O documento discute o futuro da Biblioteconomia em uma sociedade digital. Aponta que a Biblioteconomia precisa se adaptar ao novo paradigma da informação digital, desenvolvendo novas metodologias para organizar e recuperar informação independentemente do suporte. Também destaca a necessidade de preparar usuários e profissionais para lidar com a abundância de informação online e as novas formas de interação com a informação.
O futuro da biblioteconomia no brasil texto da profa. vania lima
1. O futuro da Biblioteconomia*
Vânia Mara Alves Lima
A nossa sociedade desde o final do século passado tem sido
denominada sociedade da informação ou sociedade do conhecimento.
Informação e conhecimento são conceitos interdependentes e
interdisciplinares, pois sem informação não se produz o conhecimento e sem
conhecimento não se produz informação. Atualmente, com o desenvolvimento
das novas tecnologias de comunicação, que permitem qualquer pessoa
“postar” uma informação, a qual pode gerar um conhecimento que se
transformará novamente em informação, em um ciclo constante, surgem
questionamentos sobre o futuro da Biblioteconomia. Isso porque o objetivo da
Biblioteconomia tem sido dar condições para que esse ciclo
conhecimento/informação/conhecimento se efetive e possibilite o
desenvolvimento da sociedade.
Das tábuas de argila ao IPad foram várias as mudanças de paradigma
na área, mas é a partir do final do século 20, com a consolidação da Internet e
a crescente velocidade na atualização das tecnologias da comunicação, que a
Biblioteconomia sofre as mais profundas modificações, passando a conviver
com documentos digitais em estoques eletrônicos. Segundo índices
internacionais até 2015 a maioria dos documentos que importam para a
pesquisa e o ensino, em todas as áreas, serão em formato digital (BARRETO,
2010). Até a bíblia da Ciência da Informação, o “Annual Review of Information
Science” teve sua versão impressa cancelada esse ano, devido a queda na
demanda e a alta dos custos. Consolida-se então a principal mudança no
paradigma que norteou a Biblioteconomia por séculos, do paradigma do acervo
físico passa-se para paradigma da informação.
Nesse paradigma, além de desenvolver novas metodologias e
instrumentos de trabalho, que permitam organizar e recuperar a informação
independente do seu suporte, a Biblioteconomia também deve considerar uma
variável, que por muitos anos foi inferida como importante, mas que nesse
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Palestra proferida no Seminário Biblioteconomia e Ciência da Informação da Faculdade de
Biblioteconomia e Documentação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo em
28/05/2010.
2. início de século tem se apresentado como um objeto de estudo prioritário na
área, o relacionamento sujeito/informação.
A era digital veio provocar uma revolução na forma como as pessoas
interagem com a informação, como se comunicam e como disseminam essa
informação. O usuário hoje gera e dissemina a informação, em redes sociais
como o orkut, o facebook e principalmente o twitter. E essas ferramentas se
tornaram tão importantes na disseminação da informação que a Library of
Congress comprou os “tweets”, os quais serão arquivados digitalmente pela
LC. São 50 milhões de ”tweets” todos os dias e se vocês enviaram algum tweet
hoje parabéns os seus 140 caracteres já fazem parte do acervo da LC.
Esse usuário nascido depois de 1993, que não conhece a vida antes da
Web, pertence a denominada “geração google”, objeto de um estudo da British
Library e do Joint Information Systems Committee (JISC). Nesse estudo,
divulgado em 2008, foram analisados: o comportamento dessa geração frente
a ampla variedade de recursos de informações que se criam digitalmente,
principalmente, no que se refere a busca de conteúdos na web e se isso
interferiria no comportamento de futuros pesquisadores.
O estudo demonstra que enquanto usuária de recursos informacionais, a
geração “google” busca cada vez mais "a resposta" e não um formato
determinado; como uma monografia ou um artigo de revista. Por outro lado,
observa que ela demonstra dificuldade na seleção dos termos de busca mais
adequados e na maioria das vezes utiliza a linguagem natural, o que causa um
elevado indice de revocação e um alto ruído na recuperação da informação
requisitada.
Outra característica do comportamento informacional da geração google
é a leitura superficial. O estudo demonstra que 60% dos usuários de revistas
eletrônicas não visualizam mais do que três páginas de um artigo e mais de
65% desses usuários nunca regressam a essas páginas.
Essa leitura seletiva pode ser considerada como consequência do
grande volume de informações que recebemos diariamente, qualquer que seja
o assunto, mas também está relacionada à competência informacional do
usuário, a qual deve ser objeto de investigação da Biblioteconomia.
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3. O usuário hoje não é mais um sujeito passivo em relação aos sistemas
de informação, portanto é necessário elaborar novas metodologias para o
desenvolvimento de sua capacitação informacional, além do domínio das novas
tecnologias. Essa capacitação inclui a apropriação dos processos inerentes a
um sistema de recuperação da informação, como a lógica da representação
das informações na base de dados e as ferramentas chaves para a
recuperação dessas informações, como os mapas conceituais e as
terminologias do domínio no qual o sistema se insere.
As tecnologias da informacão e comunicação proporcionaram uma
autonomia aos usuários que não deve ser encarada como "ameaça", mas
sim como um estímulo ao desenvolvimento de novas alternativas para a
Biblioteconomia e consequentemente uma reformulaçao na atuação das
bibliotecas.
Os novos cursos de graduação em Biblioteconomia devem não só
formar profissionais capazes de analisar o ambiente em que atuam e inventar
novas possibilidades de atender as necessidades sociais, mas principalmente
preparar profissionais que possam atuar efetivamente na capacitação dos
usuários para quaisquer sistemas de informação. Além disso, os cursos devem
começar a discutir o futuro do bibliotecário enquanto profissional da
informação.
Segundo Souza (2004), ao termo profissional da informação, podemos
atribuir dois significados: o primeiro deles é composto por vários papéis
profissionais já estabelecidos, social e economicamente, incluído o
bibliotecário, o segundo é de um novo papel profissional que vem se
estabelecendo social e politicamente a partir dos anos noventa no contexto em
que surge a tal Sociedade da Informação e do Conhecimento.
O nome profissional designa identificação genérica socialmente atribuída
a um conjunto de funções interrelacionadas executadas por pessoas que as
adquirem como habilidades intelectuais e/ou operativas com base em
preparação acadêmica ou por meio de treinamento e estágios de
aprendizagem. Essas habilidades, necessárias à execução de funções em
dada sociedade e tempo, são reescritas ou redefinidas por várias razões, por
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4. um lado, as novas descobertas científicas e as novas aplicações tecnológicas,
e por outro lado, às decisões econômicas e políticas (SOUZA, 2004).
A pergunta que se apresenta é se os cursos de Biblioteconomia têm
redefinido as habilidades e competências do bibliotecário para atuar na
sociedade?
Tradicionalmente, segundo Souza (2004), o bibliotecário tem duas
missões básicas:
• conhecer e utilizar os meios que levam a localização de qualquer fonte
de informação cujo conteúdo possa a qualquer momento ser pedido por
qualquer pessoa;
• produzir informação sintética, descritiva e analítica de todo o acervo
físico, ou não, que constituído pelo conjunto de todas as fontes
conhecidas tenha conteúdo que possa a qualquer momento ser pedido
por qualquer pessoa.
Será que bibliotecário está humanamente preparado para cumprir com
essas missões em qualquer situação ou ambiente, independentemente do
instrumental tecnológico que lhe for colocado em mãos?
Voltamos ao tema da interdisciplinaridade, já delineada na relação
informação/conhecimento, e que se concretiza como uma das dificuldades no
tratamento da informação. A informação é complexa e necessita de equipes
multidisciplinares para desenvolver seus processos de análise
(DRABENSTOTT, 1997).
Disputas sobre o que é da minha área ou o que é da sua área são
frequentes, lembro bem uma discussão quando da hierarquização dos
descritores do Vocabulário Controlado do SIBi/USP, entre a Engenharia
Agronômica (ESALQ) e a Engenharia Química (POLI). Depois de muitos
argumentos sobre em qual hierarquia deveriam ser incluídos determinados
descritores a bibliotecária da Poli resolveu a questão dizendo: “a premissa aqui
é seguinte, você planta a cana e eu faço a pinga” contemplando assim, nesse
contexto, a questão da interdisciplinaridade.
Inserimos também na pauta para as discussões sobre o futuro da
Biblioteconomia, a questão terminológica. Os limites de uma área do
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5. conhecimento refletem-se na sua terminologia. A terminologia de uma área
específica é a base para a comunicação científica e, portanto, essencial para a
representação, recuperação e disseminação da informação possibilitando
assim, o avanço do conhecimento. Portanto, para delinear a Biblioteconomia no
futuro precisamos traduzir as questões quanto as novas tecnologias e a
capacitação informacional dos usuários em conceitos da área de maneira a
constituir uma nova terminologia que possibilite a comunicação científica e o
avanço do conhecimento no âmbito da Biblioteconomia
Nossos colegas da área da computação, por exemplo, elaboram
esquemas para a organização e classificação da informação em sites, aos
quais denominam de ontologias ou taxonomias, como processos de uma área
que vem sendo conhecida como Arquitetura da Informação. Mas, não seriam
os bibliotecários também arquitetos da informação?
Segundo Lucio Costa (1995) "Arquitetura é construção, mas, construção
concebida com o propósito primordial de ordenar e organizar o espaço para
determinada finalidade e visando a determinada intenção”, ou ainda,
“construção em função de uma determinada época, de um determinado meio,
de uma determinada técnica e de um determinado programa”. Qualquer
semelhança aqui não é mera coincidência, afinal o espaço informacional virtual
necessita urgentemente de organização visando as finalidades e as intenções
de seus usuários, ou como bem coloca Carvalho, a Biblioteconomia precisa
contemplar o contexto, o tema e o público.
Alguns alunos têm questionado sobre “como se especializar em uma
área se os cursos de graduação hoje, se mostram genéricos sem o
direcionamento para áreas específicas de atuação?
Essa também é uma das questões a serem respondidas se a
Biblioteconomia quer ter futuro. Como conciliar uma formação humanística
geral, necessária para o entendimento da sociedade na qual estamos
inseridos, e ao mesmo tempo conhecer e trabalhar com públicos específicos de
informação?
Talvez um curso com uma formação interdisciplinar, onde em um
primeiro momento o aluno seja capacitado a compreender a informação na
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6. sociedade contemporânea, sua relação com a cultura, a economia, a história, a
educação e domine plenamente os instrumentos de busca para obter as
informações de que necessita principalmente aquelas que se articulam com
outros campos do saber. Onde essa compreensão implique no
desenvolvimento da capacidade de crítica e de elaboração de soluções para
questões da área e em um segundo momento o aluno possa obter o
conhecimento fundamental de áreas específicas da Informação como a
informação do ponto de vista dos usuários de serviços, a identificação de
produtos informacionais aplicáveis a determinadas situações, noções sobre a
informação aplicada aos campos da educação, das corporações e negócios, da
administração pública e privada, fundamentos de museu enquanto informação
organizada, bases da informação pública e da ação cultural, teoria e prática de
bancos de dados, bases da tecnologia da informação e noções essenciais da
organização temática do conhecimento (MILANESI, 2009).
Uma formação interdisciplinar, como base, permitiria aos futuros
egressos:
- desenvolver novas formas de acesso, sem restrição geográfica e temporal;
- experimentar novos meios de recuperação e administração da informação,
- mediar a inclusão digital, para que ela leve efetivamente a uma inclusão
informacional, cultural e social;
- mediar os processos da infoeducação, a saber, o protagonismo cultural e a
apropriação simbólica, destacando o objetivo histórico dos dispositivos culturais
e educacionais, em resumo mediar a assimilação cultural;
- orientar as chamadas unidades de informação especializada a atuarem como
centro de produção e disseminação do conhecimento científico e tecnológico;
- organizar, processar e disseminar as informações na Web, além de
disponibilizar mecanismos de busca eficientes para os usuários do sistema.
Passaríamos assim, de uma prática bibliotecária racionalizadora de
raízes norte-americanas, fundamentada na regulamentação de uma profissão,
para o exercício de atividades de documentação e de estudo onde surgem
perfis profissionais diversos, nem sempre regulamentados, cujo ponto comum é
a informação.
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7. Para ter um futuro a Biblioteconomia precisa se arriscar, nada mais deve
ser sagrado, tudo é passível de modificação ou renegociação. Ela deve iniciar a
sua transformação, sem esperar que o mercado lhe indique o caminho a
seguir. É necessário sair do isolamento e parar de se colocar como guardiã do
conhecimento e proprietária dos meios de acesso à informação, ampliar seu
relacionamento não só com as chamadas áreas “irmãs”, Arquivologia,
Museologia, mas principalmente com a Comunicação, com a Educação e com
a Computação, além de ocupar o seu espaço nas redes sociais. Ela deve estar
aberta a novas metodologias de análise, processamento e disseminação da
informação, buscando contemplar futuras realidades sociais. Para isso o maior
desafio é renovar os conteúdos programaticos dos cursos de graduação.
O desafio da mudança não pode ser visto como uma ameaça mortal,
mas uma oportunidade para renovação, talvez mesmo um renascimento do
ensino superior e de sua biblioteca. Finalizando, como bem disse Peter
Drucker, a melhor forma de prever o futuro é criá-lo.
Bibliografia
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bibliotecário Inf. cult. soc. Ciudad Autónoma de Buenos Aires, n.12, ene./jun.
2005.
BREGLIA, V L A ; RODRIGUES, M E. O desafio de modelar a formação
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2002
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ETD- Educação Temática Digital. Campinas,v.6, n.2, p.17-29 jun.2005
COSTA, Lúcio (1902-1998). Considerações sobre arte contemporânea (1940).
In: Lúcio Costa, Registro de uma vivência. São Paulo: Empresa das Artes,
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DRABENSTOTT, K M; BURMAN, C M. Revisão analítica da biblioteca do
futuro. Ci. Inf. v. 26 n. 2 Brasilia May/Aug. 1997.
MATHEWS, B. S. O bibliotecário como empreendedor: um projeto para
transformar o nosso futuro. Disponível em: http://extralibris.org/2006/11/o-
bibliotecario-como-empreendedor-um-projeto-para-transformar-o-nosso-futuro.
Acessado em 22/05/2010.
MILANESI, L. Proposta para reestruturação do CBD. 2009 (Documento de
trabalho)
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Biblioteconomia e Documentação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo em
28/05/2010.
8. SANTOS, J. O moderno profissional da informação: o bibliotecário e seu perfil
face aos novos tempo. Inf.&Inf., Londrina, v.1, n.1, p.5-13, jan./jun. 1996
SOUZA, Francisco Chagas. O nome profissional “bibliotecário” no Brasil: o
efeito das mudanças sociais e econômicas dos últimos anos doséculo XX .
Enc. Bibli: R. Eletr. Bibliotecon. Ci. Inf., Florianópolis, n.18, 2º sem. 2004.
INFORMATION behaviour of the researcher of the future. De la British Library y
el JISC, traduccíon em español publicado en línea el 11 de enero de 2008.
<http://www.jisc.ac.uk/media/documents/programmes/reppres/
gg_final_keynote_11012008.pdf>. Acesso 22/05/2010,
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