O documento resume as principais características da poesia de Cecília Meireles, pertencente à segunda geração do modernismo brasileiro. A poesia de Meireles é marcada por um lirismo metafísico e filosófico, com preocupações existenciais sobre a brevidade da vida, a passagem do tempo e a finitude humana. Formalmente, seus poemas se caracterizam por versos livres, rimas e métrica regular, com uso frequente de imagens da natureza.
3. LINHAS GERAIS DA POESIA
segunda geração do modernismo brasileiro
revisão crítica do antepassado histórico-cultural;
visão crítica [irônica] do “estar-no-mundo”;
resgata-se a crença de que se pode ser realmente humano;
preocupação religiosa e filosófica;
análise do ser humano e de suas angústias;
desejo de compreender a relação entre o indivíduo e a sociedade;
retomada de formas poéticas da tradição.
4. FILIAÇÃO ESTÉTICA
segunda geração do modernismo brasileiro
Revista Festa
evolução
ligada
aos
valore
tradicionais
defesa
dos
valores
“universais”
da
arte
linhas gerais
neossimbolismo,
poesia
meta9sica,
poemas
metrificados
a poesia metafísica
brevidade
da
vida,
amargura,
desencanto,
incompreensão
humana
e
descrença
religiosa
5. EPIGRAMA NÚMERO 09
Cecília Meireles
O
vento
voa,
a
noite
toda
se
atordoa,
a
folha
cai.
Haverá
mesmo
algum
pensamento
sobre
essa
noite?
sobre
esse
vento?
sobre
essa
folha
que
se
vai?
lirismo
meta+sico:
a
reflexão
existencial
é
feita
a
parFr
da
observação
da
natureza;
aspectos
formais:
versos
livres;
aliteração,
assonância;
interrogações
[tom
angusFado/barroco].
6. MOTIVO
Cecília Meireles
Eu
canto
porque
o
instante
existe
e
a
minha
vida
está
completa.
Não
sou
alegre
nem
sou
triste:
sou
poeta.
Irmão
das
coisas
fugidias,
Não
sinto
gozo
nem
tormento.
Atravesso
noites
e
dias
no
vento.
Se
desmorono
ou
se
edifico,
se
permaneço
ou
me
desfaço
–
não
sei,
não
sei.
Não
sei
se
fico
ou
passo.
Sei
que
canto.
E
a
canção
é
tudo.
Tem
sangue
eterno
a
asa
ritmada.
E
um
dia
sei
que
estarei
mudo:
–
mais
nada.
lirismo
meta+sico
e
metalinguís3co:
o
locutor
fala
acerca
dos
moFvos
de
ele
escrever;
[a
definição
da
arFculação
do
ato
poéFco
se
dá
por
intermédio
de
paradoxos:
tom
simbolista]
aspectos
formais:
quatro
quadras
com
métrica
regular;
rimas;
paradoxos;
metalinguagem.
7. EU SOU ESSA PESSOA
Cecília Meireles
Eu
sou
essa
pessoa
a
quem
o
vento
chama,
a
que
não
se
recusa
a
esse
final
convite,
em
máquinas
de
adeus,
sem
tentação
de
volta.
Todo
horizonte
é
um
vasto
sopro
de
incerteza.
Eu
sou
essa
pessoa
a
quem
o
vento
leva:
já
de
horizontes
libertada,
mas
sozinha.
Se
a
Beleza
sonhada
é
maior
que
a
vivente,
dizei-‐me
não
quereis
ou
não
sabeis
ser
sonho?
Eu
sou
essa
pessoa
a
quem
o
vento
rasga.
Pelos
mundos
do
vento,
em
meus
cílios
guardadas
vão
as
medidas
que
separam
os
abraços.
Eu
sou
essa
pessoa
a
quem
o
vento
ensina:
“Agora
és
livre,
se
ainda
recordas.”
lirismo
filosófico:
aceitação
da
perda
do
eu
[serenidade,
calmaria
e
consciência
de
finitude];
vento:
metáfora
da
passagem
das
coisas,
da
transformação,
que
pode
ser
associado
à
morte;
aspectos
formais:
quatro
estrofes
regulares
metrificadas
e
um
verso
solto
[quase
soneto].
8. SERENATA
Cecília Meireles
Repara
na
canção
tardia
que
niFdamente
se
eleva;
Num
arrulho
de
fonte
fria
O
orvalho
treme
sobre
a
treva
E
o
sonho
da
noite
procura
a
voz
que
o
vento
abraça
e
leva.
Repara
na
canção
tardia
que
oferece
a
um
mundo
desfeito
sua
flor
de
melancolia.
É
tão
triste,
mas
tão
perfeito,
O
movimento
em
que
murmura,
Como
o
do
coração
no
peito
Repara
na
canção
tardia
Que
por
sobre
o
teu
nome,
apenas
Desenha
a
sua
medida
E
nessa
letras
tão
pequenas
O
universo
inteiro
perdura.
E
o
tempo
suspira
na
altura.
Por
eternidades
serenas.
9. SERENATA
Cecília Meireles
o
sujeito
poéFco
convida
o
leitor
para
ouvir
a
serenata
que
será
executada
rimas
toantes,
versos
octossilábicos,
aliteração
e
assonância,
ritmo
e
refrão
10. ASSOVIO
Cecília Meireles
Ninguém
abra
sua
porta
para
ver
o
que
aconteceu:
saímos
de
braço
dado,
a
noite
escura
mais
eu.
Ela
não
sabe
o
meu
rumo,
eu
não
lhe
pergunto
o
seu:
não
posso
perder
mais
nada,
se
o
que
houve
já
se
perdeu.
Vou
pelo
braço
da
noite,
levando
tudo
o
que
é
meu:
–
a
dor
que
os
homens
me
deram
e
a
dor
que
Deus
me
deu.
três
quadras
heptassílabas;
rimas
nos
versos
pares;
noite:
metáfora
de
caráter
negaFvo;
a
vida
é
vista
como
sofrimento;
a
superação
do
sofrimento
só
ocorre
com
a
morte.
11. RETRATO
Cecília Meireles
Eu
não
Fnha
este
rosto
de
hoje,
assim
calmo,
assim
triste,
assim
magro,
nem
estes
olhos
tão
vazios,
nem
o
lábio
amargo
Eu
não
Fnha
estas
mãos
sem
força,
tão
paradas
e
frias
e
mortas;
eu
não
Fnha
este
coração
que
nem
se
mostra.
Eu
não
dei
por
esta
mudança,
Tão
simples,
tão
certa,
tão
fácil:
–
em
que
espelho
ficou
perdida
a
minha
face?
três
quadras
com
métrica
irregular;
rimas
com
parônimos;
repeFções
ternárias;
viagem
existencial;
constatação
de
que
houve
uma
mudança
inexorável;
tom
melancólico
e
amargo:
constatação
de
que
viver
é
perder,
é
morrer.
12. DESENHO
Cecília Meireles
Traça
a
reta
e
a
curva,
a
quebrada
e
a
sinuosa
Tudo
é
preciso.
De
tudo
viverás.
Cuida
com
exaFdão
da
perpendicular
e
das
paralelas
perfeitas.
Com
apurado
rigor.
Sem
esquadro,
sem
nível,
sem
fio
de
prumo,
Traçarás
perspecFvas,
projetarás
estruturas.
Número,
ritmo,
distância,
dimensão.
Tens
os
teus
olhos,
o
teu
pulso,
a
tua
memória.
Construirás
os
labirintos
impermanentes
que
sucessivamente
habitarás.
Todos
os
dias
estás
refazendo
o
teu
desenho.
Não
te
faFgues
logo.
Tens
trabalho
para
toda
a
vida.
E
nem
para
o
teu
sepulcro
terás
a
medida
certa.
Somos
sempre
um
pouco
menos
do
que
pensávamos.
Raramente,
um
pouco
mais.
13. DESENHO
Cecília Meireles
Tanto
o
etulo
quanto
as
imagens
do
poema
remetem
à
geometria
e
ao
desenho
geométrico
(matemáFca),
muito
aplicados
aos
projetos
de
arquitetura
e
engenharia.
Tais
imagens
associadas
ao
desenho
remetem
à
concepção
da
vida
como
projeto
construído,
racionalmente
planejado.
O
poema
sugere
que
o
homem
age
ilusoriamente
como
se
Fvesse
domínio,
controle
sobre
sua
vida.
14. DIÁLOGO
Cecília Meireles
[...]
Conversamos
dos
dois
extremos
da
noite,
como
de
praias
opostas.
Mas
com
uma
voz
que
não
se
importa...
E
um
mar
de
estrelas
se
balança
entre
o
meu
pensamento
e
o
teu.
Mas
um
mar
sem
viagens.
o título
sugere
conversa,
interlocução
o poema
por
intermédio
da
linguagem
figurada,
os
versos
sugerem
o
isolamento
do
eu
lírico:
[dois
extremos,
praias
opostas]
tais
metáforas
sugerem
incomunicabilidade;
decompondo a análise
os
interlocutores
encontram-‐se
afastados
um
do
outro;
a
distância
que
os
separa
é
tão
grande
que
eles
se
falam
nos
dois
extremos
da
noite,
como
de
praias
opostas;
o
mar
que
os
separa
é
intransponível
[por
isso
denominado
de
mar
sem
viagens];
como
na
relação
entre
o
etulo
e
o
texto
o
diálogo
se
configura
como
impossível,
pode-‐se
afirmar
que
a
relação
entre
os
dois
é
paradoxal.