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Algo Tão Simples
    Miguel Ribeiro
Vou encurvado pela saca, arrastado para o próximo passo, a estremecer de calma.
Nunca me hei de sentir tão seguro, o caminho desenrola-se pela carne dos meus pés
como uma continuação de pele, como camadas de uma, duas, cento e noventa e duas
semanas.
      Lá está o penedo, enferrujado de musgo, enferrujado de pêlo. Eu sou aquela pedra,
o ar seco das mãos, a terra abrasada da roupa, de olhos erodidos pelo vento. Empurro os
ossos do braço para tocar no penedo, que me puxa para além. Deixo-me arrastar pelo
andar até chegar à cabana… cabana, fábrica, amontoado de placas subjectivas… A
chave do bolso atrai a minha mão e pega-se a ela. Puxa o braço e convida-se a entrar na
fechadura, roda sobre si própria e destranca a porta metálica. Lá dentro não há luz, mas
há um copo de água, e debaixo dele uma mesa de metal. Engasgo-me de água e tiro a
saca das costas. Vagarosamente, perco-me no seu interior. Uma bomba aparece.
Abandono-a no cimo da mesa, pego na saca e fecho a porta, cobrindo a bomba de
escuridão total.
      Um dia e meio para voltar a casa, tem de ser, um dia e meio, um dia de descanso,
um dia e meio para ir buscar a encomenda, três dias para a vir depositar nesta pilha de
rectas ferrujenta, um dia e meio para voltar a casa. Uma bomba a cada semana,
quinhentos euros por bomba, cento e noventa e dois vezes quinhentos igual a nove mil
euros, o suficiente para se esfumar em rotinas inconsequentes. Ele dilui-se por aí, por
formas que me deixam continuar, o que acaba por ser o essencial, ou básico, deve ser o
mesmo.
      O mundo roda sob a minha consciência, o que faz com que eu esteja sempre no
mesmo ponto, leva o sol de arrasto, preso aos outros por fios de luz. E os outros passam
por mim, varridos pela estrada, para fora das suas casas, com as suas caras permanentes
que, pelos vistos, conheço desde sempre. As caras vêm constantemente etiquetadas com
um cumprimento, ou um carimbo de “Bom dia.”, ou até uma gravação “De volta à
vila?”. Instintivamente, despoletado pela vivência social e ciência comportamental
humana inerente à minha condição de ser racional, respondo a esses estímulos,
devolvendo, na forma de simbologia fonética e alfabética, mensagens logicamente
encadeadas que permitem que se instale algum tipo de diálogo. A verdade é que este
padrão se tem vindo a expandir, e cada vez é mais frequente a sua repetição,
inclusivamente com novos sujeitos.
      - Quero o costume.
A entrada do mesmo bar vem contra mim e engole-me, e eu engulo o bar, dissipo
o normal perpétuo, outra e outra vez. Estou para agarrar em euros, quando um puto rói o
banco.
      - Então?
      - O quê?
      - Quê?
      Expande-se para o centro da mesa, aparafusa o queixo ao metal, rugindo os olhos
na minha direcção.
      - Já não estás com ela. Outra vez. Podias ensopá-la de estupidez, tu sabes que não
rebenta.
      O ritmo nunca falhou a este puto. Sabe a pauta através de tons à Camus. Foi
pescá-los ao lodo do cabelo, cada vez mais espesso, criado da sua abstenção terrena.
Podia ter a certeza que é uma projeção paralela do que eu sou, mais venérea e aguda,
coberta de razão, claro.
      - Vês o risco? Caminhante de bombas, não sabes o risco?
      Outra vez.
      - Um dia fecho-te as cordas.Até para a semana.
      Deixou-se trancar pelo tecto do bar. Enquanto isso, escorrego pela estrada, que me
amolece por cada hora que passa.
      Um dia e meio depois chego a casa, na cidade que escolheu ser esticada do solo
no centro perfeito da rotina. Num extremo da rotina está uma bomba e no outro está um
amontoado de metal. Eu durmo no meio.
      Tranco a parede pela qual passei, para me abotoar a um monte de mantas e
novelos de alcatifa. Os meus dentes esfarelam-se em saliva, mesmo por debaixo dos
meus olhos fundidos, e é nessa altura que começo a triturar o espaço, todos os seis
lados, e sobras de tempo, arrumadas em gotas de pêlo.
      Sei que sou uma ogiva, apesar de ninguém mo dizer, aqui sei que o sou. Sinto-me
em Júpiter, não consigo andar, nem voar, ou sequer explodir/respirar. Nessa
impossibilidade, olho-me raspado em limalha, a escorrer por uma ausência de coisa,
onde sou comprimido, prototipadamente, numa coluna sem extremos. Passa por ali um
eu que me enrola, e me esculpe com os caninos, até ficar um sólido rangido. Ao
desembrulhar-nos, apareço no meio de uma ogiva, mas é ela que está no meio de mim.
Estamos todos em Júpiter e, de repente, não explodimos. Adormeço, com o coração
suado.
Já é hoje, o que não significa nada. Todos os hojes destas cento e noventa e três
semanas são os primeiros dias. Por essa razão, consigo ler o futuro, programado nos
tendões e nervos que me impedem de descolar, que, de vez em quando, me puxam as
unhas ou disparam os pés. A pele está em erupção, cabos que vão dos membros à noz da
cabeça magnetizam-se carnudamente, impelindo-me a ir a um banco agrafar uma sopa
de números ao olho direito. A negrito, para lá, está o saldo da conta, um cinco e um par
de nada, constantemente linear, ele some e aparece, almoços, botões, areia, impostos,
bomba, almoços. Uma caixinha quadrada, alocada no interior do meu cérebro, é
preenchida com um visto, permitindo, dessa forma, o seguimento do restante comboio
de sinais eléctricos, com destino alastrado a diversas partes motoras. Em sincronia com
este fogo de artifício, o asfalto, de horizonte às costas, principia a sua vagarosa
caminhada.
     Por vezes, impresso no olho esquerdo, folheio aquela altura em que recebi uma
carta, com quinhentos euros anexados e uma chapa com a seguinte disposição de
caracteres “O trabalho é seu”. Incentivos, de alguma maneira, sempre culminaram num
empenho crescente da minha parte, sempre me fizeram sentir…incentivado. Voltando
atrás, à página um, leio o anúncio logotipado “Empresa nacional pretende auxiliar para
transporte estritamente pedonal de mercadoria potencialmente desagregadora.
Quinhentos euros por lote, um lote por semana. Contactar 22747436”. Na página dois
sou seduzido por um engenho artificial transmissor, anoto um endereço na folha
seguinte, que uma carta ensopa para dentro de um vórtice filatélico. Seis folhas depois
estou de orientação desgovernada à procura da página trinta e dois, onde um corredor
enquadra a primeira bomba. Agarro uma não bola de ténis, progressivamente maior,
aplicando forças inexistentes nos extremos das minhas mãos, até se tornar numa não
bola de râguebi. As linhas e aparência da bomba difundem a percepção temporal
periférica, tal como comprimem os tecidos nervosos circundantes, ao ponto de haver
ligação nula entre acção e reacção.
     A primeira vez que peguei numa bomba estava condensado num buraco negro,
num espaço de volume teoricamente desprezável. Eu não acontecia.
     Paro pelo bar, cervejaria, restaurante, albergue, bebedouro, casa funerária, no
extremo do meio. Inclinam-me peças sobresselentes de bovino, revestidas em prato
baço, enquanto me encharcam a face de vinho tinto. Ao mesmo tempo, passeia uma
serra, numa maratona corporal, pelos jardins putrefactos das macas que por ali
almoçam. Três carneiros asseados servem-se de pão com manteiga no intercalar das
migas, comem repletos de senso, correctamente empoleirados em três cadeiras
amadeiradas. Olham para mim e eu aponto para o do meio. Uma ponta de faca emerge
por baixo da mandíbula, fazendo com que, num acto de distinta paixão, o carneiro beije
de frente o resto de migas, espalhando poças de napperon vermelho pela mesa.
     Tento dialogar a ingestão, mas a cada relance da fala esfaqueio a companhia, que
insiste em inviolar o monólogo. Mando fritar o vestido vermelho que traz consigo, sem
nunca conseguir ficar desnuda, e arregaçar as mangas para melhor a deceparem. Olho
para ela. Mantém-se ressacada do acto, alcoolizada de cortes, a chorar por todos os
poros, a pedir para trincar os nacos de imobilidade que ainda a obrigam a pegar-se à
mesa. De comedida leveza, almoço-a paulatinamente, polindo o seu tutano à dentada.
Solto euros antes de me afundar pela saída.
     O próximo passo leva o braço atado, a recompor a boca manchada. O óleo capta-
se aos dedos, pelo que se fazem roçar no tecido das calças. Outras vezes cumprimento a
areia e reparto memórias do festim. Ele acaba entranhado na terra, que efervesce na
presença de sangue e ferve de melancolia.
     Algumas horas depois, o céu esvai-se em luz, caindo morto no ar, apodrecendo
por completo.
     - Boa noite.
     O som vem a pairar de uma cara que já passou e reconheço. Faço um rasgo visível
pelo espaço à minha volta. O preto sobrepõe-se à existência volátil do que se vai vendo,
consome o cru da estrada. Vem fria de raspas de asfalto, a apedrejar metros de marcha
sem linha divisória. No fundo, por ali, estão vários montes de estática televisiva,
variando conchas de tinta-da-china, e é disso que se ramificam as margens volúmicas
das árvores. Fachos de tinta escura desenham uns poucos arbustos, escondem a presença
de gente vegetativa incolor, da forma de chuva estática. Esta realidade é fátua e
facilmente despovoada pelo voyeurismo da minha lanterna.
     Não compreendo como se entrelaçam os fios da manhã...existe uma certa
desproporcionalidade entre os tendões e a luz, o que se pode observar ao esticar o sol
pelo orvalho e este rebentar na estrada. Acaba, porém, por ser a métrica mais
alumiadora da vadiagem diária.
     O tempo esfuma-se pelo quase que chega, e já é hora de almoço.
     - Tudo bem?
     - Isto não me custa.
     - Bem sei que não. Até para a semana.
Aceno à mochila, com um vivo às costas, o mesmo de todas as semanas, na
composição de faces que definem a minha vaga flora social.
     Interpela-me um outro contentor fotossintético.
     - Mais uns quilómetros, não é assim?
     - É verdade.
     - Depois é que é pior.
     - É melhor…eu ir.
     À minha espera esbarra uma portinhola de chips emaranhados de aparente
material indivisível. Os seus sensores classificam-me de alto a baixo, enquanto
compõem gráficos identificativos de bio-sinais paramétricos. Passo pela ferrugem e há
um corredor minimamente iluminado, pelo qual me deixo envolver. Vejo, ao fundo, já
ao pé de mim, um cubo de cartão. Descasco-o enquadrado pelos dedos, de onde brota o
feto, etiqueta identificadora da bomba imediatamente pós-caixa, deixando-se abocanhar
por uma saca.
     A gravidez, que dura três dias, culmina no parto, na assimilação da ogiva pela
barraca receptora.
     Avanço de volta pelo corredor, que me vomita para o exterior. Há um peso que
me fecunda, tenho as costas em gestação desacopladora, sensível a ruído cinético.
Explicaram-se, na primeira semana, que qualquer meio de locomoção extra pedonal
resultaria em aborto, e possível trauma existencial e ambiental. Intuitivamente, essa é
uma situação a evitar. Suportar esta carga filosófica encurvou-me a perspectiva, tem
vindo a petrificar a realidade, ou o seu consumo, projectada em comburente de uso
acessível. Há que queimar os diversos pressupostos materialísticos num baralho de
grãos parafernálicos. Desta noção nada é vetado, tudo se desdobra em outputs
psicométricos.
     Cá fora, planifico-me na esfera ocular de quem me absorve. Nessas múltiplas
legendas, assimilam-me como uma segunda fase, recepcionam a fecundação, e
relembram-se de que estou a partir.
     Empurro-me e é de noite. A manutenção das articulações motoras torna-se
preponderante no cumprimento das etapas. Tal advém de um sistema pseudo
pneumático implantado em módulos chave. O córtex engravatado arquiva uns
formulários, ao mesmo tempo que enche um lóbulo de café. Sai da secretária, dirigindo-
se aos estores do hipotálamo, surgindo-lhe, subitamente, a sensação de dever
empresarial. Tem que acionar a alavanca e fechar a válvula do pescoço. Esta ação
permite a diferentes gabinetes da corporação prosseguirem com as suas funções, mesmo
na ausência ou menor disponibilidade do director. O corpo humano fica, desse modo,
assíncrono e funcionalmente eficaz.
      No actual estado fisiológico, observo-me implodido ao longo das horas. Com o
zoom certo, e comprimido o vector temporal numa fresta ideal, é possível medir a
dissipação de camadas atómicas no perímetro superficial da epiderme. Sou
progressivamente pó e mundo, sujo.
      Eventualmente, alcanço meio caminho, no meio da rotina à hora correcta, segundo
o plano repetitivo costumeiro. A porta permite-se escancarar pela chave, fazendo ebulir
os decibéis pelos noventa e dois lances estridentes de escadas que tocam a entrada ao
meu andar. E o andar é prenhe, de um lento rochoso, pelos degraus que passam e que
me querem, o chão quer-me aguado, sufocado em ar meloso. Um pouco mais
despegado, consigo sincronizar os andares para o quarto me respirar para lá. Ao diluir-
me na cama, programo duas horas de alarme biológico. Deixo o consciente estraçalhar-
se numa solução de penas e algodão, até se humedecer no fundo.
      Ao acordar está um puto à frente, o puto Camus. Debaixo dele vejo um travesseiro
em forma de bomba, ou uma bomba a servir de travesseiro.
      - Quantas pessoas trabalham como tu?
      - Essa bomba… estás a instabilizá-la, tu não…
      - Tu não tens noção, levantas-te inanimado.
      - Eu…
      O puto, neutro de expressão, segura uma navalha e aponta-a à ogiva. Esta começa
a grunhir à medida que a navalha se arrasta pela sua superfície. Teleporto a mão direita
para as cordas vocais do puto, amarrando-o à parede. Nove segundos. A cara é um papel
liso, sem linhas e desprovido de opinião, que me faz anular o contato entroncado com a
traqueia.
      - Onde está o sentido de tudo isto?
      - Está por aí, de mochila a tiracolo, com bombas também. E esse… É engraçado.
      À frequência infra-vermelha sai ecoado o ar apaziguado do puto. Interpretar e
conjugar os elementos de conteúdo instabilizador é suposto ser adquirido
osmoticamente pela constante fecundação de bombas.
      - Fasear a situação.
Impregno a área da janela aberta com a massa instabilizadora, submetendo-a a um
processo pesadamente existencial, o qual culmina na dispersão disfuncional de sectores
de Camus pelo chão, agora bordô, citadino.
       Com cálculos milimétricos, tapo a cicatriz da bomba e abraço-a ternamente para o
sufoco da saca. Pego na leveza, que vai a pairar até às costas.
       A saída está de nervos trincados, revela-se na gama corrupta de fusiveis
orgânicos, colados aos calafrios do coração. A bomba não vai ser aceite. Porque será tão
óbvio registar copos de adrenalina? Chupá-los para a preocupação latente de que se está
acabado. De facto, estou mesmo preocupado…
       Um periodo indefinido de tempo passa, um segundo talvez, e este edifício
objectivo de metal está à minha frente. Pego numa chave que tenho no bolso e faço um
buraco na parede. Movo-me para o interior, lambido de culpa, e dou à luz uma ogiva em
cicatrização. Fica ali, crua de vergonha, a pedir esmola a ninguém, e eu não tenho
coragem para a deixar. Estou com um risco ruidoso encostado ao cérebro, que não sai,
que faz faísca de tempos a tempos, à espera de activar uma explosão material. Tranco-a
ali.
       Um dia e meio para voltar a casa, um dia para descansar e não ter quinhentos
euros por bomba, semanas inchadas de vazio, no meio de nunca. Pelo percurso de volta
há ramos de atos mecanizados que se colhem em quilometragens específicas. Tenho que
passar por aqui porque me ordeno a isso.
       - É o costume.
       A percepção dos diferentes tipos de tato em atritos variados depende dos filtros
que se impõem às nervuras. O filtro amplificador que o puto Camus instalou no meu
subconsciente está a transparecer a textura dos sons e cheiros entrelaçados no ar. O estar
sabe mal. O chão está podre de realismo, fede de naturalismo descoordenado, amparado
pela decadência dos pilares de madeira, comidos à garfada por buracos impressionistas.
Olho para múltiplos lados simultaneamente, à procura de ser digerido pelo que resta,
outros e coisas, mas acabo empacotado, encaixotado para posterior análise.
       Ao me cuspirem do bar, encarrego-me de não desequilibrar. Na mão direita
seguro um rastilho temporal, na esquerda diagonalizo a estrada, lançando a derrapagem
de cumprimentos usuais. Vejo caracteres, pronúncias, humanidade infiltrados nos ralos
de esgoto, nas bermas de uma fábula depenada.
       Já me tinha esquecido! Um tal eu, de mochila, engraçado, como se não soubesse
quem é. E sim, já passei ao lado dele, conformado com a ignorância desdobrada… não é
bem isto, acaba por fazer parte do nevoeiro universal rasteiro na observabilidade,
forçosamente intrínseco ao grotesco dos perfis curvilíneos. Nunca foi o único, vive
entalado no verso de tudo o resto, como todos, nos versos do ar, na contracapa de algo
que, no fim, acaba por não ser nada. Mas este, é especial. O ser-se especial é um balão
de hélio, tapado no limite de elasticidade da pele que o veda. Esse senhor é um
esclarecimento plástico, um conhecimento para rebentar no após, ou para largar na
estratosfera, onde irá servir o propósito de ninguém, sem se aperceber que o fez. Tanto
faz, há um risco na bomba, há um risco em todo o lado, estou absurdamente rasgado,
não paro de suar consciência, a lapidar freneticamente, com a mão onde devia estar o
joelho, os olhos no umbigo, atravessado pelo céu embriagado que me grita aos ombros e
chora erva pela boca adentro. Estou estatelado no chão, agarrado à estrada para não cair,
e, neste momento, a bomba é demasiado pesada.
      O caminho, que normalmente dura um dia e meio a percorrer, está a durar um
ponto três, três, três vezes mais. Isto está fora da rotina, o que estou a fazer? A areia ri-
se de mim e das cócegas da lua, ou do sol, acho que já é de dia outra vez. Dez pessoas
de mochila evaporam-se por mim, enquanto me decomponho. Os pedaços trazem um
livro de que não me consigo lembrar, mas que sei apropriado ao estado afiado da minha
saliva. Quero lê-lo, um bocado, e vomitar.
      Com o acumular de horas e mais pó, estou no meio. Há fuligem colada nos
pulmões, no papel de filtro de carvão, que deixa entrar a oxidação férrea da cidade. Esta
é exportada para as artérias do peito, onde também é segregado o verdete das tampas de
esgoto. No meu tapete está uma versão perra dos meus ossos e uma chave pervertida.
Penetra a porta, que se deixa encostar até ao fundo. Aperto-me contra um espelho que
me entorta para o lado de lá, do qual brota uma fotocópia embebida em nervos
esticados. Com formal graciosidade, entorno-me na alcatifa e esta faz-se de
compreendida, vai-me buscar um copo de água, só que cai, magoa-se, entorna o vidro
para baixo de mim, entorna-se connosco, num retrato à cor do sangue das lágrimas dela.
Peço-lhe para me buscar aquele livro, e assim o faz. Abro na página noventa e dois:


         “Palavras cheias de nada


         Foi ao descalçar a dor que surgiu afinal. A descrição é suja, lava a
         inutilidade transparecendo o que de facto se passa, a objectiva
         imagem de sangue derramado.
Não tem sentido… não tem sequer razão de ser… que quero dizer…?
        …Feriram-me?
        O comentário do punhal afiado foi abafado e seco, quase
        imperceptível. “Tu és ninguém, tu não tens sonhos”.
        Tenho sim, preparei-os ontem depois do jantar. Saí à rua era de
        manhã. O filme não era de sol, nem havia passarinhos a cantar, nem
        sorrisos a pairar, muito menos guiões cor-de-rosa. A sobremesa caiu
        naquele preciso momento…
        Ahahahahah! Patética falta de estilo… partiste a postura seu
        corcunda!
        Continuei a decompor, a postura, o maxilar, a maçã-de-adão, o
        joelho direito e a hipófise. Todos se ajoelharam perante o teu
        atrevimento!
        Tirei-te os sonhos.
        Nunca os cheguei a ter. Desisti deles depois de os preparar.”




     Eu sempre soube que fazia todo o sentido, ainda mais aqui, contigo, no auge de
alguma coisa que não sinto. Estou cansado… mas levanto-me e destranco-me de cima
de ti. Uma força impele-me a ir a um banco, e eu vou, a tropeçar pelas escadas.
Devagar, uma papa de números é servida à minha frente. Pelo meu olho direito procuro
o troço a negrito, um saldo de conta, que assine um estado de espírito definido.
Encontro-o, um duplo nada, zero, zero, um risco evidente. Eles viram-no, na bomba, e
não tenho mais semanas, cortaram-me a rotina!…Não podem…eu não posso…eu
preciso disto, só tenho que continuar, isto é um aviso para as próximas vezes, que vão
correr sempre bem. Camus morreu e eu estou bem, já entreguei cento e noventa e duas
bombas, só uma é pouco relevante. Eles querem mais, eu quero mais, eu sou isto.
     Em algum lugar está uma compilação de passos a dar, até ao local da próxima
ogiva. Acedo a esse lugar porque mais coisa nenhuma inverte a necessidade de ir até lá,
como costume.
     Vou despojado de euros, ou de outra coisa qualquer, afunilando as vértebras pelas
ancas a fundo, encostado aos sons crepitantes da combustão fictícia da linha do
horizonte. Esta semana não dormi, tudo está fora da estante, arrumado por
desconhecidos nas gavetas que nunca abro, escondido nos buracos do sofá e debaixo das
estantes inamovíveis da empresa. A estrada é somente uma estrada, polvilhada de
gravilha e monotonia. Há algo demasiado direito nas pessoas e erva que abanam ao
vento, que complementam os factuais tons das rochas e poucas casas que estão por cá.
Isto deixa-me enojado. Tenho a garganta a empapar com a basicidade do que se cheira
por aí, não era assim, eu não era esfregado em sabão, e agora desencontro-me em
camadas de gel aveludado, banhado de um cheiro a natural imensamente regulador,
como umas toalhas de casa. E o estranho é que já passaram mais dois dias, assim,
abruptamente lavado, e agora estou…
     Aqui. À frente do meu corredor, meu, a secar preso por molas, com o vento a
assobiar pelas paredes, sou balançado, tipo folha A4, indo e vindo perplexo de leveza.
Condensada nas arestas do paralelepípedo está a minha cara, na forma despida em que
se amaciou. Ela sopra silêncios humidificados, um meio de insuflar a rigidez do ar do
espaço, e de aglomerar os pingos de olhares embaciados que se induzem nos meus
ombros. A dois passos sinto, vejo, falo uma caixa. Quero tê-la aberta, tocar na ogiva que
sei estar lá dentro. Avanço mais um pouco, e desdobro o cubo… Uma bomba! Ao
mesmo tempo que estou a preparar a saca, toco-a, e paro. Do lado oposto, sinto um
relevo anormal, viro-a, vejo um risco. É a mesma bomba. Estou um caos, e estático.
Subitamente, oiço a portinhola ao fundo do corredor a abrir, seguida de uns sons que sei
serem passos. Antes que pudesse, de algum modo, assimilar cada estado de cada
componente da situação actual, pára um homem à minha frente. Ambos olhamos para o
outro. Com a devida pausa deliberamos individualmente a função do outro. Tu estás
aqui, ao pé da bomba, e tens uma saca/mochila.
     - Também entregas bombas?
     - Eu trouxe a bomba para aqui. Não digas a ninguém, mas risquei-a, não sei
quando. Já devia ter ido, mas fui comprar isto.
     - O que é isso?
     - Tapa riscos, para ninguém ver. Não quero ser despedido.
     - Mas… trouxeste a bomba de onde?
     - De ao pé de uma vilazinha, dentro de um coisinho, parece um presépio de metal.
Deixo sempre um copito com água lá. Mas olha, tu vais levar isto, não é? Força, deixa-
me só…tapar isto.
     Lentamente assimilei tudo. Ele não fez aquele risco, é a assinatura do puto,
reconheço-a cravada na minha cabeça, é ela.
     - Há quanto tempo fazes isto?
- Há muito… sempre igual, a cada semana.
      - Sempre igual?
      - Sempre! Estou em casa, recebo mil euros, deposito quinhentos, um dia e meio
para ir buscar a bomba, aproveito para comprar uma caixa, para ela não ficar
assim…meia crua. Três dias para trazê-la aqui, um dia e meio para ir para casa, um dia
para descansar, e é igual na semana a seguir, e na outra, e na outra.
      É o mesmo percurso, mas ao contrário… é sempre a mesma bomba desde…
sempre. Cento e noventa e três semanas, uma bomba. Não faz sentido.
      - O risco.
      - Hã?
      - Fui eu.
      - Hum?
      - Fui eu que o fiz…o risco.
      - Ah! Não te preocupes pá! Isto tapa tudo! Eu esta semana também me desleixei…
Atrasei-me a meter os quinhentos euros para o outro coitado, uma merda, mas já lá
estão, já lá estão! A empresa também não sabe, não te preocupes pá! Olha aqui tudo
tratadinho.
      - Tu não tens noção.
      - Quê?
      - Tu não tens noção disto.
      - Hã?
      - Somos só nós os dois. A bomba que vais buscar, sou eu que a ponho lá. E se eu
venho buscar a bomba que tu trazes, então somos só nós os dois. Sempre a mesma
bomba. Que, provavelmente, nem é uma bomba, nem nunca vai explodir em lado
algum.
      O homem-mochila deixa-se entranhar pela ideia, e muda. Sete segundos depois
fala-me fermentado.
      - Isto é uma merda… Tenho que ir…
      A sombra largou a mochila e vazou-se pelo corredor, deixando para trás a
portinhola deambulante.
      Tenho a bomba ao colo, de semblante circunflexo.
      - Que negativismo.
      No fundo não é nada de mais, é só uma, e depois? Euros que dão para isto, só,
planos para toda a semana, planos para todas as semanas, sentir o teu peso, a tua
presença férrea. E o que tem se não rebentas, o resto já o faz, todos os dias, na nossa
direção. Não me quero lavado, vou continuar contigo.


     Pego no feto, jovem bomba e na sua cicatriz, e abandono o corredor, seguindo
para a largar na barraca sem copo de água. Surpreendentemente, dois dias e meio depois
de a deixar, recebo quinhentos euros numa tijela de sopa. Um dia e meio depois, estou
alargado pela portinhola, encontro a bomba e o risco, sem caixa desta vez. Meto-os na
saca e repito, repito, repito. Passam mil duzentas e quarenta e oito semanas, vinte e
quatro anos. À minha espera ao fundo do corredor está uma sombra, um homem com
uma mala grande às costas. Ele tira a bomba e mostra-me dois riscos. O primeiro
lembro-me dele, há uns longos anos atrás, feito na minha casa por um puto que joguei
pela janela fora, o segundo vi-o só nesta semana passada, não liguei. Este homem diz
que foi ele que fez este último traço e que tem carregado sempre a mesma ogiva, e que
eu também a tenho carregado, que temos de fazer alguma coisa, não faz sentido e está
atulhado de vazio até ao pescoço. Eu digo-lhe que tudo está igual. Ele, no seu limiar
existencial, saca de uma Glock, e dispara contra a bomba.


     Explodimos.


     Acordo num não sítio, ao longe ergue-se uma montanha cor de tijolo, de topo não
mensurável. Não há propagação de som ou temperatura, estou nu. Vagueio ao longo do
nada rochoso até chegar a uma pedra, de metade da minha altura. Começo a empurrá-la
pelo declive acima, enquanto vou provando o pó que fica para trás. Muito tempo depois,
estou no cimo dos cimos, cansado, com a pedra, e deixo-a cair. Vai o sorriso a rebolar
ter com ela, para carregá-la indefinidamente até ao pico.

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Algo tão simples

  • 1. Algo Tão Simples Miguel Ribeiro
  • 2. Vou encurvado pela saca, arrastado para o próximo passo, a estremecer de calma. Nunca me hei de sentir tão seguro, o caminho desenrola-se pela carne dos meus pés como uma continuação de pele, como camadas de uma, duas, cento e noventa e duas semanas. Lá está o penedo, enferrujado de musgo, enferrujado de pêlo. Eu sou aquela pedra, o ar seco das mãos, a terra abrasada da roupa, de olhos erodidos pelo vento. Empurro os ossos do braço para tocar no penedo, que me puxa para além. Deixo-me arrastar pelo andar até chegar à cabana… cabana, fábrica, amontoado de placas subjectivas… A chave do bolso atrai a minha mão e pega-se a ela. Puxa o braço e convida-se a entrar na fechadura, roda sobre si própria e destranca a porta metálica. Lá dentro não há luz, mas há um copo de água, e debaixo dele uma mesa de metal. Engasgo-me de água e tiro a saca das costas. Vagarosamente, perco-me no seu interior. Uma bomba aparece. Abandono-a no cimo da mesa, pego na saca e fecho a porta, cobrindo a bomba de escuridão total. Um dia e meio para voltar a casa, tem de ser, um dia e meio, um dia de descanso, um dia e meio para ir buscar a encomenda, três dias para a vir depositar nesta pilha de rectas ferrujenta, um dia e meio para voltar a casa. Uma bomba a cada semana, quinhentos euros por bomba, cento e noventa e dois vezes quinhentos igual a nove mil euros, o suficiente para se esfumar em rotinas inconsequentes. Ele dilui-se por aí, por formas que me deixam continuar, o que acaba por ser o essencial, ou básico, deve ser o mesmo. O mundo roda sob a minha consciência, o que faz com que eu esteja sempre no mesmo ponto, leva o sol de arrasto, preso aos outros por fios de luz. E os outros passam por mim, varridos pela estrada, para fora das suas casas, com as suas caras permanentes que, pelos vistos, conheço desde sempre. As caras vêm constantemente etiquetadas com um cumprimento, ou um carimbo de “Bom dia.”, ou até uma gravação “De volta à vila?”. Instintivamente, despoletado pela vivência social e ciência comportamental humana inerente à minha condição de ser racional, respondo a esses estímulos, devolvendo, na forma de simbologia fonética e alfabética, mensagens logicamente encadeadas que permitem que se instale algum tipo de diálogo. A verdade é que este padrão se tem vindo a expandir, e cada vez é mais frequente a sua repetição, inclusivamente com novos sujeitos. - Quero o costume.
  • 3. A entrada do mesmo bar vem contra mim e engole-me, e eu engulo o bar, dissipo o normal perpétuo, outra e outra vez. Estou para agarrar em euros, quando um puto rói o banco. - Então? - O quê? - Quê? Expande-se para o centro da mesa, aparafusa o queixo ao metal, rugindo os olhos na minha direcção. - Já não estás com ela. Outra vez. Podias ensopá-la de estupidez, tu sabes que não rebenta. O ritmo nunca falhou a este puto. Sabe a pauta através de tons à Camus. Foi pescá-los ao lodo do cabelo, cada vez mais espesso, criado da sua abstenção terrena. Podia ter a certeza que é uma projeção paralela do que eu sou, mais venérea e aguda, coberta de razão, claro. - Vês o risco? Caminhante de bombas, não sabes o risco? Outra vez. - Um dia fecho-te as cordas.Até para a semana. Deixou-se trancar pelo tecto do bar. Enquanto isso, escorrego pela estrada, que me amolece por cada hora que passa. Um dia e meio depois chego a casa, na cidade que escolheu ser esticada do solo no centro perfeito da rotina. Num extremo da rotina está uma bomba e no outro está um amontoado de metal. Eu durmo no meio. Tranco a parede pela qual passei, para me abotoar a um monte de mantas e novelos de alcatifa. Os meus dentes esfarelam-se em saliva, mesmo por debaixo dos meus olhos fundidos, e é nessa altura que começo a triturar o espaço, todos os seis lados, e sobras de tempo, arrumadas em gotas de pêlo. Sei que sou uma ogiva, apesar de ninguém mo dizer, aqui sei que o sou. Sinto-me em Júpiter, não consigo andar, nem voar, ou sequer explodir/respirar. Nessa impossibilidade, olho-me raspado em limalha, a escorrer por uma ausência de coisa, onde sou comprimido, prototipadamente, numa coluna sem extremos. Passa por ali um eu que me enrola, e me esculpe com os caninos, até ficar um sólido rangido. Ao desembrulhar-nos, apareço no meio de uma ogiva, mas é ela que está no meio de mim. Estamos todos em Júpiter e, de repente, não explodimos. Adormeço, com o coração suado.
  • 4. Já é hoje, o que não significa nada. Todos os hojes destas cento e noventa e três semanas são os primeiros dias. Por essa razão, consigo ler o futuro, programado nos tendões e nervos que me impedem de descolar, que, de vez em quando, me puxam as unhas ou disparam os pés. A pele está em erupção, cabos que vão dos membros à noz da cabeça magnetizam-se carnudamente, impelindo-me a ir a um banco agrafar uma sopa de números ao olho direito. A negrito, para lá, está o saldo da conta, um cinco e um par de nada, constantemente linear, ele some e aparece, almoços, botões, areia, impostos, bomba, almoços. Uma caixinha quadrada, alocada no interior do meu cérebro, é preenchida com um visto, permitindo, dessa forma, o seguimento do restante comboio de sinais eléctricos, com destino alastrado a diversas partes motoras. Em sincronia com este fogo de artifício, o asfalto, de horizonte às costas, principia a sua vagarosa caminhada. Por vezes, impresso no olho esquerdo, folheio aquela altura em que recebi uma carta, com quinhentos euros anexados e uma chapa com a seguinte disposição de caracteres “O trabalho é seu”. Incentivos, de alguma maneira, sempre culminaram num empenho crescente da minha parte, sempre me fizeram sentir…incentivado. Voltando atrás, à página um, leio o anúncio logotipado “Empresa nacional pretende auxiliar para transporte estritamente pedonal de mercadoria potencialmente desagregadora. Quinhentos euros por lote, um lote por semana. Contactar 22747436”. Na página dois sou seduzido por um engenho artificial transmissor, anoto um endereço na folha seguinte, que uma carta ensopa para dentro de um vórtice filatélico. Seis folhas depois estou de orientação desgovernada à procura da página trinta e dois, onde um corredor enquadra a primeira bomba. Agarro uma não bola de ténis, progressivamente maior, aplicando forças inexistentes nos extremos das minhas mãos, até se tornar numa não bola de râguebi. As linhas e aparência da bomba difundem a percepção temporal periférica, tal como comprimem os tecidos nervosos circundantes, ao ponto de haver ligação nula entre acção e reacção. A primeira vez que peguei numa bomba estava condensado num buraco negro, num espaço de volume teoricamente desprezável. Eu não acontecia. Paro pelo bar, cervejaria, restaurante, albergue, bebedouro, casa funerária, no extremo do meio. Inclinam-me peças sobresselentes de bovino, revestidas em prato baço, enquanto me encharcam a face de vinho tinto. Ao mesmo tempo, passeia uma serra, numa maratona corporal, pelos jardins putrefactos das macas que por ali almoçam. Três carneiros asseados servem-se de pão com manteiga no intercalar das
  • 5. migas, comem repletos de senso, correctamente empoleirados em três cadeiras amadeiradas. Olham para mim e eu aponto para o do meio. Uma ponta de faca emerge por baixo da mandíbula, fazendo com que, num acto de distinta paixão, o carneiro beije de frente o resto de migas, espalhando poças de napperon vermelho pela mesa. Tento dialogar a ingestão, mas a cada relance da fala esfaqueio a companhia, que insiste em inviolar o monólogo. Mando fritar o vestido vermelho que traz consigo, sem nunca conseguir ficar desnuda, e arregaçar as mangas para melhor a deceparem. Olho para ela. Mantém-se ressacada do acto, alcoolizada de cortes, a chorar por todos os poros, a pedir para trincar os nacos de imobilidade que ainda a obrigam a pegar-se à mesa. De comedida leveza, almoço-a paulatinamente, polindo o seu tutano à dentada. Solto euros antes de me afundar pela saída. O próximo passo leva o braço atado, a recompor a boca manchada. O óleo capta- se aos dedos, pelo que se fazem roçar no tecido das calças. Outras vezes cumprimento a areia e reparto memórias do festim. Ele acaba entranhado na terra, que efervesce na presença de sangue e ferve de melancolia. Algumas horas depois, o céu esvai-se em luz, caindo morto no ar, apodrecendo por completo. - Boa noite. O som vem a pairar de uma cara que já passou e reconheço. Faço um rasgo visível pelo espaço à minha volta. O preto sobrepõe-se à existência volátil do que se vai vendo, consome o cru da estrada. Vem fria de raspas de asfalto, a apedrejar metros de marcha sem linha divisória. No fundo, por ali, estão vários montes de estática televisiva, variando conchas de tinta-da-china, e é disso que se ramificam as margens volúmicas das árvores. Fachos de tinta escura desenham uns poucos arbustos, escondem a presença de gente vegetativa incolor, da forma de chuva estática. Esta realidade é fátua e facilmente despovoada pelo voyeurismo da minha lanterna. Não compreendo como se entrelaçam os fios da manhã...existe uma certa desproporcionalidade entre os tendões e a luz, o que se pode observar ao esticar o sol pelo orvalho e este rebentar na estrada. Acaba, porém, por ser a métrica mais alumiadora da vadiagem diária. O tempo esfuma-se pelo quase que chega, e já é hora de almoço. - Tudo bem? - Isto não me custa. - Bem sei que não. Até para a semana.
  • 6. Aceno à mochila, com um vivo às costas, o mesmo de todas as semanas, na composição de faces que definem a minha vaga flora social. Interpela-me um outro contentor fotossintético. - Mais uns quilómetros, não é assim? - É verdade. - Depois é que é pior. - É melhor…eu ir. À minha espera esbarra uma portinhola de chips emaranhados de aparente material indivisível. Os seus sensores classificam-me de alto a baixo, enquanto compõem gráficos identificativos de bio-sinais paramétricos. Passo pela ferrugem e há um corredor minimamente iluminado, pelo qual me deixo envolver. Vejo, ao fundo, já ao pé de mim, um cubo de cartão. Descasco-o enquadrado pelos dedos, de onde brota o feto, etiqueta identificadora da bomba imediatamente pós-caixa, deixando-se abocanhar por uma saca. A gravidez, que dura três dias, culmina no parto, na assimilação da ogiva pela barraca receptora. Avanço de volta pelo corredor, que me vomita para o exterior. Há um peso que me fecunda, tenho as costas em gestação desacopladora, sensível a ruído cinético. Explicaram-se, na primeira semana, que qualquer meio de locomoção extra pedonal resultaria em aborto, e possível trauma existencial e ambiental. Intuitivamente, essa é uma situação a evitar. Suportar esta carga filosófica encurvou-me a perspectiva, tem vindo a petrificar a realidade, ou o seu consumo, projectada em comburente de uso acessível. Há que queimar os diversos pressupostos materialísticos num baralho de grãos parafernálicos. Desta noção nada é vetado, tudo se desdobra em outputs psicométricos. Cá fora, planifico-me na esfera ocular de quem me absorve. Nessas múltiplas legendas, assimilam-me como uma segunda fase, recepcionam a fecundação, e relembram-se de que estou a partir. Empurro-me e é de noite. A manutenção das articulações motoras torna-se preponderante no cumprimento das etapas. Tal advém de um sistema pseudo pneumático implantado em módulos chave. O córtex engravatado arquiva uns formulários, ao mesmo tempo que enche um lóbulo de café. Sai da secretária, dirigindo- se aos estores do hipotálamo, surgindo-lhe, subitamente, a sensação de dever empresarial. Tem que acionar a alavanca e fechar a válvula do pescoço. Esta ação
  • 7. permite a diferentes gabinetes da corporação prosseguirem com as suas funções, mesmo na ausência ou menor disponibilidade do director. O corpo humano fica, desse modo, assíncrono e funcionalmente eficaz. No actual estado fisiológico, observo-me implodido ao longo das horas. Com o zoom certo, e comprimido o vector temporal numa fresta ideal, é possível medir a dissipação de camadas atómicas no perímetro superficial da epiderme. Sou progressivamente pó e mundo, sujo. Eventualmente, alcanço meio caminho, no meio da rotina à hora correcta, segundo o plano repetitivo costumeiro. A porta permite-se escancarar pela chave, fazendo ebulir os decibéis pelos noventa e dois lances estridentes de escadas que tocam a entrada ao meu andar. E o andar é prenhe, de um lento rochoso, pelos degraus que passam e que me querem, o chão quer-me aguado, sufocado em ar meloso. Um pouco mais despegado, consigo sincronizar os andares para o quarto me respirar para lá. Ao diluir- me na cama, programo duas horas de alarme biológico. Deixo o consciente estraçalhar- se numa solução de penas e algodão, até se humedecer no fundo. Ao acordar está um puto à frente, o puto Camus. Debaixo dele vejo um travesseiro em forma de bomba, ou uma bomba a servir de travesseiro. - Quantas pessoas trabalham como tu? - Essa bomba… estás a instabilizá-la, tu não… - Tu não tens noção, levantas-te inanimado. - Eu… O puto, neutro de expressão, segura uma navalha e aponta-a à ogiva. Esta começa a grunhir à medida que a navalha se arrasta pela sua superfície. Teleporto a mão direita para as cordas vocais do puto, amarrando-o à parede. Nove segundos. A cara é um papel liso, sem linhas e desprovido de opinião, que me faz anular o contato entroncado com a traqueia. - Onde está o sentido de tudo isto? - Está por aí, de mochila a tiracolo, com bombas também. E esse… É engraçado. À frequência infra-vermelha sai ecoado o ar apaziguado do puto. Interpretar e conjugar os elementos de conteúdo instabilizador é suposto ser adquirido osmoticamente pela constante fecundação de bombas. - Fasear a situação.
  • 8. Impregno a área da janela aberta com a massa instabilizadora, submetendo-a a um processo pesadamente existencial, o qual culmina na dispersão disfuncional de sectores de Camus pelo chão, agora bordô, citadino. Com cálculos milimétricos, tapo a cicatriz da bomba e abraço-a ternamente para o sufoco da saca. Pego na leveza, que vai a pairar até às costas. A saída está de nervos trincados, revela-se na gama corrupta de fusiveis orgânicos, colados aos calafrios do coração. A bomba não vai ser aceite. Porque será tão óbvio registar copos de adrenalina? Chupá-los para a preocupação latente de que se está acabado. De facto, estou mesmo preocupado… Um periodo indefinido de tempo passa, um segundo talvez, e este edifício objectivo de metal está à minha frente. Pego numa chave que tenho no bolso e faço um buraco na parede. Movo-me para o interior, lambido de culpa, e dou à luz uma ogiva em cicatrização. Fica ali, crua de vergonha, a pedir esmola a ninguém, e eu não tenho coragem para a deixar. Estou com um risco ruidoso encostado ao cérebro, que não sai, que faz faísca de tempos a tempos, à espera de activar uma explosão material. Tranco-a ali. Um dia e meio para voltar a casa, um dia para descansar e não ter quinhentos euros por bomba, semanas inchadas de vazio, no meio de nunca. Pelo percurso de volta há ramos de atos mecanizados que se colhem em quilometragens específicas. Tenho que passar por aqui porque me ordeno a isso. - É o costume. A percepção dos diferentes tipos de tato em atritos variados depende dos filtros que se impõem às nervuras. O filtro amplificador que o puto Camus instalou no meu subconsciente está a transparecer a textura dos sons e cheiros entrelaçados no ar. O estar sabe mal. O chão está podre de realismo, fede de naturalismo descoordenado, amparado pela decadência dos pilares de madeira, comidos à garfada por buracos impressionistas. Olho para múltiplos lados simultaneamente, à procura de ser digerido pelo que resta, outros e coisas, mas acabo empacotado, encaixotado para posterior análise. Ao me cuspirem do bar, encarrego-me de não desequilibrar. Na mão direita seguro um rastilho temporal, na esquerda diagonalizo a estrada, lançando a derrapagem de cumprimentos usuais. Vejo caracteres, pronúncias, humanidade infiltrados nos ralos de esgoto, nas bermas de uma fábula depenada. Já me tinha esquecido! Um tal eu, de mochila, engraçado, como se não soubesse quem é. E sim, já passei ao lado dele, conformado com a ignorância desdobrada… não é
  • 9. bem isto, acaba por fazer parte do nevoeiro universal rasteiro na observabilidade, forçosamente intrínseco ao grotesco dos perfis curvilíneos. Nunca foi o único, vive entalado no verso de tudo o resto, como todos, nos versos do ar, na contracapa de algo que, no fim, acaba por não ser nada. Mas este, é especial. O ser-se especial é um balão de hélio, tapado no limite de elasticidade da pele que o veda. Esse senhor é um esclarecimento plástico, um conhecimento para rebentar no após, ou para largar na estratosfera, onde irá servir o propósito de ninguém, sem se aperceber que o fez. Tanto faz, há um risco na bomba, há um risco em todo o lado, estou absurdamente rasgado, não paro de suar consciência, a lapidar freneticamente, com a mão onde devia estar o joelho, os olhos no umbigo, atravessado pelo céu embriagado que me grita aos ombros e chora erva pela boca adentro. Estou estatelado no chão, agarrado à estrada para não cair, e, neste momento, a bomba é demasiado pesada. O caminho, que normalmente dura um dia e meio a percorrer, está a durar um ponto três, três, três vezes mais. Isto está fora da rotina, o que estou a fazer? A areia ri- se de mim e das cócegas da lua, ou do sol, acho que já é de dia outra vez. Dez pessoas de mochila evaporam-se por mim, enquanto me decomponho. Os pedaços trazem um livro de que não me consigo lembrar, mas que sei apropriado ao estado afiado da minha saliva. Quero lê-lo, um bocado, e vomitar. Com o acumular de horas e mais pó, estou no meio. Há fuligem colada nos pulmões, no papel de filtro de carvão, que deixa entrar a oxidação férrea da cidade. Esta é exportada para as artérias do peito, onde também é segregado o verdete das tampas de esgoto. No meu tapete está uma versão perra dos meus ossos e uma chave pervertida. Penetra a porta, que se deixa encostar até ao fundo. Aperto-me contra um espelho que me entorta para o lado de lá, do qual brota uma fotocópia embebida em nervos esticados. Com formal graciosidade, entorno-me na alcatifa e esta faz-se de compreendida, vai-me buscar um copo de água, só que cai, magoa-se, entorna o vidro para baixo de mim, entorna-se connosco, num retrato à cor do sangue das lágrimas dela. Peço-lhe para me buscar aquele livro, e assim o faz. Abro na página noventa e dois: “Palavras cheias de nada Foi ao descalçar a dor que surgiu afinal. A descrição é suja, lava a inutilidade transparecendo o que de facto se passa, a objectiva imagem de sangue derramado.
  • 10. Não tem sentido… não tem sequer razão de ser… que quero dizer…? …Feriram-me? O comentário do punhal afiado foi abafado e seco, quase imperceptível. “Tu és ninguém, tu não tens sonhos”. Tenho sim, preparei-os ontem depois do jantar. Saí à rua era de manhã. O filme não era de sol, nem havia passarinhos a cantar, nem sorrisos a pairar, muito menos guiões cor-de-rosa. A sobremesa caiu naquele preciso momento… Ahahahahah! Patética falta de estilo… partiste a postura seu corcunda! Continuei a decompor, a postura, o maxilar, a maçã-de-adão, o joelho direito e a hipófise. Todos se ajoelharam perante o teu atrevimento! Tirei-te os sonhos. Nunca os cheguei a ter. Desisti deles depois de os preparar.” Eu sempre soube que fazia todo o sentido, ainda mais aqui, contigo, no auge de alguma coisa que não sinto. Estou cansado… mas levanto-me e destranco-me de cima de ti. Uma força impele-me a ir a um banco, e eu vou, a tropeçar pelas escadas. Devagar, uma papa de números é servida à minha frente. Pelo meu olho direito procuro o troço a negrito, um saldo de conta, que assine um estado de espírito definido. Encontro-o, um duplo nada, zero, zero, um risco evidente. Eles viram-no, na bomba, e não tenho mais semanas, cortaram-me a rotina!…Não podem…eu não posso…eu preciso disto, só tenho que continuar, isto é um aviso para as próximas vezes, que vão correr sempre bem. Camus morreu e eu estou bem, já entreguei cento e noventa e duas bombas, só uma é pouco relevante. Eles querem mais, eu quero mais, eu sou isto. Em algum lugar está uma compilação de passos a dar, até ao local da próxima ogiva. Acedo a esse lugar porque mais coisa nenhuma inverte a necessidade de ir até lá, como costume. Vou despojado de euros, ou de outra coisa qualquer, afunilando as vértebras pelas ancas a fundo, encostado aos sons crepitantes da combustão fictícia da linha do horizonte. Esta semana não dormi, tudo está fora da estante, arrumado por desconhecidos nas gavetas que nunca abro, escondido nos buracos do sofá e debaixo das
  • 11. estantes inamovíveis da empresa. A estrada é somente uma estrada, polvilhada de gravilha e monotonia. Há algo demasiado direito nas pessoas e erva que abanam ao vento, que complementam os factuais tons das rochas e poucas casas que estão por cá. Isto deixa-me enojado. Tenho a garganta a empapar com a basicidade do que se cheira por aí, não era assim, eu não era esfregado em sabão, e agora desencontro-me em camadas de gel aveludado, banhado de um cheiro a natural imensamente regulador, como umas toalhas de casa. E o estranho é que já passaram mais dois dias, assim, abruptamente lavado, e agora estou… Aqui. À frente do meu corredor, meu, a secar preso por molas, com o vento a assobiar pelas paredes, sou balançado, tipo folha A4, indo e vindo perplexo de leveza. Condensada nas arestas do paralelepípedo está a minha cara, na forma despida em que se amaciou. Ela sopra silêncios humidificados, um meio de insuflar a rigidez do ar do espaço, e de aglomerar os pingos de olhares embaciados que se induzem nos meus ombros. A dois passos sinto, vejo, falo uma caixa. Quero tê-la aberta, tocar na ogiva que sei estar lá dentro. Avanço mais um pouco, e desdobro o cubo… Uma bomba! Ao mesmo tempo que estou a preparar a saca, toco-a, e paro. Do lado oposto, sinto um relevo anormal, viro-a, vejo um risco. É a mesma bomba. Estou um caos, e estático. Subitamente, oiço a portinhola ao fundo do corredor a abrir, seguida de uns sons que sei serem passos. Antes que pudesse, de algum modo, assimilar cada estado de cada componente da situação actual, pára um homem à minha frente. Ambos olhamos para o outro. Com a devida pausa deliberamos individualmente a função do outro. Tu estás aqui, ao pé da bomba, e tens uma saca/mochila. - Também entregas bombas? - Eu trouxe a bomba para aqui. Não digas a ninguém, mas risquei-a, não sei quando. Já devia ter ido, mas fui comprar isto. - O que é isso? - Tapa riscos, para ninguém ver. Não quero ser despedido. - Mas… trouxeste a bomba de onde? - De ao pé de uma vilazinha, dentro de um coisinho, parece um presépio de metal. Deixo sempre um copito com água lá. Mas olha, tu vais levar isto, não é? Força, deixa- me só…tapar isto. Lentamente assimilei tudo. Ele não fez aquele risco, é a assinatura do puto, reconheço-a cravada na minha cabeça, é ela. - Há quanto tempo fazes isto?
  • 12. - Há muito… sempre igual, a cada semana. - Sempre igual? - Sempre! Estou em casa, recebo mil euros, deposito quinhentos, um dia e meio para ir buscar a bomba, aproveito para comprar uma caixa, para ela não ficar assim…meia crua. Três dias para trazê-la aqui, um dia e meio para ir para casa, um dia para descansar, e é igual na semana a seguir, e na outra, e na outra. É o mesmo percurso, mas ao contrário… é sempre a mesma bomba desde… sempre. Cento e noventa e três semanas, uma bomba. Não faz sentido. - O risco. - Hã? - Fui eu. - Hum? - Fui eu que o fiz…o risco. - Ah! Não te preocupes pá! Isto tapa tudo! Eu esta semana também me desleixei… Atrasei-me a meter os quinhentos euros para o outro coitado, uma merda, mas já lá estão, já lá estão! A empresa também não sabe, não te preocupes pá! Olha aqui tudo tratadinho. - Tu não tens noção. - Quê? - Tu não tens noção disto. - Hã? - Somos só nós os dois. A bomba que vais buscar, sou eu que a ponho lá. E se eu venho buscar a bomba que tu trazes, então somos só nós os dois. Sempre a mesma bomba. Que, provavelmente, nem é uma bomba, nem nunca vai explodir em lado algum. O homem-mochila deixa-se entranhar pela ideia, e muda. Sete segundos depois fala-me fermentado. - Isto é uma merda… Tenho que ir… A sombra largou a mochila e vazou-se pelo corredor, deixando para trás a portinhola deambulante. Tenho a bomba ao colo, de semblante circunflexo. - Que negativismo. No fundo não é nada de mais, é só uma, e depois? Euros que dão para isto, só, planos para toda a semana, planos para todas as semanas, sentir o teu peso, a tua
  • 13. presença férrea. E o que tem se não rebentas, o resto já o faz, todos os dias, na nossa direção. Não me quero lavado, vou continuar contigo. Pego no feto, jovem bomba e na sua cicatriz, e abandono o corredor, seguindo para a largar na barraca sem copo de água. Surpreendentemente, dois dias e meio depois de a deixar, recebo quinhentos euros numa tijela de sopa. Um dia e meio depois, estou alargado pela portinhola, encontro a bomba e o risco, sem caixa desta vez. Meto-os na saca e repito, repito, repito. Passam mil duzentas e quarenta e oito semanas, vinte e quatro anos. À minha espera ao fundo do corredor está uma sombra, um homem com uma mala grande às costas. Ele tira a bomba e mostra-me dois riscos. O primeiro lembro-me dele, há uns longos anos atrás, feito na minha casa por um puto que joguei pela janela fora, o segundo vi-o só nesta semana passada, não liguei. Este homem diz que foi ele que fez este último traço e que tem carregado sempre a mesma ogiva, e que eu também a tenho carregado, que temos de fazer alguma coisa, não faz sentido e está atulhado de vazio até ao pescoço. Eu digo-lhe que tudo está igual. Ele, no seu limiar existencial, saca de uma Glock, e dispara contra a bomba. Explodimos. Acordo num não sítio, ao longe ergue-se uma montanha cor de tijolo, de topo não mensurável. Não há propagação de som ou temperatura, estou nu. Vagueio ao longo do nada rochoso até chegar a uma pedra, de metade da minha altura. Começo a empurrá-la pelo declive acima, enquanto vou provando o pó que fica para trás. Muito tempo depois, estou no cimo dos cimos, cansado, com a pedra, e deixo-a cair. Vai o sorriso a rebolar ter com ela, para carregá-la indefinidamente até ao pico.