COMPARTIMENTAÇÃO FISIOGRÁFICA DO MUNICÍPIO DE PERUÍBE, LITORAL DE SÃO PAULO - UMA ABORDAGEM METODOLÓGICA COMO SUBSÍDIO À AVALIAÇÃO GEOTÉCNICA DE TERRENOS
CARDOSO, D.; RIEDEL, P.S.; VEDOVELLO, R.; BROLLO, M.J.; TOMINAGA, L.K. 2009. Compartimentação fisiográfica do município de Peruíbe, litoral de São Paulo - uma abordagem metodológica como subsídio à avaliação geotécnica de terrenos. Pesquisas em Geociências, 36 (3): 251-262, set./dez. 2009. Versão online publicada em 16/08/2010.
A EDUCAÇÃO FÍSICA NO NOVO ENSINO MÉDIO: IMPLICAÇÕES E TENDÊNCIAS PROMOVIDAS P...
COMPARTIMENTAÇÃO FISIOGRÁFICA DO MUNICÍPIO DE PERUÍBE, LITORAL DE SÃO PAULO - UMA ABORDAGEM METODOLÓGICA COMO SUBSÍDIO À AVALIAÇÃO GEOTÉCNICA DE TERRENOS
1. Pesquisas em Geociências, 36 (3): 251-262, set./dez. 2009 ISSN 1518-2398
Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil E-ISSN 1807-9806
Compartimentação fisiográfica do município de Peruíbe, litoral de São
Paulo - uma abordagem metodológica como subsídio à avaliação
geotécnica de terrenos
Daniel CARDOSO1, Paulina Setti RIEDEL2, Ricardo VEDOVELLO3, Maria José BROLLO3 & Lídia
Keiko TOMINAGA3
1. HIDROPLAN - Av. São Camilo, 476 - Granja Viana - Cotia - SP. E-mail: daniel@hidroplan.com.br
2. UNESP - DGA - Av. 24-A, 1515, Bela Vista, Rio Claro - SP. E-mail: psriedel@rc.unesp.br
3. Instituto Geológico - IG/SMA/SP - Av. Miguel Stefano, 3900, São Paulo,SP. E-mail: vedovello@igeologico.sp.gov.br;
mjbrollo@igeologico.sp.gov.br; tominaga@igeologico.sp.gov.br
Recebido em 05/2008. Aceito para publicação em 12/2009.
Versão online publicada em 16/08/2010 (www.pesquisasemgeociencias.ufrgs.br)
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Resumo - Este artigo apresenta o método empregado no município litorâneo de Peruíbe,
composto pela aplicação de técnicas de interpretação de produtos de sensoriamento e
levantamentos de campo para a individualização de unidades básicas de análise do terreno,
denominadas de Unidades Básicas de Compartimentação (UBCs). Estas unidades expressam a
menor superfície do terreno interpretada a partir dos seus elementos fisiográficos, e que
possuem no seu interior as mesmas propriedades geotécnicas. São unidades facilmente
agrupáveis e funcionam como objetos de armazenamento de informações, que podem subsidiar
os zoneamentos geotécnicos, facilitando a análise das potencialidades e fragilidades do meio
físico e de sua suscetibilidade a processos naturais e antrópicos. Foram individualizadas sessenta
e oito unidades dentro das quais foram inferidas propriedades de interesse geotécnico a partir de
critérios fotointerpretativos, levando em consideração as propriedades texturais da imagem,
calibradas por observações de campo. O método mostrou-se facilmente reprodutível, sendo
especialmente interessante para regiões com carência de mapas básicos, o que impossibilita o
estabelecimento de zonas homogêneas através do tradicional cruzamento de informações de
diferentes temas.
Palavras-chave: compartimentação fisiográfica, planejamento territorial, sensoriamento remoto,
caracterização geotécnica, avaliação de terrenos.
Abstract - PHYSIOGRAPHIC COMPARTMENTALIZATION OF PERUIBE MUNICIPALITY, SÃO PAULO STATE COAST - A
METHODOLOGICAL APPROACH TO ASSIST GEOTECHNICAL TERRAIN EVALUATION. This paper presents a method
applied to the seacoast town of Peruibe, São Paulo State, Brazil. The method encompasses the
application of remote sensing interpretation techniques and field survey to obtain geotechnical
data and thus generate cartographic products composed of easily grouped units that work as
database objects and can de used to assist geotechnical zoning. The so-called Compart-
mentalization Basic Units (CBUs) show the smallest land surface analyzed from its physiographic
elements and have in their cores the same geotechnical properties, making it easier to analyze
the potentialities and the fragilities of the physical environment and its susceptibility to the
action of natural and anthropic processes. In the study area, sixty-eight units were individualized
in which geotechnical properties were inferred by photo interpretation criteria, using textural
properties of the image adjusted with field observations. The method proved to be easily
reproducible, and is especially useful in regions where the absence of basic maps makes it
impossible to establish homogeneous zones through traditional overlay of different topic
informations.
Keywords: physiographic compartmentalization, territorial planning, remote sensing,
geotechnical properties, terrain evaluation.
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2. 1. Introdução gração e delimitação das unidades homogêneas
(abordagem multitemática). A grande fragilidade
Atualmente, os estudos que conduzem a da técnica é que ela exige, para que os resultados
uma melhor compreensão das potencialidades e finais sejam consistentes, que a escala dos mapas
limitações do meio físico têm adquirido grande cruzados seja semelhante entre si e compatível
importância, impulsionados pela crescente preo- com a escala final pretendida para a análise, o que
cupação com o meio ambiente. O litoral do Estado nem sempre é possível num país com o Brasil,
de São Paulo apresenta um quadro de ocupação que apresenta grande carência de mapas básicos.
voltado essencialmente ao turismo e lazer, acres- Na abordagem integrada aplicada neste
centando-se outros tipos de atividades sócio- trabalho, a utilização da imagem se dá através de
econômicas (atividades portuárias, indus-triais e identificação dos elementos da paisagem, neste
cultura de banana). Há uma forte demanda de caso do relevo e drenagem, reconhecidos pelo
ocupação do litoral paulista, num contexto onde fotointérprete. Através do reconhecimento das
processos naturais, como movimentos de massa, feições da imagem, da análise de seu arranjo
são comuns e representam risco à população e espacial e de suas propriedades, podem-se sepa-
empreendimentos. rar unidades homogêneas do terreno e preceder à
Os estudos sobre o meio físico podem ser análise das similaridades entre as unidades esta-
realizados em escala local, de detalhe, ou em belecidas, onde é verificado se há unidades com
escala regional, dependendo dos objetivos pre- as mesmas características, que devem, portanto,
tendidos. Em escala regional, parte-se muitas receber a mesma denominação.
vezes para generalizações que podem ser efetua- Os mapas básicos utilizados para a abor-
das através de compartimentações, onde o meio dagem integrada podem ser regionais, uma vez
físico é separado em áreas homogêneas pela apli- que as formas de relevo e drenagem serão anali-
cação de determinados critérios. sadas diretamente na imagem e associadas a pro-
A compartimentação do terreno, que é priedades do terreno, após calibração em campo.
também denominada compartimentação fisiográ- No caso do mapa geológico, por exemplo, que em
fica, pode ser realizada através de dois procedi- diversas regiões do Brasil só existe em escala
mentos básicos. O primeiro, chamado de aborda- regional, ele é utilizado para a definição dos
gem multitemática, é bastante utilizado nos grandes domínios litológicos.
trabalhos de cartografia geotécnica através da A compartimentação do terreno, aqui de-
elaboração de vários mapas temáticos (substrato nominada de fisiográfica (Vedovello, 1993, 2000;
rochoso, formas de relevo, materiais inconsolida- Brollo et al., 1998; Vedovello & Mattos, 1998;
dos, declividade, etc.), que são posteriormente Vedovello et al., 2002), permite que sejam
integrados para a definição das zonas com as sintetizadas as informações sobre o meio físico,
mesmas características geológico-geotécnicas, uma vez que se parte do princípio de que no
portanto com as mesmas potencialidades e limi- interior de uma área com características homogê-
tações (Araujo et al., 2000; Bastos et al., 2004; neas, a partir dos critérios estabelecidos, diversas
Marques & Zuquete, 2004; Parizi & Diniz, 2004). propriedades podem ser as mesmas. Uma vez
Estes diferentes produtos cartográficos poderão sintetizadas, essas informações fornecem impor-
ser analisados conjuntamente em um Sistema de tantes subsídios aos administradores, planejado-
Informação Geográfica (SIG), objetivando-se a res e técnicos em geral que atuam nas questões
geração de um produto de síntese. O segundo relativas ao planejamento territorial.
deles é denominado análise integrada, e consiste Na extensa área que compreende o litoral
na determinação de unidades fisiográficas (Vedo- paulista, o trabalho se restringe ao município de
vello, 1993, 2000; Brollo et al., 1998; Vedovello & Peruíbe (Fig. 1), na porção sul do estado, onde
Mattos, 1998; Vedovello et al., 2002) ou na existem interessantes contrastes geomorfológicos
determinação das unidades de terreno (Lollo, para possibilitar a efetiva aplicação da metodolo-
1998; Romão & Souza, 2004). Durante a compar- gia.
timentação do terreno, a utilização de produtos Diante do exposto, o objetivo deste traba-
de sensoriamento remoto é de fundamental lho é efetuar a compartimentação fisiográfica do
importância, seja na delimitação e caracterização município de Peruíbe, na escala 1:50000, utili-
das unidades de terreno (abordagem integrada) zando como critério a análise dos elementos tex-
ou na extração de informação para a realização turais de relevo e drenagem. Pretende-se também
dos diversos mapas básicos, para posterior inte- estabelecer correlações entre as características
252
3. da imagem, baseada na descrição sistemática do vo e drenagem e as propriedades presumíveis do
arranjo espacial dos elementos texturais de rele- meio físico, de interesse geotécnico.
Figura 1. Localização da área de estudo.
2. Aspectos físicos 2.2 . Geologia Regional
2.1. Pedologia Grande parte das rochas que ocorrem na
área de estudo fazem parte do Complexo Costeiro
A região da Serra do Mar possui solos que que, no Estado de São Paulo, tem o seu limite
se diferenciam em função do compartimento da exterior marcado pelos sedimentos costeiros e o
paisagem em que se encontram. De maneira Oceano Atlântico, enquanto o limite interior se dá
geral, pode-se dizer que os solos são mais rasos por meio da Falha de Cubatão, com os metassedi-
na região da escarpa, principalmente nas altas e mentos do Grupo Açungui.
médias vertentes, pouco profundos a profundos O Complexo Itatins, que ocorre na área de
no planalto, e mais profundos na planície litorâ- estudo justaposto ao Complexo Costeiro por
nea, sobre os sedimentos predominantemente falhamento sinistral de direção E-W é formado
marinhos e fluviais. Os solos mais comuns são os por charnockitos, granulitos charnockíticos e por
cambissolos, que ocorrem associados a relevos hiperstênio granodioritos em suas porções mais
que variam de ondulado a escarpado, no planalto elevadas e interiores Nos costões e nas partes
e em toda a escarpa, e cones de dejeção das mais litorâneas são observados kinzigitos, silli-
médias e baixas vertentes da escarpa. Associados manita-granada gnaisses, granada-biotita gnais-
a este tipo de solo, latossolos podem ocorrer. ses, além de rochas metabásicas migmatizadas
253
4. em forma de veios, serpentinitos e granitos de contexto, a área de estudo está inserida na Pro-
anatexia (Silva et al., 1977). víncia Costeira, nas zonas da Baixada Litorânea e
O Complexo Gnáissico-Migmatítico é for- da Serrania Costeira, especificamente na subzona
mado na área predominantemente por hornblen- da Serrania de Itatins.
da-biotita gnaisses (Silva et al., 1977). A estruturação dos compartimentos de
As rochas granitóides ocorrem sob a for- relevo da região costeira paulista foi fortemente
ma de corpos tabulares, stocks e batólitos, envol- influenciada pela tectônica rúptil que afetou a
vidos pelo Complexo Granito-Gnaíssico Migmatí- borda do escudo, dividindo-a em blocos que
tico. foram colocados em posições altimétricas diver-
Na porção noroeste da área de estudo e a sas, soerguendo velhas superfícies aplainadas,
norte da falha de Cubatão, ocorrem também formando assim, por ação de processos erosivos,
pequenas áreas de xistos e paragnaisses perten- a serrania costeira com seus níveis escalonados e
centes ao Complexo Embu. seus maciços insulares (Ramalho, 1982).
Outra unidade de grande ocorrência na
área é a Formação Cananéia, que assenta direta-
mente sobre os sedimentos conglomeráticos da 3. Materiais e métodos
Formação Pariquera-Açu. É constituída por uma
sequência de sedimentos finos (argilo-siltosos) No presente trabalho, foram utilizadas
seguidos de sedimentos silto-arenosos e apresen- imagens do Landsat 7 - ETM+, órbita ponto
ta estratificação plano-paralela no topo e níveis 219_077, passagem de 03/09/1999, na banda 4,
de minerais pesados na base. em papel, escala 1:50000. Esta banda foi
Os sedimentos recentes encontram-se escolhida por apresentar alta reflectância da
amplamente distribuídos na área estudada, for- vegetação em contraste com a baixa reflectância
mando uma extensa planície entre Peruíbe e dos corpos d’água, o que facilita a análise dos
Itanhaém, e são constituídos por sedimentos de elementos de relevo e drenagem da imagem, que
origem fluvial, que estão associados às calhas dos são utilizados na compartimentação. A análise foi
principais rios, sejam eles inseridos no planalto também complementada pela imagem provenien-
ou na planície costeira, e também por sedimentos te da fusão IHS da composição colorida 2B3G4R
coluviais nas proximidades da encosta. Esses com a banda pancromática, na mesma escala.
sedimentos são argilo-arenosos ou silto-arenosos, Foram utilizadas as cartas topográficas 1: 50.000
e em porções localizadas ocorre um enriqueci- do IBGE, folhas Pedro de Toledo, Itanhaém e
mento em argila, silte e matéria orgânica Pedro Dias.
(Giannini, 1987). Os sedimentos praiais são Os mapas geológicos tomados como
representados por cordões litorâneos frontais e referência para o estabelecimento das zonas
intermediários, assim como terraços marinhos. foram o Mapa Geológico do Estado de São Paulo
(IPT, 1981b), escala 1:500.000 e o Mapa
2.3 . Geomorfologia Geológico da Porção Sul-Oriental do Litoral
Paulista (Passarelli, 2001), em escala 1:250.000.
O Estado de São Paulo foi dividido por São apresentados a seguir os procedimen-
Almeida (1964) em províncias geomorfológicas, tos envolvidos nas etapas de compartimentação
subdivididas em zonas e subzonas, cada qual fisiográfica e de caracterização geotécnica das
representando, em diferentes escalas, conjuntos unidades de compartimentação, para o município
de elementos de relevo homogêneos. Esta de Peruíbe. A obtenção desses compartimentos,
subdivisão foi posteriormente revisada por IPT aqui chamados de Unidades Básicas de Comparti-
(1981a), segundo o qual o litoral paulista mentação (UBCs), e a sistematização de suas
encontra-se inserido na Província Costeira, subdi- características e propriedades possibilitam a
vidida em zonas que são a Baixada Litorânea, a posterior obtenção de cartas de avaliação de
Morraria Costeira e a Serrania Costeira, esta, por terrenos, tais como cartas de suscetibilidade a
sua vez, representada pelas subzonas Serra do diferentes processos do meio físico, como, por
Mar, Serra de Paranapiacaba, Serrania de Itatins, exemplo, a movimentos de massa ou a erosões
Serrania do Ribeira e Planaltos Interiores. Neste lineares.
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5. 3.1. Compartimentação fisiográfica menor unidade de terreno onde os elementos
fisiográficos ocorrem com as mesmas caracterís-
Na abordagem integrada de comparti- ticas texturais na imagem, constituindo uma
mentação a partir da análise e identificação de geoforma.
elementos texturais de relevo e drenagem nas Trabalhos de campo foram realizados
imagens, podem ser propostas divisões em para confirmação e/ou o ajuste de limites foto-
diferentes níveis hierárquicos, que são capazes de interpretados e para o levantamento das caracte-
explicar e agrupar ocorrências de determinadas rísticas morfológicas atribuídas aos comparti-
geoformas (Vedovello, 2000). Essas geoformas mentos. Estas características são confrontadas
são partes específicas do terreno, onde ocorre com as propriedades descritas na fotointerpreta-
uma associação característica de vários elemen- ção, de forma a calibrar o processo de inferências
tos fisiográficos que compõem o terreno e que de propriedades geotécnicas, que constituirão a
são resultantes da dinâmica de evolução exógena próxima etapa do trabalho.
e endógena.
A Unidade Básica de Compartimentação 3.2 . Caracterização Geotécnica
(UBC) constitui uma geoforma que apresenta
litologia, forma de relevo e perfil de alteração Existem diferentes formas para a aquisi-
constantes na sua área. Sua identificação é feita a ção de dados geotécnicos. A opção por uma ou
partir de uma análise criteriosa das texturas e das outra forma de obtenção dos dados depende do
formas de relevo observadas na imagem, dentro tipo e classes dos atributos analisados, da
de cada subzona. Estas unidades são associadas a viabilidade ou não de aquisição de informação in
diferentes perfis de alteração em campo, respon- situ, e da precisão necessária às avaliações dos
sáveis pelas pequenas alterações texturais obser- produtos previstos, relacionada à escala de
vadas na imagem. A determinação das UBCs é trabalho. Dentre os diversos procedimentos utili-
função da escala de trabalho pretendida; assim, zados para a aquisição de dados geotécnicos,
em escalas maiores, determinados compartimen- podem-se destacar os seguintes, segundo
tos são subdivididos e, em escalas menores, Vedovello (2000):
compartimentos são aglutinados. Ensaios de laboratório: ensaios realiza-
Na etapa de avaliação da similaridade dos em amostras deformadas ou indeformadas,
entre diferentes unidades identificadas procedeu- em solos e rochas, para determinar as proprieda-
se uma análise comparativa, quanto às proprieda- des físicas e químicas e o comportamento mecâ-
des dos elementos texturais de relevo e drenagem nico, que determinam as características geotécni-
utilizados na interpretação, previamente extraí- cas de interesse.
dos da imagem para uma transparência. Esta Ensaios in situ: são ensaios e testes de
etapa tem como objetivo identificar unidades que campo que objetivam determinar as proprieda-
devem ser classificadas sob a mesma denomina- des do solo, definindo-se as suas características e
ção, recebendo, portanto, o mesmo código e propriedades geotécnicas.
diferindo somente no número, que é o identifica- Inferências fisiográficas: as proprieda-
dor da unidade, junto ao banco de dados. des e características geotécnicas são inferidas a
São adotados, neste trabalho, três níveis partir dos elementos fisiográficos que integram
hierárquicos taxonômicos informais para repre- determinada área. São realizadas conhecendo-se
sentar as unidades de compartimentação obtidas: os elementos geológicos e geomorfológicos.
- Província: Corresponde aos grandes Criando-se uma relação entre os dois, é possível
compartimentos tectono-estruturais, que englo- inferir sobre permeabilidade, alterabilidade,
bam características climáticas atuais em nível declividade, espessura do material de cobertura.
regional; Inferências a partir de outros dados:
- Zona: Corresponde aos domínios geoló- consistem na obtenção de dados geotécnicos por
gicos, ou seja, aos grandes grupos de litologias; correlação com dados de outra natureza. Como
- Subzona: Representa diferentes feições exemplo, Vedovello (2000) cita a estimativa da
geomorfológicas locais, relacionadas aos diferen- permeabilidade, que é um dado geotécnico obtido
tes tipos litológicos. por correlação com a densidade de elementos
Cada unidade de compartimentação é texturais de drenagem, que por sua vez é um da-
representada por um número e descrita por sua do fotointerpretado.
província, zona e subzona. Ela corresponde à
255
6. Neste trabalho, a obtenção das proprieda- planalto, que nesta região é caracterizado pelo
des geotécnicas de cada UBC deu-se principal- predomínio de morros convexos, em contraste
mente a partir de inferências através de dados de com a feição de escarpa, permite uma clara
sensoriamento remoto, onde é estabelecida uma demarcação do limite deste compartimento na
correlação entre as propriedades texturais da imagem. Esta província foi denominada Planáltica
imagem e as propriedades e/ou características de e é representada pela letra P, na Fig. 2, a qual
interesse geotécnico do meio físico, calibrados reproduz um trecho em destaque do mapa
por descrições de campo, segundo metodologia produzido. O Quadro 1 apresenta como guia de
aplicada em Vedovello (2000) e baseada em referência, os critérios utilizados para a compar-
discussões encontradas nos trabalhos de Soares timentação, bem como as diferentes classificações
& Fiori (1976), Veneziani & Anjos (1982), Riedel para cada critério.
(1988), Oliveira et al. (1989), Mattos & Jimenez O segundo compartimento engloba o
Rueda (1991), Cecarelli et al. (1994) e Okida relevo escarpado dos contrafortes da Serra do
(1996), entre outros. Mar, a escarpa escalonada da Serra de Paraibuna
Nos trabalhos de campo foram inicial- e o relevo montanhoso da Serra dos Itatins. Essas
mente percorridas as unidades básicas de com- unidades geomorfológicas foram delimitadas na
partimentação para a checagem dos limites foto- imagem de satélite através de análise dos
interpretados. Para a avaliação das propriedades elementos de relevo e drenagem, que apresentam
do terreno e das características dos seus elemen- características muito variadas, mas de modo
tos componentes, foi utilizado o levantamento de geral têm relevo acidentado, de amplitudes
perfis de alteração característicos e específicos elevadas. A rede de drenagem pode ser dendríti-
para cada UBC. Estes perfis têm como objetivo ca, subparalela, angular, etc., por vezes revelando
agrupar um conjunto de dados que traduzam, de um forte condicionamento estrutural na área. O
maneira expressiva, as características geotécnicas limite considerado para a delimitação desta
de determinada área fotointerpretada homogê- província é a quebra negativa que esta feição de
nea. A esses perfis, são adicionados dados relati- relevo faz com os sedimentos flúvio-marinhos da
vos à observação do relevo local e suas relações baixada litorânea, que individualizam outra
de forma, amplitude, dinâmica superficial entre província, a Litorânea. Estas províncias foram
outras características, que conduzam a um me- denominadas de Serranias e Litorânea e simboli-
lhor entendimento da natureza geotécnica de ca- zadas, respectivamente, pelas letras S e L.
da UBC. Na divisão taxonômica de zona, foram
Os levantamentos realizados em campo estabelecidos compartimentos que refletem dife-
também tiveram como objetivo calibrar as infe- rentes litologias. Uma mesma zona pode se
rências a serem efetuadas sobre os terrenos, tal repetir em diferentes províncias, mas este fator
como a relação existente entre a profundidade do não implicará unidades básicas de terreno com as
perfil de alteração e a forma da encosta. mesmas características, pois o modelado regional
será outro.
A primeira zona identificada, num total de
4. Resultados cinco, é representada por xistos e paragnaisses
do Complexo Embu e simbolizada pela letra X. A
4.1. Compartimentação Fisiográfica segunda zona representa os migmatitos e gnais-
ses do Complexo Costeiro e aflora ao longo de
Na primeira subdivisão do nível hierárqui- toda escarpa da Serra do Mar e Serra de Parana-
co Província foram reconhecidos três grandes piacaba, representada pela letra M.
compartimentos. O primeiro representa a região Os Granitos do Tipo Areado (Silva et al.,
de planalto, e o seu limite é obtido através da 1977), simbolizados pela letra A, ocorrem ao
análise da quebra positiva de relevo com as longo do eixo da falha de Cubatão, e estão
regiões escarpadas da Serra do Mar. O relevo do alocados em rochas do Complexo Costeiro.
256
8. Quadro 1. Critérios adotados para caracterização das UBCs e sua respectiva classificação.
Critério Significado Classificação adotada
Tipo de elemento Define que espécie de elemento textural está sendo analisado. • Drenagem (d)
de textura • Relevo (r)
• Tonal (t)
Densidade de Refere-se à quantidade de elementos (de um mesmo tipo) por • Muito Alta (MA)
textura unidade de área da imagem. É descrita em termos comparativos e • Alta (A)
qualitativos. • Média (M)
• Baixa (B)
• Muito Baixa (MB)
Tropia Indica a presença ou não de orientações dos elementos de análise • Não orientado (NO)
impressas por estruturas geológicas. • Pouco orientado (PO)
• Muito orientado(MO)
Forma da encosta É obtida pela análise integrada da imagem com o padrão • Convexa (X)
geométrico predominante das curvas de nível na mesma área de • Côncava (V)
representação com a base topográfica escala 1:50 000. • Côncavo-convexa (VX)
• Retilínea (R)
Forma e extensão Retrata a extensão da forma e sua geometria. • Contínuo/Restrito (C/R)
do topo • Convexo/Agudo (C/A)
O Complexo Itatins representa a quarta amplitudes de até 500 m, com letra E. A quinta
zona identificada na imagem e salienta-se devido subzona corresponde a relevos suaves, próximos
ao fato de ser um maciço, muito bem separado a relevos escarpados, correspondentes a rampas
morfologicamente através de uma faixa de sedi- de colúvio ou tálus, representada pela letra R. As
mentos quaternários e uma zona de cisalhamento demais subzonas são representadas pelos relevos
bem marcada na imagem de satélite, a Zona de planos das praias (P), pelas planícies aluvionares
Cisalhamento de Itariri. Os tipos litológicos (L) e terraços (T).
presentes são charnockitos e kinzigitos, e a zona A última subdivisão na hierarquia
foi representada pela letra K (Fig. 2). utilizada equivale à unidade, de forma que as
Os sedimentos inconsolidados transporta- subzonas foram divididas em unidades de tama-
dos, que apresentam ou não evolução pedogenéti- nhos variados, que apresentam no seu interior
ca, identificados como colúvios, são simbolizados características homogêneas dos elementos de
pela letra C. análise, denominadas Unidades Básicas de Com-
Os sedimentos costeiros são divididos partimentação (UBCs), utilizadas segundo meto-
quanto à sua origem em três zonas: sedimentos dologia de Vedovello (2000).
flúvio-marinhos, sedimentos fluviais e sedimen- A análise foi realizada de forma sistemá-
tos mistos, representados na Fig. 2 pelas letras D, tica, com base nos elementos texturais de relevo e
F e T, respectivamente. drenagem das imagens dentro das subzonas,
O próximo nível taxonômico identificado e apoiada na análise da configuração das curvas de
descrito é o de subzona, que possui como critério nível em cartas topográficas, escala 1:50.000.
de identificação a configuração local de relevo. Foram considerados critérios relativos às pro-
Nesta etapa de compartimentação, foram analisa- priedades e características da imagem, tais como
das formas de topo e encosta, amplitude, dinâmi- tipo de elemento textural (de relevo ou de drena-
ca superficial e diferentes estruturas geológicas gem), densidade de textura, e diferenças mais
que resultaram em formas de relevo diferentes, sutis de forma de encosta e tipo de topo, segundo
dentro de uma mesma zona previamente estabe- a abordagem adaptada de Soares & Fiori (1976) e
lecida. Veneziani & Anjos (1982).
Foram estabelecidas oito subzonas, a Como produto final desta fase, foi gerado
primeira correspondente a morros e morrotes o mapa de Unidades Básicas de Compartimenta-
com encostas convexas, amplitudes de 40 a 60 m ção (UBCs), onde as diversas unidades estão
e topos convexos, denominada pela letra C. A identificadas por uma sigla ou código, que reflete
segunda subzona equivale a morros com topos seu contexto fisiográfico e seus níveis hierárqui-
alongados e convexos, representada pela letra L. cos de compartimentação. Cada unidade de
A terceira corresponde a morros com topos compartimentação recebeu um código para a sua
angulosos, cuja letra é M. A quarta subzona individualização. Este código possui três letras,
equivale a morros alongados, paralelos, com relacionadas à hierarquia taxonômica adotada
topos agudos, encostas íngremes e retilíneas, com para o trabalho, e um número, obtido através da
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9. análise de similaridade dos compartimentos, associadas a zona do Grupo Areado, constituído
segundo segue: por granitóides, 18 unidades na zona de
1ª letra: simbologia utilizada para as migmatitos e gnaisses do Complexo Costeiro, 27
divisões do nível taxonômico Província. na zona do Complexo Itatins, constituído por
2ª letra: simbologia utilizada para as migmatitos e gnaisses, uma em zona de
divisões do nível taxonômico Zona. sedimentos inconsolidados/colúvio e uma de
3ª letra: simbologia utilizada para as sedimentos aluviais.
divisões do nível taxonômico Subzona. - 3 unidades na província Litorânea, uma
Número: refere-se a cada unidade de de sedimentos flúvio-marinhos, uma em zona de
compartimentação, avaliada a partir dos elemen- sedimentos inconsolidados/colúvio e outra de
tos de análise. sedimentos mistos.
Foram identificadas, na área de estudo,
sessenta e oito unidades ou geoformas, assim 4.2. Caracterização Geotécnica
distribuídas:
- 2 unidades na província Planalto, sendo As propriedades geotécnicas utilizadas
as duas em zona correspondente ao Complexo para a caracterização dos terrenos e sua relação
Embu, que compreende rochas metassedimenta- com as propriedades descritas na imagem, com o
res, xistos e gnaisses. apoio de cartas topográficas e calibradas por
- 63 unidades na província Serrania, trabalhos de campo, são descritas no Quadro 2.
sendo três em zona do Complexo Embu, 13
Quadro 2. Propriedades geotécnicas utilizadas e sua relação com as propriedades da imagem.
Propriedade Forma de inferência Classes definidas Identificação da classe
Áreas sedimentares ou Alta Baixa densidade de drenagem
detríticas - inversamente
proporcional à densidade de Média Média densidade de drenagem
Associada à densidade de drenagem drenagem
Permeabilidade observada nas imagens, segundo Baixa Alta densidade de drenagem
Soares & Fiori (1976). Alta Alta densidade de drenagem
Áreas cristalinas -
diretamente proporcional à Média Média densidade de drenagem
densidade de drenagem
Baixa Baixa densidade de drenagem
Relacionada à distância entre curvas
Alta Pequena distância entre
Declividade de nível observada nas cartas
curvas
topográficas.
Média Média distância entre curvas
Baixa Grande distância entre curvas
Descrita em campo e inferida nas
áreas não visitadas através das
Profundidade
formas de encosta e formas e Encostas e topos convexos, de
do perfil de Profundo
extensão de topo obtidas da maior extensão
intemperismo
observação da imagem e apoiadas
pelas cartas topográficas.
Encostas côncavas, topos
Médio
convexos, de menor extensão
Encostas retilíneas, topos
Raso
agudos e restritos
Inferida através da forma dos topos e
Alterabilidade das encostas, com base em Soares & Alta Topos e encostas convexos
Fiori (1976).
Topos convexos, encostas
Média
côncavas
Topos angulosos, encostas
Baixa
retilíneas
259
10. Com relação ao perfil de alteração, foram pais características de cada horizonte de altera-
identificados, quando possível, três horizontes ção e foram definidas classes para cada caracte-
diferentes designados: solo superficial, solo resi- rística (Quadro 3).
dual e saprolito. Procurou-se descrever as princi-
Quadro 3. Características levantadas em campo dos perfis de alteração e suas classificações.
Elemento Características
Textura Argila; silte; areia; argila siltosa; argila arenosa; silte argiloso; silte arenoso; areia argilosa; areia siltosa e outros
Espessura Intervalos obtidos por estimativa visual ou medida com trena
Argila (<0,0002mm); silte (0,0002 a 0,075mm); areia fina (0,075 a 0,42mm); areia média (0,42 a 2,0mm); areia
Variação textural
grossa (2,0 a 4,8mm) e pedregulho (4,8 a 76,2)
Intercalações Lente; camada; linha de seixos; fragmentos dispersos; crostas limoníticas; nódulos argiloso e outros
Cor Marrom, roxo, vermelho, amarelo, laranja, verde, cinza, preto, branco, variegado, azul e outras
Muito mole: Standard Penetration Test - SPT < 2 (quando prensada pela mão, o material sai por entre os dedos);
Compacidade / Mole: SPT de 3 a 5 (amassável por ligeira pressão dos dedos); Média: de 6 a 10 (amassável por pressão
consistência considerável dos dedos); Rijo: SPT de 11 a 19 (penetrável pela unha); Duro: SPT > 19 (dificilmente penetrável pela
unha)
Estruturas Maciça; laminar; prismática; colunar; em blocos; granular
Contato inferior Abrupto, claro, gradual e difuso
Os levantamentos realizados em campo quanto as menores estavam associadas a encos-
permitiram associar a relação existente entre a tas retilíneas e topos agudos.
profundidade do perfil de alteração e as forma da O Quadro 4 mostra, como exemplo,
encosta e topo das unidades, bem com da algumas Unidades Básicas de Compartimentação,
extensão dos topos. Observou-se, através das com as inferências quanto às suas propriedades
análises de campo, que as maiores profundidades geotécnicas. A simbologia adotada se refere aos
do perfil de intemperismo estavam associadas às níveis taxonômicos adotados para a comparti-
encostas convexas e com topos convexos, en- mentação.
Quadro 4. Propriedades geotécnicas inferidas para as unidades básicas de compartimentação (UBCs) em pequeno trecho da área.
UBC Permeabilidade Declividade Profundidade do manto de Grau de alterabilidade
alteração
PXC1 Baixa Baixa Profundo Alto
PXC2 Baixa Baixa Profundo Alto
SXE1 Baixa Alta Raso Baixo
SXE2 Muito baixa Alta Raso Baixo
SXC1 Baixa Alta Profundo Alto
5. Conclusões uma área física definida, constituindo uma
unidade cartográfica com propriedades e caracte-
O procedimento de compartimentação do rísticas intrínsecas, que fazem dela uma unidade
terreno a partir de unidades homogêneas mostra- geotécnica. Estas unidades tornam-se também
se de fácil elaboração, com a ajuda integrada de células para armazenamento de informações em
produtos de sensoriamento remoto e de um mapa SIG, permitindo posteriores consultas voltadas às
topográfico. mais diversas aplicações.
Uma vez determinados, os compartimen- A metodologia empregada neste trabalho
tos tornam-se objetos concretos para obtenção de é facilmente reprodutível, podendo ser aplicada a
zoneamentos geotécnicos aplicados a estudos qualquer outra área de estudo, e é especialmente
ambientais, em escalas variadas e com objetivos interessante para regiões onde não há mapas
diversos, já que cada unidade é composta por básicos, ou onde os mapas básicos têm escalas
260
11. díspares e muitas vezes inapropriadas ao detalha- AHP para seleção de áreas para aterros sanitários -
mento pretendido, o que impossibilita o estabe- Região de Araraquara (SP), Brasil. In: Pejon, O. &
lecimento de zonas homogêneas através do Zuquete, L.V. (Eds.) Cartografia Geotécnica e
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