1. O Que é Literatura de
Cordel?
06
A Filosofia nos
folhetos de Cordel
18
A Criação de Brasília
34
A Arca de Noé
41
Patativa do Assare
O voo do centenario mestre da poesia 47
2. Uma escola literaria
Editorial poetico
A nossa Literatura
De Cordel, apelidada,
Tem raiz em Portugal
Mas aqui foi recriada.
A de lá ficou mofina,
Diante da nordestina
A de lá não vale nada!
Aqui, folhetos, canções,
Romances e gemedeira,
ABCs, moirões, pelejas,
Capa talhada em madeira,
Normas rígidas, pauta
vária...
É uma escola literária
Da cultura brasileira!
Desde o maior teatrólogo,
Músico, pintor e escritor
Todos vão beber na fonte
Dos versos do cantador.
Se os produtos derivados
São muito valorizados,
A matriz tem mais valor.
Cordel não é só Folclore,
Folheto e xilogravura,
É Filosofia e estilo,
É arte e Literatura
É luta, dor e alegria
É a mais pura poesia... Crispiniano Neto
A mãe da nossa cultura! Cordelista
3. Editorial
rEvista BrasilEira 06.
dE litEratura dE O que é 14.
CordEl
Literatura A Popu-
dirEtoria ExECu- de Cordel? laridade e
tiva Editorial Atualidade
Editora imEph
do Cordel
rEdação
Crispiniano nEto
ProjEto GráfiCo
E diaGramação
mayara Carol
araújo
30.
28. Regras da
O Brasil de Poética
Pindorama Cordeliana
Fala Tupi
Guarani
Sumário
38.
A História 41.
da Ciência A Arca de
nos Versos Noé
de Gonçalo
Ferreira
4. 18.
A Filosofia 27.
nos Soletrando
Folhetos
de Cordel
36.
34. 5 Séculos
Criação de de Luta e
Brasília Aventur,
Desem-
prego,
Racismo e
Violência
44.
De Capa
Repente...
47.
O Vôo de
centenário
mestre da
Poesia
5. O QUE Ée
LITERA TURA
DE CORDEL
“Q ue Literatura é esta, cujos
temas são aproveitados
pelo cinema, pelo teatro,
pela música, televisão e até mesmo pelos
poetas e escritores eruditos?
O que é isto que está chamando a
atenção dos professores universitários e
universidades do mundo todo, sendo su-
jeito de muitas teses de pós-graduação,
de doutoramento e de estudos, como na
França Estados Unidos, Japão, Rússia e
outros países?
Seria ela um traço do nordestino que
desceu para o Sul do país, com os “paus-
de-arara”, estendendo a sua influência
cultural?
Afinal, o que é Literatura de Cordel que,
no Nordeste, é somente conhecida por
folhetos, abecês, romances e cantorias?”
MACHADO, Franklin. O que é Literatura
de Cordel? / Rio de Janeiro. Editora Co-
decri, 1980. P.11.
Revista Brasileira de
Artigo | 06 Literatura de Cordel
6. Quando Portugal colonizou o festas num tempo em que não
Brasil, a maioria da população havia rádio nem televisão.. Eles
portuguesa era analfabeta e as acompanhavam os poemas can-
gráficas, mesmo na Europa eram tados, com violas ou rabecas, o
de um tecnologia muito atrasa- que aprenderam com os ‘medajs’
da, pois ainda não fazia muito árabes que trouxeram o alaúde
tempo que Gutemberg tinha in- para a região, quando domina-
ventado a imprensa e as máqui- ram por cerca de oito séculos,
nas impressoras eram extrema- a Espanha, vizinha de Portugal
mente rústicas. Não havia sequer e que, por um tempo foi reino
a eletricidade para permitir a unido do país que nos colonizou.
fabricação de máquinas mais Chegando ao Brasil, os
modernas, como as tipográficas folhetos contando histórias de
de alta velocidade e muito me- princesas, bruxas, príncipes
nos as off-sets. Imprimir um livro valentes e princesas encantadas,
grande, como a Bíblia Sagrada, monstros e sábios encontrou um
Os Lusíadas era uma tarefa de povo ansioso por estes mistérios
anos, para não demorar demais e encantos, formado dos três
as tiragens de livros grandes sangues que formam a etnia
não passavam de dez exem- brasileira, o próprio português
plares. Então, uma comunicação com toda esta carga cultural, o
mais rápida, uma literatura que índio que costumava sentar ao
permitisse tiragens maiores tinha redor da fogueira e ouvir o pajé
que ser através de impressão de contar histórias mirabolantes
“folhas soltas” e de pequenos que preenchiam o imaginário de
folhetos, os quais eram vendidos todos, com idealizações, lendas,
em Portugal, pendurados em medos, milagres e heroísmos; o
cordões (cordéis) nas feiras e nas negro africano, um pouco mais
ruas mais movimentadas, através adiantado culturalmente que o
de cegos cantadores, autoriza- nosso índio, também vinha de
dos pelo Rei, como forma de uma cultura de muita imagina-
gerar emprego e renda para ção, lenda, temores e lutas. Es-
os deficientes visuais que tinham tava formado o ambiente fértil
dotes artísticos. para nascer uma nova expressão
Trovadores, jograis, menes- cultural.
tréis e cantadores tinham grande
influência na difusão cultural da
época, pois, sendo a população
analfabeta, como já dissemos,
uma literatura rimada permitia
melhor compreensão e facilitava
demais a memorização. Can-
tadores populares eram
figuras indispensáveis
em todas as vilas por-
tuguesas da época,
animando feiras e
Artigo | 07
7. Os primeiros folhetos
Os primeiros folhetos vieram de Portugal, nas caravelas juntos com
os colonizadores, nem sempre eram escritos em versos, mas eram a
principal fonte de leitura dos primeiros séculos do Brasil.
Antes de entrarem nas caravelas tinham que passar pela rigorosa cen-
sura da Santa inquisição. Na Casada Torre do Tombo, em Lisboa, eram
selecionados os que podiam ser lidos nas colônias e os que não podiam
vir para o Brasil, Açores, Guiné, Moçambique, Algarves.
Surge a ‘Cantoria de Viola’ na Serra do Teixeira, Paraíba
Na primeira metade do século dezenove, por volta da década de
1840 surgem as primeiras cantorias de viola, organizadas, estrutura-
das como um espetáculo de produção poética sob o ritmo da viola com
os versos sendo feitos no calor do improviso.
Era uma evolução dos aboios dos vaqueiros que fizeram a povoação
dos sertões nordestinos a casco de cavalo e além de chamar e tanger
o gado através do grito mágico do aboio, quando no descanso, pega-
vam da viola e improvisavam versos relatando suas próprias aventuras
e contando histórias do “arco da velha” que decoravam dos livrinhos
que chegaram através das caravelas. A cultura que brota em torno da
pecuária em todas as partes é sempre muito cantante.
Os primeiros cantadores, considerados os pais da Cantoria de Viola
O primeiro Nordestina, são Ugolino do Sabugi, Romano do Teixeira, Silvino Pi-
rauá de Lima e outros que deram forma ao espetáculo, definiram os
que se tem
primeiros gêneros poéticos a serem cantados, como as quadras, sextil-
noticia has, glosas, romances, etc.
Historia do
Capitao do Navio, Nasce a Literatura de Cordel Nordestina
de autoria de No final do século XIX surgiram os primeiros folhetos impressos,
Silvino Piraua produzidos por poetas nordestinos e impressos em gráficas da região.
de Lima. O primeiro que se tem notícia História do Capitão do Navio, de autoria
de Silvino Pirauá de Lima.
Começaram surgir as gráficas no interior do Nordeste e a litera-
tura de folhetos e romances populares ganhou fôlego, formando-se
uma verdadeira indústria, com tipografia dedicadas exclusivamente a
publicar folhetos. Em torno destas tipografias desenvolveu-se uma rede
de distribuição dos folhetos, através de “folheteiros”, que saiam Sertão
a fora, de feira em feira, cantando e vendendo o produto, bem como
dos cantadores repentistas que iam fazer usas cantorias e aproveita-
vam para também faturar um pouco mais com a venda de folhetos que
eram por eles cantados e depois vendidos, independente de serem da
própria autoria ou não. Num determinado da cantoria paravam de
fazer improvisos e iam cantar os versos feitos dos folhetos e romances
que traziam na mala.
Fonte: Apostilha CURSO DE INICIAÇÃO À POESIA – O Universo da Literatura de Cordel, de
Crispiniano Neto
Revista Brasileira de
Artigo | 08 Literatura de Cordel
8. Universo tematico
e propostas de classificacao
da Literatura de Cordel
C laro que não é fácil diz-
er por que tal ou qual
tema foi, ou é, escolhi-
do. Suas razões nem sempre se
podem fixar em definitivo, mas
lado, aspectos de vivência
social: religiosidade, aventu-
ras, casos de amor. E também
as narrativas que envolvem
animais, o que representa, de
sem dúvida nenhuma se pode certo modo, a maneira como a
encontrar uma relação temática respectiva população consid-
com a época em que surgem era o animal: ora exaltando-o,
as temas. De fato, mesmo os como é em grande parte, o
romances tradicionais, e não os ciclo do gado no romance
fatos circunstanciais estão rela- nordestino, ora criando-lhe uma
cionados a épocas históricas, a lenda prejudicial ao homem.
determinado momento, tendo De modo geral, se pode
em vista sua manifestação. verificar por um estudo mais
Daí a diversidade com que os aprofundado dos temas, que
temas se apresentam. De um a elaboração dos romances,
lado, figuras humanas, como tradicionais ou modernos se
herói ou anti-herói; de outro prendeu sempre à necessidade
Revista Brasileira de
Materia | 09 Literatura de Cordel
9. " Desta forma
muitas tem sido as
tentativas de dar
uma classificacao
ao romanceiro, ora
seguindo a grande
tematica que
envolve os
romances, ora
tendo em
consideracao as
caracteristicas que
eles apresentam. "
de fixar os acontecimentos, de registrar as figu- são também hoje, com a facilidade das comu-
ras que dele participam, de anotar a maneira nicações, certos fatos de repercussão interna-
como decorreram, enfim tudo aquilo que, sem cional. Temos assim os temas tradicionais, de um
imprensa, sem jornais, sem rádio, as gerações lado; e de outro lado, os fatos circunstanciais,
mais antigas tiveram necessidade de gravar quando a literatura de cordel se transforma em
e transmitir através da história popular, para jornal escrito e falado e em crônica ou fixação
fazer a sua história. Daí haver sempre, - isto dos acontecimentos.
sobre tudo nos romances de fundo histórico, que
narram guerras ou lutas realmente acontecidas, A variedade temática: tentativa de
ou fixam figuras que efetivamente viveram, - no classificação
romanceiro não apenas a notícia como também Muitas têm sido as classificações a respeito
o entretenimento. do romanceiro em especial do português,
Desta maneira, podemos desde logo transladado para o Brasil, e aqui sofrendo as
evidenciar a existência, no romanceiro e hoje adaptações ou reformulações que adequaram
na literatura de cordel, de dois tipos fundamen- os romances ao novo ambiente. Porque é real-
tais da temática: os temas tradicionais, vindos mente este um dos aspectos mais salientes em um
através do romanceiro, conservados inicialmente romanceiro quando estudado comparativamente:
na memória e hoje transmitidos pelos próprios as modificações que cada povo realiza no tema.
folhetos – e aí se situam as narrativas de Carlos E realiza dentro de sua época, do momento
Magno, dos Doze Pares de França, de Oliveiros, histórico que vive.
de Joana d’Arc, de Malasartes, etc.; e os temas Desta forma muitas têm sido as tenta-
circunstanciais, os acontecimentos contemporâ- tivas de dar uma classificação ao romanceiro,
neos ocorridos em dado instante e que tiveram ora seguindo a grande temática que envolve
repercussão na população respectiva – são os romances, ora tendo em consideração as
enchentes que prejudicaram populações, são características que eles apresentam. Entretanto,
crimes perpetrados, são cangaceiros famosos menores têm sido as tentativas de classificação
que invadem cidades ou praticam assassínios,
Revista Brasileira de
Materia | 10 Literatura de Cordel
10. de nossa literatura de cordel; a temática aí tem sido menos
explorada no sentido de identificá-la em torno de determina-
dos assuntos.
Fora do Brasil, podemos lembrar duas sugestões de
classificação da literatura de cordel: a de Júlio Caro Baroja,
na Espanha, e a de Robert Mandrou, na França.
No caso do Brasil, a respeito da classificação da litera-
tura popular em versos, além da tentativa de Leonardo Mota,
aí por 1921, em Cantadores, e possivelmente outras, podemos
registrar duas mais recentes. Uma a que se deve à Casa de
Rui Barbosa, feita por um grupo sob a orientação de Caval-
canti Proença; foi fundamentalmente desse saudoso especial-
ista o esquema inicial, que, afinal, predominou. É realmente um
quadro amplo, entrando em pormenorização bastante expres-
siva para um melhor conhecimento da produção de literatura
de cordel.
Orígenes Lessa, partindo da observação de que a
temática dos romances populares é muito variada, assinala
que essa temática é riquíssima (9); contudo, para classificá-la
registra uma série de temas permanentes e outros que con-
sidera tipos que, em geral, passam, não se reproduzindo os
folhetos.
No primeiro caso, situa os seguintes temas:
O desafio, real ou imaginário: histórias tradicionais; can-
gaço; Antônio Silvino, Lampião, Maria Bonita; seca e retirantes;
vaqueiros e vaquejadas; mística; histórias bíblicas; profecias;
milagres; festa religiosas; beatas e santos do sertão; Padre
Cícero; sobrenatural; o diabo; romances de amor, de aven-
turas, trágicos; no segundo caso, incluem-se casos da época;
crimes, desastre, acontecimentos policiais, revoluções; campan-
has eleitorais; fatos políticos; luta ideológica (guerra da Coré-
ia, Hitler, etc.); miséria do povo; eleições; Getúlio e sua morte;
crítica de costumes; sátira política e social (crises, preços, falta
de luz, etc.).
Outra é a que propõe Ariano Suassuna (10); é mais
sintética, procura situar a sistematização da literatura de
cordel em limites mais definidos a partir dos dois grandes gru-
pos – o tradicional e o de “acontecido”:
1. Poesia improvisada;
2. Poesia de composição: a) ciclos heróico; do maravil-
hoso; religioso e de moralidade; cômico, satírico e picaresco;
de circunstância de histórico; de amor e fidelidade; b) formas:
romances; canções; pelejas; abecês.
A classificação adotada pela casa de Rui Barbosa,
basicamente elaborada por Cavalcanti Proença: assim pode
ser apresentada, conforme se vê no volume do catálogo da
Literatura Popular (11):
Revista Brasileira de
Materia | 11 Literatura de Cordel
11. I – Herói Humano: 1. Herói Recentemente Roberto Câmara Benjamin em inter-
Singular; 2. Herói Casal; 3. Re- essante estudo sobre os temas de religião apresentados
portagem (crimes, desastres, etc.); em folhetos (12), sugere uma classificação deste, levando
4. Política; em conta seus objetivos; seriam distribuídos em três gru-
II – Herói Animal; pos; 1. Folhetos informativos, os que registram fatos “de
III – Herói Sobrenatural; época”, ou de “acontecimento”, isto é, acontecimentos
IV – Herói Metamorfoseado; atuais, fixando-os para conhecimento de grande público;
V – Natureza: 1. Regiões; 2. 2. Romances, são as narrativas tradicionais destinadas a
Fenômenos; entreter e distrair; 3. Opinião, são os que incluem crítica
VI – Religião; social. A estes três grupos o próprio escritor acrescenta, a
VII – Ética: 1. Sátira Social – seguir, um outro conjunto de folhetos: os que narram “ca-
Humorismo; 2. Sátira Econômica; 3. sos”, os folhetos de “exemplo”, onde se arrolam aconteci-
Exaltação; 4. Moralizante; mentos sem explicação para o povo, mas que constituem
VIII – Pelejas; exemplos a serem observados.
IX – Ciclo: 1. Carlos Magno; 2. A nosso ver é possível chegarmos a uma síntese
Antônio Silvino; 3. Padre Cícero; 4. das duas classificações brasileiras antes citadas: a de
Getúlio; 5. Lampião; 6. Valentes; Proença e a de Suassuna. A nossa preocupação é a de
7. Anti-Heróis; 8. Boi e Cavalos; apresentar a temática da literatura de cordel; e tam-
X – Miscelânea: 1. Lírica; 2. bém assentar aqueles temas que são constantes ou per-
Guerra; 3. Crônica – Descrições. manentes nesta literatura, e isto sob duplo aspecto: de
um lado quais são estes temas, como são expostos, por
que existem; e de outro lado, como o cantador ou tro-
vador populares consideram estes como os interpretam,
o que seria, por assim dizer, a sua cosmovisão. Ou seja:
como, no quadro de sua cultura, compreendem o fato
tradicional ou o acontecido em face da sociedade em
que vive. O que representa, de certo modo, o próprio
sentimento desta sociedade.
Daí procuramos harmonizar, de maneira mais
singela – e sobretudo exemplificativa – o que existe
nas diferentes manifestações populares em torno de
determinado assuntos, constantes, senão permanentes,
na literatura de cordel. Chegamos assim a uma simplifi-
cação do que sugerem Cavalcanti Proença e Suassuna,
procurando indicar, em suas linhas gerais os assuntos da
literatura de cordel.
12. Exemplificacao dos diversos temas 1. Temas Tradicionais
a) Romances e novelas: Leandro Gomes Costa Leite – A vaca misteriosa que falou
de Barros – Batalha de Oliveiros com Fer- profetizando.
rabrás; João Martins de Ataíde – Roldão d) Anti-heróis: Leandro Gomes de Barros
no Leão de Ouro; José Bernardo da Silva – A vida completa de João Lezo; - Fran-
(ed. prop). – História da Donzela Teodora. cisco Sales – As presepadas de Pedro
b) Contos Maravilhosos: Leandro Gomes de Malasarte; João Martins de Ataíde – As
Barros – História de Maria e Alonso; João proezas de João Grilo.
José da Silva – Aladim e a Princesa de e) Tradição Religiosa: - Manuel d’Almeida
Bagdá; Antônio Alves da Silva – Os últimos Filho – História de Jesus e o Mestre dos
dias de Pompéia. Mestres; José João dos Santos (Azulão) –
c) Estórias de animais: Leandro Gomes de O milagre de Jesus e o ferreiro orgulhoso;
Barros – O boi misterioso; Luís da Costa José Soares – Os milagres da Virgem
– História do papagaio misterioso; José Conceição.
2. Fatos circunstanciais ou acontecidos
a) Manifestações de natureza física: José – Feira de Santana, princesa do sertão;
Bernardo da Silva – Os horrores do Nor- Manoel Camilo dos Santos – Descrição da
deste; Delarme Monteiro – A seca, flagelo Capital João Pessoa.
do sertão; João José da Silva – As cheias d) Crítica e sátira: Erotildes Miranda – Os
do interior e as inundações do Recife. horrores da devassidão; Expedito Se-
b) Fatos de repercussão social: Rodolfo bastião da Silva – A marcha dos cabelos e
Coelho Cavalcante – A morte de Zé os usos de hoje em dia; Minelvino F. Silva –
Arigó, o famoso médium de Minas Gerais; ABC dos tubarões.
Severino Paulino da Silva – A tragédia de e) Elemento humano: João Florêncio da
Garanhuns ou a morte do Bispo; Antônio Costa – História de Getúlio Vargas; Arinos
Batista – A guerra de Juazeiro; Joaquim de Belém – História de Antônio Conselheiro;
Batista de Sena – A vitória do Marechal João Martins de Ataíde – A morte de
Castelo Branco e a derrota dos corruptos; Padre Cícero Romão; José Costa Leite – A
Manoel d’Almeida filho – Brasil, tricampeão voz de Frei Damião; Francisco das Cha-
do mundo; José Soares – O homem na lua; gas Batista – A história de Antônio Silvino;
Joaquim Batista de Sena – História da nove- Antônio Francisco da Silva – As bravuras
la de Antônio Maria em versos de cordel. e morte de Lampião; Ivo Luís Silva – O rei
c) Cidade e vida urbana: Leandro Gomes dos vaqueiros; Severino Borges da Silva –
de Barros – O Recife novo; João Carlos Bravuras de sertanejo.
Classificação de Franklin Maxado
De época ou de Ocasião, Históricos, Didáticos ou educativos, Biográficos, De
louvor ou homenagens, De propaganda política ou comercial, Promoção pessoal e
anonimato, Pasquim ou de intriga, De safadeza ou putaria, Maliciosos ou de cachor-
rada, Cômicos ou de gracejos, De bichos ou infantis
Religiosos ou místicos, De profecias ou eras, De conselhos ou exemplos, De fenômenos
ou de casos, Maravilhosos ou mágicos, Fantásticos ou sobrenaturais, De amor ou de
romance amoroso, De bravura ou heróicos, Vaquejadas, De presepadas ou dos anti-
heróis, De pelejas ou desafios e De discussão ou encontros.
Fontes: Literatura de Cordel Antologia – Banco do Nordeste, organizado por Ribamar Lopes e O Que É Litera-
tura de Cordel, Franklin Maxado, Editora Codecri – Rio de Janeiro.
Revista Brasileira de
Materia | 13 Literatura de Cordel
13. Da Popularidade e atualidade
Da Literatura de Cordel.
C om mais de cem anos de publicações inin-
terruptas, a Literatura Popular em Versos
Escrita ou “Versos de feira”, ou, ainda,
“romances e folhetos”, conhecida nos meios intelec-
tuais como Literatura de Cordel - nomenclatura
herdada de Portugal, onde os folhetos eram vendi-
dos nas feiras, pendurados em barbantes (cordões
ou cordéis) – já teve sua morte anunciada várias
vezes, mas resistiu a todas elas. Achavam que ela
sucumbiria à penetração dos jornais no interior;
depois foi a era do rádio, com grande penetração
nos sertões e mais uma vez falou alto o prenúncio
trágico. Com a chegada da televisão ao interior,
se previu de novo a derrocada do velho “cor-
reio do Sertão”. E agora se fala que a internet
irá acabar a literatura popular nordestina... Tudo
balela. O “cordel” resiste, por mais que lhe es-
tiquem a corda. E tem conseguido até se aliar a
cada um destes concorrentes, poderosos instrumen-
tos de comunicação de massas.
Revista Brasileira de
Artigo | 14 Literatura de Cordel
14. " O radio, o jornal,
e a TV chegam
primeiro, mas
a publicacao da
mesma noticia em
folhetos de cordel
da mais
credibilidade
e desperta mais
interesse ao
acontecido. "
Em pleno século XXI o fol- dades e escolas de todos os ao Brasil serviu de inspiração
heto poético permanece firme recantos do Norte, Nordeste para a publicação de cerca de
e forte, lépido e fagueiro, e do Sudeste. O maior prob- cinqüenta títulos cordelianos.
cruzando veredas e animando lema foi o fechamento das A morte de Tancredo Neves
alpendres nas comunidades tipografias de Literatura de provocou dezenas de publica-
rurais dos minifúndios anti- Cordel, que foram 42. Mas ções, a morte de Luiz Gonzaga
econômicos, latifúndios improd- elas estão ressurgindo. Agora também motivou uma enxur-
utivos, fazendas modernas de em off-set, que os tempos rada de poemas publicados.
irrigação e assentamentos de são outros. Através de enti- Por último tivemos a derrubada
reforma agrária. dades de apoio à cultura ou, das torres gêmeas, em Nova
Ameaça deverasmente forte até mesmo, com fins comerci- Yorque. Poucos dias depois,
foi o êxodo rural. Mas, em vez ais, editam-se folhetos, o que vários folhetos estavam sendo
de morrer ele acompanhou o garante a volta do vigor de vendidos nas feiras do Nor-
seu leitor. Veio para as perife- mercado do folheto. deste e dos grandes centros
rias das cidades e chegou às Quando se pensava que do Sudeste, com Osama bin
metrópoles, não só do Nor- esta literatura tinha sucum- Laden na capa. Hoje, o fol-
deste como Recife, Fortaleza e bido, eis que morreu Frei heto jornalístico não leva mais
Salvador, mas também ao Rio Damião e mais de setenta novidades aos seus leitores
de Janeiro, São Paulo e todas títulos foram publicados cativos. O rádio, o jornal, e
as cidades satélites de Brasília. sobre o fato. A primeira a TV chegam primeiro, mas a
Chegou também às universi- vinda do papa João Paulo II publicação da mesma notícia
Revista Brasileira de
Artigo | 15 Literatura de Cordel
15. em “folhetos de cordel” dá mais credibilidade e desperta mais inter-
esse ao acontecido. “Saiu até um folheto sobre esse assunto”, essa é
a marca registrada da credibilidade conferida a uma notícia para
as pessoas do povo que têm nessa literatura, na Bíblia Sagrada e
nos almanaques populares anuais, suas maiores referências culturais
impressas. Esta força imorredoura e crescente, é que faz com que os
folhetos de Literatura de Cordel sejam hoje tão utilizados em cam-
panhas educativas e no marketing comercial ou político. Quando
Cristóvão Buarque criou a Bolsa-Escola no Distrito Federal, por volta
de 1995, seu governo me encomendou um poema para divulgar o
programa entre os migrantes que moram em Brasília. Dele foram
Isabela Nardoni, João Hélio e até o presidente Lula já se tornaram temas de cordéis
publicadas duzentas mil cópias. Mais recentemente, a Secretaria
da Cidadania de Mossoró me encomendou 15 títulos sobre temas
da saúde. De cada um, foram publicados cinco mil exemplares, com
perspectiva de novas edições.
Folhetos sobre DST/AIDS, contra o alcoolismo, contra o Tabag-
ismo, em prol da economia da água, em defesa da ecologia, contra
a dengue, em defesa da escola pública, dos direitos da criança,
da mulher, dos animais, do plantio do caju, da criação de capri-
nos e ovinos, enfim, em qualquer assunto que se queira falar com o
povo na sua linguagem, recorre-se à poesia cordelista. Como dizia
o mestre Paulo Freire, “não se chega à cabeça do homem do povo,
sem passar pelo coração”. O uso da Literatura de Cordel em cam-
panhas educativas está abrindo um novo ciclo, como os Cômicos ou
de gracejos, Religiosos ou místicos, de Profecias ou eras, de Consel-
hos ou exemplos, de Lampião, de Padre Cícero e tantos outros que
foram catalogados por Ariano Suassuna, Liedo Maranhão de Souza,
Franklin Maxado e Orígenes Lessa.
Revista Brasileira de
Artigo | 16 Literatura de Cordel
16. O Caso Isabella, a morte da menina que foi jogada provavelmente
pelos pais do sexto andar de um edifício em São Paulo, o Caso de João
Hélio, o menino que morreu arrastado em um carro por marginais no Rio
de Janeiro, tudo vira folheto de Cordel com uma velocidade impressio-
nante.
Estamos na praça com a segunda edição do livro Lula na Literatura
de Cordel. São mais de duzentos folhetos que falam direta ou indire-
tamente em Lula, um presidente que ainda está governando. No livro
catalogamos nada menos que 110 deles, de vários estados do Brasil.
As editoras estão trabalhando uma nova fase da Literatura de Cordel,
trata-se do Cordelivro, que se constitui na edição de folhetos de Cordel
em forma de livros, ilustrados, muitas vezes até com um belíssimo casa-
As formas
poeticas do cordel e
do repente
nordestinos vao
surgindo em novos
estilos musicais,
enriquecendo o rap,
o rock, o hip hop, a
MPB
mento entre Cordel e Quadrin- hoje uma presença marcante no ses acadêmicas sobre a Litera-
hos, um antigo sonho do pes- Teatro, na Literatura, no Cinema tura de Cordel.
quisador José Maria Luythen e nas artes visuais, inclusive um A publicação de folhetos
que começa a se concretizar. peso fortíssimo dos versos, das acelerou nos últimos cinco anos
Dezenas de projetos que levam toadas e das xilogravuras no com o surgimento de editoras
a Literatura de Cordel à sal de marketing. como A Tupinankyn em For-
aula podem ser encontrados em A agregação de valor ao taleza, a Queima-bucha em
todos os estados nordestinos, produto “poema de cordel” Mossoró, a Casa do Cordel em
e ainda em São Paulo, Rio de cresce a cada dia, além do Natal, um Sebo em João Pessoa,
Janeiro, Distrito Federal, Goiás, cordelivro, há uma forte indús- Manoel Monteiro na Paraíba,
estados do Norte para onde tria de produção e venda de a Coqueiro e a Unicordel em
milhões de nordestinos migra- CDs, de DVDs, de caixinhas Recife, a ABLC No Rio de Ja-
ram arrastando a saudade da de cordéis, de displays com neiro, a volta da Editora Luzeiro
terrinha “sofrida, mas boa”. coleções para venda ou servin- e a chegada da Editora Novo
As formas poéticas do cordel do de mostruário, camisetas Horizonte em São Paulo, além
e do repente nordestinos vão com versos e xilogravuras, livros de várias editoras empresariais
surgindo em novos estilos music- com coletâneas de poemas e que estão entrando no ramo do
ais, enriquecendo o rap, o rock, poetas. E há uma impressionante Cordel por verem nele um nicho
o hip hop, a MPB; o cordel tem produção de monografias e te- promissor.
Revista Brasileira de
Artigo | 17 Literatura de Cordel
17. A Filosofia nos folhetos de Cordel Questões pertinentes em relação à
Filosofia e a literatura de Cordel
Por Francisco José da Silva
Prof. Mestre em Filosofia (UFC)
Q uando fui convidado para falar sobre o tema a Filosofia nos folhetos de cordel, me
senti desafiado, pois qualquer pessoa diante disto poderia se perguntar: Qual relação
há entre filosofia e literatura de cordel? Seria o que há de filosofia no cordel? Ou seria
o que há de cordel na filosofia?
O titulo diz muito sobre a questão a qual nos propomos desenvolver, pois poderia ser ‘Filosofia
em Cordel’, ou, ‘Cordel e Filosofia’, ‘Filosofia no Cordel’, ou, ‘Cordel na Filosofia’ e ainda ‘Filosofia
do Cordel’.
Diante destas questões eu me alinho às duas últimas como mote a partir do qual iniciaremos
nossa reflexão de hoje, ou seja, até onde é possível falar de uma filosofia presente na literatura de
cordel, e ainda, é possível falar de uma veia poética na filosofia, ainda mais uma poética popular?
18. A filosofia é, pois, uma musas, rotina sempre presente
forma de saber que tem como na literatura de cordel, mas
fundamento a busca da ver- que remonta a Homero, na
dade através da razão, desta Ilíada e Odisséia, e Hesíodo,
forma a reflexão filosófica nos na Teogonia e em Os Trabalhos
permite pensar a realidade e os Dias. As primeiras grandes
de forma critica e a partir obras poéticas da tradição
do todo. Lembramos que o ocidental que tem sua origem
grande expoente da filosofia na Grécia antiga.
e modelo de atitude filosófica No Canto I da Ilíada lemos:
foi o filosofo grego Sócrates, “Canta ó musa, a ira de Desse modo,
que através de suas perguntas Aquiles filho de Peleu...”. podemos dizer
levava as pessoas a pensarem As musas são as filhas de
que existe uma
por si mesmas. Zeus e Mnemosyne (Memória),
Começaremos então por as quais presidem as criações relacao estreita
uma frase que para mim ser- artísticas e conduzem os poetas entre a poesia e a
viria de inspiradora a partir da à contemplação daquilo que os divindade, aquele
qual refletiremos sobre a filo- deuses querem revelar através
sofia nos folhetos de cordel. A da poesia, da tragédia, da que revela os
frase é “A poesia é filosofia em música, da dança, etc. O poeta segredos da
versos, a filosofia é a poesia é como que o arauto dos de- natureza,
em prosa”. uses, aquele que em seu canto
revela a palavra dos deuses, da vida humana
A poesia na origem da não muito distante é a concep-
Filosofia ção bíblica da profecia, pois
os grandes profetas (neviim),
Já que ao falar de litera- são os portadores da palavra
tura de cordel estamos falando de Deus, e muitos deles como
em poesia, podemos perceber Isaias e Jeremias eram consid-
que na Filosofia há um pouco erados grandes poetas, sem
de cordel, pois na sua origem a esquecer do repentista hebreu
Filosofia era expressa na forma David, que deliciava os ouvidos
de poesia, com versos. Desde de Saul ao “cantar seus Salmos
tempos imemoriais a poesia pelos ares”, como diria Raul
tem sido a forma mais utilizada Seixas. Desse modo, podemos
para se expressar, especial- dizer que existe uma relação
mente na carência de uma estreita entre a poesia e a
literatura escrita, enquanto ela divindade, aquele que revela
é uma forma de mnemotécnica, os segredos da natureza, da
ou seja, uma técnica de memo- vida humana, etc. Esse caráter
rização eficaz, além é claro revelador da poesia ultrapassa
do caráter estético que nela se o âmbito estritamente religioso,
apresenta que lhe dava uma ele é reconhecido inclusive na
aura de divina. filosofia.
Um exemplo deste caráter Em relação à importância
divino da poesia pode ser da expressão poética na anti-
constatado na invocação das guidade e sua relação com a
Artigo | 19
19. Filosofia nos diz Aristóteles, em sua Poética: eles destacam-se ainda
“Entretanto nada de comum existe entre Homero mais aqueles que poetica-
(poeta) e Empédocles (filósofo) salvo a presença do mente filosofam. Entre os
verso.” (Aristóteles, Arte Poética, I, 11). grandes ‘poetas-filósofos’
A partir deste texto, percebemos que o verso podemos citar Homero,
era a linguagem comum tanto da poesia quanto Hesíodo, Sófocles, Esquilo,
da filosofia, e ao contrário do que diria Platão, o Eurípedes, Virgilio, Camões,
qual rejeita a poesia em sua Republica (vale res- Goethe, Schiller, Hölderlin,
saltar que o próprio Platão era poeta, o que nos Fernando Pessoa, Augusto
leva a questionar sobre sua posição), Aristóteles, ao dos Anjos, e por que não
contrário, exalta o caráter racional e universal da acrescentar a estes grandes
poesia, quando diz: poetas clássicos, os grandes
poetas da literatura de
cordel como Leandro
Gomes de Barros, Manoel
Camilo dos Santos, Patativa
do Assaré, Klevisson Viana,
Manoel Monteiro, Mestre
Azulão, Rouxinol do Rinaré
e tantos outros (?), os quais
com sua poesia levantam
questões das mais perti-
nentes sobre a existência
humana, sobre a morte,
sobre a vida feliz, sobre o
Por tal motivo a “Por tal motivo a Po- certo e o errado, sobre o
esia é mais filosófica e de mal, sobre o conhecimento,
Poesia e mais caráter mais elevado que sobre nossa cultura.
filosofica e de a História, porque a Poesia Não podemos subestimar
carater mais permanece no universal e a nem a poesia clássica nem
História no particular.” (op. muito menos a poesia popu-
elevado que a cit, IX, 3). lar, como o cordel, no que
Historia, porque a Com isso vemos clara- diz respeito à forma de
Poesia permanece mente que há algo que expressão ou ao conteúdo.
aproxima a racionalidade A poesia é uma das primei-
no universal e a filosófica da poesia e vice- ras manifestações artísticas
Historia versa, é isto que faz com da humanidade e carrega
no particular. que o cordel, enquanto toda genialidade do espíri-
poética popular carregue to humano e, como pensa
em si os germes da reflexão o filosofo alemão Hegel
Aristoteles. filosófica na sua busca de (1770-1831) na sua obra
expressar o real em sua Lições sobre a Estética, é a
complexidade. forma de arte mais espiritu-
Podemos dizer que os al e mais completa, aquela
grandes poetas marcam que mais se aproxima da
com suas obras a geniali- religião em sua manifesta-
dade do pensamento, entre ção do absoluto.
Revista Brasileira de
Artigo | 20 Literatura de Cordel
20. Cordeis sobre Filosofos
Além da possibilidade de
levantar estas questões funda-
mentais, devemos lembrar da
tarefa levada a cabo por al-
guns cordelistas, a de escrever
sobre a vida dos grandes filó-
sofos da humanidade. Entre es-
tes cordelistas citamos Gonçalo
Ferreira que escreveu sobre Os vultos primaciais
Pitágoras, Sócrates, Platão e Livres de contestação
Aristóteles, vejamos este trecho Da filosofia grega
o cordel sobre Platão: Inegavelmente são
Os inexcedíveis Sócrates
Aristóteles e Platão.
Foram eles realmente
Os construtores da fé
Iluminando os caminhos
Do cristianismo até
A doce eclosão do Cristo
Em Jesus de Nazaré.
Vemos nestes versos uma Diógenes, o cínico, consid- Deus quando criou o homem
concepção que alia as idéias erado o mais despojado, o Facultou-lhe liberdade
cristãs ao pensamento dos mais irreverente dos filósofos Pra pensar e investigar
filósofos gregos, o qual foi na gregos, que usava o sarcasmo, Deixou bem à vontade
verdade a base para o desen- a ironia e literalmente ‘mordia’ Do amor a sabedoria
volvimento da teologia cristã aqueles que ele considerava Nasceu a Filosofia
posterior. reprováveis. Como busca da verdade
Recentemente Rouxinol do Como exemplo, citemos
Rinaré escreveu conosco um trechos do cordel Diógenes, o Do grego, Filos, amigo.
cordel sobre o filósofo grego cínico: Sabedoria é Sofia
A mãe de toda ciência
Da mente que tudo cria
Deus Pai, Primeiro Motor.
Poeta superior
Da divina poesia
Como vemos de forma simples
Revista Brasileira de
Artigo | 21 Literatura de Cordel
21. e concisa o poeta expressa o signifi- ficas (morais, éticas, políticas, episte-
cado da palavra ‘filosofia’(amigo da mológicas, metafísicas, etc.) e permi-
sabedoria), e sintetiza todo seu con- tam entrever não só ao admirador,
teúdo e ainda traduz uma concepção de mas ao pesquisador, ao professor
racionalidade oriunda da divindade que em geral, e ao filósofo em particular,
o conduz ao conhecimento de sua mais toda a riqueza filosófica que pode
elevada aspiração. Além disso, o poeta se encontrar nesses modestos folhetos
trata dos conceitos mais fundamentais de literatura popular, muitas vezes
da filosofia, tais como liberdade, amor, subestimados pela grande maioria
sabedoria, verdade, interpõe o conceito das pessoas.
de deus cristão (Pai) e aristotélico (o Vejamos este trecho do cordel
primeiro motor) e relaciona o criador Viagem a São Saruê de Manuel
(poietes, em grego) e a criação (poema) Camilo, o qual relata uma viagem
com a produção poética (poesia). fantástica a um lugar onde há tudo
Pode-se encontrar maior profundi- em fartura:
dade em tão poucos versos? O povo em São Saruê
Podemos dizer ainda que se faz
necessário e é importante a produção
de cordéis biográficos sobre os grandes Tudo tem felicidade
filósofos, tarefa a qual tem se dedicado Passa bem anda decente
Gonzalo Ferreira, mas isto não é a regra Não há contrariedade
para que se possa filosofar com cordéis, Não precisa trabalhar
ao contrário do que têm feito alguns E tem dinheiro à vontade
cordelistas que escrevem cordéis sobre Lá os tijolos das casas
gramática, matemática, geografia, etc, São de cristal e marfim
pois para isto basta que se escrevam As portas barras de prata
cordéis, os quais devem ser ‘investigados’ Fechaduras de ‘rubim’
e neles se encontre todas estas disci- As telhas folhas de ouro
plinas incluídas em seu conteúdo, seja E o piso de sitim
num cordel de gracejo, seja biográfico,
seja romance. (...)
Tudo lá é bom e fácil
Como filosofar com Cordéis? Não precisa se comprar
Não há fome nem doença
Diante disso tudo e sabendo que a O povo vive a gozar
poesia tem uma ligação com a filosofia e Tem tudo e não falta nada
pode expressar idéias e reflexões filosó- Sem precisar trabalhar
ficas, podemos nos perguntar: Já que a O que pensar diante de um
filosofia agora se tornou obrigatória em
todas as escolas do país, seria possível
ensinar filosofia com cordéis? Uma vez cordel que trata de uma sociedade
dispondo de uma biblioteca de cor- plena de fartura se contrapormos a
déis na escola poderia o professor de realidade do povo nordestino que
filosofia utilizar-se dos cordéis e levar os nos períodos mais agudos da seca
alunos à reflexão por meio deles? sofrem a privação das coisas mais
Nada melhor que citar alguns trechos básicas?
de cordéis que levantem questões filosó- Outro ponto digno de nota é
Revista Brasileira de
Artigo | 22 Literatura de Cordel
22. a concepção de que nesta sociedade esta critica ao trabalho é endereçada
utópica as pessoas não precisam tra- não ao trabalho enquanto tal, mas pode
balhar, uma clara referência a vida no ser uma alusão às condições de trabalho
jardim do Éden, onde após o pecado do homem do campo, explorado e espo-
original o homem é condenado ao liado pelos grandes latifundiários, que
trabalho penoso. Esta visão do trabalho gozam da fartura sem mover uma palha.
traz os ecos da visão de mundo antiga e Também é interessante notarmos o
medieval, para os gregos, por exemplo, contraste entre amor e honra no cordel
o trabalho era reservado apenas aos Entre o amor e a espada de José Cam-
escravos, enquanto os livres cuidavam elo de Melo, autor do famoso Pavão
das questões do pensamento. Também Misterioso:
relacionado a isso podemos dizer que
O amor quando se alberga
No peito do rico ou pobre Seus frutos são o amor
Se torna logo um guerreiro As raízes são a honra
Com capacete de cobre Que de incógnito frescor
E só obedece a honra Dão vida e beleza a árvore
Porque a honra é mais nobre E a seus frutos sabor
Se o amor é soberano Colhem-se os frutos da árvore
A honra é sua coroa E ela não esmorece
Portanto o amor sem honra Mas cortando-lhe as raízes
É como um barco sem proa Ligeiramente emurchece
É como um rei destronado Da mesma forma é a honra
No mundo vagando a toa Ferida, o dono entristece.
Qual dos dois tem proeminên-
A árvore é como o amante
cia e é mais importante, o amor ou honra? Seria a honra mais nobre
que o amor? Por que seria a honra a coroa do amor, e não o contrar-
io? Teria o amor que estar sempre amparado pela honra?
Com certeza estes versos do cordel supracitado trazem a marca
de uma época, na qual a honra era um dos bens mais importantes
para as pessoas, mas será que poderíamos dizer que a honra seria
tão valorizada nos dias de hoje? O poeta pretende ligar o amor e a
honra de uma forma tão perfeita, mas deixa entrever uma valoriza-
ção da honra mesmo em detrimento do amor. Em nossos dias podemos
encontrar manifestações de honra, mas talvez não tão freqüentes como
outrora, ou mesmo em outras culturas, como por exemplo, a oriental
onde a honra ocupa um lugar privilegiado, talvez mesmo acima do
amor. Até que ponto as pessoas não confundem a honra com uma alta
consideração de si mesmo derivada do egoísmo, o qual leva muitos a
cometerem os crimes mais horrendos em nome de uma pretensa ‘hon-
ra’? Seriam os crimes passionais resultado do amor ou da honra?
Por essas reflexões iniciais percebemos o quanto estes versos do
cordel podem nos conduzir para questões complexas de ordem ética e
Revista Brasileira de
Artigo | 23 Literatura de Cordel
23. moral, que vão muito além de uma Rodolfo Teófilo):
mera consideração do senso comum.
São também muito interessantes O homem na vida sonha
estes versos de Rouxinol do Rinaré Faz planos, mas na verdade
tirados do cordel O Justiceiro do O desfecho do destino
Norte: Só pertence à Divindade
Sem ao menos pressentir
O homem valente e justo Qualquer um pode cair
Do berço já traz o tino Na cruel fatalidade!
E tendo fibra e coragem
Traça seu próprio destino Somos fruto do que escolhemos
Como se deu nas andanças ou há um destino traçado para
Do herói Pedro Justino. todos? O homem é livre ou é um
joguete aos caprichos da divin-
Pedro Justino é o personagem do dade? Será que Deus pode traçar
cordel de Rouxinol do Rinaré que um destino contrario aquele que eu
narra as aventuras de um sertanejo me propus? Com que finalidade?
que vai além do sertão se embr- No verso do cordel supracitado o
enhando nas regiões do Norte do autor propõe que apesar do homem
Brasil. Mas para além do óbvio planejar sua vida, preparar todo o
podemos encontrar nestas aventuras terreno para realizar seus sonhos,
um misto de construção de um des- é a divindade que de forma mis-
tino, o qual aponta para uma con- teriosa conduz seu destino, ou seja,
cepção de liberdade, enquanto uma o desfecho de sua vida não lhe
autonomia do sujeito face às circun- pertence, mas é resultado de uma
stâncias, e de destino traçado, onde escolha de Deus. Esta visão fatalista
o homem é o resultado de uma serie do destino encontra eco na filosofia
de eventos previamente estabeleci- estóica dos gregos e na teologia
dos que o conduzem a uma missão cristã, onde o homem está submeti-
predestinada. Há um conflito entre do aos desígnios de Deus, e mesmo
a liberdade do homem ser o que os maus estão sob sua vontade. Di-
ele escolheu e o fatalismo que leva ziam os estóicos “suporta o que não
o individuo a uma passividade di- depende de ti”, e buscavam agir
ante de uma vida traçada por Deus. segundo a razão e a natureza.
Este mesmo conceito é reforçado Totalmente diversa é a
pelo próprio autor nos versos inici- visão existencialista,
ais do Cordel Violação, a trágica que vê a escolha
historia de Renato e Maria (uma como a única
adaptação da novela homônima de forma
Revista Brasileira de
Artigo | 24 Literatura de Cordel
24. autêntica do homem ser, para os algo mais por traz de tantas coin-
existencialistas ateus crer em um cidências, o autor contrapõe acaso
destino traçado por Deus seria e intervenção, se posicionando ao
negar sua autonomia e liberdade de lado desta ultima como explicação
escolha, ou como diz Sartre, estamos mais adequada e viável para a re-
condenados a ser livres, pois mesmo sposta do grande mistério da vida.
quando não escolhemos estamos Para ele, o universo é resultado da
fazendo uma escolha, a de não vontade de uma Inteligência Supe-
escolher (!). rior e não mero resultado do acaso
Outro exemplo que podemos e na seqüência do cordel apresenta
utilizar para demonstrar que o uma serie de argumentos para justi-
cordel não é mera reprodução do ficar sua tese e arremata com essa
que se diz, mesmo quando se trata brilhante estrofe:
de ciência, é aquele tirado do cordel
de Fernando Paixão A historia do “Matéria sem consciência
começo do mundo – a teoria do Big Do universo é ruína”
Beng, nele o autor assim se expressa: Pois o homem, ser pensante
No universo predomina
Então me ponho a pensar Legitima a criação
Na suprema criação Seu destino determina.
O que esta por traz da vida
E das leis da evolução Seria o universo um projeto que
Alguns pensam que é “acaso” tem como meta a produção de uma
Eu penso em intervenção consciência capaz de conhecê-lo?
Estaria a matéria trazendo em si a
Porque disse um cientista busca de auto-conhecimento?
Que a sublime existência A visão proposta pelo autor no
É a obra de um acaso trecho acima citado é denominada
Mas na minha consciência ponto de vista antrópico, ou seja, o
Tudo é obra e criação homem devido a sua condição supe-
Da Suprema rior de racionalidade interpreta o sen-
Inteligência tido do universo como sendo um pro-
cesso que conduziria necessariamente
ao seu surgimento, como se a matéria
Mesmo aceitando a contivesse em si os germes necessários
leis da teoria da ao surgimento da consciência.
evolução o au- Como podemos perceber até
tor suspeita agora, estas e outras questões po-
que haja dem ser encontradas, investigadas
Revista Brasileira de
Artigo | 25 Literatura de Cordel
25. e discutidas a partir da leitura de folhetos de cordel, problematização das falsas ver-
o que requer do leitor (professor) uma curiosidade e dades e certezas impostas pelo
preparação para tratar destes temas de forma lúdica neoliberalismo, pela tradição e
e instigante. pelos meios de comunicação de
Do que foi dito até aqui está claro que os folhetos massa. Só assim estaremos trans-
de cordel trazem uma imensa gama de questões a formando nossos concidadãos
serem elaboradas e desenvolvidas num espaço co- de meros zumbis teleguiados
letivo de reflexão, ou como diria o filósofo Matthew e dependentes de celulares e
Lipman, numa comunidade de investigação, a qual outras parafernálias modernas
permitiria aos educandos um espaço democrático de em pessoas capazes de pensar
debate e investigação das implicações contidas nas por si, de investigar o mundo que
narrativas estudadas. O cordel é uma ferramenta os cerca, de criticar as falsas
incrível para levar o educando ao conhecimento da verdades impostas, de denunciar
nossa cultura nordestina, de nossas raízes, mas pode os desmandos da política, de
ser mais que isso, ele pode levar-nos a uma reflexão se manifestar e transformar a
critica de nossas idéias e ideais, de nossos costumes, realidade!
das concepções e ideologias presentes em nossa
formação e do pensamento do homem simples que
expressa em seus poemas as realidades mais compl-
exas da condição humana. Não devemos esquecer
também o papel estético que os folhetos ocupam em
nossa realidade, o qual acaba sendo obscurecido por
aqueles que o querem manter numa cúpula, como um
objeto de museu, mas que na verdade não percebem
o quanto o cordel é versátil e capaz de se reinventar
em sua linguagem e se atualizar em seus conteúdos.
Mas para que o mesmo cumpra este papel é
necessário da parte do professor um conhecimento
das raízes de nossa cultura, ou seja, de sua própria
identidade, para não se tornar um mero reprodutor
das idéias advindas de outros lugares com a preten-
são de serem universais, o professor precisa de tempo
e condições mínimas para não se tornar cativo de uma
estrutura que o nega a possibilidade de cumprir seu
papel de forma mínima, isto é, a de ser um capacita-
dor, um orientador, um motivador do aprendizado que
leve os indivíduos a pensarem por si mesmos, a serem
cidadãos autônomos. Não cabe aqui nenhuma critica
ao professor enquanto tal, mas aos gestores públi-
cos desse intrincado processo, os quais sabemos que
propositalmente trabalham com o intuito de manter as
pessoas sobre controle, dóceis e passivos, cristalizando
um tipo de sociedade excludente e individualista.
Por isso, consideramos que a Filosofia pode e deve
ter no cordel, especialmente aqui no Ceará e em todo
o Nordeste, mais um aliado em seu trabalho incan-
sável de levar os homens ao conhecimento de si e a
Revista Brasileira de
Artigo | 26 Literatura de Cordel
26. Soletrando
No ma-ti-nal vi-ta-mi-na
a me-ren-da no to-ma-te
re-co-men-da a-ba-ca-te
ser só fru-gal ver-de po-mar
pas-ta den-tal po-de cor-tar
de es-co-var tos-se gri-pe
Galope de-ve la-var
com co-li-pe
no ga-lo-pe
da bei-ra-mar
no ga-lo-pe
Beira Mar da bei-ra-mar Um re-gi-me
de ver-da-de
(Fragmentos Não dei-xe li-ber-da-de
o in-tes-ti-no é seu ti-me
soletrados) fi-car fi-no
que só fei-xe
é su-bli-me
ser po-pu-lar
Compositores: Xangai e co-ma pei-xe par-la-men-tar
Ivanildo Dias no pa-la-dar par-ti-ci-pe
um ca-la-mar no ga-lo-pe
CD: Xangai - Qué qui tu es-ca-lo-pe da bei-ra-mar
tem Canário no ga-lo-pe
da bei-ra-mar
Um ex-em-plo
de gi-gan-te
ru-mi-nan-te
um ca-me-lo
pa-ta pe-lo
ru-di-men-tar
pa-ra ma-tar
se-re-le-pe
no ga-lo-pe
da bei-ra-mar
Es-car-la-te
tan-ge-ri-na
Revista Brasileira de
Soletrando | 27 Literatura de Cordel
27. O Brasil de Pindorama
Falou Tupi-Guarani
Raimundo Caetano e Waldir Teles
Cabeceira é Iacanga
Terra antiga – Ibiporã
Estaca – Ibirapoã
Mel vermelho – Irapiranga
Terra roxa – Ibipitanga
Poço fundo – Itapuí
Rio dos Índios – Avaí
Mastro ou poste é Ibirama
O Brasil de Pindorama
Falou Tupi-Guarani
A Várzea é Ibipetuba
Nariz de Pedra - Itatina
Descavado – Ibiapina
Pedregulho – Itaituba
Mel amarelo – Irajuba
Clareira é Baiapendi
Coisa verde é Batovi
Cascatas é Iturama
O Brasil de Pindorama
Falou Tupi-Guarani
A fonte é Itororó
Lagoa branca – Ipatinga
Terra branca é Ipitinga
Bica d’água é Iteró
Casca amarga é Iperó
Rio dos ventos – Butuí
De lei, é Camaçari
Rio dos musgos Iguatama
O Brasil de Pindorama
Falou Tupi-Guarani
Revista Brasileira de
Cordel | 28 Literatura de Cordel
28. Rio doente
Pedra redonda - Itanguá Laje branca é Itapetim,
Ingaci
Rio torto é Iampara Montanha é Ibitiura
Luz da lua é Iaciara Água que brota é Imbura Fonte verde
Ninho de abelhas - Irajá Flor é chamada Imbotim Impui
Navio é Ingaratá Fonte funda é Inhapim
Canteiro
Rio do Leite - Icamburi Ponta de pedra Itapi
Delegado é Canapi Rio dos musgos Iguaí Ibotirama
Bem estar é Catuama Ossada é Canguaretama O Brasil
O Brasil de Pindorama O Brasil de Pindorama de Pindorama
Falou Tupi-Guarani Falou Tupi-Guarani
Falou
Pedra angular – Itatema Pedras soltas – Itaquera Tupi Guarani
Vão estreito – Itacambiro Depois da fonte – Inharé
Rio de pedra - Itaciro Rio das Frutas - Imbaré
Rio imprestável - Ipanema Terra antiga é Ibiquera
Pau d’alho - Imbirarema Cepo é Ibirapuera
Rio doente é Ingaci Angelim – Aracuí
Fonte verde é Impuí Flor de arara – Arapoti
Canteiro é Ibotirama Umbuzais - Umburetama
O Brasil de Pindorama O Brasil de Pindorama
Falou Tupi-Guarani Falou Tupi-Guarani
Charco se chama Ipuçaba Casa de pedra - Itaioca
Aldeia negra – Itabuna Pedra amarela – Itaiuba
Serra negra - Ibituruna Cerradão é Catanduba
Cordilheira – Ibiapaba Construção quer dizer Moca
Porto é Igarequiçaba Fenda ou rasgo – Vossoroca
Pedra verde é Itaobí A lua é sempre Jaci
Areia é Ibicuí O sol é Coaraci
Bica d’água é Torotama E apiário é Iretama
O Brasil de Pindorama O Brasil de Pindorama
Falou Tupi-Guarani Falou Tupi-Guarani
Água boa é Icatu
Pomar se chama - Ipotiba
Abundância – Imbiritiba
Árvore grande - Imbiraçu
Casa de vespa é Inchu
Alameda - Imbiraci,
Pedra agulha é Itabi
Pedra erguida - Itapoama
O Brasil de Pindorama
Falou Tupi-Guarani
Revista Brasileira de
Cordel | 29 Literatura de Cordel
29. Regras da poéetica cordeliana
Regras
(O que é e o que não é Literatura de Cordel)
N ão é qualquer folheto de 11cm X 16
cm que pode ser considerado Literatu-
ra de Cordel. Além do formato com as
medidas indicadas, para que se possa consid-
erar Literatura de Cordel, é preciso observar,
bolo, tábuas de marés, fases da lua, horóscopo,
etc.
Aqui no Nordeste brasileiro, é que ela se
tornou forma de Literatura mesmo, ao definir-
se, não só a forma dos folhetos, como também
em primeiro lugar, o aspecto literário. a temática, as regras poéticas, o fato de serem
A Literatura de Cordel Portuguesa, não é todos em poesia, a criatividade, fantasiosidade
bem literatura, pois o que definiu mesmo o das histórias descritas. Enfim, todas as car-
formato do folheto foi a tecnologia gráfica acterísticas de um segmento de arte literária.
precária da época, mas os folhetos tanto po- Diferenças entre a Literatura de Cordel Por-
diam trazer poemas, como escritos em prosa, tuguesa e a Literatura de Folhetos dita Litera-
da forma que poderiam tratar de receitas de tura de Cordel Nordestina
Revista Brasileira de
Artigo | 30 Literatura de Cordel
30. Portuguesa Nordestina
a. Dirigida a todos os públicos a. Dirigida ao meio popular
b. Gênero literário, teatral, informativo e outros. b. Gênero estritamente literário e informativo
c. Verso, Prosa e Receituários c. Definição pela poesia (exceto os almanaques)
d. Postura ideológica de conciliação de classes d. postura ideológica denunciadora e crítica dos
e. Vendida em ruas pendurados em barbantes opressores
(cordéis) e. Vendida de mão em mão. Nas feiras
é vendida em rodas, e expostos em
mala aberta ou em pequenas bancas
no meio da roda.
A imensa maioria das apos- própria sextilha, que comum
tilhas e livros que “ensinam” da aos folhetos e os repentes, a
Litera- fazer Literatura de Cordel con-
fundem a cantoria improvisada
toada de sete linhas, as déci-
mas, mas também diversos tipos
com a Literatura de Cordel. de quadrões, de mourões, a
tura de Somente Ariano Suassuna fez a
divisão correta. Até mesmo os
Gemedeira, o Gemido de Dois,
Treze por Doze ou numerado, o
Cordel e grandes estudiosos do Folclore
confundiram estes dois universos
da poesia popular nordestina.
Galope à Beira-mar, os diver-
sos tipos de martelos e os esti-
los de fantasia, Brasil caboclo,
Canto- A Literatura de Cordel é
composta por toda a parte
o Brasil de Pai Tomás, o Boi da
Cajarana, Mulher Teimosa ou
escrita e impressa da poesia Rojão Pernambucano. Enfim, um
ria im- popular divulgada em formato
de folhetos (08 e 16 páginas)
mundo de mais de cem estilos,
cada um deles com sua própria
provi romances (de 24 páginas em
diante, saltando de oito em oito
por ser o que comporta uma
estrutura de rimas, de métrica
e uma lógica na oração a ser
desenvolvida, além de uma
sada folha de papel ofício dobrada
em quatro partes e impressa
melodia e um ritmo próprios.
A intersecção entre cantoria
frente e verso), as folhas soltas, e Literatura de Cordel se dá,
com poemas, canções e em- na cantoria quando os repen-
boladas. Esse é o gigantesco tistas cantam canções e poemas
mundo da Literatura de Cordel. ou mesmo folhetos e romances
Já a cantoria improvisada, o decorados e da Literatura de
repente de viola é outro uni- Cordel quando em pelejas e
verso gigantesco, com mais de discussões são usados diversos
cem estilos poéticos, como a estilos de cantoria
Revista Brasileira de
Artigo | 31 Literatura de Cordel
31. As regras do
Márcia Abreu em Histórias
de Cordéis e Folhetos, Mer-
cado das Letras, 1999 traz
mestre Rodolfo as normas que eram definidas
por Rodolfo Coelho Cavalcanti,
mestre baiano da Literatura
Coelho Caval- de Cordel sobre a forma de se
produzir esta Literatura. Rod-
canti para a po-
olfo dá as cartas sobre técni-
cas de versificação usadas na
Literatura e Cordel e sobre a
esia popular im- própria maneira de se diagra-
mar e de se compor, do ponto
de vista gráfica, um folheto.
pressa. Quanto às regras, podemos
lembrar basicamente:
1. As histórias/estórias têm sendo, os folhetos e romances são
que ser descritas em versos; todos montados com números de
páginas múltiplos de 8. Sendo,
2. As estrofes devem ser de portanto, de 8, 16, 24, 32, 40, 48
seis versos (sextilhas1), de sete ou 64 páginas.
versos (Sete linhas2), de dez ver- 6. Os de oito e até 16 pági-
sos (décimas ou glosas3); nas são chamados de folhetos;
3. Os versos, devem ser de 7. Os de 24 páginas em
sete sílabas (heptassílabo ou re- diante são chamados de romances,
dondilha maior) ou de dez sílabas( independente do assunto.
decassílabos ou martelos);
8. As capas devem ser feitas
4. Cada página deve ter de de papel de cor e as páginas in-
quatro a cinco estrofes (quatro, ternas (miolo), normalmente é feito
quando se trata de estrofes de de papel jornal;
sete linhas e até cinco, quando se
trata de sextilhas. No caso espe- 9. A ilustração da capa pode
cífico de ser em décimas, ficam ser feita de xilogravura, fotogra-
apenas duas ou, no máximo três fia ou desenho. Sendo que o mais
estrofes numa página; recomendável é o uso da xilogra-
vura.
5. Os folhetos são montados
no tamanho 11cm X 16 cm, o que 10. Os títulos, de preferên-
representa ¼ de uma folha de cia, devem ser metrificados. Ex. O
tamanho ofício, dobrada ao meio Soldado Jogador (sete sílabas),
e novamente dobrada, de modo As proezas de João Grilo (sete
que, ao dobrar duas vezes uma sílabas) História de Mariquinha e
folha tamanho ofício, ficam oito José de Souza Leão (dois versos
páginas de 11cm X 16cm. Assim de sete sílabas).
Revista Brasileira de
Artigo | | 32
Artigo 10 Literatura de Cordel
32. Sextilhas Sete linhas Décimas ou glosas
São estrofes de seis São estrofes de sete As décimas são
versos de sete sílabas versos de sete sílabas, estrofes de dez versos
As rimas devem ser com rimas postas na de sete sílabas, com a
postas na seqüência AB- seqüência ABCBDDB. posição das rimas obe-
CBDB.
Trata-se de um estilo decendo, na maioria dos
Em alguns casos a
poético pouco usado no casos, a seqüência AB-
primeira rima (A) a pode
rimar com a última da início da Literatura de BAACCDDC. Trata-se de
estrofe anterior, como Cordel Nordestina, mas uma forma poética mais
normalmente se faz na que depois passou a ser usada para glosar motes
cantoria improvisada. Na adotada em poemas em pelejas e discussões,
Literatura de Cordel não como A Chegada de mas também pode ser
é obrigatória a “deixa” Lampião no Inferno. usada para a com-
porque e é usada na O estilo Sete Linhas é posição completa de um
cantoria improvisada muito usado na cantoria folheto, como é o caso
para dificultar a prática improvisada por permitir da Batalha de Oliveiros
que alguns poetas têm de
melodias muito boni- e Ferrabrás, de Leandro
levar estrofes decoradas.
tas. É tão musical que é Gomes de Barros.
Há também as sextilhas
em decassílabos, mas ra- chamado na cantoria de Há também o chama-
ramente ela é usada nos “Toada de Sete Linhas”. do “estilo de Assu” em
folhetos de cordel, sendo Os cordelistas mod- que as rimas obedecem
mais apropriada para o ernos usam bastante o a seqüência ABBAC-
improviso. estilo Sete Linhas. CDEED. As décimas em
decassílabos são usadas
em poemas e pelejas.
Obs. Os demais estilos que normalmente são apresentados em apostilhas de
Literatura de Cordel como sendo próprios da poesia escrita, só são usados na
composição de folhetos e romances, como Brasil Caboclo, Martelo a Desafio, Ge-
medeira, Mourão Voltado, Quadrão Perguntado, Galope à Beira-mar ne outros,
são estilos de cantoria improvisada, só sendo usados na Literatura de Cordel,
quando se trata de pelejas e discussões. Estes outros estilos serão descritos nos
próximos números desta revista, com acompanhamento de um CD para que se
possa ter uma dimensão aproximada do universo da cantoria improvisada e da
Literatura de Cordel.
Revista Brasileira de
Artigo | 33 Literatura de Cordel
33. A Criação de Brasília
Chico Diassis
Brasília, cidade linda Com o Padre João Ribeiro,
É a musa do Cerrado Hipólito José da Costa
Teu céu azul, estrelado, A mudança era proposta
Tem belezas mais de mil E ganhava repercussão
Tua miscigenação Era século dezenove
No Distrito Federal No ano de vinte e dois
Faz do Planalto central Quando Dom Pedro propôs
O coração do Brasil. Sua denominação.
Joaquim José da Silva Francisco Adolfo, Visconde
Xavier, o Tiradentes, De Porto Seguro, faz
Ele e os inconfidentes Uma viagem a Goiás
Queriam teu esplendor Berço das grandes bacias
Ao pedirem que o País E entre Trás Lagoas, nota
Transferisse a capital O local apropriado
Do imenso litoral Pra que seja sediado
Para o vasto interior. O poder de nossos dias.
Revista Brasileira de
Cordel | 34 Literatura de Cordel
34. O senador Cavalcanti
Apresentou ao Senado
Um projeto baseado
Na viagem do Visconde,
Cento e oito anos antes
Da fundação da cidade,
A sua localidade O deputado Nogueira
Já era sabida onde. Paranaguá autoriza
A demarcação precisa
No ano de oitenta e três No ano 92.
Dom Bosco, salesiano, E Floriano Peixoto
Sonhou com um altiplano A Comissão Cruz envia
Onde a terra prometida Pra demarcação sadia
Estava à beira de um lago Ser concluída depois
Conforme a antevisão
Nova civilização, Fez-se o Quadrilátero Cruz
Novo tempo e nova vida. Em muitos mapas, presente
O governo de Prudente
Foi proclamada a República No ano 96
E sua constituição Mil novecentos e cinco
Previa a demarcação Na campanha mudancista
Do Distrito Federal. Senador e jornalista
Virgílio Damásio e Muller Tocam o assunto outra vez
Dois distintos senadores
Do terceiro artigo, autores, Dia sete de setembro Após trinta e quatro anos
Lembraram da capital. Data por nós consagrada, Juscelino entra em ação
Em 22 foi lançada Inicia a construção
A pedra fundamental. Consolidando a proposta
O Epitácio Pessoa Contando com paisagista
Comemorando a essência Arquiteto e engenheiro
Cem anos de independência Faz com Israel Pinheiro,
Da nossa pátria natal. Niemeyer e Lúcio Costa
Em 21 de abril
De 60 foi fundada
A cidade projetada
Pra sediar o governo.
As maiores decisões
De Brasília estão partindo
E hoje estamos assistindo
Nossa capital crescer.
Revista Brasileira de
Cordel | 35 Literatura de Cordel
35. Cinco seculos de luta e aventura,
Desemprego, racismo e violencia
SEVERINO DIONÍSIO
Eu não vejo porque comemorar
Cinco séculos de vida do Brasil,
Deveria passar o mês de abril
Sem ninguém desta data se lembrar
Se o índio não tem onde morar,
Prostituta não tem a assistência
O político não usa coerência
Pouca coisa mudou da ditadura
Cinco séculos de luta e aventura,
Desemprego, racismo e violência!
EDVALDO ZUZU
Não se pode esquecer o pelourinho,
O porão do navio e a senzala
O quilombo que tanto o povo fala
Onde o negro sofreu sem ter padrinho,
Conselheiro e Zumbi neste caminho
Foram mártires da mesma penitência
Suportaram castigos sem clemência
Não tiveram da lei a cobertura
Cinco séculos de luta e aventura,
Desemprego, racismo e violência!
SEVERINO DIONÍSIO
Descobriram o Brasil, mas foi em vão.
Não deviam jamais ter descoberto
Que se o branco não tem chegado perto
Só os índios mandavam nesse chão,
Sem políticos corruptos na nação,
Sem a droga gerando delinqüência,
Não havia república nem regência
Nem ninguém criticando a pele escura
Cinco séculos de luta e aventura,
Desemprego, racismo e violência!
Revista Brasileira de
Cordel | 36 Revista Brasileira de
Artigo | 10 Literatura de Cordel
Literatura de Cordel
36. EDVALDO ZUZU SEVERINO DIONÍSIO
Este monstro cruel capitalismo São quinhentos janeiros de poder
Não aceita o regime igualitário Concentrados nas mãos dos oligarcas,
Sufocou o poder do operário Que sufocam, castigam e deixam mar-
Colocou nossa pátria no abismo cas
Afogou de uma vez o comunismo Onde o pobre não para de sofrer,
Amparado na voz da prepotência Os mendigos não têm o que comer,
Onde o fraco não ganha concorrência Os Sem Terra encontram resistência,
Pra um regime cruel de linha dura Os Sem Teto caçando residência
Cinco séculos de luta e aventura, E os doentes na rua da amargura
Desemprego, racismo e violência! Cinco séculos de luta e aventura,
Desemprego, racismo e violência!
SEVERINO DIONÍSIO
Este nosso Brasil é bom demais EDVALDO ZUZU
Pra quem tem uma vida bem feliz, Nosso povo inda deve estar lembrado
Quem desvia o dinheiro do país Do que houve em Olinda sempre praia,
Vive entre os maiores marajás, Buriti Cristalino e Araguaia
Quem explora as riquezas naturais, E o massacre no chão de Eldorado
Quem jamais examina a consciência Quebra-quilos, Praieira, Contestado,
Quem não tem um fiapo de exigência Quando vítimas não teve Inconfidência?
Grita viva ao Brasil em toda altura Bater palmas pra sua independência
Cinco séculos de luta e aventura, É juntar fanatismo com loucura
Desemprego, racismo e violência! Cinco séculos de luta e aventura,
Desemprego, racismo e violência
EDVALDO ZUZU
Vera Cruz, Santa Cruz, Monte Pascoal,
Pindorama e Brasil até agora
Quando a classe burguesa comemora
A pobreza se sente muito mal.
Uma grave injustiça social
Vem trazendo terrível conseqüência
As esmolas das frentes de emergência
Humilhando os que estão na agricultura
Cinco séculos de luta e aventura,
Desemprego, racismo e violência
Revista Brasileira de
Cordel | 37 Literatura de Cordel
37. Gonçalo Ferreira, nascido três dezenas de biografias de
em Ipu, no Ceará, reside no Rio cientistas produzidas em Cordel
de Janeiro, onde é presidente por este primoroso poeta
da ABLC – Academia Brasileira popular que, além de cordel-
de Literatura de Cordel. ista é também contista e en-
Autor de mais de 300 saísta, sendo um dos escritores
folhetos abrangendo os mais de grande referência na área
diversos assuntos, Gonçalo Fer- do cangaço.
reira dedicou-se a contar em Pesquisador incansável,
versos cordelianos as vidas de traz para seus poemas dados
alguns mais afamados cientistas fundamentais para a com-
do mundo. preensão da vida e da obra
Pode se contra mais de destes grandes benfeitores da
A história da
Ciência Gonçalo
nos versos de Ferreira
humanidade. Brasil, também enveredou por Rigorosa obediência
Vários outros poetas tam- pesquisas científicas especial- As conselhos soberanos
bém se dedicaram a cantar mente nas áreas de Antropolo- Para que sejamos dignos
as vidas dos cientistas e te- gia e Etnografia. Desses celestiais planos
mas científicos, mas a obra de Sobre Aristóteles, Gonçalo
Gonçalo Ferreira é a melhor Ferreira descreve: Aristóteles reuniu
referência para qualquer pro- Mais do que dignidade;
fessor que se disponha a usar a Quando Tales de Mileto, Pois ele, Platão e Sócrates
Literatura de Cordel como fer- Da Grécia, o primeiro guia, Formaram a grande trin-
ramenta didático-pedagógica As cortinas do saber dade
no ensino de Ciências. Carinhosamente abria Dos mais notáveis filósofos
Desde Aristóteles, so- Mostrava o florescimento Da Grécia da antiguidade.
bre quem escreveu o folheto Da grega sabedoria.
“Aristóteles Vida e Obra” até Gonçalo continua descreven-
Câmara Cascudo, mesmo tendo Deus tem planos para todos do a vida de Aristóteles, consa-
a marca de maior folclorista do Porém cabe a nós, humanos, grado como filósofo, ma tam-
Revista Brasileira de
Artigo | 38 Literatura de Cordel