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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
R425 Representações sociais e comunicação [recurso eletrônico]: diálogos em
construção / Claudomilson Fernandes Braga, José Antônio Ferreira
Cirino (orgs.). – Goiânia : UFG/FIC/PPGCOM, 2015.
215 p. : il.
ISBN: 85-914776-7-7
1. 1. Comunicação. 2. Representações sociais. I. Cirino, José Antônio
Ferreira. II. Braga, Claudomilson Ferreira.
2.
CDU:316.77
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
### Sumário
### Prefácio.......................................................................................................................5
Camila Craveiro
Representações Sociais da Estética...................................................................................6
Ana Paula da Silva
Sociedade do Espetáculo, Mídia e Religião: Festa de Trindade e sua Representação
Social em Jornais Goianos ...............................................................................................24
Amaranta Pinheiro
O uso do humor como elemento formador de representações na mídia ......................33
André Almeida Nunes
Pode o Louco Falar? Subjetividade, Saúde Mental e Mídia............................................45
Bruna Vanessa Dantas Ribeiro
O bandido deve morrer? Os jovens em destaque na mídia sensacionalista ..................64
Gardene Leão de Castro Mendes
Representações Sociais, Cidadania e Saúde pública: a Análise Crítica de Discurso sobre
o Hugo na mídia impressa ...............................................................................................94
José Antônio Ferreira Cirino
As representações do SUS na Mídia..............................................................................117
Kalyne Menezes
4:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Comunicação Política e Representação Social: Uma Relação entre a imagem pretendida
pelo político e a significada pelo eleitor........................................................................135
Marcos Marinho Martins de Queiroz
A homossexualidade nas representações sociais das pessoas vivendo com Aids........153
Marília de Almeida e Almeida
As Representações Sociais da celebridade Britney Spears ...........................................164
Rhayssa Fernandes Mendonça
Representações sociais do funcionalismo público: possível diálogo com legado Ibérico
ou com a estabilidade....................................................................................................181
Tessa Monteiro Lettieri
Ministério Público de Goiás: A Publicidade como Instrumento de Comunicação Pública
para Promover a Cidadania ...........................................................................................201
Uiara Machado
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
### Prefácio
Um debate que ainda persegue os epistemologistas trata da separação entre
ciência e senso comum. A perspectiva mais em voga é aquela que considera que a
ciência parte do senso comum, que todo conhecimento para ser validado enquanto
científico iniciou-se com esse movimento: o de olhar para aquilo que é comum.
E é por isso que a colaboração científica, ao campo da Comunicação, própria das
Teorias das Representações Sociais (teoria que norteia as pesquisas aqui apresentadas)
se faz tão atual.
Buscar a compreensão sobre as representações que são produzidas e reproduzidas em
coletivo e assim utilizadas nos processos de significação e ressignificação do mundo,
revela, por parte do pesquisador, a tentativa de apreensão e construção da realidade
que parte do senso comum para, em análises profundas sobre o que comunicam esses
grupos, explicar suas ações no mundo.
A importante contribuição deste e-book para o campo da Comunicação reside não
apenas na Teoria (TRS) onde ele se fundamenta, mas no aspecto da
interdisciplinaridade para o qual os artigos apontam. Valorizar o hibridismo inerente à
Comunicação é um convite que enriquece o debate e a compreensão dos fenômenos
comunicacionais. Aqui, o convite está feito.
Camila Craveiro
Publicitária, Mestre em Comunicação pela UNESP e Doutoranda em Sociologia –
Universidade Federal de Goiás
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Representações Sociais da Estética
Ana Paula da Silva1
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo compreender quais as representações sociais de
estética no mundo moderno. Ele parte das colocações realizadas por Theodor W.
Adorno em sua Teoria Estética, no qual a obra de arte teria a função de ser o objeto
privilegiado no desvelar da sujeição da subjetividade humana ao caráter inanimado,
quantitativo e automático das mercadorias. O trabalho de Adorno é uma forte crítica a
Indústria Cultural que tenta impor a obra de arte um conceito de objeto que não
demonstra oposição ao mundo social e que é facilmente assimilada ao mundo
comercial. A teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici é utilizada neste
estudo como instrumento de análise para a compreensão de algumas questões
fundamentais que se sobre a noção de estética, agora em uma sociedade pós-
moderna.
Palavras-chave: estética, belo, indústria cultura, sujeito, representação social.
Introdução
Tudo perdia a eternidade e a certeza; num lufo, num átimo, da gente
as mais belas coisas se roubavam. Como podiam? Por que tão de
repente? Soubesse que ia acontecer assim, ao menos teria olhado
mais. (ROSA, 1988, p. 10)
Em 22 de junho de 1924 foi fundado o Instituto de Pesquisas Sociais de
Frankfurt, do qual a Revista de Pesquisa Social foi porta-voz e cujo grupo teórico,
formado por Erich Fromm, Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Friedrich Pollock, Max
Horkheimer, Leo Lowenthal, Theodor W. Adorno, entre outros, ficou conhecido como
a Escola de Frankfurt.
O período histórico em que se desenvolvem os pensamentos de Adorno e dos
demais autores da Escola de Frankfurt é marcado por fatos que não podem ser
ignorados: o papel das forças de esquerda desempenhado na Alemanha durante a
1
Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás. Aluna Especial do Programa de Pós-
Graduação em Comunicação – PPGCOM - da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade
Federal de Goiás. paulaufg@gmail.com.
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
primeira guerra mundial, a Revolução Russa, o fracasso de dois levantes operários na
República de Weimar, o nazismo e o estanilismo.
[...] tratava-se de uma civilização capitalista na economia; liberal na
estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe
hegemônica característica; exultante com o avanço da ciência, do
conhecimento e da educação e também com o progresso material e
moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa,
berço das revoluções da ciência, das artes, da política e da indústria e
cuja economia prevalecera na maior parte do mundo, que seus
soldados haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas
populações haviam crescido até somar um terço da raça humana; e
cujos maiores Estados constituíam o sistema da política mundial.
(HOBSBAWM, 2003, p. 16).
Segundo Horkheimer:
Na origem, nossa Teoria Crítica Zeitschrift für Sozial forschung era,
como é sempre o caso no início, muito crítica, em particular em
relação à sociedade dominante, pois esta tinha produzido aquilo que
existe de aterrorizador no fascismo e comunismo terrorista. Esta
sociedade suscitara muita miséria inútil, e tínhamos a esperança de
que um tempo viria, no qual seria organizada visando ao bem-estar
de todos, como já seria possível hoje (...) Devo descrever como se
chegou da Teoria Crítica inicial à Teoria Crítica atual. A primeira razão
foi a constatação de que Marx se equivocara em inúmeros pontos.
(...) Marx afirmou que a revolução seria o resultado de crises cada vez
mais agudas, crises ligadas a uma pauperização crescente da classe
operária em todos os paises capitalistas. Isto era visto como
conduzindo finalmente o proletariado a pôr fim a esse estado de
coisas e a criar uma sociedade justa. A partir dos anos que se
seguiram à Segunda Guerra Mundial, a teoria da pauperização
crescente dos trabalhadores, de onde, segundo Marx, deveria
resultar a revolução, transição para o reino da liberdade, tornou-se
por um longo período abstrata e ilusória. (...) não se deu conta de
que o socialismo como organização racional da sociedade equivale a
um mundo totalmente administrado. (HORKHEIMER, APUD, MATTOS,
1995, p. 9-10)
A Teoria Crítica da Sociedade seria então não somente uma crítica a sociedade
burguesa, mas também a pontos teóricos de inúmeros intelectuais. A grande discussão
da Escola de Frankfurt era a consciência sendo determinada pelo objeto e assim o
homem sendo levado a total falta de autonomia. O mundo sendo este mundo da
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
técnica e não da razão, completamente dirigido e administrado por métodos e homens
envoltos na ilusão do ideal burguês.
Neste sentido, o pensamento de Adorno considera que a cultura é o veio de
que se utiliza a ideologia na conformação das massas, para ele existe uma Indústria
cultural, que em sua atividade usurpa o sujeito de sua autonomia.
A estética é o objeto privilegiado das análises de Adorno, embora esta sempre
esteja subordinada a sua tese central, o domínio do conhecimento sobre a natureza e
o mito, gerando a alienação do indivíduo.
A melancólica ciência, refere-se a um domínio que, desde tempos
imemoriais, se considerou peculiar à filosofia, mas que a partir da
transformação desta em método caiu no desrespeito intelectual, na
arbitrariedade sentenciosa e, por fim, no esquecimento: a doutrina
da vida recta. O que outrora para os filósofos se chamou vida
converteu-se na esfera do privado e, em seguida, apenas do
consumo, a qual, como apêndice do processo material da produção,
se arrasta com este sem autonomia e sem substância própria. Quem
quiser experimentar a verdade sobre a vida imediata deve indagar a
sua forma alienada, os poderes objectivos que determinam, até ao
mais recôndito, a existência individual. Falar com imediatidade do
imediato dificilmente é comportar-se de modo diverso dos escritores
de novelas que enfeitam as suas marionetes com as imitações da
paixão de outrora quais adornos baratos e que deixam actuar
personagens que nada mais são do que peças de maquinaria, como
se ainda pudessem agir enquanto sujeitos e algo dependesse de sua
acção. A visão da vida transferiu-se para a ideologia que cria a ilusão
de que já não há vida. (ADORNO, 1951, p. 7).
A razão instrumental ligada ao princípio de troca e reduzida ao sentido
abstrato de tudo e sua vinculação com o domínio da natureza. Não existiam mais
diferenças qualitativas, mas sim um controle científico que deu poder aos objetos
através das atividades produtivas, pelas relações sociais sujeitadas e identificadas cada
vez mais ao caráter inanimado, quantitativo e automático dos objetos ou mercadorias
circulantes no mercado.
A última obra de Adorno, inacabada, foi Aesthetic Theory (Teoria Estética), um
tratado de teoria estética, que combina análises filosóficas e sociológicas para
defender o poder crítico da arte. Uma arte que nega a realidade, pois esta, já não é
mais verdadeira. Uma arte assim não corre o risco de dominar o mundo material
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
através do poder de conceitos, porque o que ela transmite não são os modelos da
realidade, mas sim sua negação.
Teoria Estética
Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a
que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições.
Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem
vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos,
penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor,
por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que
seja na verdade – um espelho? Demais, decerto, das noções de física,
com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao
transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os
fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um
milagre que não estamos vendo. (...) Ah, o tempo é o mágico de
todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem
viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram,
mais e mais. (...) Os olhos, por enquanto, são a porta do engano;
duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie
humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e
lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente...
E então? (ROSA, 1988, p. 65)
A leitura da Teoria Estética de Adorno apresenta dificuldade por sua extrema
complexidade. No entanto, do que se pode absorver no pensamento adorniano nota-
se que a discussão a respeito da razão humana permanece, mesmo que transplantada
para o campo das artes. Desde o início, Adorno discute a emancipação da arte, da
liberdade da arte, porém, assim como a humanidade se transformou em massa
aderente ao fascismo, ao desejo de possuir não mais o reino da liberdade, mas sim o
reino do controle absoluto, a arte, expressão pura do humano, passa a não mais ser
portadora das imagens da realidade. Ou seja, a arte, que, ao se desprender de sua
função cultual, havia adquirido autonomia, inicia um caminho de eliminação e perda
de seus pressupostos: a incerteza do para quê estético na medida em que a sociedade
tornou-se menos humana.
Contudo, a autonomia da arte permanece. O que se questiona é se a arte ainda
é possível, já que a visão do artista encontra-se embaçada e o que se vê é apenas o
irreal. A visão da humanidade também está velada e só enxerga a obra de arte
10:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
enquanto mercadoria. A leitura do que a arte exprime encontra-se ilegível, já que ela
não diz respeito ao empírico, não reside nela o desejo de meios e fins, assim como na
mercadoria. O que habita a obra de arte é antes de tudo outra realidade, com essência
própria, que não se corrompe pela “mimese” pura, mas que se apresenta como
expressão dos sentidos do artista, da sua visão sobre o mundo.
Na arte, as constituintes que dimanaram do ideal de humanidade
estiolaram-se em virtude da lei do próprio movimento. Sem dúvida, a
sua autonomia permanece irrevogável. Fracassaram todas as
tentativas para, através de uma função social, lhe restituírem aquilo
de que ela duvida ou a cujo respeito exprime uma dúvida. Mas, a sua
autonomia começa a ostentar um momento de cegueira, desde
sempre peculiar à arte. (ADORNO, 1970, p.11)
Para Adorno, a função fundamental da arte está em seu caráter mimético, com
as duas implicações do termo mimético. A primeira dizia respeito à imitação da
realidade social, enquanto a segunda, dizia respeito a imitação da realidade natural,
transformada pelo social, mas ainda irredutível ao social. Para ele, a verdadeira arte
possuía os dois tipos de mimese. A arte expressa não só o sofrimento dos homens,
como também o sofrimento da natureza que eles dominaram de maneira inflexível.
Em função de sua apreciação desse aspecto de mimese, Adorno
contestou Hegel, que relegara a arte, hierarquicamente, a uma
condição inferior à da religião e à da filosofia. A pesar de todo o seu
ceticismo quanto à ênfase de Kant no gosto e no julgamento
subjetivos em questões estéticas, ele se sentiu atraído pela defesa
kantiana da beleza natural, que Hegel considerara inferior à sua
contraparte artificial. Pois a beleza natural representa a dependência
do homem frente a um objeto que não foi criado por ele; é, por
conseguinte, um paradigma da não-identidade, que tem como base
uma relação terna e respeitosa entre o homem e a natureza. (JAY,
1988, p. 140)
Neste sentido, Adorno não compara a arte à mimese da natureza, mas sim a
mimese da beleza natural, que leva o homem a utilizar técnica e fruição e desta forma
fugir a uma imposição de reificação da obra de arte, reificação aqui entendida como
subjetividade humana sujeitada e identificada cada vez mais ao caráter inanimado,
11:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
quantitativo e automático das mercadorias circulantes e desta forma, apreendendo a
obra de arte como mera mercadoria.
A verdadeira obra de arte é a que exibe as feridas da luta sempre vã
por alcançar a unidade. A arte autentica mostra vivas e nítidas as
contradições do real. O seu estilo não pode ser harmônico, porque a
harmonia seria mentirosa; ele deve ultrapassar a cisão, impelir-se
com toda a energia para além da fratura entre o atual e o possível e,
não obstante, oferecer simultaneamente o próprio corpo da obra
como reflexo da maldição, como imagem da dolorosa falha do
mundo. (MERQUIOR, 1969, p. 53)
Mesmo crendo serem as obras de arte responsáveis pelo demonstrar da
realidade, Adorno, não nega que estas estão voltadas para o declínio, porque não são
só regidas por leis exteriores que as regulam. Também porque na constituição de sua
autonomia, que confirma a posição social do espírito dividido segundo as regras da
divisão do trabalho, não é apenas arte; surgem como algo que lhe é estranho. “A
identidade estética deve defender o não-idêntico que a compulsão à identidade
oprime na realidade”. (ADORNO, 1970, p.15)
A arte é a negação social da sociedade, e não deve ser deduzida imediatamente
desta. Ela é antes de tudo constituída no interior do homem e por esta razão a teoria
mais adequada a sua definição é a teoria do psiquismo. Porém, a psicanálise considera
a obra de arte como sendo apenas projeções do inconsciente e segundo o teor de suas
monografias, a arte deveria acabar afirmativamente com a negatividade da
experiência. Só que este momento negativo a que elas se referem não é obra de arte
livre do processo de recalque, ou seja, não é obra de arte que se realizada pelo
consciente, mas ainda pelas imagens do inconsciente manipuladas pelos meios da
cultura.
Se a arte tem raízes psicanalíticas, são as da fantasia na fantasia da
omnipotência. Na arte, porém, actua também o desejo de construir
um mundo melhor, libertando assim a dialéctica total, ao passo que a
concepção da obra de arte como linguagem puramente subjectiva do
inconsciente não consegue apreende-la. (ADORNO, 1970, p. 20)
12:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Segundo Adorno (1970), a teoria kantiana sobre a obra de arte é o contrário da
concepção da teoria freudiana. A teoria freudiana trata a obra de arte enquanto
realização do desejo, já a teoria kantiana que fala do juízo de gosto, demonstrada
através da obra “Analítica do Belo”, fala em uma satisfação desinteressada. Ou seja,
existe uma inversão de conceito a respeito da satisfação, Freud trata disto enquanto
desejo e Kant enquanto satisfação desinteressada, o que nos leva a pensar que na
teoria kantiana a representação da existência de um objeto não leva a compreensão
deste mesmo objeto.
A questão aqui colocada da representação do objeto diz respeito ao ponto de
vista subjetivista de Kant, em consonância com a tradição racionalista. Desta forma, a
obra de arte perde seu caráter universal e passa a ser uma opinião, um momento do
sujeito individual que não busca nenhum significado maior na obra mas sim uma
satisfação desinteressada. Neste sentido, pode-se questionar como se constitui a
subjetividade do indivíduo e se dentro desta existe a possibilidade do desejo a que
Freud se refere. O desejo aqui, encarado como punção de vida que move o sujeito a
desejar o conhecimento do objeto e não de mera aceitação sem questionamentos.
A ausência de interesse afasta-se do efeito imediato, que a satisfação
quer conservar, e prepara assim a ruptura com a sua supremacia. A
satisfação, desprovida deste modo do que em Kant se chama o
interesse, torna-se satisfação de algo tão indefinido que já não serve
para nenhuma definição do Belo. A doutrina da satisfação
desinteressada é pobre perante o fenômeno estético. Redu-lo ao
bem formal, sobremaneira problemático no seu isolamento, ou a
objectos naturais ditos sublimes. A sublimação numa forma absoluta
deixaria de lado nas obras de arte o espírito em nome do qual se
opera esta sublimação. (ADORNO, 1970, p. 21)
Kant, foi o primeiro a admitir que o comportamento estético esta isento de
prazer imediato, levando a arte a se destituir de imaginação intelectual e adquirir uma
forte conotação de valor material.
A arte, do ponto de vista burguês, nada mais é senão mercadoria, a indústria
cultural tratou em separar a verdadeira obra do sujeito e o que se vê são obras que
reafirmam a condição inumana destes. O burguês prefere uma vida ascética e uma
arte voluptuosa, enquanto deveria preferir o contrário, pois na vida voluptuosa ainda
13:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
cabem os sentimentos necessários a verdadeira arte e à arte cabe o conceito de
ascético no sentido da clareza de seus objetivos. A arte hoje nada mais é senão objeto
de filistinismo, ligada à angústia da posse.
Até à fase da administração total, o sujeito que contemplava, ouvia
ou lia uma obra, devia esquecer-se de si, tornar-se indiferente,
desaparecer nela. A identificação que ela realizava era, segundo o
ideal, não a de tornar a obra semelhante a si mesmo, mas antes a de
se assemelhar à obra. Nisso consistia a sublimação estética; Hegel
chamava geralmente a este comportamento a liberdade perante o
objeto. Garantia assim a dignidade ao sujeito que, numa experiência
espiritual, se torna sujeito através da sua alienação, ao contrário do
desejo filistino que exige à arte que lhe dê alguma coisa. No entanto,
como tabula rasa de projecções subjectivas, a obra de arte
desqualifica-se (...) por um lado, torna-se coisa entre as coisas; por
outro, faz-se dela o veiculo da psicologia do espectador. O
espectador substitui o que as obras de arte reificadas já não dizem
pelo eco estandartizado de si mesmo que percebe a partir delas. A
indústria cultural põe em andamento este mecanismo e explora.
(ADORNO, 1970, p. 29)
O espectador não usava de sua subjetividade, mas se abandonava no
significado da obra de arte na intenção de enxergar através de seus olhos, não só a
beleza mas também a realidade do momento eternizado pelo artista. Hoje este
espectador substitui o que a obra de arte já não diz, obra esta coisificada, pela
repetição do significado de si mesmo que existe a partir desta. Sujeito que é cópia da
cópia, mimese da vida, objeto humano criado e difundido pela indústria cultural
através da obra de arte. Obra de arte confrontada com as massas através do meio
mecânico da reprodução. Obra de arte que passa a ser objeto de maior valor que o
humano, portanto, materialmente e espiritualmente superior ao ente e ao existente.
Segundo Adorno (1970), a ontologia da falsa consciência pertence a burguesia,
que tanto liberta como sujeita o espírito, pelo fato de não poder aceitar nem tão
pouco saborear aquilo em que não acredita. Ou seja, na medida em que a arte
representa uma necessidade social, o sentimento burguês não deixa com que ela se
transforme em prazer, em identificação, em revelação, em protesto, mas sim,
transforma-a em empresa governada pelo lucro, que resiste enquanto é rentável. A
arte, aqui, já está morta. A necessidade humana ainda encontra alguma satisfação em
tal condição, mas é falsa e ilude os homens acerca de seus direitos. “O obscurecimento
14:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
do mundo torna racional a irracionalidade da arte: mundo radicalmente ensombrado”.
(ADORNO, 1970, p. 30-31)
Todo o esforço teórico em Adorno não se restringe ao domínio da estética, mas
sim, ao desvelar da razão que surge na era moderna determinada pelo movimento
Iluminista: a direção fundamental do espírito humano expressa por uma visão
científico-utilitária da realidade. Ou seja, uma razão voltada para o domínio da
natureza e da vontade humana, através da abstração do real que se legítima pela
explicação da ciência. Uma razão que pensa os fins e perde o contato com os meios
que levam ao conhecimento do objeto. Razão Iluminista, que visa o domínio e eclipsa a
razão. O humano que perde a ligação com o mítico, com sua porção mágica, com seu
respeito à natureza e aos seus movimentos. Homem abandonado à própria sorte, sem
deuses, sem mitos, e levado a perder contado com os objetos que lhe davam vida.
Pois, o domínio tecnológico da natureza não assegura uma existência verdadeiramente
humana, este domínio é antes de tudo privilégio de alguns que passam a ter o
conhecimento como poder.
Dizer que a modernidade se propôs a fazer a história é minimizar os
acontecimentos: no mais profundo de si mesma, a modernidade quer
fazer igualmente a natureza, forjando uma segunda physisna qual
“nada é sem razão”, pois o mundo é regido por um “princípio de
razão suficiente”.(MATOS, 2003, p.53)
Este é o tempo em que o objeto e a razão são divididos pela atividade
industrial, de forma a propiciar a completa alienação de ambos. Objeto este, que passa
a ser conhecido por alguns e torna-se regente da vida humana. Desta forma, “O
conhecer é uma felicidade estéril e lasciva”. (BACON, APUD, MERQUIOR, 1969, p. 49)
Adorno faz menção a oposição do feio na obra de arte, como se este trouxesse
a consciência toda a miséria que se encontra na existência humana. Afirma, que o
motivo da admissão do feio foi antifeudal, pois o feudo significava o homem preso ao
senhor e a natureza, enquanto que a nova sociedade dizia respeito ao homem livre do
senhor feudal e capaz de dominar a natureza, homens libertos da escravidão imposta
por mitos. Mostrar através da arte, aquilo que fazia parte da sociedade antes do
Iluminismo, transformou-se em protesto, em feio, em horror. A nova sociedade é bela
15:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
pois domina as técnicas para a sobrevivência, estas técnicas também invadem o
mundo das artes e através dela a violência contra a natureza não é refletida por
representação mas entra imediatamente pelos olhos. Esta técnica é a lógica ascética
que toma conta da vida moderna, a uniformidade, a mimese: o que se vê através da
obra de arte não pode ser a feiúra dos rostos desfigurados pelo trabalho, a miséria das
famílias proletárias, o trabalho das crianças, a “natureza morta”, mas sim a
modernidade das fábricas, que deixa de significar para o homem a dominação visível
da natureza e passa a significar a fachada do não dominado, do homem livre.
A obra de arte que nasceu como expressão do cultual, do arcaico, dos mitos, no
Iluminismo rompe com esta idéia rumo a sua autonomia. O belo nasce em oposição ao
feio, e este feio nada mais é senão o que o homem deseja superar, o feio só surge na
morte porque antes da morte ele é belo. A obra de arte em sua emancipação rompe
com o feio arcaico para demonstrar o belo da modernidade, Aufklärung2.
O veredicto estético do feio apóia-se na tendência psicológico-social
verificada para, com razão, equiparar o feio à expressão do
sofrimento e, projectivamente, a desprezar. O Reich de Hitler, tal
como em toda a ideologia burguesa, também aqui fez a prova:
quanto mais se torturava nas caves tanto mais inexoravelmente se
velava para salvar a fachada (...) A definição da estética como teoria
do belo é pouco frutuosa porque o carácter formal do conceito de
beleza deriva do conteúdo global do estético. Se a estética não fosse
senão um catálogo sistemático de tudo o que é chamado belo, não
existiria nenhuma idéia da vida no próprio conceito de belo (...) A
imagem do belo, enquanto imagem do uno e do diverso, surge com a
emancipação da angústia perante a totalidade esmagadora e a
opacidade da natureza. (ADORNO, 1970, p. 64-65-66)
Em Adorno, utilizar o termo “magia da arte” é colocação inadequada e
inexistente, já que a arte rompeu com seu conteúdo mágico. Esta ruptura deu-se pela
racionalidade iluminista, que não permite a lembrança da magia da qual a arte se
originou, mas sim apenas a demonstração da totalidade dos meios que dominam a
natureza.
2
Aufklärung – Iluminismo, ilustração; palavra central da Teoria Crítica na qual concentra a sua denúncia
da razão tradicional puramente instrumental.
16:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
A obra de arte nada mais é senão autonomia humana e natureza, unidas em
um só corpo, em condições de igualdade e liberdade, em momento de desprezo ao
controle e ao domínio que se traduz em magia e em verdade de sentimentos. “O
conteúdo de verdade das obras de arte é historiografia inconsciente, ligada ao que até
hoje se manteve constantemente no estado latente” (ADORNO, 1970, p. 217)
O conteúdo de verdade das obras de arte, de que depende
finalmente a sua qualidade, é histórico até ao mais profundo de si
mesmo. A sua relação à história não é relativa de tal modo que ele
próprio e a qualidade das obras de arte variariam apenas em função
do tempo. Sem dúvida, uma tal variação tem lugar e as obras de arte
de qualidade podem, por exemplo, tornar-se caducas ao longo da
história. No entanto, o conteúdo de verdade e a qualidade não
cabem ao historismo. A história é imanente às obras, não é nenhum
destino exterior, nenhuma avaliação flutuante. O conteúdo de
verdade torna-se histórico ao objectivar-se na obra a consciência
verídica. A consciência não é um vago ser-no-tempo; isso justificaria
o curso do mundo, que não é o desabrochamento da verdade.
(ADORNO, 1970, p. 217)
Toda esta verdade da obra de arte não se concretiza sem a técnica, pois ela não
é apenas fruição ela também é trabalho informado por técnicas de trabalho da obra de
arte.
Em virtude de sua dimensão artesanal, toda a arte tem algo de um
fazer cego. Esta parcela de espírito do tempo (Geist der Zeit)
permanece incessantemente suspeita de reaccionarismo. Também
na arte o elemento operacional atenua a ponta crítica; aí encontra o
seu limite a auto-confiança forças produtivas técnicas na sua
identidade com a consciência mais progressista. Nenhuma obra
moderna de qualidade, mesmo se ela for subjectiva e retrospectiva
segundo o seu estilo, pode esquivar-se a isso. (ADORNO, 1970, p.
217)
Segundo Adorno (1970), no mundo administrado, a forma como as obras de
arte são recebidas é através da comunicação do incomunicável, a emergência da
consciência coisificada, a pura técnica. Ou seja, obra de arte que não traduz o real, mas
sim, impõe a condição de coisa material e não espiritual. Obra humana, que nesta
condição, não consegue denunciar a quem esta servindo. Esta humanidade é
incompatível com toda e qualquer ideologia do serviço prestado aos homens. A obra
17:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
de arte só pode ser fiel aos homens através de sua inumanidade, pois é através desta
condição que expressa a verdade na qual o homem se encontra.
Em nenhuma circunstancia também se deve feiticizar na arte o
conceito de força produtiva técnica. De outro modo, a arte torna-se
reflexo daquela tecnocracia que é uma forma mascarada de
dominação sob a aparência de racionalidade. As forças técnicas
produtivas nada são por si mesmas. Só recebem o seu valor
posicional na relação com o seu fim na obra e, por último, com o
conteúdo de verdade do que é escrito, composto e pintado.
(ADORNO, 1970, p. 245)
Assim colocadas, obra de arte e técnica, resta à compreensão do que move o
desejo humano para a compreensão e identificação com estas: a experiência estética.
Diante da obra de arte, o humano se admira, se espanta com sua beleza e com sua
técnica, fica curioso sobre sua origem, sobre suas formas. Olha para um objeto que é
diferente de sua realidade, se emociona, se estremece e busca então a compreensão
de tantos sentimentos.
Este é o momento da experiência estética, o exato momento em que se
percorre o caminho para compreensão, o prazer do entendimento, da visão daquilo
que é. Agregar em si o que lhe é estranho e portanto o que necessita ser conhecido,
sem a interferência do que já lhe vai ao espírito, mas como algo que se incorpora ao
necessário conhecimento de um mundo até aqui desconhecido e irreal. Experiência
estética que trata de um objeto distante de ser consumido enquanto coisa, enquanto
objeto de valor capital, mas sim, consumido enquanto prazer para o espírito humano.
Condição que não separa o homem de sua sensibilidade, de sua humanidade, que
neutraliza o campo de força do domínio existente entre estes em relação à natureza
dos objetos. Possibilidade de compreensão do real sob o domínio do abandono ao
sensível, ao desejo, aquilo que faz o espírito livre e não prisioneiro da técnica e da
uniformidade, mas sim a liberdade do criador e da criatura no sentido de expor o que é
inconciliável, já que o que se concilia não diz respeito ao real, mas sim aquilo que não
se deve ver nem compreender.
18:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Representações Sociais e Estética
[...] navegava, à noite, de ilha em ilha; estendido no convés olhava o
céu por cima de mim, onde a Lua brilhava luminoso rosto noturno
que projetava seu claro reflexo, imóvel ou oscilando sobre a
obscuridade do mar. Sentia-me deslumbrado, fascinado por aquele
suave e estranho brilho que banhava as ondas adormecidas [...]. O
que estou vendo é Selene, dizia para comigo, noturna, silenciosa,
brilhante [...]. Muitos anos depois, ao ver na tela de meu televisor as
imagens do primeiro astronauta lunar saltitando pesadamente com
seu escafandro no espaço de uma desolada periferia, à impressão de
sacrilégio que senti juntou-se o sentimento doloroso de uma ferida
que não poderia ser curada: meu neto, que como todos viu essas
imagens, já não será capaz de ver a Lua como eu a vi: com os olhos
de um grego. A palavra Selene tornou-se uma referência meramente
erudita: a Lua, tal como hoje surge no céu, não responde mais por
esse nome. (VERNANT, 1993, p. 8)
Ao postular que a obra de arte seria o instrumento pelo qual o homem
exerceria o reino da liberdade e da verdade, do prazer desinteressado e do
conhecimento do objeto, experiência estética colocada como o próprio conhecimento,
fica-nos o incomodo de verificar se de fato a obra de arte conseguiu cumprir com este
objetivo na modernidade.
Nos escritos sobre Indústria Cultural formulados em 1947 por Theodor W.
Adorno e Max Horkheimer, que utiliza este e não o termo cultura de massa já indicava
que, a arte não viria de um apelo da massa, mas que ela seria criada para a massa. Um
instrumento do capital que utilizaria este mecanismo para reforçar as condições sociais
e de consumo existentes.
... modernização e modernidade dizem também respeito à sociedade
de massa, do consumo, do espetáculo e à exaltação do mercado
como sucedâneo da busca da felicidade. O que se entende por
democracia de massa é, melhor dizendo, a universalização e
“democratização” do consumo e dos desejos. A assimilação dos
valores de consumo e a aquisição de bens materiais pela sociedade
de massa substituem o “querer ser” pelo “querer ter” e é um
poderoso redutor do pensamento crítico e se estabelece sob os
auspícios da mídia que proscreve o esforço intelectual em nome da
“facilidade”. (MATOS, 2003, p.54)
19:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Ao ser assim, essa cultura criada para as massas leva o sujeito a um estado pré-
subjetivo no qual impede a arte de criar uma consciência crítica da subjetividade e
assim impedir o avanço da uniformidade em curso no mundo administrado.
A democracia midiática criou uma sociedade centrada no consumo e no
espetáculo. Sociedade da visibilidade total, que cultua uma presentificação do tempo
na qual a dignidade e a liberdade do homem se encontram perdidas.
Em Crítica cultural e sociedade, Adorno (2001, p. 21) já colocava que: “[...] hoje
‘ideologia’ significa sociedade enquanto aparência”. A ideologia deixa de ser falsa
consciência para se tornar propaganda do mundo: “[...] a organização do mundo
converteu-se a si mesma imediatamente em sua própria ideologia” (ADORNO, 2006, p.
143).
Não há mais ideologia no sentido próprio de falsa consciência, mas
somente propaganda a favor do mundo, mediante a sua duplicação e
a mentira provocadora, que não pretende ser acreditada, mas que
pede o silêncio. (ADORNO, 2001, p. 25).
Pois bem, é nas Teorias das Representações Sociais que buscaremos respaldo
teórico para tentar compreender essa indústria que foi criada para conformação e
controle das massas e se ainda é possível falarmos em experiência estética nos
mesmos padrões colocados por Adorno.
Em Moscovici, a representação social só existe no compartilhamento de um
grupo, o sujeito tem em si um reflexo da realidade externa a qual é usada como zona
de conhecimento proximal do objeto para que o mesmo seja internalizado e devolvido
ao grupo de maneira resignificada. Assim, a representação não pode ser compreendida
como reprodução, mas sim como construção produzida coletivamente e são as
organizadoras das relações simbólicas existentes. Neste sentido, as representações
sociais parecem indicar um campo privilegiado para compreender a noção de estética
do ponto de vista daquilo que Adorno considerou como um lugar de resistência ao
avanço da indústria cultural e que agora em quando lugar do senso comum indica (ou
pelo menos sugere) não mais se configura como lugar de resistência.
20:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Dentro deste processo de formação das representações sociais encontra-se o
da objetivação e o de ancoragem. A objetivação é o processo pelo qual são
organizados os elementos que constituem a representação do objeto, fazendo com
que o mesmo adquira materialidade e se torne expressão de realidade natural.
A objetivação é dividida em: construção seletiva que faz a seleção e a
descontextualização do objeto, para que um todo relativamente coerente seja
formado, assim apenas uma parte da informação sobre o objeto se torna disponível;
esquematização que trata de organizar os elementos e é o principio organizador da
informação; naturalização que trás a materialização das relações.
O processo de ancoragem é o processo de assimilação do novo através de
objetos já presentes no sistema cognitivo do sujeito. Esses objetos novos são as
ancoras que permitem construir a representação do novo objeto.
Assim, o sujeito não é tabula rasa nos quais os objetos são colocados, ele parte
de sua experiência anterior para absorver e transformar novos objetos e assim fazer
sua inserção no grupo social.
De fato, representação é, fundamentalmente, um sistema de
classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes. A
neutralidade é proibida, pela lógica mesma do sistema, onde cada
objeto e ser devem possuir um valor positivo ou negativo e assumir
um determinado lugar em uma clara escala hierárquica. Quando
classificamos uma pessoa entre os neuróticos, os judeus ou os
pobres, nós obviamente não estamos apenas colocando um fato, mas
avaliando-a e rotulando-a. E neste ato, nós revelamos nossa “teoria”
da sociedade e da natureza humana. (MOSCOVICI, 2003, p. 19).
Aqui já podemos ver que a distinção de cultura de massa e indústria cultural é
pertinente. A cultura de massa pertenceria a um grupo especifico, seria assim como
uma identidade enquanto que na indústria cultural seria uma construção maquinal sob
o domínio do capital.
Esta mesma indústria seria a expansão da lógica capital sobre a cultura,
transformando assim a arte em bem material. Não só a arte se encontra neste estado
como também o sujeito, já que este se encontra como consumidor passivo de um
mercado que busca a administração total da cultura.
21:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Parece-nos que o conhecimento que veio sendo construído acerca do objeto
sempre foi um conhecimento que não demonstrava sua verdade, mas sim lhe dava o
poder da falsa felicidade, já que o ter passou a ter supremacia sobre o ser. Os meios de
comunicação legitimaram todo o processo através de uma propaganda que tem o
sujeito como mercadoria que se deixa ser consumido pelos bens materiais.
Uma vez que ela [a crítica cultural] retira o espírito da dialética que
este mantém com as condições materiais, passa a concebê-lo unívoca
e linearmente como um princípio de fatalidade, sonegando assim os
momentos de resistência do espírito. (ADORNO, 2001, p. 13).
Neste sentido, a representação social da estética, como colocada neste texto
suscita indagações que aqui colocamos de forma interrogativa: Afinal, qual a
representação social de Estética existente hoje? Essa representação confirma o
pensamento adorniano ou a indústria cultural conseguiu subverter esse sentido e
transformou o conhecimento em mera mercadoria?
Conclusão
Enfim, a cultura que veio se constituindo a partir do século XVII, desde a
tomada de poder pela burguesia, não expressa seus conteúdos como processo
civilizatório, e, portanto de autonomia do indivíduo. Os produtos culturais, em sua
grande maioria, atendem a lógica do consumo e afirmam no sujeito a lógica capital. A
cultura, assim entendida, tem por objetivo não o indivíduo e a construção de sua
autonomia, mas sim a sua objetificação.
Neste processo, o indivíduo se recusa a pensar na realidade e a diversão que a
arte oferece afirma sua própria condição. A obra de arte que deveria ser o avesso do
visível transforma-se em identidade daquilo que não deveria ser. Assim, a ideologia se
firma como realidade sob a qual o indivíduo não contesta, mas sim se adere a
uniformidade de sua forma.
A partir da regressão dos sentidos humanos, realizada pelo processo de
produção, Adorno busca na experiência estética a viabilidade de um resgate da
percepção dos sentidos, já que, a obra de arte não estabelece uma identificação
22:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
imediata, mas sim uma mediação com a realidade que a produziu. Desta forma, a obra
de arte apresenta certa autonomia sobre a realidade e transforma-se em reflexão
crítica e negação. O contato com a obra de arte é experiência estética, conhecimento
do objeto que expõe a sensibilidade humana. A possibilidade de conhecimento através
da experiência estética revela a razão instrumental como prática brutal de
sobrevivência. Caso esta possibilidade não se converta em mudança das condições
sociais, ao menos a obra de arte, trará em si, a mediação com a realidade histórico-
social que a produziu. Desta forma, a experiência estética tem por objetivo levar o
indivíduo a autonomia, autonomia que é o conhecimento do objeto através da
experiência estética, experiência estética que é o próprio conhecimento. De outra
forma, “a vida não vive”. (Kürnberger, 1988, p. 25)
Ao buscarmos as Representações Sociais da Estética, tendo por base a teoria do
núcleo central de Moscovici e suas decorrências como a teoria do núcleo central de
Abric, procuramos compreender esse reverso da obra de arte que, antes vista por
Adorno enquanto objeto privilegiado no desvelar da sujeição da subjetividade humana
ao caráter inanimado, quantitativo e automático das mercadorias é agora consumida
pela multidão como mais um produto do capital. Assim as representações sociais
permitem em certo sentido compreender a noção de estética enquanto sentido
atribuído a medida que interfere (ou pelo menos deveria) na forma como se vive.
Compreender as RS da Estética dá indícios e indicativos de como os sujeitos vêem o
mundo a partir da noção daquilo que Adorno apontou como sendo uma última
possibilidade possível de resistência ao movimento (quase) instransponível a
massificação da indústria cultural.
REFERÊNCIAS
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Indústria Cultural. 4ª ed. São Paulo. Nacional. 1978.
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Cultural. 1980.
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
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__________, Mínima Moralia. Lisboa: Edições 70, 1951. P.7.
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Jorge Mattos Brito de Almeida. São Paulo: Ática, 2001.
HEGEL. Fenomenologia do Espírito v. I. In: Matos, Olgaria. Os arcanos do inteiramente
outro: a Escola de Frankfurt, a melancolia e a revolução. 2ª edição. São Paulo:
Brasiliense, 1995, p. 38.
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reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
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KÜRNBERGER, Ferdinand. In: Jay, Martin. As ideias de Adorno. São Paulo: Cultrix:
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1978.
MATOS, Olgária C.F. Ética e Comunicação: o problema do visível. In: Inter-Ação: Ver.
Fac. Educ. UFG, 28 (1): 51-66, jan./jun. 2003.
MERQUIOR, José Guilherme. Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin. Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro. 1969.
MOSCOVICI, S. Por que Estudar Representações Sociais em Psicologia? In: Estudos
Goiânia v. 30 n. 1 p. 11 – 30. Jan. 2003. Tradução e revisão de Pedro Humberto Faria
Campos e Ana Raquel Rosa Torres.
ROSA, João Guimarães. Primeiras Histórias. 39ª impressão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1988.
VERNANT, J.P. O homem grego. Lisboa: Editorial Presença, 1993. In:
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Sociedade do Espetáculo, Mídia e Religião: Festa de Trindade e
sua Representação Social em Jornais Goianos
Amaranta PINHEIRO3
Resumo
Este artigo tem como objetivo analisar as Representações Sociais da Festa do Divino
Pai Eterno na cidade de Trindade em Goiás. Vários recursos usados em espetáculos são
usados para deixar a mensagem religiosa encantadora. Dessa forma, dando uma
conotação fantasiosa e lúdica das histórias de peregrinos e devotos da Festa de
Trindade. Diversos formatos aparecem durante a data festiva, carregado de
representações que são veiculadas na mídia local. Objeto de estudo é a Festa religiosa
que periodicamente norteia a exposição massiva nos veículos que fazem a cobertura.
A metodologia utilizada é com base teórica, principalmente com a reflexão de Guy
Debord, em seu livro La Société Du Spectacle (1967), onde a evidência se dá ao
espetáculo que a mídia transmite e Serge Moscovici em sua obra Sobre
Representações Sociais.
Palavras-chave: Sociedade do Espetáculo; Mídia; Religião; Representações Sociais;
Festa de Trindade.
INTRODUÇÃO
Em tempos atuais, as religiões tiveram que se adaptar com as transformações da
vida moderna. Aqueles ritos religiosos e suas festividades permeavam em meio à
comunidade local, que muitas vezes homenageavam uma determinada divindade.
Divindade que poderia ser um animal como a vaca na Índia, ou madeiras esculpidas
vistos em tribos como os Incas. No Brasil, a colonização portuguesa deixou a tradição
de festas religiosas para uma determinada santidade, afim que ela protegesse as
comunidades que haviam sido criadas e ainda para reforçar o catecismo feito pelos
jesuítas.
Embora, essa tradição continue até os dias hoje, houve uma mudança na forma
de realizar os ritos. O que antes eram apenas uma homenagem ao um determinado
santo, hoje se tornou produto. Uma festa religiosa tende a desenvolver diversas ações
que envolvem o marketing religioso e como também o turismo da região.
3
Aluna especial do Mestrado em Comunicação, Universidade Federal de Goiás. Graduada em
Comunicação Social Habilitada em Publicidade e Propaganda pela Uni-Anhanguera. Email:
amaranta20@gmail.com.
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Baseado nesses argumentos, a Festa do Divino Pai Eterno em Trindade, trás
consigo todas as ferramentas do marketing, transformando o rito no verdadeiro
espetáculo pela Fé. Isso com a contribuição da impressa local que incluem em nas
coberturas suas Representações Sociais e de forma fantasiosa chama atenção de mais
fieis para festividade.
Sociedade do Espetáculo
Em tempos atuais as mensagens que chegam via mídia sempre tem apelos pra
fins de consumo. Aquilo que é real é convertido em imagens que são trabalhadas para
fascinar o receptor da mensagem. Isso acontece de forma diária nos meios de
comunicação. Debord (1967, p.4), relata que o espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens.
Em 1960, Debord (1967, p.12), colocava em discurso que o homem não vivia mais
a sua realidade de fato, e sim uma representação das imagens impostas pela a mídia. A
discussão dita pelo autor é sobre política e não comunicação. Porém, se encaixa
naturalmente como fonte de pesquisa ao segmento midiático. Seguindo a referência, o
espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível,
sendo que a mensagem principal, é que o é bom simplesmente pareça bom.
Desde a época de Debord (1967, p.2), até os dias de hoje, existe uma variedade
de imagens reproduzidas. Estamos o tempo todo expostos a elas, sendo pela
publicidade, pelo cinema, pelos noticiários, periódicos ou telenovelas. As imagens
fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum.
No telejornalismo, vemos a espetacularização utilizada pra deixar a realidade
mais convincente, isso através de uma produção que enriquece a cada técnica aplicada
as imagens transmitidas nas edições. (FEITOZA, 1996, p.13). Vemos que o
telejornalismo tem o “poder” de moldar determinados assuntos através de boas
estratégias. Assim, o que é transmitido diversas vezes é tratado para depois chegar a
sua veiculação final. Aquilo que seria comunicado recebe uma ênfase, e torna um
verdadeiro espetáculo na edição.
Os meios de comunicação estão a cada dia colaborando com o indivíduo a
exercer sua cidadania. Veículos de massa como jornais, exercem uma grande influência
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
na sociedade. Temer e Nery dizem, a informação é o envio de mensagens sem
obrigatoriedade de retorno. Já a comunicação, necessita da transmissão e por
consequência a recepção. (TEMER; NERY, 2009, p.15)
Temos a mídia como uma poderosa máquina do espetáculo. Dentro desse
contexto verificamos a televisão, como veículo prestigiado na reprodução da variedade
de imagens. Obviamente, a televisão é um veículo que tem a imagem com uso de
técnica fundamental para concluir a comunicação.
Festa do Divino Pai Eterno em Trindade
A Religião nos dias atuais tem perdido a finalidade de trazer a objetivação das
ciências naturais para o mundo humano. Mas, isso não significa que a religião morreu,
pelo contrário. Houve mudanças, e como o Estado teve influências laicas e até
ateização, a religião obteve transformações a partir aspectos culturais da
modernidade. (SIGNATES, 1999, p.1)
A igreja católica acompanhou essa transformação, e também aprimorou sua
estratégia. Hoje podemos ver o espetáculo que gira em torno do marketing religioso, e
as igrejas passaram de simples construções para incríveis santuários. Na primeira
semana de julho, milhares de peregrinos chegam até Trindade. (MATINS, 2001, p.8)
São romeiros, vindo de outras cidades que percorrem “o caminho da fé”, ora por conta
de uma promessa, pedidos, ora pela devoção a Santíssima Trindade.
Famílias mantêm a tradição, percorrem o caminho com carros de bois. As
romarias de carros de bois, embora fazendo parte de uma tradição de pais para filhos
e terem uma semelhança no estilo e na organização diferenciam-se pela especificidade
de cada lugar, cultura, religiosidade e trabalho. (MARTINS, 2001, p.18)
Tornou-se um hábito durante a festa e até mesmo antes da semana que se inicia
ver devotos andando a pé em direção a cidade religiosa. As pessoas costumam levar
barracas para acampar durante o trajeto, e outras pessoas acompanham de carro
levando mantimentos como uma espécie de suporte. A Organização das Voluntárias de
Goiás, também oferece alimentação em alguns pontos de acesso na rodovia dos
romeiros, que fica entre Goiânia e Trindade.
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
O movimento da festa religiosa é tão intenso, sendo possível observar a prática
do turismo religioso e comercio de barraquinhas que se estende no centro da cidade.
Ainda, vários horários de missas e pregações, com a finalidade de receber os
peregrinos da fé. A festa se tornou um grande espetáculo, chamando atenção de todo
o país. Além dos fieis que através da peregrinação “pagam” pelos seus pedidos,
também existe grandes personalidades que embarcam na exposição que a festa trás e
participam da caminhada.
No quadro de uma pós-modernização da prática religiosa, é possível
identificarmos o aprofundamento da natureza performática dessa
discursividade, sobretudo pela emergência das práticas carismáticas
e pentecostais das igrejas, de certa forma já existentes nos ritos
mediúnicos e nas diversas formas de mentalismo, fluidicismo e
comportamentalismo das demais tradições. (SIGNATES, 1999, p.13).
Representações Sociais
Segundo Moscovici (1978), as representações sociais são fenômenos que estão
ligados como uma forma especial de adquirir e comunicar conhecimento, uma forma
que cria realidades e senso comum. Pessoas se unem para participar de grupos sociais
e dividem das mesmas ideias e opiniões. Isso acontece em todos os cenários, e não
foge do ambiente de profissionais ligados aos meios de comunicação.
Ainda tendo Moscovici (1978) como pensador científico, grupos produzem
representações a fim de agir como filtros para informação, que provem do ambiente e
a fim moldar cada comportamento individual. É um tipo de manipulação do processo
do pensamento e da estrutura da realidade. De acordo com Moscovici (1978), os
meios de comunicação de massa, como a impressa, são responsáveis pela necessidade
de restabelecer o senso comum ou a forma de compreensão que visa criar imagens e
sentidos sem que nenhuma coletividade possa operar.
Os jornalistas tendem a inserir a sua representação social de um determinado
assunto em sua reportagem. Guy Debord analisa a sociedade contemporânea como
uma associação extremamente visual e intrinsecamente ligada ao espetáculo
valorizado pela mídia. (DEBORD, 1991).
28:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Antes de ver e ouvir alguém, fazemos julgamento sobre ele, nós o
categorizamos e formamos uma imagem mental dele... Tais
categorias mentais não são meras abstrações cognitivas... Pela
informação que recolhemos e o esforço que fazemos em obtê-la, nós
simplesmente prosseguimos confirmando esta imagem. (MOSCOVICI,
1978).
Um profissional liberal, por exemplo, tende a relacionar com outro profissional
liberal. Uma pessoa católica provavelmente irá acompanhar reportagens ou assuntos
que se adéquam com o mesmo tema. Nessa linha de pensamento compartilharão do
mesmo conceito de informação, onde ele se identificará com abordagem e linguagem
utilizada. Através dessas definições vimos que, esses religiosos vivem em grupos que
compartilham das mesmas informações, ideias e conceitos.
Dois processos são centrais para esta forma pensamento, em que a
memória e as conclusões preestabelecidas predominam. O primeiro
processo se volta para a ancoragem das representações, trazendo-as
de volta às categorias e imagens diárias, e ligando-as a um ponto de
referência reconhecível. O segundo processo se volta para
objetificação das representações, isto é, transforma uma abstração
em algo quase físico, traduz em algo existente em nossos
pensamentos em algo que exista na “natureza”. (MOSCOVICI, 1978).
Castells, diz que não é difícil concordar que, do ponto de vista sociológico, toda e
qualquer identidade é construída. (CASTELLS, 2000). Assim pesquisa se fundamenta
que a construção da identidade se dá pela a matéria-prima fornecida, podendo ser por
meio da história, da geografia, da biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela
a memória coletiva e por ideais pessoais ou até mesmo pelo o poder. A memória
coletiva tem uma forte tendência em reconstruir o passado e pode ser entendida
como uma forma de tradição, segundo Mourice Halbwaches, sociólogo da escola
durkheimiana. Essas informações são processadas por grupos sociais que reorganizam
o seu significado em função de grupo e conceitos familiares em sua estrutura social.
(HALBWACHES,1990).
O imaginário constrói a identidade. (LEGROS et al., 2007, p. 257). O grupo social
tende absorver frutos da memória afetiva social de uma cultura e o substrato
ideológico da comunidade. (MORAES, 2002). É através disso que o uso do imaginário
pode mexer com aspirações, medos e esperança de um povo. Reorganizando seu
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
passado, presente e futuro. O imaginário social é representado por ideologias e
utopias, como também símbolos, discursos, rituais e mitos.
Representações Sociais da Festa de Trindade em Jornais Goianos
Os jornais locais realizam uma imensa cobertura durante a Festa do Divino Pai
Eterno em Trindade. Para acompanhar o que é dito pela impressa local, foi feita
análise de dois veículos, sendo eles: Jornal Anhanguera 1ª Edição e Jornal Do Meio Dia.
Sendo que ambos são telejornais exibido as 12h00min, em emissoras diferentes.
A pesquisa foi coleta de reportagens feitas na época da festa, nos anos de 2013 e
2014. As palavras mais mencionadas nas reportagens foram retiradas e contadas
quantas vezes foram repetidas. Tudo realizado com embasamento teórico, na obra
Moscovici, levando a conclusão de qual é a Representação Social da Festa de Trindade
através dos Telejornais mais vistos do Estado. Pesquisa qualitativa, com o método de
observação e análise de dados.
O Jornal Anhanguera 1º Edição, através da emissora TV Anhanguera, exibiu
durante o mês de julho de 2014, algumas reportagens de romeiros durante a
caminhada.Entrevistas feitas com fieis e comerciantes. Na coleta do material
pesquisado as palavras mais mencionadas foram: fé, amor, caminhada, religiosidade,
romeiro, divino, eterno, estrutura, turismo, devoção, tradição, promessa e
recebimento. Na reportagem transmitida pelo Jornal do Meio Dia, na TV Serra
Dourada, a observação parece seguir a mesma linha de produção e informação já dita
pelo o outro Jornal. Baseada na análise feita as palavras mencionadas com repetição e
ênfase foram: louvor, graça, sacrifício, santuário, peregrinos, celebração, pai, eterno,
missa, novenas, romaria, penitencia, família, orações, multidão, confissão, milagres,
fiéis, religião, economia, barracas, tradição e peregrinação.
Observamos que no primeiro Jornal mencionado, existe uma grande produção de
imagens, uma quantidade maior de entrevistas e além de ter mais reportagens ligadas
à representação da festa. O segundo Jornal, tem um tempo menor de reportagem,
entrevista com padres, comerciantes e fiéis. Deixando no ar uma produção menor,
mas quase as mesmas informações do Jornal Anhanguera.
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Em 2013, as reportagens deram ênfase à caminhada feita pelo atual Governador
do Estado, Marconi Perillo e do Padre Robson de Oliveira que é membro da
Congregação do Santíssimo Redentor e reitor do Santuário Basílica do Divino Pai
Eterno, em Trindade/GO, desde dezembro de 2003. A presença ilustre das duas
personalidades se deu por conta reinauguração, das obras realizadas pelo Governo do
Estado na GO-060, de Goiânia a Trindade, ou como conhecida carinhosamente como
Rodovia dos Romeiros.
Jornais acompanharam o trajeto e juntamente com entrevistas feitas aos
visitantes. Todos os dois jornais analisados mostraram as novidades na rodovia, a
estrutura organizada e os benefícios feitos pela obra vinda do Estado. Nesse ano, o
contexto tem um teor o político inserido na mensagem, observa-se que as palavras
mais ditas nesse foram: passarela, ciclovia, iluminação, ampliação, plantio, segurança,
rodovia, moderna, governo, estado, conforto, reforma, festa, divino e eterno. Nos dois
telejornais, foram observadas as mesmas palavras, levando à conclusão de prestação
de conta do governo e não mais ação da fé como analisado e comparado com o ano de
2014.
Considerações Finais
Este é um texto seminal que tem por objetivo lançar a base de uma pesquisa
teórica. Objetivo é verificar quais representações sociais dos jornalistas feitas a partir
da transmissão das reportagens em telejornais locais.
Hoje, o conceito de religião foi transformado, assim como a cultura se
modernizou. Existem diversas estratégias de marketing que contribui para gerar o
espetáculo, e a mídia conhece as técnicas de produção para deixar a mensagem mais
encantadora e lúdica para o público. A igreja passou de uma simples construção para
grandes santuários, a cobertura da festa realizada pelos telejornais contribuí no
aumento de romeiros, e ainda percebemos como a mensagem pode ser moldada para
dar uma conotação própria, podendo deixar a tema principal à margem do que está
sendo transmitido.
Espetacularização da imagem é transformada baseada na Representação Social
que o Jornalista tem do que será comunicado. Todos os envolvidos na produção da
31:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
mensagem detêm o poder veicular aquilo que parece ser o mais conveniente, onde
todos querem um espaço para mostrar o seu produto e moldar os seus resultados.
A esfera religiosa é, pois, absorvida pela a comunicação. Segundo Habermas
(1981) citado por Signates (1999, 14), a teologia da ação se revela pela orientação a
objetivos que, em principio, elegem “meios” e considera consequências para atingir
uma meta de características monológicas. Com vertente dos conceitos da Sociedade
do Espetáculo, conseguimos contextualizar a ligação entre mídia e religião.
Sem dúvida a Representação Social do Jornalista dos telejornais pesquisados
sobre da Festa do Divino Pai Eterno, são simbologias ligadas à fé. Nesse contexto a
mensagem recebe uma conotação de espetáculo afim, de contribuir com o marketing
religioso que permeia os arredores do tema da festividade religiosa.
REFERÊNCIAS
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uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 255-287.
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32:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
SIGNATES, Luiz. A ética do discurso religioso, entre o estratégico e o comunicativo. In:
XII Congresso Brasileiro de Pesquisadores da Comunicação - Intercom, 1999, Rio de
Janeiro - RJ, 1999.
33:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
O uso do humor como elemento formador de representações
na mídia
André Almeida Nunes4
Resumo
Este artigo que aborda o tema “o uso do humor como elemento formador de
representações na mídia” objetivou observar a perspectiva acerca da construção das
representações sociais, simbólicas e midiáticas a partir dos meios de comunicação e os
efeitos que possivelmente podem resultar a partir do uso do elemento humor, visto
que o mesmo está presente em toda a história da humanidade e é tema de interesse
desde então, para pensadores da antiguidade ao mundo contemporâneo, em diversas
áreas do conhecimento. Para isso, foram utilizados os estudos já realizados e feita
também a revisão bibliográfica de Bergson, Bordenave, Carvalho, Covre, Freud
McLuhan, Marshall. O objetivo é perceber a importância do humor usado nos diversos
meios de comunicação como principal elemento de reforço e disseminação das
representações simbólicas da sociedade por meio da mídia.
Palavras-chave: Humor. Mídia. Representações.
Introdução
Podemos observar o quanto nossa sociedade é essencialmente influenciada
pela mídia atualmente. A mídia de que falamos, é a soma de todos os meios de
comunicação de massa, como rádio, TV, jornal, revista, outdoor, internet, propagandas
em geral, etc.
Utilizamos os meios de comunicação para suprir uma necessidade inerente ao
ser humano, comunicar-se, portanto, não se discute a importância ou a necessidade da
mídia na atual sociedade, e é impossível imaginar a vida hoje sem estar envolvido com
ela.
As tecnologias estão presentes em todas as nossas ações diárias. Tem
modificado desde a cultura, a maneira de viver, nossas relações, como também a
forma como aprendemos e ensinamos. Os avanços da tecnologia têm colaborado para
superar questões de tempo e espaço. A informação e seus processos tornam-se cada
vez mais ágeis, inteligentes e eficientes. McLuhan utiliza a expressão “aldeia global”,
para se referir à forma que o mundo contemporâneo se formou como resultado das
4
Mestrando em Comunicação pela FIC/UFG e bacharel em Comunicação pela mesma universidade.
nunesand@gmail.com
34:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
mudanças provocadas pelos meios eletrônicos. Um lugar onde não há diferenças
impostas pela distância física e que foi superada pela rapidez com que os meios levam
as informações. Os meios de comunicação de massa transformam-se nas mensagens
que são transmitidas e essas modificam o receptor, por essa razão, são os meios como
extensões do homem. Como afirma McLuhan (2007), “Hoje, depois de mais um século
de tecnologia elétrica, projetamos nosso próprio sistema nervoso central num abraço
global, abolindo tempo e espaço(...) Estamos nos aproximando rapidamente da fase
final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o
processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a
sociedade humana, tal como se já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através
dos diversos veículos”
No entanto, a mídia nos atinge passiva ou ativamente, de forma positiva ou
negativa. Ela é parte da realidade em que vivemos, porém ela também ajuda a criar
essa realidade. A mídia modela a sociedade através de sua capacidade de produzir,
ratificar e disseminar representações, e por meio dela cria a nossa visão de mundo,
nossa auto-percepção e a percepção da sociedade como um todo, reproduzindo as
ideias de grupos detentores de poder de voz pela mídia.
As pessoas que lidam com a mídia conhecem bem o ser humano e sabem que
esse tem desejos, ansiedades, sonhos, e por isso agem para estimularem necessidades
pessoais. Sabem também que se conseguirem relacionar seus produtos a essas
necessidades, conseguirão aumentar os seus consumidores em potencial.
Assim, o objetivo deste texto é estudar a relação entre humor e cidadania, e
sua influência na construção de representações simbólicas nos meios de comunicação.
Conceito de Comunicação
Inicialmente, é importante dizer que não há como pensar o ser humano e a
sociedade sem pensar em comunicação. A comunicação é parte da sociedade, e esta
parte da comunicação. São indissociáveis. A utilização da comunicação se faz presente
em toda nossa atual sociedade. Ela é uma necessidade básica do homem para
socializar-se. Afirma Bordenave que a comunicação não existe por si mesma, como
algo separado da vida da sociedade. Sociedade e comunicação seriam uma coisa só.
35:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Ele diz que a comunicação foi o canal pelo qual os padrões de vida de sua cultura são
transmitidos ao homem, por onde se aprenderia a ser membro da sociedade, da
família, de um grupo de amigos, da vizinhança, da nação. Assim que se adotaria a sua
"cultura", isto é, os modos de pensamento e de ação, suas crenças e valores, seus
hábitos e tabus. Segundo ele, isto não ocorre por instrução, pelo menos antes de ir
para a escola: ninguém ensinaria a uma pessoa propositadamente como está
organizada a sociedade e o que pensa e sente a sua cultura. Isto acontece
indiretamente, pela experiência acumulada de numerosos pequenos eventos,
insignificantes em si mesmos, através dos quais o homem travaria relações com
diversas pessoas e aprenderia naturalmente a orientar seu comportamento para o que
fosse conveniente.
Tudo isto seria possível graças à comunicação. Não seriam os professores na
escola os responsáveis por ensinar cultura ao homem e sim a comunicação diária com
pais, irmãos, amigos, na casa, na rua, nas lojas, ônibus, no jogo, no botequim, na igreja,
que lhe transmitiriam as qualidades essenciais e a natureza do ser social.
(BORDENAVE, 1994).
Contrariamente, então, ao que alguns pensam, a comunicação é muito mais
que os meios de comunicação social. Estes meios são tão poderosos e importantes na
nossa vida atual que às vezes esquecemos que representam apenas uma mínima parte
de nossa comunicação total. Bordenave descreve uma lista dos atos de comunicação
que um homem qualquer realiza desde que se levanta pela manhã até a hora de
deitar-se, no fim de dia. Segundo ele a quantidade de atos de comunicação é
inacreditável, desde o "bom-dia" à sua mulher, acompanhado ou não por um beijo,
passando pela leitura do jornal, a decodificação de número e cores do ônibus que o
leva ao trabalho, o pagamento ao cobrador, a conversa com o companheiro de banco,
os cumprimentos aos colegas no escritório, o trabalho com documentos, recibos,
relatórios, as reuniões e entrevistas, a visita ao banco e as conversas com seu chefe, os
inúmeros telefonemas, o papo durante o almoço, a escolha do prato do menu, a
converso com os filhos no jantar, o programinha de televisão, o diálogo amoroso com
sua mulher antes de dormir, e o ato final de comunicação num dia cheio dela: " boa-
noite".
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Desta forma diz o autor que a comunicação se confundiria com a própria vida.
Teríamos a consciência de que comunicamos com de que respiramos ou andamos.
Porém, somente perceberíamos a sua essencial importância quando, por um acidente
ou uma doença, perdêssemos a capacidade de nos comunicar. Diz Bordenave que,
pessoas que foram impedidas de se comunicarem durante longos períodos,
enlouqueceram ou ficaram perto da loucura. A comunicação é uma necessidade básica
da pessoa humana, do homem social. (BORDENAVE, 1994)
Construção histórica da Cidadania
Atualmente, o conceito de cidadania vem sendo muito utilizado, e de maneiras
diversas, acentuando diferentes entendimentos que divergem de acordo com o que
está sendo associado.
Em razão disso, é de imensa relevância, o entendimento do que é ser cidadão
na atualidade, em um mundo regido sob os signos difundidos por meio da
comunicação.
Maria de Lourde Manzini Covre ensina que “a origem da palavra cidadania é
atribuída em princípio à cidade ou pólis grega. A pólis era composta de homens livres,
com participação política contínua numa democracia direta, em que o conjunto de
suas vidas em coletividade era debatido em função de direitos e deveres. A cidadania
está relacionada ao surgimento da vida na cidade, à capacidade de os homens
exercerem direitos e deveres de cidadão. Na atuação de cada indivíduo há uma esfera
privada (que diz respeito ao particular) e uma esfera pública (que diz respeito a tudo
que é comum a todos os cidadãos). Embora fossem escravistas, as sociedades grega e
romana promoveram em suas cidades certo exercício de cidadania.”
Historicamente José Murilo de Carvalho destaca que (p. 12) que a cidadania se
desenvolveu dentro do fenômeno a que chamamos de Estado-nação, datado da
Revolução Francesa. A luta pelos direitos era uma luta política nacional. “Isto quer
dizer que a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado
e com a nação” (p. 12). Segundo Carvalho, a redução do poder do Estado, fruto da
aceleração da internacionalização do sistema capitalista e da criação dos blocos
econômicos, afeta a natureza dos antigos direitos, sobretudo dos direitos políticos e
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
sociais. Por essa razão, “as mudanças recentes têm recolocado em pauta o debate
sobre o problema da cidadania, mesmo nos países em que ele parecia estar
razoavelmente resolvido”
A questão a respeito da cidadania é relevante e recorrente porque não é
acessível a todos. A cidadania é um status alcançado somente por aquelas pessoas que
são membros integrais de uma comunidade. Assim diz o sociólogo Marshall (1967, p.
76), “todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e
obrigações pertinentes ao status”. Sob este prisma, Marshall (1967) estabeleceu que a
cidadania se baseia na conquista dos direitos civis, políticos e sociais, ou seja,
....uma parte civil, relativa aos direitos necessários à liberdade
individual; uma parte política, referente ao direito de participar no
exercício do poder político; e uma parte social, que diz respeito a
tudo o que envolva desde o direito a um mínimo bem-estar
econômico e segurança até o direito de participar, por completo do
que o autor chama de ‘herança social’ (DUARTE, 2009, p.103).
Após a descrição histórica de um conceito que possa definir o parâmetro de
cidadania que adotamos neste trabalho, cabe buscar investigar a relevância que os
meios de comunicação têm na sociedade atual, fazendo parte de uma cultura quase
que inteiramente midiatizada e influenciada pela mídia. Trataremos a partir da visão
de Juan Bordenave os aspectos que envolvem essa sociedade da era da comunicação e
da informação, pensando a importância dos meios midiáticos na vida e possivelmente
na construção ou desconstrução da cidadania por meio de representações simbólicas.
Mídia, cultura e cidadania
Em seus trabalhos, Bordenave (1994) afirma que estudos feitos durante greves
de jornais teriam demonstrado a intensidade dos sentimentos de privação e frustração
que se desenvolvem quando a leitores habituados lhes falta a leitura diária. Diz o autor
que pesquisas junto a telespectadores indicariam que a televisão em geral, e as
telenovelas em particular, exerceria uma série de influências sobre eles, algumas
"positivas" e outras" negativas".
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Segundo Bordenave (1994), destas investigações, bem como da experiência de
qualquer um de nós, se depreenderia a idéia de que os meios desempenhariam certas
funções importantes na vida das pessoas. Ele afirma que no caso do jornal, além das
funções de tipo "racional", como a provisão de informação (notícias, anúncios, etc), o
jornal satisfaria necessidades "não racionais", como o fornecimento de contatos
sociais e, indiretamente, de prestígio social. A estas funções se agregaria uma de
proporcionar "segurança" aos leitores num mundo sempre perturbado, e uma função
"ritualista" ou quase compulsiva para as pessoas que lêem o jornal sempre na mesma
hora, no mesmo lugar e na mesma seqüência. Outros meios, como o rádio, mostraram
desempenhar ainda o papel de "companhia", particularmente para as pessoas
solitárias. (BORDENAVE, 1994)
O autor segue seu raciocínio dizendo que o rádio e a TV, além de difundirem
notícias, diversão e publicidade, cumpririam uma função social de "escape"
oferecendo uma compensação relaxante para o crescente "stress" da vida moderna.
As revistas populares cumpririam mais ou menos a mesma função, especialmente as
que contêm romances e fotonovelas. Bordenave assegura que para muitos leitores e
telespectadores, os meios responderiam também a suas aspirações de mobilidade
social. Talvez por essa razão, os recortes de revistas que cobrem as paredes dos
favelados raramente conteriam cenas de pobreza e opressão e sim de mansões de
luxo, pessoas bem vestidas, personagens aparentemente bem-sucedidos, como astros
de cinema, cantores e estrelas de futebol. Os criadores de telenovelas, diz o autor, que
pareciam ter chegado a conclusão semelhante, daí por que os ambientes em que
ocorrem seus melodramas refletem gostos de classe média para cima. O autor percebe
em seu trabalho que as telenovelas, seriam formas de comunicação com um complexo
papel social. Para alguns indivíduos elas se constituiriam em oportunidades de catarse
emocional, isto é, uma ocasião para experimentar surpresas, alegrias, sofrimentos e
até para dar vazão a sentimentos agressivos. A identificação dos espectadores com os
personagens e suas alegrias e sofrimentos parece produzir uma sensação positiva, já
que significa compartilhar os próprios problemas com alguém mais importante.
Segundo Bordenave, o sucesso obtido pelos personagens cumpriria a função de
compensar e aliviar carências e fracassos dos ouvintes. Assim, uma mulher cuja filha
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
abandonou o lar para casar-se com um homem que está ausente todas as noites,
assiste novelas que pintam uma vida familiar feliz e uma esposa bem-sucedida. A
posição de Bordenave é de que as telenovelas seriam também assistidas como fonte
orientação e conselho: "se você assiste a novelas e algo acontece em sua própria vida -
afirmam alguns telespectadores - você sabe o que fazer porque já viu algo semelhante
na novela." Ele afirma que haveria pessoas que resolveriam fazer regime porque viram
um personagem de novela fazendo regime. Outras aceitariam a situação em que se
encontram lembrando que, numa certa novela, o personagem fez isto mesmo e se deu
bem. (BORDENAVE, 1994).
A partir da perspectiva do autor depreende-se que os meios de comunicação
tem intensa possibilidade de colaborar na formação cultural, educativa, e na
construção de representações simbólicas que podem ajudar a construir a cidadania ou,
o que em geral se percebe, a desconstruí-la, especialmente quando se fala em
televisão.
A televisão é um dos meios que opera na construção do imaginário.
(…) A “influência” da TV ou de qualquer outro meio ou instituição –
inclusive a escola, o trabalho e a família – vai depender de uma série
de fatores, entre elese o contato ou a ausência dele com variadas
fontes de informação, o tempo, a qualidade de exposição à
programação exibida ou às mensagens transmitidas. (SIQUEIRA,
2006, P. 134)
Assim, podemos pensar as inúmeras formas com que isso é feito nas diversas
mídias, e um destes elementos que são usados habilmente em praticamente todos os
produtos midiáticos no Brasil, muito especialmente na televisão, é o humor, razão pela
qual o abordamos a seguir.
O humor como elemento de construção de representações
O humor e as diversas formas de manifestação do riso sempre foram temas de
interesse desde a Antiguidade, com Aristóteles até a estudos de psicanálise elaborados
por Freud.
O ser humano ri de suas próprias mazelas e das coisas que a ele parecem
estranhas. Por essa razão, o humor atravessa os tempos e continua permanece
40:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
vinculado ao próprio ao homem. Em geral, o riso para o ser humano, é provocado por
algo que a ele se assemelha. O filósofo francês Henri Bergson, que produziu estudos
sobre o riso no século XX, afirma que para compreender o humor é necessário que
este seja colocado em seu ambiente, ou seja a sociedade. Desta forma o autor define
que
Não há comicidade fora daquilo que não é humano. Uma paisagem
poderá ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia; nunca será
risível. Rimos de um animal, mas por termos surpreendido nele uma
atitude humana ou uma expressão humana. Vários definiram o
homem como um animal que sabe rir, pois se algum outro animal ou
objeto inanimado consegue fazer rir, é devido a uma semelhança
com o homem, à marca que o homem lhe imprime ou ao uso que o
homem lhe dá (BERGSON, 2007, p.3)
Para Aristóteles, o riso acontece entre duas situações, a de que há um objeto
ridículo e a de que há um ser humano. Deste modo, nota-se que o cômico está ligado
ao espírito do homem.
Assim como Begson, o autor Vladimir Propp (1992) afirma que as coisas e
animais só se transformam em objeto de riso caso revelem defeito ou característica
humana. O autor sugere que as pessoas de vida econômica mais simples e mais idosas
são as que estão menos se preocupam com os cuidados com aparência e outras
características da vida contemporânea, e, portanto, as que mais expressam riso. Propp
acredita que a geração atual, por ser mais narcisista e individualista, consumidora de
itens descartáveis, perdeu a fonte da verdadeira satisfação proveniente da humildade
e da criatividade, buscando apenas o prazer individual e associado ao tempo presente.
Assim sendo, Freud ratifica esse entendimento quando lembra que
Como os chistes e o cômico, o humor tem algo libertador a seu
respeito, mas possui também qualquer coisa de grandeza e
elevação, que faltam às outras duas maneiras de obter prazer da
atividade intelectual. Essa grandeza reside claramente no triunfo do
narcisismo, na afirmação vitoriosa da invulnerabilidade do ego (
FREUD, 1927, p.190)
41:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Assim, podemos compreender o humor, conforme a definição dada pelo
cartunista e escritor Ziraldo quando ele diz que “(…) o humor é uma forma criativa de
descobrir, revelar e analisar criticamente o homem e a vida.
De acordo com as características de cada cultura, as pessoas manifestam o
humor de formas diferentes. Ele está presente em todos os períodos da humanidade e
tem acompanhado as transformações políticas, sociais e de comportamento. As
diferentes formas de expressão humorística são também meios de demonstração e de
afirmação de identidade cultural e ideológica. O autor Mikhail Bakhtin afirma que
o humor passa a ser elemento de grande destaque em oposição às
culturas oficiais. Ele age como uma válvula de escape ao estresse do
ríspido sistema de códigos morais e sociais, designados a organizar
e a fazer funcionar a vida em sociedade”(BAKHTIN, 1987)
Para Freud, duas são as maneiras pelas quais o humor pode ser elaborado: a
primeira é quando a pessoa adota atitude humorística, tornando a vida do espectador
mais prazerosa. A segunda maneira pode ocorrer entre duas pessoas quando uma
delas que não está participando do contexto humorístico torna-se alvo da observação
humorística, ou seja, torna-se parte das anedotas.
O humor costumeiramente faz piada de dificuldades e de diferenças, assim
sendo, o ser humano consegue desnudar tudo o que ele observa, transformando o
narcisismo e diminuindo o seu sofrimento por meio do humor.
Segundo Bergson (2007, p. 04) o escracho começa quando acaba a comoção.
Sugere o autor que o a emoção é a maior inimiga do riso, ou seja, para que consigamos
achar graça em algo que seja supostamente trágico, devemos nos isolar das emoções.
Ele insiste que o cômico somente levará ao riso se não houve envolvimento emocional
com o fato.
Não quero com isso dizer que não podemos rir de uma pessoa que
nos inspire piedade, por exemplo, ou mesmo afeição: é que, então,
por alguns instantes, será preciso esquecer essa afeição, calar essa
piedade. (BERGSON, 2007, p. 03)
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REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
O autor continua dizendo que o riso depende de identificação, ou seja, ele deve
estar atrelado a um grupo, pois não há riso isolado. Ele depende de eco nos pares da
sociedade, rimos somente daquilo com o que nosso contexto social identifica como
cômico.
Nosso riso é sempre riso de um grupo. Ao leitor talvez já tenha
ocorrido ouvir , em uma viagem de trem ou à mesa de hospedarias,
histórias que deviam ser cômicas para os viajantes que as contavam,
pois, os faziam rir com muito gosto. O leitor teria rido como eles se
pertencesse à sociedade deles. Mas, não pertencendo, não tinha
vontade alguma de rir. (BERGSON, 2007, p.05)
Tornando-se, portanto, elemento vinculado ao homem, à sociedade, e ao grupo
de pertencimento, nota-se que o humor é fator relevante de construção de
representações imagéticas, quando explorado na mídia, em todas os seus meios,
reproduzindo desde temas educativos, em especial nos desenhos animados, mas,
principalmente, podendo reproduzir estereótipos sociais que disseminam-se e são
reforçados ao longo do tempo, graças às mídias.
Considerações finais
Buscou-se neste texto observar os avanços e desafios da Comunicação na busca
pela formação cidadã graças em uma sociedade midiatizada. Pretendeu-se, por meio,
deste estudo, começar a formatação das bases para uma análise introduzindo
conceitos de comunicação a partir dos estudos de Bordenave, Mcluhan. Descreveu-se
um modelo de cidadania fundado em Carvalho e Marshall, que possa orientar os
estudos a partir da experiência latino-americana. Objetivou-se observar a perspectiva
acerca da construção das representações sociais, simbólicas e midiáticas a partir dos
meios de comunicação e os efeitos que possivelmente podem resultar a partir do uso
do elemento humor, visto que o mesmo está presente em toda a história da
humanidade e é tema de interesse desde então, para pensadores da Antiguidade ao
mundo contemporâneo, em diversas áreas do conhecimento.
Independentemente de qual seja a função adotada pelos meios de
comunicação, entende-se que estes disseminam através do humor, seja na televisão,
publicidade, ou outros mídias possíveis, representações e imagens já existentes na
43:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
sociedade. Cabe lembrar que não existe entretenimento que esteja vazio de conteúdo.
Considerando que o humor depende da sociedade em que está inserido, do ser
humano e do grupo ao qual está contido, entende-se que possivelmente, a mídia ajuda
a reforçar estereótipos e preconceitos presentes nas ideologias dos grupos específicos
que detém o poder de voz por meio dos meios de comunicação.
Deste modo, o uso do humor na mídia é instrumento importante que pode
reforçar ou amenizar modelos e representações negativas ou positivas inerentes à
sociedade em que estamos inseridos, e, portanto, pode colaborar como deformador,
desconstruindo o cidadão, afrontado-o em suas características sociais, culturais ou
pode ser utilizado de forma a despertar o interesse por aspectos educacionais e
colaborar na construção de sua cidadania.
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45:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
Pode o Louco Falar? Subjetividade, Saúde Mental e Mídia
Bruna Vanessa Dantas Ribeiro5
Resumo
Este trabalho busca realizar uma teorização acerca das representações sociais da
loucura, relacionadas com o espaço de fala apresentado pela mídia. É levantada,
primeiramente, uma breve história da loucura no mundo e no Brasil, buscando-se
refletir sobre tempo espaço formador da ideia de loucura que hoje se reflete na mídia.
As ideias de Michel Foucault são base para conceituar a loucura. São levantados
também conceitos de representações sociais por Moscovici, fechando com uma
reflexão acerca de como as representações sociais imperantes acerca da subjetividade
do indivíduo portador de transtornos mentais influencia em sua imagem midiática e na
teoria da ação comunicativa de Habermas.
Palavras-chave: Loucura; Mídia; Representações Sociais; Foucault; Habermas.
Introdução
A proposta principal desse trabalho é realizar uma reflexão teórica que aborda
a representação da “loucura” acerca da posição e potencial de comunicação no qual se
encontram os portadores de transtornos mentais no Brasil. A partir das
representações que a sociedade constrói ou mantém acerca de suas possibilidades de
fala, ou não fala, dentro de um contexto histórico social busca-se estabelecer uma
relação direta com o posicionamento adotado por veículos de comunicação na
cobertura midiática sobre a temática da saúde mental. Pensaremos aqui as
representações acerca da subjetividade de um grupo estigmatizado e, em
consequência disso, mais do que tratar do potencial comunicacional da loucura,
trataremos da representação social que temos desse potencial.
O uso dos termos “louco” e “loucura” baseiam-se nas colocações de Porter
(1987), que se dedicou a estudar a subjetividade dos pacientes psiquiátricos,
realizando uma análise de suas falas agrupando-os no livro Uma História Social da
Loucura. O autor argumenta que a designação desses indivíduos como loucos, e o uso
do termo loucura, serviria não só como forma de chamar atenção para este rótulo, que
é limitado, mas como uma “taquigrafia coletiva” (PORTER, 1987, p.13). A partir disso
5
Mestranda da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás, linha
de pesquisa mídia e cidadania. E-mail: brunaribeirojor@gmail.com
46:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
‘loucura’ aparece como uma generalização simbólica para um campo que é tão vasto
quanto múltiplo em seus temas. O uso dos termos cabe nesse trabalho dessa forma,
como uma quase abreviatura da saúde mental em suas questões históricas, ideológicas
e sociais.
Partindo desse posicionamento, um primeiro passo é entender como chegamos
ao ideário sobre saúde mental que encontramos na sociedade moderna. Desse plano
geral imbricamos em uma contextualização dentro do cenário brasileiro, que se inicia
no modelo de tratamento hospitalocêntrico e desemboca no processo de reforma
psiquiátrica, esses levantamentos nos possibilitam entender o lugar social a partir do
qual a mídia brasileira se posiciona e coloca as representações sociais que apresenta.
As representações sociais nos surgem não como metodologia, mas como
estrutura teórica para pensar a problemática e tentar responder, a partir da atuação
da mídia brasileira e, de certa forma, levar para outras questões a indagação de Spivak
acerca das relações com a subalternidade (2012): pode o louco falar? É interessante e
necessário destacar que a pergunta colocada não deve ser entendida em um sentido
literal de capacidade comunicativa dos loucos, mas em um sentido onde falar envolve
um espaço não só de fala, mas de compreensão. Relacionado com as representações
sociais, nesse texto o “poder falar” envolve não só a simples capacidade de emissão de
mensagem por esses indivíduos, mas também o espaço social de fala que lhes é
majoritariamente oferecido pela mídia e o que o ocupar desse espaço de voz significa
para quem os ouve.
Loucura: O que é e de Onde Veio?
O conceito que temos hoje de saúde mental enquanto um campo construiu-se
sobre os alicerces sócio culturais da loucura que, por sua vez, teve sua história
edificada sobre as bases das relações de poder estabelecidas entre a razão e a
desrazão, que culminaram no papel social da psiquiatria moderna e no local social da
loucura nas sociedades modernas. Essas relações, portanto, tem sua origem no
estabelecimento do lugar da razão na sociedade ocidental, que se estabelece na Grécia
antiga. “A racionalidade tornou-se definitivamente a mais nobre faculdade do
homem” (PORTER, 1987, p.19). Com a ascensão da razão, a desrazão passa a ser
47:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
motivo de medo, um problema a ser combatido. Esses conceitos foram absorvidos pela
cultura judaico cristã latina, e anexados às questões religiosas, que trouxeram a ideia
de loucura relacionada a possessão (PORTER, 1987) .
A loucura a passou por longo caminho para chegar até a modernidade sem,
contudo, sofrer modificações significativas em seu cerne. A idade Média trouxe a
loucura para um local de significação religiosa, ligada ao pecado, ao mesmo tempo seu
lugar na arte de Bosch, Brueghel e Dürer é exemplo de como a loucura também
habitava o território dos sonhos, adquirindo uma aura onírica, da não realidade
grotesca e animalesca, instalada no lúdico, de onde só saiu com o início do
renascimento (FOUCAULT, 2008).
Com o Renascimento a loucura sai do espaço do lúdico para se colocar em um
espaço de interdependência e relatividade com a razão, Foucault (2008) estabelece a
ideia de uma relação antagônica, fundamental para ambos os lados, na qual ao mesmo
tempo que se recusam, elas são parte formadora da outra.O fim da Idade Média foi
palco do desaparecimento da lepra enquanto epidemia, o que gerou o esvaziamento
dos leprosários, que com uma nova era do conhecimento ganhariam novos moradores,
inicia-se o modelo internatório que, longe de preceitos médicos, envia para os antigos
leprosários: loucos, doentes venéreos, homossexuais, devassos, blasfemadores,
suicidas e supersticiosos (adivinhos, mágicos e feiticeiros), transformaram-se em uma
“massa indiferenciada” de não-seres (FOUCAULT, 2008). A internação era o espaço da
anormalidade.
Segundo Foucault (2008), entre o aparecimento da internação e a “grande
libertação”, realizada pela medicina psiquiátrica em seus primeiros passos, pouco foi
mudado, permanecendo até o final do século XVIII circundado de tratamentos
carregados de significação fantástica. O autor toma a revolução francesa como marco
de mudanças no pensamento da era clássica e, consequentemente, para a instituição
de uma nova forma de pensar a loucura possibilitando a instituição da internação
médica. O médico Philipe Pinel, por seus trabalhos no Hospital Bicêntre, em 1793, e
posteriormente do Salpêtrière, juntamente com William Tuke, em 1792 por seus
trabalhos em York na Inglaterra, são apontador por Foucault (2008) como pioneiros de
novas formas de enxergar a loucura.
48:
REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO
As mudanças desse período instalam o que Foucault (2008) chama de homus
medicus, permitindo o estabelecimento de um positivismo médico que abriu as portas
para no século XX se realizassem reflexões filosóficas acerca do poder da razão,
colocando-o como questão essencial para se pensar o local da loucura.
Foucault (2010) estabelece que a loucura é social, já que origina-se a partir de
normas de sensibilidade que levam ao isolamento e de repulsa que recusam ou
enlaçam. A loucura trata-se necessariamente de uma ausência de obra, que possibilita
a história que é vista.
A grande obra do mundo é indelevelmente acompanhada de uma
ausência de obra, que se renova cada instante, mas que corre
inalterada em seu inevitável vazio ao longo da história: e desde antes
da história, uma vez que ela já está na decisão primitiva, e ainda
depois dela, uma vez que ela triunfará na última palavra pronunciada
pela história. (FOUCAULT, 2010, p.156)
A existência do Sujeito baseia-se na inexistência do Outro, a ausência de obra,
então, não é um acidente social que perdura pela história, mas sim uma necessidade
dos discursos detentores do poder e um aprisionamento moral (FOUCAULT, 2008).
Porter (1987) compartilha de reflexões similares, o que o leva a também enxergar o
espaço da loucura através das relações de poder.
O final da Segunda Guerra Mundial proporciona o surgimento de uma nova
forma de pensar o ser humano em sua dignidade que culminou na promulgação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Assembleia Geral das Nações Unidas
em 10 de dezembro de 1948 e refletiu em uma maior atenção à situação dos
manicômios e sanatórios.
Amarante (2013) aponta dois grupos de reformas mais um, que ele não
considera como tal, mas que carrega grandes mudanças paradigmáticas da psiquiatria
no século XX: O primeiro grupo é formado pela Comunidade Terapêutica e
Psicoterapia, ambos se dão no período pós guerra tendo surgido na Inglaterra e na
França, no segundo grupo encontramos a Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria
Preventiva tendo surgido no final da década de 1950 e decorrer da década de 1960
oriundas dos Estados Unidos da América e França, o terceiro grupo trata-se do mais
importante para este estudo e comporta a Antipsiquiatria originados na Inglaterra no
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  • 2. 2: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO R425 Representações sociais e comunicação [recurso eletrônico]: diálogos em construção / Claudomilson Fernandes Braga, José Antônio Ferreira Cirino (orgs.). – Goiânia : UFG/FIC/PPGCOM, 2015. 215 p. : il. ISBN: 85-914776-7-7 1. 1. Comunicação. 2. Representações sociais. I. Cirino, José Antônio Ferreira. II. Braga, Claudomilson Ferreira. 2. CDU:316.77
  • 3. 3: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO ### Sumário ### Prefácio.......................................................................................................................5 Camila Craveiro Representações Sociais da Estética...................................................................................6 Ana Paula da Silva Sociedade do Espetáculo, Mídia e Religião: Festa de Trindade e sua Representação Social em Jornais Goianos ...............................................................................................24 Amaranta Pinheiro O uso do humor como elemento formador de representações na mídia ......................33 André Almeida Nunes Pode o Louco Falar? Subjetividade, Saúde Mental e Mídia............................................45 Bruna Vanessa Dantas Ribeiro O bandido deve morrer? Os jovens em destaque na mídia sensacionalista ..................64 Gardene Leão de Castro Mendes Representações Sociais, Cidadania e Saúde pública: a Análise Crítica de Discurso sobre o Hugo na mídia impressa ...............................................................................................94 José Antônio Ferreira Cirino As representações do SUS na Mídia..............................................................................117 Kalyne Menezes
  • 4. 4: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Comunicação Política e Representação Social: Uma Relação entre a imagem pretendida pelo político e a significada pelo eleitor........................................................................135 Marcos Marinho Martins de Queiroz A homossexualidade nas representações sociais das pessoas vivendo com Aids........153 Marília de Almeida e Almeida As Representações Sociais da celebridade Britney Spears ...........................................164 Rhayssa Fernandes Mendonça Representações sociais do funcionalismo público: possível diálogo com legado Ibérico ou com a estabilidade....................................................................................................181 Tessa Monteiro Lettieri Ministério Público de Goiás: A Publicidade como Instrumento de Comunicação Pública para Promover a Cidadania ...........................................................................................201 Uiara Machado
  • 5. 5: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO ### Prefácio Um debate que ainda persegue os epistemologistas trata da separação entre ciência e senso comum. A perspectiva mais em voga é aquela que considera que a ciência parte do senso comum, que todo conhecimento para ser validado enquanto científico iniciou-se com esse movimento: o de olhar para aquilo que é comum. E é por isso que a colaboração científica, ao campo da Comunicação, própria das Teorias das Representações Sociais (teoria que norteia as pesquisas aqui apresentadas) se faz tão atual. Buscar a compreensão sobre as representações que são produzidas e reproduzidas em coletivo e assim utilizadas nos processos de significação e ressignificação do mundo, revela, por parte do pesquisador, a tentativa de apreensão e construção da realidade que parte do senso comum para, em análises profundas sobre o que comunicam esses grupos, explicar suas ações no mundo. A importante contribuição deste e-book para o campo da Comunicação reside não apenas na Teoria (TRS) onde ele se fundamenta, mas no aspecto da interdisciplinaridade para o qual os artigos apontam. Valorizar o hibridismo inerente à Comunicação é um convite que enriquece o debate e a compreensão dos fenômenos comunicacionais. Aqui, o convite está feito. Camila Craveiro Publicitária, Mestre em Comunicação pela UNESP e Doutoranda em Sociologia – Universidade Federal de Goiás
  • 6. 6: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Representações Sociais da Estética Ana Paula da Silva1 RESUMO Este trabalho tem por objetivo compreender quais as representações sociais de estética no mundo moderno. Ele parte das colocações realizadas por Theodor W. Adorno em sua Teoria Estética, no qual a obra de arte teria a função de ser o objeto privilegiado no desvelar da sujeição da subjetividade humana ao caráter inanimado, quantitativo e automático das mercadorias. O trabalho de Adorno é uma forte crítica a Indústria Cultural que tenta impor a obra de arte um conceito de objeto que não demonstra oposição ao mundo social e que é facilmente assimilada ao mundo comercial. A teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici é utilizada neste estudo como instrumento de análise para a compreensão de algumas questões fundamentais que se sobre a noção de estética, agora em uma sociedade pós- moderna. Palavras-chave: estética, belo, indústria cultura, sujeito, representação social. Introdução Tudo perdia a eternidade e a certeza; num lufo, num átimo, da gente as mais belas coisas se roubavam. Como podiam? Por que tão de repente? Soubesse que ia acontecer assim, ao menos teria olhado mais. (ROSA, 1988, p. 10) Em 22 de junho de 1924 foi fundado o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, do qual a Revista de Pesquisa Social foi porta-voz e cujo grupo teórico, formado por Erich Fromm, Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Friedrich Pollock, Max Horkheimer, Leo Lowenthal, Theodor W. Adorno, entre outros, ficou conhecido como a Escola de Frankfurt. O período histórico em que se desenvolvem os pensamentos de Adorno e dos demais autores da Escola de Frankfurt é marcado por fatos que não podem ser ignorados: o papel das forças de esquerda desempenhado na Alemanha durante a 1 Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Goiás. Aluna Especial do Programa de Pós- Graduação em Comunicação – PPGCOM - da Faculdade de Informação e Comunicação da Universidade Federal de Goiás. paulaufg@gmail.com.
  • 7. 7: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO primeira guerra mundial, a Revolução Russa, o fracasso de dois levantes operários na República de Weimar, o nazismo e o estanilismo. [...] tratava-se de uma civilização capitalista na economia; liberal na estrutura legal e constitucional; burguesa na imagem de sua classe hegemônica característica; exultante com o avanço da ciência, do conhecimento e da educação e também com o progresso material e moral; e profundamente convencida da centralidade da Europa, berço das revoluções da ciência, das artes, da política e da indústria e cuja economia prevalecera na maior parte do mundo, que seus soldados haviam conquistado e subjugado; uma Europa cujas populações haviam crescido até somar um terço da raça humana; e cujos maiores Estados constituíam o sistema da política mundial. (HOBSBAWM, 2003, p. 16). Segundo Horkheimer: Na origem, nossa Teoria Crítica Zeitschrift für Sozial forschung era, como é sempre o caso no início, muito crítica, em particular em relação à sociedade dominante, pois esta tinha produzido aquilo que existe de aterrorizador no fascismo e comunismo terrorista. Esta sociedade suscitara muita miséria inútil, e tínhamos a esperança de que um tempo viria, no qual seria organizada visando ao bem-estar de todos, como já seria possível hoje (...) Devo descrever como se chegou da Teoria Crítica inicial à Teoria Crítica atual. A primeira razão foi a constatação de que Marx se equivocara em inúmeros pontos. (...) Marx afirmou que a revolução seria o resultado de crises cada vez mais agudas, crises ligadas a uma pauperização crescente da classe operária em todos os paises capitalistas. Isto era visto como conduzindo finalmente o proletariado a pôr fim a esse estado de coisas e a criar uma sociedade justa. A partir dos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a teoria da pauperização crescente dos trabalhadores, de onde, segundo Marx, deveria resultar a revolução, transição para o reino da liberdade, tornou-se por um longo período abstrata e ilusória. (...) não se deu conta de que o socialismo como organização racional da sociedade equivale a um mundo totalmente administrado. (HORKHEIMER, APUD, MATTOS, 1995, p. 9-10) A Teoria Crítica da Sociedade seria então não somente uma crítica a sociedade burguesa, mas também a pontos teóricos de inúmeros intelectuais. A grande discussão da Escola de Frankfurt era a consciência sendo determinada pelo objeto e assim o homem sendo levado a total falta de autonomia. O mundo sendo este mundo da
  • 8. 8: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO técnica e não da razão, completamente dirigido e administrado por métodos e homens envoltos na ilusão do ideal burguês. Neste sentido, o pensamento de Adorno considera que a cultura é o veio de que se utiliza a ideologia na conformação das massas, para ele existe uma Indústria cultural, que em sua atividade usurpa o sujeito de sua autonomia. A estética é o objeto privilegiado das análises de Adorno, embora esta sempre esteja subordinada a sua tese central, o domínio do conhecimento sobre a natureza e o mito, gerando a alienação do indivíduo. A melancólica ciência, refere-se a um domínio que, desde tempos imemoriais, se considerou peculiar à filosofia, mas que a partir da transformação desta em método caiu no desrespeito intelectual, na arbitrariedade sentenciosa e, por fim, no esquecimento: a doutrina da vida recta. O que outrora para os filósofos se chamou vida converteu-se na esfera do privado e, em seguida, apenas do consumo, a qual, como apêndice do processo material da produção, se arrasta com este sem autonomia e sem substância própria. Quem quiser experimentar a verdade sobre a vida imediata deve indagar a sua forma alienada, os poderes objectivos que determinam, até ao mais recôndito, a existência individual. Falar com imediatidade do imediato dificilmente é comportar-se de modo diverso dos escritores de novelas que enfeitam as suas marionetes com as imitações da paixão de outrora quais adornos baratos e que deixam actuar personagens que nada mais são do que peças de maquinaria, como se ainda pudessem agir enquanto sujeitos e algo dependesse de sua acção. A visão da vida transferiu-se para a ideologia que cria a ilusão de que já não há vida. (ADORNO, 1951, p. 7). A razão instrumental ligada ao princípio de troca e reduzida ao sentido abstrato de tudo e sua vinculação com o domínio da natureza. Não existiam mais diferenças qualitativas, mas sim um controle científico que deu poder aos objetos através das atividades produtivas, pelas relações sociais sujeitadas e identificadas cada vez mais ao caráter inanimado, quantitativo e automático dos objetos ou mercadorias circulantes no mercado. A última obra de Adorno, inacabada, foi Aesthetic Theory (Teoria Estética), um tratado de teoria estética, que combina análises filosóficas e sociológicas para defender o poder crítico da arte. Uma arte que nega a realidade, pois esta, já não é mais verdadeira. Uma arte assim não corre o risco de dominar o mundo material
  • 9. 9: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO através do poder de conceitos, porque o que ela transmite não são os modelos da realidade, mas sim sua negação. Teoria Estética Se quer seguir-me, narro-lhe; não uma aventura, mas experiência, a que me induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, um tanto à-parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ainda ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha idéia do que seja na verdade – um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou, as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo. (...) Ah, o tempo é o mágico de todas as traições... E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. (...) Os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim. Ah, meu amigo, a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica, mas algo ou alguém de tudo faz frincha para rir-se da gente... E então? (ROSA, 1988, p. 65) A leitura da Teoria Estética de Adorno apresenta dificuldade por sua extrema complexidade. No entanto, do que se pode absorver no pensamento adorniano nota- se que a discussão a respeito da razão humana permanece, mesmo que transplantada para o campo das artes. Desde o início, Adorno discute a emancipação da arte, da liberdade da arte, porém, assim como a humanidade se transformou em massa aderente ao fascismo, ao desejo de possuir não mais o reino da liberdade, mas sim o reino do controle absoluto, a arte, expressão pura do humano, passa a não mais ser portadora das imagens da realidade. Ou seja, a arte, que, ao se desprender de sua função cultual, havia adquirido autonomia, inicia um caminho de eliminação e perda de seus pressupostos: a incerteza do para quê estético na medida em que a sociedade tornou-se menos humana. Contudo, a autonomia da arte permanece. O que se questiona é se a arte ainda é possível, já que a visão do artista encontra-se embaçada e o que se vê é apenas o irreal. A visão da humanidade também está velada e só enxerga a obra de arte
  • 10. 10: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO enquanto mercadoria. A leitura do que a arte exprime encontra-se ilegível, já que ela não diz respeito ao empírico, não reside nela o desejo de meios e fins, assim como na mercadoria. O que habita a obra de arte é antes de tudo outra realidade, com essência própria, que não se corrompe pela “mimese” pura, mas que se apresenta como expressão dos sentidos do artista, da sua visão sobre o mundo. Na arte, as constituintes que dimanaram do ideal de humanidade estiolaram-se em virtude da lei do próprio movimento. Sem dúvida, a sua autonomia permanece irrevogável. Fracassaram todas as tentativas para, através de uma função social, lhe restituírem aquilo de que ela duvida ou a cujo respeito exprime uma dúvida. Mas, a sua autonomia começa a ostentar um momento de cegueira, desde sempre peculiar à arte. (ADORNO, 1970, p.11) Para Adorno, a função fundamental da arte está em seu caráter mimético, com as duas implicações do termo mimético. A primeira dizia respeito à imitação da realidade social, enquanto a segunda, dizia respeito a imitação da realidade natural, transformada pelo social, mas ainda irredutível ao social. Para ele, a verdadeira arte possuía os dois tipos de mimese. A arte expressa não só o sofrimento dos homens, como também o sofrimento da natureza que eles dominaram de maneira inflexível. Em função de sua apreciação desse aspecto de mimese, Adorno contestou Hegel, que relegara a arte, hierarquicamente, a uma condição inferior à da religião e à da filosofia. A pesar de todo o seu ceticismo quanto à ênfase de Kant no gosto e no julgamento subjetivos em questões estéticas, ele se sentiu atraído pela defesa kantiana da beleza natural, que Hegel considerara inferior à sua contraparte artificial. Pois a beleza natural representa a dependência do homem frente a um objeto que não foi criado por ele; é, por conseguinte, um paradigma da não-identidade, que tem como base uma relação terna e respeitosa entre o homem e a natureza. (JAY, 1988, p. 140) Neste sentido, Adorno não compara a arte à mimese da natureza, mas sim a mimese da beleza natural, que leva o homem a utilizar técnica e fruição e desta forma fugir a uma imposição de reificação da obra de arte, reificação aqui entendida como subjetividade humana sujeitada e identificada cada vez mais ao caráter inanimado,
  • 11. 11: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO quantitativo e automático das mercadorias circulantes e desta forma, apreendendo a obra de arte como mera mercadoria. A verdadeira obra de arte é a que exibe as feridas da luta sempre vã por alcançar a unidade. A arte autentica mostra vivas e nítidas as contradições do real. O seu estilo não pode ser harmônico, porque a harmonia seria mentirosa; ele deve ultrapassar a cisão, impelir-se com toda a energia para além da fratura entre o atual e o possível e, não obstante, oferecer simultaneamente o próprio corpo da obra como reflexo da maldição, como imagem da dolorosa falha do mundo. (MERQUIOR, 1969, p. 53) Mesmo crendo serem as obras de arte responsáveis pelo demonstrar da realidade, Adorno, não nega que estas estão voltadas para o declínio, porque não são só regidas por leis exteriores que as regulam. Também porque na constituição de sua autonomia, que confirma a posição social do espírito dividido segundo as regras da divisão do trabalho, não é apenas arte; surgem como algo que lhe é estranho. “A identidade estética deve defender o não-idêntico que a compulsão à identidade oprime na realidade”. (ADORNO, 1970, p.15) A arte é a negação social da sociedade, e não deve ser deduzida imediatamente desta. Ela é antes de tudo constituída no interior do homem e por esta razão a teoria mais adequada a sua definição é a teoria do psiquismo. Porém, a psicanálise considera a obra de arte como sendo apenas projeções do inconsciente e segundo o teor de suas monografias, a arte deveria acabar afirmativamente com a negatividade da experiência. Só que este momento negativo a que elas se referem não é obra de arte livre do processo de recalque, ou seja, não é obra de arte que se realizada pelo consciente, mas ainda pelas imagens do inconsciente manipuladas pelos meios da cultura. Se a arte tem raízes psicanalíticas, são as da fantasia na fantasia da omnipotência. Na arte, porém, actua também o desejo de construir um mundo melhor, libertando assim a dialéctica total, ao passo que a concepção da obra de arte como linguagem puramente subjectiva do inconsciente não consegue apreende-la. (ADORNO, 1970, p. 20)
  • 12. 12: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Segundo Adorno (1970), a teoria kantiana sobre a obra de arte é o contrário da concepção da teoria freudiana. A teoria freudiana trata a obra de arte enquanto realização do desejo, já a teoria kantiana que fala do juízo de gosto, demonstrada através da obra “Analítica do Belo”, fala em uma satisfação desinteressada. Ou seja, existe uma inversão de conceito a respeito da satisfação, Freud trata disto enquanto desejo e Kant enquanto satisfação desinteressada, o que nos leva a pensar que na teoria kantiana a representação da existência de um objeto não leva a compreensão deste mesmo objeto. A questão aqui colocada da representação do objeto diz respeito ao ponto de vista subjetivista de Kant, em consonância com a tradição racionalista. Desta forma, a obra de arte perde seu caráter universal e passa a ser uma opinião, um momento do sujeito individual que não busca nenhum significado maior na obra mas sim uma satisfação desinteressada. Neste sentido, pode-se questionar como se constitui a subjetividade do indivíduo e se dentro desta existe a possibilidade do desejo a que Freud se refere. O desejo aqui, encarado como punção de vida que move o sujeito a desejar o conhecimento do objeto e não de mera aceitação sem questionamentos. A ausência de interesse afasta-se do efeito imediato, que a satisfação quer conservar, e prepara assim a ruptura com a sua supremacia. A satisfação, desprovida deste modo do que em Kant se chama o interesse, torna-se satisfação de algo tão indefinido que já não serve para nenhuma definição do Belo. A doutrina da satisfação desinteressada é pobre perante o fenômeno estético. Redu-lo ao bem formal, sobremaneira problemático no seu isolamento, ou a objectos naturais ditos sublimes. A sublimação numa forma absoluta deixaria de lado nas obras de arte o espírito em nome do qual se opera esta sublimação. (ADORNO, 1970, p. 21) Kant, foi o primeiro a admitir que o comportamento estético esta isento de prazer imediato, levando a arte a se destituir de imaginação intelectual e adquirir uma forte conotação de valor material. A arte, do ponto de vista burguês, nada mais é senão mercadoria, a indústria cultural tratou em separar a verdadeira obra do sujeito e o que se vê são obras que reafirmam a condição inumana destes. O burguês prefere uma vida ascética e uma arte voluptuosa, enquanto deveria preferir o contrário, pois na vida voluptuosa ainda
  • 13. 13: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO cabem os sentimentos necessários a verdadeira arte e à arte cabe o conceito de ascético no sentido da clareza de seus objetivos. A arte hoje nada mais é senão objeto de filistinismo, ligada à angústia da posse. Até à fase da administração total, o sujeito que contemplava, ouvia ou lia uma obra, devia esquecer-se de si, tornar-se indiferente, desaparecer nela. A identificação que ela realizava era, segundo o ideal, não a de tornar a obra semelhante a si mesmo, mas antes a de se assemelhar à obra. Nisso consistia a sublimação estética; Hegel chamava geralmente a este comportamento a liberdade perante o objeto. Garantia assim a dignidade ao sujeito que, numa experiência espiritual, se torna sujeito através da sua alienação, ao contrário do desejo filistino que exige à arte que lhe dê alguma coisa. No entanto, como tabula rasa de projecções subjectivas, a obra de arte desqualifica-se (...) por um lado, torna-se coisa entre as coisas; por outro, faz-se dela o veiculo da psicologia do espectador. O espectador substitui o que as obras de arte reificadas já não dizem pelo eco estandartizado de si mesmo que percebe a partir delas. A indústria cultural põe em andamento este mecanismo e explora. (ADORNO, 1970, p. 29) O espectador não usava de sua subjetividade, mas se abandonava no significado da obra de arte na intenção de enxergar através de seus olhos, não só a beleza mas também a realidade do momento eternizado pelo artista. Hoje este espectador substitui o que a obra de arte já não diz, obra esta coisificada, pela repetição do significado de si mesmo que existe a partir desta. Sujeito que é cópia da cópia, mimese da vida, objeto humano criado e difundido pela indústria cultural através da obra de arte. Obra de arte confrontada com as massas através do meio mecânico da reprodução. Obra de arte que passa a ser objeto de maior valor que o humano, portanto, materialmente e espiritualmente superior ao ente e ao existente. Segundo Adorno (1970), a ontologia da falsa consciência pertence a burguesia, que tanto liberta como sujeita o espírito, pelo fato de não poder aceitar nem tão pouco saborear aquilo em que não acredita. Ou seja, na medida em que a arte representa uma necessidade social, o sentimento burguês não deixa com que ela se transforme em prazer, em identificação, em revelação, em protesto, mas sim, transforma-a em empresa governada pelo lucro, que resiste enquanto é rentável. A arte, aqui, já está morta. A necessidade humana ainda encontra alguma satisfação em tal condição, mas é falsa e ilude os homens acerca de seus direitos. “O obscurecimento
  • 14. 14: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO do mundo torna racional a irracionalidade da arte: mundo radicalmente ensombrado”. (ADORNO, 1970, p. 30-31) Todo o esforço teórico em Adorno não se restringe ao domínio da estética, mas sim, ao desvelar da razão que surge na era moderna determinada pelo movimento Iluminista: a direção fundamental do espírito humano expressa por uma visão científico-utilitária da realidade. Ou seja, uma razão voltada para o domínio da natureza e da vontade humana, através da abstração do real que se legítima pela explicação da ciência. Uma razão que pensa os fins e perde o contato com os meios que levam ao conhecimento do objeto. Razão Iluminista, que visa o domínio e eclipsa a razão. O humano que perde a ligação com o mítico, com sua porção mágica, com seu respeito à natureza e aos seus movimentos. Homem abandonado à própria sorte, sem deuses, sem mitos, e levado a perder contado com os objetos que lhe davam vida. Pois, o domínio tecnológico da natureza não assegura uma existência verdadeiramente humana, este domínio é antes de tudo privilégio de alguns que passam a ter o conhecimento como poder. Dizer que a modernidade se propôs a fazer a história é minimizar os acontecimentos: no mais profundo de si mesma, a modernidade quer fazer igualmente a natureza, forjando uma segunda physisna qual “nada é sem razão”, pois o mundo é regido por um “princípio de razão suficiente”.(MATOS, 2003, p.53) Este é o tempo em que o objeto e a razão são divididos pela atividade industrial, de forma a propiciar a completa alienação de ambos. Objeto este, que passa a ser conhecido por alguns e torna-se regente da vida humana. Desta forma, “O conhecer é uma felicidade estéril e lasciva”. (BACON, APUD, MERQUIOR, 1969, p. 49) Adorno faz menção a oposição do feio na obra de arte, como se este trouxesse a consciência toda a miséria que se encontra na existência humana. Afirma, que o motivo da admissão do feio foi antifeudal, pois o feudo significava o homem preso ao senhor e a natureza, enquanto que a nova sociedade dizia respeito ao homem livre do senhor feudal e capaz de dominar a natureza, homens libertos da escravidão imposta por mitos. Mostrar através da arte, aquilo que fazia parte da sociedade antes do Iluminismo, transformou-se em protesto, em feio, em horror. A nova sociedade é bela
  • 15. 15: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO pois domina as técnicas para a sobrevivência, estas técnicas também invadem o mundo das artes e através dela a violência contra a natureza não é refletida por representação mas entra imediatamente pelos olhos. Esta técnica é a lógica ascética que toma conta da vida moderna, a uniformidade, a mimese: o que se vê através da obra de arte não pode ser a feiúra dos rostos desfigurados pelo trabalho, a miséria das famílias proletárias, o trabalho das crianças, a “natureza morta”, mas sim a modernidade das fábricas, que deixa de significar para o homem a dominação visível da natureza e passa a significar a fachada do não dominado, do homem livre. A obra de arte que nasceu como expressão do cultual, do arcaico, dos mitos, no Iluminismo rompe com esta idéia rumo a sua autonomia. O belo nasce em oposição ao feio, e este feio nada mais é senão o que o homem deseja superar, o feio só surge na morte porque antes da morte ele é belo. A obra de arte em sua emancipação rompe com o feio arcaico para demonstrar o belo da modernidade, Aufklärung2. O veredicto estético do feio apóia-se na tendência psicológico-social verificada para, com razão, equiparar o feio à expressão do sofrimento e, projectivamente, a desprezar. O Reich de Hitler, tal como em toda a ideologia burguesa, também aqui fez a prova: quanto mais se torturava nas caves tanto mais inexoravelmente se velava para salvar a fachada (...) A definição da estética como teoria do belo é pouco frutuosa porque o carácter formal do conceito de beleza deriva do conteúdo global do estético. Se a estética não fosse senão um catálogo sistemático de tudo o que é chamado belo, não existiria nenhuma idéia da vida no próprio conceito de belo (...) A imagem do belo, enquanto imagem do uno e do diverso, surge com a emancipação da angústia perante a totalidade esmagadora e a opacidade da natureza. (ADORNO, 1970, p. 64-65-66) Em Adorno, utilizar o termo “magia da arte” é colocação inadequada e inexistente, já que a arte rompeu com seu conteúdo mágico. Esta ruptura deu-se pela racionalidade iluminista, que não permite a lembrança da magia da qual a arte se originou, mas sim apenas a demonstração da totalidade dos meios que dominam a natureza. 2 Aufklärung – Iluminismo, ilustração; palavra central da Teoria Crítica na qual concentra a sua denúncia da razão tradicional puramente instrumental.
  • 16. 16: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO A obra de arte nada mais é senão autonomia humana e natureza, unidas em um só corpo, em condições de igualdade e liberdade, em momento de desprezo ao controle e ao domínio que se traduz em magia e em verdade de sentimentos. “O conteúdo de verdade das obras de arte é historiografia inconsciente, ligada ao que até hoje se manteve constantemente no estado latente” (ADORNO, 1970, p. 217) O conteúdo de verdade das obras de arte, de que depende finalmente a sua qualidade, é histórico até ao mais profundo de si mesmo. A sua relação à história não é relativa de tal modo que ele próprio e a qualidade das obras de arte variariam apenas em função do tempo. Sem dúvida, uma tal variação tem lugar e as obras de arte de qualidade podem, por exemplo, tornar-se caducas ao longo da história. No entanto, o conteúdo de verdade e a qualidade não cabem ao historismo. A história é imanente às obras, não é nenhum destino exterior, nenhuma avaliação flutuante. O conteúdo de verdade torna-se histórico ao objectivar-se na obra a consciência verídica. A consciência não é um vago ser-no-tempo; isso justificaria o curso do mundo, que não é o desabrochamento da verdade. (ADORNO, 1970, p. 217) Toda esta verdade da obra de arte não se concretiza sem a técnica, pois ela não é apenas fruição ela também é trabalho informado por técnicas de trabalho da obra de arte. Em virtude de sua dimensão artesanal, toda a arte tem algo de um fazer cego. Esta parcela de espírito do tempo (Geist der Zeit) permanece incessantemente suspeita de reaccionarismo. Também na arte o elemento operacional atenua a ponta crítica; aí encontra o seu limite a auto-confiança forças produtivas técnicas na sua identidade com a consciência mais progressista. Nenhuma obra moderna de qualidade, mesmo se ela for subjectiva e retrospectiva segundo o seu estilo, pode esquivar-se a isso. (ADORNO, 1970, p. 217) Segundo Adorno (1970), no mundo administrado, a forma como as obras de arte são recebidas é através da comunicação do incomunicável, a emergência da consciência coisificada, a pura técnica. Ou seja, obra de arte que não traduz o real, mas sim, impõe a condição de coisa material e não espiritual. Obra humana, que nesta condição, não consegue denunciar a quem esta servindo. Esta humanidade é incompatível com toda e qualquer ideologia do serviço prestado aos homens. A obra
  • 17. 17: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO de arte só pode ser fiel aos homens através de sua inumanidade, pois é através desta condição que expressa a verdade na qual o homem se encontra. Em nenhuma circunstancia também se deve feiticizar na arte o conceito de força produtiva técnica. De outro modo, a arte torna-se reflexo daquela tecnocracia que é uma forma mascarada de dominação sob a aparência de racionalidade. As forças técnicas produtivas nada são por si mesmas. Só recebem o seu valor posicional na relação com o seu fim na obra e, por último, com o conteúdo de verdade do que é escrito, composto e pintado. (ADORNO, 1970, p. 245) Assim colocadas, obra de arte e técnica, resta à compreensão do que move o desejo humano para a compreensão e identificação com estas: a experiência estética. Diante da obra de arte, o humano se admira, se espanta com sua beleza e com sua técnica, fica curioso sobre sua origem, sobre suas formas. Olha para um objeto que é diferente de sua realidade, se emociona, se estremece e busca então a compreensão de tantos sentimentos. Este é o momento da experiência estética, o exato momento em que se percorre o caminho para compreensão, o prazer do entendimento, da visão daquilo que é. Agregar em si o que lhe é estranho e portanto o que necessita ser conhecido, sem a interferência do que já lhe vai ao espírito, mas como algo que se incorpora ao necessário conhecimento de um mundo até aqui desconhecido e irreal. Experiência estética que trata de um objeto distante de ser consumido enquanto coisa, enquanto objeto de valor capital, mas sim, consumido enquanto prazer para o espírito humano. Condição que não separa o homem de sua sensibilidade, de sua humanidade, que neutraliza o campo de força do domínio existente entre estes em relação à natureza dos objetos. Possibilidade de compreensão do real sob o domínio do abandono ao sensível, ao desejo, aquilo que faz o espírito livre e não prisioneiro da técnica e da uniformidade, mas sim a liberdade do criador e da criatura no sentido de expor o que é inconciliável, já que o que se concilia não diz respeito ao real, mas sim aquilo que não se deve ver nem compreender.
  • 18. 18: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Representações Sociais e Estética [...] navegava, à noite, de ilha em ilha; estendido no convés olhava o céu por cima de mim, onde a Lua brilhava luminoso rosto noturno que projetava seu claro reflexo, imóvel ou oscilando sobre a obscuridade do mar. Sentia-me deslumbrado, fascinado por aquele suave e estranho brilho que banhava as ondas adormecidas [...]. O que estou vendo é Selene, dizia para comigo, noturna, silenciosa, brilhante [...]. Muitos anos depois, ao ver na tela de meu televisor as imagens do primeiro astronauta lunar saltitando pesadamente com seu escafandro no espaço de uma desolada periferia, à impressão de sacrilégio que senti juntou-se o sentimento doloroso de uma ferida que não poderia ser curada: meu neto, que como todos viu essas imagens, já não será capaz de ver a Lua como eu a vi: com os olhos de um grego. A palavra Selene tornou-se uma referência meramente erudita: a Lua, tal como hoje surge no céu, não responde mais por esse nome. (VERNANT, 1993, p. 8) Ao postular que a obra de arte seria o instrumento pelo qual o homem exerceria o reino da liberdade e da verdade, do prazer desinteressado e do conhecimento do objeto, experiência estética colocada como o próprio conhecimento, fica-nos o incomodo de verificar se de fato a obra de arte conseguiu cumprir com este objetivo na modernidade. Nos escritos sobre Indústria Cultural formulados em 1947 por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, que utiliza este e não o termo cultura de massa já indicava que, a arte não viria de um apelo da massa, mas que ela seria criada para a massa. Um instrumento do capital que utilizaria este mecanismo para reforçar as condições sociais e de consumo existentes. ... modernização e modernidade dizem também respeito à sociedade de massa, do consumo, do espetáculo e à exaltação do mercado como sucedâneo da busca da felicidade. O que se entende por democracia de massa é, melhor dizendo, a universalização e “democratização” do consumo e dos desejos. A assimilação dos valores de consumo e a aquisição de bens materiais pela sociedade de massa substituem o “querer ser” pelo “querer ter” e é um poderoso redutor do pensamento crítico e se estabelece sob os auspícios da mídia que proscreve o esforço intelectual em nome da “facilidade”. (MATOS, 2003, p.54)
  • 19. 19: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Ao ser assim, essa cultura criada para as massas leva o sujeito a um estado pré- subjetivo no qual impede a arte de criar uma consciência crítica da subjetividade e assim impedir o avanço da uniformidade em curso no mundo administrado. A democracia midiática criou uma sociedade centrada no consumo e no espetáculo. Sociedade da visibilidade total, que cultua uma presentificação do tempo na qual a dignidade e a liberdade do homem se encontram perdidas. Em Crítica cultural e sociedade, Adorno (2001, p. 21) já colocava que: “[...] hoje ‘ideologia’ significa sociedade enquanto aparência”. A ideologia deixa de ser falsa consciência para se tornar propaganda do mundo: “[...] a organização do mundo converteu-se a si mesma imediatamente em sua própria ideologia” (ADORNO, 2006, p. 143). Não há mais ideologia no sentido próprio de falsa consciência, mas somente propaganda a favor do mundo, mediante a sua duplicação e a mentira provocadora, que não pretende ser acreditada, mas que pede o silêncio. (ADORNO, 2001, p. 25). Pois bem, é nas Teorias das Representações Sociais que buscaremos respaldo teórico para tentar compreender essa indústria que foi criada para conformação e controle das massas e se ainda é possível falarmos em experiência estética nos mesmos padrões colocados por Adorno. Em Moscovici, a representação social só existe no compartilhamento de um grupo, o sujeito tem em si um reflexo da realidade externa a qual é usada como zona de conhecimento proximal do objeto para que o mesmo seja internalizado e devolvido ao grupo de maneira resignificada. Assim, a representação não pode ser compreendida como reprodução, mas sim como construção produzida coletivamente e são as organizadoras das relações simbólicas existentes. Neste sentido, as representações sociais parecem indicar um campo privilegiado para compreender a noção de estética do ponto de vista daquilo que Adorno considerou como um lugar de resistência ao avanço da indústria cultural e que agora em quando lugar do senso comum indica (ou pelo menos sugere) não mais se configura como lugar de resistência.
  • 20. 20: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Dentro deste processo de formação das representações sociais encontra-se o da objetivação e o de ancoragem. A objetivação é o processo pelo qual são organizados os elementos que constituem a representação do objeto, fazendo com que o mesmo adquira materialidade e se torne expressão de realidade natural. A objetivação é dividida em: construção seletiva que faz a seleção e a descontextualização do objeto, para que um todo relativamente coerente seja formado, assim apenas uma parte da informação sobre o objeto se torna disponível; esquematização que trata de organizar os elementos e é o principio organizador da informação; naturalização que trás a materialização das relações. O processo de ancoragem é o processo de assimilação do novo através de objetos já presentes no sistema cognitivo do sujeito. Esses objetos novos são as ancoras que permitem construir a representação do novo objeto. Assim, o sujeito não é tabula rasa nos quais os objetos são colocados, ele parte de sua experiência anterior para absorver e transformar novos objetos e assim fazer sua inserção no grupo social. De fato, representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes. A neutralidade é proibida, pela lógica mesma do sistema, onde cada objeto e ser devem possuir um valor positivo ou negativo e assumir um determinado lugar em uma clara escala hierárquica. Quando classificamos uma pessoa entre os neuróticos, os judeus ou os pobres, nós obviamente não estamos apenas colocando um fato, mas avaliando-a e rotulando-a. E neste ato, nós revelamos nossa “teoria” da sociedade e da natureza humana. (MOSCOVICI, 2003, p. 19). Aqui já podemos ver que a distinção de cultura de massa e indústria cultural é pertinente. A cultura de massa pertenceria a um grupo especifico, seria assim como uma identidade enquanto que na indústria cultural seria uma construção maquinal sob o domínio do capital. Esta mesma indústria seria a expansão da lógica capital sobre a cultura, transformando assim a arte em bem material. Não só a arte se encontra neste estado como também o sujeito, já que este se encontra como consumidor passivo de um mercado que busca a administração total da cultura.
  • 21. 21: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Parece-nos que o conhecimento que veio sendo construído acerca do objeto sempre foi um conhecimento que não demonstrava sua verdade, mas sim lhe dava o poder da falsa felicidade, já que o ter passou a ter supremacia sobre o ser. Os meios de comunicação legitimaram todo o processo através de uma propaganda que tem o sujeito como mercadoria que se deixa ser consumido pelos bens materiais. Uma vez que ela [a crítica cultural] retira o espírito da dialética que este mantém com as condições materiais, passa a concebê-lo unívoca e linearmente como um princípio de fatalidade, sonegando assim os momentos de resistência do espírito. (ADORNO, 2001, p. 13). Neste sentido, a representação social da estética, como colocada neste texto suscita indagações que aqui colocamos de forma interrogativa: Afinal, qual a representação social de Estética existente hoje? Essa representação confirma o pensamento adorniano ou a indústria cultural conseguiu subverter esse sentido e transformou o conhecimento em mera mercadoria? Conclusão Enfim, a cultura que veio se constituindo a partir do século XVII, desde a tomada de poder pela burguesia, não expressa seus conteúdos como processo civilizatório, e, portanto de autonomia do indivíduo. Os produtos culturais, em sua grande maioria, atendem a lógica do consumo e afirmam no sujeito a lógica capital. A cultura, assim entendida, tem por objetivo não o indivíduo e a construção de sua autonomia, mas sim a sua objetificação. Neste processo, o indivíduo se recusa a pensar na realidade e a diversão que a arte oferece afirma sua própria condição. A obra de arte que deveria ser o avesso do visível transforma-se em identidade daquilo que não deveria ser. Assim, a ideologia se firma como realidade sob a qual o indivíduo não contesta, mas sim se adere a uniformidade de sua forma. A partir da regressão dos sentidos humanos, realizada pelo processo de produção, Adorno busca na experiência estética a viabilidade de um resgate da percepção dos sentidos, já que, a obra de arte não estabelece uma identificação
  • 22. 22: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO imediata, mas sim uma mediação com a realidade que a produziu. Desta forma, a obra de arte apresenta certa autonomia sobre a realidade e transforma-se em reflexão crítica e negação. O contato com a obra de arte é experiência estética, conhecimento do objeto que expõe a sensibilidade humana. A possibilidade de conhecimento através da experiência estética revela a razão instrumental como prática brutal de sobrevivência. Caso esta possibilidade não se converta em mudança das condições sociais, ao menos a obra de arte, trará em si, a mediação com a realidade histórico- social que a produziu. Desta forma, a experiência estética tem por objetivo levar o indivíduo a autonomia, autonomia que é o conhecimento do objeto através da experiência estética, experiência estética que é o próprio conhecimento. De outra forma, “a vida não vive”. (Kürnberger, 1988, p. 25) Ao buscarmos as Representações Sociais da Estética, tendo por base a teoria do núcleo central de Moscovici e suas decorrências como a teoria do núcleo central de Abric, procuramos compreender esse reverso da obra de arte que, antes vista por Adorno enquanto objeto privilegiado no desvelar da sujeição da subjetividade humana ao caráter inanimado, quantitativo e automático das mercadorias é agora consumida pela multidão como mais um produto do capital. Assim as representações sociais permitem em certo sentido compreender a noção de estética enquanto sentido atribuído a medida que interfere (ou pelo menos deveria) na forma como se vive. Compreender as RS da Estética dá indícios e indicativos de como os sujeitos vêem o mundo a partir da noção daquilo que Adorno apontou como sendo uma última possibilidade possível de resistência ao movimento (quase) instransponível a massificação da indústria cultural. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W. A Indústria Cultural. In: COHN, Gabriel, org. Comunicação e Indústria Cultural. 4ª ed. São Paulo. Nacional. 1978. __________, Educação e emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2000. __________, O fetichismo na música e a regressão da audição. São Paulo. Abril Cultural. 1980.
  • 23. 23: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO __________, Teoria Estética. Lisboa: Edições 70, 1970. __________, Mínima Moralia. Lisboa: Edições 70, 1951. P.7. __________, Prismas: crítica cultural e sociedade. Tradução de Augustin Wernet e Jorge Mattos Brito de Almeida. São Paulo: Ática, 2001. HEGEL. Fenomenologia do Espírito v. I. In: Matos, Olgaria. Os arcanos do inteiramente outro: a Escola de Frankfurt, a melancolia e a revolução. 2ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1995, p. 38. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. 2ª edição. 25ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. JAY, Martin. As idéias de Adorno. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1988. KÜRNBERGER, Ferdinand. In: Jay, Martin. As ideias de Adorno. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1988, p. 25. MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. 2ª edição. São Paulo. Abril Cultural. 1978. MATOS, Olgária C.F. Ética e Comunicação: o problema do visível. In: Inter-Ação: Ver. Fac. Educ. UFG, 28 (1): 51-66, jan./jun. 2003. MERQUIOR, José Guilherme. Arte e Sociedade em Marcuse, Adorno e Benjamin. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1969. MOSCOVICI, S. Por que Estudar Representações Sociais em Psicologia? In: Estudos Goiânia v. 30 n. 1 p. 11 – 30. Jan. 2003. Tradução e revisão de Pedro Humberto Faria Campos e Ana Raquel Rosa Torres. ROSA, João Guimarães. Primeiras Histórias. 39ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988. VERNANT, J.P. O homem grego. Lisboa: Editorial Presença, 1993. In:
  • 24. 24: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Sociedade do Espetáculo, Mídia e Religião: Festa de Trindade e sua Representação Social em Jornais Goianos Amaranta PINHEIRO3 Resumo Este artigo tem como objetivo analisar as Representações Sociais da Festa do Divino Pai Eterno na cidade de Trindade em Goiás. Vários recursos usados em espetáculos são usados para deixar a mensagem religiosa encantadora. Dessa forma, dando uma conotação fantasiosa e lúdica das histórias de peregrinos e devotos da Festa de Trindade. Diversos formatos aparecem durante a data festiva, carregado de representações que são veiculadas na mídia local. Objeto de estudo é a Festa religiosa que periodicamente norteia a exposição massiva nos veículos que fazem a cobertura. A metodologia utilizada é com base teórica, principalmente com a reflexão de Guy Debord, em seu livro La Société Du Spectacle (1967), onde a evidência se dá ao espetáculo que a mídia transmite e Serge Moscovici em sua obra Sobre Representações Sociais. Palavras-chave: Sociedade do Espetáculo; Mídia; Religião; Representações Sociais; Festa de Trindade. INTRODUÇÃO Em tempos atuais, as religiões tiveram que se adaptar com as transformações da vida moderna. Aqueles ritos religiosos e suas festividades permeavam em meio à comunidade local, que muitas vezes homenageavam uma determinada divindade. Divindade que poderia ser um animal como a vaca na Índia, ou madeiras esculpidas vistos em tribos como os Incas. No Brasil, a colonização portuguesa deixou a tradição de festas religiosas para uma determinada santidade, afim que ela protegesse as comunidades que haviam sido criadas e ainda para reforçar o catecismo feito pelos jesuítas. Embora, essa tradição continue até os dias hoje, houve uma mudança na forma de realizar os ritos. O que antes eram apenas uma homenagem ao um determinado santo, hoje se tornou produto. Uma festa religiosa tende a desenvolver diversas ações que envolvem o marketing religioso e como também o turismo da região. 3 Aluna especial do Mestrado em Comunicação, Universidade Federal de Goiás. Graduada em Comunicação Social Habilitada em Publicidade e Propaganda pela Uni-Anhanguera. Email: amaranta20@gmail.com.
  • 25. 25: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Baseado nesses argumentos, a Festa do Divino Pai Eterno em Trindade, trás consigo todas as ferramentas do marketing, transformando o rito no verdadeiro espetáculo pela Fé. Isso com a contribuição da impressa local que incluem em nas coberturas suas Representações Sociais e de forma fantasiosa chama atenção de mais fieis para festividade. Sociedade do Espetáculo Em tempos atuais as mensagens que chegam via mídia sempre tem apelos pra fins de consumo. Aquilo que é real é convertido em imagens que são trabalhadas para fascinar o receptor da mensagem. Isso acontece de forma diária nos meios de comunicação. Debord (1967, p.4), relata que o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens. Em 1960, Debord (1967, p.12), colocava em discurso que o homem não vivia mais a sua realidade de fato, e sim uma representação das imagens impostas pela a mídia. A discussão dita pelo autor é sobre política e não comunicação. Porém, se encaixa naturalmente como fonte de pesquisa ao segmento midiático. Seguindo a referência, o espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível, sendo que a mensagem principal, é que o é bom simplesmente pareça bom. Desde a época de Debord (1967, p.2), até os dias de hoje, existe uma variedade de imagens reproduzidas. Estamos o tempo todo expostos a elas, sendo pela publicidade, pelo cinema, pelos noticiários, periódicos ou telenovelas. As imagens fluem desligadas de cada aspecto da vida e fundem-se num curso comum. No telejornalismo, vemos a espetacularização utilizada pra deixar a realidade mais convincente, isso através de uma produção que enriquece a cada técnica aplicada as imagens transmitidas nas edições. (FEITOZA, 1996, p.13). Vemos que o telejornalismo tem o “poder” de moldar determinados assuntos através de boas estratégias. Assim, o que é transmitido diversas vezes é tratado para depois chegar a sua veiculação final. Aquilo que seria comunicado recebe uma ênfase, e torna um verdadeiro espetáculo na edição. Os meios de comunicação estão a cada dia colaborando com o indivíduo a exercer sua cidadania. Veículos de massa como jornais, exercem uma grande influência
  • 26. 26: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO na sociedade. Temer e Nery dizem, a informação é o envio de mensagens sem obrigatoriedade de retorno. Já a comunicação, necessita da transmissão e por consequência a recepção. (TEMER; NERY, 2009, p.15) Temos a mídia como uma poderosa máquina do espetáculo. Dentro desse contexto verificamos a televisão, como veículo prestigiado na reprodução da variedade de imagens. Obviamente, a televisão é um veículo que tem a imagem com uso de técnica fundamental para concluir a comunicação. Festa do Divino Pai Eterno em Trindade A Religião nos dias atuais tem perdido a finalidade de trazer a objetivação das ciências naturais para o mundo humano. Mas, isso não significa que a religião morreu, pelo contrário. Houve mudanças, e como o Estado teve influências laicas e até ateização, a religião obteve transformações a partir aspectos culturais da modernidade. (SIGNATES, 1999, p.1) A igreja católica acompanhou essa transformação, e também aprimorou sua estratégia. Hoje podemos ver o espetáculo que gira em torno do marketing religioso, e as igrejas passaram de simples construções para incríveis santuários. Na primeira semana de julho, milhares de peregrinos chegam até Trindade. (MATINS, 2001, p.8) São romeiros, vindo de outras cidades que percorrem “o caminho da fé”, ora por conta de uma promessa, pedidos, ora pela devoção a Santíssima Trindade. Famílias mantêm a tradição, percorrem o caminho com carros de bois. As romarias de carros de bois, embora fazendo parte de uma tradição de pais para filhos e terem uma semelhança no estilo e na organização diferenciam-se pela especificidade de cada lugar, cultura, religiosidade e trabalho. (MARTINS, 2001, p.18) Tornou-se um hábito durante a festa e até mesmo antes da semana que se inicia ver devotos andando a pé em direção a cidade religiosa. As pessoas costumam levar barracas para acampar durante o trajeto, e outras pessoas acompanham de carro levando mantimentos como uma espécie de suporte. A Organização das Voluntárias de Goiás, também oferece alimentação em alguns pontos de acesso na rodovia dos romeiros, que fica entre Goiânia e Trindade.
  • 27. 27: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO O movimento da festa religiosa é tão intenso, sendo possível observar a prática do turismo religioso e comercio de barraquinhas que se estende no centro da cidade. Ainda, vários horários de missas e pregações, com a finalidade de receber os peregrinos da fé. A festa se tornou um grande espetáculo, chamando atenção de todo o país. Além dos fieis que através da peregrinação “pagam” pelos seus pedidos, também existe grandes personalidades que embarcam na exposição que a festa trás e participam da caminhada. No quadro de uma pós-modernização da prática religiosa, é possível identificarmos o aprofundamento da natureza performática dessa discursividade, sobretudo pela emergência das práticas carismáticas e pentecostais das igrejas, de certa forma já existentes nos ritos mediúnicos e nas diversas formas de mentalismo, fluidicismo e comportamentalismo das demais tradições. (SIGNATES, 1999, p.13). Representações Sociais Segundo Moscovici (1978), as representações sociais são fenômenos que estão ligados como uma forma especial de adquirir e comunicar conhecimento, uma forma que cria realidades e senso comum. Pessoas se unem para participar de grupos sociais e dividem das mesmas ideias e opiniões. Isso acontece em todos os cenários, e não foge do ambiente de profissionais ligados aos meios de comunicação. Ainda tendo Moscovici (1978) como pensador científico, grupos produzem representações a fim de agir como filtros para informação, que provem do ambiente e a fim moldar cada comportamento individual. É um tipo de manipulação do processo do pensamento e da estrutura da realidade. De acordo com Moscovici (1978), os meios de comunicação de massa, como a impressa, são responsáveis pela necessidade de restabelecer o senso comum ou a forma de compreensão que visa criar imagens e sentidos sem que nenhuma coletividade possa operar. Os jornalistas tendem a inserir a sua representação social de um determinado assunto em sua reportagem. Guy Debord analisa a sociedade contemporânea como uma associação extremamente visual e intrinsecamente ligada ao espetáculo valorizado pela mídia. (DEBORD, 1991).
  • 28. 28: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Antes de ver e ouvir alguém, fazemos julgamento sobre ele, nós o categorizamos e formamos uma imagem mental dele... Tais categorias mentais não são meras abstrações cognitivas... Pela informação que recolhemos e o esforço que fazemos em obtê-la, nós simplesmente prosseguimos confirmando esta imagem. (MOSCOVICI, 1978). Um profissional liberal, por exemplo, tende a relacionar com outro profissional liberal. Uma pessoa católica provavelmente irá acompanhar reportagens ou assuntos que se adéquam com o mesmo tema. Nessa linha de pensamento compartilharão do mesmo conceito de informação, onde ele se identificará com abordagem e linguagem utilizada. Através dessas definições vimos que, esses religiosos vivem em grupos que compartilham das mesmas informações, ideias e conceitos. Dois processos são centrais para esta forma pensamento, em que a memória e as conclusões preestabelecidas predominam. O primeiro processo se volta para a ancoragem das representações, trazendo-as de volta às categorias e imagens diárias, e ligando-as a um ponto de referência reconhecível. O segundo processo se volta para objetificação das representações, isto é, transforma uma abstração em algo quase físico, traduz em algo existente em nossos pensamentos em algo que exista na “natureza”. (MOSCOVICI, 1978). Castells, diz que não é difícil concordar que, do ponto de vista sociológico, toda e qualquer identidade é construída. (CASTELLS, 2000). Assim pesquisa se fundamenta que a construção da identidade se dá pela a matéria-prima fornecida, podendo ser por meio da história, da geografia, da biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela a memória coletiva e por ideais pessoais ou até mesmo pelo o poder. A memória coletiva tem uma forte tendência em reconstruir o passado e pode ser entendida como uma forma de tradição, segundo Mourice Halbwaches, sociólogo da escola durkheimiana. Essas informações são processadas por grupos sociais que reorganizam o seu significado em função de grupo e conceitos familiares em sua estrutura social. (HALBWACHES,1990). O imaginário constrói a identidade. (LEGROS et al., 2007, p. 257). O grupo social tende absorver frutos da memória afetiva social de uma cultura e o substrato ideológico da comunidade. (MORAES, 2002). É através disso que o uso do imaginário pode mexer com aspirações, medos e esperança de um povo. Reorganizando seu
  • 29. 29: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO passado, presente e futuro. O imaginário social é representado por ideologias e utopias, como também símbolos, discursos, rituais e mitos. Representações Sociais da Festa de Trindade em Jornais Goianos Os jornais locais realizam uma imensa cobertura durante a Festa do Divino Pai Eterno em Trindade. Para acompanhar o que é dito pela impressa local, foi feita análise de dois veículos, sendo eles: Jornal Anhanguera 1ª Edição e Jornal Do Meio Dia. Sendo que ambos são telejornais exibido as 12h00min, em emissoras diferentes. A pesquisa foi coleta de reportagens feitas na época da festa, nos anos de 2013 e 2014. As palavras mais mencionadas nas reportagens foram retiradas e contadas quantas vezes foram repetidas. Tudo realizado com embasamento teórico, na obra Moscovici, levando a conclusão de qual é a Representação Social da Festa de Trindade através dos Telejornais mais vistos do Estado. Pesquisa qualitativa, com o método de observação e análise de dados. O Jornal Anhanguera 1º Edição, através da emissora TV Anhanguera, exibiu durante o mês de julho de 2014, algumas reportagens de romeiros durante a caminhada.Entrevistas feitas com fieis e comerciantes. Na coleta do material pesquisado as palavras mais mencionadas foram: fé, amor, caminhada, religiosidade, romeiro, divino, eterno, estrutura, turismo, devoção, tradição, promessa e recebimento. Na reportagem transmitida pelo Jornal do Meio Dia, na TV Serra Dourada, a observação parece seguir a mesma linha de produção e informação já dita pelo o outro Jornal. Baseada na análise feita as palavras mencionadas com repetição e ênfase foram: louvor, graça, sacrifício, santuário, peregrinos, celebração, pai, eterno, missa, novenas, romaria, penitencia, família, orações, multidão, confissão, milagres, fiéis, religião, economia, barracas, tradição e peregrinação. Observamos que no primeiro Jornal mencionado, existe uma grande produção de imagens, uma quantidade maior de entrevistas e além de ter mais reportagens ligadas à representação da festa. O segundo Jornal, tem um tempo menor de reportagem, entrevista com padres, comerciantes e fiéis. Deixando no ar uma produção menor, mas quase as mesmas informações do Jornal Anhanguera.
  • 30. 30: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Em 2013, as reportagens deram ênfase à caminhada feita pelo atual Governador do Estado, Marconi Perillo e do Padre Robson de Oliveira que é membro da Congregação do Santíssimo Redentor e reitor do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, em Trindade/GO, desde dezembro de 2003. A presença ilustre das duas personalidades se deu por conta reinauguração, das obras realizadas pelo Governo do Estado na GO-060, de Goiânia a Trindade, ou como conhecida carinhosamente como Rodovia dos Romeiros. Jornais acompanharam o trajeto e juntamente com entrevistas feitas aos visitantes. Todos os dois jornais analisados mostraram as novidades na rodovia, a estrutura organizada e os benefícios feitos pela obra vinda do Estado. Nesse ano, o contexto tem um teor o político inserido na mensagem, observa-se que as palavras mais ditas nesse foram: passarela, ciclovia, iluminação, ampliação, plantio, segurança, rodovia, moderna, governo, estado, conforto, reforma, festa, divino e eterno. Nos dois telejornais, foram observadas as mesmas palavras, levando à conclusão de prestação de conta do governo e não mais ação da fé como analisado e comparado com o ano de 2014. Considerações Finais Este é um texto seminal que tem por objetivo lançar a base de uma pesquisa teórica. Objetivo é verificar quais representações sociais dos jornalistas feitas a partir da transmissão das reportagens em telejornais locais. Hoje, o conceito de religião foi transformado, assim como a cultura se modernizou. Existem diversas estratégias de marketing que contribui para gerar o espetáculo, e a mídia conhece as técnicas de produção para deixar a mensagem mais encantadora e lúdica para o público. A igreja passou de uma simples construção para grandes santuários, a cobertura da festa realizada pelos telejornais contribuí no aumento de romeiros, e ainda percebemos como a mensagem pode ser moldada para dar uma conotação própria, podendo deixar a tema principal à margem do que está sendo transmitido. Espetacularização da imagem é transformada baseada na Representação Social que o Jornalista tem do que será comunicado. Todos os envolvidos na produção da
  • 31. 31: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO mensagem detêm o poder veicular aquilo que parece ser o mais conveniente, onde todos querem um espaço para mostrar o seu produto e moldar os seus resultados. A esfera religiosa é, pois, absorvida pela a comunicação. Segundo Habermas (1981) citado por Signates (1999, 14), a teologia da ação se revela pela orientação a objetivos que, em principio, elegem “meios” e considera consequências para atingir uma meta de características monológicas. Com vertente dos conceitos da Sociedade do Espetáculo, conseguimos contextualizar a ligação entre mídia e religião. Sem dúvida a Representação Social do Jornalista dos telejornais pesquisados sobre da Festa do Divino Pai Eterno, são simbologias ligadas à fé. Nesse contexto a mensagem recebe uma conotação de espetáculo afim, de contribuir com o marketing religioso que permeia os arredores do tema da festividade religiosa. REFERÊNCIAS CASTELLS, Manuel. Internet e sociedade em rede. In: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma outra comunicação. Rio de Janeiro: Record, 2003. p. 255-287. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Lisboa: Edições Mobilis in Móbile, 1991. HALBWACHS, M. A Memória coletiva.Trad. de Laurent Léon Schaffter. São Paulo:Vértice/Revista dos Tribunais, 1990. LEGROS, Patrick et AL. Sociologia do imaginário. Trad. Eduardo Portanova Barros. Porto Alegre: Sulina, 2007. MARTINS, J. Otávio.Os Peregrinos do Divino Pai Eterno. Os carreiros e a Reprodução Social daTradição.Dissertação do Mestrado em Ciências da Religião; Universidade Católica de Goiás, Goiânia: 2001. MORAES, Denis de. Imaginário social e hegemonia cultural. Especial para Gramsci e o Brasil, Rio de Janeiro: 2014. Disponível em: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=297. Acesso: 26 set 2014. MOSCOVICI, S. Sobre Representações sociais.In: Forgas, J. P. Social cognition. Tradução Shulze, Laccos: UFSC, 1985. NERY, V. C. A.; TEMMER, Ana Carolina.Para entender as Teorias da Comunicação. 2º edição. Editora: Edufu, Uberlândia - MG: 2009.
  • 32. 32: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO SIGNATES, Luiz. A ética do discurso religioso, entre o estratégico e o comunicativo. In: XII Congresso Brasileiro de Pesquisadores da Comunicação - Intercom, 1999, Rio de Janeiro - RJ, 1999.
  • 33. 33: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO O uso do humor como elemento formador de representações na mídia André Almeida Nunes4 Resumo Este artigo que aborda o tema “o uso do humor como elemento formador de representações na mídia” objetivou observar a perspectiva acerca da construção das representações sociais, simbólicas e midiáticas a partir dos meios de comunicação e os efeitos que possivelmente podem resultar a partir do uso do elemento humor, visto que o mesmo está presente em toda a história da humanidade e é tema de interesse desde então, para pensadores da antiguidade ao mundo contemporâneo, em diversas áreas do conhecimento. Para isso, foram utilizados os estudos já realizados e feita também a revisão bibliográfica de Bergson, Bordenave, Carvalho, Covre, Freud McLuhan, Marshall. O objetivo é perceber a importância do humor usado nos diversos meios de comunicação como principal elemento de reforço e disseminação das representações simbólicas da sociedade por meio da mídia. Palavras-chave: Humor. Mídia. Representações. Introdução Podemos observar o quanto nossa sociedade é essencialmente influenciada pela mídia atualmente. A mídia de que falamos, é a soma de todos os meios de comunicação de massa, como rádio, TV, jornal, revista, outdoor, internet, propagandas em geral, etc. Utilizamos os meios de comunicação para suprir uma necessidade inerente ao ser humano, comunicar-se, portanto, não se discute a importância ou a necessidade da mídia na atual sociedade, e é impossível imaginar a vida hoje sem estar envolvido com ela. As tecnologias estão presentes em todas as nossas ações diárias. Tem modificado desde a cultura, a maneira de viver, nossas relações, como também a forma como aprendemos e ensinamos. Os avanços da tecnologia têm colaborado para superar questões de tempo e espaço. A informação e seus processos tornam-se cada vez mais ágeis, inteligentes e eficientes. McLuhan utiliza a expressão “aldeia global”, para se referir à forma que o mundo contemporâneo se formou como resultado das 4 Mestrando em Comunicação pela FIC/UFG e bacharel em Comunicação pela mesma universidade. nunesand@gmail.com
  • 34. 34: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO mudanças provocadas pelos meios eletrônicos. Um lugar onde não há diferenças impostas pela distância física e que foi superada pela rapidez com que os meios levam as informações. Os meios de comunicação de massa transformam-se nas mensagens que são transmitidas e essas modificam o receptor, por essa razão, são os meios como extensões do homem. Como afirma McLuhan (2007), “Hoje, depois de mais um século de tecnologia elétrica, projetamos nosso próprio sistema nervoso central num abraço global, abolindo tempo e espaço(...) Estamos nos aproximando rapidamente da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana, tal como se já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através dos diversos veículos” No entanto, a mídia nos atinge passiva ou ativamente, de forma positiva ou negativa. Ela é parte da realidade em que vivemos, porém ela também ajuda a criar essa realidade. A mídia modela a sociedade através de sua capacidade de produzir, ratificar e disseminar representações, e por meio dela cria a nossa visão de mundo, nossa auto-percepção e a percepção da sociedade como um todo, reproduzindo as ideias de grupos detentores de poder de voz pela mídia. As pessoas que lidam com a mídia conhecem bem o ser humano e sabem que esse tem desejos, ansiedades, sonhos, e por isso agem para estimularem necessidades pessoais. Sabem também que se conseguirem relacionar seus produtos a essas necessidades, conseguirão aumentar os seus consumidores em potencial. Assim, o objetivo deste texto é estudar a relação entre humor e cidadania, e sua influência na construção de representações simbólicas nos meios de comunicação. Conceito de Comunicação Inicialmente, é importante dizer que não há como pensar o ser humano e a sociedade sem pensar em comunicação. A comunicação é parte da sociedade, e esta parte da comunicação. São indissociáveis. A utilização da comunicação se faz presente em toda nossa atual sociedade. Ela é uma necessidade básica do homem para socializar-se. Afirma Bordenave que a comunicação não existe por si mesma, como algo separado da vida da sociedade. Sociedade e comunicação seriam uma coisa só.
  • 35. 35: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Ele diz que a comunicação foi o canal pelo qual os padrões de vida de sua cultura são transmitidos ao homem, por onde se aprenderia a ser membro da sociedade, da família, de um grupo de amigos, da vizinhança, da nação. Assim que se adotaria a sua "cultura", isto é, os modos de pensamento e de ação, suas crenças e valores, seus hábitos e tabus. Segundo ele, isto não ocorre por instrução, pelo menos antes de ir para a escola: ninguém ensinaria a uma pessoa propositadamente como está organizada a sociedade e o que pensa e sente a sua cultura. Isto acontece indiretamente, pela experiência acumulada de numerosos pequenos eventos, insignificantes em si mesmos, através dos quais o homem travaria relações com diversas pessoas e aprenderia naturalmente a orientar seu comportamento para o que fosse conveniente. Tudo isto seria possível graças à comunicação. Não seriam os professores na escola os responsáveis por ensinar cultura ao homem e sim a comunicação diária com pais, irmãos, amigos, na casa, na rua, nas lojas, ônibus, no jogo, no botequim, na igreja, que lhe transmitiriam as qualidades essenciais e a natureza do ser social. (BORDENAVE, 1994). Contrariamente, então, ao que alguns pensam, a comunicação é muito mais que os meios de comunicação social. Estes meios são tão poderosos e importantes na nossa vida atual que às vezes esquecemos que representam apenas uma mínima parte de nossa comunicação total. Bordenave descreve uma lista dos atos de comunicação que um homem qualquer realiza desde que se levanta pela manhã até a hora de deitar-se, no fim de dia. Segundo ele a quantidade de atos de comunicação é inacreditável, desde o "bom-dia" à sua mulher, acompanhado ou não por um beijo, passando pela leitura do jornal, a decodificação de número e cores do ônibus que o leva ao trabalho, o pagamento ao cobrador, a conversa com o companheiro de banco, os cumprimentos aos colegas no escritório, o trabalho com documentos, recibos, relatórios, as reuniões e entrevistas, a visita ao banco e as conversas com seu chefe, os inúmeros telefonemas, o papo durante o almoço, a escolha do prato do menu, a converso com os filhos no jantar, o programinha de televisão, o diálogo amoroso com sua mulher antes de dormir, e o ato final de comunicação num dia cheio dela: " boa- noite".
  • 36. 36: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Desta forma diz o autor que a comunicação se confundiria com a própria vida. Teríamos a consciência de que comunicamos com de que respiramos ou andamos. Porém, somente perceberíamos a sua essencial importância quando, por um acidente ou uma doença, perdêssemos a capacidade de nos comunicar. Diz Bordenave que, pessoas que foram impedidas de se comunicarem durante longos períodos, enlouqueceram ou ficaram perto da loucura. A comunicação é uma necessidade básica da pessoa humana, do homem social. (BORDENAVE, 1994) Construção histórica da Cidadania Atualmente, o conceito de cidadania vem sendo muito utilizado, e de maneiras diversas, acentuando diferentes entendimentos que divergem de acordo com o que está sendo associado. Em razão disso, é de imensa relevância, o entendimento do que é ser cidadão na atualidade, em um mundo regido sob os signos difundidos por meio da comunicação. Maria de Lourde Manzini Covre ensina que “a origem da palavra cidadania é atribuída em princípio à cidade ou pólis grega. A pólis era composta de homens livres, com participação política contínua numa democracia direta, em que o conjunto de suas vidas em coletividade era debatido em função de direitos e deveres. A cidadania está relacionada ao surgimento da vida na cidade, à capacidade de os homens exercerem direitos e deveres de cidadão. Na atuação de cada indivíduo há uma esfera privada (que diz respeito ao particular) e uma esfera pública (que diz respeito a tudo que é comum a todos os cidadãos). Embora fossem escravistas, as sociedades grega e romana promoveram em suas cidades certo exercício de cidadania.” Historicamente José Murilo de Carvalho destaca que (p. 12) que a cidadania se desenvolveu dentro do fenômeno a que chamamos de Estado-nação, datado da Revolução Francesa. A luta pelos direitos era uma luta política nacional. “Isto quer dizer que a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a nação” (p. 12). Segundo Carvalho, a redução do poder do Estado, fruto da aceleração da internacionalização do sistema capitalista e da criação dos blocos econômicos, afeta a natureza dos antigos direitos, sobretudo dos direitos políticos e
  • 37. 37: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO sociais. Por essa razão, “as mudanças recentes têm recolocado em pauta o debate sobre o problema da cidadania, mesmo nos países em que ele parecia estar razoavelmente resolvido” A questão a respeito da cidadania é relevante e recorrente porque não é acessível a todos. A cidadania é um status alcançado somente por aquelas pessoas que são membros integrais de uma comunidade. Assim diz o sociólogo Marshall (1967, p. 76), “todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status”. Sob este prisma, Marshall (1967) estabeleceu que a cidadania se baseia na conquista dos direitos civis, políticos e sociais, ou seja, ....uma parte civil, relativa aos direitos necessários à liberdade individual; uma parte política, referente ao direito de participar no exercício do poder político; e uma parte social, que diz respeito a tudo o que envolva desde o direito a um mínimo bem-estar econômico e segurança até o direito de participar, por completo do que o autor chama de ‘herança social’ (DUARTE, 2009, p.103). Após a descrição histórica de um conceito que possa definir o parâmetro de cidadania que adotamos neste trabalho, cabe buscar investigar a relevância que os meios de comunicação têm na sociedade atual, fazendo parte de uma cultura quase que inteiramente midiatizada e influenciada pela mídia. Trataremos a partir da visão de Juan Bordenave os aspectos que envolvem essa sociedade da era da comunicação e da informação, pensando a importância dos meios midiáticos na vida e possivelmente na construção ou desconstrução da cidadania por meio de representações simbólicas. Mídia, cultura e cidadania Em seus trabalhos, Bordenave (1994) afirma que estudos feitos durante greves de jornais teriam demonstrado a intensidade dos sentimentos de privação e frustração que se desenvolvem quando a leitores habituados lhes falta a leitura diária. Diz o autor que pesquisas junto a telespectadores indicariam que a televisão em geral, e as telenovelas em particular, exerceria uma série de influências sobre eles, algumas "positivas" e outras" negativas".
  • 38. 38: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Segundo Bordenave (1994), destas investigações, bem como da experiência de qualquer um de nós, se depreenderia a idéia de que os meios desempenhariam certas funções importantes na vida das pessoas. Ele afirma que no caso do jornal, além das funções de tipo "racional", como a provisão de informação (notícias, anúncios, etc), o jornal satisfaria necessidades "não racionais", como o fornecimento de contatos sociais e, indiretamente, de prestígio social. A estas funções se agregaria uma de proporcionar "segurança" aos leitores num mundo sempre perturbado, e uma função "ritualista" ou quase compulsiva para as pessoas que lêem o jornal sempre na mesma hora, no mesmo lugar e na mesma seqüência. Outros meios, como o rádio, mostraram desempenhar ainda o papel de "companhia", particularmente para as pessoas solitárias. (BORDENAVE, 1994) O autor segue seu raciocínio dizendo que o rádio e a TV, além de difundirem notícias, diversão e publicidade, cumpririam uma função social de "escape" oferecendo uma compensação relaxante para o crescente "stress" da vida moderna. As revistas populares cumpririam mais ou menos a mesma função, especialmente as que contêm romances e fotonovelas. Bordenave assegura que para muitos leitores e telespectadores, os meios responderiam também a suas aspirações de mobilidade social. Talvez por essa razão, os recortes de revistas que cobrem as paredes dos favelados raramente conteriam cenas de pobreza e opressão e sim de mansões de luxo, pessoas bem vestidas, personagens aparentemente bem-sucedidos, como astros de cinema, cantores e estrelas de futebol. Os criadores de telenovelas, diz o autor, que pareciam ter chegado a conclusão semelhante, daí por que os ambientes em que ocorrem seus melodramas refletem gostos de classe média para cima. O autor percebe em seu trabalho que as telenovelas, seriam formas de comunicação com um complexo papel social. Para alguns indivíduos elas se constituiriam em oportunidades de catarse emocional, isto é, uma ocasião para experimentar surpresas, alegrias, sofrimentos e até para dar vazão a sentimentos agressivos. A identificação dos espectadores com os personagens e suas alegrias e sofrimentos parece produzir uma sensação positiva, já que significa compartilhar os próprios problemas com alguém mais importante. Segundo Bordenave, o sucesso obtido pelos personagens cumpriria a função de compensar e aliviar carências e fracassos dos ouvintes. Assim, uma mulher cuja filha
  • 39. 39: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO abandonou o lar para casar-se com um homem que está ausente todas as noites, assiste novelas que pintam uma vida familiar feliz e uma esposa bem-sucedida. A posição de Bordenave é de que as telenovelas seriam também assistidas como fonte orientação e conselho: "se você assiste a novelas e algo acontece em sua própria vida - afirmam alguns telespectadores - você sabe o que fazer porque já viu algo semelhante na novela." Ele afirma que haveria pessoas que resolveriam fazer regime porque viram um personagem de novela fazendo regime. Outras aceitariam a situação em que se encontram lembrando que, numa certa novela, o personagem fez isto mesmo e se deu bem. (BORDENAVE, 1994). A partir da perspectiva do autor depreende-se que os meios de comunicação tem intensa possibilidade de colaborar na formação cultural, educativa, e na construção de representações simbólicas que podem ajudar a construir a cidadania ou, o que em geral se percebe, a desconstruí-la, especialmente quando se fala em televisão. A televisão é um dos meios que opera na construção do imaginário. (…) A “influência” da TV ou de qualquer outro meio ou instituição – inclusive a escola, o trabalho e a família – vai depender de uma série de fatores, entre elese o contato ou a ausência dele com variadas fontes de informação, o tempo, a qualidade de exposição à programação exibida ou às mensagens transmitidas. (SIQUEIRA, 2006, P. 134) Assim, podemos pensar as inúmeras formas com que isso é feito nas diversas mídias, e um destes elementos que são usados habilmente em praticamente todos os produtos midiáticos no Brasil, muito especialmente na televisão, é o humor, razão pela qual o abordamos a seguir. O humor como elemento de construção de representações O humor e as diversas formas de manifestação do riso sempre foram temas de interesse desde a Antiguidade, com Aristóteles até a estudos de psicanálise elaborados por Freud. O ser humano ri de suas próprias mazelas e das coisas que a ele parecem estranhas. Por essa razão, o humor atravessa os tempos e continua permanece
  • 40. 40: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO vinculado ao próprio ao homem. Em geral, o riso para o ser humano, é provocado por algo que a ele se assemelha. O filósofo francês Henri Bergson, que produziu estudos sobre o riso no século XX, afirma que para compreender o humor é necessário que este seja colocado em seu ambiente, ou seja a sociedade. Desta forma o autor define que Não há comicidade fora daquilo que não é humano. Uma paisagem poderá ser bela, graciosa, sublime, insignificante ou feia; nunca será risível. Rimos de um animal, mas por termos surpreendido nele uma atitude humana ou uma expressão humana. Vários definiram o homem como um animal que sabe rir, pois se algum outro animal ou objeto inanimado consegue fazer rir, é devido a uma semelhança com o homem, à marca que o homem lhe imprime ou ao uso que o homem lhe dá (BERGSON, 2007, p.3) Para Aristóteles, o riso acontece entre duas situações, a de que há um objeto ridículo e a de que há um ser humano. Deste modo, nota-se que o cômico está ligado ao espírito do homem. Assim como Begson, o autor Vladimir Propp (1992) afirma que as coisas e animais só se transformam em objeto de riso caso revelem defeito ou característica humana. O autor sugere que as pessoas de vida econômica mais simples e mais idosas são as que estão menos se preocupam com os cuidados com aparência e outras características da vida contemporânea, e, portanto, as que mais expressam riso. Propp acredita que a geração atual, por ser mais narcisista e individualista, consumidora de itens descartáveis, perdeu a fonte da verdadeira satisfação proveniente da humildade e da criatividade, buscando apenas o prazer individual e associado ao tempo presente. Assim sendo, Freud ratifica esse entendimento quando lembra que Como os chistes e o cômico, o humor tem algo libertador a seu respeito, mas possui também qualquer coisa de grandeza e elevação, que faltam às outras duas maneiras de obter prazer da atividade intelectual. Essa grandeza reside claramente no triunfo do narcisismo, na afirmação vitoriosa da invulnerabilidade do ego ( FREUD, 1927, p.190)
  • 41. 41: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Assim, podemos compreender o humor, conforme a definição dada pelo cartunista e escritor Ziraldo quando ele diz que “(…) o humor é uma forma criativa de descobrir, revelar e analisar criticamente o homem e a vida. De acordo com as características de cada cultura, as pessoas manifestam o humor de formas diferentes. Ele está presente em todos os períodos da humanidade e tem acompanhado as transformações políticas, sociais e de comportamento. As diferentes formas de expressão humorística são também meios de demonstração e de afirmação de identidade cultural e ideológica. O autor Mikhail Bakhtin afirma que o humor passa a ser elemento de grande destaque em oposição às culturas oficiais. Ele age como uma válvula de escape ao estresse do ríspido sistema de códigos morais e sociais, designados a organizar e a fazer funcionar a vida em sociedade”(BAKHTIN, 1987) Para Freud, duas são as maneiras pelas quais o humor pode ser elaborado: a primeira é quando a pessoa adota atitude humorística, tornando a vida do espectador mais prazerosa. A segunda maneira pode ocorrer entre duas pessoas quando uma delas que não está participando do contexto humorístico torna-se alvo da observação humorística, ou seja, torna-se parte das anedotas. O humor costumeiramente faz piada de dificuldades e de diferenças, assim sendo, o ser humano consegue desnudar tudo o que ele observa, transformando o narcisismo e diminuindo o seu sofrimento por meio do humor. Segundo Bergson (2007, p. 04) o escracho começa quando acaba a comoção. Sugere o autor que o a emoção é a maior inimiga do riso, ou seja, para que consigamos achar graça em algo que seja supostamente trágico, devemos nos isolar das emoções. Ele insiste que o cômico somente levará ao riso se não houve envolvimento emocional com o fato. Não quero com isso dizer que não podemos rir de uma pessoa que nos inspire piedade, por exemplo, ou mesmo afeição: é que, então, por alguns instantes, será preciso esquecer essa afeição, calar essa piedade. (BERGSON, 2007, p. 03)
  • 42. 42: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO O autor continua dizendo que o riso depende de identificação, ou seja, ele deve estar atrelado a um grupo, pois não há riso isolado. Ele depende de eco nos pares da sociedade, rimos somente daquilo com o que nosso contexto social identifica como cômico. Nosso riso é sempre riso de um grupo. Ao leitor talvez já tenha ocorrido ouvir , em uma viagem de trem ou à mesa de hospedarias, histórias que deviam ser cômicas para os viajantes que as contavam, pois, os faziam rir com muito gosto. O leitor teria rido como eles se pertencesse à sociedade deles. Mas, não pertencendo, não tinha vontade alguma de rir. (BERGSON, 2007, p.05) Tornando-se, portanto, elemento vinculado ao homem, à sociedade, e ao grupo de pertencimento, nota-se que o humor é fator relevante de construção de representações imagéticas, quando explorado na mídia, em todas os seus meios, reproduzindo desde temas educativos, em especial nos desenhos animados, mas, principalmente, podendo reproduzir estereótipos sociais que disseminam-se e são reforçados ao longo do tempo, graças às mídias. Considerações finais Buscou-se neste texto observar os avanços e desafios da Comunicação na busca pela formação cidadã graças em uma sociedade midiatizada. Pretendeu-se, por meio, deste estudo, começar a formatação das bases para uma análise introduzindo conceitos de comunicação a partir dos estudos de Bordenave, Mcluhan. Descreveu-se um modelo de cidadania fundado em Carvalho e Marshall, que possa orientar os estudos a partir da experiência latino-americana. Objetivou-se observar a perspectiva acerca da construção das representações sociais, simbólicas e midiáticas a partir dos meios de comunicação e os efeitos que possivelmente podem resultar a partir do uso do elemento humor, visto que o mesmo está presente em toda a história da humanidade e é tema de interesse desde então, para pensadores da Antiguidade ao mundo contemporâneo, em diversas áreas do conhecimento. Independentemente de qual seja a função adotada pelos meios de comunicação, entende-se que estes disseminam através do humor, seja na televisão, publicidade, ou outros mídias possíveis, representações e imagens já existentes na
  • 43. 43: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO sociedade. Cabe lembrar que não existe entretenimento que esteja vazio de conteúdo. Considerando que o humor depende da sociedade em que está inserido, do ser humano e do grupo ao qual está contido, entende-se que possivelmente, a mídia ajuda a reforçar estereótipos e preconceitos presentes nas ideologias dos grupos específicos que detém o poder de voz por meio dos meios de comunicação. Deste modo, o uso do humor na mídia é instrumento importante que pode reforçar ou amenizar modelos e representações negativas ou positivas inerentes à sociedade em que estamos inseridos, e, portanto, pode colaborar como deformador, desconstruindo o cidadão, afrontado-o em suas características sociais, culturais ou pode ser utilizado de forma a despertar o interesse por aspectos educacionais e colaborar na construção de sua cidadania. Referências BERGSON, H. O riso : Ensaio sobre a significação da comicidade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BAKHTIN, Mikhail. Acultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rebelais. Tradução de Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1987. CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira. 2002 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. Rio de Janeiro. Jorge Zahar. 2003 COVRE. Maria de Lourdes Manzini. O que é Cidadania?. São Paulo. Brasiliense. 2007 FREUD. S. O futuro de uma ilusão. O mal-estar na civilização e outros trabalhos. O Humor (1927). in E.S.B., vol XXI, Rio de Janeiro, Imago, 1980. _________O chiste e sua relação com o inconsciente (1905) E.S.B., vol XIII, Rio de Janeiro, Imago, 1980 GOMES, Pedro Gilberto. Tópicos de Teoria de Comunicação. São Leopoldo. Unisinos. 2004 MARSHALL, T. H. Cidadania e Classe social. In: __________. Cidadania, Classe Social e Status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. Cap III, p. 57 – 114.
  • 44. 44: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo. Cultrix. 2007 PROPP, Vladimir. Comicidade e riso. São Paulo: Ática. 1992 SIQUEIRA, D. O cientista na animação televisiva: discurso, poder e representações sociais. Em Questão, Brasil, v. 12, n. 1, 2007. Disponivel emhttp://200.144.189.42/ojs/index.php/revistaemquestao/article/view/3713. Acessado em 02 jan. 2015. TEMER, Ana Carolina Rocha Pessoa. As bases sociológicas das teorias da comunicação. In: Comunicação: Veredas / Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, SP: Ed. Unimar, 2005.
  • 45. 45: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO Pode o Louco Falar? Subjetividade, Saúde Mental e Mídia Bruna Vanessa Dantas Ribeiro5 Resumo Este trabalho busca realizar uma teorização acerca das representações sociais da loucura, relacionadas com o espaço de fala apresentado pela mídia. É levantada, primeiramente, uma breve história da loucura no mundo e no Brasil, buscando-se refletir sobre tempo espaço formador da ideia de loucura que hoje se reflete na mídia. As ideias de Michel Foucault são base para conceituar a loucura. São levantados também conceitos de representações sociais por Moscovici, fechando com uma reflexão acerca de como as representações sociais imperantes acerca da subjetividade do indivíduo portador de transtornos mentais influencia em sua imagem midiática e na teoria da ação comunicativa de Habermas. Palavras-chave: Loucura; Mídia; Representações Sociais; Foucault; Habermas. Introdução A proposta principal desse trabalho é realizar uma reflexão teórica que aborda a representação da “loucura” acerca da posição e potencial de comunicação no qual se encontram os portadores de transtornos mentais no Brasil. A partir das representações que a sociedade constrói ou mantém acerca de suas possibilidades de fala, ou não fala, dentro de um contexto histórico social busca-se estabelecer uma relação direta com o posicionamento adotado por veículos de comunicação na cobertura midiática sobre a temática da saúde mental. Pensaremos aqui as representações acerca da subjetividade de um grupo estigmatizado e, em consequência disso, mais do que tratar do potencial comunicacional da loucura, trataremos da representação social que temos desse potencial. O uso dos termos “louco” e “loucura” baseiam-se nas colocações de Porter (1987), que se dedicou a estudar a subjetividade dos pacientes psiquiátricos, realizando uma análise de suas falas agrupando-os no livro Uma História Social da Loucura. O autor argumenta que a designação desses indivíduos como loucos, e o uso do termo loucura, serviria não só como forma de chamar atenção para este rótulo, que é limitado, mas como uma “taquigrafia coletiva” (PORTER, 1987, p.13). A partir disso 5 Mestranda da Faculdade de Informação e Comunicação (FIC) da Universidade Federal de Goiás, linha de pesquisa mídia e cidadania. E-mail: brunaribeirojor@gmail.com
  • 46. 46: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO ‘loucura’ aparece como uma generalização simbólica para um campo que é tão vasto quanto múltiplo em seus temas. O uso dos termos cabe nesse trabalho dessa forma, como uma quase abreviatura da saúde mental em suas questões históricas, ideológicas e sociais. Partindo desse posicionamento, um primeiro passo é entender como chegamos ao ideário sobre saúde mental que encontramos na sociedade moderna. Desse plano geral imbricamos em uma contextualização dentro do cenário brasileiro, que se inicia no modelo de tratamento hospitalocêntrico e desemboca no processo de reforma psiquiátrica, esses levantamentos nos possibilitam entender o lugar social a partir do qual a mídia brasileira se posiciona e coloca as representações sociais que apresenta. As representações sociais nos surgem não como metodologia, mas como estrutura teórica para pensar a problemática e tentar responder, a partir da atuação da mídia brasileira e, de certa forma, levar para outras questões a indagação de Spivak acerca das relações com a subalternidade (2012): pode o louco falar? É interessante e necessário destacar que a pergunta colocada não deve ser entendida em um sentido literal de capacidade comunicativa dos loucos, mas em um sentido onde falar envolve um espaço não só de fala, mas de compreensão. Relacionado com as representações sociais, nesse texto o “poder falar” envolve não só a simples capacidade de emissão de mensagem por esses indivíduos, mas também o espaço social de fala que lhes é majoritariamente oferecido pela mídia e o que o ocupar desse espaço de voz significa para quem os ouve. Loucura: O que é e de Onde Veio? O conceito que temos hoje de saúde mental enquanto um campo construiu-se sobre os alicerces sócio culturais da loucura que, por sua vez, teve sua história edificada sobre as bases das relações de poder estabelecidas entre a razão e a desrazão, que culminaram no papel social da psiquiatria moderna e no local social da loucura nas sociedades modernas. Essas relações, portanto, tem sua origem no estabelecimento do lugar da razão na sociedade ocidental, que se estabelece na Grécia antiga. “A racionalidade tornou-se definitivamente a mais nobre faculdade do homem” (PORTER, 1987, p.19). Com a ascensão da razão, a desrazão passa a ser
  • 47. 47: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO motivo de medo, um problema a ser combatido. Esses conceitos foram absorvidos pela cultura judaico cristã latina, e anexados às questões religiosas, que trouxeram a ideia de loucura relacionada a possessão (PORTER, 1987) . A loucura a passou por longo caminho para chegar até a modernidade sem, contudo, sofrer modificações significativas em seu cerne. A idade Média trouxe a loucura para um local de significação religiosa, ligada ao pecado, ao mesmo tempo seu lugar na arte de Bosch, Brueghel e Dürer é exemplo de como a loucura também habitava o território dos sonhos, adquirindo uma aura onírica, da não realidade grotesca e animalesca, instalada no lúdico, de onde só saiu com o início do renascimento (FOUCAULT, 2008). Com o Renascimento a loucura sai do espaço do lúdico para se colocar em um espaço de interdependência e relatividade com a razão, Foucault (2008) estabelece a ideia de uma relação antagônica, fundamental para ambos os lados, na qual ao mesmo tempo que se recusam, elas são parte formadora da outra.O fim da Idade Média foi palco do desaparecimento da lepra enquanto epidemia, o que gerou o esvaziamento dos leprosários, que com uma nova era do conhecimento ganhariam novos moradores, inicia-se o modelo internatório que, longe de preceitos médicos, envia para os antigos leprosários: loucos, doentes venéreos, homossexuais, devassos, blasfemadores, suicidas e supersticiosos (adivinhos, mágicos e feiticeiros), transformaram-se em uma “massa indiferenciada” de não-seres (FOUCAULT, 2008). A internação era o espaço da anormalidade. Segundo Foucault (2008), entre o aparecimento da internação e a “grande libertação”, realizada pela medicina psiquiátrica em seus primeiros passos, pouco foi mudado, permanecendo até o final do século XVIII circundado de tratamentos carregados de significação fantástica. O autor toma a revolução francesa como marco de mudanças no pensamento da era clássica e, consequentemente, para a instituição de uma nova forma de pensar a loucura possibilitando a instituição da internação médica. O médico Philipe Pinel, por seus trabalhos no Hospital Bicêntre, em 1793, e posteriormente do Salpêtrière, juntamente com William Tuke, em 1792 por seus trabalhos em York na Inglaterra, são apontador por Foucault (2008) como pioneiros de novas formas de enxergar a loucura.
  • 48. 48: REPRESENTAÇÕESSOCIAIS&COMUNICAÇÃO As mudanças desse período instalam o que Foucault (2008) chama de homus medicus, permitindo o estabelecimento de um positivismo médico que abriu as portas para no século XX se realizassem reflexões filosóficas acerca do poder da razão, colocando-o como questão essencial para se pensar o local da loucura. Foucault (2010) estabelece que a loucura é social, já que origina-se a partir de normas de sensibilidade que levam ao isolamento e de repulsa que recusam ou enlaçam. A loucura trata-se necessariamente de uma ausência de obra, que possibilita a história que é vista. A grande obra do mundo é indelevelmente acompanhada de uma ausência de obra, que se renova cada instante, mas que corre inalterada em seu inevitável vazio ao longo da história: e desde antes da história, uma vez que ela já está na decisão primitiva, e ainda depois dela, uma vez que ela triunfará na última palavra pronunciada pela história. (FOUCAULT, 2010, p.156) A existência do Sujeito baseia-se na inexistência do Outro, a ausência de obra, então, não é um acidente social que perdura pela história, mas sim uma necessidade dos discursos detentores do poder e um aprisionamento moral (FOUCAULT, 2008). Porter (1987) compartilha de reflexões similares, o que o leva a também enxergar o espaço da loucura através das relações de poder. O final da Segunda Guerra Mundial proporciona o surgimento de uma nova forma de pensar o ser humano em sua dignidade que culminou na promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e refletiu em uma maior atenção à situação dos manicômios e sanatórios. Amarante (2013) aponta dois grupos de reformas mais um, que ele não considera como tal, mas que carrega grandes mudanças paradigmáticas da psiquiatria no século XX: O primeiro grupo é formado pela Comunidade Terapêutica e Psicoterapia, ambos se dão no período pós guerra tendo surgido na Inglaterra e na França, no segundo grupo encontramos a Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Preventiva tendo surgido no final da década de 1950 e decorrer da década de 1960 oriundas dos Estados Unidos da América e França, o terceiro grupo trata-se do mais importante para este estudo e comporta a Antipsiquiatria originados na Inglaterra no