Está em nossas mãos escolher bem onde trabalhar, gerenciar nossa integridade e moderar nossa ganância. E se somos líderes de organizações, saber tomar as decisões sobre estrutura e pessoas que levem em conta a natureza dos seres humanos. Caso contrário, nossa conta com o terapeuta poderá ser alta...
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Fábricas de Loucos: Alta Ansiedade nas Organizações
1. Fábricas de Malucos: Alta
Ansiedade nas
Organizações
Marcos Guariso
Consultoria em Capital Humano
2. Fábricas de Malucos:
Alta Ansiedade nas Organizações
Marcos Guariso
E não é que nossas organizações estão se transformando em fábricas de loucos ansiosos e medrosos -
linhas de montagem de defensores de emprego, articuladores de redes de autoproteção, apoiadores de
ações “seguras”, agressivos e assediadores contumazes? Senão, quais as causas de cobranças exageradas,
excesso de controles, eventos de violência verbal?
O voyeurismo é um dos passatempos mais reprovados, mas dos mais praticados em
todas as sociedades. Não foi por isso que escolhi trabalhar em Recursos Humanos, mas
nada me ensinou mais sobre a natureza humana do que o big brother corporativo que só
a poltrona executiva de RH pode oferecer.
Lembro-me, até hoje, de um encontro surreal com o CEO de uma multinacional européia – onde
eu trabalhava como Diretor de RH – em um restaurante de um aeroporto americano. Eu o via
batendo a mão repetidas vezes na mesinha de ferro (que tremia, junto com copos e talheres) ao
mesmo tempo que dizia: “Por que essa perseguição contra o CFO do Brasil?! Você tem que fazer
alguma coisa”. Sem dúvida, estávamos fazendo: denunciando-o por sua incompetência e falta de
ética. Mas ele insistia: “Coitado dele! Essas coisas são inaceitáveis”. Sem dúvida, uma situação
que só o homem de RH poderia testemunhar: as denúncias sobre desempenho e comportamento
do CFO vindos de todos os níveis no Brasil, as articulações políticas deste com os amigos da
matriz que nos chegavam via estrutura de RH e o viés preconceituoso do CEO que possuía suas
fontes de informação de gente de confiança (composto por compatriotas). O CFO foi mandado
embora, alguns meses depois, por desvio de dinheiro e outras impropriedades.
Pois é, existem algumas áreas nas empresas que possuem o duvidoso privilégio de ter
acesso à real natureza das organizações, entre elas Recursos Humanos. Num
departamento como esse, você testemunha não só o que as pessoas fazem em público,
mas também o que se passa a portas fechadas – o que somente poderia ser captado por
câmeras escondidas, confidentes inconfidentes, línguas soltas ou ouvidos curiosos. E não
estou dizendo que essas áreas plantem escutas ou recrutem agentes insidiosos. Para
gente desses departamentos, as informações caem em seus colos, seja em meio a ações
judiciais, reclamações e denúncias, seja em francas conversas confidenciais com um
presidente, desabafos de um diretor financeiro ou indiretas dos operários da linha de
produção.
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3. Com tamanha amostragem de comportamentos (nem sempre reprováveis, mas
comumente bastante esclarecedores) é compreensível que os profissionais de RH
possam tirar suas conclusões sobre os motivos, intenções e até virtudes e vícios das
pessoas. E, por tabela, sobre a tal natureza da organização, que nada mais é que a soma
combinada da natureza de seus membros, principalmente dos seus líderes.
E é a atual natureza perniciosa das organizações que me vem à cabeça neste momento,
ao me recordar de uma conversa com um casal de amigos, Médicos do Trabalho, sobre a
saúde nas empresas. Segundo eles, que atendem cada um duas companhias de primeira
linha, cerca de 30% das pessoas possuem depressão ligada ao trabalho. E 70%,
ansiedade.
Sem entrar no mérito de se os dados têm validade estatística ou não, eles se alinham ao
que se vem observando por aí. Ansiedade crônica – de forma simplificada - é a
agudização do medo de perder algo ou da expectativa de algum bem que libere de um
mal que aflige: duas faces da mesma moeda do medo.
E não é que nossas organizações estão se transformando em fábricas de loucos ansiosos
e medrosos - linhas de montagem de defensores de emprego, articuladores de redes de
autoproteção, apoiadores de ações “seguras”, agressivos e assediadores contumazes?
Senão, quais as causas de cobranças exageradas, excesso de controles, eventos de
violência verbal?
Se essas circunstâncias são mais comumente relacionadas a épocas de transição e
incertezas, durante aquisições e fusões, por exemplo, elas estão se dando com muito
mais frequência, atualmente, pelo simples fato de estarmos nos transformando numa
horda de gananciosos.
Muito recentemente, tive contato com uma multinacional do ramo industrial e de bens de
consumo que, em cinco anos – e a custa de muito sangue, suor e horas extras (não pagas) –
superou todas as expectativas e alcançou os resultados planejados com 2 anos de antecedência.
Ora, ótimo momento para comemorar, reconhecer e preparar com respeito, e cooperativamente
com os heróis, os próximos passos do crescimento. A matriz, no entanto, localizada num atolado
EUA, simplesmente exigiu que a meta para o ano seguinte fosse um resultado 50% maior que o
do ano anterior, mesmo contra a opinião de todos os executivos locais.
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4. Pois uma estrutura matricial pode ser muito benéfica – se a empresa está preparada. A
promoção de pessoas jovens é algo muito bom... se eles estão maduros. Cada vez mais,
mais responsabilidade e menos recursos sobre os ombros de pessoas despreparadas.
Profissionais imaturos, porque provenientes de uma sociedade que pouco cobra das
pessoas em termos de deveres e obrigações, assumem posições chave. E tudo por uma
ansiedade por resultados que não tem travas.
E a consequência de tudo isso? Organizações que são fábricas de loucos e que, muitas
vezes, promovem as pessoas erradas: as que parecem preparadas, mas, na verdade, são
os que conseguem navegar por esse ambiente por algum grau de patologia psicológica.
Esse é um dado estatístico: a maior prevalência de psicopatas (não obrigatoriamente
serial killers) numa classe profissional se dá em CEOs. Imaginem empresas dirigidas por
frios e insensíveis psicopatas.
Para terminar esta reflexão, não resisto à tentação de contar um caso que escutei de um
alto executivo de Recursos Humanos do mercado financeiro, fato acontecido há já algum
tempo.
Num banco internacional, o Diretor de RH expatriado ocupava a posição há algum tempo e se
sentia à vontade o suficiente para fazer um ou outro arranjo com seus fornecedores. A Auditoria
Interna, finalmente, pós os olhos naquilo tudo. O Auditor responsável pela investigação
encontrou o Diretor de RH pela manhã e o avisou sobre uma reunião que teriam após o almoço
para falar de algumas descobertas “interessantes”. O Diretor, em completo desespero, saiu para
almoçar com sua SUV e – ironia do destino – encontrou o Auditor prestes a atravessar a faixa de
pedestres na Avenida Paulista. Não houve hesitação: semáforo verde para os pedestres, pé no
acelerador e o Auditor era lançado ao chão desacordado. O tal executivo não parou de acelerar
até chegar em casa. Junto suas coisas em um par de malas, comprou uma passagem de ida para
eu país e... nunca mais se soube dele.
Enfim, em vias de nos tornar psicopatas ou não, estar numa organização é um risco à
nossa saúde. O que nos resta é escolher bem onde trabalhar ou, ao menos, o
terapeuta... Brincadeiras à parte, o que, sim, está em nossas mãos é gerenciar nossa
integridade e nossa ganância. E se somos líderes de organizações, saber tomar as
decisões sobre estrutura e pessoas que levem em conta a natureza dos seres humanos.
Não vá acontecer que um de nossos gerentes tenha uma SUV e nos encontre a pé na
Avenida Paulista... (Em tempo: o Auditor sobreviveu.)
Marcos Guariso é Partner da cowork.hr.
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