1. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
Jean-Pierre Esquenazi (Sociologie des publics,
2003) sugere seis teorias principais na
caracterização de públicos:
Inquérito/audiência,
Obra (recepção),
Estratégias comerciais,
Estratificação e práticas culturais,
Configurações culturais (género, por exemplo),
Interacção e etnografia e quadros de
participação.
2. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
1) Inquérito/audiência
A sociologia dos públicos tem uma relação inevitável com os inquéritos
estatísticos, utilizados por inúmeros pesquisadores.
A ideia é mensurar ou avaliar os públicos reais ou potenciais. A televisão é
examinada regularmente.
A prática da televisão é inversamente proporcional à densidade de outras
práticas culturais. O teatro é a saída cultural mais incompatível com o
gosto pronunciado pela televisão.
Geralmente, os utilizadores das estatísticas concentram-se mais na média
mas esquecem as disparidades de consumo entre pessoas da mesma
idade (caso dos mais velhos). Por outro lado, considera-se que quanto
mais se vê televisão menos se escolhem programas.
Há três grandes oposições (jovem/velho, homem/mulher, nível de estudos
elevado/baixo).
3. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
2) Obra (recepção) – ou público activado pela obra
Uma “obra” associa-se a um modelo de interpretação (teoria do
“texto”).
A interpretação desenvolve-se a partir de directivas contidas no
texto. Compreender a recepção significa desenrolar uma teoria do
texto (autores: Umberto Eco, Wolfgang Iser, Hans Robert Jauss,
Stanley Fish).
Umberto Eco:
1) Textos fechados – (por exemplo, a literatura popular, que
postula um só modelo perfeitamente definido),
2) Textos abertos – possuem dimensões diferentes mas não
exclusivas e admitem a possibilidade de modelos variados de
leituras. Os textos abertos possibilitam leituras distintas e, por isso,
nenhuma é mais justa que as outras.
4. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
Wolfgang Iser:
O processo de leitura é uma interacção entre dois sujeitos. É na memória do leitor
que se desenvolve a elaboração do sentido da leitura. Reler um livro ou rever um
filme muitos anos depois, com uma biografia pessoal com mais experiência e mais
memória, pode levar a uma nova interpretação.
Hans Robert Jauss:
Cada época define-se pelo tipo de contacto que privilegia com as obras. Há
horizontes de expectativas dos leitores, resultando, numa dada época, de normas
de escrita, de modos julgados habituais de olhar a ficção e as relações
estabelecidas com as obras-primas.
Stanley Fish:
A interpretação depende de níveis de competência do público, como se fossem
diferentes comunidades de interpretação ligadas a estratégias interpretativas
específicas.
A recepção do objecto pelo público é determinada pelo conhecimento que possui
um género (ficção científica, policial, documentário) a que pertence o objecto. O
género western é constituído por filmes que seguem um esquema comum
respeitando lugares, personagens, acções [ver a telenovela].
5. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
3) Estratégias comerciais
Distribui-se em duas grandes escolas de pensamento, para
quem o público é um conjunto de consumidores:
a) Funcionalismo, com os trabalhos do sociólogo Lazarsfeld
nos anos 1930 e que, na década seguinte, teria forte
influência nos media dos Estados Unidos.
b) Sociologia crítica das indústrias culturais, com duas datas
de nascimento: um texto de Benjamin (A obra de arte na era
da reprodutibilidade técnica, 1936) e um texto de Adorno e
Horkheimer (A produção industrial de bens culturais, 1947).
As duas escolas surgem quase ao mesmo tempo.
6. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
Quanto ao funcionalismo, destaca-se um texto
editado em 1942 por Herta Herzog. Com apoio
nos inquéritos conduzidos junto do público das
soap operas radiofónicas, ela interessa-se
essencialmente pelo gosto das classes mais
populares pelo género. Ela negligencia o facto
que há igualmente muito público mais culto que
tem as mesmas necessidades. O funcionalismo
teoriza a influência pessoal, título do livro de Katz
e Lazarsfeld.
7. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
4) Estratificação e práticas culturais
Há duas teorias debaixo desta designação: a teoria da legitimidade cultural
inspirada por Pierre Bourdieu e os Cultural Studies britânicos, ambas ancoradas na
sociologia.
No trabalho de Bourdieu há dois livros fundamentais, o primeiro consagrado aos
usos comuns da fotografia (Un art moyen, 1965) e o segundo à frequência dos
museus (L’amour de l’art, 1969).
Cada domínio das práticas culturais é estruturado pelos hábitos dos diversos tipos
sociais.
Un art moyen descreve as afinidades entre hábitos, estilos de vida e proprietários da
técnica fotográfica. A fotografia é uma técnica realista e simples que permite a
recolha regular de imagens, acompanhando a ritualidade da vida. A necessidade de
fotografias nas pequenas cerimónias faz o ritmo da vida quotidiana.
Em L’amour de l’art, Bourdieu fala da constituição do público da arte, supondo-o
ainda relacionada com a literatura e a música clássica. A primeira constatação
surgida no livro é a taxa de frequência dos museus segundo as categorias sociais e
profissionais.
8. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
Outro contributo para a teoria do público produzido pela estratificação
social – cultural studies.
Um artigo de 1973, publicado por Stuart Hall (Coding/Decoding), tornou-se
um dos principais estudos dos Cultural Studies. Para ele, o público não é
uma massa passiva mas um dos actores intervenientes no processo.
O problema de interpretação pelo público põe-se ao nível da conotação: os
telespectadores têm três possibilidades para interpretar a informação:
a) Validam a informação como ela é enunciada nos termos constitutivos da
ideologia dominante (posição dominante hegemónica),
b) Aceitam o quadro da informação mas opõem-se à formulação particular
do facto em questão (posição negociada),
c) Recusam o quadro geral e querem substitui-lo por outro sistema
conotativo (posição oposicional).
9. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
5) Público estruturado pelas
configurações culturais
Aqui, inclui-se uma divisão de sexos,
nacionalidades e culturas.
Esquenazi salienta o inquérito Les jeunes
et les sorties culturelles, que lhe permite
caracterizar seis maneiras de abordar a
oferta cultural (comportamento de jovens
dos 12 aos 25 anos):
a) ecletismo, que se encontra sobretudo
entre os jovens vindos de meios
favorecidos e urbanos. Eles (mais as
mulheres) são apreciadores de todas as
actividades culturais,
b) rebeldia, com características
sociográficas semelhantes ao anterior
grupo, rejeita a cultura “clássica” e
consagra-se aos concertos de rock e
actividades contestatárias,
c) conformismo, um dos mais
representados nas diferentes atitudes,
centra-se no trio cinema-rock-discoteca; a
rejeição da cultura clássica é aqui uma
marca de desinteresse,
d) distanciamento é uma atitude que
partilham muitos filhos das classes
populares: são praticantes culturais fracos
(excepto desporto e televisão) e não
querem desenvolver as suas práticas,
e) frustração como traço dominante,
provindo os públicos também das classes
populares; mais rurais e femininos que os
anteriores têm um desejo de maior
actividade,
e) enraizamento, representa a
particularidade preponderante de uma larga
camada média (30% dos jovens inquiridos)
fortemente ligada ao património e
interessada no espectáculo desportivo.
10. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
Outro domínio do público estruturado pelas configurações culturais
é o dos Gender Studies, divididos em duas grandes opções de
investigação.
A primeira, a ferramenta psicanalítica, primeira fase de pesquisa
pública sobre os públicos, propõe-se explicar o sucesso das soap
operas junto das mulheres, e em especial das donas de casa,
comparando a estrutura da organização narrativa do género
televisivo e as formas de vida reservadas às mulheres. Cada série
no género soap opera centra-se em torno de personagem de mãe
ou mãe ideal, situada no coração de todas as intrigas.
A segunda, a etnologia feminista, procura perceber a situação
desvalorizada dos produtos literários e televisivos preferidos pelas
mulheres. Daí querer explicar o prazer dos públicos femininos face
às soap operas ou à literatura “sentimental”.
11. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
6) Interacção e etnografia e quadros de participação
O conjunto de estudos dentro desta perspectiva tem o mérito de mostrar
que os actos de recepção não funcionam num deserto cultural e social
mas dependem de parâmetros que escapam à recepção. Caso da
conversa ou discussão tidas após a recepção propriamente dita. Têm a
vantagem de explorar domínios inacessíveis aos inquéritos quantitativos.
É muito difícil estudar um público. Além disso, o público é imprevisível e
heterogéneo. Já David Morley falava de “públicos”, os quais interrogou
para o seu inquérito sobre o programa Nationwide.
Por seu turno, Hartley qualifica os públicos de “ficções invisíveis”: são
“ficções” porque aparecem juntos devido às necessidades do inquérito e
“invisíveis” porque existem como públicos apenas no espírito do
investigador.
Hartley fala ainda do programador de televisão, que imagina os públicos
como aqueles a quem se destinam as emissões e que são vendidos aos
anunciantes.
12. Os públicos em Jean-Pierre Esquenazi
James Lull procurou conciliar o pensamento funcionalista e o
contributo etnográfico. Interrogando as famílias sobre o papel
atribuído à televisão, o autor mostra que elas associam duas
funções essenciais:
1) a televisão estrutura a vida familiar, contribuindo para o
estabelecimento de horários e comportamentos,
2) a televisão tem uma vocação relacional ajudando à
comunicação: os lugares comuns são retomados nas
conversas, algumas emissões são vistas e comentadas em
comum.