Este documento fornece recomendações de 12 livros para crianças e jovens até os 18 anos de idade feitas por três escritores e um ilustrador. Luísa Ducla Soares recomenda "Lengalengas e trava-línguas" e "Se os Bichos se Vestissem como Gente" para crianças até 10 anos. Álvaro Magalhães indica "As Aventuras de Joanica-Puff" para crianças entre 10-15 anos. Ana Saldanha sugere "A História Interminável" para jovens de
1. 12 títulos para ler
até ser grande
Pedimos a três escritores de literatura para a infância e juventude que escolhessem três livros
que considerassem imprescindível ler enquanto se cresce: até aos 10 anos, dos 10 aos 15 e dos
15 aos 18. Luísa Ducla Soares, Álvaro Magalhães e Ana Saldanha (um autor para cada escalão)
ditaram as suas escolhas. E justificaram. André Letria, ilustrador, indicou-nos três obras que
não podem deixar de ser vistas antes de se chegar a adulto. E não pensou em idades. Hoje é
Dia Internacional do Livro Infantil, Hans Christian Andersen nasceu há 205 anos.
Por Rita Pimenta
2. IlUsTraçõEs DE aNDré lETrIa, DO lIvrO Versos para os pais Lerem aos FiLhos em Noites de Luar, aMbar
que, para além de um enredo nomeado para a Lista de Honra Winnie-the-Pooh ocupava, num
cativante (de uma fantasia que do International Board on Books estudo recente, o 17.º lugar entre
nos remete para a reflexão), nos For Young People em 2002, com os 100 livros mais lidos no século
apresenta uma crítica velada à O Limpa-Palavras e outros Poemas. XX, calculando-se que, desde a
sociedade. Pode ser lido a diversos A preferência do P2 vai para Todos primeira edição, em 1926, tenham
níveis, conforme a idade da os Rapazes são Gatos (ilustração de sido vendidos cerca de 70 milhões
criança. Alain Corbel, edição da ASA) de exemplares.
A Menina do Mar, As Aventuras de Joanica-Puff, A Ilha do Tesouro, de R. L.
de Sophia de de A. A. Milne Stevenson
Mello Breyner Este livro, que narra as aventuras Esta extraordinária história
Andresen de Joanica-Puff, um certo Urso agarra o leitor pelo pescoço logo
Obra de uma Com Muito Pouco Miolo e seus na primeira frase e lança-o, sem
grande poeta amigos (Mocho, Inhon, Kanga, regresso, na vertigem da leitura.
que conheceu Coelho, Porquito, Trigue, etc.), é um é assim: “O sr. Trelawney, o Dr.
bem de perto a infância, pois teve clássico da literatura-ela-mesmo livesey e os outros cavalheiros
cinco filhos e para eles compôs (e não só da literatura infantil), um pediram-me que registasse, preto
a história. Tem uma grande dos melhores livros de sempre, no branco, todos os pormenores
beleza e simplicidade narrativa que pode ser lido muitas vezes, a respeito da Ilha do Tesouro,
e vocabular, partilhando com as como se fosse sempre a primeira, já tudo de cabo a
crianças o fascínio da autora pelo que “num clássico toda a releitura rabo, omitindo,
mar. Estabelece a ligação entre é uma primeira leitura, pois ele porém, os
dois mundos, o da terra e o do mar. nunca acaba de dizer o que tem elementos
a dizer” (Italo Calvino). Ninguém relativos
pode dar-se ao luxo de não ler à situação
Dos 10 aos 15 este livro, tenha a idade que tiver.
Houve uma altura em que eu e
geográfica da
ilha, porque
Álvaro Magalhães a minha mulher praticávamos permanece
religiosamente a leitura lenta e lá, ainda, uma parte do tesouro
Álvaro festiva de um capítulo por dia, em que ficou por desenterrar.”
Magalhães voz alta, com risos e comentários, Imperdível, pois. Trata-se de
nasceu no como medida profiláctica e de outro clássico que tem navegado
Porto e tem sanidade mental, também de calmamente pelo mar do tempo.
59 anos. resistência é intemporal o arquétipo das
Primeiro à tristeza e à histórias aventurosas da caça ao
livro para vulgaridade tesouro. Quando lemos a prosa
crianças: (um exercício irrepreensível de stevenson, onde
História com que recomendo nenhuma palavra ousa erguer a
Muitas Letras. Autor das colecções vivamente a cabeça e nada provoca erosão,
Triângulo Jota e Vampiros ou nem todos). Embora esquecemo-nos de que estamos
por Isso (Edições ASA). Grande não seja muito a ler, que é o melhor que pode
Prémio Calouste Gulbenkian apreciado por acontecer a qualquer leitor, já que
de Literatura para Crianças e cá, ao contrário deixa de o ser, passando a viver no
Jovens 2002 (modalidade de texto das incipientes mundo que aquele livro ergueu.
literário) para o livro Hipopóptimos versões que dele E lá vai ele também a caminho da
– Uma História de Amor. Foi fez a Disney, Ilha do Tesouro. c
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FUNDAÇÃO CASA DA MUSICA
Dos 0 aos 10 aqueles em relação aos quais
sentimos uma empatia especial”.
Por isso, quando, nas escolas,
Luísa Ducla Soares pedem à autora uma lista de livros,
Ducla Soares evita-as. “Ter à mão
Luísa Ducla uma grande variedade e poder
Soares nasceu escolher, de acordo com o próprio
em Lisboa, gosto, é fundamental.” Apesar
tem 71 anos disso, acedeu ao P2 e referiu
e mais de “algumas obras que considera
100 títulos importantes”.
publicados.
Recebeu o Lengalengas e
Prémio Calouste trava-línguas
Gulbenkian para o melhor livro de Existem
literatura infantil no biénio 1984- publicações de
1985 (Seis Histórias de Encantar) diversos autores
e o Grande Prémio Calouste portugueses.
Gulbenkian pelo conjunto da sua Têm a
obra em 1996. Foi seleccionada capacidade
como candidata portuguesa ao de conquistar as crianças,
Prémio Hans Christian Andersen ludicamente, para o interesse
em 2004. pela língua, descobrindo que ela
Da sua autoria, o P2 elege Se os pode tornar-se num jogo divertido,
Bichos se Vestissem como Gente susceptível de ser partilhado com
(ilustrações de Teresa Lima, edição colegas, amigos e familiares de
da Civilização Editora). A escritora diversas gerações. Desenvolvem
vai estar hoje em Setúbal, na livraria a imaginação, brincam com
Culsete, às 15h, a comemorar o Dia o nonsense, a musicalidade,
do Livro Infantil. desenvolvem a memória, pois são
Luísa Ducla Soares tem reflectido fixados com enorme facilidade.
“muito, ao longo do tempo” sobre
se deve ou não haver um cânone As Viagens
de livros de leitura imprescindível de Gulliver,
para crianças. E conclui que não. de Jonnathan
“Os livros são como os amigos: nem Swift
sempre os nossos melhores são Considero-o
aqueles que têm mais qualidades um livro
reconhecidas pelos adultos, são extraordinário,
3. A História Interminável, “A lista começava a ficar muito Meia Hora para Little Nemo in Slumberland (O agrada-me muito, não só pela
de Michael Ende extensa — e um pouco bizarra. Mas Mudar a Minha Pequeno Nemo no Reino dos parte artística, mas também no
bastian baltasar bux passava eu só podia escolher três livros... Vida, Alice Sonhos) (vol. I), de Winsor Mccay seu papel como ilustrador. Que
tardes inteiras diante de um livro, Esta é uma das selecções possíveis”. Vieira Qualquer pessoa teria a ganhar nome dar a alguém que ilustra
esquecido de tudo o que o rodeava “é um pouco a em conhecer esta obra. a bem e escreve? Escritor e ilustrador?
e sem se dar conta que estava Metamorfose, de Franz Kafka febre de uma da sua educação visual. Fiquei autor? Ele foi o primeiro a criar
com fome ou com frio. até que lhe Gregor samsa acorda um dia determinada impressionado quando conheci um livro sem barreiras. Juntou o
chegou às mãos o misterioso livro transformado em insecto. só época para o 1.º volume das tiras cómicas tipo de linguagem de um (escritor)
que conta a história que nunca entra em pânico quando se entrar noutra”, de Winsor Mccay. E mais ainda e de outro (ilustrador). Não era
acaba. Ele vai descobrir, ao longo dá conta de que vai faltar ao diz a autora quando soube que tinham sido possível este livro nascer de duas
de uma sofisticada aventura, emprego. Numa linguagem sobre a fase da vida retratada editadas pela primeira vez em pessoas. é também por isso que
que o real e simples e “objectiva”, que neste livro. Qualquer um dos 1905 (no jornal New York herald), onde Vivem os monstros marca
o imaginário intensifica o fascínio horrorizado romances juvenis de alice uma série que se manteve até a diferença. O protagonista nem
não são coisas dos leitores, Kafka explora o vieira, desde o primeiro, rosa, 1926. O autor inovou no domínio aparece na capa. Ele mudou
distintas ou absurdo e as consequências desta minha irmã rosa, pode ser lido da técnica e das as regras até na composição,
separadas, transformação com proveito e com prazer por cores, impôs-se, introduziu uma sequência de
mas as duas — as reacções pessoas de todas as idades. Este, resistiu e foi um páginas sem texto e sente-se
metades de dos que o sobre branca, uma adolescente êxito. a própria que a história ali não precisa das
uma totalidade rodeiam; a que não conhece o pai até aos 16 estrutura palavras. só mesmo um ilustrador
mágica. Um dificuldade anos e é criada no meio do teatro da narrativa poderia pensar assim. a aceitação
mundo ampara de aceitar (amador), retrata várias formas tornou-se, de de onde Vivem os monstros não foi
o outro, porque a rejeição de ser família e aponta para a certa maneira, pacífica por parte dos adultos, mas
nenhum deles pode sobreviver da sua nova possibilidade de mudança. O precursora de as crianças foram à procura do
por si. se Fantasia morrer, identidade humor habitual de alice vieira uma diferente forma de contar. livro. ainda bem.
também o nosso mundo, a que física, mais ameniza uma história sombria, ainda que algo perturbadoras,
chamamos real, sucumbirá. Não do que ela própria; e até mesmo estruturada de uma forma que com sonhos fantásticos e surreais, Ponctuation, Kveta Pacovská
e
será imprescindível este livro, os problemas práticos com realça a surpresa do desenlace. as histórias nunca perdem o O livro como obra de arte. Neste
mas é muito difícil resistir-lhe. que se depara uma pessoa branca nasceu “entre aplausos” humor. a proximidade temporal ou em qualquer livro de Kveta
Qualquer jovem leitor se rende a transformada em insecto gigante e a sua criadora merece uma de outros autores fez com que o Pacovská, há uma mistura de
ele e se fecha num qualquer lugar num espaço concebido para ovação. universo de Mccay rivalizasse ilustração, design e escultura.
para o poder ler sem interrupções corpos humanos. lida num com ambientes como o do algo muito táctil e artístico. as
Para ver
ou entraves, tal como faz bastian, período de transformações e de Feiticeiro de oz e da alice no país novas formas tecnológicas de
apenas desejando, a cada página crises de identidade, esta obra- das maravilhas. No entanto, a produção de livros abrem muitas
antes dos 18
que passa, que aquele livro não prima magistral terá um enorme conjugação do seu estilo artístico possibilidades, mas há algo de
acabe nunca e seja, como o seu impacto e nunca mais será com a abordagem inovadora insubstituível nestas criações. a
título promete, interminável. esquecida. Ou seja, é para todas dos temas fez dele (também) um obra tem de
Querem melhor? as idades. André Letria clássico. a tira cómica passou a ser sentida,
ser outra coisa. E o pequeno Nemo fica sempre a
O Estranho Caso do Cão Morto, de André Letria continua a cair da cama abaixo vontade de tocar
Dos 15 aos 18 Mark Haddon
a síndrome de asperger de que
nasceu em
Lisboa e tem
quando acorda. no objecto livro.
Kveta Pacovská,
Ana Saldanha sofre o narrador, Christopher, 38 anos. Onde Vivem os Monstros, quando cria,
é um achado estilístico que Já ilustrou de Maurice Sendak também tem a
Ana Saldanha permite contar a história através livros de Impressiona pela estética e capacidade de
nasceu no de um olhar inúmeros pelo conteúdo. aquele aspecto quebrar regras,
Porto e tem despido das autores de cru e assustador conquistou- ser abstracta e manter uma série
52 anos. aprendizagens literatura para me logo. E é um universo que de pontos de contacto com as artes
Doutorou- da socialização. a infância. Em 1999, ganhou o fascina as crianças. O medo e a plásticas. Com ela, a ilustração é
se na Christopher é o Prémio Nacional de Ilustração ansiedade fazem parte do seu seguramente uma forma de arte
Universidade detective ideal, com o livro Versos de Fazer mundo. sentem-se atraídas pelo ao nível das outras. é a Kveta
de Glasgow um sherlock Ó-Ó, texto de José Jorge Letria. conteúdo sombrio do livro e pela Pacovská que se atribui a frase: “O
com uma tese Holmes de 15 Tem visto os seus trabalhos exploração do livro ilustrado é a primeira galeria
sobre Rudyard Kipling e a sua obra anos que usa os seleccionados para a Ilustrarte subconsciente de arte que uma criança visita.”
infantil. Obteve menção honrosa do seus poderes (Bienal Internacional de Ilustração infantil, com as Não queria deixar de falar num
Prémio Adolfo Simões Müller com de observação para a Infância) e faz parte da preocupações “quarto” livro, a mostrar como há
Três Semanas com a Avó (Verbo), e de dedução para descobrir o organização do encontro Farol próprias de lugar para novas ideias em que a
o Prémio Cidade de Almada com assassino do cão do vizinho. ao de Sonhos (Rumos e Luzes quem está a técnica digital tem bastante peso.
Círculo Imperfeito (Presença) e foi longo deste processo, confirma para o Livro Infantil Ilustrado). crescer. Não Trata-se da adaptação do clássico
finalista do Prémio UNESCO de que a vida, tal como os números Criou a editora Pato Lógico e vale a pena criar só mundos cor- robinson Crusoe por ajubel
Literatura Infantil e Juvenil em primos, é lógica, mas tem regras vai estrear-se este ano na edição de-rosa, os miúdos têm resistência apenas em imagens (editado pela
Prol da Tolerância (1997). No ano impossíveis de determinar. é de livros digitais. A série Foxy & e capacidade para ultrapassar Mediavaca). Um exemplo feliz de
passado, a Biblioteca Internacional um livro de leitura fácil, um dos Meg é um dos seus trabalhos que os medos. Os livros podem contar um clássico com requinte. E
da Juventude de Munique exemplos de ficção crossover. preferimos. ajudar nisso. Maurice sendak sem texto.
seleccionou obras da autora para a
Feira do Livro Infantil e Juvenil de
Bolonha. Escreve preferencialmente
para adolescentes e jovens e a
sua colecção mais recente, Ana
Saldanha, vai em cinco títulos.
De entre as muitos livros
publicados, o maior aplauso do
P2 vai para Escrito na Parede
(Caminho).
Para responder a este desafio,
a autora pediu a várias pessoas,
“nomeadamente com 16 anos
e outras mais velhas”, que
recomendassem três livros.
“Algumas não sugeriram nenhum
título (“Três?! Só três?”, “Não gosto
de listas”, “Assim, de repente,
não me lembro de nada”). Outras
lembraram-se dos suspeitos do
costume: policiais, bestsellers, do
momento, clássicos, dos programas
escolares. Duas ou três fizeram-
me ir às estantes procurar livros
lidos há muito tempo e quase
esquecidos, como Esteiros e os
romances de Erico Veríssimo.
Tive ainda uma grande surpresa.
“Adorei, até sonhava com ele”,
disse a minha sobrinha Isabel sobre
O Quinto Filho, de Doris Lessing,
lido aos 15 anos”, revela a escritora.