqueonomedeuma
disciplinaeasuaestabilidadedesem-
penhamnasuaconsolidação,alémde
outros factores como a existência de
publicaçõescientí icas,nomenclatura
pro issional, publicidade institucio-
nal, comunidades cientí icas organi-
zadasemassociações.Aonívelinstitu-
cional,acriaçãodeunidadesdeinves-
tigação e ensino nas universidades,
taiscomoDepartamentodeLínguase
LiteraturasAfricanas,Departamento
de Estudos Literários Africanos, De-
partamento de Literaturas da África
Austral, Departamento de Estudos
ComparadosAfricanos,cursosdepós-
graduação,mestradoedoutoramento
visandoaespecializaçãoemáreasco-
mo Literatura Angolana, Literatura
Moçambicana, Literatura Cabo-ver-
diana,LiteraturaOralTradicionalAn-
golanaouMoçambicana,etc.,podeas-
sumirumaimportânciadecisiva.
A cidade de Dakar no Senegal albergou no ano de 1962 o primeiro colóquio consagrado ao estudo e ensino das literaturas africanas
16|LETRAS 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura
A
pós a publicação da obra «
As origens do Reino do
Kongo », Patrício Batsika-
ma nos propõe, aqui, um
estudo, na realidade, adicional ao
primeiro que tive, igualmente, o
prazer de apresentar, neste lugar,
meses atrás.
Estendendo-se por 328 páginas
comumcomplementodeumadezena
de páginas de um corajoso índice re-
missivoepublicadosobachancelada
Universidadeeditora,olivroarticula-
se em sete capítulos, dois anexos e
umarespeitávelbibliogra ia.
A ilustração da capa é bastante sig-
ni icativa.Trata-sedobustorealizado
peloescultoritaliano,FranciscoCapo-
rale,sobinstruçãodoPapaPauloV,do
Embaixador acreditado no Vaticano
pelo Rei do Kongo, Álvaro II, Dom An-
tónioManuelNeNvunda,quefaleceu,
nodia6deJaneirode1680,emRoma.
Corpora
Interessadoaagregar,omaispossí-
vel, elementos orais e antropológicos
doprovávelaportedoeixomeridional,
fundadordoconjuntofederal,oautor
engaja-se num exercício, paciente, de
reexame,àluzdessastradiçõesdeca-
rácter histórico, de princípios cons-
trutoresdasestruturassociaisepolíti-
casdoReinoedaconstanteconcepção
edi icadora do tríptico. E não se priva
de plantar novas propostas de leitura
dageogra iapolíticada«União».Para
não negligenciar nenhuma pista nas
corpora, o neto de Raphael aprecia,
prudentemente, - pântano homofó-
nico e homográfico obrigue ! -, as «
coincidências » linguísticas atesta-
das no falar da velha população !
kung ou Khoi ; arrastadas, provavel-
mente, desde mais de 2000 anos, nu-
ma evolução de interações civiliza-
cionais francamente desequilibradas
com os migrantes, dominadores ou
engolidores bantu. A apresentação
desses traços justifica-se pela reco-
lha de lendas supondo a presença de
um substrato humano pré-kongo de
tipo pigmeu.
Ainevitávelpistaovimbunduéexa-
minada, bastante substancialmente,
nassuassimilitudesdenaturezatopo-
nímica ou de conceção ligada às ori-
genseà organizaçãodaslinhagensde
poder; boa direção de investigação,
sendo as populações dos Planaltos
centrais, notoriamente, o resultado
dasdiferentesvagasmigratórias,vin-
dasdesetentriãoedooriente.
O mesmo exercício de concordân-
ciasbantu,con irmativo,entreosKon-
go e os Herero, os Nyaneka-Humbe, e
acessoriamente, os Kwanyama e os
Cokwe,éproposto.
O autor apresenta, em seguida, o
essencial das provas arqueológicas
que confirmam a cristalização da
especificidade kongo à volta do fim
do primeiro milénio da nossa era,
estabelecendo laços de parentesco
com a cultura material (cerâmica,
vestígios metalúrgicas etc.) com os
Bantu meridionais.
A im de avaliar o aporte do “Sul”, a
fundação do Kongo dia Ntotela, o au-
tor não exclui as voláteis reconstru-
çõesmíticas,contemporâneas, degé-
nese, de base cosmogónica ou espá-
cio-temporal.
LigaçõesAustrinas
Examina, inalmente,sempre,nesta
linhadeinvestigação, asligaçõesaus-
trinasdaformaçãodaarquiteturamo-
nárquica instalada nos Planaltos de
Pembacassi,apartirdasirrefragáveis
fonteshistóricasdasprimeirasanota-
çõesdeautoresportugueses,italianos
e holandeses mas igualmente, as cor-
respondências dos próprios sobera-
nosdoKongo.
Esta análise é, também, feita a par-
tir das releituras de investigadores
contemporâneos.
Oméritodapresenteobra,querepre-
sentaumestudodegrandevisão,éode
ter posto em ili-
grana,nabasedefontesorais,arqueoló-
gicas e escritas, um povoamento ante-
kongo,deestádiovisivelmenteneolíti-
co, constituído de grupos pigmeus e
strandlopers, comunidades bem ne-
gróides mas não locutores de línguas
bantu, como tínhamos suposto. Essas
populações serão, gradualmente, ab-
sortas, antes do início da nossa era,
pelos poderosos Bantu, metalurgis-
tas, uma franja dos quais ocupará a
região do Baixo Rio, a partir da flo-
resta equatorial, mas cujo essencial,
contornará, com razão, essa temível
e densa barreira vegetal. Avançarão
através das linhas de florestas tropó-
filas e savanas orientais e austrais.
Um dos reflexos históricos desta
hipótese de esquema de expansão é
o posicionamento estratégico, avun-
cular, do Ne Mbata, chefe do Estado
oriental do conjunto federativo, fac-
to atestado nas fontes escritas e ré-
citas kongo.
En im,aoutraevoluçãoindicativae
o reconhecimento pelos próprios
Kongo, da presença, no seu seio, de
componentes mbundu, quer dizer de
assimilados.
Emsuma,apresenteanálisecon ir-
ma a nossa asserção sobre o facto de
queosintensosmovimentosmigrató-
riosdosBantuteremconstituído«pe-
ríodosdegrandedinâmicahistóricae
antropológica»;e,nasorigens,opaís
deNimiaLukeninãoescapouaisso.
SSIIMMÃÃOOSSOOUUIINNDDOOUULLAA
“OreinodoKongo
easuaorigemmeridional”
Momento em que o autor Patrício Batsikama
fazia uso da palavra
PAULINO DAMIÃO
LETRAS|17Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012
APoesiadasúplicasatírica
edeatalhosquedãoaocoraçãodaÁfrica
“MarcasdaGuerra,PercepçãoÍntima
eoutrosFonemasDoutrinários”deLopitoFeijóo
P
ercepçãoÍntimaéna“branquinha”e“vir-
gem” pureza do simbolismo a lágrima e a
gota de sangue africanas das “Marcas da
Guerra”. É uma descida carregada dum
cepticismoinofensivo,“angelicalmente,”semalie-
nações ao âmago da África e sacudindo o leitor da
prisão ideológica, “exílio”, por via da ideia de uma
Áfricaparadoxalmentenovaouvirgemmasjácheia
demácula.
É, também, entre “ Outros Fonemas Doutriná-
rios”,umasúplicasatíricadosujeitoaonovotipode
“Kamikaze”quecaminhaminadoparaofuturoeum
atalhoparaocoraçãodaÁfricaanteosnovoscami-
nhose“voos”“propostos”pela“bailarinadesaiaas-
sombrada”, tida como proposta metafórica da dis-
persãodosnovostempos:
MARCASDAGUERRA
(…)
3
Dez
troçosnostroços
estaviagemqual
virgemcontemplando
se
esfarrapada.
4
Dosolhos
destacriançaescorre
umbrilho
sangrento
umgritoinaudível
umsonho
porsuposto
(…)
Comtrintaecinco“visõesinterpretativas”dividi-
das em “ Doutrina Sentida”, “Rebelde Doutrina” e
“DoutrinaTelúrica”,ospoemasestãocolocadosnum
sentidodegradaçãoprogressivadatesetecida.Esta
arquitectura restringe qualquer possibilidade de
desencontro,alternânciabruscaouinjusti icadade
tomedetemáticanaobraedenunciaastrêspartes
como fases de uma metamorfose homogénea do
poeta cuja criação é antecedida pelo teste da
apreensãodos sentidos, convulsãoe, inalmente, a
acçãoanunciadoradoporvir.
Maisdoqueumaferramentadapercepção,opor-
vircrescegradualmenteemtodosospoemasoraem
re lexoexplícitooraimplícitonadinâmicadapala-
vracriandoumaespéciedea inidadeelectivaentre
os poemas que conferem a obra a elevação de ma-
crotexto.Sublimementerebelada,deacçãoafectadae
semcon lituarcomorelativismo,poisprofessauma
esperança subentendida e um débil hedonismo, o
mais concreto desta poesia veri ica-se na negocia-
ção/combateentreopoetaeaconsciênciacolectiva
actualparaestaÁfricaqueépassivamenterefém,víti-
maviciadadosdanoscolateraisdoocidenteequese
desembaraçaanteodesbravardosnovosdesa ios.
Opoetafotografaoseumedopelalinhaténuepor
ondeseupovocaminhanaparadoxaltentativadeir
buscar-seesofrecomaexistênciadapossibilidade
de África ser, para a posterioridade, uma ideia fu-
nesta,umaréstiaemmitodeumacontecimentoain-
da moribundo nos dias de hoje e debate-se paro-
diando com a dualidade de realidades actuantes
desta África que é, simultaneamente, berço da hu-
manidade mas da miséria e da fome e inferno do
presentemas“suposto”paraísodofuturo:
INFERNO
(…)
3
Nascopas,loiçade/mais
Sevaipartindo
enós,defome,engolindocacos
(…)
Ospoemasnãonascemdovagoebradamsobrea
sobriedade de uma consciência combativa. A pala-
vrapoéticaéatiradaemtaquicardia,jápossuídade
umaimprevisívelfeitiçarianacriaçãocoesadopoe-
masuperioraunidadedecrivodamesma,umtanto
contrária da técnica de criação modernista e que
transformam os poemas em autênticos gestos da
modernidadecomgravitaçõesdagravidadedodis-
curso apurado pelas correntes de pensamento da
retórica prisional. Do resultado deste palpitante
processocriativonascemrecriações arquitextuais
que atravessam as diversas formas do lírico e que
propõemacomunhãocomaprosa:
TESTEMUNHO
(…)
Testemunhoportodasasequinasmor-
tosdesiguaisporsuaculpa.Todaelasua
culpa.Venho.Façodasminhascarnesas
espadas dos nossos ante/passados por
ora num sítio a noroeste de Kush nas
margensdoNobreNilocompartilhando
ibundosdaqui.Seiquechegarãopelavia
deUpembaacompanhadosdealgumga-
do,-quehaviasidoemrazãododestino-,
vítimadafomeaquandodaprimeiradas
primeiras de todas as secas com que vi-
mossendoagraciados.
(…)
A “carga de alma” é aqui expressa por via de um
panteísmopraticadopelasculturasafricanaseque
opoetasegueetomadecontextoedeelmo.Noder-
ramamento poético, os rios, desertos, matas e bi-
chos são evocados e restituídos na sua posição
transcendental:
NASEDEDOSRIOSAFRICANOS
-NILO
Percorre divinamente de cabeça es-
branquiçada
fertilizantedecheiasestivais
(n)aquelatelavistaporFromentin
-NIGER
Umapontemetálicaperpassa
oíntimocaudaldoseucoração
comdestinoaBernue
-CONGO
A espessura do seu marulhar murmu-
ra
noreinadocoma lu
vialidadedaságuasbenzidas
-KWANZA
Feitosímbolodere(s)
posta nação aparece caudalosamente
re
ajustado entre norte e sul. Este ou
aquele?
-ZAMBEZE
P´losditosdecantinadeleita-se
Lungue-Bungopopular
Incenerados seus antepassados levi-
tampróximodo
[Zumbo.
-ORANGE
Oh… Garieb. Corre, salta, estende-te,
desdobra-te
Autonomiza-te o sol ao Cabo das Agu-
lhas
tãobememrazãodaidentidade!
.
Aobraéumjangoondeosdeusesafricanosseen-
contram.E,sobamúsicasimbolistadeLopitoFejóo,
osdeusesdançamemcomunhãocomanatureza.A
invocaçãoéconstantee,maisdoqueumaentidade
identi icadora,anaturezaacordareunidanapoesia
comopalcodareuniãodosdeuses,entidadesincor-
ruptíveis,parteconcreta/secretadaÁfricaeabsolu-
tamentedisponíveisachorarporela.
MMAATTAADDII MMAAKKOOLLAA
18|LETRAS 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura
Assim, o poeta, porta/portador quali icado da
mensagem, traz das entranhas da África um grito
antecedidodechoro.Osdeusesdes ilamnacorren-
tezadaab-reaçãodapoesiadeFeijóo:
PURA&MADURA
I
Chamam-meÁfrica
Paribastardosebastantes
Quemesmosofrendoalém-mar
Seuberçopodeesigni ica.
II
Nkundi ou Npangui são tão ilhos
quantotu
DoBurundiouRuanda
Tenho-os tão bem em Luanda [no
Kwandaouna
Ganda].
III
-Ohfeitiçodecarneeossos:
Sincroniza-te
emrazãodosnossos
ecomosempreimenso,multiplica-te-
me.
IIII
Soumulher/mãeentreYorubaseBan-
baras
Entrego-te-mepouca,loucaemadura
PURA AFRICA PURA!
PERCEPÇÃOÍNTIMA
(…)
-Uma cidade por aqui, é um autêntico
mercado
daserpentedoprazer
todosvêmevão.Vemevão,vãoemvão
II
Estasinceramenteésimplescidade
novevezesforaateciturasistemática
invisivelmente equacionada à moda
acidental
comoventes estradas aéreas rasgam-
lheatextura
lorestal
estampada no semblante do comum
cidadão
quaseemdesuso
Tudoémodernoeoriginal
sobresaindoempolgânciadosdeuses
Háuças,Ybos,Yorubas,Peules,Fulanis,
eetc.
(…)
Cinema|ARTES|19Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012
Terça Feira 22 de Maio
Terça Feira 15 de Maio
19.00 Horas, entrada livre
19.00 Horas, entrada livre
Sãoestesospróximosdois ilmesqueoCinemaNoTelhadoiráexibirterças-feiras,às19horas,noterraçodaUniversidadeLu-
síada,naruado1ºCongressodoMPLA.
OmêsdeMaioétotalmentededicadoácinematogra iaangolana.
Nodia15deMaio,seráexibidoodocumentárioangolanoRITMOSURBANOS,MELODIASDEUMAIDENTIDADEdeIsilda
Hurst.EmAngola,astradições,amúsicaeadançatêmdesempenhadoumimportantepapelnapreservaçãodamemóriacolec-
tivaedaidentidadeculturaldeumanação.Entreosestilosurbanos,comoRebita,Kazukuta,Semba,Kizomba,podemosencon-
trarumamisturadeelementosquetornarampossívelàspessoas reinventarassuasprópriastradições.
Nodia22deMaio,oterraçodaUniversidadeLusíadaexibiráo ilmeAVIAGEMAOKUROKA.DirigidoporNguxidosSantos,
trata-sedeumdocumentáriocolorido,emportuguês,semlegendasquenosmostraodesertodoNamibe,oshábitosecostumes
dapopulaçãodomunicípiodoKuroka.
Aexibiçãodestes ilmesestáincluídanoprojectoMABAXA-FestivaldeCulturaUrbana,doInstitutoGoethe.
C20|ARTES|Música 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura
Nagrelha
EEssttaaddoo mmaaiioorr ddoo kkuudduurroo
ccoonnttiinnuuaa nnoo BBaaiiããoo
Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012
É
actualmenteumdosmaioresnomesdoesti-
lo kuduro. Tem no registo o nome de Gelson
CaioManuelMendese,nospalcos,Nagrelha.
Integrantedogrupoos“Lambas”,muitasve-
zesaparececomolíderdeste,emboranaen-
trevista que nos concedeu em casa, sita na
rua do Baião, distrito do Sambizanga, pre-
tenderapenasfalardesi.Aletra“Comboio”,
música do primeiro CD do grupo a que per-
tence e escrito por ele é uma das suas maio-
res motivações para num futuro breve retratar a sua vida numa
obraliterária.
Di ícil foi sentar com Nagrelha. Pois só através de Kanguimbo
Ananás,aquemchamademãe,foientãopossívelaconversa.Foram
precisasquatrohorasdeespera,numsolardenteentrerisadasso-
brehistóriasdomundodoKuduro.“Nagrelhaéhumano”,diziaoku-
duristaDaBeleza,amigodocantorquenaocasiãoseencontravano
local.Otempopassavaeoutrosmúsicoschegavamàresidênciade
Nagrelha:100Maneira,CháPreto,Trator,Mago,Weza(dasfuguen-
tas)sóparacitarosquesãodaslidesdomúsico.“Estasemprefoia
nossacasa”,disseumdosmúsicos.
Depois de longa espera, surge Nagrelha, extrovertido e sério,
convidando-nosacomermacaiabo,seupratopreferido.“Aconver-
saéNagrelhaouosLambas?”,perguntouomúsicoaosrepórteres,
tendodeseguidaadvertidoquesófalariasobreogruponapresença
dosoutroselementos. “OsLambaséumgrupocompostoporbaila-
rinoseoutrosvocalistas”,advertiuomúsico,quenomesmoinstan-
tepediuparaumdospresenteschamarBrunoKing,outrovocalista
dogrupo.Esteacaboupornãocomparecer,pornãoseencontrarno
bairro.
Nagrelha,paraalémdecantareencantar,tambémaprecialetras
deoutrosartistas.EfoinamúsicadeDavidZé,reproduzidapeloir-
mãoGabiMoi“Eutenhoumavizinha,masnãodigoonomedela.Eu
tenhoumavizinha,masnãodigoonomedela.Saiudasuacasaefoi
vivercomonamorado.Quandochegouemcasa,amãedelapergun-
tou: minha ilha onde é que estavas e ela não soube responder. A
mãefoitrabalhareelapôs-seachorar,amãefoitrabalharelapôs-se
achorar”e“Meninaquandoqueresdemimémelhordizersim”de
ManRé,queomúsicoseinspirou.“Naaltura,estasmúsicasinspira-
vam-me e davam-me energia. Sentia que era um homem batalha-
dor, eestascançõespunham-me a re lectirno futuro”,disse, aoin-
terpretarasmúsicascombastantesatisfação.
OiníciodacarreiradeNagrelhaassemelha-seaodeoutrosmúsi-
cosdoestilokuduro.ComeçoutambémpeloRapp,istoem1997,no
bairro do Sambizanga, onde nasceu e vive. Mais foi no kuduro que
viuasuasortetornar-serealidade,logonasaídadoprimeirodisco
do grupo, Os Lambas, com o título “Os demónios do Sambizanga”.
Desdeentão,oseunomeésemprecitadoquandosefaladokuduro,
anívelnacionalouinternacional.“Comorappereucantavasomen-
te na rua e de brincadeira. Já o estilo kuduro foi pro issional e per-
mitiuquemetornassenapessoaquesouhoje”,disse.
Olookdecabeloloiroqueusa,acrescentadoàsuairreverênciana
formadeestar,fezdeNagrelhaumareferêncianaslidesdoskudu-
ristas,acrescentandoaissooprópriosacri ício,quepermitiuman-
teronomeatéaosdiasdehoje,emboraporalgunsmomentostenha
anunciado publicamente chamar-se Ngongoyove. “Este look veio
apenasparalegalizaraminhaimagem.Ecomoqualquerartista,eu
precisavafazeraminhadiferença,daíteroptadopelocabeloloiro”.
CCRRIISSTTIINNAADDAASSIILLVVAA
Música|ARTES|21
Vivêncianokuduro
Aos 24 anos de idade, Nagrelha é
dos kuduristas mais polémicos. De-
pois de ter passado pela Comarca de
Viana, acusado de furto e logo depois
absolvidoporfaltadeprovas,procura
a cada dia “emendar-se” do passado.
“Nunca sonhei com o que sou hoje e
todososdiasmeesforçonosentidode
melhorar, porque a minha vida e sus-
tento dependem integralmente da
música”, conta o músico que garante
sómudardeestiloseDeusassim per-
mitir.
Como ilho de peixe peixinho é, co-
moele mesmodiz, tem no ilho Mirel-
son, de cinco anos, um dos continua-
dores do estilo. Ele considera o seu
“candengue”comoirmãomenoreou-
tros integrantes do grupo Os Lamba
tambémotratampor ilho.
Nagrelha considera os “biffs” (in-
sultos) como luta pela sobrevivência.
Paraele,estetipodeactospodeconti-
nuar,masnasletras,semcontudoori-
ginarlutas ísicascomoseveri ica.“Os
músicosdeveriamestarunidoseapar
epassoumdooutro.Procurarsabero
que o outro precisa na carreira, reci-
procamente”,disseNagrelhaquecon-
sidera a sua relação com os outros
cantores de saudável. “Tenho muitos
amigos e um deles é o Da Beleza que é
do Cazenga e hoje está aqui comigo,
comopodemver”,assegurou.
Kandengue
A sua infância foi como a de qual-
queroutracriança.Famíliahumildee
com várias paixões. O desporto era
umadasmuitasquetinha.Etemobas-
quete que ainda pratica, na ruela do
baião num campo improvisado, ape-
nas com uma tabela, de quando em
vez,comoasuamaioratraccãonodes-
porto. Mas foi no futebol onde em-
prestou o seu talento integral ainda
criança.Oquelhepermitiupassarpe-
lo Progresso, Flamenguinhos, Anate-
nos,Ferrovia,BotaFogo,sóparacitar
alguns clubes. Ele é de uma família
bemligadaaodesporto.Ésobrinhodo
falecido Praia, que foi um médio cen-
traldoProgressoAssociaçãodoSam-
bizangaedaselecçãonacional.
Nagrelha despiu-se do barrismo e
disse, sem gaguejar, que é adepto do
Petro de Luanda. E nos tempos livres
procura estar com os amigos do bair-
ro. Pratica também artes marciais. “A
arte é cultura e fui ensinado que não
devo me expor lutando. Embora que
treinamosparanosdefenderdepossí-
veis ataques, procuramos não desen-
volverestastécnicassemqualquerne-
cessidade”,explicou.
EstadoMaior
A relação e a união que existe no
grupo Os Lambas é uma marca regis-
tada. Nagrelha revelou que o Estado
Maiorvaicontinuaraté2030aimpul-
sionaroutrosartistas.“Hojesomosjo-
vensedaquia20anosestamoskotas.
Não podemos dizer que somos eter-
nos, mas com o nosso saber vamos
procurarpassaranossaexperiência”,
disseanunciandoparadentrodedois
mesesolançamentodopróximodisco
dosLambas.
Fax
Fax é o primeiro nome adaptado
por Nagrelha em 1997, no início da
suacarreiraartística.NaalturaNagre-
lha cantava rapper com o irmão mais
velho“Mago”.Contaquenestafaseera
o irmão que fazia os bits e ele punha
voznamúsica.“Naalturacantávamos
na rua. Ele tocava e eu cantava e não
era ainda sério, apesar de muito que-
reraparecercomomúsico”,frisou.
KanguimboAnanás
Em 2010, Nagrelha enfrentava um
processo justicial. Nesta altura, a sua
falecida mãe, Maria Caio, recorreu à
socióloga Kanguimbo Ananás para
queajudassenasoluçãodocaso.Des-
deentão,Kanguimbopassouaserma-
drinhadeNagrelhaedogrupoempar-
ticular.Apósamortedamãe,aatenção
dasociólogaestendeu-setambémaos
irmãos e outros músicos do bairro do
Sambizanga.Aintenção,disseomúsi-
co,équeasociólogapresteassistência
atodososkuduristasdopaís,atépor-
que“osbonsoumausjovensnãoresi-
demapenasnoSambizanga”.
ComavindadeKanguimboAnanás,
apesar da tristeza que carrega pela
perdada mãe, sente-secommais mo-
tivação na vida. “A escritora não é só
mãe do Nagrelha, quem resolvia os
problemasdosgruposnoSambizanga
eraaminhamãebiológicaefelizmen-
tequeeladeixoualguémquecuidade
nós”,dissealegre.
Dentro
Gelson Caio Manuel Mendes, mas
conhecido por Nagrelha, nasceu em
24 de Março de 1988. Começou a can-
tar em 1997, no bairro do Sambizan-
ga, onde nasceu e reside até a data
presente. Faz parte do movimento de
explosão do estilo musical kuduro e
pertence ao grupo com maior popu-
laridade “Os Lambas”, fundado no
mesmo bairro, por Amizade, já faleci-
do. Participou em várias tournées na-
cionais e internacionais. É solteiro e
pai de um filho. Tem como sonho ser
administrador do Sambizanga e aju-
dar no seu desenvolvimento. Nunca
pensou viver fora de Angola, embora
tenha gostos em conhecer outras cul-
turas e povos. “Nasci em Angola e é
aqui que devo trabalhar para ajudar o
meu país a desenvolver. Não é justo
sair de Angola para ir fazer filho em
Portugal”, rematou.
14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura22|ARTES|Música
JJOOHHNNNNYYKKAAPPEELLAA
Arteangolanacontemporânea
Umacriatividadeplásticaendógena
U
mdosprincipaisfactosque
se pode reter das actas re-
sultantesdoúltimociclode
palestras,organizadopela
Empresa Nacional de Seguros de An-
gola,sobotema“Aarte,oartistaeaso-
ciedade”, no quadro do programa En-
sarte,sãoasdezenas de intervenções
feitas nesta ocasião.
Foi, a justo título, editada, sob um
design vanguardista, uma impressão
em quadricromia e uma sólida sela-
gem, que se estalou entre as cidades
de Porto e Luanda, agrupada em 146
páginas.
A colectânea reproduziu a inédita
análise do historiador Simão Souin-
doulaintitulada«Remanescênciaban-
tu na arte angolana contemporânea.
Umcontextoveri icativo,aEnsarte».
A referida obra está articulada em
quatro grandes capítulos, constituí-
dos do preâmbulo do Presidente do
Conselho de Administração da Em-
presaNacionaldeSeguros deAngola,
Manuel Gonçalves, uma introdução
geral, breves apresentações dos dife-
rentesoradores,nasquaisfoiacresci-
doumrecapitulativodostemasabor-
dados e a restituição dos textos pro-
postosnoMuseuNacionaldeHistória
NaturaldeLuanda.
Nasuaintervenção,oPCAdasocie-
dade anónima da avenida 4 de Feve-
reiro,realçouofactodequeainiciati-
vaculturaldeseugruposetornou,pe-
laforcadotempo,umespaçodere le-
xão e de diálogo intercultural mas,
igualmente,dearticulaçãointerdisci-
plinarsobreapráticadasartesvisuais
emAngola.
Os autores foram o pintor Jorge
Gumbe, Comissário da Bienal da Res-
seguradora da Marginal, o crítico de
arte Adriano Mixinge, o antropólogo
ManzambiVuvuFernando,omuseólo-
go suíço Boris Wastiau, o arquitecto
portuguêsJacintoRodrigues,acoreó-
grafaangolanaAnaClaraGuerraMar-
ques e a sua compatriota, psicóloga,
EncarnaçãoPimenta.
Reencortam-se, aí, com um grande
interesse, os diferentes ângulos abor-
dadosapartirdatemáticageraltaisco-
mo,entreoutrosassuntos,aimportân-
cia dos Prémios Ensarte na promoção
da arte contemporânea do país de Vi-
teix,nessesúltimosvinteanos,aapre-
ciação da criatividade artística con-
temporâneanoQuadrilátero,nassuas
numerosas opções temáticas e prefe-
rênciastécnicaseumaleituradasmar-
cas pictográ icas sobre os «maquixi»
(máscarasdedançacokwe). Épropos-
ta uma revisão do contexto da origem
doomnipresente«Pensador»oriental,
o «kalamba kuku» ou o «sayichimo»,
quem convidou-se nas composições
artísticas e artesanais contemporâ-
neas assim que as funções antropoló-
gicasdaesculturatradicionalafricana,
esta retomada, igualmente, no « con-
temporaneus».
LINHAIDENTITARIA
Colando bem ao tema do ciclo de
conferenciaseaosintuitosda empre-
sa de seguros, Simão Souindoula es-
forçou-se a identi icar e explicar o
apego dos artistas plásticos angola-
nos, através a preciosa vitrina que
constitui a « viginti » colecção da EN-
SA, a por em evidencia os seus funda-
mentosculturaisbantu.
OantigoinvestigadordoCentroIn-
ternacionaldasCivilizaçõesBantusu-
blinhou, assim, uma dezena de esco-
lhas de títulos de obras de pintura ou
de escultura, decididos pelos criado-
resparticipantesdoquadroemulativo
doSegurador.
Essasdenominaçõessão,principal-
mente, em kikongo, kimbundu e um-
bundu e entram, naturalmente, a um
campo de inspiração bem milenária,
dadezenadasculturasconvergentese
maioritáriasdopais.
Com efeito, o conferencista tomou,
entreoutros,comoexemplos,adatela«
Elogioaonkisikonde»deVan,Primeiro
PremiodePinturadaEnsarte,em2004.
Anoçãode«nkisi»fundamenta-se
sobre o radical do ur bantu –kiti que
Malcolm Guthrie traduz, em inglês,
porfetishoucharm.
A evolução dialectal deu, logica-
mente,nkisi,emkikongo,emukixi,em
kimbundu.
Con irmando as sólidas crenças ao
feitiçonassociedadesdaÁfricacentral,
orientaleaustral,Souindoulasugere,a
este respeito, o exemplo de um ditado
ovambo, que aconselha, vivamente, o
porte,empermanência,deumamule-
to, «porqueatravessandoumarvore-
do,pode-seencontrarumaperdizque
nuncafoi vista».
A imdeilustrarestefacto,operito
da UNESCO sublinhou os conceitos –
clavesdecorrentespelasobrasprodu-
zidas, estabelecendo, concomitante-
mente,assuasconexõesproto-bantue
suaperpetuaçãopelastradiçõesorais.
Para ele, esta linha identitária se-
guea irmepoliticaderebantouizacao
antroponímica, toponímica e numis-
mática do pais, iniciada logo após a
suaindependência.
Pronunciando-se sobre a impor-
tância da publicação dessas actas, Si-
mãoSouindoula,bendisse,aesteres-
peito,anotávele icáciadaENSA.
Com efeito, para ele, esta compila-
ção permitira de contribuir a um me-
lhorconhecimento,aonívelnacionale
internacional, de vários aspectos da
arte angolana contemporânea cuja
principal característica e o seu forte
enraizamentobantu. E,eissoquecon-
tribui a especi icidade das composi-
ções picturais, das con igurações es-
culturais e as montagens cerâmicas
produzidasnoQuadrilátero.
En im,paraoPresidentedoJúridos
Prémios Ensarte, esta criatividade
não e um conjunto de expressoes in-
determinadas, totalmente globaliza-
das.Eofrutodeartistasquepossuem
uma carga linguística própria e uma
herançaantropológicaespecí icaque
foi de inida há meio século, como an-
golanidade.
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  • 1. CulturaCulturaJornal Angolano de Artes e Letras 14 de Maio a 3 de Junho de 2012 | Nº 4 | Ano 1 Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00 África Surge etAmbulaPPOOEEMMAADDEE RRUUII DDEENNOORROONNHHAA PPAAGG.. 22 Nagrelha Oestadomaiordo kuduro continuano Baião,pág.20a22 CheikhAntaDiop eaestratégiade desenvolvimento docontinente africano,pág.6 Ndalatando Angolacria primeiroCentro Nacional deLeitura,pág.12
  • 2. 14deMaioa3deJunho2012 | Cultura2|ARTE POÉTICA ÁfricaSurgeetAmbula António RUI DE NORONHA, poeta mo- çambicano,nascidoa28deOutubrode1909,em Lourenço Marques (hoje, Maputo), e falecido a 24/25deDezembrode1943.OBradoAfricano, OMundoPortuguês,ÁfricaMagazine,Miragem, Moçambique e Notícias do Bloqueio estampa- ram os seus textos de crítica literária e os seus poemas,partedosquaisforamreunidossobotí- tulo Sonetos, no ano da sua morte, em edição póstuma, icandoinéditososseuscontos.Incluí- do em inúmeras antologias estrangeiras – na Rússia,naRepúblicaCheca,naHolanda,naItá- lia,nosEUA,naFrança,naArgélia,naSuécia,no BrasileemPortugal–RuideNoronhacelebri- zou-sepelopoema“Quenguelequezée…” –cujotítuloéumgritocaracterístico doritodepassagemdocuiandla, noqualsemostraàluanovaa criançarecém-nascida,pa- ra que ela se transfor- meempessoa(…). Dormes!eomundomarcha,ópátriadomistério. Dormes!eomundorola,omundovaiseguindo... Oprogressocaminhaaoaltodeumhemisfério Etudormesnooutroosonoteuin inito... Aselvafazdetisinistroeremitério Ondesozinhaànoite,aferaandarugindo... Lança-teoTempoaorostoestranhovitupério Etu,aoTempoalheia,óÁfrica,dormindo... Desperta!Jánoaltoadejamnegroscorvos Ansiososdecairedebeberaossorvos Teusangueaindaquenteemcarnedesonâmbula. Desperta!Oteudormirjáfoimaisqueterreno OuveavozdoProgresso,esteoutronazareno Queamãoteestendeediz:África,surge etambula! RUIdeNORONHA Surgeetambula-Levanta-teeanda
  • 3. ECODEANGOLA|3Cultura | 14de Maioa3deJunhode2012 1 Todososdias,aopôr-do-sol,voamgaivotasatéaomar,eofenomenal círculodesanguecaindonalinhadohorizonte,entrecortadopelaté- nue brancura das asas, consolida o nosso amor pela grandeza desta África.Áfricanossaquecelebramostodososdias,comaproduçãodasnossas mãos e das nossas almas, África nossa, mãe da Humanidade que, este 25 de Maio, repensa o legado cultural pan-africanista da Organização de Unidade Africana (OUA),expressonasuaCartaCulturaladoptadaemJulhode1976em Port-Louis,nasilhasMaurícias. Naverdade,aCartaCulturaldeÁfricatemcomoobjectivospreservarepro- moveropatrimónioculturalafricano,reforçaropapeldesteúltimonapromo- çãodapazeboagovernação,egarantirorespeitopelasidentidadesnacionais eregionaisnosdomíniosdaculturaedosdireitosculturaisdasminoriasbem comodastrocasedifusõesdeexperiênciasentrepaísesafricanos.ACartaCul- turalretomou,pois,daOUA(hojeUniãoAfricana),aslinhasfundantesdoPan- Africanismo, que surgiu, ainda em inais do século XIX, e que, a partir da Se- gundaGuerraMundial,seapresentariacomoumaideologiadedefesadosva- loresculturaisdeÁfrica. 2 Oquesigni ica,hoje,nestatábuarasadaGlobalização,serintelectual, ser escritor, ser artista africano? Haverá, como na época do Renasci- mentoEuropeu,umleitmotivcomuminspirador,umaclaraorientação ilosó icaquenosunanao icinadopensamentoedacriatividade? RepartidospeloscamposnuncaestanquesdasArtesedasLetras,algunsin- telectuais angolanos da geração mais madura e da jovem geração trazem aportesaestefórumdaCultura,comdiversasre lexõeseestudossobreumas- suntoquenosémuitocaroenãomenosguardadonagavetadoolvido:oRe- nascimentoAfricano. AinstalaçãoemNdalatando,doprimeiroCentroNacionaldeLeitura,dotado de novas tecnologias, é um passo decisivo na edi icação social da cidadania cultural,preconizadapeloidealdaCartaCulturaldeÁfrica. SimãoSouindoulapartedopassadoparaprognosticarumfuturopromissor paraoContinente.FilipeZaufala-nosdeumaÁfricaqueseriapolítica,cultural e economicamente livre. “Contudo, o sonho da Grande África durou pouco”. QueefeitosteveestadecadênciadosonhosobreosectordaCultura?Opensa- mentodeCheikhAntaDiop,orefundadordahistóriadeÁfrica,éaquiretoma- do.Estepensadordisseque“aÁfricadeveoptarporumapolíticadedesenvol- vimentocientí icoeintelectualepagaropreçoquefornecessário.Odesenvol- vimentointelectualéomeiomaissegurodeacabarcomachantagem,aintimi- dação e a humilhação.” Na linha deste grande pensador africano, Nguimba Ngolapreconizaumatomadadeconsciênciadequenós,africanos,contribui- mosdeverasparaoprogressodaHumanidade.RasKilunjifazumasingelaho- menagemàprimeiragrandeestreladoTerceiroMundo,BobMarley. 3 “Cultura” transporta, assim, para o Jornalismo Cultural o élan do Re- nascimento Africano, criando para si, caro leitor, a cada número, um manancialdeconhecimentotransformadordasconsciênciaseilumi- nado pelas mais belas cores do nosso Continente. Como bem o demonstra a objectivavisionáriadeFredericoNingi. Editorial Renascimento Africano ARTE POÉTICA África Surge etAmbula | Rui Noronha ECO DEANGOLA EDITORIAL-RenascimentoAfricano | José Luís Mendonça RENASCIMENTOAFRICANO África Um passado glorioso um futuro pro- missor |Simão Souindoula CheikhAnta Diop e a estratégia de desenvolvimento do continente afri- cano Da autonomização política à dependência económica | Filipe Zau África e o “evangelho de um novo caminho” | Nguimba Ngola Bob Marley a primeira grande estrela doTerceiro Mundo | Ras Kilunji LETRAS Angola cria primeiro Centro Nacional de Leitura Jean Hebrard, historiador francês: “Um escravo tem só um primeiro no- me” | José Luís Mendonça De tantas falas e alguma escrita | J.A.S. Lopito Feijóo K. Institucionalização de uma disciplina: Literaturas africanas ou Literatu- raAfricana? |Luís Kandjimbo “O reino do Kongo e a sua origem meridional” | Simão Souindoula “Marcas da Guerra, Percepção Íntima e outros Fonemas Doutrinários” de Lopito Feijóo | Matadi Makola ARTES Nagrelha o estado maior do kuduro continua no Baião | Cristina da Silva Arte angolana contemporânea - Uma criatividade plástica endógena | Johnny Kapela Bienal “ENSARTE”, Dinâmica expressiva e campo temático significati- vo | Simão Souindoula Entre nós, Info-Poesia ou Poesia Digital |Frederico Ningi DIALOGO INTERCULTURAL SemanaAfricana na UNESCO homenageia Wangari Maathai “Rabelados” filme de Benvindo Cabral |Nuno Rebocho Um Guia de Cabo Verde | Nuno Rebocho BARRADO KWANZA Estranhos pássaros de asas abertas | Pepetela MEMÓRIAS Kudilonga - O exame de admissão ao liceu, Laços lacinhos e laçarotes IXiminya JOSÉLUÍSMENDONÇA Sumário Conselho deAdministração António José Ribeiro | presidente Administradores Executivos | Catarina Vieira Dias Cunha Eduardo Minvu Filomeno Manaças Sara Fialho Mateus Francisco João dos Santos Júnior JoséAlberto Domingos Administradores Não Executivos | Victor Silva Mateus Morais de Brito Júnior Sede: Rua Rainha Ginga, 12-26 | Caixa Postal 1312 - Luanda Redacção 333 33 69 |Telefone geral (PBX): 222 333 343 Fax: 222 336 073 | Telegramas: Proangola E-mail: ednovembro.dg@nexus.ao cultura.angolana@gmail.com CONSELHO EDITORIAL Director e Editor-chefe | José Luís Mendonça Editor de Letras | Isaquiel Cori Editor de Artes | Francisco Pedro Assistente Editorial | Berenice Garcia Fotografia | Paulino Damião (Cinquenta) e Arquivo do Jornal de Angola Edição de Arte e Paginação | Albino Camana e Tomás Cruz COLABORAM NESTE NÚMERO Angola - Cristina da Silva, Filipe Zau, Frederico Ningi, J.A.S. Lopito Feijóo K., Luís Kandjimbo, Matadi Makola, Nguimba Ngola, Ras Kilunji, Simão Souindoula, Ximinya Cabo Verde - Nuno Rebocho International Networking Bantulink - Johnny Kapela FONTES DE INFORMAÇÃO: AGULHA, revista de cultura, São Paulo, Brasil Correio da UNESCO, Paris, França AFRICULTURES, Portal e revista de referência das culturas africanas, Les Pilles, França Publicidade: (+244) 222 337 690 | 222 333 466 CulturaJornalAngolano deArtes e Letras Propriedade Nº 4 | Ano 1 |14 de Maio a 3 de Junho de 2012
  • 4. 4|RENASCIMENTOAFRICANO| 14deMaioa3deJunho de2012| Cultura BERÇODAHUMANIDADE Asdescobertasrecentesfeitasnodomíniodaar- queologiapré-histórica,sobretudonaÁfricaorien- tal e central, con irmam que é no nosso continente que se registaram, há cerca de 3 500 000 anos, os primeirosprocessosdehominização. Estaevoluçãohominídeaseráfeitaparalelamen- teàinvençãodediversosmoldeslíticos,epartirdo LaterStoneAge,hácercade10000anos,doexercí- ciodavegeculturaedacriação. Estafaseprogredirá,extraordinariamente,nova- le do Nilo, no IV milénio antes da nossa era, com a brilhantecivilizaçãoegípcia. Éumestádiofundamentaldahistóriadahumani- dadecomagrandecaracterísticadoEgiptoterman- tidorelaçõescomaNúbiaeaEtiópiaantiga. São5000anosdehistóriaqueseestendemaolon- godos6700kmdoNilo,desdeoLagoVitória,naÁfri- ca oriental, até ao delta, no Mediterrâneo, e que se inscreveunumabaciadecercade3milhõesdekm2. Asprovasdaexistênciadesteblocohistóricosãoos melano-africanosquetiveramumpapeldeterminan- te no Egipto faraónico e as línguas negro-africanas apresentamlaçosgenéticoscomoegípcioantigo. Eumdosnumerososfactosareteréo“Misr”anti- go,quesesituaentre1580e1085,umadasgrandes potênciasdoOriente. Ao sul da “doação do Nilo”, vão prosperar no de- cursodoprimeiromilénioantesdanossaeraatéao primeiroséculodanossaera,váriasformaçõeshis- tóricastaiscomooReinodeMéroé,queserásubsti- tuído,maistarde,pelooReinodeAksoum. Nestemesmoperíodo,regista-seaemergênciade Nok, na actual Nigéria. É próximo desta região que partirá uma das grandes dinâmicas civilizacionais dahistóriaafricanacomascontínuasmigraçõesea extraordináriaexpansãodaspopulaçõesbantu. Essaspopulaçõesmetalurgistas,vãoocuparoter- çodeÁfricaousejamaisde11milhõesdekm2eor- ganizar,naÁfricacentral,orientaleaustral,emépo- casdiversas,dezenasdeentidadespolíticastaisco- mooKongoeosseusterritóriosaliados,oTéké,oKu- ba,oLuba,oLunda,oLozi,oZimbabwé,oMwanaMu- tapa,oZulu,oSwazi,oRuanda,oRundi,oGanda,etc. AÁfricaocidental,ligadaàzonabantuatravésda classi icação“Níger–Congo“,conheceuigualmente asurgimentoeaorganizaçãodeváriosreinoseim- périos, tais o São, o Ifé, o Benim, o Gana, o Mali, o Songhai,oBornoueoMossi. AÁfricadeontem,vastoblocosemoSaaradeser- ti icado e mesmo depois desta mudança climática maior, era sinónima de contactos e trocas de vária ordemassimcomodefusõesdepopulações. Umadasconsequênciasdestaevoluçãohistóricaé queascivilizaçõesafricanasapresentam,hoje,umvas- toquadrodesimilitudeslinguísticaseantropológicas. EstaÁfricaé,globalmente,umuniversopós-neo- lítico e proto-histórico. É nesta etapa de evolução que ela entrará em contacto, a partir do século XV, comaEuropadapós-idademédia,comassuasvan- tagenstecnológicas,sobretudonosdomíniosdana- vegação marítima e, mais tarde, do uso da força ex- plosivadapólvora. Esta realidade, associada ã descoberta do conti- nente americano e do conjunto insular caribenho, mudarárápidaede initivamenteanaturezadaspri- meirasrelaçõesentreosdoiscontinentes. Com efeito, no encalço da cristalização das pri- meirasformasdeproduçãocapitalistaedapreemi- nência das convicções mercantilistas na Europa, Áfricavaisubirumadaspunçõesdemográ icasmais severasdahistóriadahumanidade,aprovocadape- lotrá icodeescravostransatlântico. Serãomaisde15milhõesdeafricanosquechega- rãovivosnasimensasAméricasenaarmadilhacari- benha,e,cativos,aproximadamente,namesmaor- demdeimportância,perderãoavidadurantetodas asetapasdaimplacávelredeorganizativadestene- góciodesereshumanos. Esta “ shoah” que durou mais de quatro séculos terá graves consequências no desenvolvimento do continenteafricano. Comefeito,nãoeraotrabalhoprodutivoquepri- mavaduranteesteinadmissívellongoprocessohis- tórico, mas sim, a organização de violentas acções decapturadeescravos,oencaminhamentodoscati- vosemdirecçãoaolitoral,aconcentraçãodaspeças deÍndiaseoseuembarque. Peranteocaráctereconómicocontra-produtivoe aincontrolabilidadesocialepolíticadasdiferentes formações esclavagistas, as potências europeias, comaindustrialInglaterraparticularmenteinteres- sada, não tiveram outra solução senão proibir esta formabrutaldeexploraçãodohomempelohomem. Mas, a nova Europa, a da Revolução industrial – metamorfoseada tal como na mitologia grega – e, mais do que nunca, convicta da justeza da teoria mercantilista, segundo a qual os metais preciosos constituem a riqueza essencial dos Estados, as po- tências, ilhasdeMinos,organizarãoumanovafor- ma de explorar o continente, alargando desta vez a sua ocupação e assegurando a sua partilha, entre elas, mais ou menos ordenada, num contexto de neo-escravatura. Seráentãoinstaladoumsistemacapitalistacolo- nialcaracterizado,invariavelmente: -pelaexploraçãodasestratégicasminas; - pelo fomento, em prioridade, das culturas comerciais,asdeexportação; -pelaumaindustrializaçãobastantelimitada; -epelarealizaçãodefabulososlucros. Essassociedades,particularmentedesiguais,se- rãominadas,naturalmente,porcrescentestensões sociaisepolíticas,sobretudoapósasduasGrandes Guerras, na sequência de mais de 60 anos de lutas políticas,sociaisouarmadaspersistentesedinâmi- cas que desembocarão na independência de todos os países africanos, do Egipto, em 1936, até ao im doapartheid,naÁfricadoSul,em1994. Três anos após o ano das previsíveis rupturas, a África independente, consciente da configuração fragmentada das suas diferentes componentes, cristalizou os seus projectos de coordenação polí- tica, integração económica, desenvolvimento so- cial e renascimento cultural numa organização pa- nafricana, a OUA. Osoprodo“ventosinérgicodeAddis”revelou-se útil,apesardasinevitáveisdi iculdadesdetodaor- dem,queenfrentouaOrganização. Comefeito,elafoioespaço,porexcelência,parao diálogo,aconcertaçãoeoconsenso.Emsuma,privi- legiou-se,nestequadro,oessencialdosobjectivos. Operíodopós-independênciafoi,quaseinvaria- velmente,caracterizado,nosdiferentespaísesafri- canos, pela instauração de dinâmicas políticas in- ternasunitáriasepelaexperimentaçãodaestatiza- çãodaeconomia. UMPRESENTEDIFÍCIL MASSUPORTÁVEL Um dos passos políticos animadores dados no iníciodesteséculofoiainstauraçãodaUniãoAfrica- naemsubstituiçãodaOUA. Acinquentenadepaísesafricanostraçoucomes- taescolhaaviaparaumpotencialtecidofederalcu- jos instrumentos de facilitação e aceleração são a quinzena de mercados integrados actualmente existentes.Noplanodaorganizaçãopolíticainterna, A bordareiaminhaanalise,numaevolu- ção tríptica, que realçará os grandes factos atestados ao nosso continente, duranteoperíodopré-histórico,afase detransiçãoproto-histórica,ocalamitosoepisó- dio do trá ico de escravos, as seculares e multi- secularesocupaçãoeadministraçãocoloniais,a con iguraçãogeraldasituaçãoactualealgumas linhasprospectivas. SSIIMMÃÃOO SSOOUUIINNDDOOUULLAA Pintura mural do Egipto Antigo ÁfricaUmpassado gloriosoumfuturopromissor HHIISSTTOORRIIAADDOORR,, CCOONNSSUULLTTOORR DDAA UUNNIIÃÃOOAAFFRRIICCAANNAA
  • 5. RENASCIMENTOAFRICANO|5Cultura |14deMaio a3deJunho de2012 quasetodosospaísesdocontinenteoptarampor uma democracia multipartidária, original, que tenta salvaguardar as sinergias federativas esta- belecidasapósasindependências. As mudanças económicas que foram decididas nos últimos anos, ou que ocorrem actualmente, visam corrigir as insuficiências constatadas nas performances económicas, num diagnóstico de realismo e numa clara estratégia de compromis- so histórico. Assiste-se, entre outras acções, à extensão da economiademercado,visivelmentesocializante, àreformulaçãoconstitutivaoudesnacionalização de grandes empresas, ao incentivo a investimen- tosestrangeiros,aoapoioaosurgimento declas- sesempresariaisnacionaisdinâmicas,e icientese competitivas. UMFUTUROPROMISSOR Oconjuntodemedidasglobaistomadasaugura, paraosdiversosprazosprospectivos ixados,tais como o estabelecimento, em 2035, do Mercado ComumAfricano,boasperspectivasparaoconti- nenteafricano. Com efeito, o mercado africano que apresenta actualmente um total de mais de 950 milhões de consumidores teránoano2015,1200000000 decompradores. Num outro ângulo de leitura deste dado, esta população conti- nuará a ostentar uma metade de indiví- duoscommenosde15anos,constituindoassima perpetuação de uma força de trabalho absoluta- mentedecisiva. Deve-se acrescentar a este dado, outros ele- mentos de potencialidade espacial, agrícola, mi- neiraeindustrial. Assim,ocontinentepossui: - 30 milhões de km2, e que constituem 20,3 % dasterras irmesdoplaneta; -efabulosasreservasdosvitaispetróleoecobre, doestratégicourânio,dosessenciaisferro,manga- nês,zinco,ouroecobalto,titânio,vanádio,croma, bauxita,assimcomodosrentáveisdiamantes. Essas possibilidades de riquezas são capazes de corrigir decisivamente os actuais fracos indi- cadores sociais do continente tais como a taxa de mortalidade infantil, a esperança de vida, a educação feminina, a ocupação da população ac- tiva, uma má distribuição do emprego, a fraca cobertura dos serviços de saúde, a sub-nutrição, a baixa taxa de escolaridade, um analfabetismo ainda elevado, etc. CONCLUSÃO A breve análise que acabamos de apresentar prova que a África soube, a todos tempos da sua longa evolução histórica, explorar as suas vanta- gens civilizacionais, enfrentar com coragem as barreiras postas contra ela e ultrapassar os seus passosincertos. Apôs mais ou quase meio século de indepen- dência, os Estados da “ Ifriqiya”, os Comissários, peritoseconsultoresdaUniãodoplanaltoetíope, sabem que uma das condições sine qua non para umfuturomelhorparaonossocontinenteéama- nutençãoda estabilidade nos seio dos diferentes tecidosterritoriaisnacionaiseregionais. Emsuma,asalvaçãodocontinentedoOsagyefo, asuaRenascença,passará,pelaestaestabilidade, quedeve,emprimeirolugar,serobradospróprios africanos, porque como os Bakongos a irmam: Mbakulukubonguakoenlumbunzenza(oenten- dimentonãoeumfrutoquesecolhenoquintaldo vizinho).
  • 6. CheikhAntaDiopAestratégia dedesenvolvimentodocontinenteafricano Como elaborar uma verdadeira estratégia de desenvolvi- mentodocontinenteafricano:educação,saúde,defesa,ener- gia, investigação, indústria, instituições políticas, desporto, culturaetc.? C heikhAntaDiopdemonstra queparaseobterasrespos- taspertinentesaestainter- rogação fundamental é ne- cessárioumconhecimentodahistória omaisobjectivopossível,recuandono tempotãolongequantopossível. É nesta primeira grandetarefa que Cheikh Anta Diop se concentra: a de restituirahistóriadocontinenteafri- cano, a partirda pré-história,através de uma investigação cientí ica pluri- disciplinar. É, por isso, o refundador dahistóriadeÁfrica. Alémdoconhecimentodopassado realdeÁfricaedahumanidadeemge- ral, Cheikh Anta Diop atribui aos tra- balhosquedesenvolveasquatro ina- lidadesqueseindicamdeseguida. 1. A recuperação da consciência histórica africana, ou seja, da cons- ciênciadeterumahistória.Arecupera- çãodestaconsciênciahistóricaimplica queaegiptologiasejadesenvolvidana Áfricanegraequeacivilizaçãoegípcio- núbiasejareanalisadaemtodososdo- míniospelosprópriosafricanos. “Só o enraizamento de uma disci- plinacientí icadestanatureza(aegip- tologia) na África negra permitirá compreender um dia a singularidade eariquezadaconsciênciaculturalque pretendemos suscitar, bem como a qualidade,aamplitudeeopodercria- tivodamesma.” “Na medida em que o Egipto é a mãelongínquadaciênciaedacultura ocidentais,comosepodededuzirpela leitura deste livro, grande parte das ideias que baptizamos estrangeiras não são muitas vezes mais do que as imagens deturpadas, invertidas, mo- di icadas,aperfeiçoadasdascriações dos nossos antepassados: judaísmo, cristianismo, islamismo, dialéctica, teoriadoser,ciênciasexactas,aritmé- tica, geometria, mecânica, astrono- mia, medicina, literatura (romance, poesia, drama), arquitectura, artes etc.[...]Talcomoatecnologiaeaciên- cia moderna vêm da Europa, na Anti- guidade,osaberuniversal luíadova- le do Nilo para o resto do mundo e es- pecialmenteemdirecçãoàGrécia,que servia de elo intermediário. Conse- quentemente,nenhumpensamentoé, na sua essência, estrangeiro em Áfri- ca,terraemquefoicriado.Époisnum contexto de total liberdade que os africanos devem usufruir da herança intelectual comum da humanidade e nãose deixar guiarunicamentepelas noçõesdeutilidadeedee iciência.” “O homem africano que nos com- preendeuéaqueleque,apósterlidoas nossasobras,terásentidonasceremsi um homem diferente, com uma cons- ciência histórica, um verdadeiro cria- dor,umPrometeuportadordeumano- va civilização e perfeitamente cons- cientedoqueaterrainteiradeveaoseu génioancestralemtodososdomínios da ciência, da cultura e da religião” (C. A.Diop,CivilisationetBarbarie). 2. O restabelecimento da conti- nuidadehistórica,ouseja,arestitui- ção,noespaçoenotempo,daevolução das sociedades e dos Estados africa- nos,especialmentedesdeapré-histó- riaatéaoséculoXVI,operíodomenos conhecido. Cheikh Anta Diop insiste, nosseusescritos,nofactodeainvesti- gaçãosócio-históricaestarlongedeser concebidacomoumaretiradaoucomo umameradeleitaçãodopassado. “A função da sociologia africana é fazer o balanço do passado para aju- dara África a enfrentarmelhoropre- senteeofuturo.”(C.A.Diop,Antériori- té des civilisationsnègres– Mythe ou véritéhistorique?) “Arelatividadedasnossasestrutu- ras, assim evidenciadas, poderia aju- dar-nosaidenti icarasbasesteóricas da evolução das nossas sociedades porclasses,evoluçãoquesóseráirre- versível se for alicerçada no conheci- mentodoporquêdascoisas.Nãoéisto umdosaspectosmaisimportantesda revolução social dos nossos países?” (C.A.Diop,CivilisationouBarbarie) O estudo sócio-históricodas civili- zações africanas permite identi icar osvaloresque izeramasuagrandeza eosfactoresqueprovocaramoseude- clínio, e elaborar estratégias para o desenvolvimentodocontinente. 3.Aconstruçãodeumacivilização planetária.CheikhAntaDioppretende contribuir“[…]paraoprogressoemge- ral da humanidade e para a eclosão de umaeradeacordouniversal[…]”e“To- dos aspiramos ao triunfo da noção de espécie humana nos espíritos e nas consciências, de forma que a história particulardestaoudaquelaraçaseapa- gue diante da do indivíduo. Teremos entãodedescrever,apenasemtermos gerais, pois as singularidades aciden- tais deixam de ter interesse, as etapas signi icativas da conquista da civiliza- çãopelohomem,pelaespéciehumana comoumtodo.Aidadedapedralasca- daeaconquistadofogo,oneolíticoea descobertadaagricultura,aidadedos metais, a descoberta da escrita etc. etc. deixarão de ser descritos como instantes comoventes das relações dialécticasentreohomemeanature- za, a série dos “desa ios” da Natureza vitoriosamente ultrapassados pelo homem”. (C. A. Diop, Antériorité des civilisationsnègres–Mytheouvérité historique?) “O clima, para a criação da aparên- cia ísica das raças, traçou fronteiras étnicas que recaem sobre o sentido, captam a imaginação e determinam os comportamentos instintivos que tantomalprovocaramnahistória.To- dos os povos que desapareceram ao longodahistória,desdeaAntiguidade até aos nossos dias, foram condena- dos, não por uma inferioridade origi- nal qualquer,maspela aparência ísi- caepelasdiferençasculturais.[…]Por isso, a questão está em reeducar a nossapercepçãodoserhumano,para queelasedescoledaaparênciaracial esepolarizenumserhumanolivrede 14deMaioa3deJunho de2012| Cultura6|RENASCIMENTOAFRICANO
  • 7. rótulos étnicos.” C. A. Diop, “L'unité d'originedel'espècehumaine”,Coló- quio "Racisme, Science et Pseudo- Science", organizadoemAtenaspela UNESCO,em1982). Oacessoaestefuturodesejadoexi- ge, por isso, o rompimento com o ra- cismo.Rompercoma“mentiracultu- ral”queconsistiuemnegarahumani- dade dos Negros, emnegara história deÁfrica.Esta“mentiracultural”ain- da hoje reside na negação de que o Egipto faraónico pertence ao mundo negro-africano, assim comona mini- mização do papel civilizador deste EgiptonaAntiguidade.Exigetambém queseultrapassemosobstáculosque impedemodesenvolvimentodocon- tinenteafricano,ameaçamaseguran- çaehipotecamasobrevivência.Épre- ciso“garantirqueocontinenteafrica- nonãopagapeloprogressohumano”, “friamente esmagado pela roda da história”, e, por isso, “não podemos escaparàsnecessidadesdomomento histórico a que pertencemos”. (C. A. Diop,Antérioritédescivilisationsnè- gres – Mythe ou vérité historique ?) Hoje, este momento histórico é o do renascimentoafricano. 4. O renascimento africano. CheikhAntaDioptinha25anosquan- do, enquanto estudante em Paris, em 1984, de iniu o conteúdo e as condi- ções do renascimento africano num artigointitulado“Quandopoderemos falardeumrenascimentoafricano?”. Nestaperspectiva,aevoluçãopara um estado federal torna-se numa ur- gênciacontinental,poisumaconjun- tura geopolítica desta natureza seria capazdegarantir,estruturareoptimi- zarodesenvolvimentodocontinente africano: “É necessário fazer pender de initivamenteaÁfricanegrapara osentidododestinofederal[...]só um Estado federal continental ousubcontinentalofereceum espaço político e económi- co, em segurança, su i- cientementeestabiliza- do para que se possa implementarumafór- mularacionaldedesen- volvimento económico dosnossospaísesdepotencialidades tão diversas.” (C. A. Diop, prefácio do livrodeMahtarDiouf,Intégrationéco- nomique, perspectives africaines, 1984). CheikhAntaDiopterminaasuaobra Lesfondementséconomiquesetcultu- rels d'un État fédéral d'Afrique noire com catorze propostas de acções con- cretas que vão desde a educação à in- dustrialização.Destacam-seasduasne- cessidadesvitaisdeseguidaindicadas. - A necessidade de de inir uma po- lítica de investigação cientí ica e i- ciente: “A África deve optar por uma políticadedesenvolvimentocientí i- co e intelectual e pagar o preço que fornecessário;aexcessivavulnerabi- lidadedestecontinenteduranteosúl- timoscincoséculoséaconsequência de uma de iciência técnica. O desen- volvimento intelectual é o meio mais segurodeacabarcomachantagem,a intimidação e a humilhação. A África podetornar-senum centrodeinicia- tivasededecisõescientí icas,emvez decontinuaraacreditarqueestácon- denada a ser o apêndice, o campo de expansão económica dos países de- senvolvidos.” - A necessidade de de inir uma doutrinaenergéticaafricanaedeuma verdadeira industrialização: “Trata- se de propor um esquema de desen- volvimento energético continental quetenhaemcontasimultaneamente asfontesdeenergiarenováveisenão- renováveis,aecologiaeosprogressos técnicos das próximas décadas…. A Áfricanegradeveráencontraruma fórmula de pluralismo energético que associe harmoniosamente as seguintes fontes de energia: 1. energia hidroeléctrica (barra- gens); 2. energia solar; 3. energia geotérmica; 4. energia nuclear; 5. os hidrocarbonetos (petróleo); 6. energia termonuclear”. Pode-se acrescentaraestasfontesovector energéticohidrogénio. RENASCIMENTOAFRICANO|7Cultura | 14deMaio a3deJunho de2012 Estatua do Renascimento Africano no Senegal
  • 8. A pós a II Guerra Mundial, com as lutas pela indepen- dência em África, surgiu, nas décadas de 50 e 60, o sonhodeliberdadeedeprosperidade. PatriceLumumba,olíderdaindepen- dência congolesa, a irmava, naquele período, que nunca iriam esquecer que a independência tinha sido con- quistadacomlágrimas,fogoesangue eque,apósoitentaanosdecolonialis- mo, iriam demonstrar “o que o ho- mem negro é capaz de fazer quando trabalha pela liberdade”[MUNARI: 31]. Era ideia comum que as nações recém-formadas em África estariam determinadasaosucesso.Áfricaseria política,culturaleeconomicamenteli- vre a partir de processos de recons- trução a serem implementados em novosmoldes. ParaLeopoldSedarSenghor,doSe- negal,aoladodareconstruçãoeconó- mica tornar-se-ia necessário “desco- brirnovosvaloresculturais,próprios dacivilizaçãonegro-africana:emoção e simpatia, ritmo e forma, imagens e mitos, espírito comunitário e demo- crático”[Ibidem]. Contudo, o sonho da Grande África duroupouco.Umfracassotambémas- sociadoàsdisputasinternasentrefac- ções rivais, às guerras pelo controlo do Estado, ou ainda às experiências políticas frustradas. Os chamados “pais da pátria”, entre outros homens da envergadura de Touré, Kenyatta e Nyerere, “(...) viram mitos de um pas- sadoremotoqueserviuparalançarno cenário internacional uma turma de líderes tristemente famosos pela in- competência,corrupção e falta de es- crúpulos”[Idem]. Mas,tambémécerto,queoslíderes dosnovospaísesafricanospensavam que, inalmente,poderiamentrarnum processo de trocas justas e equilibra- das com os países do Norte, pautadas pelo reconhecimento integral das suassoberanias,respeitomútuoenão ingerência nos seus assuntos inter- nos. Um intercâmbio onde os países doSulexportassemassuasmatérias- primas, de acordo com as necessida- des industriais dos países do Norte, recebendo em troca bens industriali- zados, essenciais para o arranque do crescimentoeconómicodequeneces- sitavam, para o desenvolvimento dos seusrespectivospovos. Porém,talnãoaconteceu,porqueas matérias-primas exportadas foram valendo cada vez menos nas relações procura/oferta e custo/bene ício. Eramnecessáriascadavezmaismaté- rias-primasparaumnúmerocadavez menor de produtos manufacturados dos países do Norte. Tal facto provo- couumclarodesequilíbrionabalança comercial,oquelevouoseconomistas dos países em desenvolvimento a re- conheceremadeterioraçãocrescente nostermosdetroca. O relatório Cuidar o Futuro, con ir- ma esta a irmação ao referir que, de facto, houve investimentos ruinosos assimcomopráticascorruptas.Contu- do, também explicita que foi assusta- dorodeclínionospreçosdasmatérias- primas, o que resultou numa forte de- terioraçãodostermosdocomércioin- ternacional e afectou gravemente os paísesemdesenvolvimento:“em1993, eram 32 % mais baixos do que em 1980,emrelaçãoaopreçodebensma- nufacturados eram 55% mais baixos doqueem1960”[WORLDBANK,citin, COMISÃO INDEPENDENTE POPULA- ÇÃOEQUALIDADEDEVIDA:52-53]. Oanode1980representouaacele- raçãodeumaviolentacriseeconómi- caparaospaísesnãoindustrializados, masosprimeirossinaisdessacrise,de acordocomoBancoMundial,começa- ram a sentir-se um pouco mais cedo emÁfrica;i.e.,nosúltimosanosdadé- cada de 70. Neste continente, a agri- cultura,querepresentaamaiorparte daprodução(cercadeumterçodoto- tal), foi primeiro atingida pela seca, que assolou inúmeros locais entre 1968 e 1973. Posteriormente, ainda noiníciodosanos80,seguiu-seasubi- da dos preços de energia, que coinci- diucomodecréscimodospreçosagrí- colasecom“umadesastrosagestãoda economia, em particular no sector agrícola” [EMMERI : 111]. Paralela- mente,ataxadeinvestimentonaÁfri- ca subsahariana desceu de tal forma que, em1983, osmaisde18%deren- dimentosdosanos70,passarampara menosde15%.Em1990, Áfricatinha jáorendimentomaisbaixodetodasas regiões em vias de desenvolvimento. A esta estagnação económica asso- ciou-seumrápidocrescimentodemo- grá ico que, no seu todo, levou a uma progressiva deterioração dos níveis devidadaspopulações[BANCOMUN- DIAL(1990):20]. O rendimento per capita no conti- nenteafricanodesceucerca de4%ao ano, entre 1980 e 1984. Em 1990, já erainferioraorendimento percapita de1970.Adívidapúblicaexternacon- traída aumentou onze vezes entre 1970 e 1984 e os pagamentos do ser- viçodadívidapraticamentequadripli- caram; i.e. passaram de 1,2% para 4,4% do PNB. As despesas com a ad- ministraçãocentralaumentarameas receitas foram-se mantendo mais ou menosestacionárias.Osdé icesorça- mentais passaram a atingir cerca de 10%doPNB[Idem]. Para cobrirem os seus dé ices, os paísesemdesenvolvimentoviram-se forçadosarecorrersistematicamente aempréstimosdospaísesindustriali- zadosedeinstituições inanceirasin- ternacionais,comooBancoMundiale o FMI. Desta forma endividaram-se ainda mais e tornaram-se ainda mais pobres.Ofosso,quejáosseparavados paísesindustrializados,foiprogressi- vamentealargandoerestou-lhesape- nas manifestar o desejo de uma nova ordem económica mundial [SANTOS BENEDITO:19-20]. Na verdade, o desejo de uma nova ordemeconómicainternacionalvinha já sendo reclamado nos anos 70 e 80, ainda antes da implementação dos ProgramasdeAjustamentoEstrutural das instituições de “Bretton Woods”. Actualmente, não há nenhum país africano ao sul do Sahara que, para tentarsobreviveràconjunturaeconó- mica imposta pela globalização, não seja dependente de Programas de Ajustamento Estrutural. Mas, o que, naprática,severi icaéoinvestimento para o desenvolvimento dos países africanosbene iciar,apenasecadavez mais, os países já desenvolvidos [CO- MISSÃO INDEPENDENTE POPULA- ÇÃOEQUALIDADEDEVIDA:53]. O Relatório sobre o Desenvolvi- mentoMundial 2000/2001doBanco Mundial apresenta também um con- junto de dados que justi icam esta a irmação. É um facto que, desde 1960, a esperança média de vida nos países em desenvolvimento aumen- tou,emmédia,20anos;Ataxademor- talidade infantil, desde 1960, dimi- nuiu em mais de metade; O ingresso escolar entre 1990 e 1998 aumentou 13%; o número de pessoas em situa- ção de extrema pobreza baixou para 78milhões.Mas,emcontrapartida,já neste início do século XXI, veri ica-se que a pobreza continua a ser um pro- blemaglobaldeenormesproporções: - Dos 6 mil milhões de habitantes hojeexistentes, 2,8milmilhões(qua- semetade)vivemcommenosde2dó- lares/dia e 1,2 mil milhões (um quin- to)commenosde1dólar/dia; - Nos países mais ricos, menos de uma em 100 crianças não completa os cinco anos. Porém, nos países em desenvolvimento, um quinto das crianças morre antes de atingir essa mesma idade; -Enquantonospaísesindustrializa- dosmenosde5%detodasascrianças, commenosdecincoanossãodesnutri- das,nospaísespobresaproporçãoche- gaa50%(i.e.,metadedascrianças); -Acomparaçãoderendimentosin- dividuais levada a cabo pelo PNUD concluiu que 1% das pessoas mais ri- casdomundo,recebeomesmorendi- mentoque37%dasmaispobres; - O rendimento dos 5% mais ricos domundoé114vezessuperioraodos 5%maispobres; -Os10%doshabitantesmaisricos Daautonomizaçãopolítica àdependênciaeconómica FFIILLIIPPEE ZZAAUU 8|RENASCIMENTOAFRICANO 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura
  • 9. Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012 RENASCIMENTOAFRICANO |9 Áfricaeo“evangelhodeumnovocaminho” É comNokNogueiraqueabro o “tempo africano” tempo de canção, tempo de “hino vinte e cinco de Maio pela reinvençãodocaminho”,eisamelodia “ó África ó alma ó muxima como rein- ventarafestadakixima”?Reinventan- doopensamentodanegritude?Dopa- nafricanismo? Provavelmente, pois assim como Nok, subscreveremos “a memóriadeumaÁfricaenvoltaemte- lasdeamor”. Na verdade, Aimé Césaire pensava a negritude numa dimensão tridi- mensional:ohomemnegrotemdeas- sumir-se negro com orgulho, isto é, identidade, a ligação permanente comaMãe-áfrica,istoé,a idelidade,e o sentimento de união e identidade comumentretodososnegros,istoé,a solidariedade.Éassimqueinspirados por esse ideal, cantamos em Mátria “oh minha África/anelo teus doces beijos/ no dúlcido amplexo da unida- defraternal...” Umprotestointelectual,umatoma- da de consciência de que nós, africa- nos,contribuimosdeverasparaopro- gressodaHumanidadedevepersistir para desmisti icar os mitos e precon- ceitosqueocultaramaomundoaver- dadehistóricasobreÁfrica.Juntemo- nosespiritualmenteaossábiosCheikh Anta Diop, Joseph Ki-Zerbo, Téophile Obenga e outros para escrever “ale- griasnorostonegro”,pensar“Senghor Neto Lumumba Cabral Mandela/ele- fantesdaliberdade” eanular“aanore- xiaquegraçanaplanície...ondeabru- tres almejam o SOL”. “Ó negro de Áfri- ca/negrosdetodoomundo”eisocha- mado África, para avançar o tempo e arregaçar“nocalendárioaessência/a eloquência” vencendo assim com o grito do hungo e subscrevendo sem- preairmandade. O “evangelho africano” deve evi- denciar a educação pois no pensa- mento de Du Bois, ela é instrumento de luta e de ascensão do homem ne- gro. A cultura, a história, a literatura, as tradições africanas devem constar do projecto político-pedagógico das sociedades africanas. Deve-se ainda reivindicar permanentemente os di- reitosinalienáveisàvida,àliberdade, àfelicidade,assimcomoagarantiados direitos de cidadania mantendo o so- nhodeLutherKing. Estou com o professor Jorge Mace- do, ilósofo, etnomusicologo e escri- tor, ao escrever que a frente cultural africana não deve se “deixar embru- lhar pelos traidores africanos colo- candoÁfricacontraÁfrica,osseusde- tratores prolongando neocolonialis- mos de toda a espécie em epaços dé- beis do período africano pós-inde- pendência, feridos de guerras civís, carências, contradições, má governa- ção,fomesletais...”eoutrosmales.De- vemosainda olharpara África sobum novo olhar, com os negros na diáspo- ra, de modo a desmisti icar preconceitos e a domina- çãocultural eurocêntri- ca. Como angolanos, jáéhoradevislum- brarmosa dimen- são africana da nossa cultura e não aceitarmos rótulos colonizadores de “povo sem cultura e a civiilizar”. Acertaram no recanto dos nossos valoresoqueafectouanossacaracte- rísticasolidadriedade,hospitalidade. Émisterpoisoresgatedosnossosva- loresangolanoslogo,africanosbantu e o dever de pensar e fazer por nós mesmos. Já é hora de emancipar as nossasmentesdaescravidãocultural, pensandoBobMarley. E com o Nok fecho chamando-te “ó bantucordãoumbilicalretratodepu- radevoção”“tuésbelezatranscenden- tal das lores com que enterrámos/ nossos heróis// o Maio anuncia o re- gresso da bonança na noçãodaspala- vras...”assimdeverásernesse“tempo africano”odesbravarnocaminhoum novoevangelho,umevangelhodePAZ. VIVAAÁFRICA. MulembawaxaNgola, 08deMaiode2012.01h49´ NNGGUUIIMMBBAA NNGGOOLLAA dos EUA têm um rendimento igual ao dos 43% mais pobres do Mundo; i.e., 25 milhões de americanos têm um rendimento igual a 2 mil milhões de pessoas.[FERREIRA:30]. *Extractodolivro“EducaçãoemAngola;No- vos Trilhos para o Desenvolvimento” de Filipe Zau,editadopelaMoviLivros,em2009. **PhDemCiênciasdaEducaçãoeMestreem RelaçõesInterculturais BIBLIOGRAFIA - MUNARI, João (s/d), A Igreja no Brasil aberta ao mundo; Especial Daniel Comboni, RevistaSemFronteiras,SãoPaulo; -COMISSÃOINDEPENDENTEPOPULAÇÃO EQUALIDADEDEVIDA(1998),CuidaroFutu- ro,TrinovaEditora,Lisboa; - EMMERIJ, Louis (1993), Norte-Sul: A gra- nadadescavilhada,BertrandEditora,Lisboa; - BANCO MUNDIAL (1990), A Educação na ÁfricaSubsahariana:medidasdepolíticapara ajustamento, revitalização e expansão, Was- hington,D.C.; -SANTOSBENEDITO,N.D.(1999),Agloba- lizaçãoeosDesa iosàEducação,Coimbra(co- municaçãonãopublicada); -FERREIRA,EduardoPaz,(2004),Valorese Interesses.DesenvolvimentoEconómicoePo- líticaComunitáriadeCooperação,LivrariaAl- medina,Coimbra SUPORTESDAINTERNET - Público – pt, Dossiers, In, http://dos- siers.publico.pt/euro/html/glossario.html, em28/12/03; -BANCOMUNDIAL(2000/2001),Relatório sobre o desenvolvimento mundial; cit. in, http://www.ugt.pt/comunicado_17_10_2002.h tm,em06/02/04;17deOutubro–DiaInterna- cionalparaaErradicaçãodaPobreza; - http://br.invertia.com/canales/noticia.asp?Id Canal=238&iddoc=809869,em09/09/03; -SILVA;JoséInácioda“Lula”(24deJaneiro de2003),Intervenção,FórumMundialSocial, Porto Alegre, In, http://www.radiohc.cu/es- panol/forunsindicalmundial/portugues/fo- ro25b.htm,09/09/2003
  • 10. 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura BBoobb MMaarrlleeyy aa pprriimmeeiirraa ggrraannddee eessttrreellaa ddoo TTeerrcceeiirroo MMuunnddoo T alvez poucos saibam, mas Robert Nesta Marley, ou simplesmente Bob Marley, nasceu a 6 de Fevereiro de 1945,naParóquiadeSaintAnn,Jamai- ca.O11deMaiotemsidoodiaemque maisgenteseidenti icacomBobMar- ley.Talcomooex-beattleJohnLennon queéreverenciadonodia8deDezem- bro,odiaemquefoiassassinadoenão a9deOutubro,dianoseunascimento, assimcomonodia16deAgostoosfans deElvisPresleyprestamtributoaoRei doRockenãoa8deJaneiro.Seiquees- tapolémicaentreacelebraçãodadata do nascimento e da morte é algo que fazcorrermuitatinta,noentanto,para nósRASTAFARIANOS,adatadonasci- mentoéamaisimportanteporquees- te é o dia em que iniciámos a nossa a obra.EisarazãoporqueosRastasrele- vam mais o 6 de Fevereiro, em detri- mentodo11deMaio. Efeméridesaparte,aívãoumasdicas sobreestemestiço,BobMarley, ilhode NorvalMarley,o icialdamarinhabritâ- nicacom45anosdeidadeedeCedella Booker,umaadolescentenegraJamai- cana, que vivia em Rodhen Hall. Bob Marley teve vários ilhos, dos quais destacamosoprimogénitoZiggyMar- ley,paraalémdeCedellaMarley,Steven Marley,todos ilhosdeRitaMarley,Da- myan Marley ilho, Cindy Breakspear MissMundoeJulianMarley, ilhodeLu- cy.Pounder, Ky-mani Marley, de Anita Belnavis, e Rohan Marley de Janet na Inglaterra,depoisadotadopelamãede Bob. Como podem notar Marley teve váriasmulheres. Bob falava dos problemas dos po- bres, oprimidos, África, amor e ques- tõesespirituais.Foioprincipaldivul- gadordosideaisdareligiãoRastafary. Rastaman Marley começou tocando ska, pas- sou pelo Rock steady, até chegar ao reggae.Eleétalvezmaisconhecidope- loseutrabalhocomogrupodereggae The Wailers, que incluía outros dois grandes nomes, Bunny Wailer e Peter Tosh. Bunny e Tosh posteriormente deixariamogrupoparainiciaremuma bem-sucedidacarreiraasolo. No início, foi produzida por Coxso- ne Dodd no Studio One. O trabalho de Bob Marley foi responsável pela acei- tação cultural da música reggae fora da Jamaica. Ele assinou com o selo Is- land Records, de Chris Blackwell, em 1971, na época uma gravadora bem in luente e inovadora. Foi ali, com No Woman, No Cry em 1975, que ele ga- nhoufamainternacional. Bob Marley era adepto da religião Rastafári. Ele foi in luenciado pela es- posaRita,epassouareceberosensina- mentos de Mortimer Planno (um dos primeirosanciãosdomovimentoRAS- TA) . Ele servia de facto como um mis- sionário rasta (suas acções e músicas demonstram que isso talvez fosse in- tencional),fazendocomqueareligião fosse conhecida internacionalmente. Em suas cançõe,s Marley pregava ir- mandadeepazparatodaahumanida- de. Antes de morre,r ele foi inclusive baptizado na Igreja Ortodoxa da Etió- piacomonomeBerhaneSelassié. Marley também tinha conexões comacorrenterastafári"DozeTribos de Israel", e expressou isso com uma frase bíblica sobre José, ilho de Jacó, nacapadoálbumRastamanVibration. EamúsicadeMARLEYtambémba- teuemAngola,quemnãoselembrado No Womam No Cry, One Love, ou Could You Be Loved, músicas que não apenas os amantes do reggae têm o prazerdeouvir. Da grande discogra ia de Bob Mar- ley temos as seguintes obras: Judge Not (1961) (compacto), Simmer Down (1964) (compacto) , Keep On Skanking(1967),SoulRebels(1970), Satisfy My Soul (1972), Catch a Fire (1973),RocktotheRock(1973),Afri- can Herbsman (1973), Live Jam' (1973) ,Burnin' (1973), Natty Dread (1974), Live! (1975) - gravado no Ly- ceumTheatre,Londres,RastamanVi- bration (1976), Exodus (1977), Kaya (1978),OneLoveConcert(1978),Ba- bylonbyBus(1978),Survival(1979), Uprising (1980), Live At Rockpalast (1980),ChancesAre(1981),Confron- tation(1983),Legend(1984),TheFi- nal Concert (1985), Talking Blues (1991),NaturalMystic(1995),Chant Down Babylon (1999), One Love-The AssimfalouMarley: “Oshomenspensamquepossuemumamente, maséamentequeospossui.” RRAASS KKIILLUUNNJJII 10|RENASCIMENTOAFRICANO
  • 11. RENASCIMENTOAFRICANO|11Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012 VeryBestofBobMarley&theWailers (2002).Brevementesairáumagrava- çãodeBobcomCarlosSantana. Destes álbuns, o meu preferido é o Rastaman Vibration, mas o pessoal aqui curte muito o Legend que é uma colectânea das melhores músicas de Marley, segundo a editora, outro ál- bumbemapreciadoaquiéoSurvival. Os seus ilhos têm feitos regrava- ções das suas músicas. Muitos músi- cos tambémtrabalhama suaobra.Na línguaportuguesa,GilbertoGil,coma versãodeMulhernãoChoresMaisdeu opontapédesaídaeposteriormenteo mesmo fez um álbum apenas com te- mas de Marley aclamado Kaya nan Kandaya. Um mês antes de sua morte, Bob Marley foi premiado com a Ordem ao MéritoJamaicana. Omito A música e a lenda de Bob Marley ganharammaisemaisforçadesdesua morte, e continuam a render grandes lucros para seus herdeiros. Também deu a ele um status mítico, similar ao deElvisPresleyeJohnLennon.Marley é enormemente popular e bastante conhecido ao redor do mundo, parti- cularmentenaÁfricaenaAméricaLa- tina.Éconsideradopormuitoscomoo primeiropopstardoTerceiroMundo. Marley foi agraciado com vários prémios.Destacoosseguintes: • 1976 - Banda do Ano (Rolling Stone) • Junho de 1978 - Premiado com a "Medalha de Paz do Terceiro Mundo"pelasNaçõesUnidas • Fevereirode1981-Premiado com a mais alta condecoração jamai- cana,a"OrdemaoMérito" • 1999 - Álbum do Século (Re- vistaTime)porExodus • Fevereiro de 2001 - Uma es- trela na Calçada da Fama de Holly- wood • Fevereirode2001-Premiado com um Grammy pelo "Conjunto da Obra" • 2004:RollingStoneMagazine classi icou-o número 11 em sua lista dos"100MaioresArtistasdeTodosos Tempos"[4] • "One Love" chamada canção domilêniopelaBBC • Votado como um dos maiores letristas de todos os tempos por uma sondagemdaBBC OlegadodeMarleycontinuamuito forte.AfamíliaMarley,em2005,reali- zouaprimeiraediçãodofestivalÁfri- ca Unite na Etiópia, que não é apenas músicamasincluioutrasactividades, comodebatessobretemasrelaciona- dos com a juventude e outros proble- masqueaÁfricaeosafricanosenfren- tam. No anos seguintes os mesmos festivaisrealizaram-senoGana,África do Sul e Jamaica. África Unite, porque um dos grande sonhos deste afro-ja- maicanoeraveraÁfricaunida. Os ilhos de Marley estão também bem lançados. Os premiados das três últimas edições dos Grammys, na ca- tegoriade Reggae,tinhamo sobreno- me Marley. Damiam Marley, Ziggy Marley e Steven Marley. Ziggy e Da- miamjáhaviamconquistadorotroféu emediçõespassadas. A obra de Marley continua actual, in luenciandocantoresdeváriosesti- los e conquistando sempre novos ad- miradores.AmúsicadeBobnãoéape- nas uma música Rasta é uma música paraoMundo,semserdomundo.
  • 12. 12|LETRAS 14deMaioa3deJunho de2012| Cultura AngolacriaprimeiroCentroNacionaldeLeitura criarnohomem criarnamassa (…) Criarcriar criaramorcomosolhossecos. AgostinhoNeto A ministra da Comunicação Social, Carolina Cerqueira. inaugurou,nopassadodia8 de Maio, o primeiro Centro NacionaldeLeitura,projectadoecons- truídopelasEdiçõesNovembronacida- dedeNdalatando,tendo-oclassi icado comoumpreciosobene íciodapaz. “Os Centros Nacionais de Leitura são instrumentos fundamentais para promover a Cultura Angolana e, ao mesmo tempo, mobilizar a juventude para o conhecimento. Neste caso, do- támos esta estrutura de novas tecno- logias que vão permitir aos estudan- tes do Kwanza-Norte aprender mais, investigar, estarem ligados ao mundo através da Internet e todas as suas ferramentas”, explicou o PCA das Edições Novembro, José Ribeiro, no acto inaugural. Segundo José Ribeiro, o primeiro CentroNacionaldeLeituranasceuem Ndalatando por razões históricas, já quefoinaquelacidadeque,naprimei- ra década do século XX, nasceu um movimentonacionalistalideradopor intelectuaisdaestirpedeAssisJúnior, quemaistardeparticipounosaconte- cimentos de Ndalatando e Lucala, aliandoaculturaàsededejustiçaeao sonhodaIndependênciaNacional. “A Empresa Edições Novembro, ao projectareconstruiresteedi ício,quis colaborarcomospoderespúblicosno projecto exaltante de levar a Cultura Nacional a todos os cidadãos”, acres- centouRibeiro. ObispodadiocesedoKwanza-Nor- te,AlmeidaKanda,quebenzeuoedi í- cio, ladeado pelo vice-governador da província, Manuel Pereira da Silva, e pelovice-ministrodasTecnologiasde Informação, Pedro Teta, considerou queocentro,“emprimeirolugarajuda os nossos jovens a cultivar a sua vida académica,intelectual”,porissoespe- ra que “possam desfrutar deste meio para o enriquecimento da sua vida” e esperaque“estacasaestejaaoserviço da verdade e da justiça, infundindo uma mensagem reconciliadora que possaunirasnossaspopulações.” João Cristóvão, aluno da 12ª classe na escola Complexo Comandante Be- nedito,foiumdosprimeirosjovensde Ndalatandoaensaiarumcomputador no centro: Para ele, “a vantagem que euvejonoaproveitamentodestasno- vas tecnologias de informação é aju- dar os jovens na sua vida académica, com as nossas pesquisas, investiga- ções, temos aqui muitos jornais, te- mosaquiumasaladeinformáticabem equipadaquenospermitecontactaro restodopaíseomundo.” C onheci Jean Hébrard no Ar- quivoHistóricoNacional.Di- rector do CRBC - Centro de Pesquisas Bretão e Céltico daEscoladeAltosEstudosemCiências Económicas da França, este homem cordial,depeletisnadapelosol,come- çoupordizer:“Aminhaespecialidade éahistóriadeCabinda.Souprincipal- menteumespecialistadoBrasil.Quan- dovocêfaladahistóriadoBrasil,você temdefalarinfalivelmentesobreahis- tóriadeÁfrica,ehádoislugaresmuito importantes,ogolfodoBenin,quetem umarelaçãomuitoprofundacomSal- vadordaBahia,eaqui,Angola,quetem uma relação muito importante com o Rio de Janeiro. Aqui vamos pesquisar osfactosdopassado,principalmentea partida dosescravos.O que acontecia aqui, no momento da captura, da ins- crição,darelaçãocomasmercadorias detroca,etc.” Comooleitorjáseapercebeu,estive a conversar com um pesquisador das rotasdaescravatura,que,aliás,temjá um ítulo publicado nos Estados Uni- dos, que se chama “Freedom Papers” (DocumentosdaLiberdade).“Éumli- vro sobre a história de Rosalie, da na- ção Poulard, uma escrava capturada no Senegal, deslocada para Santo Do- mingo,ilhafrancesa.Elachegouaesta parte,algunsanosantesdarevolução haitiana.Foitestemunhadirectadare- volução haitiana. Mais tarde, foi para Cuba e aí conseguiu criar uma família totalmentenova,quecontinuaatého- je, tem seis gerações, ela era a grande matriarca. Família essa toda ela des- cendente de escravos. Antes de partir deFrança,encontreiumadescendente dessafamílianoSuldaFrança.Éincrí- vel! O nome dessa família é Tinchant. Como é um nome pouco usado, pouco comum,torna-semuitofácilpesquisar oseupassado,asuaárvoregenealógi- ca”,medisseHébrard,comaquelapai- xãohistóricaqueoenvolve. O nosso interlocutor prossegue: “AquinoArquivo,omaterialéfantásti- co, a minha pesquisa fundamental agora é procurar entender melhor a questão do nome do escravo. Porque, aprimeiracoisaqueacontece,quando vocêécapturado,éperderoseunome. Você é imediatamente baptizado e temdeengolironovonomeeumano- va identidade, que é uma identidade cristã.Eumacoisaqueconstateiclara- mente é que um escravo tem só um primeiro nome. Jamais um nome de família.Afamílianãotemvalor,vocêé João, ilho de Joana, ou Maria, ilha de Ana, mas você não é nunca João Silva, vocêéapenasJoão.” Uma outra questão que muito o in- teressa,édesaberoqueacontececom osescravosalforriados.Comoelesre- construiamumaidentidadenova,du- ranteaescravidão,depoisdaescravi- dão nas Américas e também aqui, no continente africano. “Porque aqui também houve muitos escravos que foramalforriadosetiveramderecons- truirumavidanova.Aquestãocentral da minha pesquisa é a questão da identidade. Ser capturado, com um novoestatuto,umanovacondição,es- tou muito interessado em conhecer a situação da escravidão do ponto de vistadomercado”,concluiuHébrard. Jean Hebrard realizou ainda uma palestraemBenguela,comoapoiodo historiadorSimãoSouindoula,sobreo temadarotadaescravatura. JeanHebrardhistoriadorfrancês “Umescravotemsóumprimeironome” JJOOSSÉÉ LLUUÍÍSS MMEENNDDOONNÇÇAA João Cristovão confiante no futuro
  • 13. LETRAS|13Cultura |14deMaioa3deJunho de2012 Detantasfalas&algumaescrita N umacurta,masmuitobem- sucedida, estadia na Covi- lhã – onde reencontrámos oJoséCarlosVenâncio,que hámaisdeduasdécadasaliseestabe- leceuleccionandoedivulgandolitera- turasafricanasnaUniversidadedaBei- ra-Interior–,tivemosogratoprazerde, uma vez mais, conviver com o mestre Luandino.Falámosdetudomais,algu- ma coisa dentre tantas coisas do hoje da vida política, cultural (principal- menteliterária,claro!),danossaterra, nossaamadasemprepresente. Inevitavalmente, falámos da nossa História e dos movimentos literários geracionaisdesdeosidosdadécadade quarenta do passado século. Falámos dosmovimentoseditoriaisemAngola e das actuais editoras do burgo. Falá- mosdosautoresnacionaiseestrangei- ros, tal como Tomás Vieira da Cruz e seu ilhoTomásJorge,cujaobrapoética foirecentementerecolhidaepublicada exemplarmente pela ‘’Kilombelombe Editora’’ doLapin. Falámos de Geraldo Bessa Victor e dealgunsdosseuspecados.Dofolclore angolano:ÓscarRibasdaCasaMuseue do ‘’Missosso’’. De Manuel dos Santos Limade‘’OBuraco’’.DeA.Neto,Viriato, MárioPinto,deJacinto–poetado‘’Kia- posse’’, e do Mário António dos ”100 Poemas’’.Poetadere inadapenaeapu- radasensibilidade.Opróprioensaísta do‘’RelerÁfrica’’.Falámosdocaráctere dapersonalidadeliteráriadecadaum deles, bem como do papel por eles de- sempenhadonomovimentodeliberta- ção nacional. Falámos de Rui Nogar, Craveirinha, Noémia de Sousa, da tia Alda do Espírito Santo e de Amílcar e VascoCabral,todosjáfalecidos. Falámos, como não podia deixar de ser, da nossa geração de 80 e do nosso contributoparaaconsolidaçãoeode- senvolvimentodocorpusedaossatura damodernaliteraturaangolana.Falá- mos do Ruy Duarte, do David Mestre, do Arlindo Barbeitos e naturalmente dain luênciadestesnassubsequentes propostasdetextoestéticoeliterarie- dadeconteudística.Falámosdosuple- mento «Vida & Cultura», do Jornal de Angola e do ‘’general’’ do jornalismo cultural dos anos 80 em Angola, refe- rindo-nos ao Américo Gonçalves ou Ocirema,comotambémsubscrevia. FalámosdoLuísKandjimboenquan- todedicadoensaístaafricano,dassuas polémicas e contradições espirituais. FalámosdaPaulaTavares,quechegou mesmo a ser apelidada e taxada (por algumasfemeninasmentalidadespuri- tanasdeentão...),depoetapornográ i- caemrazãodoseuprofundoeintenso erotismopoético.DoZéLuísMendon- ça, que desprecisou de ser brigadista da literatura para se a irmar no nosso contexto geracional como um dos maiores senão mesmo o maior, com a sua ‘’Chuva Novembrina’’, seguida da ‘’Gíria de Cacimbo’’ e de tantos outros títuloscujadiversidadetemáticaeiró- nica podemos agora certi icar com a suamaisrecenterecolhapoéticaedita- da em Portugal pela NÓSSOMOS, uma editora de poesia com propósitos es- sencialmente de divulgação cultural além-fronteiras. Re iro-me, em suposta primeira mão, ao ‘’Africalema’’. Livro com 102 poemasescolhidos‘’naquindautilitá- ria‘’de9doscercade20 publicadospe- loautor,sobosdesígniosda«existência popular generalizada», em função da incompleta glória de ser HOMEM e ci- dadão do mundo, que se alimenta só e somentedofrutodaspalavrassempre rentes à metáfora dos corpos desnu- dos. No meio de tantas falas faladas, no carro, no departamento de sociologia da Universidade da Beira-Interior, na bibliotecadaCâmaraMunicipaldaCo- vilhã, e até mesmo nos restaurantes corredores e elevadores do hotel cujo nomenãoéaquichamado,algoquenos chamou devidamente a atenção e to- couprofundamenteocoraçãofoiofac- todequeopúblicoleitoreamantedali- teratura em Portugal já entendeu que Angola, e os demais países africanos colonizados por Portugal, não têm só umametadedemeiadúziadeescrito- resquelhessãoinsistentementeapre- sentados em razão do circuito do co- mércioeditorial. Ficouclara–apreto-e-brancoeaco- res! –, a necessidade e e avidez de co- nhecerem também os outros. Os não euro-descendentes,comodiriaoRicar- do Riso. Os outros ainda não editados em Portugal. Os outros que só editam localmente.Osoutros,osoutros,osou- tros....pois,osleitoresestafados...mui- tocansadosmesmocomosmesmos,os mesmos,ecomosmesmos. ...E falámos que isso acontece tam- bémporculpadadebilidadedaspolíti- cas culturais no mundo da cultural- mente‘’inexistente’’Comunidadedos PaísesdoscidadãosfalantesdaLíngua que«supostamente»Camõesimortali- zou. Por isso e por exemplo, os livros editadosentrenósnãocirculamemla- do nenhum nem mesmo no interior dos nossos países africanos. Assim sendo,julgamosestarmaisquenaho- ra,jácomtamanhoatraso,dequemde direito pensar e repensar sobre esta suave polémica em questão. Os bens culturais devem circular, mas não de qualquermaneira. Na Covilhã e em boa companhia, passamosmomentosregradosemuito bem regados. Falámos, falámos, falá- mos mas, em abono da verdade e para vossogoverno,interessa-medizer-vos, inalmente, que nós ouvimos mais do que falámos, pois assim reza a regra primeira segundo Ruy Duarte de Car- valhonoseulegado:HUMILDADE! Odivelas,Maiode2012 JJ..AA..SS..LLOOPPIITTOO FFEEIIJJÓÓOO KK.. NNOOTTAASS && NNÓÓTTUULLAASS Escritores angolanos na Covilhã A audiência
  • 14. 14|LETRAS 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura P ara compreender os funda- mentos epistemológicos dos Estudos Africanos nos quais se inscrevem os Estu- dos Literários Africanos, importa in- terrogar-nos sobre o momento a par- tirdoqualseconstituemcomocampo disciplinar dando lugar ao processo deproduçãodoconhecimentosobreo continenteafricano. Numa abordagem histórica e comparadadosEstudosAfricanos,en- quantoinvestigaçãoespecializadaso- breassociedadeseculturasafricanas, a que também se designa por «africa- nismo», observa-se que eles são uma emanação das políticas coloniais da Alemanha, Grã-Bretanha, França e Bélgica, potências que disputavam a ocupaçãoefectivadeÁfrica,procuran- doconferiràsuapresençaumalegiti- maçãocientí icamaisintensa,durante as duas primeiras décadas do século XX. Foi na Alemanha onde, em 1910, ocorreuaprimeiraexperiênciadeins- titucionalizaçãoacadémicadosEstu- dosAfricanos,porocasião danomea- ção de Diedrich Westermann como professor do Departamento de Lín- guas Orientais na Universidade de Berlim.Seguiu-seaGrã-Bretanhacon- sagrandoessedomíniodosabercoma criação do International Institute of African Languages and Cultures, em 1926, que passou a publicar a revista África. O surgimento da School of OrientalandAfricanStudiesnaUniver- sidade de Londres, em 1939, substi- tuindoaSchoolofOrientalStudies,tes- temunhaaexistênciadeumacomuni- dadedeinvestigadores,antropólogos e sociólogos, que realizavam já pes- quisasemÁfrica.EmFrança,ainvesti- gação neste domínio adquire uma di- mensão institucional alguns anos maistarde,apósafundaçãodaSociétè desAfricanistesem1930. Ora, é legítimo levantar questões acercadocarácterafricanodosEstudos Africanosedaunidadedassuasdiscipli- nas,talcomofazPaulinHountondji.Ao esboçarassuasrespostas,partindodo pressupostodequeaactividadecientí i- caemÁfricapodeserquali icadacomo «extravertida» e «destinada a ir ao en- contro das necessidades teóricas dos nossos parceiros ocidentais e respon- deràsperguntasporelescolocadas»,o ilósofobeninenseescreve: Os chamados estudos africanos não só se baseiam em metodologias e teo- rias que se consolidaram em vários campos […] muito antes de terem sido aplicadasaÁfricaenquantonovocam- po de estudo, como é, de resto, comum, em instituições académicas e de inves- tigação, encontrar esta matéria asso- ciadaaoutrasdisciplinas[…]. Portanto,éperfeitamenteadmissí- vel discernir perspectivas radical- mentediferentesdefendidasporAfri- canosenão-Africanos,noquedizres- peitoàsemânticadosEstudosLiterá- riosAfricanosesuasdisciplinas. Na organização institucional das universidades, os Estudos Literários Africanos constituem-se após a Se- gunda Guerra Mundial. Foi nas déca- dasde40e50quesurgiramasprimei- rasuniversidadesafricanasdoséculo XX.MasaformaçãodosEstadosinde- pendentes ocorre a partir da década de60,obedecendoaomodeloociden- taleherdandoasfronteiraseasinsti- tuiçõespolíticasdasantigaspotências coloniais.Aedi icaçãodesistemasde ensinoquepudessemincorporarcon- teúdos programáticos sem qualquer in luênciaexternafoiimediata.Emal- guns países africanos as mudanças curricularesdematériasrespeitantes àsLiteraturasAfricanasocorreramlo- go a seguir à independência. É o que sucedeucomoSenegal,ondesereali- zou o primeiro colóquio consagrado ao ensino das Literaturas Africanas, em 1962. Na Universidade de Dakar assim como na maior parte das uni- versidadesafricanas,aestadisciplina foraconferidoumestatutosemelhan- teaoutrasdisciplinasleccionadas,no âmbito da organização de departamentos autóno- mos (Kane, 1994:27-39). Quantoaoensinosecundá- rio, as Literaturas Africa- nas, sustenta Kane, foi in- troduzida de modo anár- quico, sem métodos, sem programas.Numa perspec- tiva comparada, verifica- se que nos países africanos de língua francesa, o ensi- no das Literaturas Africanas nas universidades e nas escolas se- cundárias se consolida em princípios da década de 70. Por exemplo, a in- trodução de textos literários africa- nos (incluindo a literatura oral tradi- cional) ocorre apenas em 1972, após a Conferência de Ministros da Educa- ção, realizada em Madagáscar. Nos países africanos de língua in- glesa, o mais expressivo sinal de mu- dançaproduz-secomumtextodatado de 1968, subscrito por três autores origináriosdaÁfricaOriental,através do qual defendem a abolição do De- partamentodeInglêsnaUniversidade deNairobieacriaçãodoDepartamen- to de Línguas e Literaturas Africanas (WaThiong’o,1982:145-150).Talco- mo diz Biodun Jeyifo, «the constitu- tionofAfricanliterarystudyasalegi- timateacademicdisciplinewithcerti- ieddegreesandprofessionalspeciali- zation began in Africa, not in Europe orAmerica». Podedizer-sequeocen- troinauguraldegravidadedeumensi- nosériodasLiteraturasAfricanasestá situadoemÁfrica. Ao apresentar as conclusões do um inquéritosobreoensinodasLiteraturas Africanasnasuniversidadesdospaíses africanosdelínguainglesa,BernthLind- fors,observaqueadescolonizaçãodos estudos literários emÁfricaestavaemcursoeemestado bastante avançado. Nota que dos 194 cursosseleccionadosem30universida- desdouniversode14países,aamostra representavacercade60%donúmero total de cursos em que se inscrevem 226autores.Aconclusãoaquechegao referido investigador permite susten- taraideiadequeasLiteraturasAfrica- nas ocupavam um lugar signi icativo nosprogramasdosDepartamentosde Inglês, Departamentos de Literaturas Africanas ou Departamentos de Lín- guasEuropeias.Estesindicadoresesta- tísticos fornecem um quadro que re- lecte,provavelmente,deigualmodoa situaçãodospaísesdelínguafrancesa. Efectivamente,ainvestigaçãoeoensi- nodasLiteraturasAfricanastinhamal- cançadoníveissemprecedentes,espe- cialmentenoquedizrespeitoàsuains- titucionalizaçãoacadémica.Ignora-se, noentanto,ecomalgumarazãooquese passa nos países africanos de língua portuguesa. Oprocessodeautonomizaçãodisci- plinar das Literaturas Africanas foi dando origem ao abandono das deno- minações generalistas elaboradas na basedecritériosraciais.Ahistoriogra- iaregistain luênciasprofundasqueo movimentopanafricanistaeposte- Literaturasafricanas ouLiteraturaAfricana LLUUIISS KKAANNDDJJIIMMBBOO Institucionalizaçãodeumadisciplina DR
  • 15. LETRAS|15Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012 riormente a Negritude exerceram so- breasideologiasdosescritoresAfrica- nos.DurantemuitotempoasLiteratu- ras Africanas eram adjectivadas com fundamentonocritériofalaciosodara- ça.Eracomumousodeexpressõesco- mo«literaturanegro-africana»,«litera- tura neo-africana» ou simplesmente «literaturanegra» Parajusti icartaisdesignações,Ly- lian Kesteloot, na sua Anthologie Né- gro-Africaine,argumenta: Consideramos a literatura negro- africanacomomanifestaçãoepartein- tegrantedacivilizaçãoafricana.Emes- moquandoéproduzidanum meio cul- turalmente diferente, anglo-saxónico nos Estados Unidos, Ibérico em Cuba e noBrasil[…]Oespaçodaliteraturane- gro-africanacobrenãoapenasaÁfrica ao sul do Sahara, mas todos os cantos do mundo onde se estabeleceram co- munidadesNegras,sobosauspíciosde umahistóriaturbulentaquearrancou ao Continente centenas de milhões de homenscomoescravos[…]. Otipodeargumentosaduzidospor autorescomoLilyanKesteloot(litera- tura negro-africana), Janheinz Jahn (literatura neo-africana) ou Jacques Chevrier(literaturanegra)nãoofere- cemqualquerconsistênciateóricapa- ra merecerem a dignidade que lhes é conferida. A partir da década de 70 e 80, a tendência dominante da crítica designa as Literaturas Africanas no plural,con inando-asaosespaçosna- cionais.Passamaserpublicadosestu- doseantologiasqueobedecemaocri- tériodanacionalidadeliterária.Deste modo,LiteraturasAfricanasouLitera- turaAfricanaéadenominaçãodeuma disciplinaquepelasuavocaçãogene- ralista contradiz a lógica do Estado- naçãodequeemanaoparadigma ilo- lógico nacional em que se funda o en- sino das LiteraturasEuropeias. Não é raro encontrar professores e investi- gadores europeus e americanos que, negando a existência de literaturas nacionais em África, defendem a de- nominação colectiva destas literatu- rasenquantodisciplinacujade inição depende do seu vínculo com as lín- guas europeias em que são escritas, sendo,porisso,leccionadasnoâmbito de Departamentos de Estudos Ingle- ses,FrancesesouPortugueses.Porau- sência deumarobustaepistemologia africana independente, observam-se repercussõesdeletériasdessahierar- quizaçãonasuniversidadesafricanas. Deste modo a investigação e o ensino das várias Literaturas Nacionais do continente africano em muitos casos ainda assentavam em duas hipóteses erradas.Emprimeirolugar,adenomi- nação generalista de Literatura Afri- canaouLiteraturasAfricanasqueeli- minaapossibilidadedepassaràcom- preensão das suas especi icidades. Emsegundolugar,abalcanizaçãolin- guística dos Estados que está na ori- gem da marginalização das Literatu- ras Africanas de Língua Portuguesa dosEstudosLiteráriosAfricanoscuja denominaçãodisciplinar(Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa) empaísescomoPortugalrevelaaper- vivênciadeumpaternalismocolonial que, segundo o investigador portu- guês Carlos Reis se manifesta através de uma «mal disfarçada resistência contraoreconhecimentodosigni ica- dopróprio[…]frutoempartederemi- niscênciasideológicasderaizcolonia- lista, essa resistência funda-se tam- bémnaleituradetaisliteraturasàluz docânoneliterárioportuguêseeuro- peu,leituradestepontedevista,éna- turalmentedesquali icadora». Apesar disso, o volume de tra- balhos de investigação consagrados às Literaturas Africanas de Língua Portuguesa deu lugar à sua discipli- narização em várias universidades do mundo, especialmente do Brasil, Portugal e Estados Unidos da Améri- ca. Se entendermos que o processo de disciplinarização comporta duas fa- ses, uma pré-disciplinar e outra disci- plinar, concluiremos que à primeira chega-se em finais da década de 70.Mas a fase disciplinar não alcan- çou a sua consolidação. Na fase disciplinar destacamos nomes de três professores universi- tários, os discipline-builders, no- meadamente Russell Hamilton dos Estados Unidos da América, Manuel Ferreira de Portugal e Maria Apareci- da Santili do Brasil. ManuelFerreiranotabiliza-secomoo responsávelpelaintroduçãodadiscipli- na de Literaturas Africanas de Expres- sãoPortuguesanaFaculdadedeLetras daUniversidadedeLisboa,em1974.Se- guiram-se as Faculdades de Letras da Universidade do Porto em 1975, pela mãodeSalvatoTrigoe,em1980,asFa- culdadesdeLetrasdaUniversidadede CoimbraedaUniversidadeNovadeLis- boa.Asuainstitucionalizaçãoocorreria em 1978, através dos Decreto-Lei nº 53/78de31deMaioedoDecreto-Leinº 75/84 de 27 de Novembro. Os primei- rosMestradoseDoutoramentosforam criadosnosanos80doséculoXXpelas universidades em que se leccionava a disciplinaaoníveldalicenciatura. No Brasil, em 1984 discutia-se ainda a legitimação do ensino das Li- teraturas Africanas nos cursos de Le- tras. Durante as duas décadas que se seguiram, ao que parece a situação não sofreu alterações signi icativas, apesar da «última proposta de refor- mulaçãocurricular»,talcomonosdiz a professora Laura Padilha (2010:4) que chega mesmo a defender, em ma- tériadeensinodasLiteraturasAfrica- nas de Língua Portuguesa, a necessi- dadedeuma«descolonizaçãocurricu- lar»paraoBrasil. Chamoaatençãoparaofactode incidirmosa re lexão sobre as Litera- turasAfricanasdeLínguaPortuguesa emgeral.Nãorigorosamentedaslite- raturas nacionais de cada um destes países. É de ensino das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa que setrata.Levanta-seaquiapossibilida- dedeestarmosperanteduasdiscipli- nas, Literaturas Africanas de Língua Portuguesa e a Literatura de cada um dospaíses,istoé,LiteraturaAngolana, Literatura Moçambicana, Literatura Cabo-Verdiana, Literatura da Guiné- Bissau e Literatura de S.Tomé. Rela- tivamente à primeira podemos falar da necessidade de desenvolver um ensino interdisciplinar cruzando os Estudos Africanos e as Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, es- tabelecendo as devidas linhas de diálogo com as Literaturas Africanas de Língua Inglesa e Língua Francesa. No dizer de Jean-Marie Grassin, a aludida perspectiva comparatista começaria por privilegiar a aborda- gem inter-africana : Trata-se de valorizar a sua especi i- cidade e o seu papel nos grandes con- juntos literários para os quais ela terá contribuído […] Um comparativismo intra-africanopermitiria situar, atra- vésdoestudodoscorrelatosexternos,a cultura africana no quadro das gran- des correntes artísticas, políticas e so- ciais do planeta. O que é indubitavel- mente melhor do que um olhar sobre a palavra africana no seio dos grandes conjuntos exófonos. (Grassin, 1984 :257-271). Portanto, é um imperativo para os Estudos Literários Africanos, proce- deràrevisãodasdenominaçõesdisci- plinares das Literaturas Africanas no pluraledasLiteraturasnacionaisdos países africanos no singular. É que a história da formação das disciplinas demonstraopapelqueonomedeuma disciplinaeasuaestabilidadedesem- penhamnasuaconsolidação,alémde outros factores como a existência de publicaçõescientí icas,nomenclatura pro issional, publicidade institucio- nal, comunidades cientí icas organi- zadasemassociações.Aonívelinstitu- cional,acriaçãodeunidadesdeinves- tigação e ensino nas universidades, taiscomoDepartamentodeLínguase LiteraturasAfricanas,Departamento de Estudos Literários Africanos, De- partamento de Literaturas da África Austral, Departamento de Estudos ComparadosAfricanos,cursosdepós- graduação,mestradoedoutoramento visandoaespecializaçãoemáreasco- mo Literatura Angolana, Literatura Moçambicana, Literatura Cabo-ver- diana,LiteraturaOralTradicionalAn- golanaouMoçambicana,etc.,podeas- sumirumaimportânciadecisiva. A cidade de Dakar no Senegal albergou no ano de 1962 o primeiro colóquio consagrado ao estudo e ensino das literaturas africanas
  • 16. 16|LETRAS 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura A pós a publicação da obra « As origens do Reino do Kongo », Patrício Batsika- ma nos propõe, aqui, um estudo, na realidade, adicional ao primeiro que tive, igualmente, o prazer de apresentar, neste lugar, meses atrás. Estendendo-se por 328 páginas comumcomplementodeumadezena de páginas de um corajoso índice re- missivoepublicadosobachancelada Universidadeeditora,olivroarticula- se em sete capítulos, dois anexos e umarespeitávelbibliogra ia. A ilustração da capa é bastante sig- ni icativa.Trata-sedobustorealizado peloescultoritaliano,FranciscoCapo- rale,sobinstruçãodoPapaPauloV,do Embaixador acreditado no Vaticano pelo Rei do Kongo, Álvaro II, Dom An- tónioManuelNeNvunda,quefaleceu, nodia6deJaneirode1680,emRoma. Corpora Interessadoaagregar,omaispossí- vel, elementos orais e antropológicos doprovávelaportedoeixomeridional, fundadordoconjuntofederal,oautor engaja-se num exercício, paciente, de reexame,àluzdessastradiçõesdeca- rácter histórico, de princípios cons- trutoresdasestruturassociaisepolíti- casdoReinoedaconstanteconcepção edi icadora do tríptico. E não se priva de plantar novas propostas de leitura dageogra iapolíticada«União».Para não negligenciar nenhuma pista nas corpora, o neto de Raphael aprecia, prudentemente, - pântano homofó- nico e homográfico obrigue ! -, as « coincidências » linguísticas atesta- das no falar da velha população ! kung ou Khoi ; arrastadas, provavel- mente, desde mais de 2000 anos, nu- ma evolução de interações civiliza- cionais francamente desequilibradas com os migrantes, dominadores ou engolidores bantu. A apresentação desses traços justifica-se pela reco- lha de lendas supondo a presença de um substrato humano pré-kongo de tipo pigmeu. Ainevitávelpistaovimbunduéexa- minada, bastante substancialmente, nassuassimilitudesdenaturezatopo- nímica ou de conceção ligada às ori- genseà organizaçãodaslinhagensde poder; boa direção de investigação, sendo as populações dos Planaltos centrais, notoriamente, o resultado dasdiferentesvagasmigratórias,vin- dasdesetentriãoedooriente. O mesmo exercício de concordân- ciasbantu,con irmativo,entreosKon- go e os Herero, os Nyaneka-Humbe, e acessoriamente, os Kwanyama e os Cokwe,éproposto. O autor apresenta, em seguida, o essencial das provas arqueológicas que confirmam a cristalização da especificidade kongo à volta do fim do primeiro milénio da nossa era, estabelecendo laços de parentesco com a cultura material (cerâmica, vestígios metalúrgicas etc.) com os Bantu meridionais. A im de avaliar o aporte do “Sul”, a fundação do Kongo dia Ntotela, o au- tor não exclui as voláteis reconstru- çõesmíticas,contemporâneas, degé- nese, de base cosmogónica ou espá- cio-temporal. LigaçõesAustrinas Examina, inalmente,sempre,nesta linhadeinvestigação, asligaçõesaus- trinasdaformaçãodaarquiteturamo- nárquica instalada nos Planaltos de Pembacassi,apartirdasirrefragáveis fonteshistóricasdasprimeirasanota- çõesdeautoresportugueses,italianos e holandeses mas igualmente, as cor- respondências dos próprios sobera- nosdoKongo. Esta análise é, também, feita a par- tir das releituras de investigadores contemporâneos. Oméritodapresenteobra,querepre- sentaumestudodegrandevisão,éode ter posto em ili- grana,nabasedefontesorais,arqueoló- gicas e escritas, um povoamento ante- kongo,deestádiovisivelmenteneolíti- co, constituído de grupos pigmeus e strandlopers, comunidades bem ne- gróides mas não locutores de línguas bantu, como tínhamos suposto. Essas populações serão, gradualmente, ab- sortas, antes do início da nossa era, pelos poderosos Bantu, metalurgis- tas, uma franja dos quais ocupará a região do Baixo Rio, a partir da flo- resta equatorial, mas cujo essencial, contornará, com razão, essa temível e densa barreira vegetal. Avançarão através das linhas de florestas tropó- filas e savanas orientais e austrais. Um dos reflexos históricos desta hipótese de esquema de expansão é o posicionamento estratégico, avun- cular, do Ne Mbata, chefe do Estado oriental do conjunto federativo, fac- to atestado nas fontes escritas e ré- citas kongo. En im,aoutraevoluçãoindicativae o reconhecimento pelos próprios Kongo, da presença, no seu seio, de componentes mbundu, quer dizer de assimilados. Emsuma,apresenteanálisecon ir- ma a nossa asserção sobre o facto de queosintensosmovimentosmigrató- riosdosBantuteremconstituído«pe- ríodosdegrandedinâmicahistóricae antropológica»;e,nasorigens,opaís deNimiaLukeninãoescapouaisso. SSIIMMÃÃOOSSOOUUIINNDDOOUULLAA “OreinodoKongo easuaorigemmeridional” Momento em que o autor Patrício Batsikama fazia uso da palavra PAULINO DAMIÃO
  • 17. LETRAS|17Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012 APoesiadasúplicasatírica edeatalhosquedãoaocoraçãodaÁfrica “MarcasdaGuerra,PercepçãoÍntima eoutrosFonemasDoutrinários”deLopitoFeijóo P ercepçãoÍntimaéna“branquinha”e“vir- gem” pureza do simbolismo a lágrima e a gota de sangue africanas das “Marcas da Guerra”. É uma descida carregada dum cepticismoinofensivo,“angelicalmente,”semalie- nações ao âmago da África e sacudindo o leitor da prisão ideológica, “exílio”, por via da ideia de uma Áfricaparadoxalmentenovaouvirgemmasjácheia demácula. É, também, entre “ Outros Fonemas Doutriná- rios”,umasúplicasatíricadosujeitoaonovotipode “Kamikaze”quecaminhaminadoparaofuturoeum atalhoparaocoraçãodaÁfricaanteosnovoscami- nhose“voos”“propostos”pela“bailarinadesaiaas- sombrada”, tida como proposta metafórica da dis- persãodosnovostempos: MARCASDAGUERRA (…) 3 Dez troçosnostroços estaviagemqual virgemcontemplando se esfarrapada. 4 Dosolhos destacriançaescorre umbrilho sangrento umgritoinaudível umsonho porsuposto (…) Comtrintaecinco“visõesinterpretativas”dividi- das em “ Doutrina Sentida”, “Rebelde Doutrina” e “DoutrinaTelúrica”,ospoemasestãocolocadosnum sentidodegradaçãoprogressivadatesetecida.Esta arquitectura restringe qualquer possibilidade de desencontro,alternânciabruscaouinjusti icadade tomedetemáticanaobraedenunciaastrêspartes como fases de uma metamorfose homogénea do poeta cuja criação é antecedida pelo teste da apreensãodos sentidos, convulsãoe, inalmente, a acçãoanunciadoradoporvir. Maisdoqueumaferramentadapercepção,opor- vircrescegradualmenteemtodosospoemasoraem re lexoexplícitooraimplícitonadinâmicadapala- vracriandoumaespéciedea inidadeelectivaentre os poemas que conferem a obra a elevação de ma- crotexto.Sublimementerebelada,deacçãoafectadae semcon lituarcomorelativismo,poisprofessauma esperança subentendida e um débil hedonismo, o mais concreto desta poesia veri ica-se na negocia- ção/combateentreopoetaeaconsciênciacolectiva actualparaestaÁfricaqueépassivamenterefém,víti- maviciadadosdanoscolateraisdoocidenteequese desembaraçaanteodesbravardosnovosdesa ios. Opoetafotografaoseumedopelalinhaténuepor ondeseupovocaminhanaparadoxaltentativadeir buscar-seesofrecomaexistênciadapossibilidade de África ser, para a posterioridade, uma ideia fu- nesta,umaréstiaemmitodeumacontecimentoain- da moribundo nos dias de hoje e debate-se paro- diando com a dualidade de realidades actuantes desta África que é, simultaneamente, berço da hu- manidade mas da miséria e da fome e inferno do presentemas“suposto”paraísodofuturo: INFERNO (…) 3 Nascopas,loiçade/mais Sevaipartindo enós,defome,engolindocacos (…) Ospoemasnãonascemdovagoebradamsobrea sobriedade de uma consciência combativa. A pala- vrapoéticaéatiradaemtaquicardia,jápossuídade umaimprevisívelfeitiçarianacriaçãocoesadopoe- masuperioraunidadedecrivodamesma,umtanto contrária da técnica de criação modernista e que transformam os poemas em autênticos gestos da modernidadecomgravitaçõesdagravidadedodis- curso apurado pelas correntes de pensamento da retórica prisional. Do resultado deste palpitante processocriativonascemrecriações arquitextuais que atravessam as diversas formas do lírico e que propõemacomunhãocomaprosa: TESTEMUNHO (…) Testemunhoportodasasequinasmor- tosdesiguaisporsuaculpa.Todaelasua culpa.Venho.Façodasminhascarnesas espadas dos nossos ante/passados por ora num sítio a noroeste de Kush nas margensdoNobreNilocompartilhando ibundosdaqui.Seiquechegarãopelavia deUpembaacompanhadosdealgumga- do,-quehaviasidoemrazãododestino-, vítimadafomeaquandodaprimeiradas primeiras de todas as secas com que vi- mossendoagraciados. (…) A “carga de alma” é aqui expressa por via de um panteísmopraticadopelasculturasafricanaseque opoetasegueetomadecontextoedeelmo.Noder- ramamento poético, os rios, desertos, matas e bi- chos são evocados e restituídos na sua posição transcendental: NASEDEDOSRIOSAFRICANOS -NILO Percorre divinamente de cabeça es- branquiçada fertilizantedecheiasestivais (n)aquelatelavistaporFromentin -NIGER Umapontemetálicaperpassa oíntimocaudaldoseucoração comdestinoaBernue -CONGO A espessura do seu marulhar murmu- ra noreinadocoma lu vialidadedaságuasbenzidas -KWANZA Feitosímbolodere(s) posta nação aparece caudalosamente re ajustado entre norte e sul. Este ou aquele? -ZAMBEZE P´losditosdecantinadeleita-se Lungue-Bungopopular Incenerados seus antepassados levi- tampróximodo [Zumbo. -ORANGE Oh… Garieb. Corre, salta, estende-te, desdobra-te Autonomiza-te o sol ao Cabo das Agu- lhas tãobememrazãodaidentidade! . Aobraéumjangoondeosdeusesafricanosseen- contram.E,sobamúsicasimbolistadeLopitoFejóo, osdeusesdançamemcomunhãocomanatureza.A invocaçãoéconstantee,maisdoqueumaentidade identi icadora,anaturezaacordareunidanapoesia comopalcodareuniãodosdeuses,entidadesincor- ruptíveis,parteconcreta/secretadaÁfricaeabsolu- tamentedisponíveisachorarporela. MMAATTAADDII MMAAKKOOLLAA
  • 18. 18|LETRAS 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura Assim, o poeta, porta/portador quali icado da mensagem, traz das entranhas da África um grito antecedidodechoro.Osdeusesdes ilamnacorren- tezadaab-reaçãodapoesiadeFeijóo: PURA&MADURA I Chamam-meÁfrica Paribastardosebastantes Quemesmosofrendoalém-mar Seuberçopodeesigni ica. II Nkundi ou Npangui são tão ilhos quantotu DoBurundiouRuanda Tenho-os tão bem em Luanda [no Kwandaouna Ganda]. III -Ohfeitiçodecarneeossos: Sincroniza-te emrazãodosnossos ecomosempreimenso,multiplica-te- me. IIII Soumulher/mãeentreYorubaseBan- baras Entrego-te-mepouca,loucaemadura PURA AFRICA PURA! PERCEPÇÃOÍNTIMA (…) -Uma cidade por aqui, é um autêntico mercado daserpentedoprazer todosvêmevão.Vemevão,vãoemvão II Estasinceramenteésimplescidade novevezesforaateciturasistemática invisivelmente equacionada à moda acidental comoventes estradas aéreas rasgam- lheatextura lorestal estampada no semblante do comum cidadão quaseemdesuso Tudoémodernoeoriginal sobresaindoempolgânciadosdeuses Háuças,Ybos,Yorubas,Peules,Fulanis, eetc. (…)
  • 19. Cinema|ARTES|19Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012 Terça Feira 22 de Maio Terça Feira 15 de Maio 19.00 Horas, entrada livre 19.00 Horas, entrada livre Sãoestesospróximosdois ilmesqueoCinemaNoTelhadoiráexibirterças-feiras,às19horas,noterraçodaUniversidadeLu- síada,naruado1ºCongressodoMPLA. OmêsdeMaioétotalmentededicadoácinematogra iaangolana. Nodia15deMaio,seráexibidoodocumentárioangolanoRITMOSURBANOS,MELODIASDEUMAIDENTIDADEdeIsilda Hurst.EmAngola,astradições,amúsicaeadançatêmdesempenhadoumimportantepapelnapreservaçãodamemóriacolec- tivaedaidentidadeculturaldeumanação.Entreosestilosurbanos,comoRebita,Kazukuta,Semba,Kizomba,podemosencon- trarumamisturadeelementosquetornarampossívelàspessoas reinventarassuasprópriastradições. Nodia22deMaio,oterraçodaUniversidadeLusíadaexibiráo ilmeAVIAGEMAOKUROKA.DirigidoporNguxidosSantos, trata-sedeumdocumentáriocolorido,emportuguês,semlegendasquenosmostraodesertodoNamibe,oshábitosecostumes dapopulaçãodomunicípiodoKuroka. Aexibiçãodestes ilmesestáincluídanoprojectoMABAXA-FestivaldeCulturaUrbana,doInstitutoGoethe.
  • 20. C20|ARTES|Música 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura Nagrelha EEssttaaddoo mmaaiioorr ddoo kkuudduurroo ccoonnttiinnuuaa nnoo BBaaiiããoo
  • 21. Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012 É actualmenteumdosmaioresnomesdoesti- lo kuduro. Tem no registo o nome de Gelson CaioManuelMendese,nospalcos,Nagrelha. Integrantedogrupoos“Lambas”,muitasve- zesaparececomolíderdeste,emboranaen- trevista que nos concedeu em casa, sita na rua do Baião, distrito do Sambizanga, pre- tenderapenasfalardesi.Aletra“Comboio”, música do primeiro CD do grupo a que per- tence e escrito por ele é uma das suas maio- res motivações para num futuro breve retratar a sua vida numa obraliterária. Di ícil foi sentar com Nagrelha. Pois só através de Kanguimbo Ananás,aquemchamademãe,foientãopossívelaconversa.Foram precisasquatrohorasdeespera,numsolardenteentrerisadasso- brehistóriasdomundodoKuduro.“Nagrelhaéhumano”,diziaoku- duristaDaBeleza,amigodocantorquenaocasiãoseencontravano local.Otempopassavaeoutrosmúsicoschegavamàresidênciade Nagrelha:100Maneira,CháPreto,Trator,Mago,Weza(dasfuguen- tas)sóparacitarosquesãodaslidesdomúsico.“Estasemprefoia nossacasa”,disseumdosmúsicos. Depois de longa espera, surge Nagrelha, extrovertido e sério, convidando-nosacomermacaiabo,seupratopreferido.“Aconver- saéNagrelhaouosLambas?”,perguntouomúsicoaosrepórteres, tendodeseguidaadvertidoquesófalariasobreogruponapresença dosoutroselementos. “OsLambaséumgrupocompostoporbaila- rinoseoutrosvocalistas”,advertiuomúsico,quenomesmoinstan- tepediuparaumdospresenteschamarBrunoKing,outrovocalista dogrupo.Esteacaboupornãocomparecer,pornãoseencontrarno bairro. Nagrelha,paraalémdecantareencantar,tambémaprecialetras deoutrosartistas.EfoinamúsicadeDavidZé,reproduzidapeloir- mãoGabiMoi“Eutenhoumavizinha,masnãodigoonomedela.Eu tenhoumavizinha,masnãodigoonomedela.Saiudasuacasaefoi vivercomonamorado.Quandochegouemcasa,amãedelapergun- tou: minha ilha onde é que estavas e ela não soube responder. A mãefoitrabalhareelapôs-seachorar,amãefoitrabalharelapôs-se achorar”e“Meninaquandoqueresdemimémelhordizersim”de ManRé,queomúsicoseinspirou.“Naaltura,estasmúsicasinspira- vam-me e davam-me energia. Sentia que era um homem batalha- dor, eestascançõespunham-me a re lectirno futuro”,disse, aoin- terpretarasmúsicascombastantesatisfação. OiníciodacarreiradeNagrelhaassemelha-seaodeoutrosmúsi- cosdoestilokuduro.ComeçoutambémpeloRapp,istoem1997,no bairro do Sambizanga, onde nasceu e vive. Mais foi no kuduro que viuasuasortetornar-serealidade,logonasaídadoprimeirodisco do grupo, Os Lambas, com o título “Os demónios do Sambizanga”. Desdeentão,oseunomeésemprecitadoquandosefaladokuduro, anívelnacionalouinternacional.“Comorappereucantavasomen- te na rua e de brincadeira. Já o estilo kuduro foi pro issional e per- mitiuquemetornassenapessoaquesouhoje”,disse. Olookdecabeloloiroqueusa,acrescentadoàsuairreverênciana formadeestar,fezdeNagrelhaumareferêncianaslidesdoskudu- ristas,acrescentandoaissooprópriosacri ício,quepermitiuman- teronomeatéaosdiasdehoje,emboraporalgunsmomentostenha anunciado publicamente chamar-se Ngongoyove. “Este look veio apenasparalegalizaraminhaimagem.Ecomoqualquerartista,eu precisavafazeraminhadiferença,daíteroptadopelocabeloloiro”. CCRRIISSTTIINNAADDAASSIILLVVAA Música|ARTES|21
  • 22. Vivêncianokuduro Aos 24 anos de idade, Nagrelha é dos kuduristas mais polémicos. De- pois de ter passado pela Comarca de Viana, acusado de furto e logo depois absolvidoporfaltadeprovas,procura a cada dia “emendar-se” do passado. “Nunca sonhei com o que sou hoje e todososdiasmeesforçonosentidode melhorar, porque a minha vida e sus- tento dependem integralmente da música”, conta o músico que garante sómudardeestiloseDeusassim per- mitir. Como ilho de peixe peixinho é, co- moele mesmodiz, tem no ilho Mirel- son, de cinco anos, um dos continua- dores do estilo. Ele considera o seu “candengue”comoirmãomenoreou- tros integrantes do grupo Os Lamba tambémotratampor ilho. Nagrelha considera os “biffs” (in- sultos) como luta pela sobrevivência. Paraele,estetipodeactospodeconti- nuar,masnasletras,semcontudoori- ginarlutas ísicascomoseveri ica.“Os músicosdeveriamestarunidoseapar epassoumdooutro.Procurarsabero que o outro precisa na carreira, reci- procamente”,disseNagrelhaquecon- sidera a sua relação com os outros cantores de saudável. “Tenho muitos amigos e um deles é o Da Beleza que é do Cazenga e hoje está aqui comigo, comopodemver”,assegurou. Kandengue A sua infância foi como a de qual- queroutracriança.Famíliahumildee com várias paixões. O desporto era umadasmuitasquetinha.Etemobas- quete que ainda pratica, na ruela do baião num campo improvisado, ape- nas com uma tabela, de quando em vez,comoasuamaioratraccãonodes- porto. Mas foi no futebol onde em- prestou o seu talento integral ainda criança.Oquelhepermitiupassarpe- lo Progresso, Flamenguinhos, Anate- nos,Ferrovia,BotaFogo,sóparacitar alguns clubes. Ele é de uma família bemligadaaodesporto.Ésobrinhodo falecido Praia, que foi um médio cen- traldoProgressoAssociaçãodoSam- bizangaedaselecçãonacional. Nagrelha despiu-se do barrismo e disse, sem gaguejar, que é adepto do Petro de Luanda. E nos tempos livres procura estar com os amigos do bair- ro. Pratica também artes marciais. “A arte é cultura e fui ensinado que não devo me expor lutando. Embora que treinamosparanosdefenderdepossí- veis ataques, procuramos não desen- volverestastécnicassemqualquerne- cessidade”,explicou. EstadoMaior A relação e a união que existe no grupo Os Lambas é uma marca regis- tada. Nagrelha revelou que o Estado Maiorvaicontinuaraté2030aimpul- sionaroutrosartistas.“Hojesomosjo- vensedaquia20anosestamoskotas. Não podemos dizer que somos eter- nos, mas com o nosso saber vamos procurarpassaranossaexperiência”, disseanunciandoparadentrodedois mesesolançamentodopróximodisco dosLambas. Fax Fax é o primeiro nome adaptado por Nagrelha em 1997, no início da suacarreiraartística.NaalturaNagre- lha cantava rapper com o irmão mais velho“Mago”.Contaquenestafaseera o irmão que fazia os bits e ele punha voznamúsica.“Naalturacantávamos na rua. Ele tocava e eu cantava e não era ainda sério, apesar de muito que- reraparecercomomúsico”,frisou. KanguimboAnanás Em 2010, Nagrelha enfrentava um processo justicial. Nesta altura, a sua falecida mãe, Maria Caio, recorreu à socióloga Kanguimbo Ananás para queajudassenasoluçãodocaso.Des- deentão,Kanguimbopassouaserma- drinhadeNagrelhaedogrupoempar- ticular.Apósamortedamãe,aatenção dasociólogaestendeu-setambémaos irmãos e outros músicos do bairro do Sambizanga.Aintenção,disseomúsi- co,équeasociólogapresteassistência atodososkuduristasdopaís,atépor- que“osbonsoumausjovensnãoresi- demapenasnoSambizanga”. ComavindadeKanguimboAnanás, apesar da tristeza que carrega pela perdada mãe, sente-secommais mo- tivação na vida. “A escritora não é só mãe do Nagrelha, quem resolvia os problemasdosgruposnoSambizanga eraaminhamãebiológicaefelizmen- tequeeladeixoualguémquecuidade nós”,dissealegre. Dentro Gelson Caio Manuel Mendes, mas conhecido por Nagrelha, nasceu em 24 de Março de 1988. Começou a can- tar em 1997, no bairro do Sambizan- ga, onde nasceu e reside até a data presente. Faz parte do movimento de explosão do estilo musical kuduro e pertence ao grupo com maior popu- laridade “Os Lambas”, fundado no mesmo bairro, por Amizade, já faleci- do. Participou em várias tournées na- cionais e internacionais. É solteiro e pai de um filho. Tem como sonho ser administrador do Sambizanga e aju- dar no seu desenvolvimento. Nunca pensou viver fora de Angola, embora tenha gostos em conhecer outras cul- turas e povos. “Nasci em Angola e é aqui que devo trabalhar para ajudar o meu país a desenvolver. Não é justo sair de Angola para ir fazer filho em Portugal”, rematou. 14deMaioa3deJunho de2012 | Cultura22|ARTES|Música
  • 23. JJOOHHNNNNYYKKAAPPEELLAA Arteangolanacontemporânea Umacriatividadeplásticaendógena U mdosprincipaisfactosque se pode reter das actas re- sultantesdoúltimociclode palestras,organizadopela Empresa Nacional de Seguros de An- gola,sobotema“Aarte,oartistaeaso- ciedade”, no quadro do programa En- sarte,sãoasdezenas de intervenções feitas nesta ocasião. Foi, a justo título, editada, sob um design vanguardista, uma impressão em quadricromia e uma sólida sela- gem, que se estalou entre as cidades de Porto e Luanda, agrupada em 146 páginas. A colectânea reproduziu a inédita análise do historiador Simão Souin- doulaintitulada«Remanescênciaban- tu na arte angolana contemporânea. Umcontextoveri icativo,aEnsarte». A referida obra está articulada em quatro grandes capítulos, constituí- dos do preâmbulo do Presidente do Conselho de Administração da Em- presaNacionaldeSeguros deAngola, Manuel Gonçalves, uma introdução geral, breves apresentações dos dife- rentesoradores,nasquaisfoiacresci- doumrecapitulativodostemasabor- dados e a restituição dos textos pro- postosnoMuseuNacionaldeHistória NaturaldeLuanda. Nasuaintervenção,oPCAdasocie- dade anónima da avenida 4 de Feve- reiro,realçouofactodequeainiciati- vaculturaldeseugruposetornou,pe- laforcadotempo,umespaçodere le- xão e de diálogo intercultural mas, igualmente,dearticulaçãointerdisci- plinarsobreapráticadasartesvisuais emAngola. Os autores foram o pintor Jorge Gumbe, Comissário da Bienal da Res- seguradora da Marginal, o crítico de arte Adriano Mixinge, o antropólogo ManzambiVuvuFernando,omuseólo- go suíço Boris Wastiau, o arquitecto portuguêsJacintoRodrigues,acoreó- grafaangolanaAnaClaraGuerraMar- ques e a sua compatriota, psicóloga, EncarnaçãoPimenta. Reencortam-se, aí, com um grande interesse, os diferentes ângulos abor- dadosapartirdatemáticageraltaisco- mo,entreoutrosassuntos,aimportân- cia dos Prémios Ensarte na promoção da arte contemporânea do país de Vi- teix,nessesúltimosvinteanos,aapre- ciação da criatividade artística con- temporâneanoQuadrilátero,nassuas numerosas opções temáticas e prefe- rênciastécnicaseumaleituradasmar- cas pictográ icas sobre os «maquixi» (máscarasdedançacokwe). Épropos- ta uma revisão do contexto da origem doomnipresente«Pensador»oriental, o «kalamba kuku» ou o «sayichimo», quem convidou-se nas composições artísticas e artesanais contemporâ- neas assim que as funções antropoló- gicasdaesculturatradicionalafricana, esta retomada, igualmente, no « con- temporaneus». LINHAIDENTITARIA Colando bem ao tema do ciclo de conferenciaseaosintuitosda empre- sa de seguros, Simão Souindoula es- forçou-se a identi icar e explicar o apego dos artistas plásticos angola- nos, através a preciosa vitrina que constitui a « viginti » colecção da EN- SA, a por em evidencia os seus funda- mentosculturaisbantu. OantigoinvestigadordoCentroIn- ternacionaldasCivilizaçõesBantusu- blinhou, assim, uma dezena de esco- lhas de títulos de obras de pintura ou de escultura, decididos pelos criado- resparticipantesdoquadroemulativo doSegurador. Essasdenominaçõessão,principal- mente, em kikongo, kimbundu e um- bundu e entram, naturalmente, a um campo de inspiração bem milenária, dadezenadasculturasconvergentese maioritáriasdopais. Com efeito, o conferencista tomou, entreoutros,comoexemplos,adatela« Elogioaonkisikonde»deVan,Primeiro PremiodePinturadaEnsarte,em2004. Anoçãode«nkisi»fundamenta-se sobre o radical do ur bantu –kiti que Malcolm Guthrie traduz, em inglês, porfetishoucharm. A evolução dialectal deu, logica- mente,nkisi,emkikongo,emukixi,em kimbundu. Con irmando as sólidas crenças ao feitiçonassociedadesdaÁfricacentral, orientaleaustral,Souindoulasugere,a este respeito, o exemplo de um ditado ovambo, que aconselha, vivamente, o porte,empermanência,deumamule- to, «porqueatravessandoumarvore- do,pode-seencontrarumaperdizque nuncafoi vista». A imdeilustrarestefacto,operito da UNESCO sublinhou os conceitos – clavesdecorrentespelasobrasprodu- zidas, estabelecendo, concomitante- mente,assuasconexõesproto-bantue suaperpetuaçãopelastradiçõesorais. Para ele, esta linha identitária se- guea irmepoliticaderebantouizacao antroponímica, toponímica e numis- mática do pais, iniciada logo após a suaindependência. Pronunciando-se sobre a impor- tância da publicação dessas actas, Si- mãoSouindoula,bendisse,aesteres- peito,anotávele icáciadaENSA. Com efeito, para ele, esta compila- ção permitira de contribuir a um me- lhorconhecimento,aonívelnacionale internacional, de vários aspectos da arte angolana contemporânea cuja principal característica e o seu forte enraizamentobantu. E,eissoquecon- tribui a especi icidade das composi- ções picturais, das con igurações es- culturais e as montagens cerâmicas produzidasnoQuadrilátero. En im,paraoPresidentedoJúridos Prémios Ensarte, esta criatividade não e um conjunto de expressoes in- determinadas, totalmente globaliza- das.Eofrutodeartistasquepossuem uma carga linguística própria e uma herançaantropológicaespecí icaque foi de inida há meio século, como an- golanidade. “Carregadores de Sonhos II” de Ricardo Ângelo distinguida com o Prémio Especial de Pintura para as províncias Director da Alliance Française de Luanda entrega o Prémio ao pintor Maiomona Pereira Escritor Roderich Nehone na entrega dos prémios PAULINO DAMIÃO ARTES|Exposição|23Cultura | 14deMaioa3deJunho de2012 “Dikala Mu Disu” escultura de João Mayembea