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Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde
                                                                                            Intervenção com
                                                                                       a Comunidade Cigana
                                                                                                            [
                                                                                                  Guia para a


                                                                                      nos Serviços de Saúde




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     Intervenção com
a Comunidade Cigana
nos Serviços de Saúde
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“O presente documento foi financiado pela Comissão Europeia. A publicação é da autoria da REAPN e a Comis-
são europeia não tem qualquer responsabilidade no seu conteúdo e pelo uso que possa ser feito do mesmo”..
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 3 ]




  Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .      5
  Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .    7

Uma aproximação à Cultura Cigana                                 .....................                             9
  A população cigana na Europa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .             11
  A população cigana em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .             13

A Comunidade Cigana e a Saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
  Considerações Básicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .         21
  Percepção da Saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .         22

O sistema nacional de saúde e a população cigana                                            . . . . . . . . . 29

Glossário de termos sobre a cultura cigana . . . . . . . . . . . . . . . . 47

Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 5 ]




Apresentação

O presente manual foi elaborado no           direitos humanos dos cidadãos euro-
âmbito do projecto Sastipen “Redução         peus. Assim, o projecto visa recolher
das Desigualdades de Saúde nas Co-           informação sobre a situação actual das
munidades Ciganas”, financiado por            Comunidades Ciganas relativamente
DG SANGO – Comissão Europeia                 à saúde, comparando com a situação
(2005-2006). O projecto foi desen-           da sociedade maioritária no sentido de
volvido em 9 países pelas seguintes          definir um conjunto de recomendações
entidades: Azienda USL5 Pisa (Itália);
                                             e estratégias de intervenção dirigi-
Coordinamiento Nazionale Comunitá
                                             das aos responsáveis pelas decisões;
di Accoglienza - CNCA (Itália); Efxi-
                                             identificando as principais causas; no-
ni Poli (Grécia); Initiative for Health
Foundation (Bulgária); Khetanipe for         meadamente o inadequado acesso da
the Roma Unity Association (Hungria);        população cigana aos serviços de saú-
Democratic Change Slovakia - PDCS            de, o uso inadequado destes serviços
(Eslováquia); Rede Europeia Anti-Po-         devido aos hábitos culturais com vista
breza – REAPN (Portugal); Roma Cen-          a planificar formação e a mobilizar as
tre for Social Intervention and Studies      principais partes interessadas, ana-
- Roma CRISS (Roménia); o governo            lisando as causas socio-económicas
da República Checa – Comissário para         e ambientais em detrimento dos pa-
os Direitos Humanos (República Che-          drões de saúde e o papel dos líderes da
ca); Health for Roma Foundation (Bul-        comunidade, dos mediadores sociais
gária) e Fundación Secretariado Gita-        e das mulheres ciganas na promoção
no (Espanha) como o coordenador do           da saúde com vista a adquirir um con-
projecto.
                                             junto de capacidades e conhecimentos
A população Cigana dos países envol-         fundamentais.
vidos caracterizam-se por padrões de
                                             Desta forma, gostaríamos de agra-
vida deficitários, particularmente em
relação à saúde, fazendo com que esta        decer à Comissão Europeia para a
minoria seja vulnerável às doenças           concretização do nosso objectivo em
que foram erradicadas da sociedade           reduzir as desigualdades de saúde
maioritária. A erradicação das des-          apresentadas pelas Comunidades Ci-
igualdades de saúde apresentadas pe-         ganas na Europa e promover a melho-
las Comunidades Ciganas deve cons-           ria da situação actual de saúde nestas
tar na agenda política para garantir os      comunidades.
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 7 ]




Introdução
A Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal (REAPN) vem desenvolvendo, desde
Fevereiro de 2005, o Projecto “SASTIPEN: Redução das Desigualdades de Saú-
de nas Comunidades Ciganas”. Este projecto integra-se no âmbito do Programa
Europeu de Saúde Pública (2003-2008) e tem como principal objectivo melhorar
a qualidade de vida e de saúde das comunidades ciganas, reduzindo as desigual-
dades que estas comunidades apresentam através de um conjunto de acções/re-
comendações e de uma estratégia de saúde integrada e intersectorial. Trata-se de
uma parceria transnacional (Espanha, Portugal, Grécia, Itália, Bulgária, Roménia,
Hungria, Eslováquia e República Checa), composta por entidades cuja área de
intervenção incide nas comunidades ciganas.

No âmbito de um conjunto alargado de        recebam um tratamento igual e cultu-
actividades, o projecto compreende a        ralmente adequado às suas necessi-
elaboração do Guia para a Inter-            dades específicas.
venção com a Comunidade Cigana
                                            Assim, o objectivo deste manual é ofe-
nos Serviços de Saúde. A saúde é
                                            recer aos diferentes profissionais
um indicador importante de desigual-
                                            do sistema de saúde, um conjunto
dades nas comunidades ciganas, de
                                            de recomendações, que orientem
qualidade de vida e de participação
                                            a sua intervenção em relação aos
na sociedade civil como cidadãos de
                                            pacientes da etnia cigana. Preten-
pleno direito. As condições de carên-
                                            demos com este guia contribuir para
cia sócio-económica, os deficits edu-
                                            o desenvolvimento de serviços de
cativos, as dificuldades de acesso ao
                                            saúde culturalmente adequados
mercado de trabalho, as deficiências         à população cigana no sentido de
no cuidado de saúde e da sua qualida-       satisfazer os principais cuidados
de de vida, são elementos que situam        de saúde, reconhecendo e respei-
os ciganos entre os grupos mais vul-        tando a sua identidade cultural.
neráveis da União Europeia.
                                            Pretende-se, igualmente, suprimir a
A elaboração deste guia responde,           existência de um conjunto de ideias
assim, à necessidade de minimizar           pré-concebidas e generalizadas que
as desigualdades de saúde das co-           influenciam negativamente a inter-
munidades ciganas, principalmente,          venção com a população cigana, como
ao nível da acessibilidade aos bens         por exemplo:
e recursos que os serviços de saúde
dispõem. A pertinência desta ques-          • Os ciganos são um povo marginali-
tão, na qual estão envolvidos todos os        zado
profissionais (profissionais de saúde,
                                            • A população cigana é uma ameaça
administrativos, entre outros) exige
                                              para os serviços de saúde
a necessidade de implementar e ar-
ticular medidas de acção, de forma a        • Não se pode oferecer um tratamen-
assegurar que todas as pessoas ciga-          to específico às comunidades ciga-
nas que acedem ao sistema de saúde            nas
[ 8 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde


Estes preconceitos e estereótipos,            Em relação à utilização do presen-
consequência do desconhecimento               te manual é imprescindível ter em
sobre os valores sociais e culturais da       consideração as seguintes pre-
comunidade cigana, provocam nume-             missas:
rosos conflitos que surgem quando as
pessoas ciganas acedem aos serviços           • Como se trata de um documento
de saúde. Ao longo deste guia, apre-            global e integrado a sua utilização
sentamos um conjunto de elementos               exige uma leitura e uma compre-
e recursos que contribuem para a eli-           ensão de todos os elementos que se
minação de certos preconceitos as-              apresentam.
sim como um conjunto de orientações           • Não se deve interpretar como uma
práticas que devem ser implementa-              carga extra de trabalho para os pro-
das nestes serviços.                            fissionais de saúde, mas sim como
Os conteúdos que apresentamos es-               um instrumento de melhoria da sua
truturam-se em torno de três capítu-            prática profissional considerando a
los claramente diferenciados:                   influencia que tem os factores so-
                                                ciais e culturais na doença e na re-
• Capítulo I: análise sócio-cultural            lação com os utentes do sistema de
  da situação actual e das caracte-             saúde.
  rísticas das comunidades ciganas.
  Destacam-se, particularmente, os            • Não se deve generalizar a ideia de
  aspectos culturais e ambientais re-           paternalismo ou de favoritismo da
  lacionados com a saúde destas co-             comunidade cigana. Parte-se da si-
  munidades.                                    tuação de desigualdade em que vi-
                                                vem as comunidades ciganas e que
• Capítulo II: proposta de actuação             têm os mesmos direitos e deveres
  para os serviços de saúde. Trata-se           que o resto dos cidadãos da socie-
  de orientações que não afectam a              dade maioritária.
  prática terapêutica dos profissionais
  de saúde, mas têm uma grande in-            • Temos consciência das limitações
  fluência no sucesso dos tratamentos            do sistema de saúde e dos seus pro-
  e na prevenção de possíveis confli-            fissionais, mas também que é pos-
  tos.                                          sível a integração de boas práticas
                                                de acção, no sentido de melhorar a
• Capítulo III: boas práticas de ac-            relação existente entre os interve-
  tuação tendo por base experiências            nientes e minimizar as desigualda-
  realizadas a nível nacional                   des de saúde.
Uma aproximação à
   Cultura Cigana
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 11 ]




A população cigana na Europa
Origem
O povo Rom está presente na Europa há muito tempo. Chegaram entre os séculos
XIV e XV principalmente a Espanha, Portugal, França, Alemanha, Rússia, Roménia
e Hungria. Apesar de possuir uma identidade cultural comum, a população cigana
na Europa não é um grupo unitário, mas sim diversos grupos (comunidades). Esta
heterogeneidade, que se verifica em cada um dos países e entre as suas diversas re-
giões, deve-se a adaptações diferenciadas aos países de acolhimento e aos diferentes
processos migratórios que tiveram lugar quando saíram do lugar geográfico de ori-
gem (a zona do Punjab na Índia). Alguns dos seus costumes resistiram à cultura dos
países hóspedes como, por exemplo, os ritmos e os bailes folclóricos, assim como
algumas palavras da sua língua originária – o ROMANÓ.


A população cigana, devido ao seu ca-        União Europeia, tais como Roménia
racter de povo errante e nómada e às         (cerca de dois milhões e meio), Hun-
especificidades culturais que apresen-        gria (600.000), Bulgária (perto de
tam, sempre vitimas de perseguições          500.000), Republica Eslovaca (cerca
e sofreram situações de escravatura.         de 400.000) e Republica Checa (cerca
Esta história de discriminação con-          de 300.000). Antes da adesão dos no-
duziu a múltiplas situações de pobre-        vos países à União Europeia, em Maio
za e exclusão social que muitas das          de 2004, a Espanha, com mais de
comunidades ciganas vivenciam ainda          650.000 ciganos, era o país da União
actualmente, e que os situa entre os         Europeia com maior número de ciga-
grupos mais vulneráveis e mais pobres        nos.
da Europa (exclusão que se acentua
nos países mais pobres do continen-          O relatório “A situação dos Ciganos na
te e nos antigos estados comunistas).        União Europeia Alargada” publicado
Não será assim de estranhar, as re-          pela Comissão Europeia em Novem-
lações conflituosas existentes entre          bro de 20041, apresenta os principais
os ciganos e não ciganos ao longo do         elementos no que diz respeito aos ci-
tempo.                                       ganos nas seguintes áreas:

                                             Educação:
Situação actual das Comunidades
                                             Em muitos países, existe uma ten-
Ciganas                                      dência para a segregação estabele-
A população cigana é a principal mi-         cida entre as crianças ciganas e não
noria étnica europeia. Estima-se que,        ciganas e pelo facto das crianças não
na actualidade, vivem na Europa en-          beneficiarem de um serviço educativo
tre sete e nove mil milhões de pes-          adequado. Apesar das crianças ciga-
soas ciganas, das quais, cerca de 2/3
habitam nos países centrais e de les-        1 Situação dos Ciganos na União Europeia
te. A maioria desta população concen-          Alargada, U.E, 2004. Este relatório encon-
tra-se nos países candidatos à ades-           tra-se disponible em várias línguas e no
ão e nos membros mais recentes da              seguinte site: http://europa.eu.int/comm/
                                               employment_social/fundamental_rights
[ 12 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde


nas serem incluídas nas escolas “nor-         marginalização e, consequentemente,
malizadas”, estas dispõem de poucos           de exclusão social.
meios para reconhecer as suas espe-
cificidades, existindo fortes riscos de        Serviços de saúde:
ghetização. No domínio da formação            A pobreza e as más condições de habi-
ao longo da vida, constata-se uma             tabilidade destas comunidades, asso-
ausência, nos Estados-membros, da             ciadas à discriminação persistente nos
identificação dos ciganos como grupo-          serviços de saúde, levam a uma in-
alvo político e, consequentemente, de         cidência considerável de algumas do-
medidas e estratégias direccionadas           enças, designadamente a tuberculose
para este grupo;                              e a hepatite. A marginalização das co-
                                              munidades ciganas, as suas condições
Emprego:
                                              socio-económicas e a dificuldade de
Na estratégia europeia de emprego, a          acesso às estruturas de informação,
questão da raça e da etnia não foram          de educação e de saúde pública, fa-
alvo de uma atenção particular, apesar        zem com que estas comunidades se-
de ser evidente que existe discrimi-          jam particularmente vulneráveis ao
nação no mercado de emprego devi-             consumo e ao tráfico de drogas, com
do à pertença étnica e que a discri-          um acesso muito limitado aos orga-
minação racial constitui um obstáculo         nismos adequados de recuperação e
significativo no acesso ao mercado de          tratamento.
emprego. Poucos Estados-membros
identificam as comunidades ciganas             Questões Gerais:
como destinatários específicos nos
                                              – Os sistemas de protecção social na
seus planos nacionais de acção para o
                                                Europa permitem que os ciganos
emprego e isto apesar da taxa de des-
                                                não participem no sistema de segu-
emprego entre estes grupos continuar
                                                rança, quer deliberadamente, quer
a rondar os 80% em alguns países. Os
                                                por negligência. Existem evidências
ciganos são, igualmente, confrontados
                                                de que se aplicam medidas discri-
com importantes obstáculos no aces-
                                                minatórias relativamente às ajudas
so ao mercado de emprego e são, à
partida, mais vulneráveis a situações           sociais dos ciganos.
de desemprego.                                – Um problema comum a toda a Euro-
                                                pa é a falta de documentação sobre
Habitação:
                                                as comunidades ciganas, nomeada-
Esta área é sensivelmente a menos               mente no que diz respeito às certi-
desenvolvida no âmbito da política da           dões de nascimento, de casamento
União Europeia. No entanto, desem-              e de residência. Esta situação pro-
penha um dos papéis mais importan-              voca alguns problemas no acesso
tes no processo de inclusão social dos          aos serviços sociais.
ciganos e de outras minorias étnicas
excluídas. A este nível, os ciganos con-      – No que respeita ao género, muitas
tinuam a viver sem as condições mí-             mulheres enfrentam uma dupla dis-
nimas de habitabilidade, salubridade            criminação e, consequentemente,
e higiene (designadamente sem elec-             baixos níveis de acesso à saúde, à
tricidade, água potável e rede de es-           educação e a outros serviços. Dado
gotos) e encontram-se em bairros so-            o papel da mulher na educação dos
ciais periféricos e em barracas, o que          seus filhos, esta situação é particu-
acentua ainda mais a sua situação de            larmente preocupante.
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 13 ]



A população cigana em Portugal

Dados demográficos                              inquérito realizado junto das Câma-
                                               ras Municipais e de outras entidades
Apesar do reconhecimento geral das
                                               (2001) apenas conseguiram apurar
vulnerabilidades que caracterizam
                                               um número total de 21 831. O mesmo
estas comunidades, constata-se a
                                               estudo conclui que as comunidades
inexistência de dados e indicadores
                                               ciganas estão especialmente concen-
no âmbito dos indivíduos pertencen-
                                               tradas no litoral e nas zonas frontei-
tes às comunidades ciganas. De facto,
                                               riças, com especial concentração em
os dados quantitativos sobre a popu-
                                               Lisboa, concluindo que 31% dos ci-
lação cigana são de difícil obtenção, já
                                               ganos vivem em situação precária,
que não só não existem estudos ex-
                                               especialmente nos distritos de Viana
tensivos com preocupações de recen-
                                               do Castelo, Castelo Branco, Coimbra
seamento dos habitantes portugueses
                                               e Évora.3
pertencentes à comunidade cigana,
como por outro lado, as fontes insti-          Segundo o estudo da Alexandra Cas-
tucionais pertencentes ao estado, que          tro4, são cerca de 20 mil ciganos5
dispõem de dispositivos que poderiam           existentes em Portugal Continental,
recolher essa informação, recusam              sendo o distrito do Porto o que con-
com base na Constituição Portuguesa,           centra um maior número absoluto de
qualquer tipo de recenseamento ou              ciganos (2268), seguido dos distritos
registo que especifique a etnia, a raça         de Lisboa (1882), Faro (1688), Braga
ou a cor. Desta forma, sobre estas co-         (1566) e Aveiro (1536).
munidades há uma lacuna de infor-
mação, sobretudo no que diz respei-            Mas todas as estatísticas encontradas
to a dados quantificáveis fiáveis. Esta          são meras aproximações à realidade,
situação favorece o desconhecimento            visto que como já foi referido, os ciga-
sobre o modo de vida destas comuni-            nos são considerados cidadãos portu-
dades, dificultando o estabelecimento           gueses que não podem, para nenhum
de pontes/laços sociais com esta co-           efeito, ser identificados de forma dis-
munidade com características espe-             tintiva em relação aos restantes cida-
cíficas e que permanece afastada da             dãos.
sociedade maioritária. Este facto difi-
                                               Segundo o relatório ECRI (Comissão
culta a obtenção de um conhecimen-
                                               Europeia Contra o Racismo e a Into-
to exacto sobre o número de ciganos
                                               lerância) para Portugal, as questões
que existe no nosso país.
                                               relacionadas com o racismo e a in-
Em termos de contextualização geral,           tolerância estão a conseguir alguns
verificamos que as primeiras referên-           avanços. No entanto, ainda são visíveis
cias sobre a presença de comunidades
ciganas em Portugal datam do século
XV. Actualmente, e apesar do enorme            3 “Sastipen ta li – Saúde e Liberdade, Ciganos
grau de incerteza e de imprecisão, os            – Números, abordagens e realidades”, SOS
números oscilam entre os 30.000 e os             Racismo, Lisboa, 2001, p.22
90.000 ciganos portugueses2. No en-            4 O levantamento de dados foi efectuado no
                                                 âmbito de um projecto de investigação fi-
tanto, o SOS Racismo, através de um              nanciado pela Fundação para a Ciencia e
                                                 Tecnologia (SAPIENS/POCIT) em 2004 – Os
2 Segundo a Comissão Europeia contra o Ra-       Ciganos vistos pelos outros: proximidade
  cismo e a Intolerância são entre 50 000 e      social em espaços de coexistencia Inter.-ét-
  60 000 ciganos existentes em Portugal. Se-     nica.
  cond Report on Portugal, European Comi-      5    Relativamente a estes dados deve-se ter
  sión Against and Intolerante, Adoptado em        presente que 96 concelhos não disponibili-
  20 de Março de 2002, Estrasburgo, 4 de No-       zaram informação. Por isso estes dados não
  vembro de 2002, p.21                             podem ser considerados exaustivos.
[ 14 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde


algumas práticas de discriminação ao          nidades escolares, tendo como prin-
nível das comunidades ciganas.                cipais argumentos a manutenção dos
                                              seus hábitos, tradições e costumes,
Situação actual                               não facilitando o acesso das crianças
                                              à escola, particularmente no caso das
Em Portugal, as comunidades ciga-
                                              crianças de sexo feminino.
nas são um dos grupos mais afecta-
dos por fenómenos de pobreza e de             Emprego:
exclusão social e no qual persistem
muitos preconceitos e estereótipos,           Em relação à sua situação perante
sendo por isso pertinente em qual-            o trabalho existem, hoje em dia, al-
quer intervenção ter presente as suas         guns sinais claros da necessidade e
especificidades culturais, económicas          da emergência de uma adaptação ao
e sociais. As condições precárias de          presente e ao futuro próximo, bem
habitação, as baixas qualificações es-         como de um reforço de competên-
colares e profissionais, e a dificuldade        cias entretanto adquiridas que não
de acesso à maioria dos bens e ser-           são de menosprezar6, através da for-
viços de saúde, emprego, educação             mação profissional. Criaram-se novas
e formação, entre outras carências,           expectativas de vida e novas e legíti-
marcam a vida nestas comunidades              mas aspirações. Embora, por um lado
onde a pobreza tende a perdurar e a           sejamos tentados a pensar que estas
transmitir-se de geração em geração.          aspirações, que recentemente foram
A situação actual da população cigana         criadas ou reforçadas (para as quais
portuguesa pode resumir-se nos se-            contribuíram muitos dos projectos e
guintes itens:                                intervenções feitas com comunidades
                                              ciganas em vários locais do país), e
Educação:                                     para as quais não existe uma respos-
                                              ta evidente ou directa possa constituir
Os ciganos apresentam taxas de aban-
                                              mais uma frustração. Por outro lado,
dono e insucesso escolar elevadas e
                                              estas aspirações podem também ser o
manifestam problemas de adaptação
                                              motor de novas forças e de um maior
ao sistema de ensino. Alguns autores
                                              poder reivindicativo que importa in-
defendem que o insucesso e o absen-
                                              centivar e promover, já que foi es-
tismo escolar das crianças ciganas
                                              sencialmente por ausência de parti-
podem ser explicados por dois ele-
                                              cipação que os ciganos se encontram
mentos: por um lado, o isomorfismo
                                              em pleno século XXI, em Portugal,
e o etnocentrismo que caracteriza a
                                              perante situações de exclusão social
escola, enquanto lugar privilegiado de
                                              absolutamente inaceitáveis. Assim,
preparação para o trabalho, na medi-
                                              encontramos comunidades que vivem
da em que apresenta formas de fun-
                                              de actividades ditas “tradicionais”, e
cionamento que em nada se adaptam
                                              uma minoria que se enquadra no mer-
à forma de estar e à cultura dos ciga-
                                              cado formal de emprego. Uma gran-
nos, designadamente: as jornadas de
                                              de maioria vive ainda da venda em
trabalho; os horários fixos; a divisão
                                              feiras (designada venda ambulante),
do trabalho; as competências indivi-
                                              uns porque gostam de facto do que
duais e a disciplina. Por outro lado, a
                                              fazem, sobretudo pelos aspectos que
formação de professores em Portugal
                                              caracterizam esta actividade, outros
não inclui qualquer tipo de disciplina
                                              porque esta é a única actividade a que
que contemple as questões da mul-
ticulturalidade, não estando muitos           6 Como é possível verificar através da aná-
deles preparados para enfrentar a di-           lise dos resultados alcançados pelo estudo
versidade dos seus alunos. De igual             “O Jovem cigano e a formação - atitudes e
modo, a própria cultura dos ciganos, e          perspectivas frente ao mundo do trabalho”,
                                                publicado recentemente pelo Secretaria-
como consequência do que ficou dito              do Diocesano de Lisboa da Obra Nacional
anteriormente, conduz ao seu isola-             para a Pastoral dos Ciganos (Dezembro de
mento e à resistência face às comu-             1999)
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 15 ]


têm acesso, devido ao facto de terem         ou a estudar sob a forma de estágios.
baixa escolarização e, historicamente,       A flexibilização de determinadas for-
ser uma actividade que correspondia a        mações e dos critérios de acesso é
uma certa forma de nomadismo nor-            uma necessidade premente não só
malmente associada a esta etnia. A           em relação a este grupo em específico
estas dificuldades é necessário consi-        como em relação à maior parte das
derar, como já referimos anteriormen-        populações-alvo destes programas.
te, o comportamento discriminatório e
a falta de sensibilização dos emprega-       Habitação:
dores para a contratação de indivíduos       Algumas das comunidades ciganas
da etnia cigana. De uma forma geral,         continuam a viver sem as condições
os ciganos não encaram o trabalho            mínimas de habitabilidade, salubri-
como um objectivo idealizado de vida,        dade e higiene, o que acentua ainda
mas como um meio de sobrevivência            mais a sua situação de exclusão social.
quotidiano, preferindo assim activida-       De acordo com os dados disponíveis7,
des profissionais que estejam mais de         grande parte das famílias ciganas vive
acordo com as suas formas de vida e          em condições de habitabilidade precá-
a sua cultura, particularmente no que        rias, enfrentando diversos problemas,
diz respeito aos horários, formas de         designadamente a ausência de água
contratação (sem vínculos contratuais        potável para consumo ou até mesmo
com terceiros), mobilidade, atenção à        sem água suficiente para a higiene
família e à divisão de tarefas, rentabi-     pessoal e da casa. De uma forma ge-
lidade imediata, entre outras.               ral, os “bairros de ciganos” estão lo-
                                             calizados perto de lixeiras ou zonas
No que diz respeito à inserção profis-        industriais poluídas nas margens das
sional, as diferentes soluções e opor-       cidades, o que cria problemas ambien-
tunidades em termos de políticas so-         tais e de saúde pública graves. Este
ciais não têm garantido as condições         fenómeno é ainda gerador de fortíssi-
necessárias a uma plena integração           mos preconceitos e estereótipos que,
destes “públicos” no espectro das            cada vez mais, impede estes cidadãos
mesmas. Não obstante pontuais e              de saírem das situações de vulnera-
parciais exemplos de sucesso, medi-          bilidade, exclusão social e económica
das como o Mercado Social de Empre-          em que se encontram.
go, o Rendimento Mínimo Garantido
ou o Micro-Crédito, não têm consegui-        Religião:
do integrar plenamente estas comu-           As igrejas evangélicas, denominadas
nidades. Tal facto deve-se na maior          genericamente pelas comunidades ci-
parte dos casos, à existência de medi-       ganas como o “culto”, tiveram nos úl-
das generalistas que não contemplam          timos tempos uma crescente presença
uma suficiente maleabilidade para se          na comunidade cigana e constituíram-
adaptarem a diferentes públicos. Por         se como um espaço alternativo para o
outro lado, os profissionais das dife-        apoio do grupo e resolução de confli-
rentes áreas e aos diferentes níveis,        tos. Em relação à saúde, estes espaços
com responsabilidades de desenhar            actuam como factor de protecção
e implementar tais medidas descon-           para a população cigana que, por seu
hecem, em grande parte, as especi-           lado, participam neles como locais de
ficidades deste grupo étnico. Particu-        transmissão de normas e de condutas
larmente em relação às comunidades           relacionadas com o cuidado da saúde.
ciganas é imperioso criar relações for-      Como exemplo podemos destacar a
tes entre as medidas (nomeadamen-
te ao nível da formação) que se têm          7 Estes dados provêm em grande parte de pe-
vindo a promover e a real inserção no          quenos estudos e diagnósticos locais, reali-
                                               zados nomeadamente no âmbito de projec-
mercado de trabalho – estabelecendo            tos nacionais e comunitários e promovidos,
relações directas, responsáveis e con-         em grande parte, por Organizações Não Go-
tratualizadas e não apenas prováveis           vernamentais
[ 16 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde


função reabilitadora e assistencial no           os toxicodependentes, sejam eles
tratamento das toxicodependências e              de que etnias forem
na prevenção do consumo de tabaco e
                                              iii) O casamento cigano não é recon-
de álcool nas mulheres ciganas.
                                                   hecido pela lei portuguesa - o que
Justiça:                                           leva a que mulheres levadas a tri-
                                                   bunal muitas vezes “casadas” há
Pelo seu funcionamento padronizado,                15 e 20 anos, com 4 ou 5 filhos
a justiça tem dificuldade em chegar                 sejam tratadas como solteiras;
a estes grupos minoritários e ou tem
comportamentos mais repressivos ou            iv) O comportamento emotivo dos
se demite de tomar algumas atitudes,              ciganos em tribunal - cria um cli-
fazendo com que a desconfiança mútua               ma de insegurança, que intimida
vá aumentando. Os ciganos têm espe-               alguns oficiais de justiça menos
cificidades culturais próprias que têm             experientes. Terá que haver uma
de ser respeitadas. No entanto, terá              sensibilização mútua.
que haver uma “pedagogia do cum-
                                              v) Existência de preconceitos e este-
primento da lei”, para que se consiga            reótipos que leva o sistema de jus-
fazer cumprir a Lei respeitando e pre-           tiça (penal e prisional) a discrimi-
servando ao mesmo tempo os direitos              nar os ciganos pelo simples facto
de uma minoria étnica. Por outro lado,           de pertencerem a esta etnia.
existem determinadas características
étnicas atribuídas aos ciganos que,           Através desta análise, podemos assim
e na maior parte dos casos, apenas            constatar que estas comunidades se
estão relacionadas com as situações           caracterizam por estarem expostas a
de precariedade e exclusão social a           gravíssimos fenómenos de pobreza e
que estes estão sujeitos. Os principais       exclusão social e contra as quais per-
problemas (práticos) da justiça com           sistem muitos preconceitos e estereó-
as comunidades ciganas são:                   tipos. Assim, qualquer intervenção
                                              com estas comunidades tem que
i) O problema da identificação - mui-          ter em conta estas especificidades
   tos têm alcunhas ou existem na             culturais, sociais e económicas e
   mesma família várias pessoas com           tem que, antes de tudo, identificar
   nomes idênticos, não havendo uma           as dificuldades /obstáculos exis-
   coincidência com o nome legal, o           tentes à sua inserção social, quer
   que depois dá azo a uma série de           as dificuldades e os entraves que
   mal entendidos, tais como serem            se colocam ao nível da educação,
   presas as pessoas erradas;                 saúde, emprego, justiça e habi-
                                              tação, como também ao nível das
ii) O problema da notificação - é muito        diferenças culturais. Não se po-
    difícil notificar um cidadão cigano,       derá delinear uma estratégia de
    porque nunca se sabe onde mora (é         intervenção eficaz com esta po-
    necessário ter em conta que esta é        pulação se não se conhecer aprio-
    uma característica comum a outros         ri o seu modus operandi, as suas
    cidadãos procurados pela justiça,         representações e percepções face
    tendo no entanto, uma maior in-           aos seus pares e face aos não ciga-
    cidência nesta comunidade), ape-          nos, bem como as representações
    sar de poucos serem nómadas.              e percepções que a comunidade
    Este problema está também muito           em geral (sobretudo actores sociais-
    associado à toxicodependência, e          chave que intervêm directamente
    que portanto é transversal a todos        com estas comunidades – nas áreas
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 17 ]


da saúde, do emprego, da educação,          este processo. Para trabalhar com mi-
da acção social) tem sobre a popu-          norias étnicas culturais é necessário
lação cigana.                               conhecer os aspectos mais relevantes
                                            da sua cultura de pertença visto que
As mulheres ciganas                         estes aspectos vão influenciar de for-
As mulheres ciganas desempenham             ma decisiva o processo terapêutico.
um papel chave na sua comunidade.           Ao falar da população cigana, não de-
São educadoras, responsáveis pelos
                                            vemos perder de vista alguns elemen-
filhos e pela transmissão das normas e
                                            tos culturais que vão determinar a re-
valores da cultura cigana. Apresentam
                                            lação que se estabelece com o sistema
uma maior permeabilidade em relação
                                            de saúde, com os seus profissionais, e
às mudanças em geral e, especifica-
mente, nas questões relacionadas com        com o adequado ou inadequado uso
a saúde. Este facto deve-se, em gran-       que fazem dos serviços de saúde. A
de medida, ao facto deste grupo ser         cultura cigana vigente nos nossos
alvo de programas educativos, sociais       dias tem evoluído ao longo do tempo
e de saúde que as instituições e as-        adaptando-se à nova realidade. Tra-
sociações desenvolvem. Actualmente,         ta-se de uma cultura agrafa, transmi-
as mulheres ciganas adquiriram um           tida de geração em geração, em que
progressivo protagonismo no seio da         as mulheres desempenham um papel
sua comunidade e em alguns espaços          fundamental (enquanto transmissoras
da vida pública, verificando-se cada         desses mesmos elementos). A identi-
vez mais que as mulheres não se cen-        dade cultural, presente na comunida-
tram exclusivamente nas tarefas do-         de cigana, cria um forte sentimento
mésticas, mas também desenvolvem            de orgulho e de auto-estima comuni-
actividades no mercado de trabalho e        tária sendo este um importante factor
frequentam cursos de formação pro-          de protecção.
fissional. No entanto, sendo as mul-
heres ciganas as que tradicionalmente       O apoio comunitário, associado a este
se encarregam de cuidar das questões        sentimento de identidade cultural,
de saúde, todo o trabalho que se rea-       tem também importantes efeitos de
lize com elas tem um efeito multipli-       protecção em relação ao próprio indi-
cador que se repercuta nos restantes        viduo. Especialmente o apoio da famí-
membros familiares. Os homens são           lia extensa, que oferece recursos ma-
o grupo que merece uma atenção es-          teriais, cuidados físicos e emocionais
pecífica com os cuidados de saúde. A         compensadores dos factores de risco
juventude constitui, igualmente, um
                                            que esta minoria étnica enfrenta. Um
motor de mudança para transformar
                                            indicador que diz respeito a esta si-
o modelo de vida da comunidade, os
                                            tuação prende-se com o escasso nú-
seus valores de referência e redefinir
                                            mero de casos de institucionalização
a sua identidade.
                                            de pessoas ciganas idosas e/ou de
                                            pessoas com deficiência física ou do-
A cultura cigana
                                            ença mental que se produzem.
O processo saúde-doença e as repre-
sentações do corpo, são o resultado         Em termos culturais, as característi-
da cultura. De forma que, cada grupo        cas mais pertinentes dos ciganos ne-
ou minoria cultural tem uma interio-        cessários para compreender a sua re-
rização própria e determinada sobre         lação com a saúde e a doença são:
[ 18 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde




   • Organização social fundamentada na família extensa, como núcleo es-
     sencial em torno do qual se desenvolvem as relações sociais e pessoais.
     É por isso que perante a doença de um familiar todos os membros se
     unem para acompanhar as pessoas que estão doentes.
   • Prevalência do grupo em detrimento da individualidade de cada pessoa.
   • Respeito pelas pessoas mais idosas. A sua figura é muito significativa e
     representativa na comunidade.
   • A influência dos ciganos idosos relativamente aos mais jovens. Este facto
     é importante pois estes assumem um papel importante na influência dos
     restantes membros da comunidade para aceitarem os novos aspectos da
     vida da comunidade.
   • O luto: condiciona as actividades sociais e laborais e a estética pessoal
     (vestimenta negra e panos em mulheres, barba nos homens…) e a vida
     comunitária enquanto manifestações de alegria ou actividades lúdicas.
   • A figura dos defuntos tem uma grande relevância. É importante ter em
     conta as manifestações que podem surgir quando se confirma a morte
     de alguém e/ou quando os médicos devem realizar o levantamento do
     cadáver e/ou autopsia.
   • O culto: cada igreja e cada pastor têm uma influência diferente entre os
     crentes.
   • O papel da mulher: as mulheres sintetizam os saberes e os tratamentos
     relacionados com as doenças. A mulher desempenha um papel pertinen-
     te visto que é o suporte de toda a família.
   • Sobreprotecção das meninas: desde cedo que as meninas são prepara-
     das para o matrimónio e para assumir as funções reprodutivas. O sexo
     aparece como um elemento tabu, o que é um aspecto a ter em conta em
     tudo o que esteja relacionado com a educação sexual, o planeamento
     familiar e a prevenção de doenças ginecológicas.



O processo de transformação em que            qual tem facilitado o acesso dos seus
se encontra imersa a comunidade ci-           membros a distintos espaços como
gana conduz também a uma flexibi-              a educação, o emprego, os serviços
lização de algumas normas tradicio-           de saúde, especialmente no caso das
nais presentes nas famílias ciganas no        mulheres.
A Comunidade
Cigana e a Saúde
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 21 ]




Considerações Básicas
A saúde é concebida como um conceito amplo que afecta os vários aspectos da
vida humana: físicos, psicológicos e sócio-culturais. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) define em 1948, saúde como “um estado de bem-estar físico, mental
e social e não apenas como ausência de doenças ou enfermidades”. A OMS consi-
dera que a saúde é um direito humano fundamental e, em consequência, todas
as pessoas devem ter acesso aos recursos de saúde necessários e básicos.

É por isto, que quando falamos de saú-       etnia, a classe social ou a área geo-
de, estamos a referir-nos ao processo        gráfica são também factores de risco
de interacção entre os seres humanos         que influenciam a saúde. Deste modo,
e ao envolvimento social e natural que       a pertença a grupos étnicos minoritá-
influencia o bem-estar físico e psíqui-       rios influencia o surgimento de des-
co que lhes permite contribuir plena-        igualdades específicas em relação à
mente para a vida social da sua comu-        saúde. Estas desigualdades surgem,
nidade. A saúde surge como resultado         não só das variáveis socio-económi-
de todos os factores que intervêm            cas, mas também do acesso aos ser-
sobre a vida dos indivíduos, quer os         viços de saúde e à utilização efectiva
que não são modificáveis (sexo, ida-          dos mesmos por falta de adaptação
de e genética) quer aqueles que são          ou de inclusão. A relação entre as
potencialmente modificáveis (com-             desigualdades sociais e as desigual-
portamentos, meios de vida, aspectos         dades de saúde é claramente recon-
culturais e socioeconómicos). Desta          hecida pelos principais organismos de
forma, a saúde não é um fenómeno             saúde supra-estatais (OMS, Comissão
exclusivamente biológico.                    Europeia). Para além, das variáveis
As carências ao nível da habitação,          socio-económicas, salientamos que os
educação, emprego, entre outros, in-         factores culturais, os hábitos e os cos-
fluenciam de forma pertinente a saú-          tumes também influenciam a saúde
de, pois são factores determinantes          das pessoas e das comunidades. A co-
para o bem-estar e para a qualidade          munidade cigana, como minoria étni-
de vida de uma população. Neste sen-         ca cultural, apresenta um conjunto de
tido, os grupos socio-económicos mais        elementos culturais que influenciam
desfavorecidos apresentam caracte-           também o estado de saúde dos seus
rísticas que os tornam mais suscep-          membros e condicionam a relação e
tíveis a uma saúde deficitária. Outras        os comportamentos destes membros
variáveis como o género, a idade, a          em relação às doenças.
[ 22 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde



Percepção da Saúde
Cultura, Saúde e Enfermidade                  pressão cultural, e para que seja con-
O conceito “cultura” faz referência aos       siderada como doença é necessário
valores que partilham os membros de           que a sociedade a considere como tal.
um grupo, as normas que acatam e os           Considerar a cultura no processo saú-
bens materiais que produzem. Uma              de-doença das comunidades ciganas
definição clássica de cultura é elabo-         permite conhecer de que forma:
rada pelo antropólogo britânico, Tylor        – É recebida, por parte dos pacientes,
como “aquele todo complexo que in-              a informação sobre os cuidados de
clui o conhecimento, as crenças, a              saúde;
arte, a moral, o direito, os costumes
e outros hábitos e as capacidades ad-         – São exercidos os direitos e os ser-
quiridas pelo homem enquanto mem-               viços que o sistema de saúde ofere-
bro da sociedade”.                              ce;
Para Teresa San Román, não são                – Se expressam os sintomas, as ex-
apenas os valores e símbolos de um              pectativas e as preocupações sobre
povo, mas sim “as formas de organi-             a doença.
zação, as estruturas e as instituições,
os hábitos e as práticas partilhadas, a       Elementos culturais implicados     no
forma ou formas de ver o mundo, de            processo saúde-comunidade cigana
conceptualizar o mundo e as relações          Existem assim, distintos modelos cul-
sociais”.                                     turais que estabelecem as várias for-
A cultura, entendida como os costu-           mas de comportar-se em relação à
mes, as leis, as concepções do mun-           higiene, à sexualidade, ao trabalho,
do e tudo aquilo que permite a vida           à alimentação, ao exercício físico, ao
em sociedade, é algo que se apren-            sono, entre outros, e que dão lugar
de, compreendendo, igualmente, as             a percepções distintas relativamente
representações do corpo, da saúde e           aos sintomas e à dor. As comunida-
da doença. Não se tem a mesma per-            des ciganas também apresentam um
cepção sobre a doença nas diversas            conjunto de elementos culturais que
comunidades, nem nos distintos mo-            determinam as suas atitudes e com-
mentos históricos do mesmo grupo.             portamentos em relação à saúde e
                                              à doença assim como em relação ao
A saúde e a doença são conceitos              sistema de saúde. Se estes elemen-
socialmente construídos, definidos e           tos forem de conhecimento geral po-
tipificados por cada cultura. Por sua          dem ser utilizados de forma adequada
vez, cada cultura cria as suas alterna-       e em determinadas situações podem
tivas terapêuticas assim como proce-          “fortalecer” e dar maior credibilida-
dimentos para recuperar a saúde. As-          de à intervenção dos profissionais de
sim, há que considerar a doença como          saúde, evitando potenciais conflitos.
uma componente biológica e cultural.
Independentemente do seu conteúdo             Como ponto de partida, deve-se ter
biológico, é sempre uma forma de ex-          presente as seguintes considerações:
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 23 ]




• Nas comunidades ciganas, a saúde não é entendida como uma necessidade
  prioritária. Desta forma, a habitabilidade, a situação económica e o trabalho,
  constituem as principais prioridades desta comunidade, que em muitos ca-
  sos, não se encontram cobertas.
• As comunidades ciganas definem a saúde como ausência de doença, e a
  doença como uma situação de “incapacidade” ligada à morte. Esta visão da
  saúde e da doença tem várias consequências, tais como:
  – A preocupação pela saúde começa quando aparecem sintomas e con-
    sequências muito limitativas e de incapacidade, sendo muito difícil trabal-
    har o conceito de prevenção.
  – Quando surge alguma doença a intervenção deve ser imediata e resolutiva,
    pela relação directa que estabelecem entre doença e morte.
  – O diagnóstico supõe “atribuir um nome ao que se tem”. A atitude perante
    ele é contraditória, sendo de clara evitação quando não surgem sintomas
    e consequências “incapacitantes” (nestes casos, o diagnóstico pode ser
    entendido como uma forma de colocar em evidência uma doença que pre-
    viamente não existia).
  – O médico é uma figura contraditória: por um lado possui conhecimentos
    para “curar” as doenças e por outro lado é quem diagnostica e descobre a
    doença. Assim, é comum a resistência em aceder aos profissionais de saú-
    de e a práticas de prevenção.
  – Se graças ao tratamento desaparecem os sintomas, os procedimentos te-
    rapêuticos são abandonados, pois estamos perante uma concepção de que
    a saúde é ausência de doença.
• Os cuidados de saúde é remetida para a mulher
• O imediato e a necessidade de curar as doenças de forma mais rápida possí-
  vel, estão associados com a forte relação que estas comunidades têm entre
  a doença e a morte. Precisam com urgência de um profissional que diag-
  nostique a gravidade do problema. Em várias situações, a consequência é
  uma inadequada utilização de alguns recursos de saúde, que se reflecte nos
  seguintes aspectos:
  – Excessiva utilização dos serviços de urgências
  – Escassa utilização de serviços de ambulâncias, sendo a própria família a
    fazer o transporte
  - Escassa utilização dos centros de saúde
[ 24 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde


Na cultura cigana observa-se a exis-          A situação de saúde da população
tência de diferentes modelos médicos          cigana portuguesa
que coexistem:
                                              Em termos de contextualização ge-
– Modelo tradicional: ainda em vi-            ral, deparamo-nos com a ausência de
  gor mas com uma importante per-             dados concretos sobre esta comuni-
  da de reconhecimento. Em muitos             dade neste âmbito, existindo apenas
  casos, os terapeutas tradicionais ti-       meras aproximações à realidade. Esta
  veram a seu cargo durante muitos            situação dificulta a identificação de
  anos o diagnóstico, a prevenção e o         problemas/dificuldades e, consequen-
  tratamento de muitas doenças que            temente uma aproximação mais fide-
  estavam relacionados com as do-             digna da realidade.
  enças não reconhecidas pela medi-
  cina científica tais como o “mal ol-         Pesquisas relativamente recentes re-
  hado”; “inveja”, entre outros.              velam que as comunidades ciganas
                                              são alvo de desigualdade ao nível da
– Modelo científico: representado              saúde e apresentam-se como o grupo
  pelo médico e pelo farmacêutico. Os         mais desfavorecido neste domínio. A
  ciganos recorrem ao médico quando           maioria dos autores faz referência às
  se trata de doenças não muito gra-          dificuldades no acesso à informação
  ves e quando são problemas mais             em geral e, especificamente sobre a
  fortes recorrem aos serviços de ur-         vacinação das crianças, a prevenção
  gências. Em muitas situações, ace-          e o tratamento de determinadas do-
  dem a médicos privados. Existe uma          enças.
  grande flexibilidade na utilização
  combinada de instituições médicas           Do levantamento bibliográfico e do
  públicas e privadas.                        contacto que a Rede Europeia Anti-
                                              Pobreza/Portugal estabelece com a
– Igreja evangélica: a igreja trata           população cigana e com as entidades
  todas aquelas patologias nas quais          que trabalham directamente com es-
  a medicina não tem eficácia de cura          tas comunidades, é possível tirar al-
  tais como as doenças terminais e            gumas ilações e apresentar alguns
  sociais (cancro, VIH/Sida) através          traços gerais sobre este domínio:
  da fé. Um elemento importante a
  ter em consideração é que o “cul-
  to” resulta de um discurso ideo-
  lógico como acções de educação
  para a saúde, como por exemplo,
  a proibição do consumo de drogas,
  servindo desta forma para apoiar o
  discurso médico científico e consti-
  tuindo-se como uma via importante
  para a prevenção.
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 25 ]



• Entre as comunidades ciganas encontramos uma elevada incidência de do-
  enças, má nutrição e mortalidade infantil. A prevalência dessas doenças
  está directamente relacionada com o modo de vida e com a situação de
  pobreza e de exclusão social em que se encontram, como por exemplo: “do-
  enças respiratórias e do esqueleto, diabetes, hipertensão, excesso de peso
  em idades jovem ”, entre outros.

• A medicina preventiva ainda é pouco praticada pelas famílias ciganas, sendo
  a vacinação a forma mais aceite por um maior número de ciganos.

• A deficiente ou inadequada alimentação e nutrição traduzem-se em baixa
  imunização que, por sua vez, se traduz em doenças graves que já foram
  praticamente erradicadas da sociedade maioritária. A este nível ainda se en-
  contram muitas lacunas e deficiências, como por exemplo: excesso de gor-
  duras e açucares, ausência de horários e hábitos alimentares saudáveis.

• Ao nível da vacinação, e apesar de se terem registado importantes melho-
  rias e avanços, ainda tem que se ter em conta as referências encontradas
  sobre a falta de vacinação, o medo e a falta de informação sobre a impor-
  tância das vacinas, em algumas comunidades ciganas.

• Os homens não estão sensibilizados para a prevenção das doenças, pois as
  solicitações das comunidades ciganas orientam-se para a cura imediata das
  doenças.

• A tradição da venda ambulante, o contacto com sectores marginalizados da
  sociedade, as suas condições sócio-económicas e a dificuldade de acesso à
  informação, parecem explicar a vulnerabilidade e a expansão do consumo
  e tráfico de droga na comunidade cigana. A comunidade cigana não con-
  segue recorrer aos serviços competentes e adequados de recuperação e
  tratamento que os possam ajudar a enfrentar a situação, visto que os ser-
  viços não estão “disponíveis” para os atender (listas de espera) e não estão
  preparados para responder tendo em conta as especificidades desta etnia. É
  frequente nestas comunidades uma recusa em enfrentar esta problemática
  devido à vergonha em assumir e a tentativa de dar resposta no interior da
  comunidade (interiorização/fechamento dos seus problemas).
• A infecção VIH/Sida, por sua vez, surge a par ou secundariamente aos pro-
  cessos de prevenção e tratamento da toxicodependência. Neste nível, é im-
  portante referir que a relação entre as instituições e as comunidades ciga-
  nas, a coesão e o fechamento da comunidade, a incompreensão de certos
  elementos culturais originam diversas resistências a processos de tratamen-
  to.
• Os serviços de saúde pelo seu funcionamento padronizado, têm dificuldade
  em chegar a estes grupos minoritários ou têm comportamentos mais re-
  pressivos demitindo-se de tomar algumas atitudes e aumentando a descon-
  fiança mútua.

• Dificuldades de articulação com os serviços de saúde que se revelam na in-
  satisfação/descontentamento com o funcionamento/capacidade de resposta
  dos serviços e com a não utilização ou utilização desadequada dos recursos
  de saúde por parte das comunidades ciganas. Por parte dos serviços de
  saúde, verifica-se que estes não contemplam as especificidades e peculiari-
  dades destas comunidades – relação de relativa distância.
[ 26 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde



    • Apesar de algumas famílias já terem médico de família e serem seguidas,
      dessa forma, pelos centros de saúde ainda preferem recorrer aos hospitais
      em situações quer de emergência, quer noutra situação.

    • Pouca consciência da importância da educação para a saúde.

    • Solidariedade, unidade e coesão social – quando os membros das comuni-
      dades ciganas são hospitalizados os restantes membros entram num estado
      de luto que termina quando o doente regressa a casa e fica bem.


Analisando especificamente a saúde                 doenças. Assim, é pertinente realçar
das mulheres ciganas, é necessário                as seguintes características:
referir a incidência de determinadas



    • Elevadas taxas de maternidade precoce e sem acompanhamento médico da
      gravidez ou de pós-parto- ausência de prática generalizada de acompanha-
      mento e vigilância de gestaçao
    • Un elevado número considerável de partos sem assistência médica (muitas
      vezes os partos acorrem em casa) e um elevado médio de filhos. Desta for-
      ma, a gravidez não é habitualmente motivo de recurso a consulta médica,
      embora cada vez mais mulheres ciganas o façam nos primeiros meses para
      confirmar se estão grávidas e no final para verificar se está tudo bem.
    • A contracepção é prática pouco comum, embora comece a ser mais frequente
      nas mulheres mais jovens. Verifica-se, igualmente, a falta de cuidados médi-
      cos imediatos e de cuidados pré-natais, o que demonstra uma vez mais uma
      despreocupação e um desinteresse relativamente à saúde (especificamente a
      medicina preventiva).
    • Pouca prevenção das doenças ginecológicas (infecções sexualmente trans-
      missíveis) e em alguns casos verifica-se a ausência de planeamento familiar.
      Alguns métodos contraceptivos não são utilizados porque não os conhecem e
      ainda persistem alguns mitos e ideias.


Como conclusão e tendo em conta, os               das comunidades ciganas é claramen-
indicadores utilizados pela Comunida-             te deficiente. Não obstante, e tendo
de Cientifica Internacional para medir             presente os trabalhos desenvolvidos
as Desigualdades de Saúde8, pode-se               nesta área, a presente situação está
considerar que a situação de saúde                mais relacionada com a falta de igual-
                                                  dade em termos de oportunidades
                                                  para a vida e para o acesso/utilização
8    Os indicadores mais utilizados são: a mor-
    talidade, a morbilidade, a percepção da       dos recursos (serviços de saúde) do
    saúde, o comportamento relacionadas com       que com factores genéticos intrínse-
    a saúde; o acesso e o uso adequado dos        cos às comunidades ciganas.
    serviços de saúde
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 27 ]



• As carências educacionais, económicas e de habitação são factores que
  determinam o bem-estar e a qualidade de vida da população.
• Os processos de exclusão e marginalização social limitam o acesso e a
  utilização que as pessoas fazem do serviço de saúde.
• A cultura compreende também as representações do corpo, da saúde e da
  doença.
• Na doença deve-se ter presente uma componente biológica e cultural.
• Aspectos relevantes na relação comunidade cigana-saúde-doença:
 – A saúde não é entendida como uma necessidade prioritária
 – Concepção de saúde como ausência de doença, e a doença como uma
   situação “incapacitante”ligada à morte
 – O diagnóstico supõe “colocar nome ao que se tem”.
 – Ausência de práticas de prevenção.
 – O imediatismo associada à rápida resolução de problemas de saúde
 – Inexistência de hábitos higiénicos.
 – Normas tradicionais que actuam como factores de protecção.
 – O cuidado da saúde dos membros da comunidade é assumido pela mul-
   her.
 – O médico é uma figura contraditória: por um lado possui os conheci-
   mentos para curar as doenças e por outro lado é quem diagnostica e
   descobre as doenças.
• Existência de vários modelos médicos:
 – Tradicional: para o tratamento de patologias populares.
 – Científico: representado por profissionais de medicina e de farmácia.
 – Igreja evangélica: para o tratamento de doenças terminais (cancro,
   VIH/Sida).
O sistema nacional de saúde
       e a população cigana

   Recomendações de acção
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 31 ]




Introdução
Apresentamos uma proposta de recomendações9 que oferece, aos diferentes pro-
fissionais do Sistema Nacional de Saúde, orientações para proporcionar serviços
culturalmente adequados às comunidades ciganas respondendo, desta forma, às
suas necessidades de saúde e respeitando a sua identidade cultural como minoria
étnica. O objectivo final é contribuir para a eliminação das desigualdades de saúde
das pessoas ciganas e prevenir o surgimento de possíveis conflitos nos serviços
de saúde.

9    O levantamento dos problemas que afectam as comunidades ciganas e as respectivas recomen-
    dações de acção foi realizado no âmbito dos grupos de trabalho a nível nacional, com a colabo-
    ração de um conjunto de entidades e pessoas que trabalham com estas comunidades e na área da
    saúde.




Estas orientações não devem conce-                   • melhorar o acesso e a qualidade
ber-se como um “receituário”, uma vez                  da saúde, bem como o sucesso das
que são muitos e diversos os factores                  suas intervenções
que influenciam este processo como,
por exemplo: o serviço no qual trabal-               • prevenir o surgimento de possíveis
ham os técnicos de saúde (recursos,                    conflitos
organização, direcção, etc.); o tempo                • capacitar   progressivamente    os
disponível para atender cada doente;                   membros das comunidades ciganas
as características gerais do território                para o cuidado da sua própria saú-
e a população que se atende assim                      de
como a motivação e o posicionamento
dos próprios profissionais face a estas               • promover junto dos técnicos de saú-
comunidades. Deste modo, apresen-                      de atitudes pró-activas tendo em
tamos um conjunto de estratégias de                    conta a diversidade cultural
forma a capacitar a população ciga-
                                                     Desta forma, abordaremos uma sé-
na para o cuidado responsável da sua
                                                     rie de recomendações práticas ten-
própria saúde e o uso adequado dos
                                                     do presente os seguintes serviços de
serviços de saúde. Trata-se, igual-
                                                     saúde:
mente, de oferecer um conjunto de
recomendações, através de um con-                    • Serviço Nacional de Saúde
hecimento específico sobre a cultura
cigana que nos permita entender as                   • Centros de Saúde e Áreas específi-
suas atitudes, as suas formas de vida                  cas de saúde
e o seus comportamentos nos serviços
                                                     • Centros hospitalares
de saúde, de forma a obter alguns re-
sultados ao nível dos seguintes itens:
[ 32 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde



Serviço Nacional de Saúde
Uma das lacunas do Sistema Nacional            Actualmente, detecta-se no nosso sis-
de Saúde relativamente às minorias             tema público de saúde algumas dificul-
étnicas é a “inclusão da diferença”.           dades que impedem esta inclusão da
Esta expressão considera que a diver-          diferença, e para a ultrapassar, propo-
sidade cultural deve ser, no nosso país,       mos as seguintes recomendações:
um elemento transversal na planificação
das acções que se realizam a partir dos
serviços de gestão de saúde.



Dificuldades               Recomendações

Desigualdades             • Promover a equidade e a acessibilidade aos cuidados de saú-
                            de com qualidade e congruentes com a cultura cigana, atra-
de saúde das                vés da realização de iniciativas bem planeadas e com con-
Comunidades                 dições de sustentabilidade/continuidade;
Ciganas e a ausência      • Os serviços de saúde (centros de saúde e os hospitais) devem
de informação/              procurar melhorar a qualidade das respostas dadas a esta co-
                            munidade através dos seguintes elementos:
indicadores de saúde
                            – Adaptação dos procedimentos e modelos organizativos.

                            – Facilitação da acessibilidade aos serviços de saúde.

                            – Melhoria da preparação/formação das equipas profissio-
                              nais.

                          • Cooperação e a complementaridade dos serviços de saúde;

                          • A área da saúde deve estar sempre presente nas diversas
                            iniciativas e projectos a desenvolver, no sentido de obter e de
                            recolher alguns dados específicos sobre esta comunidade;

                          • Acções que promovam a credibilidade dos serviços através de
                            “visitas” guiadas e complementadas com folhetos informati-
                            vos sobre os vários serviços de saúde de forma a contrariar o
                            desconhecimento existente entre as comunidades ciganas e
                            os serviços de saúde;

                          • Realização de estudos a nível micro que proporcionem infor-
                            mação pertinente sobre as necessidades e os comportamen-
                            tos relacionados com a saúde e a comunidade cigana, tais
                            como:

                            – Estudos de prevalência da infecção VIH/Sida, tuberculose e
                              DTs, hepatites B e C, toxicodependência, entre outros,

                            – Avaliação de risco, estudos de vigilância comportamental,

                            – Análise de factores que influenciem e dificultam o acesso
                              destas comunidades ao serviço de saúde (as desigualdades
                              existentes) e identificar constantemente medidas que con-
                              trariem esses factores;
                          • Sempre que possível ter presente a monitorização de alguns da-
                            dos relativamente às questões de saúde nestas comunidades.
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 33 ]




Dificuldades             Recomendações

Sistema de saúde        • Articulação entre os projectos e a implementação de parce-
                          rias entre os serviços de saúde e as instituições que trabal-
fechado e rígido,         ham com estas comunidades;
não existindo uma
                        • Encaminhamento e acompanhamento dos membros das co-
atenção especifica         munidades ciganas para os serviços de saúde através de uma
para a diversidade        rede de referência entre serviços de saúde- profissionais do
                          social – comunidade;
cultural dos utentes
(protocolos de gestão   • colaboração e articulação inter-sectorial e multidisciplinar dos
                          profissionais;
e procedimentos
rígidos; os             • incentivar a intervenção fora dos gabinetes e dos “muros”
                          dos serviços de saúde, promovendo projectos com estruturas
profissionais              de proximidade (unidades móveis)
encontram-se muito
                        • flexibilidade e simplificação dos procedimentos e das regras
voltados para si          de funcionamento, colocando a ênfase na humanização, na
próprios – trabalho       gestão dos espaços/salas de espera , entre outros;
de gabinete)            • sistematização contínua da informação sobre a organização
                          dos diversos serviços de saúde;

                        • mecanismos de articulação simplificados com os diferentes
                          serviços e especialidades médicas;


Insuficiente             • formação especifica sobre as características e os aspectos
                          culturais da comunidade cigana, de preferência com elemen-
informação e              tos da própria comunidade;
sensibilização para
                        • adaptação dos dispositivos e dos procedimentos de assistên-
as questões da            cia e de acolhimento existentes às características que estas
multiculturalidade        comunidades apresentam;
e diversidade           • elaboração de documentos técnicos adequados à diversidade
cultural (ausência        cultural
de sensibilização       • respeito pela diversidade cultural por parte dos profissionais,
para as questões da       promovendo e apoiando iniciativas de caracter informativo e
                          formativo;
comunidade cigana)
                        • apostar na animação cultural para as crianças ciganas nos
                          serviços de saúde;
[ 34 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde




Dificuldades               Recomendações

Ausência de               • realizar campanhas de prevenção adaptadas a esta comuni-
                            dade, sendo os próprios elementos da comunidade os prin-
um trabalho                 cipais agentes e destinatários (utilizar membros-chave da
de prevenção e              comunidade – patriarca, as mulheres, as associações ciga-
sensibilização da           nas);

comunidade cigana         • promover unidades móveis temporárias junto das comunida-
                            des ciganas no sentido de informar, orientar e criar laços de
para a questão da           proximidade e de confiança para incentivarem e motivarem
saúde                       os ciganos a recorrerem aos serviços de saúde;

                          • envolver as associações, as instituições locais e a comunida-
                            de cigana em acções de sensibilização e informação sobre as
                            questões gerais de saúde utilizando meios e materiais adap-
                            tados a esta comunidade;


Marginalização            • fomentar a presença e a participação dos membros da comu-
                            nidade cigana no design, implementação, execução e ava-
e exclusão destes           liação dos programas que lhes são dirigidos;
membros às
                          • promover o desenvolvimento de diferentes parcerias, articu-
campanhas e                 lando diferentes estruturas e sectores no âmbito da promoção
programas públicos          da saúde das comunidades ciganas: Ministério da Saúde,
                            Alto Comissariado para as Minorias Étnicas; Alto Comissa-
de saúde                    riado para a Saúde; Coordenação para a Infecção VIH/Sida,
                            Ministério da Educação, Comunidades Ciganas (associações
                            ciganas) e outras organizações que trabalham no âmbito das
                            comunidades ciganas;

                          • envolver todos os Organismos e Departamentos do Ministério
                            de Saúde visto que compete aos serviços centrais a formu-
                            lação e a implementação de medidas que permitem melhorar
                            o acesso à saúde e atenuar as desigualdades existentes.
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 35 ]



Centros de Saúde e
Áreas específicas de Saúde
Considerações previas                        podem ser evitados se utilizarmos e
                                             interpretamos correctamente deter-
Os centros de saúde são a porta
                                             minados códigos culturais que estas
de entrada do Sistema Nacional de
                                             comunidades apresentam como, por
Saúde. Os profissionais destes ser-
                                             exemplo, a linguagem, as tradições e
viços devem ser considerados como            os costumes.
os “condutores” e os “assessores”
dos pacientes no Sistema Nacional de         É evidente que também algumas des-
Saúde. No caso das comunidades ci-           tas dificuldades estão associadas à
ganas, esta função adquire especial          relação que os ciganos estabelecem
relevância visto que muitas vezes es-        com os serviços de saúde e com os
tas comunidades desconhecem como             seus profissionais. Por outro lado,
utilizar os diversos serviços de saúde.      também é necessário a capacitação e
Assim, é pertinente que estes serviços       o compromisso da população cigana
possibilitem o processo de “aprendi-         para que conheçam o funcionamen-
zagem” das pessoas ciganas nos prin-         to dos serviços de saúde no sentido
cipais cuidados de saúde.                    de se obter a utilização adequada
                                             dos mesmos. No entanto, a relação
Algumas dificuldades que surgem nos           e a percepção que as pessoas ciga-
Centros de Saúde estão relacionadas          nas têm sobre os serviços de saúde
com o desconhecimento, por parte             funciona basicamente na experiência
dos profissionais de saúde, do pes-           que outros ciganos tiveram. Essa ex-
soal administrativo e de “segurança”         periência, positiva ou negativa, con-
sobre a cultura cigana. Em determi-          hecida “por boca a boca” condiciona a
nadas situações, surgem conflitos que         atitude perante os serviços de saúde.



Dificuldades              Recomendações

Funcionamento            • planificar e avaliar a satisfação/informação prestada pelos
                           utentes e profissionais;
ineficaz dos centros
de saúde (falta          • definir critérios de avaliação (como factor de coesão);
de avaliação,            • recorrer a meios alternativos de comunicação (audiovisual,
de planificação;            formação de pares, articulação com parceiros da comunida-
                           de)
insuficiência de
                         • capacitar os profissionais de estratégias comunicativas:
informação)
                              adequação da linguagem.

                              adequação do nível de informação a prestar.

                         • procurar respostas mais adequadas de qualidade, não per-
                           dendo a especificidade do contexto e das comunidades ciga-
                           nas;

                         • normalizar procedimentos;
[ 36 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde




Dificuldades               Recomendações

Relação de relativa       • cooperação com outras estruturas locais, fomentando o tra-
                            balho em rede (ligação com agentes locais – sociedade civil)
distância entre
as comunidades            • identificar profissionais de referência de forma a obter-se
                            um acompanhamento mais próximo e uma relação de con-
ciganas e os centros        fiança;
de saúde
                          • apostar na existência e na importância de mediadores so-
                            ciais/educadores sociais no sentido de proporcionar visitas
                            domiciliárias (cuidados primários preventivo);

                          • coordenar a informação entre as várias estruturas de saúde
                            e apostar num sistema informativo adequado.


Fase de integração/       • simplificar os procedimentos administrativos
acolhimento               • acompanhamento personalizado;

                          • capacitar o capital humano existente na fase de acolhimento/
                            integração através da formação em relacionamento interpes-
                            soal (multiculturalidade e gestão de conflitos);

                          • repensar o ambiente físico em termos de acessibilidade, de
                            sinalização e de conforto:

                              novas soluções de organização do espaço através da co-
                              operação e articulação com Faculdades de design, capitali-
                              zando o trabalho das turmas finalistas. Introduzir o concei-
                              to de Design Inclusivo;

                              aproveitar os estágios das várias áreas científicas (marke-
                              ting, comunicação, sociologia, enfermagem, entre outros)
                              no sentido de rentabilizar esforço e mais-valias para o fun-
                              cionamento adequado dos serviços de saúde;

                          • informar particularmente os procedimentos dos serviços de
                            saúde (guia de acolhimento);

                          • blocos informativos/educativos nas salas de espera, através
                            da implementação de um circuito interno de comunicação
                            (mensagens escritas e visuais);
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 37 ]




Dificuldades                Recomendações

Planeamento                • abordar as presentes temáticas no seio das próprias comuni-
                             dades;
Familiar
• ausência de planea-      • organizar sessões de sensibilização (diminuir o nº. de ges-
  mento familiar             tações na adolescência respeitando a cultura cigana no que
                             diz respeito à maternidade, uso de métodos contraceptivos,
• problema do género         necessidade de vigilância na gravidez e de rastreio oncológi-
                             co)
• ausência de vigilância
  na gravidez ou quando    • em situações de maior intimidade o profissional de saúde
  existe é tardia            deve ser do mesmo sexo do utente com o intuito de facili-
                             tar a comunicação e evitar constrangimentos ou permitir o
• maternidade precoce        acompanhamento de outra pessoa indicada pela própria.

                           • promover o intercâmbio entre a equipa no sentido de quebrar
                             a questão do género em termos dos profissionais (quando é
                             um médico do sexo masculino, as mulheres ciganas sentem-
                             se um pouco inibidas);


Saúde Infantil             • realizar sessões de educaçâo para a saúde, recorrendo a for-
                             mas lúdicas e proporcionando proximidade, de forma a tra-
(higiene deficiente,          balhar as seguintes áreas:
alimentação
                               importância da vacinação;
inadequada,
cobertura vacinal              higiene oral e corporal;

baixa, ausência                hábitos alimentares, prevenção de acidentes e importância
                               das consultas de vigilância
de vigilância do
desenvolvimento            • acessibilidade – horários de funcionamento
da criança, entre          • reforço positivo recorrendo à doação de brinquedos e livros
outros)

Incidência de              • campanhas de sensibilização para adopção de estilos de vida
                             saudáveis;
doenças infecto-
contagiosas e              • promover a formação de grupos de apoio constituídos por ci-
                             ganos recuperados de problemas de toxicodependência, por
toxicodependências           exemplo;
(dificuldade em
                           • trabalhar a relação entre os membros da comunidade e os
abordar estas                técnicos (investimento numa relação assente na proximidade
questões junto               e na confiança);
das comunidades            • atitude pró-activa dos profissionais face a comportamentos
ciganas)                     de risco;

                           • estabelecer redes de referenciação eficazes que promovam
                             a adesão das comunidades ciganas às estruturas de saúde
                             adequadas.
[ 38 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde


As comunidades ciganas quando es-              dados primários) e as especialidades
tão perante alguma doença recorrem,            que possuem, no sentido de favorecer
na maioria dos casos, aos serviços de          a sua utilização e evitar o colapso dos
urgência hospitalar. Desta forma, o            serviços de urgências.
Centro de Saúde não é o principal              Relativamente às comunidades ciganas
recurso destas comunidades. Por isso,          as especializações médicas que devem
é pertinente transmitir informação so-         ser trabalhadas com especial atenção
bre a existência destes serviços (cui-         são: pediatria e a ginecologia



                                      Pediatria

 • Vacinação: em algumas comunidades a vacinação já está assegurada3, no entanto,
   é necessário continuar a insistir na importância das vacinas para a protecção de do-
   enças graves. Deve-se, igualmente, incidir na explicação do calendário da vacinação,
   na importância do seu cumprimento e nos lugares onde é possível a vacinação;

 • Alimentação infantil: não existe, em alguns casos, consciência da importância de
   que alimentação tem de ser equilibrada para o crescimento adequado das crianças,
   verificando-se alguns erros alimentares;

 • Prevenção dos acidentes domésticos: é frequente que se tenha pouca consciên-
   cia das lesões relacionadas com este tipo de acidentes. Muitas vezes estes acidentes
   estão relacionados com as más condições de habitabilidade.


                    Planeamento familiar e ginecologia

 A reprodução e o sexo são um tema tabu, especialmente para as mulheres. A este nível
 é de salientar que o acompanhamento e a prevenção ginecológica nestas comunidades
 dizem respeito apenas à gravidez e ao parto. Por isso, é necessário ter em conta os
 seguintes aspectos:

 • Planificação familiar: está condicionada por factores culturais, como por exemplo
   o desejo de formar uma família numerosa que assegure a continuidade da etnia e
   o prestígio/ valorização social que a mulher cigana adquire com o nascimento dos
   filhos. A maioria das mulheres ciganas conhece a existência dos diversos métodos
   contraceptivos, mas algumas mulheres não recorrem a estes métodos devido às ex-
   pectativas das suas comunidades sobre a função de mãe. No entanto, esta situação
   está a mudar, principalmente, nas gerações mais jovens.

 • Consultas ginecológicas: geralmente estão muito mistificadas e geram, por vezes,
   sentimentos de angústia e de medo nas mulheres ciganas pelo seu desconhecimento.
   Por isso é importante que:

   – Seja uma mulher (ginecologista) a realizar os diagnósticos ginecológicos regulares;

   – Ter em atenção os aspectos da relação profissional-utente (cliente);

   – Criar um clima de confiança e de compreensão;

   – Respeitar os aspectos culturais relacionados com o sexo e com a reprodução.

 • Menopausa: este processo evolutivo é cada vez mais conhecido entre as mulheres
   ciganas. Todavia são ainda muitas as mulheres que o desconhecem e que enfrentam
   uma série de transformações no seu organismo que são interpretados de forma ina-
   dequada. As consequências agravam os transtornos psicológicos relacionados com o
   aparecimento de sintomas de depressão e ansiedade.
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 39 ]


Profissionais de saúde

Dificuldades                 Recomendações

Racismo e                   • trabalho contínuo de sensibilização de todos os profissionais
                              que fazem parte dos serviços de saúde através de formação
Intolerância                  multicultural, recorrendo igualmente à distribuição de mate-
• preconceitos,  estig-       riais informativos sobre as especificidades destas comunida-
  matização e discrimi-       des;
  nação
                            • promover acções de proximidade face a esta população, ten-
• atribuição pela socie-      tando criar uma relação de confiança e empatia, na tentativa
  dade envolvente de          de desmistificar os estereótipos e os preconceitos existentes
  uma entidade negati-        sobre esta comunidade.
  va (uma cultura e um
  estilo de vida encara-    • compreender o discurso das comunidades ciganas e perceber
  do de modo negativo)        que os ciganos têm outras referências e outras prioridades,
                              respeitando a sua diversidade e a sua diferença;
• medo e desconfiança


• Barreiras de Comuni-      • adaptação dos dispositivos informativos existentes às carac-
  cação (linguagem não        terísticas das comunidades ciganas;
  adaptada às comuni-
  dades ciganas)            • simplificar e fornecer a informação de forma compreensível,
                              evitando uma linguagem técnica;
• Lacuna de comuni-
  cação geral e interpes-   • o profissional que faz o acolhimento deve converter-se numa
  soal                        referência-chave para eles, ou seja, devem tentar cativa-los
                              do ponto de vista afectivo (mostrar sempre disponibilidade
                              para escutar o que dizem, pensam e sentem);

                            • é importante que os profissionais sejam fixos e que sejam
                              uma referência no interior das comunidades ciganas;

                            • é necessário que os profissionais sejam tolerantes e flexíveis
                              com as normas e horários já que para as comunidades ciga-
                              nas é especialmente difícil cumprir este requisito;

                            • o mediador intercultural deve assumir um papel pertinente
                              através do acompanhamento, de explicações e de transmis-
                              são de informação;

                            • apostar numa comunicação mais apelativa, valorizando os
                              seus elementos culturais;

                            • dinamizar grupos de trabalho temáticos (com os profissio-
                              nais de saúde) relacionados com as comunidades ciganas no
                              sentido de melhorar a comunicação e os procedimentos com
                              estes;
[ 40 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde




Dificuldades               Recomendações

Ausência de               • apostar na formação intercultural dos profissionais de saú-
                            de durante o percurso académico e na vida profissional com
conhecimento sobre          vista à prestação de cuidados de saúde congruente com a
as características          cultura cigana;
e a cultura das           • incluir as características e os aspectos culturais da comunida-
Comunidades                 de cigana nos diferentes níveis de formação:
Ciganas por parte           – formação inicial e nas várias áreas do social, incluindo as
dos profissionais de           áreas de saúde;
saúde                       – formação especializada ou formação pós-graduada;

                            – acções de formação para profissionais.

                          • criar grupos de trabalho/fóruns de reflexão para os profis-
                            sionais de saúde e da área do social no sentido de perma-
                            nentemente promoverem o acesso destas comunidades aos
                            serviços de saúde e de estarem atentos às dificuldades que
                            estas apresentam (definição de práticas profissionais);

                          • apostar na formação de mediadores para a área da saúde;

                          • divulgação de experiências (programas/projectos) de pro-
                            moção da saúde integral das comunidades ciganas no terri-
                            tório nacional.
Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 41 ]


Comunidades Ciganas                         saúde dispõem e consequentemente,
                                            a sub-utilização ou utilização desade-
Em relação às comunidades ciganas,
há que considerar de forma mais efec-       quada dos recursos, designadamente
tiva aquilo que se conhece acerca dos       dos centros de saúde. É ainda de re-
padrões de utilização dos serviços de       ferir as atitudes dos profissionais que
saúde por parte destas comunidades.         se caracterizam por uma certa discri-
Neste domínio, não pode deixar de ser       minação e preconceito. São estes as-
referido um conjunto de elementos           pectos que influenciam o acesso/não
pertinentes: o desconhecimento dos          acesso das comunidades ciganas aos
recursos que os diversos serviços de        serviços de saúde.



Dificuldades             Recomendações

Não utilização/uso      • acções de informação para as comunidades ciganas sobre
                          os mecanismos e os procedimentos de funcionamento dos
inadequado dos            serviços de saúde, explicando o que é um centro de saúde, o
diversos serviços de      que podem esperar dos serviços de saúde, o que se faz, quais
saúde (não recorrem       são os procedimentos de acesso, entre outros;

aos serviços de         • colaboração entre os serviços de saúde e as associações ciga-
                          nas – estratégia de acção que permite facilitar a relação com
saúde para prevenir       a população cigana e constituir um mecanismo de acesso aos
doenças, mas sim em       serviços de saúde
casos limite e nesses   • meios/suportes informativos que tenham presente os vários
casos, directamente       serviços de saúde, os procedimentos, as regras, os direitos
aos serviços de           e os deveres. As estratégias de sensibilidade não poderão
                          passar apenas por informação escrita, visto que existe uma
urgência hospitalar)      elevada taxa de analfabetismo;

                        • incluir o mediador como figura profissional nos serviços de
                          saúde no sentido de fomentar pontes/laços entre as comuni-
                          dades ciganas e os profissionais de saúde;


Fraca consciência       • adopção de estratégias de proximidade no sentido de aproxi-
                          mar, intervir e levar esta informação aos locais onde eles se
colectiva da              encontram;
importância da
                        • descentralização dos cuidados primários de sáude através de
educação para a           unidades móveis;
saúde
                        • sessões de educação para a saúde no sentido de demonstrar
                          a eficácia do cumprimento de algumas “regras” de saúde;

                        • sensibilizar as associações ciganas e os líderes das comu-
                          nidades no sentido de obter uma consciência colectiva de
                          educação para a saúde, pois estes encontram-se mais próxi-
                          mos das comunidades ciganas. Esta sensibilização pode ser
                          realizada através do fomento e realização de actividades de
                          formação na área da saúde;
[ 42 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde




Dificuldades               Recomendações

Altos níveis              • necessidade de programas e estratégias de promoção da
                            qualidade de vida destinadas a combater a pobreza (essen-
de pobreza,                 cialmente ao nível da habitação; saúde; emprego/formação
baixos níveis               profissional; segurança social; entre outros):
de escolaridade             – acção intersectorial numa perspectiva integrada, da par-
influenciam                    ticipação das comunidades ciganas e dos agentes locais e
                              sobretudo da sua cooperação para saírem de forma sus-
negativamente os              tentada da situação de pobreza e exclusão social;
padrões de saúde
                            – apostar num conjunto de respostas sociais assentes no re-
dos ciganos                   conhecimento de um direito de cidadania;

                            – acções de pré-profissionalização, formação profissional e
                              estágios profissionais de forma a facilitar a entrada destas
                              comunidades no mercado de trabalho;

                            – cursos profissionalizantes e a frequência do Ensino Reco-
                              rrente enquanto oportunidade de conclusão de estudos ou
                              cumprimento da escolaridade obrigatória;

                            – criar uma resposta mais eficaz às necessidades de habi-
                              tação;
Guia para profissionais de saúde sobre a comunidade cigana
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Guia para profissionais de saúde sobre a comunidade cigana

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  • 2. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde
  • 3. Published by: Fundación Secretariado Gitano Ahijones, s/n – 28018 Madrid Tel.: 91 422 09 60 Fax: 91 422 09 61 E-mail: fsg@gitanos.org Internet: www.gitanos.org Designed and printed: A.D.I. I.S.B.N.: xxxxxxxxx Depósito legal: © FSG Madrid 2007 “O presente documento foi financiado pela Comissão Europeia. A publicação é da autoria da REAPN e a Comis- são europeia não tem qualquer responsabilidade no seu conteúdo e pelo uso que possa ser feito do mesmo”..
  • 4. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 3 ] Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Uma aproximação à Cultura Cigana ..................... 9 A população cigana na Europa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 A população cigana em Portugal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 A Comunidade Cigana e a Saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 Considerações Básicas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 Percepção da Saúde . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 O sistema nacional de saúde e a população cigana . . . . . . . . . 29 Glossário de termos sobre a cultura cigana . . . . . . . . . . . . . . . . 47 Anexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
  • 5.
  • 6. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 5 ] Apresentação O presente manual foi elaborado no direitos humanos dos cidadãos euro- âmbito do projecto Sastipen “Redução peus. Assim, o projecto visa recolher das Desigualdades de Saúde nas Co- informação sobre a situação actual das munidades Ciganas”, financiado por Comunidades Ciganas relativamente DG SANGO – Comissão Europeia à saúde, comparando com a situação (2005-2006). O projecto foi desen- da sociedade maioritária no sentido de volvido em 9 países pelas seguintes definir um conjunto de recomendações entidades: Azienda USL5 Pisa (Itália); e estratégias de intervenção dirigi- Coordinamiento Nazionale Comunitá das aos responsáveis pelas decisões; di Accoglienza - CNCA (Itália); Efxi- identificando as principais causas; no- ni Poli (Grécia); Initiative for Health Foundation (Bulgária); Khetanipe for meadamente o inadequado acesso da the Roma Unity Association (Hungria); população cigana aos serviços de saú- Democratic Change Slovakia - PDCS de, o uso inadequado destes serviços (Eslováquia); Rede Europeia Anti-Po- devido aos hábitos culturais com vista breza – REAPN (Portugal); Roma Cen- a planificar formação e a mobilizar as tre for Social Intervention and Studies principais partes interessadas, ana- - Roma CRISS (Roménia); o governo lisando as causas socio-económicas da República Checa – Comissário para e ambientais em detrimento dos pa- os Direitos Humanos (República Che- drões de saúde e o papel dos líderes da ca); Health for Roma Foundation (Bul- comunidade, dos mediadores sociais gária) e Fundación Secretariado Gita- e das mulheres ciganas na promoção no (Espanha) como o coordenador do da saúde com vista a adquirir um con- projecto. junto de capacidades e conhecimentos A população Cigana dos países envol- fundamentais. vidos caracterizam-se por padrões de Desta forma, gostaríamos de agra- vida deficitários, particularmente em relação à saúde, fazendo com que esta decer à Comissão Europeia para a minoria seja vulnerável às doenças concretização do nosso objectivo em que foram erradicadas da sociedade reduzir as desigualdades de saúde maioritária. A erradicação das des- apresentadas pelas Comunidades Ci- igualdades de saúde apresentadas pe- ganas na Europa e promover a melho- las Comunidades Ciganas deve cons- ria da situação actual de saúde nestas tar na agenda política para garantir os comunidades.
  • 7.
  • 8. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 7 ] Introdução A Rede Europeia Anti-Pobreza/Portugal (REAPN) vem desenvolvendo, desde Fevereiro de 2005, o Projecto “SASTIPEN: Redução das Desigualdades de Saú- de nas Comunidades Ciganas”. Este projecto integra-se no âmbito do Programa Europeu de Saúde Pública (2003-2008) e tem como principal objectivo melhorar a qualidade de vida e de saúde das comunidades ciganas, reduzindo as desigual- dades que estas comunidades apresentam através de um conjunto de acções/re- comendações e de uma estratégia de saúde integrada e intersectorial. Trata-se de uma parceria transnacional (Espanha, Portugal, Grécia, Itália, Bulgária, Roménia, Hungria, Eslováquia e República Checa), composta por entidades cuja área de intervenção incide nas comunidades ciganas. No âmbito de um conjunto alargado de recebam um tratamento igual e cultu- actividades, o projecto compreende a ralmente adequado às suas necessi- elaboração do Guia para a Inter- dades específicas. venção com a Comunidade Cigana Assim, o objectivo deste manual é ofe- nos Serviços de Saúde. A saúde é recer aos diferentes profissionais um indicador importante de desigual- do sistema de saúde, um conjunto dades nas comunidades ciganas, de de recomendações, que orientem qualidade de vida e de participação a sua intervenção em relação aos na sociedade civil como cidadãos de pacientes da etnia cigana. Preten- pleno direito. As condições de carên- demos com este guia contribuir para cia sócio-económica, os deficits edu- o desenvolvimento de serviços de cativos, as dificuldades de acesso ao saúde culturalmente adequados mercado de trabalho, as deficiências à população cigana no sentido de no cuidado de saúde e da sua qualida- satisfazer os principais cuidados de de vida, são elementos que situam de saúde, reconhecendo e respei- os ciganos entre os grupos mais vul- tando a sua identidade cultural. neráveis da União Europeia. Pretende-se, igualmente, suprimir a A elaboração deste guia responde, existência de um conjunto de ideias assim, à necessidade de minimizar pré-concebidas e generalizadas que as desigualdades de saúde das co- influenciam negativamente a inter- munidades ciganas, principalmente, venção com a população cigana, como ao nível da acessibilidade aos bens por exemplo: e recursos que os serviços de saúde dispõem. A pertinência desta ques- • Os ciganos são um povo marginali- tão, na qual estão envolvidos todos os zado profissionais (profissionais de saúde, • A população cigana é uma ameaça administrativos, entre outros) exige para os serviços de saúde a necessidade de implementar e ar- ticular medidas de acção, de forma a • Não se pode oferecer um tratamen- assegurar que todas as pessoas ciga- to específico às comunidades ciga- nas que acedem ao sistema de saúde nas
  • 9. [ 8 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde Estes preconceitos e estereótipos, Em relação à utilização do presen- consequência do desconhecimento te manual é imprescindível ter em sobre os valores sociais e culturais da consideração as seguintes pre- comunidade cigana, provocam nume- missas: rosos conflitos que surgem quando as pessoas ciganas acedem aos serviços • Como se trata de um documento de saúde. Ao longo deste guia, apre- global e integrado a sua utilização sentamos um conjunto de elementos exige uma leitura e uma compre- e recursos que contribuem para a eli- ensão de todos os elementos que se minação de certos preconceitos as- apresentam. sim como um conjunto de orientações • Não se deve interpretar como uma práticas que devem ser implementa- carga extra de trabalho para os pro- das nestes serviços. fissionais de saúde, mas sim como Os conteúdos que apresentamos es- um instrumento de melhoria da sua truturam-se em torno de três capítu- prática profissional considerando a los claramente diferenciados: influencia que tem os factores so- ciais e culturais na doença e na re- • Capítulo I: análise sócio-cultural lação com os utentes do sistema de da situação actual e das caracte- saúde. rísticas das comunidades ciganas. Destacam-se, particularmente, os • Não se deve generalizar a ideia de aspectos culturais e ambientais re- paternalismo ou de favoritismo da lacionados com a saúde destas co- comunidade cigana. Parte-se da si- munidades. tuação de desigualdade em que vi- vem as comunidades ciganas e que • Capítulo II: proposta de actuação têm os mesmos direitos e deveres para os serviços de saúde. Trata-se que o resto dos cidadãos da socie- de orientações que não afectam a dade maioritária. prática terapêutica dos profissionais de saúde, mas têm uma grande in- • Temos consciência das limitações fluência no sucesso dos tratamentos do sistema de saúde e dos seus pro- e na prevenção de possíveis confli- fissionais, mas também que é pos- tos. sível a integração de boas práticas de acção, no sentido de melhorar a • Capítulo III: boas práticas de ac- relação existente entre os interve- tuação tendo por base experiências nientes e minimizar as desigualda- realizadas a nível nacional des de saúde.
  • 10. Uma aproximação à Cultura Cigana
  • 11.
  • 12. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 11 ] A população cigana na Europa Origem O povo Rom está presente na Europa há muito tempo. Chegaram entre os séculos XIV e XV principalmente a Espanha, Portugal, França, Alemanha, Rússia, Roménia e Hungria. Apesar de possuir uma identidade cultural comum, a população cigana na Europa não é um grupo unitário, mas sim diversos grupos (comunidades). Esta heterogeneidade, que se verifica em cada um dos países e entre as suas diversas re- giões, deve-se a adaptações diferenciadas aos países de acolhimento e aos diferentes processos migratórios que tiveram lugar quando saíram do lugar geográfico de ori- gem (a zona do Punjab na Índia). Alguns dos seus costumes resistiram à cultura dos países hóspedes como, por exemplo, os ritmos e os bailes folclóricos, assim como algumas palavras da sua língua originária – o ROMANÓ. A população cigana, devido ao seu ca- União Europeia, tais como Roménia racter de povo errante e nómada e às (cerca de dois milhões e meio), Hun- especificidades culturais que apresen- gria (600.000), Bulgária (perto de tam, sempre vitimas de perseguições 500.000), Republica Eslovaca (cerca e sofreram situações de escravatura. de 400.000) e Republica Checa (cerca Esta história de discriminação con- de 300.000). Antes da adesão dos no- duziu a múltiplas situações de pobre- vos países à União Europeia, em Maio za e exclusão social que muitas das de 2004, a Espanha, com mais de comunidades ciganas vivenciam ainda 650.000 ciganos, era o país da União actualmente, e que os situa entre os Europeia com maior número de ciga- grupos mais vulneráveis e mais pobres nos. da Europa (exclusão que se acentua nos países mais pobres do continen- O relatório “A situação dos Ciganos na te e nos antigos estados comunistas). União Europeia Alargada” publicado Não será assim de estranhar, as re- pela Comissão Europeia em Novem- lações conflituosas existentes entre bro de 20041, apresenta os principais os ciganos e não ciganos ao longo do elementos no que diz respeito aos ci- tempo. ganos nas seguintes áreas: Educação: Situação actual das Comunidades Em muitos países, existe uma ten- Ciganas dência para a segregação estabele- A população cigana é a principal mi- cida entre as crianças ciganas e não noria étnica europeia. Estima-se que, ciganas e pelo facto das crianças não na actualidade, vivem na Europa en- beneficiarem de um serviço educativo tre sete e nove mil milhões de pes- adequado. Apesar das crianças ciga- soas ciganas, das quais, cerca de 2/3 habitam nos países centrais e de les- 1 Situação dos Ciganos na União Europeia te. A maioria desta população concen- Alargada, U.E, 2004. Este relatório encon- tra-se nos países candidatos à ades- tra-se disponible em várias línguas e no ão e nos membros mais recentes da seguinte site: http://europa.eu.int/comm/ employment_social/fundamental_rights
  • 13. [ 12 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde nas serem incluídas nas escolas “nor- marginalização e, consequentemente, malizadas”, estas dispõem de poucos de exclusão social. meios para reconhecer as suas espe- cificidades, existindo fortes riscos de Serviços de saúde: ghetização. No domínio da formação A pobreza e as más condições de habi- ao longo da vida, constata-se uma tabilidade destas comunidades, asso- ausência, nos Estados-membros, da ciadas à discriminação persistente nos identificação dos ciganos como grupo- serviços de saúde, levam a uma in- alvo político e, consequentemente, de cidência considerável de algumas do- medidas e estratégias direccionadas enças, designadamente a tuberculose para este grupo; e a hepatite. A marginalização das co- munidades ciganas, as suas condições Emprego: socio-económicas e a dificuldade de Na estratégia europeia de emprego, a acesso às estruturas de informação, questão da raça e da etnia não foram de educação e de saúde pública, fa- alvo de uma atenção particular, apesar zem com que estas comunidades se- de ser evidente que existe discrimi- jam particularmente vulneráveis ao nação no mercado de emprego devi- consumo e ao tráfico de drogas, com do à pertença étnica e que a discri- um acesso muito limitado aos orga- minação racial constitui um obstáculo nismos adequados de recuperação e significativo no acesso ao mercado de tratamento. emprego. Poucos Estados-membros identificam as comunidades ciganas Questões Gerais: como destinatários específicos nos – Os sistemas de protecção social na seus planos nacionais de acção para o Europa permitem que os ciganos emprego e isto apesar da taxa de des- não participem no sistema de segu- emprego entre estes grupos continuar rança, quer deliberadamente, quer a rondar os 80% em alguns países. Os por negligência. Existem evidências ciganos são, igualmente, confrontados de que se aplicam medidas discri- com importantes obstáculos no aces- minatórias relativamente às ajudas so ao mercado de emprego e são, à partida, mais vulneráveis a situações sociais dos ciganos. de desemprego. – Um problema comum a toda a Euro- pa é a falta de documentação sobre Habitação: as comunidades ciganas, nomeada- Esta área é sensivelmente a menos mente no que diz respeito às certi- desenvolvida no âmbito da política da dões de nascimento, de casamento União Europeia. No entanto, desem- e de residência. Esta situação pro- penha um dos papéis mais importan- voca alguns problemas no acesso tes no processo de inclusão social dos aos serviços sociais. ciganos e de outras minorias étnicas excluídas. A este nível, os ciganos con- – No que respeita ao género, muitas tinuam a viver sem as condições mí- mulheres enfrentam uma dupla dis- nimas de habitabilidade, salubridade criminação e, consequentemente, e higiene (designadamente sem elec- baixos níveis de acesso à saúde, à tricidade, água potável e rede de es- educação e a outros serviços. Dado gotos) e encontram-se em bairros so- o papel da mulher na educação dos ciais periféricos e em barracas, o que seus filhos, esta situação é particu- acentua ainda mais a sua situação de larmente preocupante.
  • 14. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 13 ] A população cigana em Portugal Dados demográficos inquérito realizado junto das Câma- ras Municipais e de outras entidades Apesar do reconhecimento geral das (2001) apenas conseguiram apurar vulnerabilidades que caracterizam um número total de 21 831. O mesmo estas comunidades, constata-se a estudo conclui que as comunidades inexistência de dados e indicadores ciganas estão especialmente concen- no âmbito dos indivíduos pertencen- tradas no litoral e nas zonas frontei- tes às comunidades ciganas. De facto, riças, com especial concentração em os dados quantitativos sobre a popu- Lisboa, concluindo que 31% dos ci- lação cigana são de difícil obtenção, já ganos vivem em situação precária, que não só não existem estudos ex- especialmente nos distritos de Viana tensivos com preocupações de recen- do Castelo, Castelo Branco, Coimbra seamento dos habitantes portugueses e Évora.3 pertencentes à comunidade cigana, como por outro lado, as fontes insti- Segundo o estudo da Alexandra Cas- tucionais pertencentes ao estado, que tro4, são cerca de 20 mil ciganos5 dispõem de dispositivos que poderiam existentes em Portugal Continental, recolher essa informação, recusam sendo o distrito do Porto o que con- com base na Constituição Portuguesa, centra um maior número absoluto de qualquer tipo de recenseamento ou ciganos (2268), seguido dos distritos registo que especifique a etnia, a raça de Lisboa (1882), Faro (1688), Braga ou a cor. Desta forma, sobre estas co- (1566) e Aveiro (1536). munidades há uma lacuna de infor- mação, sobretudo no que diz respei- Mas todas as estatísticas encontradas to a dados quantificáveis fiáveis. Esta são meras aproximações à realidade, situação favorece o desconhecimento visto que como já foi referido, os ciga- sobre o modo de vida destas comuni- nos são considerados cidadãos portu- dades, dificultando o estabelecimento gueses que não podem, para nenhum de pontes/laços sociais com esta co- efeito, ser identificados de forma dis- munidade com características espe- tintiva em relação aos restantes cida- cíficas e que permanece afastada da dãos. sociedade maioritária. Este facto difi- Segundo o relatório ECRI (Comissão culta a obtenção de um conhecimen- Europeia Contra o Racismo e a Into- to exacto sobre o número de ciganos lerância) para Portugal, as questões que existe no nosso país. relacionadas com o racismo e a in- Em termos de contextualização geral, tolerância estão a conseguir alguns verificamos que as primeiras referên- avanços. No entanto, ainda são visíveis cias sobre a presença de comunidades ciganas em Portugal datam do século XV. Actualmente, e apesar do enorme 3 “Sastipen ta li – Saúde e Liberdade, Ciganos grau de incerteza e de imprecisão, os – Números, abordagens e realidades”, SOS números oscilam entre os 30.000 e os Racismo, Lisboa, 2001, p.22 90.000 ciganos portugueses2. No en- 4 O levantamento de dados foi efectuado no âmbito de um projecto de investigação fi- tanto, o SOS Racismo, através de um nanciado pela Fundação para a Ciencia e Tecnologia (SAPIENS/POCIT) em 2004 – Os 2 Segundo a Comissão Europeia contra o Ra- Ciganos vistos pelos outros: proximidade cismo e a Intolerância são entre 50 000 e social em espaços de coexistencia Inter.-ét- 60 000 ciganos existentes em Portugal. Se- nica. cond Report on Portugal, European Comi- 5 Relativamente a estes dados deve-se ter sión Against and Intolerante, Adoptado em presente que 96 concelhos não disponibili- 20 de Março de 2002, Estrasburgo, 4 de No- zaram informação. Por isso estes dados não vembro de 2002, p.21 podem ser considerados exaustivos.
  • 15. [ 14 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde algumas práticas de discriminação ao nidades escolares, tendo como prin- nível das comunidades ciganas. cipais argumentos a manutenção dos seus hábitos, tradições e costumes, Situação actual não facilitando o acesso das crianças à escola, particularmente no caso das Em Portugal, as comunidades ciga- crianças de sexo feminino. nas são um dos grupos mais afecta- dos por fenómenos de pobreza e de Emprego: exclusão social e no qual persistem muitos preconceitos e estereótipos, Em relação à sua situação perante sendo por isso pertinente em qual- o trabalho existem, hoje em dia, al- quer intervenção ter presente as suas guns sinais claros da necessidade e especificidades culturais, económicas da emergência de uma adaptação ao e sociais. As condições precárias de presente e ao futuro próximo, bem habitação, as baixas qualificações es- como de um reforço de competên- colares e profissionais, e a dificuldade cias entretanto adquiridas que não de acesso à maioria dos bens e ser- são de menosprezar6, através da for- viços de saúde, emprego, educação mação profissional. Criaram-se novas e formação, entre outras carências, expectativas de vida e novas e legíti- marcam a vida nestas comunidades mas aspirações. Embora, por um lado onde a pobreza tende a perdurar e a sejamos tentados a pensar que estas transmitir-se de geração em geração. aspirações, que recentemente foram A situação actual da população cigana criadas ou reforçadas (para as quais portuguesa pode resumir-se nos se- contribuíram muitos dos projectos e guintes itens: intervenções feitas com comunidades ciganas em vários locais do país), e Educação: para as quais não existe uma respos- ta evidente ou directa possa constituir Os ciganos apresentam taxas de aban- mais uma frustração. Por outro lado, dono e insucesso escolar elevadas e estas aspirações podem também ser o manifestam problemas de adaptação motor de novas forças e de um maior ao sistema de ensino. Alguns autores poder reivindicativo que importa in- defendem que o insucesso e o absen- centivar e promover, já que foi es- tismo escolar das crianças ciganas sencialmente por ausência de parti- podem ser explicados por dois ele- cipação que os ciganos se encontram mentos: por um lado, o isomorfismo em pleno século XXI, em Portugal, e o etnocentrismo que caracteriza a perante situações de exclusão social escola, enquanto lugar privilegiado de absolutamente inaceitáveis. Assim, preparação para o trabalho, na medi- encontramos comunidades que vivem da em que apresenta formas de fun- de actividades ditas “tradicionais”, e cionamento que em nada se adaptam uma minoria que se enquadra no mer- à forma de estar e à cultura dos ciga- cado formal de emprego. Uma gran- nos, designadamente: as jornadas de de maioria vive ainda da venda em trabalho; os horários fixos; a divisão feiras (designada venda ambulante), do trabalho; as competências indivi- uns porque gostam de facto do que duais e a disciplina. Por outro lado, a fazem, sobretudo pelos aspectos que formação de professores em Portugal caracterizam esta actividade, outros não inclui qualquer tipo de disciplina porque esta é a única actividade a que que contemple as questões da mul- ticulturalidade, não estando muitos 6 Como é possível verificar através da aná- deles preparados para enfrentar a di- lise dos resultados alcançados pelo estudo versidade dos seus alunos. De igual “O Jovem cigano e a formação - atitudes e modo, a própria cultura dos ciganos, e perspectivas frente ao mundo do trabalho”, publicado recentemente pelo Secretaria- como consequência do que ficou dito do Diocesano de Lisboa da Obra Nacional anteriormente, conduz ao seu isola- para a Pastoral dos Ciganos (Dezembro de mento e à resistência face às comu- 1999)
  • 16. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 15 ] têm acesso, devido ao facto de terem ou a estudar sob a forma de estágios. baixa escolarização e, historicamente, A flexibilização de determinadas for- ser uma actividade que correspondia a mações e dos critérios de acesso é uma certa forma de nomadismo nor- uma necessidade premente não só malmente associada a esta etnia. A em relação a este grupo em específico estas dificuldades é necessário consi- como em relação à maior parte das derar, como já referimos anteriormen- populações-alvo destes programas. te, o comportamento discriminatório e a falta de sensibilização dos emprega- Habitação: dores para a contratação de indivíduos Algumas das comunidades ciganas da etnia cigana. De uma forma geral, continuam a viver sem as condições os ciganos não encaram o trabalho mínimas de habitabilidade, salubri- como um objectivo idealizado de vida, dade e higiene, o que acentua ainda mas como um meio de sobrevivência mais a sua situação de exclusão social. quotidiano, preferindo assim activida- De acordo com os dados disponíveis7, des profissionais que estejam mais de grande parte das famílias ciganas vive acordo com as suas formas de vida e em condições de habitabilidade precá- a sua cultura, particularmente no que rias, enfrentando diversos problemas, diz respeito aos horários, formas de designadamente a ausência de água contratação (sem vínculos contratuais potável para consumo ou até mesmo com terceiros), mobilidade, atenção à sem água suficiente para a higiene família e à divisão de tarefas, rentabi- pessoal e da casa. De uma forma ge- lidade imediata, entre outras. ral, os “bairros de ciganos” estão lo- calizados perto de lixeiras ou zonas No que diz respeito à inserção profis- industriais poluídas nas margens das sional, as diferentes soluções e opor- cidades, o que cria problemas ambien- tunidades em termos de políticas so- tais e de saúde pública graves. Este ciais não têm garantido as condições fenómeno é ainda gerador de fortíssi- necessárias a uma plena integração mos preconceitos e estereótipos que, destes “públicos” no espectro das cada vez mais, impede estes cidadãos mesmas. Não obstante pontuais e de saírem das situações de vulnera- parciais exemplos de sucesso, medi- bilidade, exclusão social e económica das como o Mercado Social de Empre- em que se encontram. go, o Rendimento Mínimo Garantido ou o Micro-Crédito, não têm consegui- Religião: do integrar plenamente estas comu- As igrejas evangélicas, denominadas nidades. Tal facto deve-se na maior genericamente pelas comunidades ci- parte dos casos, à existência de medi- ganas como o “culto”, tiveram nos úl- das generalistas que não contemplam timos tempos uma crescente presença uma suficiente maleabilidade para se na comunidade cigana e constituíram- adaptarem a diferentes públicos. Por se como um espaço alternativo para o outro lado, os profissionais das dife- apoio do grupo e resolução de confli- rentes áreas e aos diferentes níveis, tos. Em relação à saúde, estes espaços com responsabilidades de desenhar actuam como factor de protecção e implementar tais medidas descon- para a população cigana que, por seu hecem, em grande parte, as especi- lado, participam neles como locais de ficidades deste grupo étnico. Particu- transmissão de normas e de condutas larmente em relação às comunidades relacionadas com o cuidado da saúde. ciganas é imperioso criar relações for- Como exemplo podemos destacar a tes entre as medidas (nomeadamen- te ao nível da formação) que se têm 7 Estes dados provêm em grande parte de pe- vindo a promover e a real inserção no quenos estudos e diagnósticos locais, reali- zados nomeadamente no âmbito de projec- mercado de trabalho – estabelecendo tos nacionais e comunitários e promovidos, relações directas, responsáveis e con- em grande parte, por Organizações Não Go- tratualizadas e não apenas prováveis vernamentais
  • 17. [ 16 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde função reabilitadora e assistencial no os toxicodependentes, sejam eles tratamento das toxicodependências e de que etnias forem na prevenção do consumo de tabaco e iii) O casamento cigano não é recon- de álcool nas mulheres ciganas. hecido pela lei portuguesa - o que Justiça: leva a que mulheres levadas a tri- bunal muitas vezes “casadas” há Pelo seu funcionamento padronizado, 15 e 20 anos, com 4 ou 5 filhos a justiça tem dificuldade em chegar sejam tratadas como solteiras; a estes grupos minoritários e ou tem comportamentos mais repressivos ou iv) O comportamento emotivo dos se demite de tomar algumas atitudes, ciganos em tribunal - cria um cli- fazendo com que a desconfiança mútua ma de insegurança, que intimida vá aumentando. Os ciganos têm espe- alguns oficiais de justiça menos cificidades culturais próprias que têm experientes. Terá que haver uma de ser respeitadas. No entanto, terá sensibilização mútua. que haver uma “pedagogia do cum- v) Existência de preconceitos e este- primento da lei”, para que se consiga reótipos que leva o sistema de jus- fazer cumprir a Lei respeitando e pre- tiça (penal e prisional) a discrimi- servando ao mesmo tempo os direitos nar os ciganos pelo simples facto de uma minoria étnica. Por outro lado, de pertencerem a esta etnia. existem determinadas características étnicas atribuídas aos ciganos que, Através desta análise, podemos assim e na maior parte dos casos, apenas constatar que estas comunidades se estão relacionadas com as situações caracterizam por estarem expostas a de precariedade e exclusão social a gravíssimos fenómenos de pobreza e que estes estão sujeitos. Os principais exclusão social e contra as quais per- problemas (práticos) da justiça com sistem muitos preconceitos e estereó- as comunidades ciganas são: tipos. Assim, qualquer intervenção com estas comunidades tem que i) O problema da identificação - mui- ter em conta estas especificidades tos têm alcunhas ou existem na culturais, sociais e económicas e mesma família várias pessoas com tem que, antes de tudo, identificar nomes idênticos, não havendo uma as dificuldades /obstáculos exis- coincidência com o nome legal, o tentes à sua inserção social, quer que depois dá azo a uma série de as dificuldades e os entraves que mal entendidos, tais como serem se colocam ao nível da educação, presas as pessoas erradas; saúde, emprego, justiça e habi- tação, como também ao nível das ii) O problema da notificação - é muito diferenças culturais. Não se po- difícil notificar um cidadão cigano, derá delinear uma estratégia de porque nunca se sabe onde mora (é intervenção eficaz com esta po- necessário ter em conta que esta é pulação se não se conhecer aprio- uma característica comum a outros ri o seu modus operandi, as suas cidadãos procurados pela justiça, representações e percepções face tendo no entanto, uma maior in- aos seus pares e face aos não ciga- cidência nesta comunidade), ape- nos, bem como as representações sar de poucos serem nómadas. e percepções que a comunidade Este problema está também muito em geral (sobretudo actores sociais- associado à toxicodependência, e chave que intervêm directamente que portanto é transversal a todos com estas comunidades – nas áreas
  • 18. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 17 ] da saúde, do emprego, da educação, este processo. Para trabalhar com mi- da acção social) tem sobre a popu- norias étnicas culturais é necessário lação cigana. conhecer os aspectos mais relevantes da sua cultura de pertença visto que As mulheres ciganas estes aspectos vão influenciar de for- As mulheres ciganas desempenham ma decisiva o processo terapêutico. um papel chave na sua comunidade. Ao falar da população cigana, não de- São educadoras, responsáveis pelos vemos perder de vista alguns elemen- filhos e pela transmissão das normas e tos culturais que vão determinar a re- valores da cultura cigana. Apresentam lação que se estabelece com o sistema uma maior permeabilidade em relação de saúde, com os seus profissionais, e às mudanças em geral e, especifica- mente, nas questões relacionadas com com o adequado ou inadequado uso a saúde. Este facto deve-se, em gran- que fazem dos serviços de saúde. A de medida, ao facto deste grupo ser cultura cigana vigente nos nossos alvo de programas educativos, sociais dias tem evoluído ao longo do tempo e de saúde que as instituições e as- adaptando-se à nova realidade. Tra- sociações desenvolvem. Actualmente, ta-se de uma cultura agrafa, transmi- as mulheres ciganas adquiriram um tida de geração em geração, em que progressivo protagonismo no seio da as mulheres desempenham um papel sua comunidade e em alguns espaços fundamental (enquanto transmissoras da vida pública, verificando-se cada desses mesmos elementos). A identi- vez mais que as mulheres não se cen- dade cultural, presente na comunida- tram exclusivamente nas tarefas do- de cigana, cria um forte sentimento mésticas, mas também desenvolvem de orgulho e de auto-estima comuni- actividades no mercado de trabalho e tária sendo este um importante factor frequentam cursos de formação pro- de protecção. fissional. No entanto, sendo as mul- heres ciganas as que tradicionalmente O apoio comunitário, associado a este se encarregam de cuidar das questões sentimento de identidade cultural, de saúde, todo o trabalho que se rea- tem também importantes efeitos de lize com elas tem um efeito multipli- protecção em relação ao próprio indi- cador que se repercuta nos restantes viduo. Especialmente o apoio da famí- membros familiares. Os homens são lia extensa, que oferece recursos ma- o grupo que merece uma atenção es- teriais, cuidados físicos e emocionais pecífica com os cuidados de saúde. A compensadores dos factores de risco juventude constitui, igualmente, um que esta minoria étnica enfrenta. Um motor de mudança para transformar indicador que diz respeito a esta si- o modelo de vida da comunidade, os tuação prende-se com o escasso nú- seus valores de referência e redefinir mero de casos de institucionalização a sua identidade. de pessoas ciganas idosas e/ou de pessoas com deficiência física ou do- A cultura cigana ença mental que se produzem. O processo saúde-doença e as repre- sentações do corpo, são o resultado Em termos culturais, as característi- da cultura. De forma que, cada grupo cas mais pertinentes dos ciganos ne- ou minoria cultural tem uma interio- cessários para compreender a sua re- rização própria e determinada sobre lação com a saúde e a doença são:
  • 19. [ 18 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde • Organização social fundamentada na família extensa, como núcleo es- sencial em torno do qual se desenvolvem as relações sociais e pessoais. É por isso que perante a doença de um familiar todos os membros se unem para acompanhar as pessoas que estão doentes. • Prevalência do grupo em detrimento da individualidade de cada pessoa. • Respeito pelas pessoas mais idosas. A sua figura é muito significativa e representativa na comunidade. • A influência dos ciganos idosos relativamente aos mais jovens. Este facto é importante pois estes assumem um papel importante na influência dos restantes membros da comunidade para aceitarem os novos aspectos da vida da comunidade. • O luto: condiciona as actividades sociais e laborais e a estética pessoal (vestimenta negra e panos em mulheres, barba nos homens…) e a vida comunitária enquanto manifestações de alegria ou actividades lúdicas. • A figura dos defuntos tem uma grande relevância. É importante ter em conta as manifestações que podem surgir quando se confirma a morte de alguém e/ou quando os médicos devem realizar o levantamento do cadáver e/ou autopsia. • O culto: cada igreja e cada pastor têm uma influência diferente entre os crentes. • O papel da mulher: as mulheres sintetizam os saberes e os tratamentos relacionados com as doenças. A mulher desempenha um papel pertinen- te visto que é o suporte de toda a família. • Sobreprotecção das meninas: desde cedo que as meninas são prepara- das para o matrimónio e para assumir as funções reprodutivas. O sexo aparece como um elemento tabu, o que é um aspecto a ter em conta em tudo o que esteja relacionado com a educação sexual, o planeamento familiar e a prevenção de doenças ginecológicas. O processo de transformação em que qual tem facilitado o acesso dos seus se encontra imersa a comunidade ci- membros a distintos espaços como gana conduz também a uma flexibi- a educação, o emprego, os serviços lização de algumas normas tradicio- de saúde, especialmente no caso das nais presentes nas famílias ciganas no mulheres.
  • 21.
  • 22. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 21 ] Considerações Básicas A saúde é concebida como um conceito amplo que afecta os vários aspectos da vida humana: físicos, psicológicos e sócio-culturais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define em 1948, saúde como “um estado de bem-estar físico, mental e social e não apenas como ausência de doenças ou enfermidades”. A OMS consi- dera que a saúde é um direito humano fundamental e, em consequência, todas as pessoas devem ter acesso aos recursos de saúde necessários e básicos. É por isto, que quando falamos de saú- etnia, a classe social ou a área geo- de, estamos a referir-nos ao processo gráfica são também factores de risco de interacção entre os seres humanos que influenciam a saúde. Deste modo, e ao envolvimento social e natural que a pertença a grupos étnicos minoritá- influencia o bem-estar físico e psíqui- rios influencia o surgimento de des- co que lhes permite contribuir plena- igualdades específicas em relação à mente para a vida social da sua comu- saúde. Estas desigualdades surgem, nidade. A saúde surge como resultado não só das variáveis socio-económi- de todos os factores que intervêm cas, mas também do acesso aos ser- sobre a vida dos indivíduos, quer os viços de saúde e à utilização efectiva que não são modificáveis (sexo, ida- dos mesmos por falta de adaptação de e genética) quer aqueles que são ou de inclusão. A relação entre as potencialmente modificáveis (com- desigualdades sociais e as desigual- portamentos, meios de vida, aspectos dades de saúde é claramente recon- culturais e socioeconómicos). Desta hecida pelos principais organismos de forma, a saúde não é um fenómeno saúde supra-estatais (OMS, Comissão exclusivamente biológico. Europeia). Para além, das variáveis As carências ao nível da habitação, socio-económicas, salientamos que os educação, emprego, entre outros, in- factores culturais, os hábitos e os cos- fluenciam de forma pertinente a saú- tumes também influenciam a saúde de, pois são factores determinantes das pessoas e das comunidades. A co- para o bem-estar e para a qualidade munidade cigana, como minoria étni- de vida de uma população. Neste sen- ca cultural, apresenta um conjunto de tido, os grupos socio-económicos mais elementos culturais que influenciam desfavorecidos apresentam caracte- também o estado de saúde dos seus rísticas que os tornam mais suscep- membros e condicionam a relação e tíveis a uma saúde deficitária. Outras os comportamentos destes membros variáveis como o género, a idade, a em relação às doenças.
  • 23. [ 22 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde Percepção da Saúde Cultura, Saúde e Enfermidade pressão cultural, e para que seja con- O conceito “cultura” faz referência aos siderada como doença é necessário valores que partilham os membros de que a sociedade a considere como tal. um grupo, as normas que acatam e os Considerar a cultura no processo saú- bens materiais que produzem. Uma de-doença das comunidades ciganas definição clássica de cultura é elabo- permite conhecer de que forma: rada pelo antropólogo britânico, Tylor – É recebida, por parte dos pacientes, como “aquele todo complexo que in- a informação sobre os cuidados de clui o conhecimento, as crenças, a saúde; arte, a moral, o direito, os costumes e outros hábitos e as capacidades ad- – São exercidos os direitos e os ser- quiridas pelo homem enquanto mem- viços que o sistema de saúde ofere- bro da sociedade”. ce; Para Teresa San Román, não são – Se expressam os sintomas, as ex- apenas os valores e símbolos de um pectativas e as preocupações sobre povo, mas sim “as formas de organi- a doença. zação, as estruturas e as instituições, os hábitos e as práticas partilhadas, a Elementos culturais implicados no forma ou formas de ver o mundo, de processo saúde-comunidade cigana conceptualizar o mundo e as relações Existem assim, distintos modelos cul- sociais”. turais que estabelecem as várias for- A cultura, entendida como os costu- mas de comportar-se em relação à mes, as leis, as concepções do mun- higiene, à sexualidade, ao trabalho, do e tudo aquilo que permite a vida à alimentação, ao exercício físico, ao em sociedade, é algo que se apren- sono, entre outros, e que dão lugar de, compreendendo, igualmente, as a percepções distintas relativamente representações do corpo, da saúde e aos sintomas e à dor. As comunida- da doença. Não se tem a mesma per- des ciganas também apresentam um cepção sobre a doença nas diversas conjunto de elementos culturais que comunidades, nem nos distintos mo- determinam as suas atitudes e com- mentos históricos do mesmo grupo. portamentos em relação à saúde e à doença assim como em relação ao A saúde e a doença são conceitos sistema de saúde. Se estes elemen- socialmente construídos, definidos e tos forem de conhecimento geral po- tipificados por cada cultura. Por sua dem ser utilizados de forma adequada vez, cada cultura cria as suas alterna- e em determinadas situações podem tivas terapêuticas assim como proce- “fortalecer” e dar maior credibilida- dimentos para recuperar a saúde. As- de à intervenção dos profissionais de sim, há que considerar a doença como saúde, evitando potenciais conflitos. uma componente biológica e cultural. Independentemente do seu conteúdo Como ponto de partida, deve-se ter biológico, é sempre uma forma de ex- presente as seguintes considerações:
  • 24. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 23 ] • Nas comunidades ciganas, a saúde não é entendida como uma necessidade prioritária. Desta forma, a habitabilidade, a situação económica e o trabalho, constituem as principais prioridades desta comunidade, que em muitos ca- sos, não se encontram cobertas. • As comunidades ciganas definem a saúde como ausência de doença, e a doença como uma situação de “incapacidade” ligada à morte. Esta visão da saúde e da doença tem várias consequências, tais como: – A preocupação pela saúde começa quando aparecem sintomas e con- sequências muito limitativas e de incapacidade, sendo muito difícil trabal- har o conceito de prevenção. – Quando surge alguma doença a intervenção deve ser imediata e resolutiva, pela relação directa que estabelecem entre doença e morte. – O diagnóstico supõe “atribuir um nome ao que se tem”. A atitude perante ele é contraditória, sendo de clara evitação quando não surgem sintomas e consequências “incapacitantes” (nestes casos, o diagnóstico pode ser entendido como uma forma de colocar em evidência uma doença que pre- viamente não existia). – O médico é uma figura contraditória: por um lado possui conhecimentos para “curar” as doenças e por outro lado é quem diagnostica e descobre a doença. Assim, é comum a resistência em aceder aos profissionais de saú- de e a práticas de prevenção. – Se graças ao tratamento desaparecem os sintomas, os procedimentos te- rapêuticos são abandonados, pois estamos perante uma concepção de que a saúde é ausência de doença. • Os cuidados de saúde é remetida para a mulher • O imediato e a necessidade de curar as doenças de forma mais rápida possí- vel, estão associados com a forte relação que estas comunidades têm entre a doença e a morte. Precisam com urgência de um profissional que diag- nostique a gravidade do problema. Em várias situações, a consequência é uma inadequada utilização de alguns recursos de saúde, que se reflecte nos seguintes aspectos: – Excessiva utilização dos serviços de urgências – Escassa utilização de serviços de ambulâncias, sendo a própria família a fazer o transporte - Escassa utilização dos centros de saúde
  • 25. [ 24 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde Na cultura cigana observa-se a exis- A situação de saúde da população tência de diferentes modelos médicos cigana portuguesa que coexistem: Em termos de contextualização ge- – Modelo tradicional: ainda em vi- ral, deparamo-nos com a ausência de gor mas com uma importante per- dados concretos sobre esta comuni- da de reconhecimento. Em muitos dade neste âmbito, existindo apenas casos, os terapeutas tradicionais ti- meras aproximações à realidade. Esta veram a seu cargo durante muitos situação dificulta a identificação de anos o diagnóstico, a prevenção e o problemas/dificuldades e, consequen- tratamento de muitas doenças que temente uma aproximação mais fide- estavam relacionados com as do- digna da realidade. enças não reconhecidas pela medi- cina científica tais como o “mal ol- Pesquisas relativamente recentes re- hado”; “inveja”, entre outros. velam que as comunidades ciganas são alvo de desigualdade ao nível da – Modelo científico: representado saúde e apresentam-se como o grupo pelo médico e pelo farmacêutico. Os mais desfavorecido neste domínio. A ciganos recorrem ao médico quando maioria dos autores faz referência às se trata de doenças não muito gra- dificuldades no acesso à informação ves e quando são problemas mais em geral e, especificamente sobre a fortes recorrem aos serviços de ur- vacinação das crianças, a prevenção gências. Em muitas situações, ace- e o tratamento de determinadas do- dem a médicos privados. Existe uma enças. grande flexibilidade na utilização combinada de instituições médicas Do levantamento bibliográfico e do públicas e privadas. contacto que a Rede Europeia Anti- Pobreza/Portugal estabelece com a – Igreja evangélica: a igreja trata população cigana e com as entidades todas aquelas patologias nas quais que trabalham directamente com es- a medicina não tem eficácia de cura tas comunidades, é possível tirar al- tais como as doenças terminais e gumas ilações e apresentar alguns sociais (cancro, VIH/Sida) através traços gerais sobre este domínio: da fé. Um elemento importante a ter em consideração é que o “cul- to” resulta de um discurso ideo- lógico como acções de educação para a saúde, como por exemplo, a proibição do consumo de drogas, servindo desta forma para apoiar o discurso médico científico e consti- tuindo-se como uma via importante para a prevenção.
  • 26. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 25 ] • Entre as comunidades ciganas encontramos uma elevada incidência de do- enças, má nutrição e mortalidade infantil. A prevalência dessas doenças está directamente relacionada com o modo de vida e com a situação de pobreza e de exclusão social em que se encontram, como por exemplo: “do- enças respiratórias e do esqueleto, diabetes, hipertensão, excesso de peso em idades jovem ”, entre outros. • A medicina preventiva ainda é pouco praticada pelas famílias ciganas, sendo a vacinação a forma mais aceite por um maior número de ciganos. • A deficiente ou inadequada alimentação e nutrição traduzem-se em baixa imunização que, por sua vez, se traduz em doenças graves que já foram praticamente erradicadas da sociedade maioritária. A este nível ainda se en- contram muitas lacunas e deficiências, como por exemplo: excesso de gor- duras e açucares, ausência de horários e hábitos alimentares saudáveis. • Ao nível da vacinação, e apesar de se terem registado importantes melho- rias e avanços, ainda tem que se ter em conta as referências encontradas sobre a falta de vacinação, o medo e a falta de informação sobre a impor- tância das vacinas, em algumas comunidades ciganas. • Os homens não estão sensibilizados para a prevenção das doenças, pois as solicitações das comunidades ciganas orientam-se para a cura imediata das doenças. • A tradição da venda ambulante, o contacto com sectores marginalizados da sociedade, as suas condições sócio-económicas e a dificuldade de acesso à informação, parecem explicar a vulnerabilidade e a expansão do consumo e tráfico de droga na comunidade cigana. A comunidade cigana não con- segue recorrer aos serviços competentes e adequados de recuperação e tratamento que os possam ajudar a enfrentar a situação, visto que os ser- viços não estão “disponíveis” para os atender (listas de espera) e não estão preparados para responder tendo em conta as especificidades desta etnia. É frequente nestas comunidades uma recusa em enfrentar esta problemática devido à vergonha em assumir e a tentativa de dar resposta no interior da comunidade (interiorização/fechamento dos seus problemas). • A infecção VIH/Sida, por sua vez, surge a par ou secundariamente aos pro- cessos de prevenção e tratamento da toxicodependência. Neste nível, é im- portante referir que a relação entre as instituições e as comunidades ciga- nas, a coesão e o fechamento da comunidade, a incompreensão de certos elementos culturais originam diversas resistências a processos de tratamen- to. • Os serviços de saúde pelo seu funcionamento padronizado, têm dificuldade em chegar a estes grupos minoritários ou têm comportamentos mais re- pressivos demitindo-se de tomar algumas atitudes e aumentando a descon- fiança mútua. • Dificuldades de articulação com os serviços de saúde que se revelam na in- satisfação/descontentamento com o funcionamento/capacidade de resposta dos serviços e com a não utilização ou utilização desadequada dos recursos de saúde por parte das comunidades ciganas. Por parte dos serviços de saúde, verifica-se que estes não contemplam as especificidades e peculiari- dades destas comunidades – relação de relativa distância.
  • 27. [ 26 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde • Apesar de algumas famílias já terem médico de família e serem seguidas, dessa forma, pelos centros de saúde ainda preferem recorrer aos hospitais em situações quer de emergência, quer noutra situação. • Pouca consciência da importância da educação para a saúde. • Solidariedade, unidade e coesão social – quando os membros das comuni- dades ciganas são hospitalizados os restantes membros entram num estado de luto que termina quando o doente regressa a casa e fica bem. Analisando especificamente a saúde doenças. Assim, é pertinente realçar das mulheres ciganas, é necessário as seguintes características: referir a incidência de determinadas • Elevadas taxas de maternidade precoce e sem acompanhamento médico da gravidez ou de pós-parto- ausência de prática generalizada de acompanha- mento e vigilância de gestaçao • Un elevado número considerável de partos sem assistência médica (muitas vezes os partos acorrem em casa) e um elevado médio de filhos. Desta for- ma, a gravidez não é habitualmente motivo de recurso a consulta médica, embora cada vez mais mulheres ciganas o façam nos primeiros meses para confirmar se estão grávidas e no final para verificar se está tudo bem. • A contracepção é prática pouco comum, embora comece a ser mais frequente nas mulheres mais jovens. Verifica-se, igualmente, a falta de cuidados médi- cos imediatos e de cuidados pré-natais, o que demonstra uma vez mais uma despreocupação e um desinteresse relativamente à saúde (especificamente a medicina preventiva). • Pouca prevenção das doenças ginecológicas (infecções sexualmente trans- missíveis) e em alguns casos verifica-se a ausência de planeamento familiar. Alguns métodos contraceptivos não são utilizados porque não os conhecem e ainda persistem alguns mitos e ideias. Como conclusão e tendo em conta, os das comunidades ciganas é claramen- indicadores utilizados pela Comunida- te deficiente. Não obstante, e tendo de Cientifica Internacional para medir presente os trabalhos desenvolvidos as Desigualdades de Saúde8, pode-se nesta área, a presente situação está considerar que a situação de saúde mais relacionada com a falta de igual- dade em termos de oportunidades para a vida e para o acesso/utilização 8 Os indicadores mais utilizados são: a mor- talidade, a morbilidade, a percepção da dos recursos (serviços de saúde) do saúde, o comportamento relacionadas com que com factores genéticos intrínse- a saúde; o acesso e o uso adequado dos cos às comunidades ciganas. serviços de saúde
  • 28. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 27 ] • As carências educacionais, económicas e de habitação são factores que determinam o bem-estar e a qualidade de vida da população. • Os processos de exclusão e marginalização social limitam o acesso e a utilização que as pessoas fazem do serviço de saúde. • A cultura compreende também as representações do corpo, da saúde e da doença. • Na doença deve-se ter presente uma componente biológica e cultural. • Aspectos relevantes na relação comunidade cigana-saúde-doença: – A saúde não é entendida como uma necessidade prioritária – Concepção de saúde como ausência de doença, e a doença como uma situação “incapacitante”ligada à morte – O diagnóstico supõe “colocar nome ao que se tem”. – Ausência de práticas de prevenção. – O imediatismo associada à rápida resolução de problemas de saúde – Inexistência de hábitos higiénicos. – Normas tradicionais que actuam como factores de protecção. – O cuidado da saúde dos membros da comunidade é assumido pela mul- her. – O médico é uma figura contraditória: por um lado possui os conheci- mentos para curar as doenças e por outro lado é quem diagnostica e descobre as doenças. • Existência de vários modelos médicos: – Tradicional: para o tratamento de patologias populares. – Científico: representado por profissionais de medicina e de farmácia. – Igreja evangélica: para o tratamento de doenças terminais (cancro, VIH/Sida).
  • 29.
  • 30. O sistema nacional de saúde e a população cigana Recomendações de acção
  • 31.
  • 32. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 31 ] Introdução Apresentamos uma proposta de recomendações9 que oferece, aos diferentes pro- fissionais do Sistema Nacional de Saúde, orientações para proporcionar serviços culturalmente adequados às comunidades ciganas respondendo, desta forma, às suas necessidades de saúde e respeitando a sua identidade cultural como minoria étnica. O objectivo final é contribuir para a eliminação das desigualdades de saúde das pessoas ciganas e prevenir o surgimento de possíveis conflitos nos serviços de saúde. 9 O levantamento dos problemas que afectam as comunidades ciganas e as respectivas recomen- dações de acção foi realizado no âmbito dos grupos de trabalho a nível nacional, com a colabo- ração de um conjunto de entidades e pessoas que trabalham com estas comunidades e na área da saúde. Estas orientações não devem conce- • melhorar o acesso e a qualidade ber-se como um “receituário”, uma vez da saúde, bem como o sucesso das que são muitos e diversos os factores suas intervenções que influenciam este processo como, por exemplo: o serviço no qual trabal- • prevenir o surgimento de possíveis ham os técnicos de saúde (recursos, conflitos organização, direcção, etc.); o tempo • capacitar progressivamente os disponível para atender cada doente; membros das comunidades ciganas as características gerais do território para o cuidado da sua própria saú- e a população que se atende assim de como a motivação e o posicionamento dos próprios profissionais face a estas • promover junto dos técnicos de saú- comunidades. Deste modo, apresen- de atitudes pró-activas tendo em tamos um conjunto de estratégias de conta a diversidade cultural forma a capacitar a população ciga- Desta forma, abordaremos uma sé- na para o cuidado responsável da sua rie de recomendações práticas ten- própria saúde e o uso adequado dos do presente os seguintes serviços de serviços de saúde. Trata-se, igual- saúde: mente, de oferecer um conjunto de recomendações, através de um con- • Serviço Nacional de Saúde hecimento específico sobre a cultura cigana que nos permita entender as • Centros de Saúde e Áreas específi- suas atitudes, as suas formas de vida cas de saúde e o seus comportamentos nos serviços • Centros hospitalares de saúde, de forma a obter alguns re- sultados ao nível dos seguintes itens:
  • 33. [ 32 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde Serviço Nacional de Saúde Uma das lacunas do Sistema Nacional Actualmente, detecta-se no nosso sis- de Saúde relativamente às minorias tema público de saúde algumas dificul- étnicas é a “inclusão da diferença”. dades que impedem esta inclusão da Esta expressão considera que a diver- diferença, e para a ultrapassar, propo- sidade cultural deve ser, no nosso país, mos as seguintes recomendações: um elemento transversal na planificação das acções que se realizam a partir dos serviços de gestão de saúde. Dificuldades Recomendações Desigualdades • Promover a equidade e a acessibilidade aos cuidados de saú- de com qualidade e congruentes com a cultura cigana, atra- de saúde das vés da realização de iniciativas bem planeadas e com con- Comunidades dições de sustentabilidade/continuidade; Ciganas e a ausência • Os serviços de saúde (centros de saúde e os hospitais) devem de informação/ procurar melhorar a qualidade das respostas dadas a esta co- munidade através dos seguintes elementos: indicadores de saúde – Adaptação dos procedimentos e modelos organizativos. – Facilitação da acessibilidade aos serviços de saúde. – Melhoria da preparação/formação das equipas profissio- nais. • Cooperação e a complementaridade dos serviços de saúde; • A área da saúde deve estar sempre presente nas diversas iniciativas e projectos a desenvolver, no sentido de obter e de recolher alguns dados específicos sobre esta comunidade; • Acções que promovam a credibilidade dos serviços através de “visitas” guiadas e complementadas com folhetos informati- vos sobre os vários serviços de saúde de forma a contrariar o desconhecimento existente entre as comunidades ciganas e os serviços de saúde; • Realização de estudos a nível micro que proporcionem infor- mação pertinente sobre as necessidades e os comportamen- tos relacionados com a saúde e a comunidade cigana, tais como: – Estudos de prevalência da infecção VIH/Sida, tuberculose e DTs, hepatites B e C, toxicodependência, entre outros, – Avaliação de risco, estudos de vigilância comportamental, – Análise de factores que influenciem e dificultam o acesso destas comunidades ao serviço de saúde (as desigualdades existentes) e identificar constantemente medidas que con- trariem esses factores; • Sempre que possível ter presente a monitorização de alguns da- dos relativamente às questões de saúde nestas comunidades.
  • 34. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 33 ] Dificuldades Recomendações Sistema de saúde • Articulação entre os projectos e a implementação de parce- rias entre os serviços de saúde e as instituições que trabal- fechado e rígido, ham com estas comunidades; não existindo uma • Encaminhamento e acompanhamento dos membros das co- atenção especifica munidades ciganas para os serviços de saúde através de uma para a diversidade rede de referência entre serviços de saúde- profissionais do social – comunidade; cultural dos utentes (protocolos de gestão • colaboração e articulação inter-sectorial e multidisciplinar dos profissionais; e procedimentos rígidos; os • incentivar a intervenção fora dos gabinetes e dos “muros” dos serviços de saúde, promovendo projectos com estruturas profissionais de proximidade (unidades móveis) encontram-se muito • flexibilidade e simplificação dos procedimentos e das regras voltados para si de funcionamento, colocando a ênfase na humanização, na próprios – trabalho gestão dos espaços/salas de espera , entre outros; de gabinete) • sistematização contínua da informação sobre a organização dos diversos serviços de saúde; • mecanismos de articulação simplificados com os diferentes serviços e especialidades médicas; Insuficiente • formação especifica sobre as características e os aspectos culturais da comunidade cigana, de preferência com elemen- informação e tos da própria comunidade; sensibilização para • adaptação dos dispositivos e dos procedimentos de assistên- as questões da cia e de acolhimento existentes às características que estas multiculturalidade comunidades apresentam; e diversidade • elaboração de documentos técnicos adequados à diversidade cultural (ausência cultural de sensibilização • respeito pela diversidade cultural por parte dos profissionais, para as questões da promovendo e apoiando iniciativas de caracter informativo e formativo; comunidade cigana) • apostar na animação cultural para as crianças ciganas nos serviços de saúde;
  • 35. [ 34 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde Dificuldades Recomendações Ausência de • realizar campanhas de prevenção adaptadas a esta comuni- dade, sendo os próprios elementos da comunidade os prin- um trabalho cipais agentes e destinatários (utilizar membros-chave da de prevenção e comunidade – patriarca, as mulheres, as associações ciga- sensibilização da nas); comunidade cigana • promover unidades móveis temporárias junto das comunida- des ciganas no sentido de informar, orientar e criar laços de para a questão da proximidade e de confiança para incentivarem e motivarem saúde os ciganos a recorrerem aos serviços de saúde; • envolver as associações, as instituições locais e a comunida- de cigana em acções de sensibilização e informação sobre as questões gerais de saúde utilizando meios e materiais adap- tados a esta comunidade; Marginalização • fomentar a presença e a participação dos membros da comu- nidade cigana no design, implementação, execução e ava- e exclusão destes liação dos programas que lhes são dirigidos; membros às • promover o desenvolvimento de diferentes parcerias, articu- campanhas e lando diferentes estruturas e sectores no âmbito da promoção programas públicos da saúde das comunidades ciganas: Ministério da Saúde, Alto Comissariado para as Minorias Étnicas; Alto Comissa- de saúde riado para a Saúde; Coordenação para a Infecção VIH/Sida, Ministério da Educação, Comunidades Ciganas (associações ciganas) e outras organizações que trabalham no âmbito das comunidades ciganas; • envolver todos os Organismos e Departamentos do Ministério de Saúde visto que compete aos serviços centrais a formu- lação e a implementação de medidas que permitem melhorar o acesso à saúde e atenuar as desigualdades existentes.
  • 36. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 35 ] Centros de Saúde e Áreas específicas de Saúde Considerações previas podem ser evitados se utilizarmos e interpretamos correctamente deter- Os centros de saúde são a porta minados códigos culturais que estas de entrada do Sistema Nacional de comunidades apresentam como, por Saúde. Os profissionais destes ser- exemplo, a linguagem, as tradições e viços devem ser considerados como os costumes. os “condutores” e os “assessores” dos pacientes no Sistema Nacional de É evidente que também algumas des- Saúde. No caso das comunidades ci- tas dificuldades estão associadas à ganas, esta função adquire especial relação que os ciganos estabelecem relevância visto que muitas vezes es- com os serviços de saúde e com os tas comunidades desconhecem como seus profissionais. Por outro lado, utilizar os diversos serviços de saúde. também é necessário a capacitação e Assim, é pertinente que estes serviços o compromisso da população cigana possibilitem o processo de “aprendi- para que conheçam o funcionamen- zagem” das pessoas ciganas nos prin- to dos serviços de saúde no sentido cipais cuidados de saúde. de se obter a utilização adequada dos mesmos. No entanto, a relação Algumas dificuldades que surgem nos e a percepção que as pessoas ciga- Centros de Saúde estão relacionadas nas têm sobre os serviços de saúde com o desconhecimento, por parte funciona basicamente na experiência dos profissionais de saúde, do pes- que outros ciganos tiveram. Essa ex- soal administrativo e de “segurança” periência, positiva ou negativa, con- sobre a cultura cigana. Em determi- hecida “por boca a boca” condiciona a nadas situações, surgem conflitos que atitude perante os serviços de saúde. Dificuldades Recomendações Funcionamento • planificar e avaliar a satisfação/informação prestada pelos utentes e profissionais; ineficaz dos centros de saúde (falta • definir critérios de avaliação (como factor de coesão); de avaliação, • recorrer a meios alternativos de comunicação (audiovisual, de planificação; formação de pares, articulação com parceiros da comunida- de) insuficiência de • capacitar os profissionais de estratégias comunicativas: informação) adequação da linguagem. adequação do nível de informação a prestar. • procurar respostas mais adequadas de qualidade, não per- dendo a especificidade do contexto e das comunidades ciga- nas; • normalizar procedimentos;
  • 37. [ 36 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde Dificuldades Recomendações Relação de relativa • cooperação com outras estruturas locais, fomentando o tra- balho em rede (ligação com agentes locais – sociedade civil) distância entre as comunidades • identificar profissionais de referência de forma a obter-se um acompanhamento mais próximo e uma relação de con- ciganas e os centros fiança; de saúde • apostar na existência e na importância de mediadores so- ciais/educadores sociais no sentido de proporcionar visitas domiciliárias (cuidados primários preventivo); • coordenar a informação entre as várias estruturas de saúde e apostar num sistema informativo adequado. Fase de integração/ • simplificar os procedimentos administrativos acolhimento • acompanhamento personalizado; • capacitar o capital humano existente na fase de acolhimento/ integração através da formação em relacionamento interpes- soal (multiculturalidade e gestão de conflitos); • repensar o ambiente físico em termos de acessibilidade, de sinalização e de conforto: novas soluções de organização do espaço através da co- operação e articulação com Faculdades de design, capitali- zando o trabalho das turmas finalistas. Introduzir o concei- to de Design Inclusivo; aproveitar os estágios das várias áreas científicas (marke- ting, comunicação, sociologia, enfermagem, entre outros) no sentido de rentabilizar esforço e mais-valias para o fun- cionamento adequado dos serviços de saúde; • informar particularmente os procedimentos dos serviços de saúde (guia de acolhimento); • blocos informativos/educativos nas salas de espera, através da implementação de um circuito interno de comunicação (mensagens escritas e visuais);
  • 38. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 37 ] Dificuldades Recomendações Planeamento • abordar as presentes temáticas no seio das próprias comuni- dades; Familiar • ausência de planea- • organizar sessões de sensibilização (diminuir o nº. de ges- mento familiar tações na adolescência respeitando a cultura cigana no que diz respeito à maternidade, uso de métodos contraceptivos, • problema do género necessidade de vigilância na gravidez e de rastreio oncológi- co) • ausência de vigilância na gravidez ou quando • em situações de maior intimidade o profissional de saúde existe é tardia deve ser do mesmo sexo do utente com o intuito de facili- tar a comunicação e evitar constrangimentos ou permitir o • maternidade precoce acompanhamento de outra pessoa indicada pela própria. • promover o intercâmbio entre a equipa no sentido de quebrar a questão do género em termos dos profissionais (quando é um médico do sexo masculino, as mulheres ciganas sentem- se um pouco inibidas); Saúde Infantil • realizar sessões de educaçâo para a saúde, recorrendo a for- mas lúdicas e proporcionando proximidade, de forma a tra- (higiene deficiente, balhar as seguintes áreas: alimentação importância da vacinação; inadequada, cobertura vacinal higiene oral e corporal; baixa, ausência hábitos alimentares, prevenção de acidentes e importância das consultas de vigilância de vigilância do desenvolvimento • acessibilidade – horários de funcionamento da criança, entre • reforço positivo recorrendo à doação de brinquedos e livros outros) Incidência de • campanhas de sensibilização para adopção de estilos de vida saudáveis; doenças infecto- contagiosas e • promover a formação de grupos de apoio constituídos por ci- ganos recuperados de problemas de toxicodependência, por toxicodependências exemplo; (dificuldade em • trabalhar a relação entre os membros da comunidade e os abordar estas técnicos (investimento numa relação assente na proximidade questões junto e na confiança); das comunidades • atitude pró-activa dos profissionais face a comportamentos ciganas) de risco; • estabelecer redes de referenciação eficazes que promovam a adesão das comunidades ciganas às estruturas de saúde adequadas.
  • 39. [ 38 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde As comunidades ciganas quando es- dados primários) e as especialidades tão perante alguma doença recorrem, que possuem, no sentido de favorecer na maioria dos casos, aos serviços de a sua utilização e evitar o colapso dos urgência hospitalar. Desta forma, o serviços de urgências. Centro de Saúde não é o principal Relativamente às comunidades ciganas recurso destas comunidades. Por isso, as especializações médicas que devem é pertinente transmitir informação so- ser trabalhadas com especial atenção bre a existência destes serviços (cui- são: pediatria e a ginecologia Pediatria • Vacinação: em algumas comunidades a vacinação já está assegurada3, no entanto, é necessário continuar a insistir na importância das vacinas para a protecção de do- enças graves. Deve-se, igualmente, incidir na explicação do calendário da vacinação, na importância do seu cumprimento e nos lugares onde é possível a vacinação; • Alimentação infantil: não existe, em alguns casos, consciência da importância de que alimentação tem de ser equilibrada para o crescimento adequado das crianças, verificando-se alguns erros alimentares; • Prevenção dos acidentes domésticos: é frequente que se tenha pouca consciên- cia das lesões relacionadas com este tipo de acidentes. Muitas vezes estes acidentes estão relacionados com as más condições de habitabilidade. Planeamento familiar e ginecologia A reprodução e o sexo são um tema tabu, especialmente para as mulheres. A este nível é de salientar que o acompanhamento e a prevenção ginecológica nestas comunidades dizem respeito apenas à gravidez e ao parto. Por isso, é necessário ter em conta os seguintes aspectos: • Planificação familiar: está condicionada por factores culturais, como por exemplo o desejo de formar uma família numerosa que assegure a continuidade da etnia e o prestígio/ valorização social que a mulher cigana adquire com o nascimento dos filhos. A maioria das mulheres ciganas conhece a existência dos diversos métodos contraceptivos, mas algumas mulheres não recorrem a estes métodos devido às ex- pectativas das suas comunidades sobre a função de mãe. No entanto, esta situação está a mudar, principalmente, nas gerações mais jovens. • Consultas ginecológicas: geralmente estão muito mistificadas e geram, por vezes, sentimentos de angústia e de medo nas mulheres ciganas pelo seu desconhecimento. Por isso é importante que: – Seja uma mulher (ginecologista) a realizar os diagnósticos ginecológicos regulares; – Ter em atenção os aspectos da relação profissional-utente (cliente); – Criar um clima de confiança e de compreensão; – Respeitar os aspectos culturais relacionados com o sexo e com a reprodução. • Menopausa: este processo evolutivo é cada vez mais conhecido entre as mulheres ciganas. Todavia são ainda muitas as mulheres que o desconhecem e que enfrentam uma série de transformações no seu organismo que são interpretados de forma ina- dequada. As consequências agravam os transtornos psicológicos relacionados com o aparecimento de sintomas de depressão e ansiedade.
  • 40. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 39 ] Profissionais de saúde Dificuldades Recomendações Racismo e • trabalho contínuo de sensibilização de todos os profissionais que fazem parte dos serviços de saúde através de formação Intolerância multicultural, recorrendo igualmente à distribuição de mate- • preconceitos, estig- riais informativos sobre as especificidades destas comunida- matização e discrimi- des; nação • promover acções de proximidade face a esta população, ten- • atribuição pela socie- tando criar uma relação de confiança e empatia, na tentativa dade envolvente de de desmistificar os estereótipos e os preconceitos existentes uma entidade negati- sobre esta comunidade. va (uma cultura e um estilo de vida encara- • compreender o discurso das comunidades ciganas e perceber do de modo negativo) que os ciganos têm outras referências e outras prioridades, respeitando a sua diversidade e a sua diferença; • medo e desconfiança • Barreiras de Comuni- • adaptação dos dispositivos informativos existentes às carac- cação (linguagem não terísticas das comunidades ciganas; adaptada às comuni- dades ciganas) • simplificar e fornecer a informação de forma compreensível, evitando uma linguagem técnica; • Lacuna de comuni- cação geral e interpes- • o profissional que faz o acolhimento deve converter-se numa soal referência-chave para eles, ou seja, devem tentar cativa-los do ponto de vista afectivo (mostrar sempre disponibilidade para escutar o que dizem, pensam e sentem); • é importante que os profissionais sejam fixos e que sejam uma referência no interior das comunidades ciganas; • é necessário que os profissionais sejam tolerantes e flexíveis com as normas e horários já que para as comunidades ciga- nas é especialmente difícil cumprir este requisito; • o mediador intercultural deve assumir um papel pertinente através do acompanhamento, de explicações e de transmis- são de informação; • apostar numa comunicação mais apelativa, valorizando os seus elementos culturais; • dinamizar grupos de trabalho temáticos (com os profissio- nais de saúde) relacionados com as comunidades ciganas no sentido de melhorar a comunicação e os procedimentos com estes;
  • 41. [ 40 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde Dificuldades Recomendações Ausência de • apostar na formação intercultural dos profissionais de saú- de durante o percurso académico e na vida profissional com conhecimento sobre vista à prestação de cuidados de saúde congruente com a as características cultura cigana; e a cultura das • incluir as características e os aspectos culturais da comunida- Comunidades de cigana nos diferentes níveis de formação: Ciganas por parte – formação inicial e nas várias áreas do social, incluindo as dos profissionais de áreas de saúde; saúde – formação especializada ou formação pós-graduada; – acções de formação para profissionais. • criar grupos de trabalho/fóruns de reflexão para os profis- sionais de saúde e da área do social no sentido de perma- nentemente promoverem o acesso destas comunidades aos serviços de saúde e de estarem atentos às dificuldades que estas apresentam (definição de práticas profissionais); • apostar na formação de mediadores para a área da saúde; • divulgação de experiências (programas/projectos) de pro- moção da saúde integral das comunidades ciganas no terri- tório nacional.
  • 42. Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde [ 41 ] Comunidades Ciganas saúde dispõem e consequentemente, a sub-utilização ou utilização desade- Em relação às comunidades ciganas, há que considerar de forma mais efec- quada dos recursos, designadamente tiva aquilo que se conhece acerca dos dos centros de saúde. É ainda de re- padrões de utilização dos serviços de ferir as atitudes dos profissionais que saúde por parte destas comunidades. se caracterizam por uma certa discri- Neste domínio, não pode deixar de ser minação e preconceito. São estes as- referido um conjunto de elementos pectos que influenciam o acesso/não pertinentes: o desconhecimento dos acesso das comunidades ciganas aos recursos que os diversos serviços de serviços de saúde. Dificuldades Recomendações Não utilização/uso • acções de informação para as comunidades ciganas sobre os mecanismos e os procedimentos de funcionamento dos inadequado dos serviços de saúde, explicando o que é um centro de saúde, o diversos serviços de que podem esperar dos serviços de saúde, o que se faz, quais saúde (não recorrem são os procedimentos de acesso, entre outros; aos serviços de • colaboração entre os serviços de saúde e as associações ciga- nas – estratégia de acção que permite facilitar a relação com saúde para prevenir a população cigana e constituir um mecanismo de acesso aos doenças, mas sim em serviços de saúde casos limite e nesses • meios/suportes informativos que tenham presente os vários casos, directamente serviços de saúde, os procedimentos, as regras, os direitos aos serviços de e os deveres. As estratégias de sensibilidade não poderão passar apenas por informação escrita, visto que existe uma urgência hospitalar) elevada taxa de analfabetismo; • incluir o mediador como figura profissional nos serviços de saúde no sentido de fomentar pontes/laços entre as comuni- dades ciganas e os profissionais de saúde; Fraca consciência • adopção de estratégias de proximidade no sentido de aproxi- mar, intervir e levar esta informação aos locais onde eles se colectiva da encontram; importância da • descentralização dos cuidados primários de sáude através de educação para a unidades móveis; saúde • sessões de educação para a saúde no sentido de demonstrar a eficácia do cumprimento de algumas “regras” de saúde; • sensibilizar as associações ciganas e os líderes das comu- nidades no sentido de obter uma consciência colectiva de educação para a saúde, pois estes encontram-se mais próxi- mos das comunidades ciganas. Esta sensibilização pode ser realizada através do fomento e realização de actividades de formação na área da saúde;
  • 43. [ 42 ] Guia para a Intervenção com a Comunidade Cigana nos Serviços de Saúde Dificuldades Recomendações Altos níveis • necessidade de programas e estratégias de promoção da qualidade de vida destinadas a combater a pobreza (essen- de pobreza, cialmente ao nível da habitação; saúde; emprego/formação baixos níveis profissional; segurança social; entre outros): de escolaridade – acção intersectorial numa perspectiva integrada, da par- influenciam ticipação das comunidades ciganas e dos agentes locais e sobretudo da sua cooperação para saírem de forma sus- negativamente os tentada da situação de pobreza e exclusão social; padrões de saúde – apostar num conjunto de respostas sociais assentes no re- dos ciganos conhecimento de um direito de cidadania; – acções de pré-profissionalização, formação profissional e estágios profissionais de forma a facilitar a entrada destas comunidades no mercado de trabalho; – cursos profissionalizantes e a frequência do Ensino Reco- rrente enquanto oportunidade de conclusão de estudos ou cumprimento da escolaridade obrigatória; – criar uma resposta mais eficaz às necessidades de habi- tação;