1. Literatas
PROPRIEDADE DO
Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 09 de Março de 2012 | Ano II | N°21 | E-mail: r.literatas@gmail.com
Fragmentos de uma
poesia doutrinária
“A Juventude na lupa de Mia Couto
Uma geração consumista,
minha insaciável e completamente
desorientada.
vida está
PAG. 04
recheada A problemática da naciona-
lização de línguas ex-
de coloniais: o caso do portu-
guês em Moçambique PAG. 12
Por Gregório Firmino
Miguel Almeida em entrevista PAG. 8 & 9
2. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 2
Editori@l
Afinal Maputo é tão perto de Luanda!
U
ns dois instantes com a “doutrinária poesia” na idade em que o tempo se
passou em Maputo. Era 08 de Março, quando o tempo se virou para os
anos 80, nos tempos da Revista Charrua, tempos que se viraram geração.
Tempos que os cinco se reuniam em cada um dos seus lares e que a literatura não
sabia das suas longitudes. Afinal Maputo é tão perto de Luanda!?
Na passada quinta-feira, Lopito Feijóo baixou o nível e ficou “poeta aprendiz”, apren-
diz da poesia e vice-versa. Ele mesmo o disse em público “em tempos moçambica-
nos, cabo-verdianos, angolanos, guineenses, brasileiros, formavam um grupo que mantinha o contac-
to literário. Nesses tempos, em Angola surgia a brigada jovem com a revista Aspiração e aqui faziam
Charrua. Hoje ao viver esse momento, recordo-me desses tempos que já não eram vistos.” Disse Lopi-
to, no acto de lançamento da sua obra Lex & Cal Doutrina.
E de facto concordei. A interacção entre os países de língua portuguesa, em particular dos Literatos e
permitam-me só usar o termo LITERATAS para homens e mulher, vai para lá das longitudes. Estamos
tão longe justamente nos tempos em que o tempo faz questão de jogar a nosso favor. Estamos perante
a conjuntura global, tão longe hoje é mesmo por falta de interesse (?).
Contudo, esse é um dilema que não passa só pelo interesse dos fazedores da literatura, mas pelos políticos e
aí, os níveis de debate são outros. O que nos cabe dizer, a este (baixo) nível, é que neste Lexical e Doutrina,
escrito propositadamente como Lex & Cal, pelo autor, Lopito Feijóo trouxe uma outra poesia para nossos
tempos. Tempos que ainda estão no tempo, mas que por este passo já dado por Movimento Literário Kupha-
luxa, com o escritor Angolano que, como me referi, desceu do seu (alto) nível dos chamados escritores con-
sagrados, para nível (baixo) desses chamados jovens escritores (outro debate pertinente).
Mas sobre a juventude, Mia Couto já se debruça, no seu trapézio entre o dever de quem é pai e de quem é
filho, ambos inseridos num contexto sócio económico. Estamos perante uma geração à rasca por culpa da
juventude?
Enquanto isso, Miguel Almeida, um ex-menino que não tinha livros para ler e, por isso, nada escrevia.
Um dia, foi convidado por umas palavrinhas escritas, folheou páginas e descobriu lá palavras novas.
Assim, decidiu debruçar-se sobre ela. E como se chama essa palavra? Chama-se escrita. Por isso, hoje
navega entre as nossas inquietações, numa entrevista molecular, onde a palavra se exala entre o chão
das coisas.
Ler, ler e ler, dizem os LITERATAS. Por isso, óptima leitura.
Eduardo Quive
eduardoquive@gmail.com
3. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 3
Destaque Japone Arijuane
Fragmentos do léxico de uma poesia doutrinária
Há um jogo metafórico, na poesia de Lopito Feijóo, uma mensagem camuflada que tem uma dispo-
nibilidade en los legatos de interpretar, criticamente, a realidade.
doutrinal, mas quando esta visita torna-se constante, o belo revela-se na subli-
me racionalidade da construção lexical, destas vivas vivencias que o escultor de
Xosé lois Garcia palavras, Lopito Feijóo, propõe-nos. O muito foi dito, mas para percepção do
(investigador) conteúdo poético aqui exposto, alias, destas figuras tecidas dentro da própria
palavra, obrigam-nos ao mesmo exercício tal e qual a labuta de um escultor
Muito foi dito, redito, mas para este ―Lex & Cal Doutrina‖, de Lopito Feijóo, maconde.
remete-nos a uma profunda reflexão, no que tange ao uso do próprio léxico, alias, A transcendência psicopoética tem aqui, nestes mares de letras pré-
este é, sem dúvida alguma, o propósito primordial desta obra. A separação das seleccionados, um oceano de conteúdo poético, como oceano, com suas rique-
palavras em versos diferentes, dotando as, cada uma em dois versos, cria, até certo zas e mistérios, que requerem arduamente a capacidade do leitor desvendar os
ponto uma inibição logo a prior, mas que ao longo da exposição psicológica que segredos deste oceano, se comparados as gotas e o conteúdo poético de cada
as figuras nos remetem, vão se formando e ilustrando as imagens num sentido verso aqui reinventado.
figurante, fazendo das palavras uma escultura da própria palavra, num sentido Esta obra é realmente uma descoberta de quão a palavra pode significar e dar
artístico do próprio léxico. Esta vanguarda de reinvenção vai até no íntimo quebrar significados diferentes, quando reinventamos a morfologia.
a doutrina morfológica da palavra, rompendo não só com as regras, mas até o pro- O facto de, a obra, vir servida em três imensas (imensidade qualitativa) subdivi-
fundo sentido da significação da palavra em si.
Poeta Lopito Feijóo ao lado do escritor Eduardo Agualusa
sões: Lexical Doutrina, Memorial Doutrinário E Eros Doutrinários, do conteú-
do poético aqui abordado, obriga o leitor a mais um esforço peregrino na con-
FULANA cepção, que se diga: a mesma transpiração que o poeta usa e ousa, deve ser a
PAIXÃO mesma no leitor para decifrar os signos dessa densa linguagem que o ―Lex &
Cal Doutrina‖ nos traz.
É Feijóo a parece aqui, não como uma criança na noite, com medo de escuro, mas
ter na como a própria noite com escuro, medo, curiosidades e ocultismos por desven-
mente
terno crepitante
dar, como um poeta angolano, que não deixa em nenhum momento a originali-
móveis texturas dade do tradicionalismo (angolanidade), como justifica o poema dedicado ao
duas seu mestre Luandino Viera, intitulado:
Das estradas do céu e do canto do grilito
leve duras stendo
se à tona Gri…gri…gri…
da Ngasakidila kanzenze
doce fulana Insunji mano insunji
paixão inter Ku diulu dia dikanu dié
posta Ngamono jitetembua
Ni mukengêji iazele
inteira mente Dia kutululuka kuetu.
eterna mente (Pag. 49)
mente que não mente. (pag. 16)
Os factos sociais do passado e do presente, guerras sofridas, corrupção, fome,
A concepção inovadora, provavelmente única, de tratar a própria palavra, tal e miséria, e muito mais, tem nessas entrelinhas um destaque quase que explicito,
qual um escultor maconde na sua labuta quotidiana ao pau-preto, remete-nos a aliás, como nos ensina Cícero, não conhecer o passado é permanecer criança,
estabelecer analogias, sem propriedade categórica, pois, os laivos da (re) invenção Lopito usa este passado, e vem como à voz das vozes que não se ouvem na
deste ―Lex & Cal Doutrina” produzem na fonografia, se me permitam, um novo labuta árdua do quotidiano subdesenvolvido, e em alguns traços depõe como
neo-concretismo, com tendências similares à poesia concreta brasileira, traços testemunha ocular dessa África que lhe vive. É sem escrúpulos um poeta, que
verosímil apontam a poetas como por exemplo Ferreira Gullar. poetiza as vivas e duras vivencias africanas, com muita transpiração, que se
Pode dizer-se que, metaforicamente, Lopito Feijóo descobre, aqui, mais um dos vastos diga: felizmente consegue transmitir veementemente as imagens desta angola-
territórios da superfície poética, território este que na primeira apreciação o leitor vê na nidade usando a poesia como a fotografia fiel destas convivências.
condição de um turista mal informado, ignorando todas as potencialidades do léxico
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Destaque Notícias
Mia Couto opina sobre a juventude
Está à rasca a geração dos pais que educara seus meninos numa abastança capricho-
sa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras m os da vida.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações.
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são
os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada
na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus
jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
compreendem, porque eles têm direitos, por-
que eles têm necessidades, porque eles têm
expectativas, porque lhes disseram que eles
são muito bons e eles querem, e querem, que-
rem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do
que semeou durante pelo menos duas déca-
das.
Eis agora uma geração de pais impotentes e
frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qua-
lificada, que andou muito por escolas e uni-
versidades mas que estudou pouco e que
aprendeu e sabe na proporção do que estudou.
Uma geração que colecciona diplomas com
que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas
que são uma ilusão, pois correspondem a
pouco conhecimento teórico e a duvidosa
capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas
que não sabe estar em sítio nenhum. Uma
geração que tem acesso a informação sem que
isso signifique que é informada; uma geração
dotada de trôpegas competências de leitura e
interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por
abreviaturas e frustrada por não poder abre-
viar do mesmo modo o caminho para o suces-
so. Uma geração que deseja saltar as etapas
Mia Couto
E
stá à rasca a geração dos pais que educaram os seus da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma
meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais
de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida. aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações. Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como man-
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os dou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola,
que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua alarvemente e sem maneiras.
infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o
lhes tem sido exigido nos últimos anos. acessório se lhe tornou indispensável.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é
foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor. exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descenden- Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta
tes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre geração?
(já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entra- Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
das nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colec-
cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de tivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se quei-
primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, xam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
mesa e roupa lavada. Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia che- ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os
gando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são
educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do orde- betinhos, cromos que só estorvam os outros (como se viu no último Prós e Contras) e,
nado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes. oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego,... A vaquinha emagreceu, E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de
feneceu, secou. trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e
Foi então que os pais ficaram à rasca. que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocu-
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e pamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado. Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restau- Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de
rante e vedada a pais. que a culpa não é deles.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer
que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não con-
banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última segue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os
geração. jovens agora nos acusam.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É Haverá mais triste prova do nosso falhanço?
um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem
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Livros & Leitores
Simon Gaspar Jussar Joyce Celeste Machai
22 anos de idade, natural de Quelimane
19 anos de idade, de Maputo
Cursa Sociologia, em Maputo.
Estudante universitária, curso de Administra-
L
ção Pública.
L
eu O Último Voo de Flamingo do escritor moçambicano Mia
Couto. Apreciou a maneira que o autor aborda as questões eu Ualalapi do Ungulani ba Kha Khossa, onde constatou tratar-se
duma manifestação histórica dos acontecimentos, remetendo-nos
culturais de um determinado povo, as interpretações que as
a uma realidade questionável porque ao mesmo tempo transcende
pessoas dão aos fenómenos e o encontro ou choque de culturas. No
a realidade. O autor teve um pensamento proactivo por trazer a história
seu entender a nação moçambicana fez-se presente num ecoar de
conhecida com uma abordagem pessoal. Quem não viveu nessa época se
um Moçambique para todos sem excepção, que serve como funda- encontra na obra, ao ler sente-se como se estivesse naquele momento. É
mento para a libertação do indivíduo, não se prendendo numa for- um livro fantástico ao lê-lo é um encontro consigo mesmo, numa desco-
ma só de pensar. berta de si que torna a aventura apaixonante.
TÍTULO: A Cirurgia do Prazer
SUBTÍTULO: Contos Morais e Sexuais
AUTOR: Miguel Almeida
A
moralidade e a sexualidade, a realidade e a ficção, a
descrição e a reflexão, exploradas em cada person-
agem, em cada atmosfera, em cada situação, em
viagens sensuais que procuram alcançar o centro da
comédia humana e o sentido existencial do Homem no
mundo.
Diz-se que “em Portugal escrevemos pouco sobre sexo e
nem sempre sai grande coisa”. E acrescenta-se: “Não é fácil
encontrar na literatura portuguesa bons nacos de prosa ou
passagens poéticas com conteúdo sexual, talvez porque as
palavras do nosso português não ajudam”. Pois bem, este
livro dá uma resposta estrondosa a estas lamentações. É um
exemplo luminoso de boa literatura com conteúdo sexual e
erótico― usando a nossa língua: aquela que nos ensinaram
na escola primária! Se os brasileiros conseguem, há portu-
gueses que também lá chegam…
POEGRAFIA AO LOPITO FEIJÓO
Amosse Mucavele - Construa uma ilha com a
Doutrina dos sonhos, e nas
nuvens do mar asfalte um
Na noite grávida dos nossos sonhos. Reside um morcego pintado de cores barco (antes de iniciar o
angolenses. Onde em pleno voo rasante aterrou em Maputo. A cidade, a périplo apague a vela, colo-
Infância, a poesia e os homens assistiram a luz eterna do brilho do bronze
que uma Rosa e pinte o
estampado nas asas do morcego.
Os mas cépticos diziam – é impossível um morcego com olhos de palanka mesmo com a Cor-de-
ser a voz desta Geração da Revolução. E os mas racionais, com os tímpa- Rosa. feito isto chame a tua
nos bem assentes no horizonte dos possíveis e os pés abertos para uma musa Meditando. daí des-
caminhada infindável No Caminho doloroso das Coisas, onde pedras, cobrirás a idade do Lex &
lâminas são as fronteiras destes sonhos hasteados Na Idade do Cristo, e o Cal do Morcego, e que a
feitiço que o morcego espalha nas suas constantes viagens a África da sua cegueira não o impede
Palavra que idade tem?
de ver, de dar a voz na
Perguntou a cidade ao homem, e em seguida o silêncio agachou-se no colo
do homem, e lá do alto do chão que o mesmo homem pisava. Havia uma orquestra sinfónica do seu
máquina fotográfica que em paralelo com as lágrimas, e o sangue de um dia a dia, mesmo que com o seu esperma consegue fabricar e com a sua
passado muito presente e pouco distante, formavam a orquestra da dor cuja colher cozinhar Outros Fonemas Doutrinários. quanto mas o morcego
Percepção Intima do maestro revela---nos As Marcas de Guerra. aperfeiçoa a sua profissão de andarilho, mas aprendizes namora, e conse-
Antes de iniciar a sinfonia, o silêncio divorcia-se do homem e o homem quentemente o feitiço das suas palavras embrulhado nas Cartas de
respondeu a questão levantada pela cidade: para conheceres a idade do fei-
Amor que espalha incansavelmente pelo universo fazem o poeta.
tiço do morcego:
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Cartas
Espaço aberto para debate e comentários sobre assun-
tos literários. Mande-nos uma carta pelo e-mail:
r.literatas@gmail.com
Eduardo, Chamo-me Celso Celestino Cossa. Sou alguém
FICHA TÉCNICA Bom dia! que adora escrever. Alguém
que tem mais de 10 obras escritas (não publica-
das). Quando soube,
Querido amigo, fico feliz em receber notícias
suas e a da nossa África. através de Izidro Dimande, que o Kuphaluxa
Rita Dahl é nossa Confreira, pertence como lançava uma revista
você para nosso orgulho a Confraria Cultural literária, não resisti em mandar algumas coisas
Brasil-Portugal. que tenho escrito,
Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa Parabéns. Graciosas, ricas materiais. Gostamos para que possam analisar. Obrigado pela aten-
Direcção e Redacção de recebe-las e apreciá-las, repassar aos amigos.
Centro Cultural Brasil - Mocambique
ção!
Divulgar.
Av. 25 de Setembro, N°1728,
C. Postal: 1167, Maputo Obrigada e um beijo, A Seguir, o texto de Celso
Celestino
Fátima Quadros
Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 07 46
Cossa em estreia na LITERATAS.
603
Fax: +258 21 02 05 84
E-mail: kuphaluxa@sapo.mz
Blogue: literatas.blogs.sapo.mz EM BUSCA DO “PÃO DA VIDA”
D. Amália hoje não esperou o galo cantar. Seria tarde para ela. Tinha que fazer mais do que sempre fazia, acordar às
5 horas para procurar o “pão da vida”. Devia ser mais cedo. Às vezes, só com a força de duas ou mais pessoas é que
DIRECTOR GERAL se pode continuar a vida de apenas uma. Pior ainda, se for na época das festas de fim de ano, como agora. Ela estava
Nelson Lineu cabalmente ciente disso.
(nelsonlineu@gmail.com) As contas todas já haviam sido feitas no dia anterior, sob pena de atrasar, se as fizesse pela manhã. Quando amanhe-
Cel: +258 82 27 61 184
ce, para gente como D. Amália, amanhecer é para pôr o pé na estrada e tentar viver. Ou seria sobreviver. Dormir é o
DIRECTOR COMERCIAL
mesmo que estar morto, para muitos de nós que aprendemos como viver todos os dias, nós que aprendemos a driblar
Japone Arijuane a vida. Esta vida que muitas das vezes não sabe ser mãe.
(jarijuane@gmail.com) A porta range como sempre: fazendo jus ao descanso que constantemente pede. Como quem não sabe fazer mais
Cel: +258 82 35 63 201 nada se não gritar por socorro, por reforma, pela abolição da escravatura a que é diariamente sujeito. Devia estar num
Museu, na secção de antiguidades. Ou melhor: na secção de ―coisas podres‖, ―coisas que não podem mais‖, ―coisas
EDITOR que não podem nem mais um segundo‖.
Eduardo Quive A sua casa, este amontoado de caniço cansado, e estacas sulcadas pelo tempo, que servem de arranha-céus para
(eduardoquive@gmail.com) insectos, vai se saracoteando ao sabor da música do vento, que brinca por perto. Ainda que não falte muito para tocar
Cel: +258 82 27 17 645 o chão. Ou já lá está. Muitos de nós é que não vemos, com estes olhos pobres, de pobres.
As permeáveis paredes da sua casa deixam escapar o espaçado ronco de um dos seus filhos, dos 9 que tem. Ou 10.
CHEFE DA REDACÇÃO
Amosse Mucavele Com certeza não se trata do mais novo. Porque esse tem pouco mais de 7 meses que desenvolve no seu ventre escra-
(amosse1987@yahoo.com.br) vo de pouco espaçadas gestações (somente Deus pode saber como dormem neste amontoado minúsculo a que pode-
Cel: +258 82 57 03 750 mos, com sérias desconfianças, chamar de casa). Ou o ronco seria do Alberto, seu marido, esse desempregado que
nada sabe fazer para além de medir forças com a afamada ―Tentação‖, bebida de alto teor alcoólico. Ou com outra
REPRESENTANTES PROVINCIAIS ―tentação‖: sua indefesa mulher, D. Amália. Esta mulher que tudo faz para que nunca falte pão e água na mesa, ape-
Dany Wambire—Sofala sar dos pesares, ser feita de saco de boxe todos os dias, sem hora e sem razão aparente.
Lino Sousa Mucuruza—Niassa Amália não precisou abrir o portão do quintal para que se fizesse à rua. Somente fez-se para além da fronteira imagi-
nária que cerca a sua casa. Aqui neste bairro é assim: ou os muros que cercam as casas são verdes, de ―espinhosa‖,
ou que o imaginemos. Aqui todo mundo mal come. Mal dorme. Mal tudo um pouco. Mas há uma esperança — ―Ser
COLABORADORES FIXOS pobre não é o fim do Mundo. É apenas o começo de um mundo novo, ou de um novo mundo.‖
Izidine Jaime, Pedro Do Bois (Saranta Cata-
rina-Brasil) , Victor Eustáquio (Lisboa — O olhar que D. Amália lança, sobre o seu ombro ocupado por um saco vazio, parece uma súplica para que a casa não
Portugal), Mauro Brito. caia. Para que ao menos ela continue com a mesma escoliose de sempre. Para que aguente mais um dia. Para que não
derrube a esperança mal viva, que ainda lhe resta.
COLUNISTA -―Mal comemos, mal fazemos quase tudo, agora não ter onde dormir...‖, pensa ela, enquanto apressa os seus passos
Marcelo Soriano (Brasil) sonolentos.
-―Para os pobres não é preciso morrer, ou ter pecado muito na vida para conhecer o Inferno. Aqui na terra pode ser
FOTOGRAFIA mais inferno que aquele que alcançamos após a morte.‖
Arquivo — Kuphaluxa D. Amália não é a única que, antes do cantar do Galo, já se faz a vida, a procura do ―pão da vida‖. Colegas suas, car-
regadas de caixotes, bidões, e sacos de todos os tamanhos, que servem para meterem as coisas que irão comprar
(revender), já a saúdam. Já encetam com os “Updates” das fofocas. Sem esquecer das reclamações sobre as especula-
PARCEIROS
ções de preços que sempre se verificam quando estamos nas Quadras Festivas. Pouco, ou quase nada se fala sobre a
Centro Cultural Brasil—Mocambique Ceia de Natal. Para quê pensar em sapato enquanto não se tem o pé?!
A paragem dos ―Chapas-cem‖, Transportes semi-colectivos, já está infestada de gente. Uns vão ao serviço; outros,
Portal Cronopios para escola; D. Amália e as suas colegas, ―guevar‖, revender produtos, dito em portuguesa língua, no Mercado Gros-
www.cronopios.com.br sista do Zimpeto.
Como já era de se esperar, os ―Chapas‖ não estão às formigas, como devia ser. A estas alturas, o ―Machibombo‖ dos
Revista Blecaute TPM (Transporte Públicos de Maputo) está atrasado; já devia ter passado. São 5h10. Não resta mais nada, se não
rezar para que apareça uma ―caixa-aberta‖, para que as dê uma ajuda. Ou para que se ajudem mutuamente. Com libe-
Revista Culturas & Afectos Lusofonos ração dos carros não licenciados para ajudarem o sistema dos transportes públicos todos saímos a ganhar — há como
culturaseafectoslusofonos.blogspot.com chegar cedo em casa para nós que voltamos do serviço, da escola, e de outros lugares; as camionetas ganham um
combustível extra.
Parece que Deus as escutou. Uma camioneta vem vindo. Mordem-se de ansiedade. Rezam para que a camioneta as
leve. ―Pisca!‖, dizem de si para si, a maioria das mulheres. Parece que o motorista da camioneta as escutou. Pisca. À
medida que a camioneta era estacionada, havia outro sentido da reza: que a camioneta fosse para o destino da maio-
ria. O motorista desce o vidro do carro. E, para a felicidade de D. Amália e dos demais presentes, confirmaram que
Deus dá àquele que verdadeiramente querem.
— Zimpeto, Drive-in — grita o Motorista da camioneta.
7. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 7
SE ME DISSESSES MARTA
Poesia Mouzinho do Rosário Narope — Lichinga
Talvez hoje eu não estaria aqui sofrendo sozinho
Sem ter onde ir nem quem fique comigo
Talvez alguém cuidaria de mim nessa hora em que não me precisas
mais
Se me dissesses marta
Podia não ficar chorando por tua causa...
Talvez quem sabem por não teres lido este poema
Ou seria por ter perdido este poema sem te mostrar
Mas se me dissesses...
Que tinhas alguém em teu coração...
Este poema seria soneto
O sangue do poeta Eu seria a névoa das noites adormecidas
E não o que me fazes hoje... MARTA...
Rita Dahl - Finlândia
O sangue do poeta seca-se ao verso racional, MAR, AVE, E ILHAS POEMAS DE PERNOITES
DE ÁFRICA
alguem o apaga támbem,
E MAIS
diz que amas e o sangue recreia,
sobe à cabeça e recebo outro tratamento.
Mauro Brito — Maputo Eliseu Armando
Não podem lavar o sangue do poeta com o seu sangue sujo!
O coração, só isso, suporta saltar da pedra
Maravilhosamente
que anteriormente provocou um escândalo. Esta Maravilha (os) mente
Primeiro o olhar deu uma volta à China, Maravilhoso país de pais
Maravilha -o solo Depois do Carnaval, cinzas – e a
onde o sangue borbotou do peito da imigrante. ressaca
Maravilha
Por que não circula o sangue até à cabeça da cada indivíduo?
Este osso
Desacelerar as partículas do forfé
Infelizmente não havia o sangue do poeta em mim mesma Mar de
embora conseguisse agora com muita força. Ave & ilhas Tirar as máscaras – encarar o dra-
Mar (ave) ilhas gão real
Onde vai todo o sangue, perguntou a mosca a mosquito? Mar ilha
A mulher é um espelho do poeta, a vasilha do incenso, Mar E reabitar solo parado sem sonhos
Ave ou tapetes voadores
o status. O sangue gotejou para o chão pela tinta. Ilha
A junta torturou as impressões escondidas Mar
Marado
nos sentidos. O sangue corre dentro alguém Mar amado
de seminal. Os sentidos escondidos nos lençóis Mar de sorrisos Depois do Carnaval, cinzas – e a
Gira sem volta rotina
do poeta, rebelde para que o sangue circulasse,
esvaziaría a terra exuberante. Nele realizou-se De segunda à sexta-feira, o traba-
Passando o fio de esperança lho
o idiomatismo: ―que Deus te acompanhe‖. Hastes nas nossas ilhas humanas
Se corre unicamente uma gota do sangue nas veias Parecer gente – se é que isso seja
possível
do poeta, ele será batido e violentado MANEIRAS E de novo demarcar território arle-
até sangrem os olhos. quinal sem fantasia
Acima de tudo soa: ―sem o corpo / o sangue é / uma poça de Pedro du Bois — Brasil
áqua‖.
O poeta fez chichi para ti,
trocou as fraldas, despejou na garganta melhor maneira: liberdade Depois do Carnaval, cinzas – e
bebeu até o ultimo gole. A arma do poeta livre é coerente no estado inercial recuperar
esse sangue duma jovem virgem que jorra
do tempo (não antes: outubros O tempo; o corpo a alma a mente,
da ferida para o peito. Não ajudava equilibram planejamentos) tudo
o algodão ou a protecção maior. Que edifica o cidadão, na volta ao
acalorado em expectativas: tristezas recomeço
Ele decidiu ficar estudante mesmo transpirando sangue.
invadem e sentem o bater
das pedras (desacerto de corpos Capa e espada. E a coragem de
sobreviver a palo seco.
compactados em estreitas
formas).
8. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 8
Entrevista por Amosse Mucavele
“A minha vida está recheada de livros”
M iguel Almeida inspirado
nas lusitanas palavras, fala
sobre as letras que guiam o seu quotidia-
no. Do tardio contacto com os livros, este
autor, galgou na cegueira do não ler e,
consequentemente, abdicado da escrita.
Contudo, há um dom que norteia um
cego, o dom da sensibilidade, do tacto,
manobra e superação. Por isso, uma viri-
lidade o atacou um dia e se solveu pelo
demónico paladar das palavras. Decidiu
ser criador. E o que cria? Cria coisas,
umas fingidas a gente e outras não. Mas
falam e locomovem-se, são as palavras.
Assim, debruça-se durante esta conversa
a dois, trazida por Amosse Mucavele,
como entrevistador “virtual” em que,
desde Moçambique, alcançou Miguel
Almeida, nas terras lusas, e porquê pala-
vras, se a voz do silêncio se debruça fora
do seu esconderijo (livro).
Literatas (L): Na infância qual foi o seu primeiro contacto marcante tor. Mas já quanto ao potencial de promoção e de divulgação das obras
com a escrita? de um escritor... mas isso já é uma outra questão. Quando é bem feito, o
Miguel Almeida (M.A): Na infância... O meu primeiro contacto com os jornalismo informa-nos, mantém-nos a par dos acontecimentos do mun-
livros foi tardio, tanto na perspectiva da leitura como da escrita. Até ter do e ensina-nos a crescer juntos com ele – o mesmo me parece que se
terminado o ensino secundário, o meu contacto com os livros foi essen- aplica à literatura, que, para além do que disse, também nos ocupa,
cialmente escolar, com livros e manuais escolares. diverte e entretém.
L: Que espaço os livros ocupam no seu dia-a-dia? A leitura de alguma
forma influência o seu trabalho e o seu quotidiano? L: Como escritor e leitor, quais são os autores imprecindiveis nas
M.A: Sou pai, professor e agora também escritor. Para além disso, tam- sua leituras? Quais são os que nunca o abandonam?
bém sou leitor, embora o tempo que tenho disponível para ler seja pouco, M.A: Primeiro que tudo, os clássicos: Homero, Vergílio, Cervantes,
muito pouco e cada vez menos. Ainda assim, com algum exagero à mistu- Camões, Dostoievski, Tolstoi, Pessoa... e quase todas as obras dos gran-
ra, bem se pode dizer que a minha vida está recheada de livros: os que li e des filósofos de todos os tempos. No plano mais actual, há uma situação
os que desejo ler, os que escrevi e os que desejo escrever, os que utilizo deveras curiosa que se passa comigo quando leio qualquer texto ou
para preparar e para levar à prática as minhas actividades lectivas... qualquer livro do Mia Couto. Através do Facebook, por exemplo, já o
confessei várias vezes: para mim, ler Mia Couto é um perigo, porque
L: O escritor peruano Mario Vargas Losa certa vez disse o seguinte: me obriga logo a escrever. Os diversos livros do Mia Couto que li estão
”a minha passagem pelo jornalismo foi fundamental como escritor”. cheios de sublinhados, de notas e de pequenos textos, que escrevo, qua-
Como porta-voz da sociedade você percebe na literatura ou no jorna- se instintivamente, enquanto estou a ler o que ele escreve. Aquela sua
lismo uma função definida ou mesmo prática? escrita poética na prosa, aquela recriação linguística marcante e cons-
M.A: Hoje em dia temos muitos escritores, alguns deles autores de tante, aquelas suas personagens e ambiências ―fabulásticas‖... Enfim,
«bestselleres», que confirmam o acerto das palavras de Mario Vargas Llo- para mim, o Mia Couto é sempre uma tremenda inspiração. Através do
sa, tanto no plano internacional como no nacional. Para além de Vargas Facebook já fiz a proposta do Mia Couto para Prémio Nobel da Litera-
Llosa, que o reconhece, no plano internacional, temos o exemplo de Jona- tura e os «posts» que fiz tiveram imensas pessoas a clicar no ―gosto‖ e a
than Littell. Em portugal temos, por exemplo, os nomes dos escritores José deixarem comentários no mesmo sentido.
Rodrigues dos Santos e Júlio Magalhães, que são também «pivots» de
informação na televisão. Pessoalmente, não reconheço uma mais-valia no L: Neste mundo cada vez mais globalizado, tão afeito ao imagético,
facto de se ser ou ter sido jornalista para se poder ser um excelente escri- com um nível elevado de analfabetismo e com uma diversidade cul-
9. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 9
Entrevista por Amosse Mucavele
Continuação que, ou em qualquer outro país da África Lusófona. Também estou
tural abrangente, o que o leva a dedicar-se a arte de escrever numa era de acordo que andam por aí muitas ―obras imaturas‖ nas pratelei-
onde ler um livro não é a palavra de ordem? ras. A triagem devia ser feita pelas editoras, aquando da publica-
M.A: A pergunta é quase um diagnóstico... e, infelizmente, certeiro. Remar ção... mas nem sempre é feita. Assim sendo, acabam por ser os lei-
contra a maré... Ter consciência da importância de uma causa e contribuir, com tores a ter que separar o trigo do joio. Se o fizessem com autono-
um pouco que seja, para que tenha sucesso. O mundo é o que é, não é o que mia e com conhecimento de causa, a coisa até nem estaria mal. O
deveria ser... Mas nós, sobretudo os que têm as capacidades e os meios neces- problema é que não é isso que se passa... mas essa é outra questão.
sários, temos a obrigação acrescida de tentar que o mundo seja o mais parecido
possível com aquilo que achamos que deveria ser, para ser melhor, mais justo, L: Que obra de um escritor de qualquer quadrante do mundo
mais bonito e perfeito. A leitura e a escrita podem ser agentes poderosos de
que os moçambicanos deviam ler urgentemente? Como formar
luta contra o facilitismo e o comodismo, contra o vazio intelectual e espiritual. leitores?
Se não o são, deviam sê-lo. Se já o são, deviam sê-lo ainda mais. M.A: As minhas (risos)... Tenho seis livros publicados, cinco deles
no último ano. Posso recomendá-los? (mais risos)... Aos moçambi-
L: O escritor angolano José Agualusa disse certa vez que “o escritor afri- canos e a todos aqueles que vierem a ler esta entrevista, recomendo
cano deve sair do gheto”, sendo o escritor a voz dos que não tem voz, a sua -lhes que leiam, que façam as suas escolhas e depois tirem as suas
intervenção social não só deve cingir-se a escrita num país com baixos próprias conclusões. Ler faz bem, porque entretém e também nos
niveis de leitura, o escritor deve se expor na sociedade, comunga da mesma faz crescer!
ideia? Ser escritor compensa? Qual é o papel do
escritor?
M.A: Comungo por inteiro e penso que na minha res-
posta à pergunta anterior já disse o essencial do que
penso acerca disso. Às palavras do Zé, só acrescento
que elas são válidas para África e para todas as partes
do mundo, porque por todo o lado há gente sem voz.
Ser escritor compensa, compensa muito, embora as
maiores compensações, pelo menos para mim, não
sejam a nível financeiro, como muita gente pensa.
Mas, felizmente, há outro tipo de compensações, bem
melhores, pelo menos para mim, do que as compensa-
ções que se medem pelo valor exclusivo ou principal
do dinheiro. O papel do escritor... Entreter e divertir,
ocupar as pessoas, e, sempre que possível, fazer pensar
um pouco os seus leitores.
L: A língua nos une, mas continuamos muito dis-
tantes um do outro, em termos globais qual é o esta-
do clínico da literatura de expressão portuguesa? O
que a literatura do seu país recebe dos outros qua-
drantes lusófonos, concretamente os africanos, refi-
ro-me a literatura moçambicana, angolana, gui-
neense, cabo-verdiana, etc.
M.A: É verdade... mas vem aí o novo acordo ortográfi-
co (risos)... Pessoalmente, sou contra. Todos ficamos a
ganhar uns com os outros. Infelizmente, apesar da
identidade da língua portuguesa, é grande, muito gran-
de até, o desconhecimento entre os autores da chamada
lusofonia. Em Portugal, por exemplo, penso que se
aposta pouco nos autores portugueses, tanto no plano
da publicação como no plano da divulgação, onde pen-
so que a situação ainda é mais gritante. Neste último
plano, em concreto, chego a pensar que os mecanismos
estão viciados: existem só para alguns autores, que são
quase sempre os mesmos. Para além do espaço para a
divulgação e promoção do livro ser muito diminuto, é
muito raro ver crítica literária de autores portugueses,
sobretudo dos novos autores, nas poucas publicações
que têm algum espaço para esse efeito.
L: Se em Moçambique, Angola, Cabo-Verde, São Tomé, Timor Leste, etc.,
o grande problema que cruza o caminho do escritor é encontrar uma Edi- QUEM É?
tora onde possa publicar o seu trabalho e em seguida alguém que compre e
lê a mesma, creio que em Portugal e no Brasil acontece o inverso. Ou seja,
COMPRENDE-SE QUE as possibilidades de publicação, NESSES DOIS Miguel Almeida. Licenciado em Filosofia e Mestre em Filosofia da
PAÍSES, são bem maiores ao que as nossas, com isso, não corre-se o risco Natureza e do Ambiente pela Faculdade de Letras da Universidade
de se ter muita obra imatura nas prateleiras. Qual a sua opinião sobre de Lisboa. Os seus trabalhos de investigação centram-se na área da
isso? filosofia das ciências, nomeadamente na aplicação das ciências às
M.A: Não sei se o diagnóstico está totalmente acertado... Mas acho que sim, questões do ambiente e da ecologia planetários. Desenvolve
que deve ser mais fácil publicar em Portugal ou no Brasil do que em Moçambi- actividade docente nas áreas da filosofia e da psicologia.
10. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 10
Filosofonias
Colunistas Marcelo Soriano — Brasil
m.m.soriano@gmail.com
O passo certo
no caminho errado
Nelson Lineu - Maputo
nelsonlineu@gmail.com
O bicho bicha
D
Imagem: "winds of change", by Khalid Albaih. http://www.flickr.com/
esta vez a Palmira é décima sétima na bicha, e acontece o photos/khalidalbaih/6135664166/
contrário das outras bichas por ela frequentada quase que
assiduamente, nesta não está por necessidade como ela diz
para si é por desnecessidade. Espera pela vez de ser ouvida pela
autoridade. Vai vendo uma e outra pessoa entrando, as que saem Comentário: Os Literofagistas
pelas aparência notasse que são pessoas de posses, o seu semblante
continua invariável, como as outras vezes não fez carretas, nem des-
peja palavrões, convive com aquele calvário como em casa com O onívoro devora tudo; o canibal a própria espécie... O
mosquito. Entre nós, não existem serviços que se abdiquem das
bichas, funciona como sinal de procura, prosperidade, o que mais a carnívoro, carne... O vegetariano, folhas e frutos... Mas
incomoda é facto dos prestadores desses serviços não darem sinal de aqueles que devoram livros, como seriam chamados?
melhoria das condições, o bem-estar dos clientes está em último na
bicha deles. ....................................................................
A Palmira sabendo que os idosos, as mulheres grávidas não se fazem
as bichas, pela prioridade assim convencionada, não via a hora de
engravidar e ter os seus nove meses de acesso livre. Já que para além
Mini crônica: Vento Norte
de pagar os produtos tinha que pagar o acesso, ficando na bicha. Ela
vivia maritalmente com o Palmar, de princípio dizia que ainda queria [O vento Norte é uma característica marcante na Cidade de Santa Maria,
viver a sua juventude por isso como as campanhas de luta contra o RS, Brasil]
sida dizia ser só para mais tarde, por causa das bichas mudou de
ideia logo, inverteram-se os papéis, hoje é o palmar que é posto con-
tra parede para ela engravidar, pela demora ela passou a chamar-lhe
por incompetente. Pediu para o esposo ir ao curandeiro, ambos eram Há algo semelhante entre as árvores transtornadas pelo
religiosos ferrenhos, mas ele não seria capaz de cometer esse pecado, Vento Norte e as senhoras pelas ruas do centro,
se fosse por forças sobrenaturais só tinha que ser Deus, passou a
rezar mais do que pensar, ela foi à uma curandeira para se sentir mais garantindo as saias com as mãos e entregando o
a vontade por causa do sexo, mas para dar certo tinha que ter anuên-
cia do marido, daí que resultou num fracasso, viviam esse impasse penteado à loucura.
enquanto ela continuava a sofrer nas bichas.
Até que tomou uma atitude, a mesma que lhe faz ficar nessa bicha de ....................................................................
hoje, pegou num pano foi cozendo e pegou em esponjas e pós até
que o Palmar indaga: - estas a fazer uma almofada. - Estou a fazer Poema: Das Minhas Gavetas
grávida - respondeu ela. O palmar não tinha como discutir com ela,
aliás ela não deixaria, ele próprio fazia das dores da mulher nas (Lazariana, em 21/01/2005 23:58)
bichas a sua, ele até podia aceitar aquilo menos ir ao curandeiro, não
podia desobedecer ao Padre. Ela vestiu a bata que já tinha comprado
à muito e dirigiu-se a bicha consoante a sua necessidade, mas teve
que andar alguns quilómetros do seu bairro para não merecer suspei- Pior que o assassínio, é a ocultação do cadáver!
tas, qualquer sacrifício para evitar as bichas eram bem-vindos.
Embora dela fosse falsa, percebia porquê as mulheres grávidas sen-
Levanta-te, e vem! Levanta-te, e vem! Não tarda!
tiam-se donas do mundo, eram centros de atenção. Já no combate só Os gentios estão inquietos. E logo virarão a cara.
faltava tapete vermelho para pisar ao entrar naquela porta que ela
acabou de decifrar o enigma. Os dias foram passando, embora ela E logo darão as costas. Levanta-te! Levanta-me!
tivesse que caminhar um pouco mais do que o habitual para comprar
a vida como ela mesmo dizia, o tempo para alcançar os seus objecti- Salva-nos do vexame!
vos era curto e é que contava mais, porque ele é que o dinheiro. Hoje
foi numa em que a situação fazia com que todos se tratassem da mes-
....................................................................
ma maneira, a desordem impunha-se, viu ambulância a levar um - E tenho dito!
velho, quando ela mesma subia o carro da policia com uma pulseira
mais pesada do que a que ela usava nos seus passeios, essa não tinha
nada a ver com vaidade, descobriram a sua farsa, no meio da confu-
Não escrevo filosofismos; escrevo vivências. O que é lido e
são e tensão, entre empurros e apuros a almofada ou seja a grávida
caiu, a policia estava lá para repor a ordem inclusive repôs a barriga interpretado daquilo que escrevi, independe do que, para mim, eu
dela. E agora esta mais uma vez numa bicha a espera de ser ouvida tenha escrito.
pelo policia. E vai jogando a culpa ao marido. – Se aquele palmar
desse coco – lamentava.
11. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 11
Croniconto
Dany Wambire
Aquele é teu empregado?
Foi, então, a partir desse momento que sucedeu o inesperado, uma pergunta feita
pelo colocutor da minha companheira mal disposto me deixou.
danitoavelino@gmail.com ― Aquele é teu empregado?
Incrível! A Marieva com pena de mim ficou. Mas, de instantâneo, lhe explicou
que eu era colega e amigo dela, sem competência para ser empregado doméstico.
Depois, lhe recusou com o número de contacto móvel.
M
ais um dia lectivo perdeu existência. Todos estudantes se divergiam E eu, de lado onde me estacionava a contemplar a conversa dos dois, desonrado me senti.
para as suas respectivas casas. E eu, na companhia de uma colega, Me olhei, de cima para baixo, nada de anormal eu constatei. Os meus sapatos? Eles não
fazia o mesmo, se evadia do recinto escolar. Ou melhor do recinto eram novos e custosos, mas não eram ultrapassados, capazes de confundir a modernidade.
universitário ou da faculdade, pois assim, dizem alguns, que me ponho no meu As minhas calças? Eram simples, sem adornos dessas ―pré-lavadas‖, mas venciam escas-
sos elogios dos viciados em roupa. A minha camisa? Essa, não. Era a camisa mais confia-
digno lugar. São uns amigos de curta data que assim me admoestam, esses que da. Era barata, mas bastante bonita. Então, o homem só queria alcançar, de qualquer
inventaram um verbo que lhes distinguisse dos outros, quaisquer estudantes, que modo, os seus fins. Afinal, os fins justificam os meios! Mas dessa vez justificaram os
não estavam nas faculdades: facular. Estuda quem está numa qualquer escola e fracassos.
facula quem está na faculdade, julgam eles. Engraçado, nem?! Isso é vírus de Depois, ao longe, procurei caracterizar o homem que se resguardava no carro, que aposto
faculdade, de diploma universitário?! E do conhecimento? Ah, do conhecimen- ser de Estado, produto dos nossos impostos. O senhor era rechonchudo, com roupas caras
to, do saber fazer, poucos se importam. É uma pena desses ignorantes ignorá- adornando a sua ignorância, a pobreza de seu conhecimento. O senhor era desses tipos,
veis! que andavam pela cidade caçando mulheres alheias, prostiputas inclusive. Gastava mal o
No fim desse dia lectivo, eu e minha amiga caminhávamos falando mal de um docente dinheiro que ganhava, com prostiputas e bebidas, e depois saía a atirar culpas para o
nosso. A bem dizer, falávamos verdade. Lamentávamos, ainda, o facto de existir docen- governo: o salário que nos dão é pouco, que não cobre as necessidades. O salário é pou-
tes universitários que nem para o Ensino Primário prestavam. Mal dominavam os con- co, ou o juízo que é pouco?!
teúdos programáticos. Não planificavam suas aulas. Apenas vinham passear a sua clas- Pensei seguir com agressões, mas antes medi a dimensão de meus braços para a
se. Ou melhor, a sua burrice. tarefa. E lisos eram os meus braços, próprios para não intimidarem a ninguém. E
Mas, falar desses professores não é meu propósito, não é ordenado por esse croniconto. a inteligência? A inteligência, não? Inteligência não é usada para ninharias, frivo-
O que quero cronicontar vem nos sequentes parágrafos. lidades, para violências com analfabrutos. Inteligência é coisa de muito respeito.
Quando já estávamos próximo da terminal de ―chapas‖, uma buzina de certo carro nos Para mais, a pergunta daquele jovem não me surpreendeu. Habituado, eu estava a
pediu atenção. Com efeito, eu e a minha amiga, Marieva Espinha, olhamos a fonte do pais, medíocres, que conquistam namoradas dos filhos, usando mais ingénuas
som da buzina. E, de imediato, constatamos trejeitos de dedos, envidraçados, a solicitar astúcias.
presença nossa junto ao carro. Nossa, como quem diz. O proprietário daqueles trejeitos
era com minha companheira que queria falar. O moço fora atraído pelas carnes que
― Este meu filho, o que te dá? Sabes que a mesada que consigo partilha, sou eu
enchiam as calças da moça? Pela beleza externa da moça? Afinal, uma coisa é certa: as que lhe dou! E tenho mais!
calças lhe desenhavam bem os contornos do corpo. Vaidade feminina! Essa que atrai Para o caso que me aconteceu, a explicação é breve. Afastar o inimigo era forma
―moscas‖ para si. É sugada esta vaidade e as proprietárias, depois, jogadas à lixeira. fácil do moço ganhar a presa. Quer dizer, fosse namorado daquela mulher e ela
Convenci, no resto, a minha companheira, com ajuda de algumas pessoas ali mal se sentiria. Teria acesas meditações sobre o seu namorado, da sua aparente
presentes, a ir falar com o fulano. Mas, depois, fiquei arrependido, pesado de má apresentação, parecendo um doméstico empregado. Por fim, desataria a
culpa. Se tratasse de sequestros, desses que estão vitimando mormente cidadãos namorar com genial observador de namorados ou maridos mal apresentados. De
asiáticos? Dose de culpa, eu teria. Então fiquei a expiar os contornos da conver- início, em simultâneo, pois espertas mulheres raramente mandam passear o pri-
sa, em benefício da minha colega. meiro namorado antes de segurado, e bem segurado o segundo.
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Em Agosto de 2012
Maputo será a capital da Literatura
Festival Literário de Maputo
Saiba como participar em:
http://festivalliterariodemaputo.blogspot.com
festivalliterario.maputo@gmail.com
Para ser parceiro ligue:
+258 82 57 03 750
+258 82 35 63 201
12. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 12
Personagem Angola
J.A.S. Lopito Feijóo K.
J
OÃO ANDRÉ DA Rosa Cor-de-rosa (1987)
SILVA FEIJÓ, de seu Cartas de amor (1990)
Na idade de Cristo. Poesia declamada em CD (1997)
nome completo, nas-
O Brilho de Bronze – Haikais (2005)
ceu em Malange, ao 29 de Marcas de Guerra (2011)
Setembro de 1963, Estudou Lex & Cal Doutrina (2012)
Direito em Luanda na Universi-
Ensaio: Critica Literária
dade Agostinho Neto (UAN). É Meditando - Textos sobre Literatura (1992)
deputado (reformado) da Geração da Revolução – (1993)
Assembleia Nacional da Repú-
Organização e divulgação
blica de Angola. No campo doloroso das coisas: Antropologia Panorâ-
Como criador assina usualmen- mica dos Jovens poetas angolanos (1988)
te J.A.S. Lopito Feijóo K. Poeta e critico literário, ensinou Lite- África da Palavra: Antologia de poesia de amor dos
anos 80 – (1995)
ratura angolana. Membro fundador da Brigada Jovem de Litera-
tura de Luanda (BJLL), e do colectivo de trabalhos literários DE FINALMENTE
OHANDANJI, é membro da União dos Escritores Angolanos PEDRA FEITICEIROS
(UEA), onde exerceu o cargo de secretário para Relações Inter- E
nacionais, é actualmente presidente da Sociedade Angolana de SAL
Todo aquele angaria
Direito do Autor (SADIA). Tem colaboração dispersa em publi-
Sonhado sóbrio dor do
cações de Angola, Portugal, Espanha, Brasil, Estados Unidos da
Subo ao alto
ente ferido
América (EUA), Moçambique, São Tomé e Príncipe, Nigéria,
Da altivez
etc. É membro da academia Brasileira de Poesia ―casa Raúl De tanto aquele mor
Leoni‖. É membro da International Poetry dos EUA e da Mai- cego amor
son International de la Poesie, sediada em Bruxelas, Reino da
Sério talhado
sorvo o sumo
Bélgica.
que somei resvala psíco
Está repertoriado na 10ª. Edição do International Directory of
pata ama
Distinguished (2004-2005),do American Biographical Institute, chacando no breu.
semeando o sentido
bem como no Dicionário de Autores de Literaturas Africanas de
nem tido
Língua Portuguesa (1997), de Aldónio Gomes e Fernanda
nem perdido so
Cavacas.
Lopito Feijóo é titular do cartão de LEITOR DE HONRA da
licito sol
biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa -
dado sem
FLUL.
sílaba tónica
Do autor
Poesia
somente samaritano
Doutrina (1987) servente servindo só
Me ditando (1987) rindo volta e meia
de soslaio
13. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 13
Ensaio Gregório Firmino *
A PROBLEMÁTICA DA NACIONALIZAÇÃO DE LÍNGUAS EX-
COLONIAIS: O CASO DO PORTUGUÊS EM MOÇAMBIQUE
O
BJECTIVO DA APRESENTAÇÃO • Qual é a situação do Português?
• DISCUTIR ASPECTOS RELACIONADOS COM A • Até onde a visão generalizante de estudiosos africanistas se enquadra ao caso do
Português em Moçambique?
MOÇAMBICANIZAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA (LP) • Língua colonial?
• Língua estrangeira/exógena?
• Língua nacional(izada)?
QUESTÃO PRINCIPAL » Pode haver uma língua que seja símbolo da nação/língua da unidade nacional
• A LÍNGUA PORTUGUESA É/PODERÁ SER UMA LÍNGUA sem ser língua nacional?
MOÇAMBICANA(ZINADA)? » Por que geralmente não se aceita a designação línguas nacional/língua moçam-
bicana para o Português?
HIPÓTESE PARA A DISCUSSÃO ― (…) Diferentemente de muitos países do continente, a situação da língua portugue-
HÁ ASPECTOS LINGUÍSTICOS E (sobretudo) SÓCIO-SIMBÓLICOS sa não é a de uma herança incómoda com carácter provisório enquanto se não encon-
QUE JUSTIFICAM O PRESSUPOSTO DE QUE A LP ESTÁ NUM PRO- tra uma língua ‗genuinamente‘ africana. (...) É um projecto que visa anular todas as
CESSO DE NATIVIZAÇÃO (justificando-se assim a sua moçambicaniza- consequências da arbitrariedade do traçado geográfico do País, dar-lhe uma identida-
ção) de nacional e uma consciência cultural, através do povo que nele habita‖ (Rosário
1982: 64-5).
O que é nativização?
Nativização do Português?
Segundo Kachru (1982) a ―nativização‖ (também chamada indigenização ou endogeniza-
• Reconstrução linguística
ção ) pode ser definida como um processo de aculturação através do qual uma LWC
• Novas estruturas gramaticais
[língua ex-colonial] se aproxima do contexto sócio-cultural de um país pós-colonial. Atra-
• Ex. A música que ela gosta (dela) está a tocar na RM.
vés da nativização, uma variedade não-nativa é culturalmente integrada na ecologia social
• Novas formas lexicais
da pós-colónia e adquire novas funções sociais. Além disso, ela desenvolve inovações lin-
• Ex. Moleque/empregado doméstico, patrão, cabritar
guísticas que ganham significado comunicativo e social no contexto destas novas funções.
• Novos usos discursivos/retóricos
• Ex. Dizer que …, Portanto …
MOTIVAÇÃO • Aquele gajo pá é um grande cabrito!
• Uso da expressão língua(s) moçambicana(s)/língua(s) naciona(l/is) como referên- • (Cf. Gonçalves 1996; Gonçalves 2010)
cia às línguas bantu (nunca tratadas como línguas étnicas) • Reconstrução sócio-simbólica
• Uso da expressão língua oficial como referência à LP (nunca tratada como língua • Nova ideologia linguística
nacional/moçambicana, apesar de ser símbolo da unidade nacional • (língua colonial Vs língua “anti-colonial” Vs língua nacionalizada)
• Resistência/Contestação/problematização do uso da LP (ex. Lázaro Mabunda: Erro • Novas valorizações sociais do desempenho linguístico, que mostram a inser-
Apocalíptico, artigo no semanário ―O País‖ de 17 e 24/08/2007) ção da língua numa nova ecologia social
• Sotaque
• O Português está a interiorizar-se no contexto sócio-cultural do Moçambique
• A questão linguística em África: Discussão perene pós-colonial (…). Este processo corresponde ao desenvolvimento de uma nova ideo-
• Contestação do uso/oficialização de línguas ex-coloniais logia linguística, à medida que as autoridades oficiais e a opinião pública percebem e
• Elitização social (Djité 1991) reconhecem o Português como uma língua oficial e língua franca. Entretanto, à medi-
• Afastamento das “massas” da vida nacional (Mazrui & Tidy 1984) da que a esta ideologia evolui, a língua portuguesa em Moçambique incorpora novas
• Alienação cultural (“subjugação espiritual” Ngugi wa Thiongo, 1987) características linguísticas distintivas. Assim, o processo de nativização do Português
• Insucesso escolar (Bokamba & Tlou 1980) compreende duas dimensões: uma simbólica, com a emergência de novas atitudes e
• Há vozes com uma visão mais pragmátca (Chinua Achebe, Milton Obote, etc.) ideologias sociais face ao uso da língua; e uma linguística, com o desenvolvimento
de novas formas de uso da língua (Firmino 2002).
Língua africana (No matter what!)
• ―However, Africa has a unique problem stemming from its multilingual situation and Impacto da nativização
the fact that there are a number of ex-colonial languages competing for supremacy in the • Expansão do uso da língua (indo para além dos domínios públicos e oficiais)
continent. Since these many foreign languages are known by a very insignificant few, the • Alargamento de utentes da língua (nas suas variadas formas, principalmente nos
only way of bringing as many Africans to own our development initiatives is by a shift in meios urbanos)
the language policy. We must develop our languages for effective communication with the • ―O Português em Moçambique pode ser visto como um continuum que oscila
masses. We have proposed Kiswahili as the language best suited for development as a desde as formas do “mau” Português (pejorativamente chamado pretoguês) até às
language for the African union. If that is not easy to attain in the short term, we can de- formas mais próximas do Português europeu. ― ( cf. Firmino 2002)
velop a number of African languages initially. Towards this end we can pick on Hausa for
West Africa, Arabic in the north; Zulu in South Africa, Kiswahili in East and Central Af-
rica while encouraging the continued development of Kiswahili. If for valid reasons A LP NÃO ESTARÁ DESCOLONIZADA?
Kiswahili is not acceptable, I will vote for any other language as long as it is an African Descolonizámos o Land-Rover (Albino Magaia)
language‖ (ênfase minha, Mohochi, 2002).
Já não é carro cobrador de impostos
Nós descolonizámo-lo
―Contudo, África tem um problema único que deriva da sua situação multilingue e do Já não é terror quando entra na povoação
facto de haver línguas ex-coloniais lutando pela supremacia no continente. Uma vez que Já não é Land-Rover do induna e do sipaio
estas muitas línguas estrangeiras são conhecidas por um número insignificante, a única (...)
forma de trazer muitos africanos para as nossas próprias iniciativas de desenvolvimento é Com a nossa luta
através da mudança na política linguística. Nós devemos desenvolver as nossas línguas Transformámos em amigo este inimigo
para se conseguir uma efectiva comunicação com as massas. Nós propusemos o Kiswahili Nós, descolonizadores
como a língua mais adequada para ser desenvolvida como língua para a união africana. Se Libertámos o Land-Rover
tal for não fácil de obter a curto prazo, podemos desenvolver inicialmente um número de Porque também ficou independente, afinal
línguas africanas. Para este fim, podemos escolher Hausa na África Ocidental, Árabe Transformaram-se os objectivos que servia
no norte; Zulu na África do Sul, Kiswahili na África Central e Oriental, ao mesmo E hoje é militante mecânico
tempo que se encoraja o desenvolvimento contínuo do Kiswahili. Se, por razões váli- Um desviado reeducado
das, Kiswahili não é aceitável, eu votarei por uma outra língua, desde que seja uma Uma prostituta reconvertida em nossa companheira
língua africana‖ (ênfase minha, Mohochi, 2002) Descolonizámo-la e com ela casámos
E não haverá divórcio.
(...)
Questões prévias para a discussão Descolonizámos uma arma do inimigo
Descolonizámos o Land-Rover
14. SEXTA-FEIRA, 09 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 14
Concursos
da Moeda
REMATE FINAL (I) Mohochi, Ernest (2002). Language and Regional Integration:
Foreign or African Languages for the African Union? Comunicação
apresentada na 10a Assembleia Geral da CODESRIA General
(…) as sociedades africanas nunca foram sistemas fechados imunes à integração
Assembly, Kampala, Uganda, 8-12 December 2002
de novos elementos e transformações ou mudanças resultantes de influência
Mazrui, Ali & M. Tidy (1984). Nationalism and the New States in
externa. Antes pelo contrário, elas mantêm estruturas abertas que num processo
Africa. London: Heinemann
contínuo permitem que novas realidades e elementos vindos de fora possam ser
Ngugi Wa Thiongo (1987). Decolonizing the Mind: The Politics of
absorvidos, transformados e adaptados aos contextos africanos. As transforma-
Language in African Literature. Harare: Zimbabwe Publishing
ções dos padrões das línguas europeias em África são parte deste processo à
House
medida que se adequam a realidades políticas e sócio-culturais em rápida
Rosário, Lourenço (1982). Língua Portuguesa e Cultura Moçambi-
mudança (cf. Tengan 1994: 128-130, in Firmino 2004: 345).
cana: De Instrumento de Consciência e Unidade Nacional a Veícu-
lo e Expressão de Identidade Cultural. in Cadernos de Literatura.
• Diversidade Linguística em Moçambique
Coimbra: Centro de Literatura Portuguesa da Universidade de
– Coexistência entre LP e várias LB Coimbra, pp. 58-66
• Como entender a situação da LP fora da sua relação com as LB? Tengan, A. B. (1994). European Languages in African Society and
• Competição ou complementaridade entre LP e LB?
Culture: A View on Cultural Authenticity. in Putz, M. ( ed. ). Lan-
• Como superar alguns efeitos negativos da implantação de LP
guage Contact and Language Conflict. Amesterdam/Philadelphia:
(desequilíbrios em termos de género, região, idade)?
John Benjamins Publishing Company, pp. 125-138
Bibliografia
Bokamba, E. & Tlou, J. S. (1980). The Consequences of the Language Policies
of African States vis-à-vis Education. In Reconsideration of African Linguistic
Policies. Kampala: OAU Bureau of Languages, pp. 45-66
Texto apresentado no dia da CPLP, em Maputo,
Djité, Paulin G. (1991). Langues et Development en Afrique. Language Prob- por Prof. Dr. GREGÓRIO FIRMINO , docente
lems and Language Planning, vol. 15, No. 2, pp. 121-138 de linguística na Faculdade de Letras e Ciências
Firmino, G. (2002). A ―Questão Linguística‖ na África Colonual: O Caso do
Português e das Línguas Autóctones em Moçambique. Maputo: Promédia
Sociais da
Gonçalves, P. (1996). Português de Moçambique- Uma Variedade em Forma- Universidade Eduardo Mondlane (FLCS-UEM)
ção. Maputo: UEM
Gonçalves, P (2010a). A Génese do Português de Moçambique. Lisboa: Casa