3.
É o romance da ambigüidade, narrado em terceira pessoa,
pelo Conselheiro Aires. Pedro e Paulo seriam “os dois lados
da verdade”.
À medida que vão crescendo, os irmãos começam a definir
seus temperamentos diversos: são rivais em tudo. Paulo é
impulsivo, arrebatado, Pedro é dissimulado e conservador, o
que vem a ser motivo de brigas entre os dois. Já adultos, a
causa principal de suas divergências passa a ser de ordem
política: Paulo é republicano e Pedro monarquista. Estamos
em plena época da Proclamação da República, quando
decorre a ação do romance.
Até em seus amores, os gêmeos são competitivos. Flora, a
moça de quem ambos gostam, se entretém com um e outro,
sem se decidir por nenhum dos dois: é retraída, modesta, e
seu temperamento avesso a festas e alegrias.
4.
A narrativa machadiana vem entrecortada de fatos
políticos da história do Brasil: a abolição da
escravatura, em 1888, vem aí mencionada
opacamente, mas servindo para Paulo tecer
considerações nitidamente de sentido republicano
“A abolição é a aurora da liberdade; esperemos o
sol; emancipado o preto, resta emancipar o
branco” (ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática, São
Paulo, 1990, p. 55).
Queda do império e instauração da República,
século XIX.
5. * AÇÃO
O núcleo central do romance gira em torno da rivalidade entre os
dois gêmeos, sendo de fundamental importância aqui também a
presença de Flora.
Pedro e Paulo, os gêmeos, filhos de Natividade e Santos, nascem
sob o signo de uma profecia: seriam rivais na vida, mas estavam
fadados à grandeza: “cousas futuras” - como previu a cabocla do
Castelo.
“— Coisas futuras! murmurou finalmente a cabocla.
— Mas, coisas feias?
— Oh! não! não! Coisas bonitas, coisas futuras!
— Mas isso não basta; diga-me o resto. Esta senhora é minha irmã e
de segredo, mas se é preciso sair, ela sai; eu fico, diga-me a mim
só... Serão felizes?
— Sim.
— Serão grandes?
— Serão grandes, oh! grandes! Deus há de dar-lhes muitos benefícios.
Eles hão de subir, subir, subir...” (ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática,
São Paulo, 1990, p. 12).
6. * LUGAR
A história se desenvolve na cidade do Rio de
Janeiro, com diversas referências a localidades
ainda hoje existentes, como o Morro do Castelo
(hoje Esplanada do Castelo), Botafogo, Andaraí e
outras. Mas no fim do romance, a ação se desloca,
durante algum tempo, para Petrópolis.
* TEMPO
Flashbacks;
Tempo Intratextual;
Tempo Cronológico.
7. De acordo com a tipologia de Norman Friedman, o modo de
apresentação do romance é ONISCIÊNCIA DO AUTOREDITOR.
“O narrador comporta-se como em deus em seu universo
ficcional: está em todos os lugares e em todas as épocas.
Conhece o que está dentro das personagens e o seu contexto
histórico. Este narrador aparece com uma voz narrativa em
terceira pessoa” (JÚNIOR, Abdala. Introdução à análise
narrativa. São Paulo: Scipione, 1995).
“Hás de lembrar-te que Flora não despegava os olhos dele,
ansiosa de saber por que é que a achava inexplicável. A
palavra rasgava-lhe o cérebro, ferindo sem penetrar.
Inexplicável que era? Que se não explica, sabia; mas que se
não explica por quê?
Quis perguntá-lo ao conselheiro, mas não achou ocasião, e
ele saiu cedo” (ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo,
1990, p. 34).
8. Este narrador também interfere na história, fazendo
comentários ao longo dela.
“O que a senhora deseja, amiga minha, é chegar já ao
capítulo do amor ou dos amores, que é o seu interesse
particular nos livros. Daí a habilidade da pergunta,
como se dissesse: ‘Olhe que o senhor ainda nos não
mostrou a dama ou damas que têm de ser amadas ou
pleiteadas por estes dois jovens inimigos. Já estou
cansada de saber que os rapazes não se dão ou se dão
mal; é a segunda ou terceira vez que assisto às
blandícias da mãe ou aos seus ralhos amigos. Vamos
depressa ao amor, às duas, se não é uma só a pessoa...’
Francamente eu não gosto de gente que venha
adivinhando e compondo um livro que está sendo
escrito com método. A insistência da leitora em falar de
uma só mulher chega a ser impertinente” (ASSIS, M.
Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo, 1990, p. 45).
9. De acordo com a tipologia de Wolfgang Kayser, o
romance pode ser considerado um ROMANCE
DE AÇÃO OU DE ACONTECIMENTO.
“Romance
caracterizado
por
uma
intriga
concentrada e fortemente desenhada, com
princípio, meio e fim bem estruturados”
(KAYSER, Wolfgang. Apud AGUIAR E SILVA,
Vitor Manuel. Teoria da Literatura, Coimbra:
Livraria Almedina, 1984, p. 685).
Brigas dentro da barriga da mãe;
Brigas por causa Flora;
Brigas após a morte da mãe e de Flora.
10.
“E. M. Forster distingue as personagens romanescas em duas
espécies fundamentais: as personagens desenhadas ou planas e as
personagens modeladas ou redondas” (FORSTER, E. M. Apud
AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel. Teoria da Literatura, Coimbra:
Livraria Almedina, 1984, p. 709).
“As personagens desenhadas são definidas linearmente apenas
por um traço, por um elemento característico básico que os
acompanham durante todo o texto” (AGUIAR E SILVA, Vitor
Manuel. Teoria da Literatura, Coimbra: Livraria Almedina, 1984, p.
710).
“As personagens modeladas oferecem uma complexidade muito
acentuada e o romancista tem de lhes consagrar uma atenção
vigilante, esforçando-se por caracterizá-las sob diversos aspectos”
(AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel. Teoria da Literatura, Coimbra:
Livraria Almedina, 1984, p. 710).
11. Conselheiro Aires
Ocupa o centro de toda a narrativa, dada a sua
importância no romance como guia espiritual dos
gêmeos. Era estimado e respeitado pela sua conduta
ímpar, pela sua hombridade, experiência e
dignidade.
Como observa Massaud Moisés, “é um homem de
nervos, sangue, cheio de humanidade, de
contradição por isso mesmo, dono duma vitalidade
incomum à idade e, simultaneamente, duma
melancólica e conformista visão da existência”, no
que lembra o próprio Machado de Assis.
12. Pedro e Paulo
São os gêmeos que dão nome ao livro (Esaú e Jacó).
Caracteriza-os uma rivalidade que remonta ao ventre
materno, quando já brigavam. Não constituem
individualidades autônomas, não passando de símbolos
da dualidade do ser humano, na sua natureza complexa e
intrincada.
Em um momento do livro os gêmeos são descritos assim:
“No valor e no ímpeto podia comparar o coração ao gêmeo
Paulo; o espírito, pela arte e sutileza, seria o gêmeo
Pedro” (ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo, 1990,
p. 127).
Sendo o coração e o espírito, nada além de uma dualidade
do mesmo ser.
13. A dupla Pedro-Paulo é também um meio de
Machado pôr a vivo a situação política dos fins
do século XIX, em que igualmente está
implícita a ambiguidade humana: Pedro era
monarquista (conservador), Paulo republicano
(liberal):
“A razão parece-me ser que o espírito de
inquietação está em Paulo, e o de conservação
em Pedro” (ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática,
São Paulo, 1990, p. 149).
14. Flora
É uma personagem que atravessa a sua
curta existência sem perturbar ninguém,
sem nenhuma manifestação de natureza
ruidosa.
“Flora toca-nos, comove-nos até, mas
desaparece mansamente do romance
como desaparece mansamente de nossa
memória sem deixar maior rasto
impressivo, como deixa Capitu para
sempre e sempre”.
15. Natividade e Santos
São os pais dos gêmeos. Ela, esposa dedicada e mãe
extremada, que não hesita em se expor em favor dos
filhos, como no caso da consulta à cabocla do Castelo:
“tinha fé, mas tinha também vexame da opinião” (ASSIS,
M. Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo, 1990, p. 10).
Ele, comerciante bem sucedido e banqueiro de grande
respeito, como toda personagem machadiana. Daí até
o baronato foi um pulo:
“...no despacho imperial da véspera o Sr. Agostinho José
dos Santos fora agraciado com o título de Barão de
Santos” (ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo,
1990, p. 38).
16. D. Cláudia e Batista
São os pais de Flora. D. Cláudia é o retrato
da mulher forte, que subjuga o marido
fraco. A fraqueza do Batista e a fortaleza da
mulher podem ser vistas no Cap. XLVII,
onde Machado coloca a mulher como
sinônimo do diabo. O Batista é o tipo do
político que quer subir, mas é fraco; D.
Cláudia a mulher ambiciosa que quer tudo
para o marido, porque serão delas os
privilégios e regalias do sucesso e das
glórias dele.
17.
É o que está explícito no próprio título do livro: Esaú e
Jacó, figuras bíblicas que rotulam o romance, filhos de
lsaac e Rebeca, que se caracterizaram pela rivalidade.
No romance, os irmãos têm nome de Pedro e Paulo, o
que evoca os dois apóstolos, também rivais, segundo a
explicação do velho Plácido.
A dualidade de Pedro e Paulo deveria ser a
personificação dos dois gênios que todos temos dentro
de nós. Machado poderia muito bem pegar uma só
pessoa e analisar essa complexidade dual, mas não o
fez. Preferiu isolar os dois componentes básicos do ser
humano: coração (Paulo) e espírito (Pedro), o que torna
a obra ainda mais complexa para ser estudada.
18. Fidelidade na descrição de situações e personagens
A verdade dos fatos é uma das principais preocupações
realistas. Ser fiel àquilo que descreve é uma norma que o
escritor realista, tanto quanto possível, procura seguir. O
escritor realista encara a realidade direta e objetivamente e
procura mostrar o que é, não o que deve ser, como os
românticos.
“Não me peças a causa de tanto encolhimento no anúncio e na
missa, e tanta publicidade na carruagem, lacaio de libré. Há
contradições explicáveis. Um bom autor, que inventasse a
sua história, ou prezasse a lógica aparente dos
acontecimentos, levaria o casal Santos a pé ou em caleça de
praça ou de aluguel; mas eu, amigo, eu sei como as causas
se passaram, e refiro-as tais quais. Quando muito, explicoas, com a condição de que tal costume não pegue” (ASSIS,
M. Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo, 1990, p. 17).
19. Gosto pela análise
A análise é uma característica básica na ficção realista,
principalmente a análise psicológica. Nesta obra, atém-se
à análise da complexidade dual do ser humano. Machado
procura desvendar e esclarecer os segredos da alma
humana, como é o caso do trecho abaixo, extraído do
Cap. XCIII:
“Talvez a causa daquelas síncopes da conversação fosse a
viagem que o espírito da moça fazia à casa da gente
Santos. Uma das vezes, o espírito voltou para dizer estas
palavras ao coração: “Quem és tu, que não atas nem
desatas? Melhor é que os deixes de vez. Não será difícil a
ação, porque a lembrança de um acabará por destruir a
de outro, e ambas se irão perder com o vento, que arrasta
as folhas velhas e novas, além das partículas de cousas,
tão leves e pequenas, que escapam ao olho humano.
Anda, esquece-os: se os não podes esquecer, fazer por não os
ver mais; o tempo e a distância farão o resto” (ASSIS, M.
Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo, 1990, p. 127).
20. Objetividade e impessoalidade
Essa é uma característica que reflete a época do
cientificismo, da precisão, da observação. Ao
contrário do Romantismo, no Realismo o escritor
não interfere na conduta de suas personagens;
tanto quanto possível, ele se afasta delas,
desenvolvendo assim uma narrativa objetiva e
impessoal.
“Ao cabo, não estou contando a minha vida, nem as
minhas opiniões, nem nada que não seja das
pessoas que entram no livro. Estas é que preciso
por aqui integralmente com as suas virtudes e
imperfeições, se as têm. Entende-se isto, sem ser
preciso notá-lo, mas não se perde nada em repetilo” (ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo,
1990, p. 69).
21.
Narrativa lenta e pormenorizada
Se a grande preocupação do escritor realista é
com a análise, claro está que o seu processo
narrativo será lento. Os pormenores, detalhes
aparentemente dispensáveis, contribuem, por
outro lado, para o painel ou retrato da
realidade que se quer expor.
“Perdoa estas minúcias. A ação podia ir sem
elas, Mas eu quero que saibas que casa era, e
que rua e, mas digo que ali havia uma espécie
de clube...” (ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática,
São Paulo, 1990, p. 27).
22.
As implicações freudianas são claras: o Complexo
de Édipo revelado na adoração da mãe faz com
que se lancem um contra o outro.
É bom lembrar que Machado de Assis escrevia
antes mesmo do termo ser inventado. O mesmo
Complexo pode explicar o fato de ambos se
apaixonarem
pela
mesma
mulher.
23.
Ao nomear seu livro como Esaú e Jacó, é
possível estabelecer-se logo de partida
uma intertextualidade entre a narrativa
de Machado e a narrativa bíblica do
gênesis sobre os filhos de Isaac.
Há também a relação intratextual, no que
se refere ao perfil dos personagens da
narrativa
24.
AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel. Teoria da
Literatura, Coimbra: Livraria Almedina, 1984.
ASSIS, M. Esaú e Jacó, Ed. Ática, São Paulo, 1990.
ASSIS, M. Esaú e Jacó, FTD, São Paulo, 2002.
ASSIS, Machado. Esaú e Jacó, L&PM Editores, 2º
Ed., 2004.
JÚNIOR, Abdala. Introdução à análise narrativa.
São Paulo: Scipione, 1995.
NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. 2. ed.
São Paulo: Ática, 2008.