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QUANDO MUITOS ANOS NA MESMA FUNÇÃO SE
  TORNAM UM PROBLEMA PARA A GESTÃO




           Maria João Sousa Inácio dos Santos

                       Nº 57791




                  Trabalho individual

       da Unidade Curricular de Gestão da Mudança




                 4 de Dezembro de 2012
Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão




   1. O problema



“Once upon a time you worked for a company until it was time to retire and in gratitude for
your years of service you received a gold watch. It was commonplace to work for the same
company and/or in the same position your entire career. Now in this fast pace era of dot.com
companies, PDAs, online social networks, and text messaging - the world around us is
moving and changing at warp speed. Time is measured in micro seconds instead of hours.
Today's employees are faced with a growing need for more knowledge in the workplace due
to a global economy, sending jobs overseas, advances in technology, layoffs, and the decline
of blue collar jobs which prompts many to reenter the job market. The problem is you have
been doing the same job for a long time, is it too late for you to get onboard or have you
missed the bus already?”

Michelle Wright, http://www.employrium.com/job-seeker/job-search/articles/long-time-same-
job.aspx




“Carreira - Empregabilidade | Proibido Estacionar

O mercado prefere quem tem mais de uma empresa no currículo, mas é possível ter vida
longa num mesmo lugar sem ficar com o estigma de acomodado”

Andrea Giardino (2011), http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/carreira-
empregabilidade-proibido-estacionar-632693.shtml




“Durante décadas, a estabilidade no emprego era uma das principais características que
definiam o sucesso profissional. Trabalhar 20 ou mesmo 30 anos numa mesma empresa era
para muitos um apreciado objectivo de carreira, muito mais importante do que um bom
salário ou um cargo de relevância hierárquica. Mas os tempos são outros e, para aqueles que o


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Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão


conseguem, a mobilidade é uma forma de manter a motivação e produtividade e conseguir
evolução profissional progressiva.”

http://emprego.sapo.pt/executivo/guia-carreira/artigo/91/artigo.htm




Não é uma moda de um país, do espaço virtual ou da gestão dos recursos humanos. Uma
pessoa há muito tempo na mesma função, a desempenhar o mesmo tipo de tarefas da mesma
maneira, pode ser um problema para a gestão.

Até ao século passado, manter-se na mesma função e na mesma empresa durante vários anos
era sinal duma carreira de sucesso. Actualmente, uma pessoa que sempre fez a mesma coisa,
possivelmente da mesma maneira, no mesmo ambiente, corre o risco de não ter sido
suficientemente exposta à evolução para desenvolver capacidades de adaptação, agilidade e
criatividade na resolução de problemas, indispensáveis na maioria das funções actuais.




                   Quadro 1. Hábitos de aprendizagem contínua (Kotter, 1996: 183)




O conhecimento e experiência técnicos acumulados já não são suficientes nas organizações e
economia actuais. A economia agora é global, a tecnologia continua a substituir as pessoas em
muitas tarefas mecanizáveis, a concorrência exige inovação constante e gera uma oferta

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variadíssima, tanto de produtos como no próprio mercado de trabalho, o serviço é o elemento
diferenciador que conquista os clientes e os níveis de educação e qualificação da sociedade
aumentaram.

São, portanto, as características humanas inimitáveis que permitem lidar com a constante
mudança, ou, como descrito por Stan Davis e Cristopher Meyer (citados por Dias, 2012), é o
capital intelectual que permite gerir a complexidade - “blur” -, resultante do aumento da
conectividade, da velocidade e da importância do intangível, características da actualidade. Já
nem é suficiente a capacidade de aprendizagem que permite acumular conhecimento, é
necessário aprender a aprender, detectar, admitir e corrigir os erros (“double-loop learning”
de Argyris & Schon, citados por Dias, 2012), num processo de melhoria contínua que deve
ser transversal a indivíduos e organizações.

Já em 1996, Kotter (1996: 175) previa que “the twenty-first-century employee will need to
know more about leadership and management that did his or her twentieth-century
counterpart”, destacando a necessidade de uma aprendizagem constante ao longo da vida.

A introdução desta nova maneira de trabalhar implica uma mudança muito profunda da forma
de pensar, tanto a nível individual como organizacional. Importa, por isso, diagnosticar as
causas da imobilidade funcional, avaliar as possíveis soluções e as formas de gerir a mudança
inerente a qualquer uma delas.




   2. As causas


“Durante a Sociedade Industrial as empresas lidavam com uma envolvente estável e
previsível, que permitia à economia integrar-se pela oferta, uma vez que os clientes tinham
pouco poder e não exigiam qualquer diferenciação no produto. O ambiente tecnológico
assentava na transformação da matéria e caracterizava-se também pela estabilidade, uma
vez que o padrão de inovação era sequencial e de ciclo de vida longo. O factor humano
gozava de um carácter meramente instrumental e a produção era realizada em massa.”
(Moreira, 2006: 47).



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A organização era fortemente hierárquica e rígida, com uma divisão horizontal e vertical do
trabalho, traduzida em funções especializadas e clara divisão entre o fazer e o saber, entre os
executantes e os decisores. A gestão assumia-se como uma função de comando e controlo,
que definia as regras e assegurava o seu cumprimento.

Esta perspectiva taylorista do trabalho ainda se mantém em muitas organizações em Portugal,
acentuada por uma cultura colectivista de acentuada distância ao poder, uma herança católica
de desresponsabilização individual e décadas de reduzida exposição internacional.

Tradicionalmente, o “patrão” assume um papel paternal, decidindo e tomando conta dos
empregados, a quem ele não dá autonomia, pois considera não terem capacidade para decidir,
e que, por sua vez, não tomam a iniciativa, pois não se espera que sejam ouvidos ou tenham
poder de decisão. Há uma relação emocional entre os dois níveis que, no entanto, são muito
afastados e desiguais, em que uns se subordinam e são obedientes, e os outros esperam
reverência e privilégios. Não há uma cultura de igualdade, em que todos devem tomar a
iniciativa, a comunicação não é bilateral e honesta, as relações de trabalho não são
pragmáticas, mas pessoais, e o locus de controlo é externo, não se assumindo
responsabilidade pelo próprio destino.

Culturalmente, temos também uma forte necessidade de evitar a incerteza e, portanto,
reagimos desconfortavelmente ao desconhecido e ao que pode implicar risco, encaramos a
mudança como uma ameaça e a segurança é um forte factor de motivação.

Por isso, algumas pessoas tendem a acomodar-se. O gestor até consegue facilmente justificar
a continuação de uma pessoa numa função onde ela é boa, ou pensa apenas no tempo e
dinheiro perdidos quando se muda uma pessoa de função ou se altera o perfil da função, ou
nos problemas que se vão criar quando se altera o estabelecido. A própria pessoa alicerça-se
em razões de segurança familiar e pessoal, financeira e psicológica, e não toma a iniciativa de
enriquecer a sua função, questionar a sua aprendizagem ou reenquadrar-se na estrutura da
organização. Mas a acomodação do indivíduo ou da organização ao status quo rapidamente se
pagará muito mais cara.

“The combination of cultures that resist change and managers who have not been taught how
to create change is lethal.” (Kotter, 1996: 29)

Como mencionado anteriormente, o mundo já não se caracteriza por uma mudança
incremental e pouco frequente. As empresas aparecem e desaparecem, as funções já não estão

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garantidas, nem em termos de conteúdo, nem da sua própria existência, pelo que a
organização e o indivíduo têm de assumir a responsabilidade pela sua renovação.




   3. As possíveis soluções



Actualmente, a solução tem passado, na maioria das vezes, pelo despedimento das pessoas
que já se encontravam nas organizações há mais tempo ou, sendo isto impossível, mantê-las
sem grande investimento.

Mas a saída das pessoas mais antigas revela-se já incomportável, tanto para o país, pelos
custos para a Segurança Social do subsídio de desemprego e das reformas antecipadas, como
para a própria empresa, que assim perde experiência e saber acumulados, ao mesmo tempo
que cria desmotivação entre as equipas. “Baby Boomers are departing our workforce
everyday and leaving behind gaps in leadership, knowledge, and expertise.” (PWC, 2012)
Como definido por Thomas Stewart em Intellectual Capital (citado por Dias, 2012), o capital
intelectual constituído pelo conhecimento e pelas relações (com clientes e empregados) não é
detido, mas apenas partilhado (e passível de ser perdido) pela organização. A saída ou a falta
de investimento no capital humano ignora a importância deste para a organização.

Tem também impactos financeiros directos, que se podem já prever: “As organisations move
through recovery, those that underwent drastic headcount reduction now face the costly
exercise of rehiring and reskilling as demand improves.” (PwC, 2010)

É, portanto, necessário repensar a gestão dos recursos humanos em contexto de mudança. “…
in a resource constrained recovery, it is perhaps time to make the best of our existing people
and invest in them through, among other things, training and development.” (PwC, 2010)

As sociedades anglo-saxónicas, mais adiantadas, já discutem o papel das gerações mais velhas
nas empresas: “Age prejudice still exists, but smart companies are looking for ways to
incorporate the talents of Boomers and even older workers in the workforce. In many cases,
this requires rethinking roles and work relationships.” (Erickson, 2008)



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Segundo um estudo da PwC, em 2010, como os “CEOs were unable to move talent around
quickly when the crisis hit”. 79%, em mais de 50 países, tencionavam aumentar a atenção e o
investimento na gestão de pessoas durante a mudança, incluindo a redefinição de papéis na
organização.

A solução passa então pelo desenvolvimento e pela formação, em todo o seu espectro de
possibilidades, pela redefinição de funções e das relações de trabalho, especificamente
orientados, neste caso, para as pessoas que poderão ter estagnado no tempo e cujo potencial
poderá estar a ser desperdiçado. “Training is provided, but it’s not enough, or it’s not the
right kind, or it’s not done at the right time. People are expected to change habits build up
over years or decades with only five days education. People are taught technical skills but not
the social skills or attitudes needed to make the new arrangements work.” (Kotter, 1996: 108)

Tudo isto implica um processo de mudança tanto individual como organizacional, que passa
por uma nova forma de abordar o trabalho e a aprendizagem. Dependendo da predisposição
do indivíduo, o líder poderá ter um papel condutor ou iniciador, pois pode ser uma mudança
proactiva - resultado da sua própria iniciativa em consequência de tomada de consciência do
contexto actual -, ou reactiva - imposta pela organização de que faz parte ou que gere, em
forma de mudança de estratégia ou reestruturação.

“Individual change is at the heart of everything that is achieved in organizations. (…) leaders
have a particularly onerous responsability: that is, making all this happen.” (Cameron &
Green, 2009: 9)




A mudança individual




Como afirma Kotter, “pain is ever present. But a significant amount of the waste and anguish
(…) is avoidable.” E para facilitar o processo de mudança, é importante começar por
considerar a reacção individual.

Considerando as várias abordagens teóricas da motivação, uma vez as necessidades básicas
fisiológicas e de segurança satisfeitas, as pessoas necessitam de pertença, auto-estima e auto-
realização (Maslow, citado por Dias, 2012); os indivíduos também procuram essa realização
pessoal no trabalho e, dado o ambiente adequado, são criativos e estão dispostos a aceitar

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responsabilidade (teoria Y de McGregor, citado por Dias, 2012); e são motivados também
pela aprendizagem e desenvolvimento, para além dos factores de higiene como o salário,
condições e segurança (factores de motivação de Herzberg, citado por Dias, 2012). Quer seja
por iniciativa própria ou não, haverá portanto uma predisposição natural para esta mudança
inerente ao desenvolvimento da pessoa e da função.

Mas há também barreiras. Esta mudança individual implica aprender, ou seja, aquisição e
aplicação dos novos conhecimentos. Como descrevem Cameron & Green (2009) através da
curva de aprendizagem, implica reconhecer a necessidade de aprender e aceitar uma perda
inicial de eficácia e confiança. Para uma pessoa que já faz o mesmo há muito tempo, este é o
primeiro e, provavelmente, o mais difícil passo.




                                               Incompetência
                                                inconsciente



                                Competência                  Incompetência
                                inconsciente                   consciente



                                               Competência
                                                consciente


     Figura 1. Ciclo de aprendizagem segundo os psicólogos Gestalt (citado por Cameron & Green, 2009)




Como refere Kotter (1996), a mudança não se consegue forçar, mas é necessário criar um
sentido de urgência, evidenciar a necessidade imediata de mudança, como se o inimigo
estivesse prestes a apanhar-nos. O indivíduo deve combater o seu próprio comodismo,
reunindo informação que justifique essa necessidade, sobre as oportunidades e recompensas
que não serão alcançadas se a mudança não acontecer e definindo-se objectivos que só
poderão ser atingidos no novo contexto. O líder pode ainda contribuir para a consciência da
incompetência e para aumentar os níveis de urgência, fomentando discussões abertas,
aumentando o contacto com o exterior e definindo medidas de avaliação de desempenho que
estão para além da pessoa e da sua função.



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Edgar Schein (citado por Cameron & Green, 2009) fala ainda da necessidade de desaprender
hábitos passados para poder aprender e consolidar as novas aprendizagens. Para além do
medo da incompetência, Schein também menciona os medos da punição, da perda de
identidade e de pertença também associados a uma alteração de função, quando esta se sente
como parte intrínseca do indivíduo.

Acima de tudo, “never underestimate the magnitude of the forces that reinforce complacency
and that help maintain the status quo.” (Kotter, 1996: 42)

Mas uma vez reconhecida a necessidade de mudança, é necessário definir como abordar o
indivíduo na gestão dessa mudança. Cameron & Green (2009) reúnem quatro abordagens
distintas, mas complementares.




              Figura 2. Abordagens à mudança individual segundo Cameron & Green (2009)




Do ponto de vista comportamental, é possível planear uma alteração, identificando,
dissecando e medindo os comportamentos individuais em relação às funções desempenhadas
e determinando recompensas e punições, conforme se demonstrem iniciativas de evolução.

Por exemplo, a participação numa acção de formação e aplicação bem sucedida dos
conhecimentos adquiridos pode ser recompensada com um elogio, um novo desafio ou uma
promoção. A política de recompensas tem de ser coerente com os objectivos de inovação e
aprendizagem da organização. Mas esta perspectiva não considera o que é subjacente ao
comportamento e pode boicotar o mais bem intencionado propósito individual de perseguir a
recompensa.

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A abordagem cognitiva já tem em conta os processos mentais. A terapia cognitiva e a teoria
do sistema de crenças, citadas por Cameron & Green (2009), baseiam-se na ideia de há um
auto-condicionamento, através de valores e crenças, para sentir e agir de determinada forma.




                   Figura 3. Sistema de crenças (citado por Cameron & Green, 2009)




Portanto, é necessário alterar a maneira de pensar para conseguir mudar o comportamento e
atingir os resultados pretendidos, sendo essenciais uma atitude mental positiva e objectivos
claros e ambiciosos. É possível usar técnicas cognitivas como: listar as qualidades
individuais; repetir afirmações pessoais, positivas e poderosas; visualizar o resultado;
reenquadrar o que nos causa ansiedade; criar um momento que quebra o padrão; analisar
racionalmente crenças irracionais. E assim, racionalmente, justificar a necessidade de
introduzir mudança nas funções desempenhadas.

Ausente está, no entanto, a dimensão emocional interna que pode inutilizar o esforço racional
de mudança. A abordagem psicodinâmica já considera o processo psicológico face à
mudança, ou seja, as várias fases que o indivíduo atravessa, mais ou menos conscientemente e
que se podem sobrepor.

Estes estados acontecem de forma mais óbvia, por exemplo, quando a formação é imposta,
mas também, em certa medida, quando é de iniciativa própria. Não é invulgar, quando uma
pessoa inicia uma acção de formação que ela própria pediu, negar a sua utilidade, negociar o
tempo “perdido” e resignar-se, antes do momento de viragem, em que se dispõe a
experimentar e descobre que até faz a diferença. É importante o líder e o sujeito da mudança
reconhecerem estes estados, de forma a geri-los de forma mais rápida e eficaz, conseguindo
ultrapassar as reacções negativas sem deixar marcas e atingir a integração plena do novo
estado.



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         Figura 4. Fases de reacção à mudança (vários autores citados por Cameron & Green, 2009)




Mas nem sempre isso acontece. Ao acrescentar a inteligência emocional à equação e
considerar a pessoa no seu todo (pensamentos, comportamentos e sentimentos num contexto
social e cultural), a psicologia humanística considera que o indivíduo pode conhecer-se e
melhorar-se a si próprio e, como gestor, deve também conhecer e melhorar os outros.

Chama a atenção para a necessidade de um ambiente facilitador, baseado numa relação
genuína, aceitação incondicional e empatia, que permita ultrapassar as reacções negativas,
atingir uma maior abertura ao risco e consciência da responsabilidade individual no processo
de mudança. Se houver uma relação de confiança entre colaborador e líder (ou outro
facilitador) e aquele sentir que pode expor as suas fraquezas e ser compreendido, estará mais
predisposto a vencer as suas resistências e assumir um processo de desenvolvimento.

Esta predisposição varia também com o perfil do indivíduo, que autores variados
caracterizaram de diversas maneiras, mas que se definem por uma maior ou menor propensão
para a inovação e para a acção.




                     Experimentar                                          Action
                      O Prático                                           Oriented
                                                                           Realist


         Aplicar                      Reflectir              Action
                                                                                        Thoughtful
      O Pragmático                   O Pensador             Oriented
                                                                                          Realist
                                                           Innovator


                      Investigar
                                                                         Thoughtful
                      O Teórico                                          Innovator


         Figura 5. Ciclo e perfis de aprendizagem segundo Kolb e personalidades tipo Myers-Briggs

                                    baseado em Cameron & Green (2009)


                                                                                                     11
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Assim, indivíduos diferentes requerem tipos de formação diferente; os mais cuidadosos
deverão ter oportunidade de conhecer a teoria e abordar as questões antes de se confrontarem
com a acção; os mais pragmáticos devem ter acesso a casos práticos que tenham relevância
para a sua própria situação; os mais orientados para a acção têm de experimentar e, se
inovadores, ter espaço para a criatividade e partilha com os outros.

Mas não são apenas as características e história individuais que influenciam a reacção à
mudança. A natureza e consequências da mudança, assim como o historial da organização,
também determinam a forma como é recebida pelo indivíduo. O processo de gestão da
mudança é diferente se se tratar de desenvolvimento da função, de novas funções ou nova
empresa, se estas forem impostas pela gestão ou partirem de iniciativa própria, se implicarem
uma evolução ou forem uma transformação radical da função anterior, se for recebida como
um benefício individual ou apenas como um interesse da empresa, se surge numa cultura
organizacional marcada pela estabilidade ou propensão para o risco, ou se há histórico de
gestão eficiente da mudança.

Segundo Schein (citado por Cameron & Green, 2009), há duas forças em competição num
processo de mudança individual: a ansiedade provocada pela aprendizagem e a associada à
sobrevivência, resumidas na pergunta “E se eu falhar?”. Para ultrapassar o que normalmente
se chama resistência à mudança provocada por esta ansiedade, Schein sugere que a associada
à sobrevivência se sobreponha, reduzindo a provocada pela aprendizagem. No caso da
introdução de mudança nas funções, há já uma questão de sobrevivência premente, pois dado
o contexto económico nacional, há muitos indivíduos que se questionam se serão os próximos
a serem convidados a sair.

Mas é ainda assim possível ao líder aumentar a segurança psicológica em relação à
aprendizagem, desenvolvendo e comunicando uma visão, criando um grupo representativo,
credível e com poder, que lidere a mudança organizacional e seja respeitado como modelo,
como veremos mais adiante.




A mudança organizacional




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Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão


A nível organizacional, Lewin (citado por Cameron & Green, 2009) descreve também o
confronto entre duas forças, estas opostas, as impulsionadoras e as resistentes à mudança,
sendo que ambas têm de ser trabalhadas. Esta análise é um bom início para o processo de
mudança organizacional, como diagnóstico da situação. Pois o desenvolvimento individual de
uma pessoa há muito tempo nas mesmas funções só é possível numa cultura organizacional
que verdadeiramente fomente a aprendizagem e a inovação.




                 Figura 6. Análise de forças de Lewin aplicada ao problema em questão




“Talent management is not only about projecting fast-trackers, it is about identifying the
universality of talent and developing individuals in their role (no matter how modest) to add
increasing value to that role and its contribution to company performance.” (PwC, 2010) Se a
cultura não for esta, o que é possível havendo situações de estagnação, essa mudança
individual está inevitavelmente associada a uma mudança organizacional. É necessário que a
cultura organizacional seja de aprendizagem, que estimule e valorize o desenvolvimento das
competências associadas à inovação, criatividade e adaptabilidade, a todos os níveis, desde os
altos potenciais aos contribuidores mais modestos, mas que asseguram o desenrolar das
actividades.

Esta mudança organizacional, para ser bem sucedida, dever ser abordada como um processo
em várias fases, descrito por vários autores relativamente coincidentes nos pontos-chave:




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Figura 7. Fases do processo de mudança de acordo com (de dentro para fora) Lewin, Bullock & Batten, Kotter e
                                             Cameron & Green




Avaliação inicial e demonstração da necessidade

É necessário começar pelo diagnóstico da cultura da organização e crenças individuais, das
forças em confronto, fazer a desconstrução do passado e deixar claras a necessidade e a
urgência da mudança. É uma empresa conservadora? A hierarquia é pesada? Como tem sido
gerida a formação? Qual é a política de promoções? Quais são as alternativas à mudança?

Como definido pela fórmula de Beckard (Cameron & Green, 2009), só se as pessoas que se
pretende desenvolver estiverem suficientemente insatisfeitas com o estado actual da sua
função, ansiosas pelo desenvolvimento proposto e convencidas que este é possível



                                                                                                         14
Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão


(cumulativamente), é que o valor trazido pela mudança é superior ao seu custo e a resistência
é reduzida.




           Figura 8. Fórmula da mudança de Beckhard e Harris (citada por Cameron & Green, 2009)




Planeamento

A definição inicial de uma visão é imprescindível. De uma forma que se pretende simples,
motivante e agregadora, dá uma direcção e permite definir as formas de lá chegar. “Vision
refers to a picture of the future with some implicit or explicit commentary on why people
should strive to create that future.” (Kotter, 1996: 68) Porque devem as pessoas trabalhar de
forma diferente?

Esta já deve ser construída com uma equipa líder da mudança, representante dos vários
quadrantes da organização e que trabalha depois o plano de acção (e alternativas, se
necessárias adaptações). Que programas de formação? Que funções a redefinir? Que
alterações estruturais? Como vão as outras áreas da gestão da empresa enquadrar?

Implementação

A comunicação é repetida, coerente, bilateral e em múltiplos formatos. “Managers
undercommunicate, and often not by a small amount. Or they inadvertently send inconsistent
messages.” (Kotter, 1996: 85) Kotter fala também da falta de espaço dado aos colaboradores
em geral para fazerem o trabalho moroso de digestão da mudança que já foi feito pelos
líderes.




                                                                                                  15
Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão


Todos são envolvidos e responsabilizados e os líderes asseguram-se que eventuais barreiras
estruturais são derrubadas – por exemplo, não se pode continuar a castigar o erro ou
desaprovar a experimentação, deve ser dado tempo para a formação, e os gestores não devem
desencorajar a iniciativa individual.

É importante a definição de metas a curto prazo como forma de motivar e não perder o ânimo
inicial, assim como a monitorização e revisão para garantir o ajustamento.

Consolidação

A fase final implica uma estabilização da nova forma de trabalhar, garantindo o alinhamento
de todas as áreas da organização, através da formalização da mudança em políticas de
recursos humanos, integrando as estratégias de gestão e a imagem da organização.

“Culture changes only after you have successfully altered people’s actions, after the new
behavior produces some group benefit for a period of time, and after people see the
connection between the new actions and the performance improvement.” (Kotter, 1996: 156)




   4. Conclusão



Pessoas há muito tempo na mesma função podem denunciar uma necessidade individual e
organizacional de desenvolver competências de adaptação, aprendizagem e inovação,
essenciais no mundo e nas empresas actuais. O desenvolvimento destas implica um processo
de gestão de mudança individual e organizacional que passa pelo reconhecimento desta
necessidade, construção de um conjunto de iniciativas no âmbito da gestão de talento,
formação e redefinição de papéis e de relações, que deverão culminar numa “learning
organization” com pessoas em aprendizagem continua ao longo da vida.




                                                                                        16
Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão




   5. Bibliografia


Cameron, Esther & Mike Green (2009), Making Sense of Change Management: A complete
guide to the models, tools and techniques of organizational change, London and Philadelphia:
Kogan Page.
Dias, Eurico Brilhante (2012), Documentação de apoio, Management Toolkit. INDEG/ISCTE.
Erickson, Tammy (2008), Today’s Top 10 Talent-Management Challenges, Bloomberg
Businessweek,      http://www.businessweek.com/stories/2008-06-20/todays-top-10-talent-
management-challengesbusinessweek-business-news-stock-market-and-financial-advice.
Kotter, John P. (1996), Leading Change. Boston, Massachusetts: Harvard Business School
Press.
Moreira, Pedro (2012), Documentação de apoio, Liderança e Gestão de Equipas.
INDEG/ISCTE.
Moreira, Pedro (2006), Gestão de Pessoas – Tendências, Qualificações e Formação, Lisboa:
IQF.
Pernas, Gonçalo (2012), Documentação de apoio, Gestão da Mudança. INDEG/ISCTE.
PwC, Managing people in a changing world: Key trends in human capital a global
perspective–2010, http://www.pwc.com/gx/en/hr-management-services/pdf/managing-people-
in-a-changing-world.pdf
PwC, Results from PwC Saratoga’s 2012/2013 US Human Capital Effectiveness Report,
http://www.pwc.com/en_US/us/hr-saratoga/assets/pwc-saratoga-human-capital-effectiveness-
executive-summary.pdf
Silva, Ana Rijo da (2011), Documentação de apoio, Meio Cultural e Gestão dos Recursos
Humanos. Católica-Lisbon.




                                                                                         17

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Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema de gestão

  • 1. QUANDO MUITOS ANOS NA MESMA FUNÇÃO SE TORNAM UM PROBLEMA PARA A GESTÃO Maria João Sousa Inácio dos Santos Nº 57791 Trabalho individual da Unidade Curricular de Gestão da Mudança 4 de Dezembro de 2012
  • 2. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão 1. O problema “Once upon a time you worked for a company until it was time to retire and in gratitude for your years of service you received a gold watch. It was commonplace to work for the same company and/or in the same position your entire career. Now in this fast pace era of dot.com companies, PDAs, online social networks, and text messaging - the world around us is moving and changing at warp speed. Time is measured in micro seconds instead of hours. Today's employees are faced with a growing need for more knowledge in the workplace due to a global economy, sending jobs overseas, advances in technology, layoffs, and the decline of blue collar jobs which prompts many to reenter the job market. The problem is you have been doing the same job for a long time, is it too late for you to get onboard or have you missed the bus already?” Michelle Wright, http://www.employrium.com/job-seeker/job-search/articles/long-time-same- job.aspx “Carreira - Empregabilidade | Proibido Estacionar O mercado prefere quem tem mais de uma empresa no currículo, mas é possível ter vida longa num mesmo lugar sem ficar com o estigma de acomodado” Andrea Giardino (2011), http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/carreira- empregabilidade-proibido-estacionar-632693.shtml “Durante décadas, a estabilidade no emprego era uma das principais características que definiam o sucesso profissional. Trabalhar 20 ou mesmo 30 anos numa mesma empresa era para muitos um apreciado objectivo de carreira, muito mais importante do que um bom salário ou um cargo de relevância hierárquica. Mas os tempos são outros e, para aqueles que o 2
  • 3. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão conseguem, a mobilidade é uma forma de manter a motivação e produtividade e conseguir evolução profissional progressiva.” http://emprego.sapo.pt/executivo/guia-carreira/artigo/91/artigo.htm Não é uma moda de um país, do espaço virtual ou da gestão dos recursos humanos. Uma pessoa há muito tempo na mesma função, a desempenhar o mesmo tipo de tarefas da mesma maneira, pode ser um problema para a gestão. Até ao século passado, manter-se na mesma função e na mesma empresa durante vários anos era sinal duma carreira de sucesso. Actualmente, uma pessoa que sempre fez a mesma coisa, possivelmente da mesma maneira, no mesmo ambiente, corre o risco de não ter sido suficientemente exposta à evolução para desenvolver capacidades de adaptação, agilidade e criatividade na resolução de problemas, indispensáveis na maioria das funções actuais. Quadro 1. Hábitos de aprendizagem contínua (Kotter, 1996: 183) O conhecimento e experiência técnicos acumulados já não são suficientes nas organizações e economia actuais. A economia agora é global, a tecnologia continua a substituir as pessoas em muitas tarefas mecanizáveis, a concorrência exige inovação constante e gera uma oferta 3
  • 4. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão variadíssima, tanto de produtos como no próprio mercado de trabalho, o serviço é o elemento diferenciador que conquista os clientes e os níveis de educação e qualificação da sociedade aumentaram. São, portanto, as características humanas inimitáveis que permitem lidar com a constante mudança, ou, como descrito por Stan Davis e Cristopher Meyer (citados por Dias, 2012), é o capital intelectual que permite gerir a complexidade - “blur” -, resultante do aumento da conectividade, da velocidade e da importância do intangível, características da actualidade. Já nem é suficiente a capacidade de aprendizagem que permite acumular conhecimento, é necessário aprender a aprender, detectar, admitir e corrigir os erros (“double-loop learning” de Argyris & Schon, citados por Dias, 2012), num processo de melhoria contínua que deve ser transversal a indivíduos e organizações. Já em 1996, Kotter (1996: 175) previa que “the twenty-first-century employee will need to know more about leadership and management that did his or her twentieth-century counterpart”, destacando a necessidade de uma aprendizagem constante ao longo da vida. A introdução desta nova maneira de trabalhar implica uma mudança muito profunda da forma de pensar, tanto a nível individual como organizacional. Importa, por isso, diagnosticar as causas da imobilidade funcional, avaliar as possíveis soluções e as formas de gerir a mudança inerente a qualquer uma delas. 2. As causas “Durante a Sociedade Industrial as empresas lidavam com uma envolvente estável e previsível, que permitia à economia integrar-se pela oferta, uma vez que os clientes tinham pouco poder e não exigiam qualquer diferenciação no produto. O ambiente tecnológico assentava na transformação da matéria e caracterizava-se também pela estabilidade, uma vez que o padrão de inovação era sequencial e de ciclo de vida longo. O factor humano gozava de um carácter meramente instrumental e a produção era realizada em massa.” (Moreira, 2006: 47). 4
  • 5. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão A organização era fortemente hierárquica e rígida, com uma divisão horizontal e vertical do trabalho, traduzida em funções especializadas e clara divisão entre o fazer e o saber, entre os executantes e os decisores. A gestão assumia-se como uma função de comando e controlo, que definia as regras e assegurava o seu cumprimento. Esta perspectiva taylorista do trabalho ainda se mantém em muitas organizações em Portugal, acentuada por uma cultura colectivista de acentuada distância ao poder, uma herança católica de desresponsabilização individual e décadas de reduzida exposição internacional. Tradicionalmente, o “patrão” assume um papel paternal, decidindo e tomando conta dos empregados, a quem ele não dá autonomia, pois considera não terem capacidade para decidir, e que, por sua vez, não tomam a iniciativa, pois não se espera que sejam ouvidos ou tenham poder de decisão. Há uma relação emocional entre os dois níveis que, no entanto, são muito afastados e desiguais, em que uns se subordinam e são obedientes, e os outros esperam reverência e privilégios. Não há uma cultura de igualdade, em que todos devem tomar a iniciativa, a comunicação não é bilateral e honesta, as relações de trabalho não são pragmáticas, mas pessoais, e o locus de controlo é externo, não se assumindo responsabilidade pelo próprio destino. Culturalmente, temos também uma forte necessidade de evitar a incerteza e, portanto, reagimos desconfortavelmente ao desconhecido e ao que pode implicar risco, encaramos a mudança como uma ameaça e a segurança é um forte factor de motivação. Por isso, algumas pessoas tendem a acomodar-se. O gestor até consegue facilmente justificar a continuação de uma pessoa numa função onde ela é boa, ou pensa apenas no tempo e dinheiro perdidos quando se muda uma pessoa de função ou se altera o perfil da função, ou nos problemas que se vão criar quando se altera o estabelecido. A própria pessoa alicerça-se em razões de segurança familiar e pessoal, financeira e psicológica, e não toma a iniciativa de enriquecer a sua função, questionar a sua aprendizagem ou reenquadrar-se na estrutura da organização. Mas a acomodação do indivíduo ou da organização ao status quo rapidamente se pagará muito mais cara. “The combination of cultures that resist change and managers who have not been taught how to create change is lethal.” (Kotter, 1996: 29) Como mencionado anteriormente, o mundo já não se caracteriza por uma mudança incremental e pouco frequente. As empresas aparecem e desaparecem, as funções já não estão 5
  • 6. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão garantidas, nem em termos de conteúdo, nem da sua própria existência, pelo que a organização e o indivíduo têm de assumir a responsabilidade pela sua renovação. 3. As possíveis soluções Actualmente, a solução tem passado, na maioria das vezes, pelo despedimento das pessoas que já se encontravam nas organizações há mais tempo ou, sendo isto impossível, mantê-las sem grande investimento. Mas a saída das pessoas mais antigas revela-se já incomportável, tanto para o país, pelos custos para a Segurança Social do subsídio de desemprego e das reformas antecipadas, como para a própria empresa, que assim perde experiência e saber acumulados, ao mesmo tempo que cria desmotivação entre as equipas. “Baby Boomers are departing our workforce everyday and leaving behind gaps in leadership, knowledge, and expertise.” (PWC, 2012) Como definido por Thomas Stewart em Intellectual Capital (citado por Dias, 2012), o capital intelectual constituído pelo conhecimento e pelas relações (com clientes e empregados) não é detido, mas apenas partilhado (e passível de ser perdido) pela organização. A saída ou a falta de investimento no capital humano ignora a importância deste para a organização. Tem também impactos financeiros directos, que se podem já prever: “As organisations move through recovery, those that underwent drastic headcount reduction now face the costly exercise of rehiring and reskilling as demand improves.” (PwC, 2010) É, portanto, necessário repensar a gestão dos recursos humanos em contexto de mudança. “… in a resource constrained recovery, it is perhaps time to make the best of our existing people and invest in them through, among other things, training and development.” (PwC, 2010) As sociedades anglo-saxónicas, mais adiantadas, já discutem o papel das gerações mais velhas nas empresas: “Age prejudice still exists, but smart companies are looking for ways to incorporate the talents of Boomers and even older workers in the workforce. In many cases, this requires rethinking roles and work relationships.” (Erickson, 2008) 6
  • 7. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão Segundo um estudo da PwC, em 2010, como os “CEOs were unable to move talent around quickly when the crisis hit”. 79%, em mais de 50 países, tencionavam aumentar a atenção e o investimento na gestão de pessoas durante a mudança, incluindo a redefinição de papéis na organização. A solução passa então pelo desenvolvimento e pela formação, em todo o seu espectro de possibilidades, pela redefinição de funções e das relações de trabalho, especificamente orientados, neste caso, para as pessoas que poderão ter estagnado no tempo e cujo potencial poderá estar a ser desperdiçado. “Training is provided, but it’s not enough, or it’s not the right kind, or it’s not done at the right time. People are expected to change habits build up over years or decades with only five days education. People are taught technical skills but not the social skills or attitudes needed to make the new arrangements work.” (Kotter, 1996: 108) Tudo isto implica um processo de mudança tanto individual como organizacional, que passa por uma nova forma de abordar o trabalho e a aprendizagem. Dependendo da predisposição do indivíduo, o líder poderá ter um papel condutor ou iniciador, pois pode ser uma mudança proactiva - resultado da sua própria iniciativa em consequência de tomada de consciência do contexto actual -, ou reactiva - imposta pela organização de que faz parte ou que gere, em forma de mudança de estratégia ou reestruturação. “Individual change is at the heart of everything that is achieved in organizations. (…) leaders have a particularly onerous responsability: that is, making all this happen.” (Cameron & Green, 2009: 9) A mudança individual Como afirma Kotter, “pain is ever present. But a significant amount of the waste and anguish (…) is avoidable.” E para facilitar o processo de mudança, é importante começar por considerar a reacção individual. Considerando as várias abordagens teóricas da motivação, uma vez as necessidades básicas fisiológicas e de segurança satisfeitas, as pessoas necessitam de pertença, auto-estima e auto- realização (Maslow, citado por Dias, 2012); os indivíduos também procuram essa realização pessoal no trabalho e, dado o ambiente adequado, são criativos e estão dispostos a aceitar 7
  • 8. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão responsabilidade (teoria Y de McGregor, citado por Dias, 2012); e são motivados também pela aprendizagem e desenvolvimento, para além dos factores de higiene como o salário, condições e segurança (factores de motivação de Herzberg, citado por Dias, 2012). Quer seja por iniciativa própria ou não, haverá portanto uma predisposição natural para esta mudança inerente ao desenvolvimento da pessoa e da função. Mas há também barreiras. Esta mudança individual implica aprender, ou seja, aquisição e aplicação dos novos conhecimentos. Como descrevem Cameron & Green (2009) através da curva de aprendizagem, implica reconhecer a necessidade de aprender e aceitar uma perda inicial de eficácia e confiança. Para uma pessoa que já faz o mesmo há muito tempo, este é o primeiro e, provavelmente, o mais difícil passo. Incompetência inconsciente Competência Incompetência inconsciente consciente Competência consciente Figura 1. Ciclo de aprendizagem segundo os psicólogos Gestalt (citado por Cameron & Green, 2009) Como refere Kotter (1996), a mudança não se consegue forçar, mas é necessário criar um sentido de urgência, evidenciar a necessidade imediata de mudança, como se o inimigo estivesse prestes a apanhar-nos. O indivíduo deve combater o seu próprio comodismo, reunindo informação que justifique essa necessidade, sobre as oportunidades e recompensas que não serão alcançadas se a mudança não acontecer e definindo-se objectivos que só poderão ser atingidos no novo contexto. O líder pode ainda contribuir para a consciência da incompetência e para aumentar os níveis de urgência, fomentando discussões abertas, aumentando o contacto com o exterior e definindo medidas de avaliação de desempenho que estão para além da pessoa e da sua função. 8
  • 9. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão Edgar Schein (citado por Cameron & Green, 2009) fala ainda da necessidade de desaprender hábitos passados para poder aprender e consolidar as novas aprendizagens. Para além do medo da incompetência, Schein também menciona os medos da punição, da perda de identidade e de pertença também associados a uma alteração de função, quando esta se sente como parte intrínseca do indivíduo. Acima de tudo, “never underestimate the magnitude of the forces that reinforce complacency and that help maintain the status quo.” (Kotter, 1996: 42) Mas uma vez reconhecida a necessidade de mudança, é necessário definir como abordar o indivíduo na gestão dessa mudança. Cameron & Green (2009) reúnem quatro abordagens distintas, mas complementares. Figura 2. Abordagens à mudança individual segundo Cameron & Green (2009) Do ponto de vista comportamental, é possível planear uma alteração, identificando, dissecando e medindo os comportamentos individuais em relação às funções desempenhadas e determinando recompensas e punições, conforme se demonstrem iniciativas de evolução. Por exemplo, a participação numa acção de formação e aplicação bem sucedida dos conhecimentos adquiridos pode ser recompensada com um elogio, um novo desafio ou uma promoção. A política de recompensas tem de ser coerente com os objectivos de inovação e aprendizagem da organização. Mas esta perspectiva não considera o que é subjacente ao comportamento e pode boicotar o mais bem intencionado propósito individual de perseguir a recompensa. 9
  • 10. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão A abordagem cognitiva já tem em conta os processos mentais. A terapia cognitiva e a teoria do sistema de crenças, citadas por Cameron & Green (2009), baseiam-se na ideia de há um auto-condicionamento, através de valores e crenças, para sentir e agir de determinada forma. Figura 3. Sistema de crenças (citado por Cameron & Green, 2009) Portanto, é necessário alterar a maneira de pensar para conseguir mudar o comportamento e atingir os resultados pretendidos, sendo essenciais uma atitude mental positiva e objectivos claros e ambiciosos. É possível usar técnicas cognitivas como: listar as qualidades individuais; repetir afirmações pessoais, positivas e poderosas; visualizar o resultado; reenquadrar o que nos causa ansiedade; criar um momento que quebra o padrão; analisar racionalmente crenças irracionais. E assim, racionalmente, justificar a necessidade de introduzir mudança nas funções desempenhadas. Ausente está, no entanto, a dimensão emocional interna que pode inutilizar o esforço racional de mudança. A abordagem psicodinâmica já considera o processo psicológico face à mudança, ou seja, as várias fases que o indivíduo atravessa, mais ou menos conscientemente e que se podem sobrepor. Estes estados acontecem de forma mais óbvia, por exemplo, quando a formação é imposta, mas também, em certa medida, quando é de iniciativa própria. Não é invulgar, quando uma pessoa inicia uma acção de formação que ela própria pediu, negar a sua utilidade, negociar o tempo “perdido” e resignar-se, antes do momento de viragem, em que se dispõe a experimentar e descobre que até faz a diferença. É importante o líder e o sujeito da mudança reconhecerem estes estados, de forma a geri-los de forma mais rápida e eficaz, conseguindo ultrapassar as reacções negativas sem deixar marcas e atingir a integração plena do novo estado. 10
  • 11. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão Figura 4. Fases de reacção à mudança (vários autores citados por Cameron & Green, 2009) Mas nem sempre isso acontece. Ao acrescentar a inteligência emocional à equação e considerar a pessoa no seu todo (pensamentos, comportamentos e sentimentos num contexto social e cultural), a psicologia humanística considera que o indivíduo pode conhecer-se e melhorar-se a si próprio e, como gestor, deve também conhecer e melhorar os outros. Chama a atenção para a necessidade de um ambiente facilitador, baseado numa relação genuína, aceitação incondicional e empatia, que permita ultrapassar as reacções negativas, atingir uma maior abertura ao risco e consciência da responsabilidade individual no processo de mudança. Se houver uma relação de confiança entre colaborador e líder (ou outro facilitador) e aquele sentir que pode expor as suas fraquezas e ser compreendido, estará mais predisposto a vencer as suas resistências e assumir um processo de desenvolvimento. Esta predisposição varia também com o perfil do indivíduo, que autores variados caracterizaram de diversas maneiras, mas que se definem por uma maior ou menor propensão para a inovação e para a acção. Experimentar Action O Prático Oriented Realist Aplicar Reflectir Action Thoughtful O Pragmático O Pensador Oriented Realist Innovator Investigar Thoughtful O Teórico Innovator Figura 5. Ciclo e perfis de aprendizagem segundo Kolb e personalidades tipo Myers-Briggs baseado em Cameron & Green (2009) 11
  • 12. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão Assim, indivíduos diferentes requerem tipos de formação diferente; os mais cuidadosos deverão ter oportunidade de conhecer a teoria e abordar as questões antes de se confrontarem com a acção; os mais pragmáticos devem ter acesso a casos práticos que tenham relevância para a sua própria situação; os mais orientados para a acção têm de experimentar e, se inovadores, ter espaço para a criatividade e partilha com os outros. Mas não são apenas as características e história individuais que influenciam a reacção à mudança. A natureza e consequências da mudança, assim como o historial da organização, também determinam a forma como é recebida pelo indivíduo. O processo de gestão da mudança é diferente se se tratar de desenvolvimento da função, de novas funções ou nova empresa, se estas forem impostas pela gestão ou partirem de iniciativa própria, se implicarem uma evolução ou forem uma transformação radical da função anterior, se for recebida como um benefício individual ou apenas como um interesse da empresa, se surge numa cultura organizacional marcada pela estabilidade ou propensão para o risco, ou se há histórico de gestão eficiente da mudança. Segundo Schein (citado por Cameron & Green, 2009), há duas forças em competição num processo de mudança individual: a ansiedade provocada pela aprendizagem e a associada à sobrevivência, resumidas na pergunta “E se eu falhar?”. Para ultrapassar o que normalmente se chama resistência à mudança provocada por esta ansiedade, Schein sugere que a associada à sobrevivência se sobreponha, reduzindo a provocada pela aprendizagem. No caso da introdução de mudança nas funções, há já uma questão de sobrevivência premente, pois dado o contexto económico nacional, há muitos indivíduos que se questionam se serão os próximos a serem convidados a sair. Mas é ainda assim possível ao líder aumentar a segurança psicológica em relação à aprendizagem, desenvolvendo e comunicando uma visão, criando um grupo representativo, credível e com poder, que lidere a mudança organizacional e seja respeitado como modelo, como veremos mais adiante. A mudança organizacional 12
  • 13. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão A nível organizacional, Lewin (citado por Cameron & Green, 2009) descreve também o confronto entre duas forças, estas opostas, as impulsionadoras e as resistentes à mudança, sendo que ambas têm de ser trabalhadas. Esta análise é um bom início para o processo de mudança organizacional, como diagnóstico da situação. Pois o desenvolvimento individual de uma pessoa há muito tempo nas mesmas funções só é possível numa cultura organizacional que verdadeiramente fomente a aprendizagem e a inovação. Figura 6. Análise de forças de Lewin aplicada ao problema em questão “Talent management is not only about projecting fast-trackers, it is about identifying the universality of talent and developing individuals in their role (no matter how modest) to add increasing value to that role and its contribution to company performance.” (PwC, 2010) Se a cultura não for esta, o que é possível havendo situações de estagnação, essa mudança individual está inevitavelmente associada a uma mudança organizacional. É necessário que a cultura organizacional seja de aprendizagem, que estimule e valorize o desenvolvimento das competências associadas à inovação, criatividade e adaptabilidade, a todos os níveis, desde os altos potenciais aos contribuidores mais modestos, mas que asseguram o desenrolar das actividades. Esta mudança organizacional, para ser bem sucedida, dever ser abordada como um processo em várias fases, descrito por vários autores relativamente coincidentes nos pontos-chave: 13
  • 14. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão Figura 7. Fases do processo de mudança de acordo com (de dentro para fora) Lewin, Bullock & Batten, Kotter e Cameron & Green Avaliação inicial e demonstração da necessidade É necessário começar pelo diagnóstico da cultura da organização e crenças individuais, das forças em confronto, fazer a desconstrução do passado e deixar claras a necessidade e a urgência da mudança. É uma empresa conservadora? A hierarquia é pesada? Como tem sido gerida a formação? Qual é a política de promoções? Quais são as alternativas à mudança? Como definido pela fórmula de Beckard (Cameron & Green, 2009), só se as pessoas que se pretende desenvolver estiverem suficientemente insatisfeitas com o estado actual da sua função, ansiosas pelo desenvolvimento proposto e convencidas que este é possível 14
  • 15. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão (cumulativamente), é que o valor trazido pela mudança é superior ao seu custo e a resistência é reduzida. Figura 8. Fórmula da mudança de Beckhard e Harris (citada por Cameron & Green, 2009) Planeamento A definição inicial de uma visão é imprescindível. De uma forma que se pretende simples, motivante e agregadora, dá uma direcção e permite definir as formas de lá chegar. “Vision refers to a picture of the future with some implicit or explicit commentary on why people should strive to create that future.” (Kotter, 1996: 68) Porque devem as pessoas trabalhar de forma diferente? Esta já deve ser construída com uma equipa líder da mudança, representante dos vários quadrantes da organização e que trabalha depois o plano de acção (e alternativas, se necessárias adaptações). Que programas de formação? Que funções a redefinir? Que alterações estruturais? Como vão as outras áreas da gestão da empresa enquadrar? Implementação A comunicação é repetida, coerente, bilateral e em múltiplos formatos. “Managers undercommunicate, and often not by a small amount. Or they inadvertently send inconsistent messages.” (Kotter, 1996: 85) Kotter fala também da falta de espaço dado aos colaboradores em geral para fazerem o trabalho moroso de digestão da mudança que já foi feito pelos líderes. 15
  • 16. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão Todos são envolvidos e responsabilizados e os líderes asseguram-se que eventuais barreiras estruturais são derrubadas – por exemplo, não se pode continuar a castigar o erro ou desaprovar a experimentação, deve ser dado tempo para a formação, e os gestores não devem desencorajar a iniciativa individual. É importante a definição de metas a curto prazo como forma de motivar e não perder o ânimo inicial, assim como a monitorização e revisão para garantir o ajustamento. Consolidação A fase final implica uma estabilização da nova forma de trabalhar, garantindo o alinhamento de todas as áreas da organização, através da formalização da mudança em políticas de recursos humanos, integrando as estratégias de gestão e a imagem da organização. “Culture changes only after you have successfully altered people’s actions, after the new behavior produces some group benefit for a period of time, and after people see the connection between the new actions and the performance improvement.” (Kotter, 1996: 156) 4. Conclusão Pessoas há muito tempo na mesma função podem denunciar uma necessidade individual e organizacional de desenvolver competências de adaptação, aprendizagem e inovação, essenciais no mundo e nas empresas actuais. O desenvolvimento destas implica um processo de gestão de mudança individual e organizacional que passa pelo reconhecimento desta necessidade, construção de um conjunto de iniciativas no âmbito da gestão de talento, formação e redefinição de papéis e de relações, que deverão culminar numa “learning organization” com pessoas em aprendizagem continua ao longo da vida. 16
  • 17. Quando muitos anos na mesma função se tornam um problema para a gestão 5. Bibliografia Cameron, Esther & Mike Green (2009), Making Sense of Change Management: A complete guide to the models, tools and techniques of organizational change, London and Philadelphia: Kogan Page. Dias, Eurico Brilhante (2012), Documentação de apoio, Management Toolkit. INDEG/ISCTE. Erickson, Tammy (2008), Today’s Top 10 Talent-Management Challenges, Bloomberg Businessweek, http://www.businessweek.com/stories/2008-06-20/todays-top-10-talent- management-challengesbusinessweek-business-news-stock-market-and-financial-advice. Kotter, John P. (1996), Leading Change. Boston, Massachusetts: Harvard Business School Press. Moreira, Pedro (2012), Documentação de apoio, Liderança e Gestão de Equipas. INDEG/ISCTE. Moreira, Pedro (2006), Gestão de Pessoas – Tendências, Qualificações e Formação, Lisboa: IQF. Pernas, Gonçalo (2012), Documentação de apoio, Gestão da Mudança. INDEG/ISCTE. PwC, Managing people in a changing world: Key trends in human capital a global perspective–2010, http://www.pwc.com/gx/en/hr-management-services/pdf/managing-people- in-a-changing-world.pdf PwC, Results from PwC Saratoga’s 2012/2013 US Human Capital Effectiveness Report, http://www.pwc.com/en_US/us/hr-saratoga/assets/pwc-saratoga-human-capital-effectiveness- executive-summary.pdf Silva, Ana Rijo da (2011), Documentação de apoio, Meio Cultural e Gestão dos Recursos Humanos. Católica-Lisbon. 17