Este documento descreve uma pesquisa que aplicou a abordagem temática de Paulo Freire em uma sala de aula de Educação de Jovens e Adultos para discutir o tema da energia. O objetivo era promover um diálogo entre professores e alunos e abordar a ciência de forma contextualizada e crítica, levando os alunos a refletirem sobre o tema e sua realidade. A pesquisa qualitativa observou as aulas e dialogou com os participantes, analisando como a abordagem pode desenvolver uma visão crítica e aut
Ensino de Física em EJA com enfoque CTSA através de temas geradores
1. INSERÇÃO DO ENFOQUE CTSA EM UMA SALA DE AULA EJA
ATRAVÉS DA ABORDAGEM TEMÁTICA
INSERTION OF STSE APPROACH IN A YOUNG AND ADULT
EDUCATION CLASSROOM THROUGH THEMATIC APPROACH
Paulo Gabriel Franco dos Santos
Orientador: Prof. Dr. Ernandes Rocha de Oliveira
Colaboradora: Profª. Drª. Maria Angela de Moraes Cordeiro
Universidade Estadual Paulista – Faculdade de Engenharia de Ilha Solteira – Licenciatura em Física –
paulogabriel22@yahoo.com.br
Palavras-chave: CTSA, concepção dialógico-problematizadora, EJA
Keywords: STSE, dialogical conception, Young and Adult Education
1. INTRODUÇÃO
Diante do quadro histórico da relação entre a evolução da humanidade e a utilização da
energia, nesse percurso, é cabível questionarmos como está, atualmente, a relação entre a ciência, a
tecnologia, a sociedade e o ambiente. Podemos ainda ir mais adiante: como essa questão é abordada
na escola sendo esta um importante estágio do ser humano como ser social?
Como educadores nos depararemos com uma diversidade de sujeitos que possuem diferentes
explicações do mundo e visões peculiares acerca de um determinado fenômeno físico por exemplo.
Visões essas concebidas pela vivência de cada um em seu respectivo grupo social. Reportando-nos
a Paulo Freire e utilizando-o como referencial teórico, conhecer como cada grupo constrói os
mecanismos para sua sobrevivência e explicam o mundo do qual fazem parte é, não apenas
importante, mas indiscutivelmente relevante em uma prática dialógica na qual ambos, educadores e
educandos, vão se reconhecendo na medida em que conhecem o mundo ao redor e, assim,
promovem de fato uma educação para a liberdade. E, ainda, como professores de física, cabe-nos a
indagação sobre qual a importância daquilo que ensinamos na formação da cidadania, qual o
sentido que todos esses conhecimentos têm na vida de cada indivíduo e de que forma usarão tais
conhecimentos nas suas ações sobre o mundo. A ciência não se dá somente no ambiente escolar,
lembrando DELIZOICOV et al. (2002, p. 127), mas está disseminada no contexto social e
influencia nas atitudes de cada sujeito como ser social.
No que tange à posição do sujeito que dissemina o conhecimento em uma sala de aula, isto
é, quando nos posicionamos como professores em uma situação de ensino/aprendizagem e
consideramos o fato de que nos relacionamos com sujeitos que possuem conhecimentos prévios que
norteiam e determinam suas ações sobre o mundo, reportando-nos a FREIRE (1996), podemos dizer
nesse sentido, que a busca por situações dialógicas onde educadores e educandos participam
ativamente desse contexto e o discurso não seja monopolizado por uma das partes envolvidas, mas
que a linguagem seja uma ferramenta comum na sala de aula sob o poder de todos os membros
desse grupo maior, é fundamental na explicitação dos pontos de vista dos sujeitos e manifestação da
forma com que cada um vislumbra o mundo ao redor.
Retornando o foco para o professor, encontramos em DELIZOICOV, ANGOTTI e
PERNAMBUCO (2002) uma reflexão sobre a ação do mesmo no contexto da ciência e da
tecnologia como cultura, o que baliza com bastante propriedade este trabalho:
“A ação docente buscará construir um entendimento de que o processo de
produção do conhecimento que caracteriza a ciência e a tecnologia constitui
uma atividade humana, sócio-historicamente determinada, submetida a
pressões internas e externas, com processos e resultados ainda pouco
acessíveis à maioria das pessoas escolarizadas, e por isso passíveis de uso e
compreensão acríticos e ingênuos; ou seja, é um processo de produção que
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2. precisa, por essa maioria, ser apropriado e entendido” DELIZOICOV,
ANGOTTI e PERNAMBUCO (2002, p. 34)
Pautando-se nesta perspectiva, reafirmando o fato acima exposto da não-neutralidade da
ciência e reconhecendo a difusão da mesma em um amplo contexto social é mister demonstrar a
intenção explícita de fugir dos padrões positivistas do fenômeno educacional atual tanto no
desenvolvimento da pesquisa quanto na própria atuação na sala de aula. A quebra desses
paradigmas se dá através do ato comunicativo que se desenrola em todos os instantes da
investigação e no reconhecimento do ser humano como tal nesse contexto.
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E OBJETIVOS
3.1 Fundamentação Teórica
Encontramos em FREIRE (1987) que o diálogo se dá a partir do momento que ambas as
partes envolvidas na situação dialógica se reconhecem como iguais, ao contrário de uma ocorrência
onde uma das partes se vê mais provida ou afortunada de intelecto sobre a outra ou que ignora ou
outro reduzindo-o a um ser menos, inferior.
Assim, desde o planejamento da aula até a atuação no espaço institucionalizado de ensino,
isto é, durante todo o processo educativo, deve-se considerar quem são os sujeitos imersos nesse
contexto, reconhecendo-os e reconhecendo-nos assim em um contexto universal. Para FREIRE
(1987), em uma prática educativa, não devemos instituir nosso saber como verdade incontestável ou
impor nossa visão de mundo sem dialogar com as partes envolvidas. É fundamental que os
conteúdos não sejam oferecidos sem que se leve em consideração os anseios, a vivência, os
desafios, as dúvidas e as expectativas dos sujeitos envolvidos no processo.
A educação enquanto fenômeno social se caracteriza em FREIRE (1981) como uma ação
para a prática da liberdade e, nesse sentido, assume um caráter dialógico onde os envolvidos se
distanciam da realidade para, problematizando-a, inserir-se nela criticamente.
Quanto às abordagens CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade) e CTSA (Ciência,
Tecnologia, Sociedade e Ambiente), as mesmas propõem, enquanto focalizadas na educação e, mais
precisamente, no ensino de Ciências, uma articulação entre esses ramos do conhecimento de modo
que o tratamento de qualquer um isoladamente não seja viável, mas sim quando se estabelece uma
relação lógica e pautada por análises críticas dos mesmos.
Baseando-se nisso, um ensino nesse contexto procura envolver os sujeitos imersos no
processo de ensino/aprendizagem em situações onde os mesmos são provocados a se posicionarem
diante de uma determinada questão problemática do ponto de vista social; a reconhecerem a ciência
e a tecnologia como produções humanas; a participarem das negociações, produções e disseminação
da ciência e da tecnologia; a construírem posicionamentos perante o contato com informações
provenientes de produções científicas.
A partir de um estudo do “universo temático” – utilizando um termo freiriano – dos sujeitos
participantes da situação educativa, elencando e explorando suas potencialidades, surgem os temas
geradores, que não são, de forma alguma, desvinculados do contexto dos mesmos, mas são
potencialmente significativos e coerentes com a realidade. Então, na investigação dos sujeitos como
seres humanos, é relevante a observação da percepção da realidade tátil, visível e a realidade
subjetiva, metafísica.
Para atender às demandas, os temas tomam o caráter de temas geradores que envolvem
situações contraditórias e que levam os indivíduos a se posicionarem diante deles e refletirem
criticamente a realidade na qual estão inseridos, dando sustentação, assim, ou reestruturando a sua
visão de mundo. O tratamento desse tipo de tema em sala de aula oportuniza a aproximação das
reais condições de produção da Ciência e das suas conexões com a Tecnologia, com a Sociedade e
com o Meio Ambiente (SILVA e CARVALHO, 2007). Ainda podemos dizer do contexto analisado
o potencial que possui ao considerar a propriedade em ressaltar a não neutralidade da
Ciência/Física, ou seja, os determinantes sociais, econômicos, políticos e históricos presentes em
uma análise crítica de tais aspectos. Com isso, uma prática outrora de caráter positivista,
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3. mecanicista e pautada em verdades absolutas dá lugar à outra que assume uma postura crítica
cedendo espaço a discussões e possibilitando a instauração de situações dialógicas.
3.2 Objetivos
Neste trabalho busca-se desenvolver um estudo investigativo e atuante, sobre a inserção do
enfoque Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente (CTSA) em uma sala de aula da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) através da problematização de temas controversos que geram
questionamentos e levam o sujeito a construir um posicionamento, com argumentos próprios
formados a partir de suas relações sociais no decorrer de sua vivência e/ou os formados a partir do
conhecimento científico. A situação investigada é balizada na concepção dialógico-
problematizadora de Paulo Freire, enfatizando o caráter dialógico do ensino contextualizado.
4. METODOLOGIA
A pesquisa é de caráter qualitativo, cuja metodologia é a do tipo pesquisa participante. A
mesma se desenvolveu na Escola Municipal Professora Aparecida Benedita da Silva, em duas
turmas de oitava série (8ª A e 8ª B) vinculadas à Educação de Jovens e Adultos. Essas turmas
dispunham de 4 aulas semanais de física no período noturno, sendo que a pesquisa realizou-se em
apenas duas aulas semanais devido a disponibilidade de horários. Cada sala contava com
aproximadamente 20 alunos sendo que os mesmos se situavam em faixa etária entre 15 e 65 anos. A
grande maioria com idades defasadas em relação à série e muitos anos fora do ambiente formal de
ensino. Durante as aulas, foi estudado e discutido o tema energia, com leituras de textos, diálogos
em sala de aula e resolução de atividades propostas
A inserção na sala de aula e atuação na mesma esteve sempre balizada na teoria da
investigação-ação onde o investigador e os investigados interpretam a realidade, fazendo uma
leitura do seu contexto a partir da própria prática, dos próprios valores e concepções
(GRABAUSKA e BASTOS, 2001).
E, ainda, em MION e BASTOS (2001), temos:
“Ao viver um processo de investigação-ação educacional, ocupamo-nos em
refletir sobre nossas práticas educacionais, buscando direcionar a nossa ação
para a conscientização dos envolvidos e sempre tendo em mente conhecer a
realidade e transformá-la” MION e BASTOS (2001, p. 31)
Neste sentido, a investigação-ação reforça o caráter dialógico da relação educador-educando
no processo de ensino. As movimentações do professor-pesquisador e dos alunos-participantes são
analisadas e documentadas em todos os instantes do processo educacional, desde a preparação do
material de apoio até a aplicação e discussões em sala de aula. Toda participação é gravada,
documentada, discutida e problematizada com os pares – orientadores, professores, pesquisadores e
estagiários da EJA.
5. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Toda a dinâmica da pesquisa, desde as reuniões com a professora com o intuito de
negociações, adaptações e esclarecimento até a própria ação em sala de aula e as reuniões com os
grupos de estudos da EJA, foi considerada ao analisar o processo de investigação-ação. Quanto ao
desenvolvimento das atividades, depois das reuniões com os sujeitos já citados, da observação
prévia das turmas da oitava série, instaurou-se o período de preparação dos materiais de estudos que
estivesse em consonância com o referencial teórico adotado. Os textos e as atividades foram
desenvolvidos levando em consideração as potencialidades de desenvolvimento da autonomia, o
posicionamento crítico diante do tema que proporcionasse a reflexão e questionamento da realidade
em que vivem e que pudéssemos negociar significados.
Abaixo, encontram-se detalhados alguns momentos da pesquisa e da movimentação do
pesquisador:
Reuniões com a professora: Antes de assumir a sala de aula, ainda na consolidação do referencial
teórico e projeção das ações na escola, houve três reuniões com a professora responsável pela
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4. disciplina de ciências. Os intuitos dessas reuniões eram: a) expor as intenções de pesquisa para a
professora; b) negociar questões de horários, adaptação da proposta curricular; c) esclarecimento
das características das turmas como idades, número de pessoas, comportamento; d) iniciar a
elaboração do perfil dos sujeitos, da escola, dos professores e dos demais personagens que seriam
envolvidos na pesquisa. As reuniões foram gravadas em áudio.
Observações das aulas: Constituiu os primeiros contatos com a turma, com a escola, com a
dinâmica do processo educacional que ocorre dentro daquela instituição de ensino e, a partir de
gravações e diários de bordo, constituir dados para o estudo do contexto em pauta.
Aulas do conteúdo programático: Período onde foi assumida a regência da sala de aula e
ministradas as aulas do conteúdo que já fazia parte do plano de ensino conforme negociações com a
professora. Nesse período, durante o período de aula e fora da sala, em conversas informais, houve
conversas com os intuitos investigativos e exploratórios sobre questões do dia-a-dia, da escola, das
aulas de ciências, enfim, a fim de organizar informações e constituir dados de pesquisa.
Atividades sobre o tema energia: Depois de conversas com o grupo de discussão da Educação de
Jovens e Adultos – que tem como membros pesquisadores e estagiários dos cursos de matemática,
biologia e física a fim de discutir, problematizar e teorizar situações e eventuais problemas – e com
as turmas da oitava série, do estudo das informações adquiridas no decorrer de todo o processo de
investigação-ação, instaurou-se o período de preparação dos materiais de estudos que estivesse em
consonância com o referencial teórico adotado e com a própria postura assumida pelo professor-
pesquisador diante das teorias estudadas. Tais textos foram selecionados da revista Ciência Hoje e
as atividades desenvolvidas levando em consideração as potencialidades de desenvolvimento da
autonomia, o posicionamento crítico diante do tema (tema este que, para atender aos pressupostos
teóricos de CTS e CTSA, se constituía um tema controverso, passível de opiniões contraditórias e
que levasse os alunos a construírem posicionamentos diante das discussões instauradas), que
proporcionasse a reflexão e questionamento da realidade em que vivem e que pudéssemos negociar
significados.
6. CONCLUSÃO
A análise das aulas, das reuniões e das atividades ainda está em andamento, porém com a
experiência em sala de aula e o afastamento necessário para o universo das teorias, já é possível
destacar o impacto provocado pela inserção de tal tema dentro da sala de aula, a entrega dos sujeitos
durante as discussões na construção (e defesa) dos seus posicionamentos e as potencialidades do
ensino contextualizado e significativo.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DELIZOICOV, D.; ANGOTTI, J. A.; PERNAMBUCO, M. M. Ensino de Ciências – fundamentos e
métodos. São Paulo: Editora Cortez, 2002.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro; Paz e Terra, 1987.
MARTÍNEZ, L.F.; VILLAMIL, Y.M.; D.C.; PEÑA. Relaciones Ciencia, Tecnología, Sociedad y
Ambiente, a partir de casos simulados. I Congreso Iberoamericano de Ciencia, Tecnología,
Sociedad e Innovación CTS+I. Palacio de Minería de 19 a 23 de junho de 2006.
MION, R.A.; SAITO, C.H. (Org.)Investigação-Ação: Mudando o Trabalho de Formar Professores.
Ponta Grossa: Gráfica Planeta, 2001.
SANTOS, W.L.P.; MORTIMER, E.F. Uma análise de pressupostos teóricos da abordagem C-T-S
(Ciência – Tecnologia – Sociedade) no contexto da educação brasileira. Ensaio – Pesquisa em
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SILVA, L.F.; CARVALHO, L.M. A temática ambiental e o processo educativo: o ensino de física
a partir de temas controversos. Ciência & Ensino, v. 1, número especial, nov. 2007.
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