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Escola Nacional de Ciências Estatísticas
           Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais


ENCE




                  BÁRBARA VALVERDE CASTILHO




 DESIGUALDADES RACIAIS NA ESTRUTURA OCUPACIONAL E O ACESSO ÀS
               OCUPAÇÕES PRESTIGIADAS (2002-2009)




                       Dissertação de Mestrado




                                  Rio de Janeiro

                                  Agosto de 2011
Escola Nacional de Ciências Estatísticas
          Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais


ENCE




                     BÁRBARA VALVERDE CASTILHO




  DESIGUALDADES RACIAIS NA ESTRUTURA OCUPACIONAL E O ACESSO ÀS
                OCUPAÇÕES PRESTIGIADAS (2002-2009)



                                                Dissertação apresentada ao Programa de
                                                Pós-Graduação         em         Estudos
                                                Populacionais e Pesquisas Sociais da
                                                ENCE/IBGE como requisito parcial para
                                                obtenção do grau de Mestre em Estudos
                                                Populacionais e Pesquisas Sociais.



                                                Orientadora:

                                                Profa. Dra. Moema De Poli Teixeira
                                                (ENCE/IBGE)

                                                Co-orientador:

                                                Prof. Dr. Marcelo de Paula Paixão
                                                (IE/UFRJ)




                                     Rio de Janeiro

                                     Agosto de 2011
FICHA CATALOGRÁFICA




C352p   Castilho, Bárbara Hilário de Souza Valverde
         Desigualdades raciais na estrutura ocupacional e o acesso às ocupações prestigiadas (2002-2009). /
        Bárbara Hilário de Souza Valverde Castilho. – 2011.

         121 f. : il.
         Inclui bibliografia e anexos.

            Orientador: Prof. Dr. Moema De Poli Teixeira
            Co-orientador: Prof. Dr. Marcelo Jorge de Paula Paixão
            Dissertação (Curso de Mestrado) – Escola Nacional de Ciências Estatísticas. Programa de
  Pós-Graduação em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais.

     1. Relações raciais - Brasil. 2. Ocupações - Estatística. 3. Desigualdades raciais. 4. Desigualdades de
  gênero. 5. Indicadores sociais. I. Teixeira, Moema De Poli. II. Paixão, Marcelo Jorge de Paula. III. Escola
  Nacional de Ciências Estatísticas (Brasil). IV. IBGE. V. Título.

                                                                   CDU: 323.12(81)
BÁRBARA VALVERDE CASTILHO




DESIGUALDADES RACIAIS NA ESTRUTURA OCUPACIONAL E O ACESSO ÀS
              OCUPAÇÕES PRESTIGIADAS (2002-2009)




                 Rio de Janeiro, 23 de Agosto de 2011.


                    BANCA EXAMINADORA


              Profa. Dra. Moema De Poli Teixeira (Orientadora)

                                 ENCE/IBGE




               Prof. Marcelo de Paula Paixão (Co-orientador)

                                    UFRJ




                    Profa. Dr. Sonoe Sugahara Pinheiro

                                 ENCE/IBGE




                  Prof. Dr. Flávio dos Santos Gomes
                                UFRJ




                               Rio de Janeiro

                               Agosto de 2011
Para a minha família, Valverdes e Castilhos.
AGRADECIMENTOS



Agradeço a minha família, pelo amor, cuidado e apoio. Em especial aos meus avós, aos
meus pais, aos companheiros de meus pais e aos meus tios José Marcos e PC, esses dois
pelas conversas, discos e livros.

À minha orientadora Moema, que tive a felicidade de conhecer no mestrado, e ao meu co-
orientador Marcelo Paixão, que me acompanha com dedicação desde a graduação.
Agradeço muito a ambos pela confiança, aprendizado, estímulo e amizade construída.

Ao João, pelo amor, carinho e paciência desde o meu retorno ao Rio de Janeiro e ao ritmo
da vida acadêmica.

Aos amigos de sempre, em especial, aos da Sapê e do Ylá Dudu pelos movimentos, à
Carol pela motivação, à Gabi pela presença e à Renata por sua leitura.

Aos amigos que fiz na ENCE, como Luciana, Milena, Herleif e, sobretudo, Larissa,
imprescindível e atenciosa nas primeiras leituras deste trabalho.

Ao IBGE e à CAPES, pela bolsa de estudo. Aos professores do programa de mestrado da
ENCE e ao Mauro por sua disponibilidade e grande ajuda com a base de dados.
“Cósmica canção, maracatu da vida
 Cósmica canção de uma gente sofrida,
Fora da questão. Já não tem mais razão
              A viagem é de todos nós.
    Fora da questão, nunca teve razão.
             A viagem é de todos nós.”
      (PC Castilho – Cósmica Canção)
RESUMO


A presente dissertação objetiva estudar as desigualdades raciais no mercado de trabalho
brasileiro no período recente na esfera da estrutura das ocupações identificadas como
socialmente prestigiadas. Estas posições foram definidas pelos seus maiores níveis de
rendimento e de escolaridade – proporcionalmente maiores que as demais posições -; pelo
tipo de função exercida, de comando. O estudo examina as assimetrias entre os grupos de
cor ou raça (branca, preta e parda) a partir da análise de indicadores sociais selecionados e
de suas inserções em categorias ocupacionais, destacando as categorias que reuniam as
ocupações de dirigentes e as de profissionais de nível superior. As informações estatísticas
consideradas são da PNAD realizada em 2009, analisadas em comparação com a realizada
em 2002. Neste período houve a melhora de indicadores sociais devido à retomada do
crescimento econômico, à recuperação do mercado de trabalho e ao fortalecimento de
políticas sociais. Assim, nos indagamos se neste contexto teria ocorrido uma fundamental
mudança em relação aos períodos anteriores de nossa história, tendo concluído que isso, de
fato, não aconteceu.




Palavras-chave:
Desigualdades raciais; estrutura ocupacional; categorias ocupacionais; ocupações
prestigiadas; desigualdades de gênero; indicadores sociais.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................13

CAPÍTULO 1 – RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL: HISTÓRICO DAS
INTERPRETAÇÕES TEÓRICAS E DA EVOLUÇÃO DAS DESIGUALDADES DE
COR OU RAÇA NO MERCADO DE TRABALHO......................................................17

1.1.      Relações raciais após abolição e a suposta democracia racial brasileira..................17

1.2.      Freyre e a interpretação culturalista das relações raciais..........................................20

1.3.      O ciclo de estudos do projeto UNESCO..................................................................22

1.4.      Estudos de relações raciais a partir da década de 1980............................................26

1.5.      Três momentos da evolução histórica das desigualdades raciais no mercado de
trabalho brasileiro (1872-1976)............................................................................................30

       1.5.1.       Ocupações de pessoas livres e ocupações de pessoas escravizadas segundo o
       Censo de 1872.............................................................................................................31

       1.5.2.       Desigualdades raciais antes do avanço da industrialização: Estudo sobre
       indicadores do mercado de trabalho do Censo de 1940..............................................34

       1.5.3..       Desigualdade de cor ou raça nas posições ocupacionais na segunda metade
       da      década         de      1970:         relendo         “O       lugar        do      negro        na       força       de
       trabalho”......................................................................................................................38

1.6. Considerações finais do capítulo...................................................................................43

CAPÍTULO 2 – DESIGUALDADES RACIAIS NO MERCADO DE TRABALHO
BRASILEIRO NO PERÍODO RECENTE (2002-2009).................................................44

2.1. Breve evolução do mercado de trabalho nas últimas décadas.......................................44

2.2. Indicadores sociais segundo a cor ou raça....................................................................47

       2.2.1. Características da População Economicamente Ativa......................................48

               2.2.1.1. PEA ocupada e PEA sem ocupação......................................................53

               2.2.1.2. Ramo de atividade e posição na ocupação...........................................55

               2.2.1.3. Rendimento e escolaridade da população ocupada...............................58
2.3. Desigualdades raciais na estrutura ocupacional brasileira recente: análise sobre
categorias ocupacionais........................................................................................................64

        2.3.1. Estrutura ocupacional brasileira segundo as categorias do Grupamento
        Ocupacional do IBGE ................................................................................................64

                2.3.1.1. Estrutura ocupacional dos grupos de cor ou raça..................................67

                2.3.1.2. Composição por cor ou raça e sexo das categorias ocupacionais.........71

                2.3.1.3. Análise sobre os rendimentos...............................................................73

2.4. Considerações finais do capítulo...................................................................................75

CAPÍTULO               3    –     DESIGUALDADES                      EM        OCUPAÇÕES                  SOCIALMENTE
PRESTIGIADAS................................................................................................................76

3.1. Dirigentes em geral: cargos de chefia segundo a cor ou raça e sexo............................76

        3.1.2. Dirigentes por posição na ocupação..................................................................77

        3.1.3. Dirigentes do setor público, do setor privado e gerentes................................. 80

        3.1.4. Dirigentes por faixas de rendimento.................................................................85

3.2. Profissionais das ciências e das artes segundo a cor ou raça e sexo.............................88

        3.2.1. Profissionais das ciências e das artes: assimetrias nas diferentes carreiras.......89

3.3. Considerações finais do capítulo...................................................................................97

CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................100

ANEXO..............................................................................................................................103
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: População ocupada segundo a profissão, por condição civil e sexo – 1872.......33

Tabela 2: PEA por ramo de atividade, segundo sexo e cor ou raça (branca, preta, parda &
de cor não declarada), Brasil, 1940......................................................................................36

Tabela 3: PEA por posição na ocupação, segundo sexo e cor ou raça (branca, preta, parda
& de cor não declarada), Brasil, 1940..................................................................................37

Tabela 4: Participação média da força de trabalho negra nas categorias sócio-ocupacionais
– 1976...................................................................................................................................41

Tabela 5: Participação média da força de trabalho branca nas categorias sócio-
ocupacionais – 1976.............................................................................................................42

Tabela 6: PEA ocupada segundo a posição na ocupação, Brasil, 2002 e 2009..................47

Tabela 7: População residente segundo a cor ou raça e sexo, Brasil, 2002 e 2009............49

Tabela 8: População residente, segundo a cor ou raça e sexo, Grandes Regiões, 2009......50

Tabela 9: Composição da PEA segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e
sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009..................................................................................52

Tabela 10: Composição da PEA ocupada segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta
e parda) e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009.................................................................54

Tabela 11: Taxa de desocupação segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda)
e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009...............................................................................55

Tabela 12: PEA ocupada por ramo de atividade, segundo cor ou raça (branca, preta e
parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009 (em %)..........................................................................56

Tabela 13: PEA ocupada por posição na ocupação, segundo cor ou raça (branca, preta e
parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009 (em %)..........................................................................57

Tabela 14: Rendimento médio real do trabalho principal da PEA ocupada segundo os
grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Grandes Regiões, 2002 e 2009 (em R$
set-2009) ..............................................................................................................................60

Tabela 15: Distribuição da PEA ocupada segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta
e parda) e sexo, por classes de escolaridade, Brasil, 2009...................................................62
Tabela 16: Distribuição da PEA ocupada por categorias do Grupamento Ocupacional,
Brasil, 2002 e 2009...............................................................................................................65

Tabela 17: Distribuição da PEA ocupada por categorias do Grupamento Ocupacional,
Grandes Regiões, 2009.........................................................................................................66

Tabela 18: Distribuição da PEA ocupada por categorias do Grupamento Ocupacional,
segundo grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009............70

Tabela 19: Composição das categorias ocupacionais segundo os grupos de cor ou raça e
sexo, Brasil, 2002 e 2009.....................................................................................................72

Tabela 20: Rendimento médio do trabalho principal dos grupos de cor ou raça (branca,
preta e parda) e sexo, segundo as categorias ocupacionais, Brasil, 2009.............................74

Tabela 21: Composição dos Dirigentes em geral segundo a cor ou raça (branca, preta e
parda) e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009....................................................................77

Tabela 22: Composição dos Profissionais das ciências e das artes segundo a cor ou raça
(branca, preta e parda) e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009..........................................89
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: PEA dos grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002-
2009......................................................................................................................................51

Gráfico 2: Distribuição percentual da PEA segundo Grandes Regiões, 2009....................51

Gráfico 3: PEA ocupada dos grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil,
2002-2009.............................................................................................................................53

Gráfico 4: Rendimento médio real do trabalho principal da PEA ocupada segundo os
grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002-2009 (em R$ set-
2009).....................................................................................................................................59

Gráfico 5: Anos médios de estudo da PEA ocupada, por cor ou raça (branca, preta e parda)
e sexo, Brasil, 2002 e 2009...................................................................................................61

Gráfico 6: Rendimento médio do trabalho principal dos grupos de cor ou raça (branca,
preta e parda) e sexo, por anos de escolaridade, Brasil, 2009..............................................63

Gráfico 7: Distribuição dos dirigentes em geral por posição na ocupação, segundo cor ou
raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009..................................................................78

Gráfico 8: Composição dos dirigentes em geral segundo posições na ocupação
selecionadas, por cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009..........................79

Gráfico 9: Composição dos dirigentes em geral empregadores, por cor ou raça (branca,
preta e parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009............................................................................80

Gráfico 10: Composição da categoria de Dirigentes segundo as subcategorias, Brasil,
2009......................................................................................................................................81

Gráfico 11: Rendimento médio dos Dirigentes em geral por subcategorias, Brasil,
2009......................................................................................................................................82

Gráfico 12: Distribuição dos Dirigentes pelas subcategorias, segundo cor ou raça (branca,
preta e parda) e sexo, Brasil, 2009.......................................................................................83

Gráfico 13: Composição por cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo das subcategorias
de Dirigentes, Brasil, 2009...................................................................................................84

Gráfico 14: Composição racial das subcategorias de Dirigentes, Brasil, 200 e 2009........85
Gráfico 15: Distribuição acumulada dos dirigentes em geral por faixas de rendimento
selecionadas, segundo subcategorias, Brasil, 2009..............................................................86

Gráfico 16: Composição dos dirigentes em geral por faixas de rendimento selecionadas
(em salários mínimos), segundo subcategorias, por cor ou raça (branca, preta e parda) e
sexo, Brasil, 2009.................................................................................................................87

Gráfico 17: Composição da categoria “Profissionais das ciências e das artes segundo
subcategorias, Brasil, 2009...................................................................................................90

Gráfico 18: Rendimento médio dos Profissionais das ciências e das artes por
subcategorias, Brasil, 2009...................................................................................................91

Gráfico 19: Distribuição dos Profissionais das ciências e das artes por subcategorias,
segundo cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009........................................92

Gráfico 20: Composição das subcategorias dos Profissionais das ciências e das artes,
segundo cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009........................................95

Gráfico 21: Diferença (em pontos percentuais) entre a participação na subcategoria e a
participação na PEA ocupada, segundo cor ou raça (branca e preta & parda) Brasil, 2002 e
2009......................................................................................................................................97
13



Introdução




      O Brasil foi constituído desigualmente sob um sistema de produção escravista, onde
brancos, negros e indígenas possuíam diferentes papéis ou funções sociais que
correspondiam a grandes disparidades em condições de vida. Em particular, brancos e
negros, nos tempos da escravidão, possuíam distanciamento social intrínseco das condições
civis de livres, para os brancos, e de escravizados, para os negros – os primeiros no topo da
hierarquia social e os últimos no nível inferior. Este sistema permaneceu por séculos e,
mesmo depois de seu fim, diante da má distribuição de sua riqueza, o desenvolvimento
experimentado pelo país ocorreu de forma desigual para sua população, segundo os grupos
de cor ou raça.
      As relações raciais, portanto, pertencem à natureza de nossas questões sociais e, não
por acaso, têm sido estudadas há mais de um século no Brasil. Compreendidos em fases
que se distinguem em termos de orientações, motivações e hipóteses, os estudos sobre essa
temática revelam as desigualdades entre os grupos de cor ou raça em diferentes momentos
da história e do pensamento social brasileiro.
      Estudos demonstraram que, após a abolição, não obstante diante de uma sociedade
muito diferente daquela do regime escravista, o preconceito racial e os mecanismos de
discriminação se mantiveram, bem como as desiguais qualidades de vida dos grupos de
distintas características raciais – AZEVEDO (1996 [1955]); COSTA PINTO (1998
[1950]); BASTIDE & FERNANDES (2008 [1955]); NOGUEIRA (1985). E, mesmo com
as transformações do sistema produtivo, acompanhadas por períodos de crescimento
econômico e avanços políticos e sociais, a estrutura social não sofreu grandes modificações
segundo a cor ou raça – as posições sociais de maior status continuaram a ser ocupadas
majoritariamente pela população branca (HASENBALG, 1979; OLIVEIRA, PORCARO e
ARAUJO, 1985).
      Na atualidade, o tema das relações raciais no Brasil vem ganhando cada vez mais
espaço dentro dos centros acadêmicos e de pesquisas, bem como na agenda de políticas
públicas. As pesquisas e as políticas têm sido favorecidas pela maior disponibilidade de
informações estatísticas por cor ou raça, que contribuem para a compreensão das
desigualdades raciais, as quais podem hoje ser observadas de forma mais analítica (SILVA,
14



1999; SOARES, 2000; HENRIQUES, 2001; PAIXÃO, 2003; DIEESE, 2005; BELTRÂO
et. al., 2006; SABOIA, 2006; PAIXÃO & CARVANO, 2008; GARCIA, 2009).
     Entre os espaços onde as desigualdades raciais se anunciam, muitas pesquisas
tomaram o mercado de trabalho como objeto central de investigação, demonstrando que
negros e brancos ocupavam lugares distintos na hierarquia ocupacional. Constatou-se que a
população negra possuía maiores barreiras no acesso às melhores ocupações, apresentando
as maiores taxas de desemprego e ocupando os postos de menores níveis de rendimento, de
maior precariedade e vulnerabilidade. Já os postos associados a maiores níveis de
rendimentos, e assim mais prestigiados, eram mais frequentemente ocupados pela
população branca – COSTA PINTO (1998 [1950]); BASTIDE & FERNANDES (2008
[1955]); HASENBALG (1979); OLIVEIRA, PORCARO e ARAUJO (1985).
     Dos estudos que pesquisaram as desigualdades raciais no mercado de trabalho, a
presente dissertação tem Oliveira, Porcaro e Araujo (1985) como marco referencial, pela
metodologia utilizada. Realizado no âmbito do IBGE, o estudo fez a articulação entre raça
e estratificação social mediante estudo das estruturas ocupacionais de brancos, pretos e
pardos, utilizando a classificação de categorias sócio-ocupacionais construída por Souto et.
al. (1980) a partir da PNAD 1976 e de seu suplemento Mobilidade e Cor. Foram feitas
análises sobre as categorias associadas à maior prestígio social. As autoras definiram este
contingente como aqueles trabalhadores de mais alto nível de escolaridade, os
empregadores e aqueles que exerciam funções de comando e poder dentro do processo
produtivo. A pesquisa verificou que pretos e pardos quando alcançavam essas ocupações,
encontravam-se em situações desfavoráveis via níveis de rendimento muito mais baixos
em relação aos brancos.
     Seguindo a mesma direção e a partir do referencial teórico acerca da questão racial e
de elementos históricos sobre as desigualdades dos grupos de cor ou raça no mercado de
trabalho, a presente dissertação estuda as desigualdades raciais na esfera da estrutura das
ocupações identificadas como socialmente prestigiadas. O estudo examina as assimetrias
entre os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) a partir da análise de indicadores
sociais selecionados e de suas inserções em categorias ocupacionais, destacando as
categorias que reuniam as ocupações de dirigentes e as de profissionais de nível superior.
As informações estatísticas consideradas são da PNAD realizada em 2009, analisadas em
comparação com a realizada em 2002. Neste período houve a melhora de indicadores
sociais devido à retomada do crescimento econômico, à recuperação do mercado de
15



trabalho e ao fortalecimento de políticas sociais, muito embora não tenha ocorrido uma
transformação que tivesse levado a uma mudança estrutural no sentido tradicionalmente
assumido pelas assimetrias de cor ou raça (IPEA, 2007; PAIXÃO e CARVANO, 2008).
     De tal modo, esta dissertação é composta de três capítulos além desta introdução e
das considerações finais.
     O primeiro capítulo, na primeira seção, apresenta a discussão em torno do padrão de
relações raciais no Brasil após abolição, mediante a leitura de estudos de referência sobre o
tema, como Freyre (1992 [1933]); Costa Pinto (1998 [1950]); Bastide & Fernandes (2008
[1955]); Nogueira, (1985); Hasenbalg (1979). A seção compreende a evolução dos estudos
sobre o tema das relações raciais no Brasil, como o tipo de preconceito estabelecido, o
mito da democracia racial e as desigualdades no mercado de trabalho. A segunda seção
realiza um estudo sobre três momentos da evolução histórica das desigualdades raciais. O
primeiro corresponde a um período onde o Brasil ainda se encontrava sob o sistema
escravista, nesta parte são analisadas as ocupações de pessoas livres e de pessoas
escravizadas a partir das informações do censo de 1872. O segundo momento, ano de
1940, antecede o avanço da industrialização e a transformação da base do sistema
produtivo. Nesta parte, são analisadas as inserções no mercado de trabalho de brancos,
pretos e pardos, mediante a utilização dos dados do censo daquele ano. O terceiro
momento, o ano de 1976, se insere numa década onde o país obteve expressivo
crescimento econômico. Nesta parte, a estrutura ocupacional segundo os grupos de cor ou
raça é examinada mediante a leitura do estudo “O lugar do negro na força de trabalho”
(OLIVEIRA, PORCARO e ARAUJO, 1985).
      O segundo capítulo objetivou traçar um panorama das desigualdades raciais no
mercado de trabalho brasileiro no período recente. A partir do referencial teórico, a
primeira seção apresenta uma breve evolução do mercado de trabalho brasileiro nas
últimas décadas, buscando contextualizar as análises que se seguirão a cerca das
desigualdades raciais. A segunda seção analisa as assimetrias nas inserções dos grupos de
cor ou raça no mercado de trabalho através de indicadores sociais selecionados. A terceira
examina as inserções dos grupos na estrutura ocupacional a partir da utilização das
16



categorias do Grupamento Ocupacional do IBGE1. São utilizados os dados das PNADs de
2002 e de 20092 nas três seções.
          No terceiro capítulo são estudadas as participações, no período recente, dos grupos
de cor ou raça no Brasil nas ocupações consideradas como socialmente prestigiadas. Com
dados das PNADs de 2002 e 2009, foram feitas análises a partir das inserções dos grupos
nas categorias “Dirigentes em geral” e “Profissionais das ciências e das artes”, segundo
aspectos como a posição na ocupação, o rendimento, o setor (público e privado) e a
carreira de nível superior. Buscou-se investigar sobre o acesso nos dias atuais de pretos e
pardos aos postos que se encontram no topo da hierarquia ocupacional e assim sobre as
possíveis mudanças na estrutura dessas posições na sociedade.
         Nas considerações finais foram dispostas as principais conclusões da dissertação,
buscando promover o diálogo entre as evidências estatísticas apresentadas e o debate
teórico exposto.




1
    Ver anexo “Composição do Grupamento Ocupacional”.
2
    Microdados obtidos no Banco Multidimensional de Estatística do IBGE (BME).
17



Capítulo 1 – Relações raciais no Brasil: histórico das interpretações teóricas e da
evolução das desigualdades de cor ou raça no mercado de trabalho




        As relações raciais no Brasil foram determinantes para a formação do padrão de
desigualdade social que aqui se estabeleceu, consistindo em elemento fundamental para a
compreensão de nossa sociedade.
        Nesse sentido, desde os anos próximos à abolição até os dias atuais, essa temática
vem sendo estudada, especialmente sobre as relações entre brancos e negros.
        Este capítulo, na primeira seção, mediante a leitura de estudos de referência sobre o
tema, discorre sobre a discussão em torno do padrão de relações raciais no Brasil após a
abolição, abordando pontos importantes dentro da temática, como a suposta democracia
racial, o tipo de preconceito estabelecido e as desigualdades raciais nas inserções
ocupacionais. Na segunda seção, através de dados históricos do IBGE, são analisados três
momentos da evolução das desigualdades raciais, em 1872, 1940 e 1976.




1.1.     Relações raciais após abolição e a suposta democracia racial brasileira




        O Brasil por mais de três séculos teve seu sistema produtivo e sua sociedade
fundamentados sob o regime escravista. A abolição desse regime ocorreu apenas em 1888,
no dia 13 de maio, há pouco mais de um século, sendo o último país a abolir a escravidão
no continente3. Até esta data, a distinção essencial entre os indivíduos na sociedade
consistia em sua condição civil, a qual dividia com imenso distanciamento econômico,
social e político dois grupos de indivíduos: “livres” e “escravos”. Relacionada ao
pertencimento racial, a condição de “livre” se associava à população branca, enquanto a
condição de “escravo” se associava à população negra.
        Como conseqüência de medidas que tiveram como objetivo o fim do regime – a
extinção do tráfico negreiro (1850); a lei do ventre livre (1871); a lei dos sexagenários




3
    Cf. PAIXÃO & CARVANO, 2008.
18



(1885); e a lei de proibição dos açoites (1886) – antes mesmo da abolição a maioria dos
negros (pretos e pardos) era livre4.
      A discussão em torno das relações raciais naqueles tempos de libertação da
população negra ocorria em tom de incerteza e preocupação a respeito da mistura étnica.
As ideologias em vigor no país, dentro de uma orientação científica biológica nos estudos
de raça e relações raciais, apontavam para a não valorização da raça negra. Com posição
racista e pessimista em relação ao futuro da sociedade, um lado projetava a inviabilidade
do país. Outro lado, de posição também racista, embora num tom otimista quanto ao
futuro, apontava um destino viável a partir de um processo de branqueamento gerado pela
miscigenação. Nesse sentido a miscigenação seria “(...) capaz de garantir a redenção do
Brasil, a extinção da sua questão racial e o seu conseqüente ingresso na trilha do
progresso” (BENZAQUEN DE ARAUJO, 1994, p.29).
      De uma forma ou de outra, os ideais humanitários dos abolicionistas não
prevaleceram. Com muitos mecanismos de discriminação existentes e com ausência de
oportunidades de estudo, trabalho, ou acesso a terra, os negros livres, antes ou mesmo
depois da abolição da escravidão, tinham de contar com seus próprios esforços e sorte em
seu processo de integração na sociedade, como escrito por Florestan Fernandes:

                            “Apesar dos ideais humanitários que inspiravam as ações dos agitadores
                            abolicionistas, a lei que promulgou a abolição do cativeiro consagrou uma
                            autêntica espoliação dos escravos pelos senhores. Aos escravos foi concedida
                            uma liberdade teórica, sem qualquer garantia de segurança econômica ou de
                            assistência compulsória; aos senhores e ao Estado não foi atribuída nenhuma
                            obrigação com referência às pessoas dos libertos, abandonados à própria sorte
                            daí em diante” (BASTIDE & FERNANDES, 2008 [1955], p.65).

      Destarte, se de um lado faltaram políticas para a inserção digna da população negra,
por outro lado não faltaram políticas caracteristicamente racistas, como a política de
imigração. Apresentada como solução para o problema da falta de mão-de-obra, mas ao
mesmo tempo num esforço de embranquecer o país, baseado na ideologia dominante da
época de uma suposta superioridade da população branca, o Estado estimulou por cerca de
três décadas (1888-1930) a entrada de europeus. Direcionados à região sudeste, sobretudo
a São Paulo que era o centro das transformações econômicas no início do século XX, aos
imigrantes foram possibilitadas melhores oportunidades de inserção.


4
  Segundo o primeiro censo geral, realizado em 1872 pela Diretoria Geral de Estatística (DGE), era livre a
grande maioria dos pardos (87,4%) e cerca de metade dos pretos (47,1%).
19



                          “A solução imigracionista apareceria não apenas como resposta ao problema
                          imediato da escassez de mão-de-obra na agricultura, mas também como parte de
                          um projeto de modernização a mais longo prazo, em que o branqueamento da
                          população nacional era altamente desejado. Se o imigracionismo forneceu bons
                          resultados até 1930, o movimento abolicionista, por outro lado desapareceu
                          com a própria escravidão” (HASENBALG, 1979, p. 154).

         O afastamento dos negros das transformações em curso e, portanto, a configuração
das desigualdades entre brancos e negros após a abolição, se deu tanto pela distribuição
geográfica dessas duas populações, quanto pela competição desigual com os imigrantes
europeus nas regiões mais desenvolvidas no Sudeste. À época da abolição, devido à
economia do regime escravista ter sido operada predominantemente no Nordeste, a grande
maioria da população negra encontrava-se nesta região. Por outro lado, a maioria da
população branca encontrava-se no sudeste, onde se formava uma sociedade urbana e
industrial. As diferenças regionais implicaram numa integração mais fácil da população
negra nas regiões subdesenvolvidas, marcadas pela dependência senhorial e clientelismo, e
numa marginalização dessa população no Sudeste. Mesmo quando os negros começaram a
acompanhar o ritmo das transformações desta última região, a relação hierárquica entre os
grupos não foi alterada significativamente (HASENBALG, 1979).
         A seguir serão vistas de forma sumarizada algumas das principais passagens de
momentos das pesquisas de relações raciais, identificadas como fundamentais por estudos
sobre o pensamento social brasileiro. O primeiro momento seria a tradição culturalista, que
teve como maior expoente Gilberto Freyre. O segundo compreende os estudos
provenientes da pesquisa promovida pela UNESCO nos anos 1950. E finalmente, o
terceiro se inicia a partir do final da década de 1970 com estudos de Hasenbalg e Valle e
Silva.
20



1.2.    Freyre e a interpretação culturalista das relações raciais




       Na década de 1930, em oposição às ideologias racistas que embasavam os primeiros
debates de relações raciais, surgiu outra posição, inaugurada por Gilberto Freyre. Autor em
evidência nos estudos de relações raciais, Freyre, ao contrário dos autores pioneiros,
apresentou julgamento otimista em torno da mestiçagem e suas conseqüências para a
sociedade em formação, valorizando as três raças (branca, negra e indígena), formadoras
da nacionalidade brasileira.

                         “(...) distinguindo raça de cultura e por isto valorizando em pé de igualdade as
                         conrtibuições do negro, do português, e – em menor escala – do índio, nosso
                         autor ganha forças não só para superar o racismo que vinha ordenando
                         significativamente a produção intelectual brasileira mas também para tentar
                         construir uma outra versão da identidade nacional, em que a obsessão com o
                         progresso e com a razão, com a integração do país na marcha da civilização,
                         fosse até certo ponto substituída por uma interpretação que desse alguma
                         atenção à híbrida e singular articulação de tradições que aqui se verificou”
                         (BENZAQUEN DE ARAUJO, 1994, p.30).

       A principal herança da obra de Gilberto Freyre foi a construção de uma imagem
positiva das relações raciais. A despeito do processo histórico de formação de um país de
injusta herança escravista e da permanência das desigualdades entre brancos e negros no
momento em que a estrutura socioeconômica se modificava com a industrialização e a
urbanização, acreditou-se que teria existido no Brasil após a abolição uma democracia
racial. Ao comparar com outras colonizações, o autor trouxe a noção de que a colonização
portuguesa teria sido mais branda, o que teria proporcionado uma relação harmoniosa entre
os grupos de cor ou raça.

                        “Os portugueses não trazem para o Brasil nem separatismos políticos, como os
                        espanhóis para o seu domínio americano, nem divergências religiosas, como os
                        ingleses e franceses para suas colônias. Os Marranos em Portugal não
                        constituíam o mesmo elemento intransigente de diferenciação que os Huguenotes
                        na França ou os Puritanos na Inglaterra; eram uma minoria imperecível em
                        alguns dos seus característicos, economicamente odiosa, porém não agressiva
                        nem perturbadora da unidade nacional: a muitos respeitos nenhuma minoria mais
                        acomodatícia e suave (...) O Brasil formou-se, despreocupados os seus
                        colonizadores da unidade ou pureza de raça. Durante quase todo o século XVI a
                        colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importando às autoridades
                        coloniais que fossem de fé ou religião católica” (FREYRE, 1992 [1933], p.28-
                        29).

       Para o autor, as relações entre os grupos teriam sido estabelecidas mais em função do
sistema econômico de produção e da cultura do que por alguma consciência de raça. Nesse
21



sentido Freyre buscou compreender as relações entre os grupos sob o ponto de vista de
suas contribuições culturais na formação e evolução do país e atribuiu valor positivo ao
processo de miscigenação, o qual seria favorável à mobilidade social.

                        “É verdade que agindo sempre, entre tantos antagonismos contundentes,
                        amortecendo-lhes o choque ou harmonizando-os, condições de confraternização
                        e de mobilidade social peculiares ao Brasil: a miscigenação, a dispersão da
                        herança, a fácil e a freqüente mudança de profissão e de residência, o fácil e
                        freqüente acesso a cargos e a elevadas posições políticas e sociais de mestiços e
                        de filhos naturais, o cristianismo lírico à portuguesa, a tolerância moral, a
                        hospitalidade a estrangeiros, a intercomunicação entre as diferentes zonas do
                        país” (FREYRE, 1992 [1933], 54).

     A representação Freyriana de uma democracia racial brasileira foi disseminada e teve
significativas implicações para a imagem interna e externa do país, havendo uma
subestimação ou até mesmo a negação do preconceito racial aqui existente. Internamente, o
mito da democracia racial, enraizado no pensamento social brasileiro, contribuiu para a
omissão do poder público no enfrentamento das mesmas. Nesse sentido, a principal crítica
aos estudos de Freyre tem sido a criação deste mito. Entretanto, como ressaltou
Benzaquen:

                        “Reconhecendo o valor da influência dos negros e dos índios, a reflexão
                        desenvolvida por Gilberto parecia lançar, finalmente, as bases de uma
                        verdadeira identidade coletiva, capaz de estimular a criação de um inédito
                        sentimento de comunidade pela explicitação de laços, até então insuspeitos,
                        entre os diferentes grupos que compunham a nação” (BENZAQUEN DE
                        ARAUJO, 1994, p.30).

       Portanto, “Casa Grande & Senzala”, escrito na terceira década do século XX, marca
os estudos de relações raciais e a história do pensamento social brasileiro, sobretudo pela
visão positiva sobre a formação do povo brasileiro. O questionamento desta imagem
ocorreu numa outra fase dos estudos de relações raciais na década de 1950, que será
matéria da próxima seção.
22



1.3.       O ciclo de estudos do Projeto UNESCO




       A imagem positiva de relações raciais no Brasil foi posta em xeque com o ciclo de
estudos patrocinados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO) na década de 1950. Autores como Costa e Pinto (1998 [1953]),
Florestan Fernandes (2008 [1978]) e Oracy Nogueira (1985) revelaram em suas pesquisas
discriminação e desigualdades entre brancos e negros no Brasil, mudando o entendimento
sobre as relações raciais no país e, portanto, rompendo com a idéia de uma democracia
racial.
       No cenário externo, na metade do século XX o mundo acabava de presenciar os
resultados da Segunda Guerra Mundial em função do ódio racial e o racismo era mantido
em diversas partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos e na África do Sul.
Buscando possíveis formas de superação do racismo, no início da década de 1950, a
UNESCO organizou uma rodada de estudos sobre relações raciais. O denominado Projeto
UNESCO teve o Brasil como objeto de estudo, tanto por sua representação de democracia
racial, visando apresentar ao mundo uma experiência bem-sucedida de relações raciais,
quanto pela atuação de cientistas sociais brasileiros no processo de formulação do projeto,
como Artur Ramos e Costa Pinto (CHOR MAIO, 1999).
       O Projeto UNESCO teve grande importância no desenvolvimento da pesquisa social
no Brasil no que diz respeito às preocupações metodológicas. Diferentemente dos estudos
anteriores, suas investigações tinham em comum as seguintes preocupações, como
descreveu Nogueira (1985):


          Delimitação da área abrangida pela pesquisa, para possibilitar uma coleta
sistemática e intensiva de dados, assegurando uma sólida base empírica para o estudo;
          Apresentação explícita dos dados, de modo a assegurar a comparabilidade com
estudos congêneres;
          Comparação da “situação racial” brasileira com a de outros países, em especial,
com a dos Estados Unidos; e
          Conhecimento sobre a “situação racial” do país em conjunto, pela comparação e
síntese a partir da multiplicação dos estudos de casos em diferentes pontos do território
nacional.
23



     A preocupação do ciclo de estudos da UNESCO em comparar a “situação racial” no
Brasil com a dos Estados Unidos, sucedia do fato de que a representação do Brasil como o
paraíso das relações raciais, onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas não
estariam baseadas em discriminações raciais, estava associada à “situação racial” naquele
outro país, onde, diferentemente, existia uma linha social bem definida, e até bem pouco
tempo legal, que separava os grupos de cor ou raça.
     De tal modo, Nogueira (1985) estudou comparativamente as relações raciais nesses
dois países a fim de caracterizar os tipos de preconceitos que diminuem a mobilidade
social dos negros e dificultam a integração dos mesmos em suas sociedades. Para o autor, o
reconhecimento do preconceito racial e a distinção das duas modalidades constituiriam
passos essenciais para o entendimento da dinâmica das situações raciais existentes.
     Fundamentalmente, o autor explicitou que nos estudos de relações raciais o termo
raça teria uma associação distante de alguma definição científica, estando sim associado a
comportamento de indivíduos e de grupos que se diferenciam racialmente isto é, por
diferenças físicas hereditárias. Nesse sentido, sempre que essa diferenciação estivesse
justificando desigualdades em condições de vida e em tratamento estariam envolvidos
problemas de “relações raciais” – preconceito, discriminação, desigualdade social,
econômica, política etc. (NOGUEIRA, 1985, p.32).
     Foram identificados dois tipos de preconceitos, classificados pelo autor como
“preconceito de origem” e “preconceito de marca”. O primeiro, manifestado nos Estados
Unidos, se dá pelo reconhecimento da descendência africana, estando ou não aparente nos
traços físicos do indivíduo. Este tipo de preconceito leva à discriminação declarada, e em
muitas regiões foi praticado de forma reconhecida por lei, por muitos anos após o sistema
escravista. Já o segundo tipo, no Brasil, se manifesta em relação à aparência, de acordo
com a intensidade de características físicas africanas herdadas (NOGUEIRA, 1985).

                        “No Brasil, o limiar entre o tipo que se atribui ao grupo discriminador e o que se
                        atribui ao grupo discriminado, é indefinido, variando subjetivamente, tanto em
                        função dos característicos de quem observa como dos de quem está sendo
                        julgado, bem como ainda, em função da atitude (relação de amizade, deferência,
                        etc.) de quem observa em relação a quem está sendo identificado, estando,
                        porém, a amplitude de variação dos julgamentos, em qualquer caso, limitada
                        pela impressão de ridículo ou de absurdo que implicará uma insofismável
                        discrepância entre a aparência de um indivíduo e a identificação que ele próprio
                        faz de si ou que outros lhe atribuem” (NOGUEIRA, 1985, p. 80).

     O tipo de preconceito racial que se desenvolveu no Brasil é, portanto, muito maleável
e subjetivo, se manifestando muitas vezes de forma sutil.
24



                            “Esse sistema é profundamente perverso, pois cria a ilusão de que o racismo
                            inexiste na sociedade, quando na verdade ele está profundamente arraigado na
                            maioria da população e nas entidades civis e estatais, moldando-lhes os
                            comportamentos, naturalizando as desigualdades e, afinal de contas, servindo
                            como um forte instrumento – ainda que invisível – de exclusão social”.
                            (PAIXÃO, 2003, p.28).

      Outro estudo realizado no âmbito do projeto foi o de Thales de Azevedo (1996
[1955]), intitulado “As elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social”.
Na descrição dos objetivos do trabalho estava explicita a imagem que se tinha daquela
sociedade naquele período, como exemplo de harmonia racial5:

                            “Esta monografia destina-se a dar uma compreensão da dinâmica da ascensão
                            social das pessoas de cor em uma cidade brasileira e uma indicação dos canais
                            onde se processa essa mobilidade vertical. A cidade escolhida para estudo foi a
                            Bahia, por ser tradicionalmente considerada o melhor exemplo de harmonia
                            racial no Brasil” (AZEVEDO, 1996, p. 25).

      O autor investigou a composição racial de grupos sociais e de profissionais de
Salvador a partir de pesquisa de campo em vários espaços sociais6. Ao estudar a esfera das
profissões liberais, o autor identificou que a partir dessas carreiras era possível aos negros
ascenderem socialmente “(...) porque no Brasil não existe universidades separadas para os
„negros‟; todas aceitam quaisquer alunos” (AZEVEDO, 1996, p.129). Todavia, o autor
reconheceu que as discriminações raciais existiam em alguns espaços da sociedade de
Salvador. Apesar de ter avaliado ser difícil separar essas discriminações das de classe, nas
conclusões o autor expôs que:

                            “Em princípio qualquer indivíduo pode ascender socialmente por sua fortuna,
                            por seus méritos intelectuais, por seus títulos profissionais, por suas qualidades
                            morais, ou pela combinação desses elementos, de acordo com os sistemas de
                            valores de uma sociedade de tipo capitalista. Contudo, no processo de
                            peneiramento para classificação nos estratos mais elevados da sociedade, os
                            indivíduos de cor experimentam certas resistências, em parte por influência dos
                            mencionados preconceitos e doutra parte por provirem nas classes sócio-
                            econômicas mais baixas. A ascensão social dos escuros como indivíduos é
                            freqüente e fácil de verificar. Como grupo, no entanto, as pessoas de cor vêm
                            ascendendo mais dificultosamente” (AZEVEDO, 1996, p.129).




5
  O Projeto Unesco contemplaria, de início, apenas a Bahia (MÉTRAUX apud CHOR MAIO, 1999).
6
  Por observação direta de situações reais (como em cerimônias religiosas, desfiles militares, reuniões
escolares e clubes recreativos); por meio de visitas a repartições (como as burocráticas, lojas comerciais e
outros locais de trabalho); e pelo exame de retratos (de estudantes graduados, de membros de irmandades
religiosas, de sócios de clubes recreativos e sociais, de profissionais das profissões liberais). Ademais
também foram entrevistados pretos e mestiços de uma lista que continha a maioria das pessoas de elevada
posição social e profissional (AZEVEDO, 1996).
25



     Também inseridos no projeto UNESCO, Costa Pinto (1998 [1950]) e Bastide &
Florestan (2008 [1955]), investigaram as relações raciais nos dois principais centros
urbanos do país, Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente, buscando compreender
como iriam se configurar essas relações diante das transformações que estavam ocorrendo
naquelas regiões.
     Costa Pinto (1998 [1950]) ratificou com embasamento estatístico a existência de
preconceito e discriminação racial no Brasil ao estudar a situação da população negra na
cidade do Rio de Janeiro (antiga capital) no final da década de 1940. Para o autor, a
história e o estado presente da estratificação social estavam na essência da situação racial
brasileira, de modo que a situação dos grupos étnicos no antigo Distrito Federal e suas
relações deveriam ser compreendidas dentro do quadro de estratificação social. Assim,
diante do desenvolvimento da industrialização e das instituições liberais, o estudo
demonstrou que na medida em que à ocupação se ligava a uma idéia de superioridade de
status, os elementos de cor eram mais escassos. Como característica principal da situação
da população negra no sistema de estratificação racial no Rio de Janeiro, a pesquisa
identificou a proletarização em massa e a identificação de sua condição e de suas
aspirações com a condição e as aspirações das classes trabalhadoras.
     Florestan Fernandes e Roger Bastide estudaram as relações entre brancos e negros
em São Paulo. Ao pesquisarem o centro de transformação econômica e social do país no
período, os autores buscaram compreender as formas e as funções que o preconceito e a
discriminação racial assumiam diante dessas mudanças. De acordo com o estudo, na forma
pela qual ocorreu a transição para o regime de classes, o trabalho livre, ao invés de servir
como um meio de revalorização social do negro, provocou ou o seu desajustamento ou a
sua fixação em atividades sociais de consideração semelhante aquelas pouco consideradas
quanto as que se atribuíam anteriormente aos “escravos” (BASTIDE & FERNANDES,
2008 (1955), p.140).
     Contrariando as expectativas iniciais do projeto, portanto, o ciclo de estudos da
UNESCO teve como decorrência a mudança no entendimento sobre as relações raciais no
Brasil, que deixou de ser percebida como harmoniosa. As pesquisas revelaram o
preconceito e a desigualdade racial. “O conjunto de estudos do projeto da UNESCO
contribuiu de maneira decisiva para o Brasil reformular mais uma vez sua auto-imagem
como sociedade multi-racial” (HASENBALG, 1979, p.61). A partir de então, através de
26



sociólogos de referência, como Florestan Fernandes – a democracia racial teria existido
apenas enquanto um mito.

                         “Os mitos existem para esconder a realidade. Por isso mesmo, eles revelam a
                         realidade íntima de uma sociedade ou de uma civilização. Como se poderia no
                         Brasil colonial ou imperial acreditar que a escravidão seria, aqui, por causa de
                         nossa „índole cristã‟, mais humana, suave e doce que em outros lugares? Ou,
                         então, propagar-se, no século XIX, no próprio país no qual o partido
                         republicano preparava-se para trair simultaneamente a ideologia e a utopia
                         republicana, optando pelos interesses dos fazendeiros contra os escravos, que a
                         ordem social nascente seria democrática? Por fim, como ficar indiferente ao
                         drama humano intrínseco à Abolição, que largou a massa dos ex-escravos, dos
                         libertos e dos ingênuos à própria sorte, como se eles fossem um simples bagaço
                         do antigo sistema de produção? Entretanto, a idéia da democracia racial não só
                         arraigou. Ela se tornou um mores, como dizem alguns sociólogos, algo
                         intocável, a pedra de toque da „contribuição brasileira‟ ao processo civilizatório
                         da Humanidade” (FERNANDES, 1980).

       A metade do século passado marca, então, no âmbito das pesquisas sociais, uma
virada no que se refere ao entendimento sobre as relações raciais no país, muito embora
ainda tenha permanecido no imaginário social um tanto do mito da democracia racial. Isto
pode ser observado na percepção ainda subestimada do preconceito, nos argumentos
utilizados para justificar as desigualdades em condições de vida dos grupos raciais, bem
como na resistência de parcela da população e instituições para a implementação de
políticas de promoção da igualdade racial, como vem acontecendo nos anos mais recentes
frente às propostas do governo.




1.4.    Estudos de relações raciais a partir da década de 1980




       No que se refere à produção de estudos sobre as relações raciais no Brasil, Hasenbalg
(1979), Valle e Silva (1980) e Oliveira, Porcaro e Araujo (1985) marcaram o início de
outra fase desencadeada na década de 1980. Esses estudos se concentraram na
estratificação social e nos mecanismos de reprodução das desigualdades raciais, buscando
explicá-las no contexto das transformações sociais e econômicas em curso. Esses autores
se diferem dos anteriores por terem questionado não só a idéia de democracia racial de
Freyre, mas também a de que o racismo seria superado com o progresso econômico. Para
eles o racismo seria compatível com o a industrialização e o desenvolvimento econômico,
uma vez que a discriminação e o preconceito assumiriam novos significados e funções
27



dentro das novas estruturas sociais. Nesse sentido, o componente racial ainda seria
significativo na estratificação social.
         Ao estudar as inserções ocupacionais, Hasenbalg (1979) identificou a raça como um
dos critérios mais relevantes a operar no recrutamento para ocupar posições. O autor
demonstrou a partir dos dados dos censos de 1940 e 1950 a maior exclusão de não-brancos
nas posições ocupacionais mais elevadas. Segundo o autor: “(...) a cor de uma pessoa opera
mais fortemente como critério negativo de seleção quanto mais próximo ele chega ao topo
da hierarquia ocupacional” (HASENBALG, 1979, p.176).
         Em estudo sobre a mesma esfera, “Oliveira, Porcaro e Araujo (1985), com dados da
PNAD de 1976, também demonstraram o menor acesso as ocupações de maior status e
concluíram, igualmente, que a raça ainda seria elemento fundamental a ser considerado na
divisão do trabalho no Brasil7.
         Na década de 1980 houve assim a retomada de pesquisas sobre as desigualdades
raciais no Brasil. A partir de então, diversos estudos foram realizados dentro dos centros
acadêmicos e dos institutos de pesquisa e tiveram o mercado de trabalho como objeto de
investigação – SILVA (1999); HENRIQUES (2001); BELTRÃO et. al. (2006), PAIXÃO
(2003); DIEESE (2005); SUGAHARA, RITO, MENDONÇA (2006); SABOIA (2006);
PAIXÃO & CARVANO (2008); GARCIA (2009). Uma característica marcante dessa fase
tem sido o maior uso das bases oficiais de estatísticas, diante de sua maior disponibilidade.
Juntos com a atuação do movimento negro, esses trabalhos contribuíram para o maior
reconhecimento, na sociedade, da raça enquanto elemento estruturante das desigualdades
sociais no Brasil.
         Silva (1999) 8 analisou as diferenças raciais nos níveis de renda utilizando dados da
PNAD de 1988, ano do centenário da abolição. Utilizando modelagem estatística, o estudo
demonstrou que os retornos à idade e escolaridade eram muito mais altos para brancos do
que para não-brancos e examinou as seguintes discriminações contra não-brancos: em
capital humano, relacionado aos bloqueios aos canais de mobilização devido à falta de
qualificações necessárias; ocupacional, referente ao impedimento em assumir ocupações de
maiores remunerações, independente de serem qualificados ou não; e de salário, que se
refere ao salário desigual por trabalho igual.



7
    Este estudo compõe a segunda seção deste capítulo.
8
    Atualizando as estimativas e discutindo os resultados à luz do estudo Silva (1978).
28



      Henriques (2001), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), fez uma
análise da evolução das condições de vida das populações branca e negra9, expressas em
um amplo conjunto de indicadores socioeconômicos, identificando o perfil e a intensidade
da desigualdade racial no Brasil na década de 1990. O estudo foi feito com base na análise
de informações da PNAD e buscou contribuir para o diagnóstico da desigualdade racial no
Brasil. Dentre as questões avaliadas, o autor verificou que a maior parte dos pobres e
indigentes no Brasil é de raça negra10. Analisando os indicadores grau de informalidade e
grau de assalariamento, a pesquisa revelou que ao longo do período o primeiro indicador é
maior entre os trabalhadores negros do que entre os brancos, e que o segundo é sempre
maior entre os brancos.
      Paixão (2003), entre outras questões, realizou um exame sobre os indicadores
referentes aos dados sobre o mercado de trabalho da pesquisa Racismo em Números,
realizada pelo CEAP/Data UFF em 2000. Segundo o autor, pesquisar o tema das
desigualdades raciais no mercado de trabalho significa buscar compreender os mecanismos
existentes que oferecem desiguais oportunidades a negros e brancos. Sob essa orientação, o
estudo verificou que os conflitos raciais no mercado de trabalho perpassam os momentos
de contratação, efetivação e promoção nas empresas. Foi evidenciado que 77% dos
entrevistados acreditavam na existência de problemas de convivência entre negros e
brancos, e que destes, cerca de metade reconheciam que esses problemas ocorriam com
maior freqüência no mercado de trabalho. A adoção de políticas de ação afirmativa no
mercado de trabalho, para o autor, se configuram então como uma questão de justiça e
cidadania.
      O estudo realizado pelo DIEESE em 2005 “A mulher negra no mercado de trabalho
metropolitano: inserção marcada pela dupla discriminação” foi desenvolvido com base na
Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada em seis regiões brasileiras (Belo
Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal). Entre os resultados da pesquisa
ressalta-se aqui o referente à maior vulnerabilidade das mulheres negras no mercado de
trabalho:



9
 O autor considerou como população negra a soma de pretos e pardos.
10
  A linha de indigência refere-se aos custos de uma cesta alimentar, regionalmente definida, que atenda às
necessidades de consumo calórico mínimo de um indivíduo, enquanto a linha de pobreza inclui, além dos
gastos com alimentação, um mínimo de gastos individuais com vestuário, habitação e transportes
(HENRIQUES, 2001).
29



                             “Os maiores percentuais de vulnerabilidade da mulher negra no universo dos
                             trabalhadores ocupados se explicam, sobretudo, pela intensidade de sua
                             presença no emprego doméstico. Esta atividade, tipicamente feminina, é
                             desvalorizada aos olhos de grande parte da sociedade, caracterizando-se pelos
                             baixos salários e elevadas jornadas, além de altos índices de contratação à
                             margem da legalidade e ausência de contribuição à previdência” (DIEESE,
                             2005, p.5).

       Num trabalho mais recente, Paixão e Carvano (2008) com os microdados das
PNADs, compreendidas no período 1995-2006, analisaram as evoluções da equidade racial
e de gênero no mercado de trabalho dos grupos de cor ou raça (branca e preta & parda)
desagregados por sexo. Como um dos resultados, a pesquisa demonstrou que a posição na
ocupação de empregado com carteira era mais comum entre os trabalhadores brancos do
que entre os pretos & pardos, o oposto ocorrendo para a posição de empregado sem
carteira, indicando a maior vulnerabilidade que se encontram os negros no mercado de
trabalho. Já a posição de empregadores, embora fosse pouco comum para ambos os grupos
de cor ou raça, era mais comum para os brancos. Noutra parte, foi investigado o acesso ao
poder político, através da análise da composição racial11 dos poderes executivo, legislativo
e judiciário, verificando que principalmente os homens brancos detém o poder político nas
três esferas de poder. Para os autores:

                             “(...) a baixa presença de negros no interior dos aparatos do poder político
                             representa uma forte probabilidade de que os temas que preocupam e interessam
                             a esta população ficarão em um plano secundário. A própria montagem da
                             agenda de debates políticos, no Brasil, ao longo do último século, é a prova
                             mais cabal neste sentido” (PAIXÃO & CARVANO, 2008, p.151).

       Também recentemente, Garcia (2009) realizou estudo sobre desigualdades raciais e
segregação urbana nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador, antigas capitais do país.
Quando se ateve sobre o mercado de trabalho, o estudo investigou as inserções nas
categorias sócio-ocupacionais, utilizando as categorias do Grupamento ocupacional do
IBGE com os dados do censo 2000. Foram examinadas as diferenças nas estruturas
ocupacionais de brancos e negros (pretos e pardos), bem como as diferenças dessas
estruturas nas duas cidades. Ao examinar a categoria dos dirigentes, a autora observou que
“As ordens no trabalho empresarial continuam a ser dadas, em sua maioria, por



11
  Por não haver fonte de dados sobre declaração de cor ou raça dos ocupados em cargos políticos, o estudo
optou pela metodologia da heteroclassificação que consistiu na classificação, pela equipe do LAESER, da cor
ou raça a partir das fotos disponíveis no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou no portal de
cada uma daquelas esferas de poder (PAIXÃO & CARVANO, 2008).
30



descendentes dos antigos senhores de escravos ou por descendentes de imigrantes
europeus” (GARCIA, 2009, p.238).
        Assim, ao longo dos anos as pesquisas sobre as desigualdades raciais no Brasil, em
particular no mercado de trabalho, têm encontrado grandes assimetrias segundo a cor ou
raça.




1.5. Três momentos da evolução histórica das desigualdades raciais no mercado de
trabalho brasileiro (1872-1976)




        Uma forma de olhar os momentos da história tem sido através de informações
estatísticas populacionais. Essas informações sempre muito importaram aos Estados, que
querem e precisam saber sobre o perfil socioeconômico de sua população. Como muito
bem descrito por Senra (2005):

                          “As estatísticas contribuem distintamente para tornar conhecidas as realidades
                          distantes e/ou ausentes. Conhecidas, as realidades tornam-se pensáveis, e, por
                          isso, potencialmente governáveis. Nesse sentido, as estatísticas configuram
                          tecnologias de distâncias, enquanto procedimentos formalizados de controle ou
                          de domínio, encaixando-se à maravilha como tecnologia de governo, dessa
                          forma, vindo a integrar uma determinada racionalidade instrumental” (SENRA,
                          2005, p.15).

        Por outro lado, uma das linhas de estudos sobre as relações raciais no Brasil consistiu
no papel da modernização das estruturas socioeconômicas sobre as assimetrias de cor ou
raça, como seguida por Costa Pinto e Florestan. Dialogando com esses autores, o problema
chave seria justamente compreender como estas transformações estruturais operam sobre o
processo de integração dos negros na sociedade, não raro havendo certo otimismo que o
processo de superação da antiga ordem estamental contribuiria para a redução das
desigualdades raciais em nosso país.
        Tendo em vista a reflexão acima apontada, a presente seção, a partir de dados
históricos do IBGE sobre as inserções ocupacionais, realiza um estudo sobre três
momentos da história das desigualdades raciais: em 1872, quando o Brasil ainda
vivenciava a escravidão; em 1940, quando se deu o início a profundas transformações
sobre a base do sistema produtivo com a industrialização; e 1976, que se insere numa
década onde o país obteve expressivo crescimento econômico.
31



1.5.1. Ocupações de pessoas livres e ocupações de pessoas escravizadas segundo o
Censo de 1872




      O quadro de relações raciais no Brasil a menos de duas décadas da abolição pode ser
observado através das informações do primeiro censo geral, realizado em 1872 pela
Diretoria Geral de Estatística (DGE). A população foi investigada, entre outros quesitos,
quanto à condição civil. “Incorporada, pela primeira e única vez, a um censo brasileiro, a
condição civil cristalizava a clivagem de uma sociedade formada por homens livres e
escravos” (OLIVEIRA, 2003, p.12).
      A população também foi investigada quanto a sua cor ou raça12 (branca, parda,
cabocla ou preta).

                             “(...) a classificação de cor proposta pelo censo reafirmaria, sob um novo
                            angulo, a hierarquização fundamental da sociedade imperial - brancos x negros -
                            herdada dos tempos coloniais, bem como a preocupação suscitada pela
                            mestiçagem do branco, seja com elementos da raça negra, seja com os da raça
                            indígena” (OLIVEIRA, 2003, p.13).

        Outro quesito levantado foi a profissão:

                            “Ratificando a dualidade entre senhores e escravos, tal classificação matiza e
                            exemplifica as posições existentes entre esses tipos polares. Assim, ao mesmo
                            tempo em que abre espaço para a configuração de capitalistas e proprietários,
                            ela revela o prestígio atribuído às carreiras letradas - o clero, a magistratura, os
                            „homens de letra‟, os médicos, enfim os bacharéis - numa sociedade composta
                            predominantemente por iletrados” (OLIVEIRA, 2003, p.13).

      Nem todas as informações do censo de 1872 podem ser lidas desagregadas pela
variável cor ou raça, como é o caso das informações sobre as profissões. Entretanto, as
mesmas podem ser desagregadas pela condição civil, que se relacionava essencialmente
com o pertencimento racial – na condição de livres podiam ser encontrados indivíduos de
todas as categorias de raça, enquanto na condição de escravizados estavam presentes
apenas indivíduos pretos e pardos.




12
  O quesito se apresentava como “cor” na apuração, nas listas de família, constando a instrução: “Declara-se
se a pessoa é branca, parda, cabocla ou preta, compreendidas em designação de caboclas as de raça
indígena”. Já na divulgação, no quadro geral da população, com as mesmas categorias, o quesito era
denominado por “raça” (SENRA, 2006).
32



      De acordo com censo de 1872, 38,1% da população era constituída por indivíduos
brancos, os quais eram todos livres, assim como todos os caboclos, os quais representavam
3,9% da população. Os pardos eram 38,3% da população e a grande maioria deles (87%)
era livre. Os pretos eram 19,7% da população, dos quais menos da metade (47,1%) era
livre. Assim, naquele ano, a maioria dos pretos e pardos era livre.
      A tabela 1 dispõe dados sobre a ocupação exercida naquele ano, segundo a condição
civil e sexo.
      Assim, de acordo com os dados do censo de 1872, a atividade agrícola era a principal
ocupação da população naquele ano – mais da metade da população se encontrava
realizando esta atividade, tanto os indivíduos livres, quanto os indivíduos escravizados. As
maiores participações foram encontradas sobre as ocupações masculinas e, dentro de cada
grupo de sexo, para os ocupados escravizados – realizavam atividades agrícolas cerca de
70% dos homens livres; mais de 80% dos homens escravizados; mais de 30% das mulheres
livres e mais da metade das mulheres escravizadas (57%) (tabela 1).
        A força de trabalho feminina participava também expressivamente dos serviços
domésticos, quase 35% das mulheres livres e quase um quarto das mulheres escravas.
        As informações sobre a profissão de operário13 evidenciam que, naquele ano,
embora no serviço agrícola se encontrasse a grande maioria dos escravos, já havia a
participação deles nessas ocupações. Esses postos estavam presentes nas ocupações de
todos os grupos – 4,5% dos homens livres; 5,8% das mulheres livres; 2,7% dos homens
escravos; e 2,3% das mulheres escravas. Os assalariados (criados e jornaleiros) também
tinham importância no total das ocupações, correspondendo a cerca de 8% das ocupações
dos grupos, com exceção para as mulheres livres, para as quais o peso era pouco mais de
4% (tabela 1).
        A profissões industriais e comerciais (manufatureiros e fabricantes, comerciantes,
guarda-livros e caixeiros) eram exercidas exclusivamente por pessoas livres, sobretudo
homens – 4% dos homens livres ocupados e apenas 0,6% das mulheres livres ocupadas. As
profissões liberais (religiosos, juristas, médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiros,
professores, homens de letras, empregados públicos e artistas), com exceção da profissão
de artista, também eram exercidas exclusivamente por pessoas livres, principalmente



13
  Canteiros, calceteiros, mineiros e cavouqueiros; em metais; em madeiras; em tecidos; de edificações; em
couros e peles; em tinturaria; de vestuário; de chapéus; de calçados.
33



homens. Os militares, capitalistas e proprietários também eram todos livres, os primeiros
apenas homens (tabela 1).


Tabela 1: População ocupada segundo a profissão, por condição civil e sexo - 1872
                                                         Livres                   Escravos
Profissões
                                                  Homens     Mulheres       Homens     Mulheres

Liberais                                                  2,4%     0,4%     0,2%        0,1%
  Religiosos                                              0,1%     0,0%     0,0%        0,0%
  Juristas                                                0,3%     0,0%     0,0%        0,0%
  Médicos                                                 0,1%     0,0%     0,0%        0,0%
  Cirurgiões                                              0,0%     0,0%     0,0%        0,0%
  Farmacêuticos                                           0,1%     0,0%     0,0%        0,0%
  Parteiros                                               0,0%     0,1%     0,0%        0,0%
  Professores e Homens de Letras                          0,1%     0,1%     0,0%        0,0%
  Empregados Públicos                                     0,4%     0,0%     0,0%        0,0%
  Artistas                                                1,4%     0,2%     0,2%        0,1%

Militares                                                 1,1%     0,0%     0,0%        0,0%

Marítimos                                                 0,8%     0,0%     0,3%        0,0%

Pescadores                                                0,7%     0,0%     0,2%        0,0%

Capitalistas e proprietários                              0,9%     0,4%     0,0%        0,0%

Industriais e Comerciais                                  4,3%     0,6%     0,0%        0,0%
  Manufatureiros e Fabricantes                            0,6%     0,2%     0,0%        0,0%
  Comerciantes, guarda-livros e caixeiros                 3,7%     0,4%     0,0%        0,0%

Manuais e Mecânicas                                       4,5%     28,1%    2,7%       10,0%
 Costureiras                                              0,0%     22,3%    0,0%        7,6%
 Operários                                                4,5%      5,8%    2,7%        2,3%


Agrícolas                                                 70,5%    31,6%    81,3%      57,1%
 Lavradores                                               64,6%    28,8%    81,3%      57,1%
 Criadores                                                 5,9%     2,8%     0,0%       0,0%

Assalariados                                              8,9%     4,3%     7,9%        8,5%
 Criados e Jornaleiros                                    8,9%     4,3%     7,9%        8,5%

Serviços Domésticos                                       6,0%     34,5%    7,4%       24,3%



Total                                                     100,0%   100,0%   100,0%     100,0%

Fonte: Diretoria Geral de Estatística (DGE), Censo 1872


        Assim, os dados sobre as ocupações em 1872 revelam a base predominantemente
agrícola do sistema produtivo e da sociedade, bem como as desiguais inserções associadas
às características de sexo e condição civil. A liberdade e a escravidão, naturalmente,
34



implicavam em diferentes possibilidades de inserção. Essas condições retratam o começo
das desigualdades entre brancos e negros no Brasil e explicam parte do desenvolvimento
desigual experimentado por esses dois grupos populacionais após a extinção da escravidão.




1.5.2. Desigualdades raciais antes do avanço da industrialização: Estudo sobre
indicadores do mercado de trabalho do Censo de 1940




      Nesta seção são analisados os indicadores sobre o setor de atividade e a posição na
ocupação, segundo a cor ou raça, do censo de 194014. Este ano antecede a fase de forte
crescimento da economia através do aprofundamento da industrialização sob o modelo de
substituição de importações, de tal modo que a atividade agrícola ainda constituía a
principal atividade da população.
      Quanto às informações por cor ou raça, após ter sido retirado dos levantamentos
censitários a partir do censo de 1920, o quesito cor voltou a ser apurado no recenseamento
de 1940. Na resposta ao quesito, o censo instruía para que o recenseado fosse classificado
como “preto”, “branco” ou “amarelo” sempre que possível qualificá-lo segundo o
característico previsto. Caso contrário, a instrução era para que fosse feito um traço
horizontal no lugar da resposta (IBGE, 1950) 15.



14
   Existem ressalvas à utilização desses dados. “O conceito de população economicamente ativa no Censo de
1940, pelo fato de, diferentemente dos subseqüentes, não se referenciar mais explicitamente à ocupação
principal no enquadramento dos informantes dentro e fora da população economicamente ativa, tendeu a
estimular uma superestimação de população ativa. Isto ocorreu basicamente no caso do trabalho feminino,
que combina, com maior freqüência, atividades produtivas com atividades domésticas não-remuneradas
(principalmente no campo), pelo fato de não ter havido uma orientação mais clara sobre o que se deveria
entender por „estar trabalhando‟” (OLIVEIRA & ABRANTES, 1979). Para estimar a PEA, das atividades
domésticas, consideraríamos apenas as remuneradas. Porém, na medida em que não foi possível obter o
quantitativo de “atividades domésticas remuneradas”, segundo cor e raça, considerou-se, como uma boa
aproximação para esta parcela da PEA, o grupo dos que se encontravam na posição de ocupação de
“empregados” na categoria “Atividades domésticas, Atividades escolares”. De tal modo, para o presente
estudo, os que, nessa categoria, não estavam nesta posição de ocupação não foram considerados na PEA.
Também não foram incluídas as atividades não compreendidas, ou mal definidas, ou não declaradas, pois
estas atividades, desagregadas por cor, estavam na mesma categoria das “Condições inativas”. Com essa
metodologia, a PEA de 1940 estimada foi (em 1000 pessoas) de 14.570,0 (11.861,8 homens; 2.708,5
mulheres), enquanto a PEA de 1940, segundo (OLIVEIRA & ABRANTES, 1979), era de 14.758,6 (11.959,0
homens; 2.799,6 mulheres).
15
   Em trabalho recente, Beltrão & Teixeira (no prelo) analisaram os dados das respostas alternativas ao
quesito de cor ou raça do censo de 1940, destacando: a diversidade dos termos; a já inclusão dos indígenas e
seus descendentes nas categorias “pardos” e “morenos”; e a predominância da resposta “moreno”, tanto pelo
35



      Daí resultou a classificação da população em três grandes grupos étnicos – pretos,
brancos e amarelos –, e a constituição de um grupo genérico sob a designação de pardos,
para os que registraram declarações outras como “caboclo”, “mulato”, “moreno”, etc., ou
se limitaram ao lançamento do traço. Somente nos casos de completa omissão da resposta
foi atribuída a designação “cor não declarada” (IBGE, 1950, p. 21).
      Em relação à distribuição da População Economicamente Ativa em 1940 pelos ramos
de atividade principal, observa-se que as atividades de Agricultura, pecuária e silvicultura
possuíam grande importância na estrutura econômica do país em 1940, com pesos
significativos sobre as ocupações de todos os grupos considerados. Os maiores percentuais
foram encontrados para os homens – 65,5% para os brancos; 76,7% para os pretos e 73,5%
para os pardos & de cor não declarada. Nas ocupações das mulheres foram encontrados os
seguintes pesos: 47,1% (brancas); 41,7% (pardas); e 50,1% (pretas) (tabela 2).
        Nas ocupações industriais verifica-se a participação já significativa naquele ano de
todos os grupos de cor ou raça e sexo. Para todos eles, a participação na indústria extrativa
era menor do que a participação na indústria de transformação. Nota-se, contudo, que esta
última tinha um peso maior nas atividades da população branca, enquanto a indústria
extrativa tinha um peso maior nas atividades da população preta e da população parda & de
cor não declarada (tabela 2).
        Os ramos “Atividades domésticas, atividades escolares” e “Serviços, atividades
sociais” se constituíam em ocupações de grande peso para a população feminina. Enquanto
o primeiro apresentou maiores pesos para as mulheres pretas e para as pardas & de cor não
declarada, o segundo possuía um peso maior para as mulheres brancas. Chama atenção a
elevada participação das atividades domésticas e escolares sobre as ocupações das
mulheres pretas, cerca de um terço (tabela 2).




entrevistado, quanto pelo recenseador, ainda naquele ano, muito anterior ao primeiro levantamento do quesito
de forma aberta em 1976.
36



Tabela 2: PEA por ramo de atividade, segundo sexo e cor ou raça (branca, preta, parda & de cor não
declarada), Brasil, 1940
                                                                                 Parda & de cor não
                                              Branca               Preta
                                                                                     declarada
        Ramo da atividade principal
                                                  Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Agricultura, pecuária, silvicultura               65,5%    47,1%    76,7%    41,7%    73,5%    50,1%

Indústrias extrativas                              2,0%    1,0%     3,6%     2,4%     5,1%      2,7%

Indústrias de transformação                       10,3%    11,9%    7,9%     8,1%     7,5%     10,6%

Comércio de mercadoria                             7,7%    2,6%     2,1%     0,8%     3,2%      1,1%
 Comercio de imóveis, e valores mobiliários,
                                                   0,6%    0,2%     0,1%     0,0%     0,1%      0,0%
crédito, seguros e capitalização
Transporte e comunicações                          4,1%    0,8%     3,6%     0,1%     3,4%      0,2%
 Administração pública, justiça, ensino
                                                   2,3%    4,9%     1,0%     0,3%     1,3%      1,0%
público
Defesa nacional, segurança pública                 1,6%    0,1%     0,8%     0,0%     1,4%      0,0%
 Profissões liberais, culto, ensino particular,
                                                   0,9%    2,3%     0,1%     0,3%     0,2%      0,6%
administração privada
Serviços, atividades sociais                       4,3%    17,3%    2,9%     13,1%    3,4%     16,4%
 Empregados em atividades domésticas,
                                                   0,6%    11,7%    1,2%     33,2%    0,7%     17,3%
atividades escolares
Total                                             100,0%   100,0%   100,0%   100,0%   100,0%   100,0%

Fonte: IBGE, Censo de 1940
 Nota: 1- Não foram considerados os ocupados em atividades não compreendidas, mal definidas ou não
declaradas, pois estes estavam agrupados com os inativos.
 2 - Da categoria "Atividades domésticas, atividades escolares" foram considerados apenas os que tinham
posição na ocupação de "empregados"



        Sobre a posição na ocupação, de acordo com a publicação do censo: “Empregadores”
eram os profissionais por conta própria que possuíam auxílio de empregados assalariados;
“trabalhadores por conta própria” eram os que exerciam sua ocupação isoladamente ou
com ajuda, não diretamente remunerada, de pessoas de sua família; “empregados” eram os
que exerciam sua ocupação em benefício de outros ou a serviço de instituições, como os
funcionários públicos, recebendo remuneração em salário fixo ou por tarefa. “Membros da
família” eram as pessoas da família dos “trabalhadores por conta própria” que colaboravam
com estes sem perceber remuneração direta. “De outra posição ou de posição não
declarada” era uma categoria genérica (IBGE, 1950, p.21).
         A categoria de “empregados” constituía a posição na ocupação de maior peso para
todos os grupos, com percentuais mais elevados para os homens no interior dos grupos de
cor ou raça. Já a posição de “empregadores”, que reúne aqueles que detêm a propriedade
37



sobre os meios de produção, representava uma posição de peso muito pequeno. O exame
sobre esta posição revela que esta posição se fazia mais presente nas ocupações dos
homens brancos (3,7%), os pesos nas ocupações dos demais grupos eram
consideravelmente menores (tabela 3).
         A posição de “trabalhadores por conta própria” era mais significativa para os
homens dentro de cada grupo de cor ou raça, enquanto a posição de “membros da família”
era mais significativa para as mulheres, sobretudo para as mulheres brancas. A posição
“Profissionais liberais” apresentou maiores participações nas ocupações dos trabalhadores
brancos, sobretudo para as mulheres brancas (2,3%) (tabela 3).


Tabela 3: PEA por posição na ocupação, segundo sexo e cor ou raça (branca, preta, parda & de cor
não declarada), Brasil, 1940
                                                                                 Parda & de cor
                                             Branca              Preta
                                                                                 não declarada
           Posição na ocupação
                                                  Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres
Empregados                                        44,3%    39,5%    53,0%     52,6%      42,8%      38,9%

Empregadores                                       3,7%    1,0%     1,1%       0,3%       1,6%      0,6%

Trabalhando por conta própria                     33,6%    20,9%    31,7%     23,2%      38,4%      28,3%

Membros da família                                17,0%    34,1%    13,5%     22,1%      16,3%      29,6%
De outra posição ou de posição não
                                                   0,4%    2,2%     0,6%       1,5%       0,6%      2,0%
declarada
 Profissões liberais, culto, ensino particular,
                                                   0,9%    2,3%     0,1%       0,3%       0,2%      0,6%
administração privada

Total                                             100,0%   100,0%   100,0%    100,0%    100,0%     100,0%

Fonte: IBGE, Censo 1940
Nota: Não foram considerados os ocupados em atividades não compreendidas, mal definidas ou não
declaradas, pois estes estavam agrupados com os inativos. "Profissões liberais, culto, ensino particular,
administração privada" foram incluídos como uma categoria de posição na ocupação, pois não possuíam
posições na ocupação especificadas.


        O ano de 1940 se inscreve num período onde se iniciava o processo de
industrialização e modernização do país16. Em que pese a distribuição geográfica desigual
dos grupos de cor ou raça, onde os brancos representavam a maioria nas regiões onde esse
processo se iniciava (HASENBALG, 1979), observa-se que naquele período, o acesso aos
setores mais dinâmicos eram mais restritos à população preta e parda, bem como aos
postos mais prestigiado, como os de empregadores.


16
   O processo de industrialização foi intensificado na década de 1950 com a maior participação do Estado via
a implementação do Plano de Metas. A partir deste período, a economia brasileira apresentou elevadas taxas
de crescimento (VILLELA, 2005).
38



1.5.3. Desigualdade de cor ou raça nas posições ocupacionais na segunda metade da
década de 1970: relendo “O lugar do negro na força de trabalho”




        Esta seção examina a estrutura ocupacional segundo os grupos de cor ou raça em
meados da década de 197017, onde a economia brasileira apresentava elevadas taxas de
crescimento. O exame é feito mediante a leitura do estudo “O lugar do negro na força de
trabalho”, publicado em 1985 e realizado no âmbito do IBGE pelas pesquisadoras Lucia
Helena Garcia de Oliveira, Rosa Maria Porcaro e Tereza Cristina N. Araújo. O estudo teve
como objetivo analisar a articulação entre raça e estratificação social mediante a análise
das inserções dos grupos raciais (brancos, pretos e pardos18) na estrutura ocupacional, por
entender este campo como central para as outras discussões que se inscrevem no tema das
relações raciais. Como metodologia foi utilizada a classificação de categorias sócio-
ocupacionais19, combinando a ocupação exercida com a posição na ocupação e o setor de
atividade. Este estudo ganha destaque na presente dissertação por ter sido um dos
primeiros a utilizar categorias ocupacionais nos estudos de relações raciais no Brasil. A
seguir são apresentados alguns de seus resultados.
       A primeira diferenciação das ocupações consistiu na divisão entre ocupações
manuais e não manuais. De modo que nas primeiras se encontravam duas categorias: os
“Profissionais em ocupações de nível superior, empresários e administradores”; e os
“Profissionais em ocupações de nível médio e pessoal de escritório”.



17
    Nesta década, com II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), foram realizados investimentos
públicos e privados nos setores de infra-estrutura, bens de produção, energia, e exportação, completando o
processo de industrialização, transformando a estrutura produtiva e gerando forte crescimento econômico até
1980, quando este modelo de crescimento se esgotou (HERMANN, 2005). Pela ótica das ocupações, em
comparação com a década de 1940, nos anos 1970 as atividades agrícolas representavam um peso
consideravelmente menor sobre as ocupações, em favor de um maior peso das atividades industriais. Em
relação às posições na ocupação, tem-se que a posição de empregados representava peso significativamente
maior (OLIVEIRA & ABRANTES, 1979).
18
    Assim como em outros estudos de relações raciais de referência, em várias partes “pretos” e “pardos”
foram reunidos sob a designação de “negros” devido às autoras considerarem que esses indivíduos possuem
uma situação socioeconômica semelhante em termos de rendimentos, educação, inserção na força de
trabalho, mobilidade social e outros indicadores.
19
   A classificação utilizada foi construída por Jane Souto de Oliveira e Tereza Cristina N. Araujo. Sobre as
categorias as autoras advertiram que a classificação não pretendeu ser uma aproximação do conceito de
classes sociais e que o estudo voltou-se para a matéria das inserções na estrutura ocupacional no contexto das
formas de organização da produção na economia.
39



     A primeira categoria, “Profissionais em ocupações de nível superior, empresários e
administradores” representa os postos associados à maior prestígio social, onde se
encontram as pessoas de mais alto nível de escolaridade e os detentores da propriedade e
do poder sobre o gerenciamento dos meios de produção. Na análise sobre esses postos o
estudo verificou que os mesmos possuíam peso de 5,9% na força de trabalho, indicando o
afunilamento na estrutura ocupacional brasileira do período. Desagregando por cor ou raça,
foram verificados os seguintes pesos nas ocupações dos grupos: 8,5% para os brancos;
1,1% dos pretos; e 2,7% para os pardos, indicando que pretos e pardos encontravam
maiores barreiras no acesso a esses postos. A análise sobre os rendimentos revelou as
posições que pretos e pardos ocupavam nesta categoria – o rendimento médio dos mesmos
era muito inferior ao dos brancos. Nas palavras das autoras:

                        “Estas informações indicam que o afunilamento da estrutura ocupacional ocorre
                        de forma consideravelmente mais acentuada para os negros, os quais, mesmo
                        quando conseguem alcançar aquelas posições ocupacionais, encontram-se em
                        situação econômica menos favorável que a dos brancos” (OLIVEIRA,
                        PORCARO E ARAÚJO, 1985, p. 32).

     Na categoria “Profissionais em ocupações de nível médio e pessoal de escritório”,
também não manual, encontravam-se 11,1% da força de trabalho, o que, como mencionado
pelas autoras, refletia a industrialização que dinamizou o setor de serviços, demandando
pessoal de nível médio. Encontravam-se nesta categoria 14,6% dos brancos, 3,6% dos
pretos e 7,2% dos pardos, revelando que, embora menos prestigiadas que as ocupações
anteriormente analisadas, também nessas categorias não manuais as barreiras eram maiores
para pretos e pardos.
       Os “Empregados em ocupações da indústria de transformação e da produção
extrativa mineral” representava cerca de 10% do total dos ocupados. A grande maioria
estava ligada ao setor industrial, vinculados às empresas industriais que comandaram as
transformações estruturais do processo de industrialização a partir dos anos 1950. Havia
pouca diferenciação nas participações de brancos (10,7%) e negros (9,4%). Porém, o
rendimento médio dos pretos era 60% e dos pardos 75% do auferido pelos brancos,
indicando a diferenciação em função do tipo e da complexidade do estabelecimento. Já a
categoria “Empregados em ocupações da indústria da construção civil” incluía 3,5% do
total das pessoas ocupadas, entretanto, o peso nas ocupações dos brancos era de 2,7%, na
de pretos 5,1% e na de pardos 4,3%. Quanto aos rendimentos, negros recebiam em média
20% menos do que os brancos. Essas informações indicam que, apesar de todos os grupos
Desigualdades raciais em ocupações prestigiadas
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Desigualdades raciais em ocupações prestigiadas

  • 1. Escola Nacional de Ciências Estatísticas Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais ENCE BÁRBARA VALVERDE CASTILHO DESIGUALDADES RACIAIS NA ESTRUTURA OCUPACIONAL E O ACESSO ÀS OCUPAÇÕES PRESTIGIADAS (2002-2009) Dissertação de Mestrado Rio de Janeiro Agosto de 2011
  • 2. Escola Nacional de Ciências Estatísticas Mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais ENCE BÁRBARA VALVERDE CASTILHO DESIGUALDADES RACIAIS NA ESTRUTURA OCUPACIONAL E O ACESSO ÀS OCUPAÇÕES PRESTIGIADAS (2002-2009) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da ENCE/IBGE como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais. Orientadora: Profa. Dra. Moema De Poli Teixeira (ENCE/IBGE) Co-orientador: Prof. Dr. Marcelo de Paula Paixão (IE/UFRJ) Rio de Janeiro Agosto de 2011
  • 3. FICHA CATALOGRÁFICA C352p Castilho, Bárbara Hilário de Souza Valverde Desigualdades raciais na estrutura ocupacional e o acesso às ocupações prestigiadas (2002-2009). / Bárbara Hilário de Souza Valverde Castilho. – 2011. 121 f. : il. Inclui bibliografia e anexos. Orientador: Prof. Dr. Moema De Poli Teixeira Co-orientador: Prof. Dr. Marcelo Jorge de Paula Paixão Dissertação (Curso de Mestrado) – Escola Nacional de Ciências Estatísticas. Programa de Pós-Graduação em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais. 1. Relações raciais - Brasil. 2. Ocupações - Estatística. 3. Desigualdades raciais. 4. Desigualdades de gênero. 5. Indicadores sociais. I. Teixeira, Moema De Poli. II. Paixão, Marcelo Jorge de Paula. III. Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Brasil). IV. IBGE. V. Título. CDU: 323.12(81)
  • 4. BÁRBARA VALVERDE CASTILHO DESIGUALDADES RACIAIS NA ESTRUTURA OCUPACIONAL E O ACESSO ÀS OCUPAÇÕES PRESTIGIADAS (2002-2009) Rio de Janeiro, 23 de Agosto de 2011. BANCA EXAMINADORA Profa. Dra. Moema De Poli Teixeira (Orientadora) ENCE/IBGE Prof. Marcelo de Paula Paixão (Co-orientador) UFRJ Profa. Dr. Sonoe Sugahara Pinheiro ENCE/IBGE Prof. Dr. Flávio dos Santos Gomes UFRJ Rio de Janeiro Agosto de 2011
  • 5. Para a minha família, Valverdes e Castilhos.
  • 6. AGRADECIMENTOS Agradeço a minha família, pelo amor, cuidado e apoio. Em especial aos meus avós, aos meus pais, aos companheiros de meus pais e aos meus tios José Marcos e PC, esses dois pelas conversas, discos e livros. À minha orientadora Moema, que tive a felicidade de conhecer no mestrado, e ao meu co- orientador Marcelo Paixão, que me acompanha com dedicação desde a graduação. Agradeço muito a ambos pela confiança, aprendizado, estímulo e amizade construída. Ao João, pelo amor, carinho e paciência desde o meu retorno ao Rio de Janeiro e ao ritmo da vida acadêmica. Aos amigos de sempre, em especial, aos da Sapê e do Ylá Dudu pelos movimentos, à Carol pela motivação, à Gabi pela presença e à Renata por sua leitura. Aos amigos que fiz na ENCE, como Luciana, Milena, Herleif e, sobretudo, Larissa, imprescindível e atenciosa nas primeiras leituras deste trabalho. Ao IBGE e à CAPES, pela bolsa de estudo. Aos professores do programa de mestrado da ENCE e ao Mauro por sua disponibilidade e grande ajuda com a base de dados.
  • 7. “Cósmica canção, maracatu da vida Cósmica canção de uma gente sofrida, Fora da questão. Já não tem mais razão A viagem é de todos nós. Fora da questão, nunca teve razão. A viagem é de todos nós.” (PC Castilho – Cósmica Canção)
  • 8. RESUMO A presente dissertação objetiva estudar as desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro no período recente na esfera da estrutura das ocupações identificadas como socialmente prestigiadas. Estas posições foram definidas pelos seus maiores níveis de rendimento e de escolaridade – proporcionalmente maiores que as demais posições -; pelo tipo de função exercida, de comando. O estudo examina as assimetrias entre os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) a partir da análise de indicadores sociais selecionados e de suas inserções em categorias ocupacionais, destacando as categorias que reuniam as ocupações de dirigentes e as de profissionais de nível superior. As informações estatísticas consideradas são da PNAD realizada em 2009, analisadas em comparação com a realizada em 2002. Neste período houve a melhora de indicadores sociais devido à retomada do crescimento econômico, à recuperação do mercado de trabalho e ao fortalecimento de políticas sociais. Assim, nos indagamos se neste contexto teria ocorrido uma fundamental mudança em relação aos períodos anteriores de nossa história, tendo concluído que isso, de fato, não aconteceu. Palavras-chave: Desigualdades raciais; estrutura ocupacional; categorias ocupacionais; ocupações prestigiadas; desigualdades de gênero; indicadores sociais.
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO..................................................................................................................13 CAPÍTULO 1 – RELAÇÕES RACIAIS NO BRASIL: HISTÓRICO DAS INTERPRETAÇÕES TEÓRICAS E DA EVOLUÇÃO DAS DESIGUALDADES DE COR OU RAÇA NO MERCADO DE TRABALHO......................................................17 1.1. Relações raciais após abolição e a suposta democracia racial brasileira..................17 1.2. Freyre e a interpretação culturalista das relações raciais..........................................20 1.3. O ciclo de estudos do projeto UNESCO..................................................................22 1.4. Estudos de relações raciais a partir da década de 1980............................................26 1.5. Três momentos da evolução histórica das desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro (1872-1976)............................................................................................30 1.5.1. Ocupações de pessoas livres e ocupações de pessoas escravizadas segundo o Censo de 1872.............................................................................................................31 1.5.2. Desigualdades raciais antes do avanço da industrialização: Estudo sobre indicadores do mercado de trabalho do Censo de 1940..............................................34 1.5.3.. Desigualdade de cor ou raça nas posições ocupacionais na segunda metade da década de 1970: relendo “O lugar do negro na força de trabalho”......................................................................................................................38 1.6. Considerações finais do capítulo...................................................................................43 CAPÍTULO 2 – DESIGUALDADES RACIAIS NO MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO NO PERÍODO RECENTE (2002-2009).................................................44 2.1. Breve evolução do mercado de trabalho nas últimas décadas.......................................44 2.2. Indicadores sociais segundo a cor ou raça....................................................................47 2.2.1. Características da População Economicamente Ativa......................................48 2.2.1.1. PEA ocupada e PEA sem ocupação......................................................53 2.2.1.2. Ramo de atividade e posição na ocupação...........................................55 2.2.1.3. Rendimento e escolaridade da população ocupada...............................58
  • 10. 2.3. Desigualdades raciais na estrutura ocupacional brasileira recente: análise sobre categorias ocupacionais........................................................................................................64 2.3.1. Estrutura ocupacional brasileira segundo as categorias do Grupamento Ocupacional do IBGE ................................................................................................64 2.3.1.1. Estrutura ocupacional dos grupos de cor ou raça..................................67 2.3.1.2. Composição por cor ou raça e sexo das categorias ocupacionais.........71 2.3.1.3. Análise sobre os rendimentos...............................................................73 2.4. Considerações finais do capítulo...................................................................................75 CAPÍTULO 3 – DESIGUALDADES EM OCUPAÇÕES SOCIALMENTE PRESTIGIADAS................................................................................................................76 3.1. Dirigentes em geral: cargos de chefia segundo a cor ou raça e sexo............................76 3.1.2. Dirigentes por posição na ocupação..................................................................77 3.1.3. Dirigentes do setor público, do setor privado e gerentes................................. 80 3.1.4. Dirigentes por faixas de rendimento.................................................................85 3.2. Profissionais das ciências e das artes segundo a cor ou raça e sexo.............................88 3.2.1. Profissionais das ciências e das artes: assimetrias nas diferentes carreiras.......89 3.3. Considerações finais do capítulo...................................................................................97 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................100 ANEXO..............................................................................................................................103
  • 11. LISTA DE TABELAS Tabela 1: População ocupada segundo a profissão, por condição civil e sexo – 1872.......33 Tabela 2: PEA por ramo de atividade, segundo sexo e cor ou raça (branca, preta, parda & de cor não declarada), Brasil, 1940......................................................................................36 Tabela 3: PEA por posição na ocupação, segundo sexo e cor ou raça (branca, preta, parda & de cor não declarada), Brasil, 1940..................................................................................37 Tabela 4: Participação média da força de trabalho negra nas categorias sócio-ocupacionais – 1976...................................................................................................................................41 Tabela 5: Participação média da força de trabalho branca nas categorias sócio- ocupacionais – 1976.............................................................................................................42 Tabela 6: PEA ocupada segundo a posição na ocupação, Brasil, 2002 e 2009..................47 Tabela 7: População residente segundo a cor ou raça e sexo, Brasil, 2002 e 2009............49 Tabela 8: População residente, segundo a cor ou raça e sexo, Grandes Regiões, 2009......50 Tabela 9: Composição da PEA segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009..................................................................................52 Tabela 10: Composição da PEA ocupada segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009.................................................................54 Tabela 11: Taxa de desocupação segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009...............................................................................55 Tabela 12: PEA ocupada por ramo de atividade, segundo cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009 (em %)..........................................................................56 Tabela 13: PEA ocupada por posição na ocupação, segundo cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009 (em %)..........................................................................57 Tabela 14: Rendimento médio real do trabalho principal da PEA ocupada segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Grandes Regiões, 2002 e 2009 (em R$ set-2009) ..............................................................................................................................60 Tabela 15: Distribuição da PEA ocupada segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, por classes de escolaridade, Brasil, 2009...................................................62
  • 12. Tabela 16: Distribuição da PEA ocupada por categorias do Grupamento Ocupacional, Brasil, 2002 e 2009...............................................................................................................65 Tabela 17: Distribuição da PEA ocupada por categorias do Grupamento Ocupacional, Grandes Regiões, 2009.........................................................................................................66 Tabela 18: Distribuição da PEA ocupada por categorias do Grupamento Ocupacional, segundo grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009............70 Tabela 19: Composição das categorias ocupacionais segundo os grupos de cor ou raça e sexo, Brasil, 2002 e 2009.....................................................................................................72 Tabela 20: Rendimento médio do trabalho principal dos grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, segundo as categorias ocupacionais, Brasil, 2009.............................74 Tabela 21: Composição dos Dirigentes em geral segundo a cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009....................................................................77 Tabela 22: Composição dos Profissionais das ciências e das artes segundo a cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil e Grandes Regiões, 2009..........................................89
  • 13. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: PEA dos grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002- 2009......................................................................................................................................51 Gráfico 2: Distribuição percentual da PEA segundo Grandes Regiões, 2009....................51 Gráfico 3: PEA ocupada dos grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002-2009.............................................................................................................................53 Gráfico 4: Rendimento médio real do trabalho principal da PEA ocupada segundo os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002-2009 (em R$ set- 2009).....................................................................................................................................59 Gráfico 5: Anos médios de estudo da PEA ocupada, por cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009...................................................................................................61 Gráfico 6: Rendimento médio do trabalho principal dos grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, por anos de escolaridade, Brasil, 2009..............................................63 Gráfico 7: Distribuição dos dirigentes em geral por posição na ocupação, segundo cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009..................................................................78 Gráfico 8: Composição dos dirigentes em geral segundo posições na ocupação selecionadas, por cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009..........................79 Gráfico 9: Composição dos dirigentes em geral empregadores, por cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2002 e 2009............................................................................80 Gráfico 10: Composição da categoria de Dirigentes segundo as subcategorias, Brasil, 2009......................................................................................................................................81 Gráfico 11: Rendimento médio dos Dirigentes em geral por subcategorias, Brasil, 2009......................................................................................................................................82 Gráfico 12: Distribuição dos Dirigentes pelas subcategorias, segundo cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009.......................................................................................83 Gráfico 13: Composição por cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo das subcategorias de Dirigentes, Brasil, 2009...................................................................................................84 Gráfico 14: Composição racial das subcategorias de Dirigentes, Brasil, 200 e 2009........85
  • 14. Gráfico 15: Distribuição acumulada dos dirigentes em geral por faixas de rendimento selecionadas, segundo subcategorias, Brasil, 2009..............................................................86 Gráfico 16: Composição dos dirigentes em geral por faixas de rendimento selecionadas (em salários mínimos), segundo subcategorias, por cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009.................................................................................................................87 Gráfico 17: Composição da categoria “Profissionais das ciências e das artes segundo subcategorias, Brasil, 2009...................................................................................................90 Gráfico 18: Rendimento médio dos Profissionais das ciências e das artes por subcategorias, Brasil, 2009...................................................................................................91 Gráfico 19: Distribuição dos Profissionais das ciências e das artes por subcategorias, segundo cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009........................................92 Gráfico 20: Composição das subcategorias dos Profissionais das ciências e das artes, segundo cor ou raça (branca, preta e parda) e sexo, Brasil, 2009........................................95 Gráfico 21: Diferença (em pontos percentuais) entre a participação na subcategoria e a participação na PEA ocupada, segundo cor ou raça (branca e preta & parda) Brasil, 2002 e 2009......................................................................................................................................97
  • 15. 13 Introdução O Brasil foi constituído desigualmente sob um sistema de produção escravista, onde brancos, negros e indígenas possuíam diferentes papéis ou funções sociais que correspondiam a grandes disparidades em condições de vida. Em particular, brancos e negros, nos tempos da escravidão, possuíam distanciamento social intrínseco das condições civis de livres, para os brancos, e de escravizados, para os negros – os primeiros no topo da hierarquia social e os últimos no nível inferior. Este sistema permaneceu por séculos e, mesmo depois de seu fim, diante da má distribuição de sua riqueza, o desenvolvimento experimentado pelo país ocorreu de forma desigual para sua população, segundo os grupos de cor ou raça. As relações raciais, portanto, pertencem à natureza de nossas questões sociais e, não por acaso, têm sido estudadas há mais de um século no Brasil. Compreendidos em fases que se distinguem em termos de orientações, motivações e hipóteses, os estudos sobre essa temática revelam as desigualdades entre os grupos de cor ou raça em diferentes momentos da história e do pensamento social brasileiro. Estudos demonstraram que, após a abolição, não obstante diante de uma sociedade muito diferente daquela do regime escravista, o preconceito racial e os mecanismos de discriminação se mantiveram, bem como as desiguais qualidades de vida dos grupos de distintas características raciais – AZEVEDO (1996 [1955]); COSTA PINTO (1998 [1950]); BASTIDE & FERNANDES (2008 [1955]); NOGUEIRA (1985). E, mesmo com as transformações do sistema produtivo, acompanhadas por períodos de crescimento econômico e avanços políticos e sociais, a estrutura social não sofreu grandes modificações segundo a cor ou raça – as posições sociais de maior status continuaram a ser ocupadas majoritariamente pela população branca (HASENBALG, 1979; OLIVEIRA, PORCARO e ARAUJO, 1985). Na atualidade, o tema das relações raciais no Brasil vem ganhando cada vez mais espaço dentro dos centros acadêmicos e de pesquisas, bem como na agenda de políticas públicas. As pesquisas e as políticas têm sido favorecidas pela maior disponibilidade de informações estatísticas por cor ou raça, que contribuem para a compreensão das desigualdades raciais, as quais podem hoje ser observadas de forma mais analítica (SILVA,
  • 16. 14 1999; SOARES, 2000; HENRIQUES, 2001; PAIXÃO, 2003; DIEESE, 2005; BELTRÂO et. al., 2006; SABOIA, 2006; PAIXÃO & CARVANO, 2008; GARCIA, 2009). Entre os espaços onde as desigualdades raciais se anunciam, muitas pesquisas tomaram o mercado de trabalho como objeto central de investigação, demonstrando que negros e brancos ocupavam lugares distintos na hierarquia ocupacional. Constatou-se que a população negra possuía maiores barreiras no acesso às melhores ocupações, apresentando as maiores taxas de desemprego e ocupando os postos de menores níveis de rendimento, de maior precariedade e vulnerabilidade. Já os postos associados a maiores níveis de rendimentos, e assim mais prestigiados, eram mais frequentemente ocupados pela população branca – COSTA PINTO (1998 [1950]); BASTIDE & FERNANDES (2008 [1955]); HASENBALG (1979); OLIVEIRA, PORCARO e ARAUJO (1985). Dos estudos que pesquisaram as desigualdades raciais no mercado de trabalho, a presente dissertação tem Oliveira, Porcaro e Araujo (1985) como marco referencial, pela metodologia utilizada. Realizado no âmbito do IBGE, o estudo fez a articulação entre raça e estratificação social mediante estudo das estruturas ocupacionais de brancos, pretos e pardos, utilizando a classificação de categorias sócio-ocupacionais construída por Souto et. al. (1980) a partir da PNAD 1976 e de seu suplemento Mobilidade e Cor. Foram feitas análises sobre as categorias associadas à maior prestígio social. As autoras definiram este contingente como aqueles trabalhadores de mais alto nível de escolaridade, os empregadores e aqueles que exerciam funções de comando e poder dentro do processo produtivo. A pesquisa verificou que pretos e pardos quando alcançavam essas ocupações, encontravam-se em situações desfavoráveis via níveis de rendimento muito mais baixos em relação aos brancos. Seguindo a mesma direção e a partir do referencial teórico acerca da questão racial e de elementos históricos sobre as desigualdades dos grupos de cor ou raça no mercado de trabalho, a presente dissertação estuda as desigualdades raciais na esfera da estrutura das ocupações identificadas como socialmente prestigiadas. O estudo examina as assimetrias entre os grupos de cor ou raça (branca, preta e parda) a partir da análise de indicadores sociais selecionados e de suas inserções em categorias ocupacionais, destacando as categorias que reuniam as ocupações de dirigentes e as de profissionais de nível superior. As informações estatísticas consideradas são da PNAD realizada em 2009, analisadas em comparação com a realizada em 2002. Neste período houve a melhora de indicadores sociais devido à retomada do crescimento econômico, à recuperação do mercado de
  • 17. 15 trabalho e ao fortalecimento de políticas sociais, muito embora não tenha ocorrido uma transformação que tivesse levado a uma mudança estrutural no sentido tradicionalmente assumido pelas assimetrias de cor ou raça (IPEA, 2007; PAIXÃO e CARVANO, 2008). De tal modo, esta dissertação é composta de três capítulos além desta introdução e das considerações finais. O primeiro capítulo, na primeira seção, apresenta a discussão em torno do padrão de relações raciais no Brasil após abolição, mediante a leitura de estudos de referência sobre o tema, como Freyre (1992 [1933]); Costa Pinto (1998 [1950]); Bastide & Fernandes (2008 [1955]); Nogueira, (1985); Hasenbalg (1979). A seção compreende a evolução dos estudos sobre o tema das relações raciais no Brasil, como o tipo de preconceito estabelecido, o mito da democracia racial e as desigualdades no mercado de trabalho. A segunda seção realiza um estudo sobre três momentos da evolução histórica das desigualdades raciais. O primeiro corresponde a um período onde o Brasil ainda se encontrava sob o sistema escravista, nesta parte são analisadas as ocupações de pessoas livres e de pessoas escravizadas a partir das informações do censo de 1872. O segundo momento, ano de 1940, antecede o avanço da industrialização e a transformação da base do sistema produtivo. Nesta parte, são analisadas as inserções no mercado de trabalho de brancos, pretos e pardos, mediante a utilização dos dados do censo daquele ano. O terceiro momento, o ano de 1976, se insere numa década onde o país obteve expressivo crescimento econômico. Nesta parte, a estrutura ocupacional segundo os grupos de cor ou raça é examinada mediante a leitura do estudo “O lugar do negro na força de trabalho” (OLIVEIRA, PORCARO e ARAUJO, 1985). O segundo capítulo objetivou traçar um panorama das desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro no período recente. A partir do referencial teórico, a primeira seção apresenta uma breve evolução do mercado de trabalho brasileiro nas últimas décadas, buscando contextualizar as análises que se seguirão a cerca das desigualdades raciais. A segunda seção analisa as assimetrias nas inserções dos grupos de cor ou raça no mercado de trabalho através de indicadores sociais selecionados. A terceira examina as inserções dos grupos na estrutura ocupacional a partir da utilização das
  • 18. 16 categorias do Grupamento Ocupacional do IBGE1. São utilizados os dados das PNADs de 2002 e de 20092 nas três seções. No terceiro capítulo são estudadas as participações, no período recente, dos grupos de cor ou raça no Brasil nas ocupações consideradas como socialmente prestigiadas. Com dados das PNADs de 2002 e 2009, foram feitas análises a partir das inserções dos grupos nas categorias “Dirigentes em geral” e “Profissionais das ciências e das artes”, segundo aspectos como a posição na ocupação, o rendimento, o setor (público e privado) e a carreira de nível superior. Buscou-se investigar sobre o acesso nos dias atuais de pretos e pardos aos postos que se encontram no topo da hierarquia ocupacional e assim sobre as possíveis mudanças na estrutura dessas posições na sociedade. Nas considerações finais foram dispostas as principais conclusões da dissertação, buscando promover o diálogo entre as evidências estatísticas apresentadas e o debate teórico exposto. 1 Ver anexo “Composição do Grupamento Ocupacional”. 2 Microdados obtidos no Banco Multidimensional de Estatística do IBGE (BME).
  • 19. 17 Capítulo 1 – Relações raciais no Brasil: histórico das interpretações teóricas e da evolução das desigualdades de cor ou raça no mercado de trabalho As relações raciais no Brasil foram determinantes para a formação do padrão de desigualdade social que aqui se estabeleceu, consistindo em elemento fundamental para a compreensão de nossa sociedade. Nesse sentido, desde os anos próximos à abolição até os dias atuais, essa temática vem sendo estudada, especialmente sobre as relações entre brancos e negros. Este capítulo, na primeira seção, mediante a leitura de estudos de referência sobre o tema, discorre sobre a discussão em torno do padrão de relações raciais no Brasil após a abolição, abordando pontos importantes dentro da temática, como a suposta democracia racial, o tipo de preconceito estabelecido e as desigualdades raciais nas inserções ocupacionais. Na segunda seção, através de dados históricos do IBGE, são analisados três momentos da evolução das desigualdades raciais, em 1872, 1940 e 1976. 1.1. Relações raciais após abolição e a suposta democracia racial brasileira O Brasil por mais de três séculos teve seu sistema produtivo e sua sociedade fundamentados sob o regime escravista. A abolição desse regime ocorreu apenas em 1888, no dia 13 de maio, há pouco mais de um século, sendo o último país a abolir a escravidão no continente3. Até esta data, a distinção essencial entre os indivíduos na sociedade consistia em sua condição civil, a qual dividia com imenso distanciamento econômico, social e político dois grupos de indivíduos: “livres” e “escravos”. Relacionada ao pertencimento racial, a condição de “livre” se associava à população branca, enquanto a condição de “escravo” se associava à população negra. Como conseqüência de medidas que tiveram como objetivo o fim do regime – a extinção do tráfico negreiro (1850); a lei do ventre livre (1871); a lei dos sexagenários 3 Cf. PAIXÃO & CARVANO, 2008.
  • 20. 18 (1885); e a lei de proibição dos açoites (1886) – antes mesmo da abolição a maioria dos negros (pretos e pardos) era livre4. A discussão em torno das relações raciais naqueles tempos de libertação da população negra ocorria em tom de incerteza e preocupação a respeito da mistura étnica. As ideologias em vigor no país, dentro de uma orientação científica biológica nos estudos de raça e relações raciais, apontavam para a não valorização da raça negra. Com posição racista e pessimista em relação ao futuro da sociedade, um lado projetava a inviabilidade do país. Outro lado, de posição também racista, embora num tom otimista quanto ao futuro, apontava um destino viável a partir de um processo de branqueamento gerado pela miscigenação. Nesse sentido a miscigenação seria “(...) capaz de garantir a redenção do Brasil, a extinção da sua questão racial e o seu conseqüente ingresso na trilha do progresso” (BENZAQUEN DE ARAUJO, 1994, p.29). De uma forma ou de outra, os ideais humanitários dos abolicionistas não prevaleceram. Com muitos mecanismos de discriminação existentes e com ausência de oportunidades de estudo, trabalho, ou acesso a terra, os negros livres, antes ou mesmo depois da abolição da escravidão, tinham de contar com seus próprios esforços e sorte em seu processo de integração na sociedade, como escrito por Florestan Fernandes: “Apesar dos ideais humanitários que inspiravam as ações dos agitadores abolicionistas, a lei que promulgou a abolição do cativeiro consagrou uma autêntica espoliação dos escravos pelos senhores. Aos escravos foi concedida uma liberdade teórica, sem qualquer garantia de segurança econômica ou de assistência compulsória; aos senhores e ao Estado não foi atribuída nenhuma obrigação com referência às pessoas dos libertos, abandonados à própria sorte daí em diante” (BASTIDE & FERNANDES, 2008 [1955], p.65). Destarte, se de um lado faltaram políticas para a inserção digna da população negra, por outro lado não faltaram políticas caracteristicamente racistas, como a política de imigração. Apresentada como solução para o problema da falta de mão-de-obra, mas ao mesmo tempo num esforço de embranquecer o país, baseado na ideologia dominante da época de uma suposta superioridade da população branca, o Estado estimulou por cerca de três décadas (1888-1930) a entrada de europeus. Direcionados à região sudeste, sobretudo a São Paulo que era o centro das transformações econômicas no início do século XX, aos imigrantes foram possibilitadas melhores oportunidades de inserção. 4 Segundo o primeiro censo geral, realizado em 1872 pela Diretoria Geral de Estatística (DGE), era livre a grande maioria dos pardos (87,4%) e cerca de metade dos pretos (47,1%).
  • 21. 19 “A solução imigracionista apareceria não apenas como resposta ao problema imediato da escassez de mão-de-obra na agricultura, mas também como parte de um projeto de modernização a mais longo prazo, em que o branqueamento da população nacional era altamente desejado. Se o imigracionismo forneceu bons resultados até 1930, o movimento abolicionista, por outro lado desapareceu com a própria escravidão” (HASENBALG, 1979, p. 154). O afastamento dos negros das transformações em curso e, portanto, a configuração das desigualdades entre brancos e negros após a abolição, se deu tanto pela distribuição geográfica dessas duas populações, quanto pela competição desigual com os imigrantes europeus nas regiões mais desenvolvidas no Sudeste. À época da abolição, devido à economia do regime escravista ter sido operada predominantemente no Nordeste, a grande maioria da população negra encontrava-se nesta região. Por outro lado, a maioria da população branca encontrava-se no sudeste, onde se formava uma sociedade urbana e industrial. As diferenças regionais implicaram numa integração mais fácil da população negra nas regiões subdesenvolvidas, marcadas pela dependência senhorial e clientelismo, e numa marginalização dessa população no Sudeste. Mesmo quando os negros começaram a acompanhar o ritmo das transformações desta última região, a relação hierárquica entre os grupos não foi alterada significativamente (HASENBALG, 1979). A seguir serão vistas de forma sumarizada algumas das principais passagens de momentos das pesquisas de relações raciais, identificadas como fundamentais por estudos sobre o pensamento social brasileiro. O primeiro momento seria a tradição culturalista, que teve como maior expoente Gilberto Freyre. O segundo compreende os estudos provenientes da pesquisa promovida pela UNESCO nos anos 1950. E finalmente, o terceiro se inicia a partir do final da década de 1970 com estudos de Hasenbalg e Valle e Silva.
  • 22. 20 1.2. Freyre e a interpretação culturalista das relações raciais Na década de 1930, em oposição às ideologias racistas que embasavam os primeiros debates de relações raciais, surgiu outra posição, inaugurada por Gilberto Freyre. Autor em evidência nos estudos de relações raciais, Freyre, ao contrário dos autores pioneiros, apresentou julgamento otimista em torno da mestiçagem e suas conseqüências para a sociedade em formação, valorizando as três raças (branca, negra e indígena), formadoras da nacionalidade brasileira. “(...) distinguindo raça de cultura e por isto valorizando em pé de igualdade as conrtibuições do negro, do português, e – em menor escala – do índio, nosso autor ganha forças não só para superar o racismo que vinha ordenando significativamente a produção intelectual brasileira mas também para tentar construir uma outra versão da identidade nacional, em que a obsessão com o progresso e com a razão, com a integração do país na marcha da civilização, fosse até certo ponto substituída por uma interpretação que desse alguma atenção à híbrida e singular articulação de tradições que aqui se verificou” (BENZAQUEN DE ARAUJO, 1994, p.30). A principal herança da obra de Gilberto Freyre foi a construção de uma imagem positiva das relações raciais. A despeito do processo histórico de formação de um país de injusta herança escravista e da permanência das desigualdades entre brancos e negros no momento em que a estrutura socioeconômica se modificava com a industrialização e a urbanização, acreditou-se que teria existido no Brasil após a abolição uma democracia racial. Ao comparar com outras colonizações, o autor trouxe a noção de que a colonização portuguesa teria sido mais branda, o que teria proporcionado uma relação harmoniosa entre os grupos de cor ou raça. “Os portugueses não trazem para o Brasil nem separatismos políticos, como os espanhóis para o seu domínio americano, nem divergências religiosas, como os ingleses e franceses para suas colônias. Os Marranos em Portugal não constituíam o mesmo elemento intransigente de diferenciação que os Huguenotes na França ou os Puritanos na Inglaterra; eram uma minoria imperecível em alguns dos seus característicos, economicamente odiosa, porém não agressiva nem perturbadora da unidade nacional: a muitos respeitos nenhuma minoria mais acomodatícia e suave (...) O Brasil formou-se, despreocupados os seus colonizadores da unidade ou pureza de raça. Durante quase todo o século XVI a colônia esteve escancarada a estrangeiros, só importando às autoridades coloniais que fossem de fé ou religião católica” (FREYRE, 1992 [1933], p.28- 29). Para o autor, as relações entre os grupos teriam sido estabelecidas mais em função do sistema econômico de produção e da cultura do que por alguma consciência de raça. Nesse
  • 23. 21 sentido Freyre buscou compreender as relações entre os grupos sob o ponto de vista de suas contribuições culturais na formação e evolução do país e atribuiu valor positivo ao processo de miscigenação, o qual seria favorável à mobilidade social. “É verdade que agindo sempre, entre tantos antagonismos contundentes, amortecendo-lhes o choque ou harmonizando-os, condições de confraternização e de mobilidade social peculiares ao Brasil: a miscigenação, a dispersão da herança, a fácil e a freqüente mudança de profissão e de residência, o fácil e freqüente acesso a cargos e a elevadas posições políticas e sociais de mestiços e de filhos naturais, o cristianismo lírico à portuguesa, a tolerância moral, a hospitalidade a estrangeiros, a intercomunicação entre as diferentes zonas do país” (FREYRE, 1992 [1933], 54). A representação Freyriana de uma democracia racial brasileira foi disseminada e teve significativas implicações para a imagem interna e externa do país, havendo uma subestimação ou até mesmo a negação do preconceito racial aqui existente. Internamente, o mito da democracia racial, enraizado no pensamento social brasileiro, contribuiu para a omissão do poder público no enfrentamento das mesmas. Nesse sentido, a principal crítica aos estudos de Freyre tem sido a criação deste mito. Entretanto, como ressaltou Benzaquen: “Reconhecendo o valor da influência dos negros e dos índios, a reflexão desenvolvida por Gilberto parecia lançar, finalmente, as bases de uma verdadeira identidade coletiva, capaz de estimular a criação de um inédito sentimento de comunidade pela explicitação de laços, até então insuspeitos, entre os diferentes grupos que compunham a nação” (BENZAQUEN DE ARAUJO, 1994, p.30). Portanto, “Casa Grande & Senzala”, escrito na terceira década do século XX, marca os estudos de relações raciais e a história do pensamento social brasileiro, sobretudo pela visão positiva sobre a formação do povo brasileiro. O questionamento desta imagem ocorreu numa outra fase dos estudos de relações raciais na década de 1950, que será matéria da próxima seção.
  • 24. 22 1.3. O ciclo de estudos do Projeto UNESCO A imagem positiva de relações raciais no Brasil foi posta em xeque com o ciclo de estudos patrocinados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) na década de 1950. Autores como Costa e Pinto (1998 [1953]), Florestan Fernandes (2008 [1978]) e Oracy Nogueira (1985) revelaram em suas pesquisas discriminação e desigualdades entre brancos e negros no Brasil, mudando o entendimento sobre as relações raciais no país e, portanto, rompendo com a idéia de uma democracia racial. No cenário externo, na metade do século XX o mundo acabava de presenciar os resultados da Segunda Guerra Mundial em função do ódio racial e o racismo era mantido em diversas partes do mundo, especialmente nos Estados Unidos e na África do Sul. Buscando possíveis formas de superação do racismo, no início da década de 1950, a UNESCO organizou uma rodada de estudos sobre relações raciais. O denominado Projeto UNESCO teve o Brasil como objeto de estudo, tanto por sua representação de democracia racial, visando apresentar ao mundo uma experiência bem-sucedida de relações raciais, quanto pela atuação de cientistas sociais brasileiros no processo de formulação do projeto, como Artur Ramos e Costa Pinto (CHOR MAIO, 1999). O Projeto UNESCO teve grande importância no desenvolvimento da pesquisa social no Brasil no que diz respeito às preocupações metodológicas. Diferentemente dos estudos anteriores, suas investigações tinham em comum as seguintes preocupações, como descreveu Nogueira (1985):  Delimitação da área abrangida pela pesquisa, para possibilitar uma coleta sistemática e intensiva de dados, assegurando uma sólida base empírica para o estudo;  Apresentação explícita dos dados, de modo a assegurar a comparabilidade com estudos congêneres;  Comparação da “situação racial” brasileira com a de outros países, em especial, com a dos Estados Unidos; e  Conhecimento sobre a “situação racial” do país em conjunto, pela comparação e síntese a partir da multiplicação dos estudos de casos em diferentes pontos do território nacional.
  • 25. 23 A preocupação do ciclo de estudos da UNESCO em comparar a “situação racial” no Brasil com a dos Estados Unidos, sucedia do fato de que a representação do Brasil como o paraíso das relações raciais, onde as desigualdades sociais, econômicas e políticas não estariam baseadas em discriminações raciais, estava associada à “situação racial” naquele outro país, onde, diferentemente, existia uma linha social bem definida, e até bem pouco tempo legal, que separava os grupos de cor ou raça. De tal modo, Nogueira (1985) estudou comparativamente as relações raciais nesses dois países a fim de caracterizar os tipos de preconceitos que diminuem a mobilidade social dos negros e dificultam a integração dos mesmos em suas sociedades. Para o autor, o reconhecimento do preconceito racial e a distinção das duas modalidades constituiriam passos essenciais para o entendimento da dinâmica das situações raciais existentes. Fundamentalmente, o autor explicitou que nos estudos de relações raciais o termo raça teria uma associação distante de alguma definição científica, estando sim associado a comportamento de indivíduos e de grupos que se diferenciam racialmente isto é, por diferenças físicas hereditárias. Nesse sentido, sempre que essa diferenciação estivesse justificando desigualdades em condições de vida e em tratamento estariam envolvidos problemas de “relações raciais” – preconceito, discriminação, desigualdade social, econômica, política etc. (NOGUEIRA, 1985, p.32). Foram identificados dois tipos de preconceitos, classificados pelo autor como “preconceito de origem” e “preconceito de marca”. O primeiro, manifestado nos Estados Unidos, se dá pelo reconhecimento da descendência africana, estando ou não aparente nos traços físicos do indivíduo. Este tipo de preconceito leva à discriminação declarada, e em muitas regiões foi praticado de forma reconhecida por lei, por muitos anos após o sistema escravista. Já o segundo tipo, no Brasil, se manifesta em relação à aparência, de acordo com a intensidade de características físicas africanas herdadas (NOGUEIRA, 1985). “No Brasil, o limiar entre o tipo que se atribui ao grupo discriminador e o que se atribui ao grupo discriminado, é indefinido, variando subjetivamente, tanto em função dos característicos de quem observa como dos de quem está sendo julgado, bem como ainda, em função da atitude (relação de amizade, deferência, etc.) de quem observa em relação a quem está sendo identificado, estando, porém, a amplitude de variação dos julgamentos, em qualquer caso, limitada pela impressão de ridículo ou de absurdo que implicará uma insofismável discrepância entre a aparência de um indivíduo e a identificação que ele próprio faz de si ou que outros lhe atribuem” (NOGUEIRA, 1985, p. 80). O tipo de preconceito racial que se desenvolveu no Brasil é, portanto, muito maleável e subjetivo, se manifestando muitas vezes de forma sutil.
  • 26. 24 “Esse sistema é profundamente perverso, pois cria a ilusão de que o racismo inexiste na sociedade, quando na verdade ele está profundamente arraigado na maioria da população e nas entidades civis e estatais, moldando-lhes os comportamentos, naturalizando as desigualdades e, afinal de contas, servindo como um forte instrumento – ainda que invisível – de exclusão social”. (PAIXÃO, 2003, p.28). Outro estudo realizado no âmbito do projeto foi o de Thales de Azevedo (1996 [1955]), intitulado “As elites de cor numa cidade brasileira: um estudo de ascensão social”. Na descrição dos objetivos do trabalho estava explicita a imagem que se tinha daquela sociedade naquele período, como exemplo de harmonia racial5: “Esta monografia destina-se a dar uma compreensão da dinâmica da ascensão social das pessoas de cor em uma cidade brasileira e uma indicação dos canais onde se processa essa mobilidade vertical. A cidade escolhida para estudo foi a Bahia, por ser tradicionalmente considerada o melhor exemplo de harmonia racial no Brasil” (AZEVEDO, 1996, p. 25). O autor investigou a composição racial de grupos sociais e de profissionais de Salvador a partir de pesquisa de campo em vários espaços sociais6. Ao estudar a esfera das profissões liberais, o autor identificou que a partir dessas carreiras era possível aos negros ascenderem socialmente “(...) porque no Brasil não existe universidades separadas para os „negros‟; todas aceitam quaisquer alunos” (AZEVEDO, 1996, p.129). Todavia, o autor reconheceu que as discriminações raciais existiam em alguns espaços da sociedade de Salvador. Apesar de ter avaliado ser difícil separar essas discriminações das de classe, nas conclusões o autor expôs que: “Em princípio qualquer indivíduo pode ascender socialmente por sua fortuna, por seus méritos intelectuais, por seus títulos profissionais, por suas qualidades morais, ou pela combinação desses elementos, de acordo com os sistemas de valores de uma sociedade de tipo capitalista. Contudo, no processo de peneiramento para classificação nos estratos mais elevados da sociedade, os indivíduos de cor experimentam certas resistências, em parte por influência dos mencionados preconceitos e doutra parte por provirem nas classes sócio- econômicas mais baixas. A ascensão social dos escuros como indivíduos é freqüente e fácil de verificar. Como grupo, no entanto, as pessoas de cor vêm ascendendo mais dificultosamente” (AZEVEDO, 1996, p.129). 5 O Projeto Unesco contemplaria, de início, apenas a Bahia (MÉTRAUX apud CHOR MAIO, 1999). 6 Por observação direta de situações reais (como em cerimônias religiosas, desfiles militares, reuniões escolares e clubes recreativos); por meio de visitas a repartições (como as burocráticas, lojas comerciais e outros locais de trabalho); e pelo exame de retratos (de estudantes graduados, de membros de irmandades religiosas, de sócios de clubes recreativos e sociais, de profissionais das profissões liberais). Ademais também foram entrevistados pretos e mestiços de uma lista que continha a maioria das pessoas de elevada posição social e profissional (AZEVEDO, 1996).
  • 27. 25 Também inseridos no projeto UNESCO, Costa Pinto (1998 [1950]) e Bastide & Florestan (2008 [1955]), investigaram as relações raciais nos dois principais centros urbanos do país, Rio de Janeiro e São Paulo, respectivamente, buscando compreender como iriam se configurar essas relações diante das transformações que estavam ocorrendo naquelas regiões. Costa Pinto (1998 [1950]) ratificou com embasamento estatístico a existência de preconceito e discriminação racial no Brasil ao estudar a situação da população negra na cidade do Rio de Janeiro (antiga capital) no final da década de 1940. Para o autor, a história e o estado presente da estratificação social estavam na essência da situação racial brasileira, de modo que a situação dos grupos étnicos no antigo Distrito Federal e suas relações deveriam ser compreendidas dentro do quadro de estratificação social. Assim, diante do desenvolvimento da industrialização e das instituições liberais, o estudo demonstrou que na medida em que à ocupação se ligava a uma idéia de superioridade de status, os elementos de cor eram mais escassos. Como característica principal da situação da população negra no sistema de estratificação racial no Rio de Janeiro, a pesquisa identificou a proletarização em massa e a identificação de sua condição e de suas aspirações com a condição e as aspirações das classes trabalhadoras. Florestan Fernandes e Roger Bastide estudaram as relações entre brancos e negros em São Paulo. Ao pesquisarem o centro de transformação econômica e social do país no período, os autores buscaram compreender as formas e as funções que o preconceito e a discriminação racial assumiam diante dessas mudanças. De acordo com o estudo, na forma pela qual ocorreu a transição para o regime de classes, o trabalho livre, ao invés de servir como um meio de revalorização social do negro, provocou ou o seu desajustamento ou a sua fixação em atividades sociais de consideração semelhante aquelas pouco consideradas quanto as que se atribuíam anteriormente aos “escravos” (BASTIDE & FERNANDES, 2008 (1955), p.140). Contrariando as expectativas iniciais do projeto, portanto, o ciclo de estudos da UNESCO teve como decorrência a mudança no entendimento sobre as relações raciais no Brasil, que deixou de ser percebida como harmoniosa. As pesquisas revelaram o preconceito e a desigualdade racial. “O conjunto de estudos do projeto da UNESCO contribuiu de maneira decisiva para o Brasil reformular mais uma vez sua auto-imagem como sociedade multi-racial” (HASENBALG, 1979, p.61). A partir de então, através de
  • 28. 26 sociólogos de referência, como Florestan Fernandes – a democracia racial teria existido apenas enquanto um mito. “Os mitos existem para esconder a realidade. Por isso mesmo, eles revelam a realidade íntima de uma sociedade ou de uma civilização. Como se poderia no Brasil colonial ou imperial acreditar que a escravidão seria, aqui, por causa de nossa „índole cristã‟, mais humana, suave e doce que em outros lugares? Ou, então, propagar-se, no século XIX, no próprio país no qual o partido republicano preparava-se para trair simultaneamente a ideologia e a utopia republicana, optando pelos interesses dos fazendeiros contra os escravos, que a ordem social nascente seria democrática? Por fim, como ficar indiferente ao drama humano intrínseco à Abolição, que largou a massa dos ex-escravos, dos libertos e dos ingênuos à própria sorte, como se eles fossem um simples bagaço do antigo sistema de produção? Entretanto, a idéia da democracia racial não só arraigou. Ela se tornou um mores, como dizem alguns sociólogos, algo intocável, a pedra de toque da „contribuição brasileira‟ ao processo civilizatório da Humanidade” (FERNANDES, 1980). A metade do século passado marca, então, no âmbito das pesquisas sociais, uma virada no que se refere ao entendimento sobre as relações raciais no país, muito embora ainda tenha permanecido no imaginário social um tanto do mito da democracia racial. Isto pode ser observado na percepção ainda subestimada do preconceito, nos argumentos utilizados para justificar as desigualdades em condições de vida dos grupos raciais, bem como na resistência de parcela da população e instituições para a implementação de políticas de promoção da igualdade racial, como vem acontecendo nos anos mais recentes frente às propostas do governo. 1.4. Estudos de relações raciais a partir da década de 1980 No que se refere à produção de estudos sobre as relações raciais no Brasil, Hasenbalg (1979), Valle e Silva (1980) e Oliveira, Porcaro e Araujo (1985) marcaram o início de outra fase desencadeada na década de 1980. Esses estudos se concentraram na estratificação social e nos mecanismos de reprodução das desigualdades raciais, buscando explicá-las no contexto das transformações sociais e econômicas em curso. Esses autores se diferem dos anteriores por terem questionado não só a idéia de democracia racial de Freyre, mas também a de que o racismo seria superado com o progresso econômico. Para eles o racismo seria compatível com o a industrialização e o desenvolvimento econômico, uma vez que a discriminação e o preconceito assumiriam novos significados e funções
  • 29. 27 dentro das novas estruturas sociais. Nesse sentido, o componente racial ainda seria significativo na estratificação social. Ao estudar as inserções ocupacionais, Hasenbalg (1979) identificou a raça como um dos critérios mais relevantes a operar no recrutamento para ocupar posições. O autor demonstrou a partir dos dados dos censos de 1940 e 1950 a maior exclusão de não-brancos nas posições ocupacionais mais elevadas. Segundo o autor: “(...) a cor de uma pessoa opera mais fortemente como critério negativo de seleção quanto mais próximo ele chega ao topo da hierarquia ocupacional” (HASENBALG, 1979, p.176). Em estudo sobre a mesma esfera, “Oliveira, Porcaro e Araujo (1985), com dados da PNAD de 1976, também demonstraram o menor acesso as ocupações de maior status e concluíram, igualmente, que a raça ainda seria elemento fundamental a ser considerado na divisão do trabalho no Brasil7. Na década de 1980 houve assim a retomada de pesquisas sobre as desigualdades raciais no Brasil. A partir de então, diversos estudos foram realizados dentro dos centros acadêmicos e dos institutos de pesquisa e tiveram o mercado de trabalho como objeto de investigação – SILVA (1999); HENRIQUES (2001); BELTRÃO et. al. (2006), PAIXÃO (2003); DIEESE (2005); SUGAHARA, RITO, MENDONÇA (2006); SABOIA (2006); PAIXÃO & CARVANO (2008); GARCIA (2009). Uma característica marcante dessa fase tem sido o maior uso das bases oficiais de estatísticas, diante de sua maior disponibilidade. Juntos com a atuação do movimento negro, esses trabalhos contribuíram para o maior reconhecimento, na sociedade, da raça enquanto elemento estruturante das desigualdades sociais no Brasil. Silva (1999) 8 analisou as diferenças raciais nos níveis de renda utilizando dados da PNAD de 1988, ano do centenário da abolição. Utilizando modelagem estatística, o estudo demonstrou que os retornos à idade e escolaridade eram muito mais altos para brancos do que para não-brancos e examinou as seguintes discriminações contra não-brancos: em capital humano, relacionado aos bloqueios aos canais de mobilização devido à falta de qualificações necessárias; ocupacional, referente ao impedimento em assumir ocupações de maiores remunerações, independente de serem qualificados ou não; e de salário, que se refere ao salário desigual por trabalho igual. 7 Este estudo compõe a segunda seção deste capítulo. 8 Atualizando as estimativas e discutindo os resultados à luz do estudo Silva (1978).
  • 30. 28 Henriques (2001), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), fez uma análise da evolução das condições de vida das populações branca e negra9, expressas em um amplo conjunto de indicadores socioeconômicos, identificando o perfil e a intensidade da desigualdade racial no Brasil na década de 1990. O estudo foi feito com base na análise de informações da PNAD e buscou contribuir para o diagnóstico da desigualdade racial no Brasil. Dentre as questões avaliadas, o autor verificou que a maior parte dos pobres e indigentes no Brasil é de raça negra10. Analisando os indicadores grau de informalidade e grau de assalariamento, a pesquisa revelou que ao longo do período o primeiro indicador é maior entre os trabalhadores negros do que entre os brancos, e que o segundo é sempre maior entre os brancos. Paixão (2003), entre outras questões, realizou um exame sobre os indicadores referentes aos dados sobre o mercado de trabalho da pesquisa Racismo em Números, realizada pelo CEAP/Data UFF em 2000. Segundo o autor, pesquisar o tema das desigualdades raciais no mercado de trabalho significa buscar compreender os mecanismos existentes que oferecem desiguais oportunidades a negros e brancos. Sob essa orientação, o estudo verificou que os conflitos raciais no mercado de trabalho perpassam os momentos de contratação, efetivação e promoção nas empresas. Foi evidenciado que 77% dos entrevistados acreditavam na existência de problemas de convivência entre negros e brancos, e que destes, cerca de metade reconheciam que esses problemas ocorriam com maior freqüência no mercado de trabalho. A adoção de políticas de ação afirmativa no mercado de trabalho, para o autor, se configuram então como uma questão de justiça e cidadania. O estudo realizado pelo DIEESE em 2005 “A mulher negra no mercado de trabalho metropolitano: inserção marcada pela dupla discriminação” foi desenvolvido com base na Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), realizada em seis regiões brasileiras (Belo Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo e Distrito Federal). Entre os resultados da pesquisa ressalta-se aqui o referente à maior vulnerabilidade das mulheres negras no mercado de trabalho: 9 O autor considerou como população negra a soma de pretos e pardos. 10 A linha de indigência refere-se aos custos de uma cesta alimentar, regionalmente definida, que atenda às necessidades de consumo calórico mínimo de um indivíduo, enquanto a linha de pobreza inclui, além dos gastos com alimentação, um mínimo de gastos individuais com vestuário, habitação e transportes (HENRIQUES, 2001).
  • 31. 29 “Os maiores percentuais de vulnerabilidade da mulher negra no universo dos trabalhadores ocupados se explicam, sobretudo, pela intensidade de sua presença no emprego doméstico. Esta atividade, tipicamente feminina, é desvalorizada aos olhos de grande parte da sociedade, caracterizando-se pelos baixos salários e elevadas jornadas, além de altos índices de contratação à margem da legalidade e ausência de contribuição à previdência” (DIEESE, 2005, p.5). Num trabalho mais recente, Paixão e Carvano (2008) com os microdados das PNADs, compreendidas no período 1995-2006, analisaram as evoluções da equidade racial e de gênero no mercado de trabalho dos grupos de cor ou raça (branca e preta & parda) desagregados por sexo. Como um dos resultados, a pesquisa demonstrou que a posição na ocupação de empregado com carteira era mais comum entre os trabalhadores brancos do que entre os pretos & pardos, o oposto ocorrendo para a posição de empregado sem carteira, indicando a maior vulnerabilidade que se encontram os negros no mercado de trabalho. Já a posição de empregadores, embora fosse pouco comum para ambos os grupos de cor ou raça, era mais comum para os brancos. Noutra parte, foi investigado o acesso ao poder político, através da análise da composição racial11 dos poderes executivo, legislativo e judiciário, verificando que principalmente os homens brancos detém o poder político nas três esferas de poder. Para os autores: “(...) a baixa presença de negros no interior dos aparatos do poder político representa uma forte probabilidade de que os temas que preocupam e interessam a esta população ficarão em um plano secundário. A própria montagem da agenda de debates políticos, no Brasil, ao longo do último século, é a prova mais cabal neste sentido” (PAIXÃO & CARVANO, 2008, p.151). Também recentemente, Garcia (2009) realizou estudo sobre desigualdades raciais e segregação urbana nas cidades do Rio de Janeiro e Salvador, antigas capitais do país. Quando se ateve sobre o mercado de trabalho, o estudo investigou as inserções nas categorias sócio-ocupacionais, utilizando as categorias do Grupamento ocupacional do IBGE com os dados do censo 2000. Foram examinadas as diferenças nas estruturas ocupacionais de brancos e negros (pretos e pardos), bem como as diferenças dessas estruturas nas duas cidades. Ao examinar a categoria dos dirigentes, a autora observou que “As ordens no trabalho empresarial continuam a ser dadas, em sua maioria, por 11 Por não haver fonte de dados sobre declaração de cor ou raça dos ocupados em cargos políticos, o estudo optou pela metodologia da heteroclassificação que consistiu na classificação, pela equipe do LAESER, da cor ou raça a partir das fotos disponíveis no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou no portal de cada uma daquelas esferas de poder (PAIXÃO & CARVANO, 2008).
  • 32. 30 descendentes dos antigos senhores de escravos ou por descendentes de imigrantes europeus” (GARCIA, 2009, p.238). Assim, ao longo dos anos as pesquisas sobre as desigualdades raciais no Brasil, em particular no mercado de trabalho, têm encontrado grandes assimetrias segundo a cor ou raça. 1.5. Três momentos da evolução histórica das desigualdades raciais no mercado de trabalho brasileiro (1872-1976) Uma forma de olhar os momentos da história tem sido através de informações estatísticas populacionais. Essas informações sempre muito importaram aos Estados, que querem e precisam saber sobre o perfil socioeconômico de sua população. Como muito bem descrito por Senra (2005): “As estatísticas contribuem distintamente para tornar conhecidas as realidades distantes e/ou ausentes. Conhecidas, as realidades tornam-se pensáveis, e, por isso, potencialmente governáveis. Nesse sentido, as estatísticas configuram tecnologias de distâncias, enquanto procedimentos formalizados de controle ou de domínio, encaixando-se à maravilha como tecnologia de governo, dessa forma, vindo a integrar uma determinada racionalidade instrumental” (SENRA, 2005, p.15). Por outro lado, uma das linhas de estudos sobre as relações raciais no Brasil consistiu no papel da modernização das estruturas socioeconômicas sobre as assimetrias de cor ou raça, como seguida por Costa Pinto e Florestan. Dialogando com esses autores, o problema chave seria justamente compreender como estas transformações estruturais operam sobre o processo de integração dos negros na sociedade, não raro havendo certo otimismo que o processo de superação da antiga ordem estamental contribuiria para a redução das desigualdades raciais em nosso país. Tendo em vista a reflexão acima apontada, a presente seção, a partir de dados históricos do IBGE sobre as inserções ocupacionais, realiza um estudo sobre três momentos da história das desigualdades raciais: em 1872, quando o Brasil ainda vivenciava a escravidão; em 1940, quando se deu o início a profundas transformações sobre a base do sistema produtivo com a industrialização; e 1976, que se insere numa década onde o país obteve expressivo crescimento econômico.
  • 33. 31 1.5.1. Ocupações de pessoas livres e ocupações de pessoas escravizadas segundo o Censo de 1872 O quadro de relações raciais no Brasil a menos de duas décadas da abolição pode ser observado através das informações do primeiro censo geral, realizado em 1872 pela Diretoria Geral de Estatística (DGE). A população foi investigada, entre outros quesitos, quanto à condição civil. “Incorporada, pela primeira e única vez, a um censo brasileiro, a condição civil cristalizava a clivagem de uma sociedade formada por homens livres e escravos” (OLIVEIRA, 2003, p.12). A população também foi investigada quanto a sua cor ou raça12 (branca, parda, cabocla ou preta). “(...) a classificação de cor proposta pelo censo reafirmaria, sob um novo angulo, a hierarquização fundamental da sociedade imperial - brancos x negros - herdada dos tempos coloniais, bem como a preocupação suscitada pela mestiçagem do branco, seja com elementos da raça negra, seja com os da raça indígena” (OLIVEIRA, 2003, p.13). Outro quesito levantado foi a profissão: “Ratificando a dualidade entre senhores e escravos, tal classificação matiza e exemplifica as posições existentes entre esses tipos polares. Assim, ao mesmo tempo em que abre espaço para a configuração de capitalistas e proprietários, ela revela o prestígio atribuído às carreiras letradas - o clero, a magistratura, os „homens de letra‟, os médicos, enfim os bacharéis - numa sociedade composta predominantemente por iletrados” (OLIVEIRA, 2003, p.13). Nem todas as informações do censo de 1872 podem ser lidas desagregadas pela variável cor ou raça, como é o caso das informações sobre as profissões. Entretanto, as mesmas podem ser desagregadas pela condição civil, que se relacionava essencialmente com o pertencimento racial – na condição de livres podiam ser encontrados indivíduos de todas as categorias de raça, enquanto na condição de escravizados estavam presentes apenas indivíduos pretos e pardos. 12 O quesito se apresentava como “cor” na apuração, nas listas de família, constando a instrução: “Declara-se se a pessoa é branca, parda, cabocla ou preta, compreendidas em designação de caboclas as de raça indígena”. Já na divulgação, no quadro geral da população, com as mesmas categorias, o quesito era denominado por “raça” (SENRA, 2006).
  • 34. 32 De acordo com censo de 1872, 38,1% da população era constituída por indivíduos brancos, os quais eram todos livres, assim como todos os caboclos, os quais representavam 3,9% da população. Os pardos eram 38,3% da população e a grande maioria deles (87%) era livre. Os pretos eram 19,7% da população, dos quais menos da metade (47,1%) era livre. Assim, naquele ano, a maioria dos pretos e pardos era livre. A tabela 1 dispõe dados sobre a ocupação exercida naquele ano, segundo a condição civil e sexo. Assim, de acordo com os dados do censo de 1872, a atividade agrícola era a principal ocupação da população naquele ano – mais da metade da população se encontrava realizando esta atividade, tanto os indivíduos livres, quanto os indivíduos escravizados. As maiores participações foram encontradas sobre as ocupações masculinas e, dentro de cada grupo de sexo, para os ocupados escravizados – realizavam atividades agrícolas cerca de 70% dos homens livres; mais de 80% dos homens escravizados; mais de 30% das mulheres livres e mais da metade das mulheres escravizadas (57%) (tabela 1). A força de trabalho feminina participava também expressivamente dos serviços domésticos, quase 35% das mulheres livres e quase um quarto das mulheres escravas. As informações sobre a profissão de operário13 evidenciam que, naquele ano, embora no serviço agrícola se encontrasse a grande maioria dos escravos, já havia a participação deles nessas ocupações. Esses postos estavam presentes nas ocupações de todos os grupos – 4,5% dos homens livres; 5,8% das mulheres livres; 2,7% dos homens escravos; e 2,3% das mulheres escravas. Os assalariados (criados e jornaleiros) também tinham importância no total das ocupações, correspondendo a cerca de 8% das ocupações dos grupos, com exceção para as mulheres livres, para as quais o peso era pouco mais de 4% (tabela 1). A profissões industriais e comerciais (manufatureiros e fabricantes, comerciantes, guarda-livros e caixeiros) eram exercidas exclusivamente por pessoas livres, sobretudo homens – 4% dos homens livres ocupados e apenas 0,6% das mulheres livres ocupadas. As profissões liberais (religiosos, juristas, médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiros, professores, homens de letras, empregados públicos e artistas), com exceção da profissão de artista, também eram exercidas exclusivamente por pessoas livres, principalmente 13 Canteiros, calceteiros, mineiros e cavouqueiros; em metais; em madeiras; em tecidos; de edificações; em couros e peles; em tinturaria; de vestuário; de chapéus; de calçados.
  • 35. 33 homens. Os militares, capitalistas e proprietários também eram todos livres, os primeiros apenas homens (tabela 1). Tabela 1: População ocupada segundo a profissão, por condição civil e sexo - 1872 Livres Escravos Profissões Homens Mulheres Homens Mulheres Liberais 2,4% 0,4% 0,2% 0,1% Religiosos 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% Juristas 0,3% 0,0% 0,0% 0,0% Médicos 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% Cirurgiões 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% Farmacêuticos 0,1% 0,0% 0,0% 0,0% Parteiros 0,0% 0,1% 0,0% 0,0% Professores e Homens de Letras 0,1% 0,1% 0,0% 0,0% Empregados Públicos 0,4% 0,0% 0,0% 0,0% Artistas 1,4% 0,2% 0,2% 0,1% Militares 1,1% 0,0% 0,0% 0,0% Marítimos 0,8% 0,0% 0,3% 0,0% Pescadores 0,7% 0,0% 0,2% 0,0% Capitalistas e proprietários 0,9% 0,4% 0,0% 0,0% Industriais e Comerciais 4,3% 0,6% 0,0% 0,0% Manufatureiros e Fabricantes 0,6% 0,2% 0,0% 0,0% Comerciantes, guarda-livros e caixeiros 3,7% 0,4% 0,0% 0,0% Manuais e Mecânicas 4,5% 28,1% 2,7% 10,0% Costureiras 0,0% 22,3% 0,0% 7,6% Operários 4,5% 5,8% 2,7% 2,3% Agrícolas 70,5% 31,6% 81,3% 57,1% Lavradores 64,6% 28,8% 81,3% 57,1% Criadores 5,9% 2,8% 0,0% 0,0% Assalariados 8,9% 4,3% 7,9% 8,5% Criados e Jornaleiros 8,9% 4,3% 7,9% 8,5% Serviços Domésticos 6,0% 34,5% 7,4% 24,3% Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Fonte: Diretoria Geral de Estatística (DGE), Censo 1872 Assim, os dados sobre as ocupações em 1872 revelam a base predominantemente agrícola do sistema produtivo e da sociedade, bem como as desiguais inserções associadas às características de sexo e condição civil. A liberdade e a escravidão, naturalmente,
  • 36. 34 implicavam em diferentes possibilidades de inserção. Essas condições retratam o começo das desigualdades entre brancos e negros no Brasil e explicam parte do desenvolvimento desigual experimentado por esses dois grupos populacionais após a extinção da escravidão. 1.5.2. Desigualdades raciais antes do avanço da industrialização: Estudo sobre indicadores do mercado de trabalho do Censo de 1940 Nesta seção são analisados os indicadores sobre o setor de atividade e a posição na ocupação, segundo a cor ou raça, do censo de 194014. Este ano antecede a fase de forte crescimento da economia através do aprofundamento da industrialização sob o modelo de substituição de importações, de tal modo que a atividade agrícola ainda constituía a principal atividade da população. Quanto às informações por cor ou raça, após ter sido retirado dos levantamentos censitários a partir do censo de 1920, o quesito cor voltou a ser apurado no recenseamento de 1940. Na resposta ao quesito, o censo instruía para que o recenseado fosse classificado como “preto”, “branco” ou “amarelo” sempre que possível qualificá-lo segundo o característico previsto. Caso contrário, a instrução era para que fosse feito um traço horizontal no lugar da resposta (IBGE, 1950) 15. 14 Existem ressalvas à utilização desses dados. “O conceito de população economicamente ativa no Censo de 1940, pelo fato de, diferentemente dos subseqüentes, não se referenciar mais explicitamente à ocupação principal no enquadramento dos informantes dentro e fora da população economicamente ativa, tendeu a estimular uma superestimação de população ativa. Isto ocorreu basicamente no caso do trabalho feminino, que combina, com maior freqüência, atividades produtivas com atividades domésticas não-remuneradas (principalmente no campo), pelo fato de não ter havido uma orientação mais clara sobre o que se deveria entender por „estar trabalhando‟” (OLIVEIRA & ABRANTES, 1979). Para estimar a PEA, das atividades domésticas, consideraríamos apenas as remuneradas. Porém, na medida em que não foi possível obter o quantitativo de “atividades domésticas remuneradas”, segundo cor e raça, considerou-se, como uma boa aproximação para esta parcela da PEA, o grupo dos que se encontravam na posição de ocupação de “empregados” na categoria “Atividades domésticas, Atividades escolares”. De tal modo, para o presente estudo, os que, nessa categoria, não estavam nesta posição de ocupação não foram considerados na PEA. Também não foram incluídas as atividades não compreendidas, ou mal definidas, ou não declaradas, pois estas atividades, desagregadas por cor, estavam na mesma categoria das “Condições inativas”. Com essa metodologia, a PEA de 1940 estimada foi (em 1000 pessoas) de 14.570,0 (11.861,8 homens; 2.708,5 mulheres), enquanto a PEA de 1940, segundo (OLIVEIRA & ABRANTES, 1979), era de 14.758,6 (11.959,0 homens; 2.799,6 mulheres). 15 Em trabalho recente, Beltrão & Teixeira (no prelo) analisaram os dados das respostas alternativas ao quesito de cor ou raça do censo de 1940, destacando: a diversidade dos termos; a já inclusão dos indígenas e seus descendentes nas categorias “pardos” e “morenos”; e a predominância da resposta “moreno”, tanto pelo
  • 37. 35 Daí resultou a classificação da população em três grandes grupos étnicos – pretos, brancos e amarelos –, e a constituição de um grupo genérico sob a designação de pardos, para os que registraram declarações outras como “caboclo”, “mulato”, “moreno”, etc., ou se limitaram ao lançamento do traço. Somente nos casos de completa omissão da resposta foi atribuída a designação “cor não declarada” (IBGE, 1950, p. 21). Em relação à distribuição da População Economicamente Ativa em 1940 pelos ramos de atividade principal, observa-se que as atividades de Agricultura, pecuária e silvicultura possuíam grande importância na estrutura econômica do país em 1940, com pesos significativos sobre as ocupações de todos os grupos considerados. Os maiores percentuais foram encontrados para os homens – 65,5% para os brancos; 76,7% para os pretos e 73,5% para os pardos & de cor não declarada. Nas ocupações das mulheres foram encontrados os seguintes pesos: 47,1% (brancas); 41,7% (pardas); e 50,1% (pretas) (tabela 2). Nas ocupações industriais verifica-se a participação já significativa naquele ano de todos os grupos de cor ou raça e sexo. Para todos eles, a participação na indústria extrativa era menor do que a participação na indústria de transformação. Nota-se, contudo, que esta última tinha um peso maior nas atividades da população branca, enquanto a indústria extrativa tinha um peso maior nas atividades da população preta e da população parda & de cor não declarada (tabela 2). Os ramos “Atividades domésticas, atividades escolares” e “Serviços, atividades sociais” se constituíam em ocupações de grande peso para a população feminina. Enquanto o primeiro apresentou maiores pesos para as mulheres pretas e para as pardas & de cor não declarada, o segundo possuía um peso maior para as mulheres brancas. Chama atenção a elevada participação das atividades domésticas e escolares sobre as ocupações das mulheres pretas, cerca de um terço (tabela 2). entrevistado, quanto pelo recenseador, ainda naquele ano, muito anterior ao primeiro levantamento do quesito de forma aberta em 1976.
  • 38. 36 Tabela 2: PEA por ramo de atividade, segundo sexo e cor ou raça (branca, preta, parda & de cor não declarada), Brasil, 1940 Parda & de cor não Branca Preta declarada Ramo da atividade principal Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Agricultura, pecuária, silvicultura 65,5% 47,1% 76,7% 41,7% 73,5% 50,1% Indústrias extrativas 2,0% 1,0% 3,6% 2,4% 5,1% 2,7% Indústrias de transformação 10,3% 11,9% 7,9% 8,1% 7,5% 10,6% Comércio de mercadoria 7,7% 2,6% 2,1% 0,8% 3,2% 1,1% Comercio de imóveis, e valores mobiliários, 0,6% 0,2% 0,1% 0,0% 0,1% 0,0% crédito, seguros e capitalização Transporte e comunicações 4,1% 0,8% 3,6% 0,1% 3,4% 0,2% Administração pública, justiça, ensino 2,3% 4,9% 1,0% 0,3% 1,3% 1,0% público Defesa nacional, segurança pública 1,6% 0,1% 0,8% 0,0% 1,4% 0,0% Profissões liberais, culto, ensino particular, 0,9% 2,3% 0,1% 0,3% 0,2% 0,6% administração privada Serviços, atividades sociais 4,3% 17,3% 2,9% 13,1% 3,4% 16,4% Empregados em atividades domésticas, 0,6% 11,7% 1,2% 33,2% 0,7% 17,3% atividades escolares Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Fonte: IBGE, Censo de 1940 Nota: 1- Não foram considerados os ocupados em atividades não compreendidas, mal definidas ou não declaradas, pois estes estavam agrupados com os inativos. 2 - Da categoria "Atividades domésticas, atividades escolares" foram considerados apenas os que tinham posição na ocupação de "empregados" Sobre a posição na ocupação, de acordo com a publicação do censo: “Empregadores” eram os profissionais por conta própria que possuíam auxílio de empregados assalariados; “trabalhadores por conta própria” eram os que exerciam sua ocupação isoladamente ou com ajuda, não diretamente remunerada, de pessoas de sua família; “empregados” eram os que exerciam sua ocupação em benefício de outros ou a serviço de instituições, como os funcionários públicos, recebendo remuneração em salário fixo ou por tarefa. “Membros da família” eram as pessoas da família dos “trabalhadores por conta própria” que colaboravam com estes sem perceber remuneração direta. “De outra posição ou de posição não declarada” era uma categoria genérica (IBGE, 1950, p.21). A categoria de “empregados” constituía a posição na ocupação de maior peso para todos os grupos, com percentuais mais elevados para os homens no interior dos grupos de cor ou raça. Já a posição de “empregadores”, que reúne aqueles que detêm a propriedade
  • 39. 37 sobre os meios de produção, representava uma posição de peso muito pequeno. O exame sobre esta posição revela que esta posição se fazia mais presente nas ocupações dos homens brancos (3,7%), os pesos nas ocupações dos demais grupos eram consideravelmente menores (tabela 3). A posição de “trabalhadores por conta própria” era mais significativa para os homens dentro de cada grupo de cor ou raça, enquanto a posição de “membros da família” era mais significativa para as mulheres, sobretudo para as mulheres brancas. A posição “Profissionais liberais” apresentou maiores participações nas ocupações dos trabalhadores brancos, sobretudo para as mulheres brancas (2,3%) (tabela 3). Tabela 3: PEA por posição na ocupação, segundo sexo e cor ou raça (branca, preta, parda & de cor não declarada), Brasil, 1940 Parda & de cor Branca Preta não declarada Posição na ocupação Homens Mulheres Homens Mulheres Homens Mulheres Empregados 44,3% 39,5% 53,0% 52,6% 42,8% 38,9% Empregadores 3,7% 1,0% 1,1% 0,3% 1,6% 0,6% Trabalhando por conta própria 33,6% 20,9% 31,7% 23,2% 38,4% 28,3% Membros da família 17,0% 34,1% 13,5% 22,1% 16,3% 29,6% De outra posição ou de posição não 0,4% 2,2% 0,6% 1,5% 0,6% 2,0% declarada Profissões liberais, culto, ensino particular, 0,9% 2,3% 0,1% 0,3% 0,2% 0,6% administração privada Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% Fonte: IBGE, Censo 1940 Nota: Não foram considerados os ocupados em atividades não compreendidas, mal definidas ou não declaradas, pois estes estavam agrupados com os inativos. "Profissões liberais, culto, ensino particular, administração privada" foram incluídos como uma categoria de posição na ocupação, pois não possuíam posições na ocupação especificadas. O ano de 1940 se inscreve num período onde se iniciava o processo de industrialização e modernização do país16. Em que pese a distribuição geográfica desigual dos grupos de cor ou raça, onde os brancos representavam a maioria nas regiões onde esse processo se iniciava (HASENBALG, 1979), observa-se que naquele período, o acesso aos setores mais dinâmicos eram mais restritos à população preta e parda, bem como aos postos mais prestigiado, como os de empregadores. 16 O processo de industrialização foi intensificado na década de 1950 com a maior participação do Estado via a implementação do Plano de Metas. A partir deste período, a economia brasileira apresentou elevadas taxas de crescimento (VILLELA, 2005).
  • 40. 38 1.5.3. Desigualdade de cor ou raça nas posições ocupacionais na segunda metade da década de 1970: relendo “O lugar do negro na força de trabalho” Esta seção examina a estrutura ocupacional segundo os grupos de cor ou raça em meados da década de 197017, onde a economia brasileira apresentava elevadas taxas de crescimento. O exame é feito mediante a leitura do estudo “O lugar do negro na força de trabalho”, publicado em 1985 e realizado no âmbito do IBGE pelas pesquisadoras Lucia Helena Garcia de Oliveira, Rosa Maria Porcaro e Tereza Cristina N. Araújo. O estudo teve como objetivo analisar a articulação entre raça e estratificação social mediante a análise das inserções dos grupos raciais (brancos, pretos e pardos18) na estrutura ocupacional, por entender este campo como central para as outras discussões que se inscrevem no tema das relações raciais. Como metodologia foi utilizada a classificação de categorias sócio- ocupacionais19, combinando a ocupação exercida com a posição na ocupação e o setor de atividade. Este estudo ganha destaque na presente dissertação por ter sido um dos primeiros a utilizar categorias ocupacionais nos estudos de relações raciais no Brasil. A seguir são apresentados alguns de seus resultados. A primeira diferenciação das ocupações consistiu na divisão entre ocupações manuais e não manuais. De modo que nas primeiras se encontravam duas categorias: os “Profissionais em ocupações de nível superior, empresários e administradores”; e os “Profissionais em ocupações de nível médio e pessoal de escritório”. 17 Nesta década, com II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), foram realizados investimentos públicos e privados nos setores de infra-estrutura, bens de produção, energia, e exportação, completando o processo de industrialização, transformando a estrutura produtiva e gerando forte crescimento econômico até 1980, quando este modelo de crescimento se esgotou (HERMANN, 2005). Pela ótica das ocupações, em comparação com a década de 1940, nos anos 1970 as atividades agrícolas representavam um peso consideravelmente menor sobre as ocupações, em favor de um maior peso das atividades industriais. Em relação às posições na ocupação, tem-se que a posição de empregados representava peso significativamente maior (OLIVEIRA & ABRANTES, 1979). 18 Assim como em outros estudos de relações raciais de referência, em várias partes “pretos” e “pardos” foram reunidos sob a designação de “negros” devido às autoras considerarem que esses indivíduos possuem uma situação socioeconômica semelhante em termos de rendimentos, educação, inserção na força de trabalho, mobilidade social e outros indicadores. 19 A classificação utilizada foi construída por Jane Souto de Oliveira e Tereza Cristina N. Araujo. Sobre as categorias as autoras advertiram que a classificação não pretendeu ser uma aproximação do conceito de classes sociais e que o estudo voltou-se para a matéria das inserções na estrutura ocupacional no contexto das formas de organização da produção na economia.
  • 41. 39 A primeira categoria, “Profissionais em ocupações de nível superior, empresários e administradores” representa os postos associados à maior prestígio social, onde se encontram as pessoas de mais alto nível de escolaridade e os detentores da propriedade e do poder sobre o gerenciamento dos meios de produção. Na análise sobre esses postos o estudo verificou que os mesmos possuíam peso de 5,9% na força de trabalho, indicando o afunilamento na estrutura ocupacional brasileira do período. Desagregando por cor ou raça, foram verificados os seguintes pesos nas ocupações dos grupos: 8,5% para os brancos; 1,1% dos pretos; e 2,7% para os pardos, indicando que pretos e pardos encontravam maiores barreiras no acesso a esses postos. A análise sobre os rendimentos revelou as posições que pretos e pardos ocupavam nesta categoria – o rendimento médio dos mesmos era muito inferior ao dos brancos. Nas palavras das autoras: “Estas informações indicam que o afunilamento da estrutura ocupacional ocorre de forma consideravelmente mais acentuada para os negros, os quais, mesmo quando conseguem alcançar aquelas posições ocupacionais, encontram-se em situação econômica menos favorável que a dos brancos” (OLIVEIRA, PORCARO E ARAÚJO, 1985, p. 32). Na categoria “Profissionais em ocupações de nível médio e pessoal de escritório”, também não manual, encontravam-se 11,1% da força de trabalho, o que, como mencionado pelas autoras, refletia a industrialização que dinamizou o setor de serviços, demandando pessoal de nível médio. Encontravam-se nesta categoria 14,6% dos brancos, 3,6% dos pretos e 7,2% dos pardos, revelando que, embora menos prestigiadas que as ocupações anteriormente analisadas, também nessas categorias não manuais as barreiras eram maiores para pretos e pardos. Os “Empregados em ocupações da indústria de transformação e da produção extrativa mineral” representava cerca de 10% do total dos ocupados. A grande maioria estava ligada ao setor industrial, vinculados às empresas industriais que comandaram as transformações estruturais do processo de industrialização a partir dos anos 1950. Havia pouca diferenciação nas participações de brancos (10,7%) e negros (9,4%). Porém, o rendimento médio dos pretos era 60% e dos pardos 75% do auferido pelos brancos, indicando a diferenciação em função do tipo e da complexidade do estabelecimento. Já a categoria “Empregados em ocupações da indústria da construção civil” incluía 3,5% do total das pessoas ocupadas, entretanto, o peso nas ocupações dos brancos era de 2,7%, na de pretos 5,1% e na de pardos 4,3%. Quanto aos rendimentos, negros recebiam em média 20% menos do que os brancos. Essas informações indicam que, apesar de todos os grupos