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A ENTREVISTA DE EMPREGO COMO UMA
               NEGOCIAÇÃO

BASEADA EM COMPETÊNCIAS EMOCIONAIS




      Maria João Sousa Inácio dos Santos
                        Nº 57791




                   Trabalho individual

           da Unidade Curricular de Negociação

        (Mestrado Executivo em Gestão Empresarial)




                     13 de Abril de 2012
A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais




               A ENTREVISTA DE EMPREGO COMO UMA NEGOCIAÇÃO

                     BASEADA EM COMPETÊNCIAS EMOCIONAIS




Quando se fala de negociação em contexto de recrutamento, fala-se sempre da discussão do
pacote remuneratório já na fase final do processo, depois da oferta de trabalho que é apresentada
ao candidato e potencial colaborador. Não seria frutuoso para ambas as partes, candidato e
recrutador, encarar a interacção entre os dois como uma negociação desde a primeira entrevista
de selecção?

Mas não uma negociação entre duas partes claramente desiguais, onde o recrutador,
representante da empresa (seja ele ainda o técnico de recursos humanos, seja já o director do
departamento a contratar ou da própria empresa), tem todo o poder e domina a relação, podendo
o candidato apenas submeter-se e ceder na esperança de que o resultado seja uma oferta de
emprego. Porque se não deixa de ser verdade que apenas uma parte, o recrutador, tem poder para
decidir se oferece ou não a posição, hoje, mais do que nunca, com a reconhecida importância dos
recursos humanos no sucesso da empresa, os custos de recrutamento e formação, o aumento da
consciência social e da preocupação com a imagem das empresas, é essencial estabelecer uma
relação de colaboração onde se procure a satisfação mútua. E, numa sociedade crescentemente
relacional, nunca sabemos quando e como se irão encontrar novamente.

Muitas vezes, só no final da entrevista, e às vezes, só no final do processo de recrutamento, é que
se sabe se a relação com o candidato vai perdurar ou não. Caso o candidato seja a pessoa certa, é
fundamental cultivar a relação desde o primeiro momento e evitar que os futuros desempenho e
retenção do talento identificado sejam prejudicados por erros negociais iniciais, que resultem,
por exemplo, em expectativas defraudadas ou sentimentos de injustiça.




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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


Caso o candidato não seja a pessoa seleccionada, não deixa de ser mensageiro dos valores da
empresa postos em prática ou observados durante o processo de recrutamento, tendo o poder de
contribuir, ou não, para manter a sua reputação, para atrair potenciais candidatos mais adequados
ou até, em última instância, clientes dos produtos ou serviços da empresa.

E claro, o candidato não deixa de ter a última palavra na negociação, se aceita ou não a proposta
que lhe é feita. Em tempos de crise, com uma oferta de candidatos muito superior à procura,
pode haver tendência para desvalorizar ainda mais o poder que isto lhe confere. Mas não se pode
esquecer que, sendo a procura mais reduzida, torna-se ainda mais crucial que a selecção final
recaia sobre os melhores. E esses são inevitavelmente disputados por vários empregadores,
podendo, realmente, dar-se ao luxo de escolher e dizer não a uma oferta que resulte de uma
negociação mal conduzida.

Para garantir que a entrevista é bem conduzida, resultando na maximização dos resultados para
ambas as partes, propõe-se então recorrer de capacidades e competências pessoais como
abordadas pelos estudos da inteligência emocional. Estas permitirão a preparação cuidada e um
desenrolar mais eficaz da negociação, através do conhecimento do próprio e do outro e da acção
destes sobre o processo negocial.

A ENTREVISTA DE SELECÇÃO COMO UMA NEGOCIAÇÃO

No processo de recrutamento, a entrevista de selecção não é, de facto, uma negociação óbvia.
Não há um conflito puro de interesses, uma tensão entre um candidato que pretende assumir a
função em aberto e um recrutador que não lha quer dar. Pelo contrário, o recrutador tem uma
vaga para preencher e necessita de o fazer, geralmente e por uma questão de eficiência, da
melhor forma no mais curto espaço de tempo.

Mas se abordarmos a negociação na sua definição mais abrangente, como “uma comunicação
recíproca para chegar a acordo quando uns interesses são partilhados e outros não” (Fisher et al.,
2010: 11) ou, como refere Thompson (citado por João Matos, 2011), “um processo de tomada de
decisão em conjunto com outras pessoas que é indispensável sempre que não conseguimos
atingir os nossos objectivos por nós próprios”, numa entrevista de emprego, ambos pretendem
preencher a posição em aberto, sendo que o recrutador procura o melhor futuro empregado e
depende do(s) candidato(s), que pretende(m) o melhor emprego. O candidato vai procurar

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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


“vender” os seus serviços como a solução adequada, de modo a obter o que quer, o emprego,
enquanto o recrutador vai procurar obter o melhor recurso, ao mesmo tempo que “vende” a
função, pois só assim garante que atrai (e futuramente retem) o melhor. Não muito diferente,
afinal, dos vários fornecedores que abordam um cliente com uma proposta de produto ou serviço
que pretendem que seja melhor que a dos concorrentes, negociando assim a sua entrada numa
relação comercial.

Considerando os denominadores comuns transversais a qualquer negociação enumerados por
Carvalho (2008), temos então duas partes interdependentes, mas com valores, poderes e
expectativas diferentes, que esperam poder influenciar-se mutuamente (neste caso, a única
alternativa para a resolução do problema), e dispostos a dar algo em troca de um benefício igual
ou maior (troca que envolve tangíveis – trabalho, salário - e intangíveis – reconhecimento,
realização, prestígio).

Abordar a entrevista como um processo negocial permite a ambas as partes encará-la como uma
relação em construção, onde cada uma entra voluntariamente num face-a-face directo com a
intenção de obter determinadas vantagens, que podem ser ajustadas no decorrer da comunicação,
para concretizar determinados objectivos. O recrutador pode prescindir, por exemplo, de alguma
característica do candidato idealizado ou condição de recrutamento a favor de uma competência
excepcional e essencial. O candidato pode, por seu turno, valorizar as tarefas em detrimento do
nível de responsabilidade ou salário. O ganho de um não é, obrigatoriamente, a perda do outro,
pois aspectos diferentes são valorizados de forma diferente pelas duas partes, devendo evitar-se o
mito da divisão de uma “tarte” que é fixa.

Para conseguir este nível processual, é importante, numa fase inicial, explorar os elementos do
quadro negocial da entrevista, segundo a leitura de Carvalho (2008).

O objecto negocial não é simples de definir. É crucial que ambas as partes tenham em mente o
serviço procurado e o passível de ser disponibilizado, avaliados constantemente, de ambas as
perspectivas e com elasticidade suficiente para se adaptar aos interesses do outro (mas limitado
pelos níveis mínimos e máximos aceitáveis pelos negociadores).

A zona de possível acordo encontra-se entre os requisitos mínimos para a função e as
competências máximas oferecidas pelo melhor candidato. As apostas negociais no que é

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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


oferecido e pedido em troca, e na sua relevância para ambas as partes, exigem uma preparação
prévia de forma a diminuir o risco de passar ao lado de uma oportunidade. O candidato precisa
de se focar e realçar o que sabe ou pensa ser procurado, preparando-se previamente e
continuando a descobri-lo ao longo da entrevista. Isto permite-lhe apostar no que é importante e
encaixar o seu perfil como a melhor solução, sabendo também até que ponto pode ir em termos
de compensação. O recrutador deve avaliar o que tem em cima (e do outro lado) da mesa para
conseguir o máximo com o que pode disponibilizar. E, nesta situação, os aspectos intangíveis
são tão ou mais importantes que os tangíveis, pois não se trata apenas de um par de mãos em
troca de um salário.

O contexto é um dos elementos que geralmente confere alguma vantagem ao recrutador, pelo
conhecimento antecipado e aprofundado das instalações, da função, de toda a envolvente física e
situacional. O candidato pode mitigar esta condição informando-se, previamente e na medida do
possível, sobre a empresa, a função e mesmo o mercado de trabalho em que se insere, e o seu
impacto na negociação.

Este equilíbrio de poder, que poderá (ou não) ser reforçado ao longo da entrevista é talvez um
dos mais importantes aspectos ao considerá-la como uma negociação. A vantagem adiantada ao
recrutador pela maior informação e, acima de tudo, pela possível variedade de alternativas
disponíveis pode ser equilibrada se o candidato souber, por exemplo, que está numa área com
déficit de profissionais especializados, se se aperceber que é condição preferencial uma
experiência ou competência onde é excepcional, se tiver a confiança de ser, de facto, a melhor
solução e/ou se usar de uma ascendência persuasiva. Ou seja, o poder negocial do recrutador não
é fatal, estático ou incontornável. Em última instância, o sucesso do recrutador depende do
candidato e o comportamento e a relação entre estes actores é determinante para o balançar das
forças e o desenlace final.

Devido a esta natureza complexa das questões em causa no recrutamento e à potencial
necessidade dos recursos de ambas as partes, que torna impossível uma solução unilateral,
impõe-se uma modalidade de negociação colaborativa, que procura “maximizar os resultados
próprios sem detrimento dos resultados dos parceiros” (Carvalho, 2008: 34).




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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


A selecção de um futuro colaborador reveste-se de demasiada importância para que o recrutador,
que dispõe de algum tempo para o processo, opte por uma postura de dominação, correndo o
perigo de deixar escapar o valor acrescentado pela competência de pelo menos alguns dos
candidatos. Assumir uma posição de força, com excesso de confiança e onde se toma o outro
como garantido, em que se tenta intimidar para testar e apanhar em falta, poderá não ser,
geralmente, o caminho para que o candidato saia com o sentimento de “Foi um prazer”
procurado numa negociação como a que se defende para a situação de recrutamento - uma
negociação que pretende ir para além das posições óbvias e explorar as competências e interesses
que vão de encontro e se possam articular em benefício da empresa. O entrevistador pode,
cooperativamente, “influence the content of candidates’ answers and, for instance by asking a
new question, prompt them to change topics or, on the contrary, by reformulating the candidates’
answers, prompt them to volunteer new information” (Lipovsky, 2006: 1172), obtendo assim
melhores resultados.

O candidato, por sua vez, deve estar ciente do seu valor e não assumir uma posição
desconfortável de cedência, apesar de se poder sentir como o actor mais fraco. Procurar
“encaixar” à força no perfil procurado e dar a resposta “certa” estudada de antemão implica
riscos reais de derrapagem por falta de sinceridade ou espontaneidade ou, eventualmente, no
caso de ser integrado na empresa, ficar insatisfeito, com os inerentes inconvenientes para o
próprio e para a empresa. É mais proveitoso para ambas as partes, conhecer o que se procura e
ver como as suas competências podem ser aproveitadas.

Portanto, “o sucesso de uma negociação prende-se com a possibilidade de obter um resultado
satisfatório para todas as partes – leia-se win-win” (Carvalho, 2008: 44). No caso do processo de
selecção, para cada resultado win-win, haverá vários não concretizados, mas mesmo nesses,
como já foi referido, é essencial não esquecer a importância de cultivar a relação durante o
processo negocial da entrevista, pois como já foi referido, esta tem impacto na imagem e vendas
da empresa, e na atracção de outros candidatos, para além de que um candidato preterido poderá
vir a ser a escolha ideal num outro processo futuro.

Este cultivar da relação e potenciar de resultados na entrevista de selecção implica, assim, uma
abordagem à negociação não do ponto de vista tradicional com posições negociais bem definidas


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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


à partida, mas segundo o método de princípios desenvolvido pelo Projecto Negocial de Harvard
(Fisher et al., 2010).

Uma entrevista baseada em critérios objectivos, cujo resultado é facilmente compreendido
mesmo pelos candidatos não seleccionados, centrada nos interesses nem sempre claramente
explícitos da empresa e do entrevistado, mas onde cada uma das partes é flexível e tenta criar
múltiplas opções para “conquistar” a outra parte e assim o seu objectivo próprio, é uma
entrevista que salvaguarda a relação.

Mas estas objectividade, flexibilidade e exploração dos interesses só são alcançáveis através do
reconhecimento do papel da emoção na negociação e, por isso, esta deverá recorrer-se das
aptidões fundamentais da inteligência emocional, como descritas por Goleman (1999).

A    IMPORTÂNCIA           DA      INTELIGÊNCIA           EMOCIONAL         NO     CONTEXTO
EMPRESARIAL ACTUAL

Já se tornou lugar comum afirmar que o mundo e, mais concretamente, as organizações estão
actualmente em permanente transformação e a única constante é a mudança. Deverá acrescentar-
se a esta a inevitabilidade da relação e da interdependência.

Os desenvolvimentos tecnológicos, que alteraram os métodos de trabalho e automatizaram
muitas tarefas rotineiras, a globalização, com a deslocalização de funções e impactos alargados, e
a orientação para o mercado, com clientes informados e pressão de accionistas, mudaram a
organização do trabalho e alteram continuamente as exigências a nível de eficiência e
competências dos indivíduos e das empresas.

Todas estas alterações exigem organizações e colaboradores com uma flexibilidade que permita
a adaptação com sucesso. A complexidade do conhecimento obriga à sua distribuição entre
várias pessoas e à necessidade de trabalhar com equipas. A lógica económica do valor
acrescentado e pelo qual o mercado está disposto a pagar impõe a orientação para o cliente como
factor crítico para os resultados. A generalização da educação e da formação torna as
habilitações literárias e competências técnicas um dado adquirido em qualquer trabalhador.

Por outro lado, os avanços científicos permitem já estudar fisiologicamente a actividade cerebral,
motor do trabalho nas organizações, e em conjunto com os estudos empíricos, concretizar

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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


objectivamente e introduzir na gestão a popular dicotomia cabeça e coração, o tema da razão e da
emoção, subjacente a toda a acção humana. Pois, como afirma Goleman (2001), “num sentido
muito real, temos duas mentes, uma que pensa e outra que sente”. Mas “a noção de que existe
pensamento puro, racionalidade desprovida de sentimentos, é uma ficção, uma ilusão baseada na
desatenção aos humores subtis que nos persenguem ao longo do dia. Temos sensações acerca de
tudo o que fazemos, pensamos, imaginamos, recordamos. O pensamento e o sentimento estão
inextricavelmente entrelaçados.” (Goleman, 1999: 60).

E é na articulação entre estes que podemos encontrar as novas competências exigidas pelos
tempos modernos. Porque é a “capacidade de reconhecer os nossos sentimentos e os dos outros,
de nos motivarmos e de gerirmos bem as emoções em nós e nas nossas relações” (Goleman,
1999: 323) que nos permite responder eficazmente às mudanças em contexto de grupo, onde a
lógica causa-efeito do pensamento racional nem sempre se aplica.

Essa capacidade, a que Goleman chamou de inteligência emocional, no culminar de diversas
abordagens de outros investigadores que decompuseram a inteligência em variados aspectos para
além do então vulgar Quoficiente de Inteligência matemática e verbal, explica, segundo ele, os
desempenhos de excelência nas mais variadas organizações (Goleman, 1999).

Portanto, durante uma entrevista de selecção, o recrutador actual tem de estar preparado para
procurar e identificar competências emocionais nos candidatos, que não podem dar-se ao luxo de
confiar apenas nas suas competências técnicas e habilitações.

INTELIGÊNCIA EMOCIONAL COMO VANTAGEM DISTINTIVA NO SUCESSO DE
UMA ENTREVISTA DE SELECÇÃO

Mas se tanto o recrutador como o candidato não podem perder de vista a inteligência emocional
como cojunto de competências essenciais no desempenho da futura função, seja qual for a tarefa
ou o nível de responsabilidade, não é menos verdade que estas competências são necessárias
logo no momento negocial da entrevista, tanto para um lado como para o outro.

O sucesso de uma negociação, especialmente numa estratégia integrativa, onde se pretende
maximizar o valor para ambas as partes, depende muito da sua preparação. Passando esta por
uma avaliação de si mesmo, da outra parte e da situação, são essenciais as competências


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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


emocionais do conhecimento próprio e dos outros, acrescentando-se na concretização da
negociação, a gestão própria e dos outros, como descritas e revistas por Goleman (1999,2000).

Sendo as emoções “essencialmente, impulsos para agir, planos de instância para enfrentar a vida
que a evolução instilou em nós” (Goleman, 2001: 28), e estando comprovada a ligação inevitável
entre o cérebro emocional e o racional, a forma como nos preparamos e comportamos numa
negociação, ou mais concretamente, numa entrevista de emprego deve ser abordada do ponto de
vista emocional.

“A aptidão emocional é uma meta-habilidade que determina o modo melhor ou pior como
seremos capazes de usar outras capacidades que possamos ter, incluindo o intelecto puro.”
(Goleman, 2001: 56). Recorrendo à inteligência emocional treinada, o recrutador consegue lidar
e extrair o melhor de qualquer candidato, conquistando a pessoa certa num desenlace frutuoso do
seu trabalho, enquanto o candidato consegue lidar e apresentar-se no seu melhor em qualquer
tipo de entrevista, seja ela estruturada, informal, sob pressão ou em painel.

Mas quais são então essas aptidões fundamentais que nos peparam para tudo? Goleman (1999,
2000) cruza capacidades pessoais e sociais com conhecimento e gestão para chegar a vinte
(originalmente vinte e cinco) competências, que acrescentam valor na empresa, identificadas nos
desempenhos de excelência. São características pessoais ou conjuntos de hábitos, que podem e
devem ser aprendidos e treinados, que muitas vezes funcionam em conjunto, estando algumas
dependentes de outras, e que têm contribuições únicas em qualquer tipo de função.

Preparar uma entrevista como uma negociação com base em competências emocionais, começa
por um exercício de conhecimento próprio (“autoconsciência”).

Reconhecer os nossos sentimentos como fonte de informação que explica os seus efeitos
(“autoconsciência emocional”), fazer uma apreciação objectiva dos que são forças e dos que são
fraquezas (“auto-avaliação exacta”) e acreditar convicta, mas realisticamente, nas nossas
capacidades (“autoconfiança”) deverão ser os primeiros passos do processo negocial e antes
duma entrevista de emprego. Saber que é influenciado por emoções, que emoções são e que as
pode usar, transforma a abordagem tanto do recrutador como do candidato.




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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


Quem entrevista reconhece que “o inconsciente cognitivo apresenta à nossa percepção não só a
identidade daquilo que vemos, mas ainda uma opinião a seu respeito” (Goleman, 2001: 41). E
assim está preparado para avaliar mais objectivamente o candidato.

Para quem é entrevistado, a necessidade deste auto-conhecimento ainda é mais gritante. Só tendo
consciência aprofundada das suas capacidades e limites em contexto de trabalho e de entrevista
estará preparado para as defender como parte do objecto negocial e geri-las em seu proveito. E
também assim evitar o erro relacional, neste caso aplicado a si próprio e quando a negociação
não é bem sucedida, “Se apenas (tivesse dito ou agido de determinada forma)” , e focar-se no
futuro.

Porque conhecer é importante, mas não chega. É imprescindível gerir as nossas emoções (“auto-
regulação”) e as dos outros em função do objectivo estabelecido. E gerir não significa reprimir,
mas antes dominar e utilizá-las. “As emoções não são apenas contidas e controladas; são
positivadas, energizadas e alinhadas com a tarefa entre mãos” (Goleman, 2001: 112).

Para muitos candidatos, uma situação de entrevista é uma situação de stress, em que o cérebro,
programado por uma herança biológica agora desadequada, mobiliza recursos para outras áreas
que mantém os sentidos alerta, retirando-los das que permitem o pensamento complexo e
criativo. “Quando os circuitos límbicos que convergem no córtex pré-frontal estão sob o domínio
de uma aflição emocional, um dos custos reflecte-se na eficácia da memória de trabalho”
(Goleman, 2001: 100), ou seja, na capacidade de conservar e utilizar todas as informações
pertinentes para convencer o recrutador que é “a” solução.

Se, por outro lado, tendo a consciência desta reacção, o candidato introduzir de imediato o
código do alarme para o desactivar (usando a analogia de Goleman), deixa espaço para a resposta
racional mais lenta, mas mais cuidadosa (“autodomínio”).

Estudos mencionados e realizados por Sieverding (2009), abarcando conteúdo verbal e não
verbal, apontam no sentido de que candidatos que demonstram ansiedade durante a entrevista
têm menos probabilidade de passar à fase seguinte, enquanto que os que a conseguem controlar
(apesar de a sentirem) não prejudicam o seu estilo de apresentação pessoal e são avaliados como
mais competentes.



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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


Este controlo traduz-se ainda na capacidade de transformar as emoções em pressões que
motivam para a acção, de antecipar as oportunidades e agir antes de ser obrigado (“iniciativa”),
com a flexibilidade necessária para se adaptar às mudanças (“adaptabilidade”), de procurar
informação, novas ideias e opiniões para se aperfeiçoar e atingir a excelência, persistindo com o
optimismo de que cada fracasso é uma lição com que aprender (orientação para resultados /
“vontade de vencer”).

Assim, os candidatos “que têm uma boa capacidade de dominar as emoções (...) podem usar a
ansiedade antecipatória (...) para se motivarem no sentido de se prepararem melhor, obtendo
consequentemente melhores resultados.” (Goleman, 2001: 105). Podem mais facilmente abordar
a entrevista de forma flexível, prontos para identificar necessidades que lhes dêem a
oportunidade de brilhar.

Como afirma Lipovsky (2006: 1156), “candidates who successfully negotiate their expertise then
volunteer sufficient information, give information that is both explicit and relevant, and use
appropriate technical terms.”

E quando não há encaixe, não são as entrevistas de emprego um campo privilegiado para treinar
a resiliência e a capacidade de responder aos insucessos como um contratempo sob a esfera
pessoal de acção que pode, por isso, ser remediado (definindo um plano de acção ou procurando
conselhos)?

O recrutador, por sua vez, para além de poder aplicar estes mecanismos, pois também ele pode
necessitar de gerir a ansiedade, antecipar e adaptar-se a diferentes situações e pessoas, ou
aprender com séries de entrevistas sem resultados, deve ainda fazer a gestão das primeiras
impressões. Os estudos citados por Goleman (1999) provam que as pessoas sentem
intuitivamente, nos primeiros trinta segundos, a impressão que terão da outra, como uma resposta
automática aos elementos mais vívidos que o cérebro aprendeu a rápida e mais ou menos
eficazmente identificar, por uma questão de sobrevivência ancestral. Mas essa impressão baseia-
se numa lógica associativa do pensamento emocional, que transfere para o presente elementos
descontextualizados de experiências passadas, e que pode ou não ser válida. Portanto, as
primeiras impressões não devem ser ignoradas, mas validadas, até para garantir que não se cai no
erro de adoptar posturas desiguais perante os candidatos.


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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


Tal como deverão ser validados todos os sentimentos posteriores, porque candidatos empenhados
“use several assertive IM [Impression Management] tactitcs to influence the interviewer’s
perception of them and to present a positive image” (Stevens & Kristof citados por Sieverding,
2009: 391). Mesmo para não deixar passar, no extremo, os “camaleões sociais” (Goleman, 2001:
140), que em recrutamento serão aqueles que se ajustam e parecem ser tudo aquilo que o
recrutador quer que sejam, os também chamados profissionais de entrevistas.

Finalmente, cabe também a ambas as partes assumir uma postura de integridade, de acordo com
as regras (“ser consciencioso”), mas sem asfixiar a criatividade ou o espiríto crítico, e que gere
credibilidade (“inspirar confiança”). A dinâmica de compra/venda numa negociação implica um
acreditar no produto; o recutador só “comprará” os serviços dum candidato que se mostre digno
de confiança e cumpridor do que lhe será pedido (mesmo que a regra seja o quebrar das regras,
numa função mais criativa, por exemplo). O potencial empregado não entrará numa relação de
trabalho (ou em situação desesperada, não entrará motivado) numa empresa que não lhe ofereça
a confiança de que irá cumprir as expectativas criadas. E não poderá cumprir, se os objectivos e
as expectativas por parte da empresa não forem claramente especificados, e se se cair no erro de
não dizer o que realmente se pretende.

Do ponto de vista das competências sociais, e implicando a entrevista de emprego uma
interacção, o conhecimento (“consciência social”) e gestão do outro (“a arte do relacionamento”)
deverão ser omnipresentes, para evitar o erro das condições da outra parte ignoradas.

“Os mortais não conseguem guardar segredos. Se os seus lábios permanecem em silêncio,
tagarelam com as pontas dos dedos; a traição força o caminho por todos os poros” (Freud, citado
por Goleman, 1999: 142). Isto porque, “tal como o modo de expressão da mente racional são as
palavras, o modo de expressão das emoções é não verbal” (Goleman, 2001: 118). Mas “estas
mensagens (...) são quase sempre captadas inconscientemente” (Goleman, 2001: 119).

O conhecimento do outro passa pela capacidade de tomar consciência destes sentimentos através
da leitura dos sinais não verbais, que constituem afinal a grande maioria da comunicação
interpessoal (Carvalho, 2012), compreendendo quais são os “segredos” subjacentes (“empatia”).
De forma a maximizar o seu sucesso, tanto recrutador como candidato devem desenvolver esta
habilidade para ler o outro (e que é impossível sem a abertura para se lerem a si próprios), como


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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


fonte de informação crucial sobre o objecto negocial e para definir as apostas de ambas as partes.
O que tem realmente o candidato para oferecer que não quer ou não está a conseguir mostrar?
Quais as opções que tem disponíveis? O que precisa realmente a empresa para o desempenho da
função oferecida? Qual a receptividade do recrutador/candidato em relação à oferta em jogo?...

Este reconhecimento dos sentimentos, das necessidades e expectativas do outro, que podem ser
diferentes do próprio se no lugar daquele, permite antecipar o desenrolar da entrevista e ajustá-lo
de forma a ir de encontro ao que o outro procura (“orientação para o serviço”). O recrutador quer
apresentar um emprego irrecusável e o candidato um conjunto de características pessoais e
profissionais imprescindíveis, que o primeiro não deve tentar boicotar

Para fazer uma correcta leitura do outro, é também necessário conhecer o contexto e a rede de
influências em jogo (“consciência organizacional”), de forma a ter a destreza de equilibrar
interesses contraditórios, sejam eles, por exemplo, o melhor candidato pelo menor preço ou vida
pessoal e profissional.

Habilitado com o conhecimento do outro e de si mesmo e com o domínio do eu, o negociador
está assim preparado para gerir a relação. Para atingir os seus objectivos, esta não deve ser
deixada ao acaso, pois “as emoções são contagiosas” (Goleman, 2001:135) e “quando duas
pessoas iniciam uma conversa, entram de imediato numa dança subtil de harmonia rítmica”
(Goleman, 1999: 144). O negociador, reconhecendo esta influência, deve agir sobre as emoções,
suas e do outro, de forma a conduzir a dança em seu proveito.

Para gerir o outro, recorrerá assim a competências que lhe possibilitem a escuta activa e o envio
de mensagens convincentes (“comunicação”), tácticas de persuasão (“influência”), a
assertividade que inspira e guia (“liderança”), a antecipação e resolução de desacordos, ou neste
caso, de divergência de interesses (“gestão de conflitos”), alimentar a relação através de questões
partilhadas (“criar laços”) e permitam, desde o primeiro momento, trabalhar em conjunto para
um objectivo comum (“colaboração”). Tudo isto pode permitir-lhe induzir respostas favoráveis.

O candidato deve ter em mente que “the manner in which you respond to questions is far more
important than the content of your reply” (Paul Stevens citado por Lipovsky, 2006: 1148). Por
exemplo, segundo Lipovsky (2006: 1172), o modo como apresenta a informação em termos de
escolhas lexico-gramaticais contribui para formar uma impressão mais ou menos positiva. “O

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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais


negociador que apresenta a informação com vivacidade e de modo mais colorido (...) tem muito
maior impacto nas decisões da outra parte do que o negociador que apresenta a mesma
informação de forma absolutamente enfadonha e fastidiosa” (Carvalho, 2010: 110). As diversas
maneiras como a mesma experiência pode ser descrita passam imagens diferentes da
competência e do interesse do candidato. A facilidade de comunicação, a segurança e a
proactividade com que se apresenta colocam-no em condições vantajosas.

Ou como exemplifica ainda Lipovsky (2006: 1173), falar ou comportar-se como um insider, usar
linguagem técnica e demonstrar valores partilhados são formas que os candidatos encontram para
tentar cultivar a conexão com o entrevistador.

Do lado do recrutador, deverá haver a mesma preocupação em apresentar a sua proposta (função,
empresa e, eventualmente, condições), ao mesmo tempo que deverá ter atenção para destrinçar as
verdadeiras competências das tácticas negociais menos fundamentadas.

RESUMINDO...

“Todos nós fazemos parte da caixa de ferramentas emocional dos outros, para o melhor ou para
o pior; estamos continuamente a afinar os estados emocionais dos outros, tal como os outros os
nossos” (Goleman, 1999: 175). E na entrevista, como em qualquer outra negociação, usar as
competências emocionais para o melhor, e não arriscar que a ausência de gestão conduza ao pior,
será sempre a escolha certa.

Como defende Goleman, competências emocionais não são necessariamente inatas, possuimos
mais umas que outras, mas podem ser aprendidas e treinadas. Aplicadas na negociação,
permitem identificar os issues explícitos e subjacentes, e trabalhá-los em conjunto para tentar
chegar a um resultado que satisfaça ambas as partes.

No caso específico da entrevista de emprego, permitem ao recrutador reconhecer e aproveitar a
sua subjectividade na avaliação objectiva dos candidatos e extrair destes o seu melhor para
garantir que encontra a solução adequada para a empresa. E permitem ao candidato preparar-se e
apresentar de forma completa e eficaz tudo o que pode oferecer de relevância para o empregador,
com a garantia de que, se for o seleccionado, entrará com o pé direito na organização e, se não
for, retirará as respectivas lições (incluindo, talvez, que não seria o emprego certo).


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A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




Carvalho, José Crespo de (2008), Negociação. Lisboa, Portugal: Sílabo.
Carvalho, José Crespo de (2012), Acetatos das Aulas, Negociação. INDEG/ISCTE.
Carvalho, José Crespo de (2010), Negociação para (In)Competentes Relacionais. Lisboa,
Portugal: Sílabo.

Fisher, Roger, William Ury & Bruce Patton (2010), Como Conduzir uma Negociação: Chegar a
Acordo sem Ceder. Alfragide, Portugal: Lua de Papel.

Goleman, Daniel (2001), Inteligência Emocional. Lisboa, Portugal: Temas & Debates.
Goleman, Daniel (2000), An EI-Based Theory of Performance do livro The Emotionally
Intelligent Workplace: How to Select for, Measure and Improve Emotional Intelligence in
Individuals,   Groups     and     Organizations.    San    Francisco, CA: Jossey-Bass,
http://www.eiconsortium.org/reprints/ei_theory_performance.html
Goleman, Daniel (1999), Trabalhar com Inteligência Emocional. Lisboa, Portugal: Temas &
Debates.
Lipovsky, Caroline (2006), Candidates’ negotiation of their expertise in job interviews, Journal
of Pragmatics 38, 1147-1174
Matos, João (2011), Documentação de Apoio - Slides, Fundamentos Negociais. Católica-Lisbon
Sieverding, Monika (2009), “Be Cool!”: Emotional costs of hiding feelings in a job interview,
International Journal of Selection and Assessment Vol.17, No.4, 391-400




                                                                                             14

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  • 1. A ENTREVISTA DE EMPREGO COMO UMA NEGOCIAÇÃO BASEADA EM COMPETÊNCIAS EMOCIONAIS Maria João Sousa Inácio dos Santos Nº 57791 Trabalho individual da Unidade Curricular de Negociação (Mestrado Executivo em Gestão Empresarial) 13 de Abril de 2012
  • 2. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais A ENTREVISTA DE EMPREGO COMO UMA NEGOCIAÇÃO BASEADA EM COMPETÊNCIAS EMOCIONAIS Quando se fala de negociação em contexto de recrutamento, fala-se sempre da discussão do pacote remuneratório já na fase final do processo, depois da oferta de trabalho que é apresentada ao candidato e potencial colaborador. Não seria frutuoso para ambas as partes, candidato e recrutador, encarar a interacção entre os dois como uma negociação desde a primeira entrevista de selecção? Mas não uma negociação entre duas partes claramente desiguais, onde o recrutador, representante da empresa (seja ele ainda o técnico de recursos humanos, seja já o director do departamento a contratar ou da própria empresa), tem todo o poder e domina a relação, podendo o candidato apenas submeter-se e ceder na esperança de que o resultado seja uma oferta de emprego. Porque se não deixa de ser verdade que apenas uma parte, o recrutador, tem poder para decidir se oferece ou não a posição, hoje, mais do que nunca, com a reconhecida importância dos recursos humanos no sucesso da empresa, os custos de recrutamento e formação, o aumento da consciência social e da preocupação com a imagem das empresas, é essencial estabelecer uma relação de colaboração onde se procure a satisfação mútua. E, numa sociedade crescentemente relacional, nunca sabemos quando e como se irão encontrar novamente. Muitas vezes, só no final da entrevista, e às vezes, só no final do processo de recrutamento, é que se sabe se a relação com o candidato vai perdurar ou não. Caso o candidato seja a pessoa certa, é fundamental cultivar a relação desde o primeiro momento e evitar que os futuros desempenho e retenção do talento identificado sejam prejudicados por erros negociais iniciais, que resultem, por exemplo, em expectativas defraudadas ou sentimentos de injustiça. 1
  • 3. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais Caso o candidato não seja a pessoa seleccionada, não deixa de ser mensageiro dos valores da empresa postos em prática ou observados durante o processo de recrutamento, tendo o poder de contribuir, ou não, para manter a sua reputação, para atrair potenciais candidatos mais adequados ou até, em última instância, clientes dos produtos ou serviços da empresa. E claro, o candidato não deixa de ter a última palavra na negociação, se aceita ou não a proposta que lhe é feita. Em tempos de crise, com uma oferta de candidatos muito superior à procura, pode haver tendência para desvalorizar ainda mais o poder que isto lhe confere. Mas não se pode esquecer que, sendo a procura mais reduzida, torna-se ainda mais crucial que a selecção final recaia sobre os melhores. E esses são inevitavelmente disputados por vários empregadores, podendo, realmente, dar-se ao luxo de escolher e dizer não a uma oferta que resulte de uma negociação mal conduzida. Para garantir que a entrevista é bem conduzida, resultando na maximização dos resultados para ambas as partes, propõe-se então recorrer de capacidades e competências pessoais como abordadas pelos estudos da inteligência emocional. Estas permitirão a preparação cuidada e um desenrolar mais eficaz da negociação, através do conhecimento do próprio e do outro e da acção destes sobre o processo negocial. A ENTREVISTA DE SELECÇÃO COMO UMA NEGOCIAÇÃO No processo de recrutamento, a entrevista de selecção não é, de facto, uma negociação óbvia. Não há um conflito puro de interesses, uma tensão entre um candidato que pretende assumir a função em aberto e um recrutador que não lha quer dar. Pelo contrário, o recrutador tem uma vaga para preencher e necessita de o fazer, geralmente e por uma questão de eficiência, da melhor forma no mais curto espaço de tempo. Mas se abordarmos a negociação na sua definição mais abrangente, como “uma comunicação recíproca para chegar a acordo quando uns interesses são partilhados e outros não” (Fisher et al., 2010: 11) ou, como refere Thompson (citado por João Matos, 2011), “um processo de tomada de decisão em conjunto com outras pessoas que é indispensável sempre que não conseguimos atingir os nossos objectivos por nós próprios”, numa entrevista de emprego, ambos pretendem preencher a posição em aberto, sendo que o recrutador procura o melhor futuro empregado e depende do(s) candidato(s), que pretende(m) o melhor emprego. O candidato vai procurar 2
  • 4. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais “vender” os seus serviços como a solução adequada, de modo a obter o que quer, o emprego, enquanto o recrutador vai procurar obter o melhor recurso, ao mesmo tempo que “vende” a função, pois só assim garante que atrai (e futuramente retem) o melhor. Não muito diferente, afinal, dos vários fornecedores que abordam um cliente com uma proposta de produto ou serviço que pretendem que seja melhor que a dos concorrentes, negociando assim a sua entrada numa relação comercial. Considerando os denominadores comuns transversais a qualquer negociação enumerados por Carvalho (2008), temos então duas partes interdependentes, mas com valores, poderes e expectativas diferentes, que esperam poder influenciar-se mutuamente (neste caso, a única alternativa para a resolução do problema), e dispostos a dar algo em troca de um benefício igual ou maior (troca que envolve tangíveis – trabalho, salário - e intangíveis – reconhecimento, realização, prestígio). Abordar a entrevista como um processo negocial permite a ambas as partes encará-la como uma relação em construção, onde cada uma entra voluntariamente num face-a-face directo com a intenção de obter determinadas vantagens, que podem ser ajustadas no decorrer da comunicação, para concretizar determinados objectivos. O recrutador pode prescindir, por exemplo, de alguma característica do candidato idealizado ou condição de recrutamento a favor de uma competência excepcional e essencial. O candidato pode, por seu turno, valorizar as tarefas em detrimento do nível de responsabilidade ou salário. O ganho de um não é, obrigatoriamente, a perda do outro, pois aspectos diferentes são valorizados de forma diferente pelas duas partes, devendo evitar-se o mito da divisão de uma “tarte” que é fixa. Para conseguir este nível processual, é importante, numa fase inicial, explorar os elementos do quadro negocial da entrevista, segundo a leitura de Carvalho (2008). O objecto negocial não é simples de definir. É crucial que ambas as partes tenham em mente o serviço procurado e o passível de ser disponibilizado, avaliados constantemente, de ambas as perspectivas e com elasticidade suficiente para se adaptar aos interesses do outro (mas limitado pelos níveis mínimos e máximos aceitáveis pelos negociadores). A zona de possível acordo encontra-se entre os requisitos mínimos para a função e as competências máximas oferecidas pelo melhor candidato. As apostas negociais no que é 3
  • 5. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais oferecido e pedido em troca, e na sua relevância para ambas as partes, exigem uma preparação prévia de forma a diminuir o risco de passar ao lado de uma oportunidade. O candidato precisa de se focar e realçar o que sabe ou pensa ser procurado, preparando-se previamente e continuando a descobri-lo ao longo da entrevista. Isto permite-lhe apostar no que é importante e encaixar o seu perfil como a melhor solução, sabendo também até que ponto pode ir em termos de compensação. O recrutador deve avaliar o que tem em cima (e do outro lado) da mesa para conseguir o máximo com o que pode disponibilizar. E, nesta situação, os aspectos intangíveis são tão ou mais importantes que os tangíveis, pois não se trata apenas de um par de mãos em troca de um salário. O contexto é um dos elementos que geralmente confere alguma vantagem ao recrutador, pelo conhecimento antecipado e aprofundado das instalações, da função, de toda a envolvente física e situacional. O candidato pode mitigar esta condição informando-se, previamente e na medida do possível, sobre a empresa, a função e mesmo o mercado de trabalho em que se insere, e o seu impacto na negociação. Este equilíbrio de poder, que poderá (ou não) ser reforçado ao longo da entrevista é talvez um dos mais importantes aspectos ao considerá-la como uma negociação. A vantagem adiantada ao recrutador pela maior informação e, acima de tudo, pela possível variedade de alternativas disponíveis pode ser equilibrada se o candidato souber, por exemplo, que está numa área com déficit de profissionais especializados, se se aperceber que é condição preferencial uma experiência ou competência onde é excepcional, se tiver a confiança de ser, de facto, a melhor solução e/ou se usar de uma ascendência persuasiva. Ou seja, o poder negocial do recrutador não é fatal, estático ou incontornável. Em última instância, o sucesso do recrutador depende do candidato e o comportamento e a relação entre estes actores é determinante para o balançar das forças e o desenlace final. Devido a esta natureza complexa das questões em causa no recrutamento e à potencial necessidade dos recursos de ambas as partes, que torna impossível uma solução unilateral, impõe-se uma modalidade de negociação colaborativa, que procura “maximizar os resultados próprios sem detrimento dos resultados dos parceiros” (Carvalho, 2008: 34). 4
  • 6. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais A selecção de um futuro colaborador reveste-se de demasiada importância para que o recrutador, que dispõe de algum tempo para o processo, opte por uma postura de dominação, correndo o perigo de deixar escapar o valor acrescentado pela competência de pelo menos alguns dos candidatos. Assumir uma posição de força, com excesso de confiança e onde se toma o outro como garantido, em que se tenta intimidar para testar e apanhar em falta, poderá não ser, geralmente, o caminho para que o candidato saia com o sentimento de “Foi um prazer” procurado numa negociação como a que se defende para a situação de recrutamento - uma negociação que pretende ir para além das posições óbvias e explorar as competências e interesses que vão de encontro e se possam articular em benefício da empresa. O entrevistador pode, cooperativamente, “influence the content of candidates’ answers and, for instance by asking a new question, prompt them to change topics or, on the contrary, by reformulating the candidates’ answers, prompt them to volunteer new information” (Lipovsky, 2006: 1172), obtendo assim melhores resultados. O candidato, por sua vez, deve estar ciente do seu valor e não assumir uma posição desconfortável de cedência, apesar de se poder sentir como o actor mais fraco. Procurar “encaixar” à força no perfil procurado e dar a resposta “certa” estudada de antemão implica riscos reais de derrapagem por falta de sinceridade ou espontaneidade ou, eventualmente, no caso de ser integrado na empresa, ficar insatisfeito, com os inerentes inconvenientes para o próprio e para a empresa. É mais proveitoso para ambas as partes, conhecer o que se procura e ver como as suas competências podem ser aproveitadas. Portanto, “o sucesso de uma negociação prende-se com a possibilidade de obter um resultado satisfatório para todas as partes – leia-se win-win” (Carvalho, 2008: 44). No caso do processo de selecção, para cada resultado win-win, haverá vários não concretizados, mas mesmo nesses, como já foi referido, é essencial não esquecer a importância de cultivar a relação durante o processo negocial da entrevista, pois como já foi referido, esta tem impacto na imagem e vendas da empresa, e na atracção de outros candidatos, para além de que um candidato preterido poderá vir a ser a escolha ideal num outro processo futuro. Este cultivar da relação e potenciar de resultados na entrevista de selecção implica, assim, uma abordagem à negociação não do ponto de vista tradicional com posições negociais bem definidas 5
  • 7. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais à partida, mas segundo o método de princípios desenvolvido pelo Projecto Negocial de Harvard (Fisher et al., 2010). Uma entrevista baseada em critérios objectivos, cujo resultado é facilmente compreendido mesmo pelos candidatos não seleccionados, centrada nos interesses nem sempre claramente explícitos da empresa e do entrevistado, mas onde cada uma das partes é flexível e tenta criar múltiplas opções para “conquistar” a outra parte e assim o seu objectivo próprio, é uma entrevista que salvaguarda a relação. Mas estas objectividade, flexibilidade e exploração dos interesses só são alcançáveis através do reconhecimento do papel da emoção na negociação e, por isso, esta deverá recorrer-se das aptidões fundamentais da inteligência emocional, como descritas por Goleman (1999). A IMPORTÂNCIA DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL NO CONTEXTO EMPRESARIAL ACTUAL Já se tornou lugar comum afirmar que o mundo e, mais concretamente, as organizações estão actualmente em permanente transformação e a única constante é a mudança. Deverá acrescentar- se a esta a inevitabilidade da relação e da interdependência. Os desenvolvimentos tecnológicos, que alteraram os métodos de trabalho e automatizaram muitas tarefas rotineiras, a globalização, com a deslocalização de funções e impactos alargados, e a orientação para o mercado, com clientes informados e pressão de accionistas, mudaram a organização do trabalho e alteram continuamente as exigências a nível de eficiência e competências dos indivíduos e das empresas. Todas estas alterações exigem organizações e colaboradores com uma flexibilidade que permita a adaptação com sucesso. A complexidade do conhecimento obriga à sua distribuição entre várias pessoas e à necessidade de trabalhar com equipas. A lógica económica do valor acrescentado e pelo qual o mercado está disposto a pagar impõe a orientação para o cliente como factor crítico para os resultados. A generalização da educação e da formação torna as habilitações literárias e competências técnicas um dado adquirido em qualquer trabalhador. Por outro lado, os avanços científicos permitem já estudar fisiologicamente a actividade cerebral, motor do trabalho nas organizações, e em conjunto com os estudos empíricos, concretizar 6
  • 8. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais objectivamente e introduzir na gestão a popular dicotomia cabeça e coração, o tema da razão e da emoção, subjacente a toda a acção humana. Pois, como afirma Goleman (2001), “num sentido muito real, temos duas mentes, uma que pensa e outra que sente”. Mas “a noção de que existe pensamento puro, racionalidade desprovida de sentimentos, é uma ficção, uma ilusão baseada na desatenção aos humores subtis que nos persenguem ao longo do dia. Temos sensações acerca de tudo o que fazemos, pensamos, imaginamos, recordamos. O pensamento e o sentimento estão inextricavelmente entrelaçados.” (Goleman, 1999: 60). E é na articulação entre estes que podemos encontrar as novas competências exigidas pelos tempos modernos. Porque é a “capacidade de reconhecer os nossos sentimentos e os dos outros, de nos motivarmos e de gerirmos bem as emoções em nós e nas nossas relações” (Goleman, 1999: 323) que nos permite responder eficazmente às mudanças em contexto de grupo, onde a lógica causa-efeito do pensamento racional nem sempre se aplica. Essa capacidade, a que Goleman chamou de inteligência emocional, no culminar de diversas abordagens de outros investigadores que decompuseram a inteligência em variados aspectos para além do então vulgar Quoficiente de Inteligência matemática e verbal, explica, segundo ele, os desempenhos de excelência nas mais variadas organizações (Goleman, 1999). Portanto, durante uma entrevista de selecção, o recrutador actual tem de estar preparado para procurar e identificar competências emocionais nos candidatos, que não podem dar-se ao luxo de confiar apenas nas suas competências técnicas e habilitações. INTELIGÊNCIA EMOCIONAL COMO VANTAGEM DISTINTIVA NO SUCESSO DE UMA ENTREVISTA DE SELECÇÃO Mas se tanto o recrutador como o candidato não podem perder de vista a inteligência emocional como cojunto de competências essenciais no desempenho da futura função, seja qual for a tarefa ou o nível de responsabilidade, não é menos verdade que estas competências são necessárias logo no momento negocial da entrevista, tanto para um lado como para o outro. O sucesso de uma negociação, especialmente numa estratégia integrativa, onde se pretende maximizar o valor para ambas as partes, depende muito da sua preparação. Passando esta por uma avaliação de si mesmo, da outra parte e da situação, são essenciais as competências 7
  • 9. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais emocionais do conhecimento próprio e dos outros, acrescentando-se na concretização da negociação, a gestão própria e dos outros, como descritas e revistas por Goleman (1999,2000). Sendo as emoções “essencialmente, impulsos para agir, planos de instância para enfrentar a vida que a evolução instilou em nós” (Goleman, 2001: 28), e estando comprovada a ligação inevitável entre o cérebro emocional e o racional, a forma como nos preparamos e comportamos numa negociação, ou mais concretamente, numa entrevista de emprego deve ser abordada do ponto de vista emocional. “A aptidão emocional é uma meta-habilidade que determina o modo melhor ou pior como seremos capazes de usar outras capacidades que possamos ter, incluindo o intelecto puro.” (Goleman, 2001: 56). Recorrendo à inteligência emocional treinada, o recrutador consegue lidar e extrair o melhor de qualquer candidato, conquistando a pessoa certa num desenlace frutuoso do seu trabalho, enquanto o candidato consegue lidar e apresentar-se no seu melhor em qualquer tipo de entrevista, seja ela estruturada, informal, sob pressão ou em painel. Mas quais são então essas aptidões fundamentais que nos peparam para tudo? Goleman (1999, 2000) cruza capacidades pessoais e sociais com conhecimento e gestão para chegar a vinte (originalmente vinte e cinco) competências, que acrescentam valor na empresa, identificadas nos desempenhos de excelência. São características pessoais ou conjuntos de hábitos, que podem e devem ser aprendidos e treinados, que muitas vezes funcionam em conjunto, estando algumas dependentes de outras, e que têm contribuições únicas em qualquer tipo de função. Preparar uma entrevista como uma negociação com base em competências emocionais, começa por um exercício de conhecimento próprio (“autoconsciência”). Reconhecer os nossos sentimentos como fonte de informação que explica os seus efeitos (“autoconsciência emocional”), fazer uma apreciação objectiva dos que são forças e dos que são fraquezas (“auto-avaliação exacta”) e acreditar convicta, mas realisticamente, nas nossas capacidades (“autoconfiança”) deverão ser os primeiros passos do processo negocial e antes duma entrevista de emprego. Saber que é influenciado por emoções, que emoções são e que as pode usar, transforma a abordagem tanto do recrutador como do candidato. 8
  • 10. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais Quem entrevista reconhece que “o inconsciente cognitivo apresenta à nossa percepção não só a identidade daquilo que vemos, mas ainda uma opinião a seu respeito” (Goleman, 2001: 41). E assim está preparado para avaliar mais objectivamente o candidato. Para quem é entrevistado, a necessidade deste auto-conhecimento ainda é mais gritante. Só tendo consciência aprofundada das suas capacidades e limites em contexto de trabalho e de entrevista estará preparado para as defender como parte do objecto negocial e geri-las em seu proveito. E também assim evitar o erro relacional, neste caso aplicado a si próprio e quando a negociação não é bem sucedida, “Se apenas (tivesse dito ou agido de determinada forma)” , e focar-se no futuro. Porque conhecer é importante, mas não chega. É imprescindível gerir as nossas emoções (“auto- regulação”) e as dos outros em função do objectivo estabelecido. E gerir não significa reprimir, mas antes dominar e utilizá-las. “As emoções não são apenas contidas e controladas; são positivadas, energizadas e alinhadas com a tarefa entre mãos” (Goleman, 2001: 112). Para muitos candidatos, uma situação de entrevista é uma situação de stress, em que o cérebro, programado por uma herança biológica agora desadequada, mobiliza recursos para outras áreas que mantém os sentidos alerta, retirando-los das que permitem o pensamento complexo e criativo. “Quando os circuitos límbicos que convergem no córtex pré-frontal estão sob o domínio de uma aflição emocional, um dos custos reflecte-se na eficácia da memória de trabalho” (Goleman, 2001: 100), ou seja, na capacidade de conservar e utilizar todas as informações pertinentes para convencer o recrutador que é “a” solução. Se, por outro lado, tendo a consciência desta reacção, o candidato introduzir de imediato o código do alarme para o desactivar (usando a analogia de Goleman), deixa espaço para a resposta racional mais lenta, mas mais cuidadosa (“autodomínio”). Estudos mencionados e realizados por Sieverding (2009), abarcando conteúdo verbal e não verbal, apontam no sentido de que candidatos que demonstram ansiedade durante a entrevista têm menos probabilidade de passar à fase seguinte, enquanto que os que a conseguem controlar (apesar de a sentirem) não prejudicam o seu estilo de apresentação pessoal e são avaliados como mais competentes. 9
  • 11. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais Este controlo traduz-se ainda na capacidade de transformar as emoções em pressões que motivam para a acção, de antecipar as oportunidades e agir antes de ser obrigado (“iniciativa”), com a flexibilidade necessária para se adaptar às mudanças (“adaptabilidade”), de procurar informação, novas ideias e opiniões para se aperfeiçoar e atingir a excelência, persistindo com o optimismo de que cada fracasso é uma lição com que aprender (orientação para resultados / “vontade de vencer”). Assim, os candidatos “que têm uma boa capacidade de dominar as emoções (...) podem usar a ansiedade antecipatória (...) para se motivarem no sentido de se prepararem melhor, obtendo consequentemente melhores resultados.” (Goleman, 2001: 105). Podem mais facilmente abordar a entrevista de forma flexível, prontos para identificar necessidades que lhes dêem a oportunidade de brilhar. Como afirma Lipovsky (2006: 1156), “candidates who successfully negotiate their expertise then volunteer sufficient information, give information that is both explicit and relevant, and use appropriate technical terms.” E quando não há encaixe, não são as entrevistas de emprego um campo privilegiado para treinar a resiliência e a capacidade de responder aos insucessos como um contratempo sob a esfera pessoal de acção que pode, por isso, ser remediado (definindo um plano de acção ou procurando conselhos)? O recrutador, por sua vez, para além de poder aplicar estes mecanismos, pois também ele pode necessitar de gerir a ansiedade, antecipar e adaptar-se a diferentes situações e pessoas, ou aprender com séries de entrevistas sem resultados, deve ainda fazer a gestão das primeiras impressões. Os estudos citados por Goleman (1999) provam que as pessoas sentem intuitivamente, nos primeiros trinta segundos, a impressão que terão da outra, como uma resposta automática aos elementos mais vívidos que o cérebro aprendeu a rápida e mais ou menos eficazmente identificar, por uma questão de sobrevivência ancestral. Mas essa impressão baseia- se numa lógica associativa do pensamento emocional, que transfere para o presente elementos descontextualizados de experiências passadas, e que pode ou não ser válida. Portanto, as primeiras impressões não devem ser ignoradas, mas validadas, até para garantir que não se cai no erro de adoptar posturas desiguais perante os candidatos. 10
  • 12. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais Tal como deverão ser validados todos os sentimentos posteriores, porque candidatos empenhados “use several assertive IM [Impression Management] tactitcs to influence the interviewer’s perception of them and to present a positive image” (Stevens & Kristof citados por Sieverding, 2009: 391). Mesmo para não deixar passar, no extremo, os “camaleões sociais” (Goleman, 2001: 140), que em recrutamento serão aqueles que se ajustam e parecem ser tudo aquilo que o recrutador quer que sejam, os também chamados profissionais de entrevistas. Finalmente, cabe também a ambas as partes assumir uma postura de integridade, de acordo com as regras (“ser consciencioso”), mas sem asfixiar a criatividade ou o espiríto crítico, e que gere credibilidade (“inspirar confiança”). A dinâmica de compra/venda numa negociação implica um acreditar no produto; o recutador só “comprará” os serviços dum candidato que se mostre digno de confiança e cumpridor do que lhe será pedido (mesmo que a regra seja o quebrar das regras, numa função mais criativa, por exemplo). O potencial empregado não entrará numa relação de trabalho (ou em situação desesperada, não entrará motivado) numa empresa que não lhe ofereça a confiança de que irá cumprir as expectativas criadas. E não poderá cumprir, se os objectivos e as expectativas por parte da empresa não forem claramente especificados, e se se cair no erro de não dizer o que realmente se pretende. Do ponto de vista das competências sociais, e implicando a entrevista de emprego uma interacção, o conhecimento (“consciência social”) e gestão do outro (“a arte do relacionamento”) deverão ser omnipresentes, para evitar o erro das condições da outra parte ignoradas. “Os mortais não conseguem guardar segredos. Se os seus lábios permanecem em silêncio, tagarelam com as pontas dos dedos; a traição força o caminho por todos os poros” (Freud, citado por Goleman, 1999: 142). Isto porque, “tal como o modo de expressão da mente racional são as palavras, o modo de expressão das emoções é não verbal” (Goleman, 2001: 118). Mas “estas mensagens (...) são quase sempre captadas inconscientemente” (Goleman, 2001: 119). O conhecimento do outro passa pela capacidade de tomar consciência destes sentimentos através da leitura dos sinais não verbais, que constituem afinal a grande maioria da comunicação interpessoal (Carvalho, 2012), compreendendo quais são os “segredos” subjacentes (“empatia”). De forma a maximizar o seu sucesso, tanto recrutador como candidato devem desenvolver esta habilidade para ler o outro (e que é impossível sem a abertura para se lerem a si próprios), como 11
  • 13. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais fonte de informação crucial sobre o objecto negocial e para definir as apostas de ambas as partes. O que tem realmente o candidato para oferecer que não quer ou não está a conseguir mostrar? Quais as opções que tem disponíveis? O que precisa realmente a empresa para o desempenho da função oferecida? Qual a receptividade do recrutador/candidato em relação à oferta em jogo?... Este reconhecimento dos sentimentos, das necessidades e expectativas do outro, que podem ser diferentes do próprio se no lugar daquele, permite antecipar o desenrolar da entrevista e ajustá-lo de forma a ir de encontro ao que o outro procura (“orientação para o serviço”). O recrutador quer apresentar um emprego irrecusável e o candidato um conjunto de características pessoais e profissionais imprescindíveis, que o primeiro não deve tentar boicotar Para fazer uma correcta leitura do outro, é também necessário conhecer o contexto e a rede de influências em jogo (“consciência organizacional”), de forma a ter a destreza de equilibrar interesses contraditórios, sejam eles, por exemplo, o melhor candidato pelo menor preço ou vida pessoal e profissional. Habilitado com o conhecimento do outro e de si mesmo e com o domínio do eu, o negociador está assim preparado para gerir a relação. Para atingir os seus objectivos, esta não deve ser deixada ao acaso, pois “as emoções são contagiosas” (Goleman, 2001:135) e “quando duas pessoas iniciam uma conversa, entram de imediato numa dança subtil de harmonia rítmica” (Goleman, 1999: 144). O negociador, reconhecendo esta influência, deve agir sobre as emoções, suas e do outro, de forma a conduzir a dança em seu proveito. Para gerir o outro, recorrerá assim a competências que lhe possibilitem a escuta activa e o envio de mensagens convincentes (“comunicação”), tácticas de persuasão (“influência”), a assertividade que inspira e guia (“liderança”), a antecipação e resolução de desacordos, ou neste caso, de divergência de interesses (“gestão de conflitos”), alimentar a relação através de questões partilhadas (“criar laços”) e permitam, desde o primeiro momento, trabalhar em conjunto para um objectivo comum (“colaboração”). Tudo isto pode permitir-lhe induzir respostas favoráveis. O candidato deve ter em mente que “the manner in which you respond to questions is far more important than the content of your reply” (Paul Stevens citado por Lipovsky, 2006: 1148). Por exemplo, segundo Lipovsky (2006: 1172), o modo como apresenta a informação em termos de escolhas lexico-gramaticais contribui para formar uma impressão mais ou menos positiva. “O 12
  • 14. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais negociador que apresenta a informação com vivacidade e de modo mais colorido (...) tem muito maior impacto nas decisões da outra parte do que o negociador que apresenta a mesma informação de forma absolutamente enfadonha e fastidiosa” (Carvalho, 2010: 110). As diversas maneiras como a mesma experiência pode ser descrita passam imagens diferentes da competência e do interesse do candidato. A facilidade de comunicação, a segurança e a proactividade com que se apresenta colocam-no em condições vantajosas. Ou como exemplifica ainda Lipovsky (2006: 1173), falar ou comportar-se como um insider, usar linguagem técnica e demonstrar valores partilhados são formas que os candidatos encontram para tentar cultivar a conexão com o entrevistador. Do lado do recrutador, deverá haver a mesma preocupação em apresentar a sua proposta (função, empresa e, eventualmente, condições), ao mesmo tempo que deverá ter atenção para destrinçar as verdadeiras competências das tácticas negociais menos fundamentadas. RESUMINDO... “Todos nós fazemos parte da caixa de ferramentas emocional dos outros, para o melhor ou para o pior; estamos continuamente a afinar os estados emocionais dos outros, tal como os outros os nossos” (Goleman, 1999: 175). E na entrevista, como em qualquer outra negociação, usar as competências emocionais para o melhor, e não arriscar que a ausência de gestão conduza ao pior, será sempre a escolha certa. Como defende Goleman, competências emocionais não são necessariamente inatas, possuimos mais umas que outras, mas podem ser aprendidas e treinadas. Aplicadas na negociação, permitem identificar os issues explícitos e subjacentes, e trabalhá-los em conjunto para tentar chegar a um resultado que satisfaça ambas as partes. No caso específico da entrevista de emprego, permitem ao recrutador reconhecer e aproveitar a sua subjectividade na avaliação objectiva dos candidatos e extrair destes o seu melhor para garantir que encontra a solução adequada para a empresa. E permitem ao candidato preparar-se e apresentar de forma completa e eficaz tudo o que pode oferecer de relevância para o empregador, com a garantia de que, se for o seleccionado, entrará com o pé direito na organização e, se não for, retirará as respectivas lições (incluindo, talvez, que não seria o emprego certo). 13
  • 15. A entrevista de emprego como uma negociação baseada em competências emocionais REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Carvalho, José Crespo de (2008), Negociação. Lisboa, Portugal: Sílabo. Carvalho, José Crespo de (2012), Acetatos das Aulas, Negociação. INDEG/ISCTE. Carvalho, José Crespo de (2010), Negociação para (In)Competentes Relacionais. Lisboa, Portugal: Sílabo. Fisher, Roger, William Ury & Bruce Patton (2010), Como Conduzir uma Negociação: Chegar a Acordo sem Ceder. Alfragide, Portugal: Lua de Papel. Goleman, Daniel (2001), Inteligência Emocional. Lisboa, Portugal: Temas & Debates. Goleman, Daniel (2000), An EI-Based Theory of Performance do livro The Emotionally Intelligent Workplace: How to Select for, Measure and Improve Emotional Intelligence in Individuals, Groups and Organizations. San Francisco, CA: Jossey-Bass, http://www.eiconsortium.org/reprints/ei_theory_performance.html Goleman, Daniel (1999), Trabalhar com Inteligência Emocional. Lisboa, Portugal: Temas & Debates. Lipovsky, Caroline (2006), Candidates’ negotiation of their expertise in job interviews, Journal of Pragmatics 38, 1147-1174 Matos, João (2011), Documentação de Apoio - Slides, Fundamentos Negociais. Católica-Lisbon Sieverding, Monika (2009), “Be Cool!”: Emotional costs of hiding feelings in a job interview, International Journal of Selection and Assessment Vol.17, No.4, 391-400 14