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Revista História Hoje
Ensino da História da África
e da Cultura Afro-brasileira
ANPUH - Brasil

Diretoria Nacional • ANPUH - Brasil • GESTÃO 2011-2013
Presidente: Benito Bisso Schmidt – UFRGS
Vice-Presidente: Margarida Maria Dias de Oliveira – UFRN
Secretário Geral: Angelo Aparecido Priori – UEM
1o
Secretário: Antonio Celso Ferreira – UNESP
2o
Secretário: Carlos Augusto Lima Ferreira – UEFS
1o
Tesoureiro: Francisco Carlos Palomanes Martinho – USP
2o
Tesoureiro: Eudes Fernando Leite – UFGD
Editoria da Revista Brasileira de História: Marieta Moraes Ferreira – UFRJ/FGV
Editoria da Revista História Hoje: Patrícia Melo Sampaio – UFAM
Conselho Consultivo • ANPUH - Brasil
Almir Félix Batista de Oliveira – ANPUH-RN
Altemar da Costa Muniz – ANPUH-CE
Áurea da Paz Pinheiro – ANPUH-PI
Braz Batista Vas – ANPUH-TO
Célia Costa Cardoso – ANPUH-SE
Célia Tavares – ANPUH-RJ
Élio Chaves Flores – ANPUH-PB
Eurelino Coelho – ANPUH-BA
Hélio Sochodolak – ANPUH-PR
Hideraldo Lima da Costa – ANPUH-AM
Jaime de Almeida – ANPUH-DF
João Batista Bitencourt – ANPUH-MA
Julio Bentivoglio – ANPUH-ES
Luís Augusto Ebling Farinatti – ANPUH-RS
Luzia Margareth Rago – ANPUH-SP
Marcília Gama – ANPUH-PE
Maria da Conceição Silva – ANPUH-GO
Maria de Nazaré dos Santos Sarges – ANPUH-PA
Maria Teresa Santos Cunha – ANPUH-SC
Neimar Machado de Sousa – ANPUH-MS
Ronaldo Pereira de Jesus – ANPUH-MG
Sérgio Onofre Seixas de Araújo – ANPUH-AL
Thereza Martha Borge Presotti Guimarães – ANPUH-MT
Representante da ANPUH/Brasil no
Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ)
Ismênia de Lima Martins - UFF (Titular)
Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira - UERJ (Suplente)
Revisão: Armando Olivetti
Diagramação: Flavio Peralta (Estúdio O.L.M.)

Revista História Hoje
Ensino da História da África
e da Cultura Afro-brasileira

Revista História Hoje nº 1 • Biênio: Agosto de 2011 a Julho de 2013
Editora Responsável
Patrícia Melo Sampaio – UFAM
Conselho Editorial da RHHJ
Andréa Ferreira Delgado – UFSC
Ângela Maria de Castro Gomes – UFF
Circe Maria Fernandes Bittencourt – USP
Dilton Cândido Santos Maynard – UFSE
Eduardo França Paiva – UFMG
Flávia Eloisa Caimi – UFPF
José Miguel Arias Neto – UEL
Josenildo de Jesus Pereira – UFMA
Keila Grinberg – UNIRIO
Luiz Carlos Villalta – UFMG
Marcelo de Souza Magalhães – UNIRIO
Mauro Cézar Coelho – UFPA
Mônica Lima e Souza – UFRJ
Nilton Mullet Pereira – UFRGS
Susane Rodrigues de Oliveira – UnB
Conselho consultivo da RHHJ
Ana Livia Bomfim Vieira – ANPUH-MA
Antonio Jacó Brand – ANPUH-MS
Carla Mary da Silva Oliveira – ANPUH-PB
Chrislene Carvalho dos Santos – ANPUH-CE
Claudira do Socorro Cirino Cardoso – ANPUH-RS
Cristiano Pereira Alencar Arrais – ANPUH-GO
Franciane Gama Lacerda – ANPUH-PA
James Roberto Silva – ANPUH-AM
Janete Ruiz de Macedo – ANPUH-BA
José Antonio Vasconcelos – ANPUH-SP
Laurindo Mékie Pereira – ANPUH-MG
Marcelo Balaban – ANPUH-DF
Marcos Silva – ANPUH-SE
Osvaldo Batista Acioly Maciel – ANPUH-AL
Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes – ANPUH-SC
Yonissa Marmitt Wadi – ANPUH-PR
Secretária da RHHJ
Paula Dantas – UFAM
Endereço na Web: http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index
Email: rhhjsecretaria@anpuh.org e rhhjeditor@anpuh.org
A Revista História Hoje publica artigos relacionados à temática de História e Ensino com a
finalidade de promover a divulgação de reflexões, projetos e experiências nesta área e também criar
um espaço institucional de debate relativo aos campos de trabalho dos profissionais de História.

Sumário
Apresentação 7
Dossiê: Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira
Apresentação • Dossiê 13
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África 17
Marina de Mello e Souza
Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade
e o ensino de História da África nas escolas brasileiras 29
Anderson Ribeiro Oliva
Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil 45
Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho
Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais 61
Verena Alberti
O ensino de história entre o dever de memória e o direito à história 89
Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza
“Por uma autêntica democracia racial!”:
os movimentos negros nas escolas e nos currículos de história 111
Amilcar Araujo Pereira
Entrevista
Mônica Lima e Souza 131
Martha Abreu e Silvio de Almeida Carvalho Filho
Artigos
Reflexões sobre o ensino colonial em África: trajetórias
da instituição escolar no antigo Sudão (1889-1952) 139
Patricia Teixeira Santos
As bandas de congo mirins: ensino popular e
vivência de cultura afro-brasileira na Serra (ES) 157
Michel Dal Col Costa

Contribuições do Movimento Negro e das teorias críticas do
currículo para a construção da educação das relações étnico-raciais 179
Richard Christian Pinto dos Santos e Grace Kelly Silva Sobral Souza
Diásporas e comunidades quilombolas: perspectivas metodológicas
para o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira 193
Maria Walburga dos Santos e Ana Cristina Juvenal da Cruz
Para construir outro olhar: notas sobre o ensino
de história e cultura africanas e afro-brasileiras 217
Hilton Costa
Um olhar sobre a historiografia africana e afro-brasileira 239
Luciano Everton Costa Teles
Espaço cibernético, cibercultura e pesquisa acadêmica 253
Marcos Silva
Falando de História Hoje
Currículos de História e expectativas de aprendizagem
para os anos finais do ensino fundamental no Brasil (2007-2012) 269
Margarida Oliveira e Itamar Freitas
E-storia
E-storia 307
Dilton C. S. Maynard e Marcos Silva
História Hoje na sala de aula
Detetives do passado no mundo do futuro:
divulgação científica, ensino de História e internet 315
Keila Grinberg e Anita Almeida
Resenhas
Historiografia e Nação no Brasil – um clássico e suas possibilidades,
da gênese da historiografia ao lugar da História Ensinada nos dias de hoje 329
Mauro Cezar Coelho
Oficina da história no ciberespaço 335
Anita Lucchesi

7
Apresentação
A revista História Hoje inicia uma nova fase com a publicação do núme-
ro 1 desta série. Em julho de 2011, retomando discussões e anseios que mar-
caram sua criação em 2003, o Conselho Editorial assumiu a tarefa de revitali-
zar o periódico, adotando a temática “História e Ensino” como estrutura de
sua linha editorial. Para isso, investiu na publicação de Dossiês Temáticos,
reviu a periodicidade da revista, agora semestral, e criou novas seções para a
RHHJ – “História Hoje na Sala de Aula”, “E-Storia” e “Falando de História
Hoje”, com a finalidade de manter canais de diálogo permanentes com pro-
fessores e pesquisadores, discutindo e compartilhando experiências. Por fim,
a migração para a base OJS/SEER, ao garantir acesso amplo e maior qualidade
editorial, completa este momento significativo na institucionalização da RHHJ
na Anpuh/Brasil, no momento em que completamos 50 anos.
Neste número, abrimos com o Dossiê “Ensino da História da África e
da Cultura Afro-brasileira”, organizado por Martha Campos Abreu e Silvio
de Almeida Carvalho Filho. Ele reúne autores com experiências ricas e subs-
tantivas para refletir sobre as conquistas e desafios decorrentes da implantação
das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. O resultado, como se verá, é extraordiná-
rio! Participam dele Marina de Mello e Souza (“Algumas impressões e suges-
tões sobre o ensino de história da África”), Anderson Ribeiro Oliva (“Entre
máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da
África nas escolas brasileiras”), Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho
(“Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil”), Vere-
na Alberti (“Proposta de material didático para a história das relações étnico-
-raciais”), Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza (“O ensino de história
entre o dever de memória e o direito à história”) e Amilcar Araujo Pereira
(“‘Por uma autêntica democracia racial!’: os movimentos negros nas escolas e
7Junho de 2012
8
Apresentação
nos currículos de história”). Lidos em conjunto, os artigos apresentam um
retrato vívido da diversidade do campo, de seu notável vigor e dos inúmeros
enfrentamentos que ainda se colocam diante de nós, profissionais de História.
Todas essas dimensões ganham perspectiva renovada na emocionante entre-
vista de Mônica Lima e Souza, também conduzida pelos organizadores do
Dossiê.
Entre os Artigos, o de Patricia Teixeira Santos nos permite acompanhar
as experiências do cotidiano escolar no Sudão contemporâneo, enquanto o de
Michel Dal Col Costa ilumina a sonoridade e o colorido das vivências das
crianças capixabas envolvidas nas bandas de congo mirins. A preocupação com
a articulação entre produção historiográfica, construção curricular, cultura
histórica e saberes escolares dão o tom dos textos de Richard Christian Pinto
dos Santos e Grace Kelly Silva Sobral Souza, de Maria Walburga dos Santos e
Ana Cristina Juvenal da Cruz, de Hilton Costa e de Luciano Everton Costa
Teles. As reflexões produzidas nos convidam ao debate e também à análise das
diferentes possibilidades que as experiências de ensino e de pesquisa têm re-
velado. Por fim, Marcos Silva nos coloca diante de questões contemporâneas
quando se debruça sobre o impacto e as possibilidades de uso da cibercultura
nas práticas pedagógicas.
Falando de História Hoje é um espaço dedicado a reflexões e debates de
temas do nosso tempo. O artigo de Margarida Oliveira e Itamar Freitas traz
uma leitura de peso para um problema candente: a questão dos currículos de
História. Os autores apresentam os resultados de uma pesquisa que examinou
currículos de História em 18 estados brasileiros entre 2007 e 2012 com a fina-
lidade de conhecer o que se tem pretendido ensinar, como podemos intervir
e o que ainda não sabemos sobre essa questão.
E-Storia é uma seção que nasceu com espírito inovador. Dilton Cândido
Santos Maynard e Marcos Silva, seus organizadores, partiram da imensa gama
de possibilidades abertas pelas novas tecnologias da informação para oferecer
aos leitores da RHHJ, a cada edição, em lugar de uma listagem de endereços
eletrônicos, a indicação de novos ambientes no mundo virtual que sirvam de
inspiração e de estímulo. Na mesma direção, Keila Grinberg e Anita Almeida
inauguram a seção História Hoje na Sala de Aula com os “Detetives do Pas-
sado”, uma estimulante iniciativa, detalhada no texto que reuniu temas como
Revista História Hoje, vol. 1, nº 18
99
Apresentação
divulgação científica, ensino de História e o impacto da internet no nosso
trabalho.
Na seção Resenhas, Mauro Cezar Coelho faz uma incursão instigante na
obra de Manoel Luiz Salgado Guimarães, Historiografia e Nação no Brasil
(1838-1857), enquanto Anita Lucchesi analisa o livro Escritos sobre história e
internet, de Dilton C. S. Maynard.
Deixo registrado o entusiasmo, o comprometimento e o espírito de tra-
balho coletivo dos membros do Conselho Editorial para que pudéssemos che-
gar até aqui. Todo nosso empenho é fazer que a revista História Hoje se trans-
forme em uma referência nas discussões da área, abrangendo dimensões do
Ensino da História nos níveis Fundamental, Médio e Superior e consolidando-
-se como espaço efetivo de circulação e compartilhamento de ideias e expe-
riências acerca de um dos nossos mais importantes compromissos: a formação
de gerações empenhadas em um ideal de cidadania, pautadas pelo respeito à
diferença, pela valorização da diversidade e por uma compreensão crítica sobre
o tempo que passa.
A revista História Hoje convoca os historiadores a interagirem com a
sociedade em que vivem, a atuarem positivamente sobre o presente, a eviden-
ciarem a relevância da reflexão sobre o passado em um dos mais nobres cam-
pos de atuação, a Educação e seus desdobramentos. Pois, ao fim e ao cabo, ela
é a nossa mais importante trincheira.
Patrícia Melo Sampaio
Editora (2011/2013)
Junho de 2012

11

13
Apresentação
Com enorme orgulho, apresentamos ao público o dossiê “Ensino da
História da África e da Cultura Afro-brasileira”, elaborado por especialistas,
professores e pesquisadores da área. Nosso objetivo foi reunir trabalhos que
discutissem as conquistas resultantes da implantação da obrigatoriedade le-
gal do estudo da História da África e do Negro no Brasil, assim como os li-
mites, problemas e desafios com que se defrontam os profissionais de edu-
cação que assumem tão importante tarefa. Mas, em meio a muitas
dificuldades enfrentadas pelos professores – dentre elas a insuficiência de
formação teórica e prática, a oposição de familiares e setores sociais, a carên-
cia de recursos pedagógicos para aprofundamento da temática –, é evidente
que a Lei 10.639/2003, modificada pela Lei 11.645/2008, vem sendo implan-
tada e, hoje, podemos acompanhar diversas experiências positivas em várias
unidades escolares espalhadas pelo Brasil. Sem dúvida, os visíveis esforços
nesse sentido contribuem significativamente para a construção de uma so-
ciedade brasileira mais justa e mais livre dos preconceitos e discriminações
que sempre acompanharam as visões sobre o africano e seus descendentes
na Diáspora. Nosso dossiê visa também oferecer aos leitores, especialmente
aos educadores e aos interessados em geral, caminhos de trabalhos pedagó-
gicos e reflexões teóricas no que diz respeito ao “Ensino da História da Áfri-
ca e da Cultura Afro-brasileira”.
Marina de Mello e Souza escreve “Algumas impressões e sugestões sobre
o ensino de história da África” com base em sua experiência na formação de
professores e como autora de livro de referência sobre o assunto. Oferece um
balanço sobre as possibilidades de acesso a conhecimentos a respeito da Áfri-
ca, inclusive no que se refere às fontes orais, e, ao mesmo tempo, discute as
inúmeras dificuldades e os preconceitos enfrentados pelos docentes que se
13Junho de 2012
14
Apresentação • Dossiê
envolvem com o ensino de temas afro-brasileiros. A autora, fundamentalmen-
te, procura compreender as razões históricas e ideológicas desses empecilhos,
base fundamental para sua superação.
Discutir a importância de se refletir sobre a identidade brasileira para se
assegurar um currículo que contemple a História da África no Brasil consti-
tui um questionamento central no artigo de Anderson Ribeiro Oliva, “Entre
máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da
África nas escolas brasileiras”. O autor, a partir das contribuições trazidas
pelas reflexões sobre multiculturalismo, culturas híbridas, identidades plurais
e parciais, afirma a necessidade de se reconhecer, no ambiente escolar e em
seus currículos, as múltiplas identidades obscurecidas por uma nacional, pre-
tensamente homogênea e exclusiva. Em sua opinião, nossas escolas ainda
desconhecem os traços culturais específicos de determinadas comunidades
de alunos, impondo-se um discurso oficial da Identidade Nacional. Não ha-
verá, para Oliva, um espaço criativo e transformador para uma História da
África nos currículos se não tivermos, como suporte, uma prática de respei-
to e valorização da diversidade identitária dos nossos discentes, componente
curricular importante não só para os afrodescendentes, como para aqueles
que não o são, pois a maneira como se enfrenta a alteridade também trans-
forma os sujeitos.
Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho oferecem um sincero e ins-
tigante retrospecto de suas motivações e opções ao escreverem Uma História
do Negro no Brasil. Ao ler o artigo, refletimos sobre as conquistas e desafios
colocados aos profissionais de História com as Diretrizes Curriculares para a
Educação das Relações Étnico-raciais da Lei 10.639/2003. Dentre os caminhos
oferecidos pelos autores, destaca-se a valorização do protagonismo dos africa-
nos e seus descendentes no contexto cultural, para além do mundo do trabalho
e da escravidão. Essa perspectiva torna-se uma importante estratégia para o
combate ao racismo e para a superação de antigas representações sobre a pre-
sença negra na sociedade brasileira.
Brindando-nos com diretrizes e sugestões para a elaboração de materiais
didáticos sobre a história das relações raciais no Brasil, Verena Alberti em
“Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais”
considera especialmente sua disponibilização na rede virtual. Sua prioridade
14 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1
15
Apresentação • Dossiê
é apontar caminhos para que o aluno possa refletir historicamente, ou, em
sua própria expressão, para que aprenda a conhecer o passado como forma
de se ‘alfabetizar’ na ‘leitura do mundo’. Entre as questões tratadas, destacam-
-se a implantação do trabalho escravo indígena e africano, a generalização
dos termos ‘índio’ e ‘negro’, o uso das biografias de africanos e seus descen-
dentes, as lutas pelo fim da escravidão, a importância das noções de ‘raça
social’ e etnia ou da dimensão ‘cor’ no Brasil e a atuação dos movimentos
negros e indígenas.
Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza, com o artigo “O ensino de
história entre o dever de memória e o direito à história”, apresentam o impac-
to da Lei 10.639/2003 no sistema de ensino brasileiro. Principalmente a partir
das possibilidades de trabalho em sala de aula com as manifestações culturais
de congadas e reisados, procuram oferecer subsídios para as discussões sobre
a cultura afro-brasileira e identidades no ensino de História. Uma ótima su-
gestão dos autores é o uso de práticas iniciais de história oral, propondo rodas
de conversa e entrevistas com diferentes sujeitos envolvidos em práticas e ma-
nifestações culturais afro-brasileiras.
Completando o conjunto, o texto “‘Por uma autêntica democracia racial!’:
os movimentos negros nas escolas e nos currículos de história”, de Amilcar
Araujo Pereira, oferece subsídios para que se possam compreender historica-
mente os movimentos negros no Brasil e os motivos para que essa problemá-
tica não tenha sido ainda contada nos bancos escolares. Tema fundamental
para ser tratado no ensino de História, permite que o professor se afaste de
imagens preconceituosas, amplamente difundidas nos livros didáticos, sobre
escravos passivos e vitimizados. Dentre as principais e mais antigas reivindi-
cações dos movimentos negros, destaca-se exatamente a luta pela reavaliação
do papel do afrodescendente na história do Brasil.
Acreditamos que o presente dossiê será de grande valia para dar continui-
dade à efetiva implantação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, pois sabemos
que uma legislação educacional é vivida no cotidiano escolar de formas dife-
renciadas, de acordo com os docentes que a aplicam, mas que destes se exige
reflexão para que tenham condições objetivas e subjetivas de praticá-la. Acom-
panhando este Dossiê, a seção Entrevista da Revista História Hoje traz neste
número um empolgante depoimento da historiadora Mônica Lima, reconhe-
cida referência na área de pesquisa e ensino de História da África.
Junho de 2012 15

16
Enfim, não podemos deixar de louvar a preocupação da revista História
Hoje em nos oferecer a oportunidade de organizar este dossiê, permitindo aos
pesquisadores a divulgação de suas reflexões críticas e, a seus leitores e ao
público em geral, possibilidades de transformação de nossa identidade brasi-
leira. Nossos agradecimentos.
E, agora, mãos à obra!
Martha Campos Abreu
Silvio de Almeida Carvalho Filho
16 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1
Apresentação • Dossiê
Algumas impressões e sugestões
sobre o ensino de história da África
Some impressions and suggestions
on teaching African history
Marina de Mello e Souza*
Resumo
Com base na experiência como professo-
ra de história da África e no contato com
professores de níveis diversos, indico al-
guns problemas referentes ao ensino de
história da África e, secundariamente,
cultura afro-brasileira, e proponho for-
mas de o professor abordar o tema e
aprimorar seu domínio sobre a área.
Palavras-chave: ensino de história da
África; pesquisa de história da África;
vencendo preconceitos.
Abstract
From my experience as a teacher of Af-
rican history and the contact with
teachers working in different levels, I
point out some problems concerning
teaching African history and, second-
arily, afro-Brazilian culture, and I sug-
gest ways that can help teachers to ap-
proach the subject and to enhance their
knowledge about this area.
Keywords: teaching of African history;
researching African history; struggling
against prejudices.
Quase dez anos após a promulgação da Lei 10.639, que regulamentou a
obrigatoriedade do ensino de história da África e cultura afro-brasileira nas
escolas de nível fundamental e médio, o tema ainda é polêmico e a lei não é
plenamente aplicada. Como o assunto é dos mais delicados, envolvendo ques-
tões centrais na construção da nacionalidade e identidade brasileiras no que
diz respeito às formas como as heranças africanas e escravistas deixaram suas
marcas, essas dificuldades são compreensíveis. Inserirmos as formas de abor-
dar as contribuições africanas nos processos históricos e nos contextos que as
conformaram da maneira como se apresentam hoje é condição para que en-
tendamos melhor como lidamos com elas. E é assim que têm agido os interes-
sados no assunto que o abordam com mais seriedade, considerando as noções
* Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade
de São Paulo (FFLCH/USP). Av. Prof. Lineu Prestes, 338. 05508-000 – São Paulo – SP – Brasil.
marinamsouza@usp.br
Revista História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 17-28 - 2012
Marina de Mello e Souza
18 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1
evolucionistas e da ideologia do branqueamento em vigor no final do século
XIX e início do XX, os conflitos e contradições presentes na consolidação de
uma jovem nação que buscava se integrar no mundo ocidental de acordo com
os valores dele emanados, as soluções encontradas por intelectuais e políticos
para afirmar uma identidade própria, mestiça, agregadora e inimiga de confli-
tos abertos, e as várias maneiras, em diferentes momentos, pelas quais mili-
tantes negros propuseram que a segregação racial fosse tratada, em termos não
só teóricos mas também práticos.
O meu ingresso no terreno do ensino de história da África e cultura afro-
-brasileira deu-se a partir do momento em que me tornei professora de histó-
ria da África, em 2001, e principalmente depois de ter escrito um livro paradi-
dático, África e Brasil africano, cuja primeira edição é de 2006, portanto
derivado da minha prática e não de um projeto prévio. Desde então criamos
um novo curso no Departamento de História da Universidade de São Paulo
(USP), voltado para ajudar futuros professores a cumprirem as demandas da
Lei 10.639, e passei a dar palestras e visitar escolas em vários lugares do Brasil
para apresentar o livro e conversar com professores sobre o ensino dos temas
ali contidos. Essas experiências, ligadas à academia e ao ensino fundamental e
médio, permitiram-me conhecer ações e situações diversas.
É nítido que nos últimos anos, a despeito das dificuldades e, em muitos
casos, da falta de empenho daqueles que deveriam estar à frente dos processos
de implantação da lei, os temas ligados à cultura afro-brasileira e à África ga-
nharam espaço nas reflexões e ações dos educadores. Isso pode ser constatado
pela proliferação dos cursos de formação de professores voltados para o assun-
to, por meio da produção de material didático, elaboração de sites e publicação
de literatura infanto-juvenil e adulta. O que não quer dizer que estejamos em
céu de brigadeiro, pois parte do material didático apresenta problemas signi-
ficativos quanto à forma como os temas são apresentados, muitas vezes refor-
çando estereótipos e frequentemente demonstrando um conhecimento muito
precário no que diz respeito à história da África. Com relação aos cursos de
formação tenho menos conhecimento. Esse quadro é resultado de anos de
desatenção aliada à súbita valorização do assunto e às demandas não só edu-
cacionais como também de mercado, mas pode ser alterado de forma positiva
com o tempo e atitudes adequadas.
Junho de 2012 19
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
Olhando para minha própria experiência, entendo que o mais importan-
te para avançarmos de forma adequada no sentido de produzir e transmitir
um conhecimento de qualidade é trazermos para primeiro plano a necessida-
de de estudo e pesquisa. Sem eles, não há como alcançar e transmitir conheci-
mentos de qualidade. Se esses requisitos são mais fáceis de alcançar quando
estamos inseridos no meio universitário (e mesmo nele, nem sempre), eles
devem ser estendidos para todos os níveis da educação, pois sem formação
adequada e tempo para estudo permanente fica difícil ser um professor dinâ-
mico, atualizado, com capacidade não só de transmitir informações corretas
como de captar a atenção dos alunos, num mundo cada vez mais cheio de
estímulos interessantes e absorventes. E se já é difícil manter-se atualizado com
relação a temas há muito explorados, a dificuldade aumenta quanto tratamos
de assuntos estigmatizados, permeados de preconceitos e, por isso mesmo,
postos à margem.
No que diz respeito ao ensino de história, as universidades são a principal
instância formadora de professores e há nelas um aumento da atenção dada à
África que pode ser medido pelo número de concursos que são abertos nessa
área. Entretanto, mesmo nesse âmbito, que podemos considerar pioneiro, per-
cebemos a dificuldade no estabelecimento de estudos africanos, seja por esta-
rem frequentemente diluídos nos estudos sobre tráfico e escravidão, seja pela
dificuldade em preencher os postos abertos, na medida em que muitos con-
cursos não aprovam nenhum candidato. Passando para o ensino fundamental
e médio, ao lado das exceções representadas por experiências bem-sucedidas,
multiplicam-se os depoimentos de professores que, para atender à lei ou por
interesse particular, propõem medidas às coordenações das escolas nas quais
dão aulas, sem serem ouvidos. As ações tomadas nesse sentido ficam, então,
geralmente restritas às iniciativas pontuais e individuais, que além de não te-
rem apoio institucional muitas vezes são mal vistas pelos colegas e superiores.
Em tese defendida no Departamento de Antropologia da USP, Raquel Bakke
chamou de “pedagogia do evento” uma situação também recorrente, na qual
são desenvolvidas atividades relacionadas a datas específicas como o Dia da
Consciência Negra ou celebrações em torno do dia 13 de maio, sem nenhum
desdobramento posterior.1
Há ainda a situação na qual são tomadas iniciativas no sentido de promo-
ver estudos sobre a África e a cultura afro-brasileira, mas o despreparo ou os
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 120
interesses políticos dos agentes levam a que o enfoque adotado e os conteúdos
transmitidos careçam de consistência ou mesmo veiculem informações erra-
das. Nesse sentido, não é raro encontrarmos material didático, tanto para su-
porte de cursos de formação quanto para ser usado em aula, cheio de erros
grosseiros, principalmente quanto se trata de história da África, ou de parti-
darismos ideológicos resultantes de uma dada militância, principalmente
quando aborda temas relativos à cultura afro-brasileira. A despeito desses pro-
blemas, característicos de uma área em processo de constituição e permeada
de questões ideológicas, não se pode jogar a criança fora com a água do banho.
O importante é que os problemas sejam detectados com acuidade cada vez
maior e os desvios sejam corrigidos: e pelo que percebo isso vem sendo feito
com o aprimoramento e a disseminação do conhecimento sobre assuntos afri-
canos e o desnudamento dos preconceitos que envolvem o tratamento de te-
mas afro-brasileiros.
O aprimoramento do conhecimento acerca da história da África pode ser
medido pelo aumento de traduções para o português de textos importantes
para a área e da publicação de trabalhos produzidos por estudiosos brasileiros,
na maior parte das vezes vinculados a programas de pós-graduação.2
A disse-
minação desse conhecimento produzido na esfera acadêmica deve ser alcan-
çada com a sua articulação com outros níveis de ensino, revistas de divulgação,
programas ligados a mídias audiovisuais, cursos de curta duração e outras
formas de levar para fora dos limites da universidade o conhecimento ali pro-
duzido. Na medida em que essa articulação ganhe força, será possível garantir
um ensino de qualidade com menos margem de erro, tanto no que diz respei-
to à produção de material didático quanto no que se refere às aulas nos diver-
sos níveis e cursos de formação de professores. E pelo que vemos, esse proces-
so está em curso, mesmo que com menor velocidade e abrangência do que
seria ideal.
Quando nos voltamos para os segmentos menos favorecidos, que frequen-
tam as escolas públicas, nas quais as condições de trabalho são na maior parte
das vezes bastante precárias, há uma variável importante que, conforme vários
relatos, tem prejudicado a implantação do estudo de temas africanos e afro-
-brasileiros. Ela diz respeito à resistência, e mesmo oposição aberta, dos adep-
tos de religiões evangélicas quanto ao ensino de cultura afro-brasileira. São
vários os depoimentos relativos à dificuldade de abordar assuntos relativos à
Junho de 2012 21
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
religiosidade africana ou afro-brasileira na presença desses grupos, os quais se
recusam a tratar do assunto, quando não partem para a ofensiva diante do que
entendem serem seitas diabólicas.
Esse tema foi abordado com vagar na já mencionada tese de Raquel Bakke.
Por meio de uma pesquisa de campo a autora constatou que a esfera religiosa
é a preferencialmente eleita pelos professores e programas de cursos para abor-
dar a cultura afro-brasileira. De acordo com sua análise há um processo de
transformação da religião em cultura, com aquela assumindo a totalidade da
expressão desta. Isso estaria ligado à elevação do candomblé como símbolo
máximo da identidade afro-brasileira e à sua associação com a ideia de resis-
tência negra na construção de identidades. Como o ensino de temas afro-
-brasileiros estaria intimamente vinculado a uma posição política, a religião,
como espaço maior de resistência, seria privilegiada como tema. Dessa forma,
aumentaria a dificuldade da implantação real da Lei 10.639, pois são justamen-
te os temas ligados às religiosidades afro-brasileiras os que encontram maior
resistência junto a professores e alunos, principalmente se a presença de evan-
gélicos for significativa. Esse mecanismo recorrente seria, no seu entender, um
fator, entre outros, da dificuldade de execução das recomendações da lei. Dian-
te do quadro descrito pela autora, me parece que um caminho para contornar
essa dificuldade seria mudar o foco de interesse principal para outra esfera,
que não a religiosa, e dessa forma introduzir conhecimentos que permitissem
a construção de uma relação respeitosa com a alteridade representada pela
cultura afro-brasileira.
Vale notar que a pesquisadora estava preocupada com o ensino de cultu-
ra afro-brasileira e não de história da África, sugerindo ser exagerada a preo-
cupação com o esta última ao dizer que,
Se é possível fazer a crítica ao conteúdo de história, que insiste em dar mais ênfa-
se à história da África, e continua não abrindo muito espaço para se analisar o
papel do negro como sujeito político após a abolição da escravidão, as demais
disciplinas, como geografia, sociologia e filosofia, possibilitam essa abordagem.3
É fato que ao fazer essa observação a autora está apontando para a defi-
ciência no tratamento do negro como agente histórico, mas atribui isso à aten-
ção excessiva dada à história da África. No meu entender, o que acontece é
justamente o contrário. Uma vez que os professores pouco sabem acerca das
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 122
sociedades africanas, seus sistemas de pensamento e os processos históricos
por elas vividos, têm dificuldade em abordar temas carregados de preconceitos
de forma a derrubá-los, ao tratar os fenômenos das culturas afro-brasileiras
com base nas lógicas de suas matrizes africanas e dos processos que lhes deram
origem. Minha posição é de que somente conhecendo bem as sociedades afri-
canas, suas histórias e os processos que nos ligam a elas, assim como desven-
dando as noções por trás da construção histórica e ideológica dos preconceitos
contra o africano e o negro, teremos condições de analisar com consistência
as manifestações afro-brasileiras e o lugar que os africanos e seus descendentes
ocuparam no passado e ocupam no presente, no contexto da sociedade brasi-
leira como um todo.
Dessa forma, minha perspectiva também é bastante diferente da que me
parece ser a do movimento negro em geral, que vê a lei como possibilidade de
afirmação política e inclusão social de um segmento marginalizado da popu-
lação. Não que eu discorde disso, mas penso que não são as razões políticas
que devem indicar o caminho, sendo o alcance de suas bandeiras o ponto de
chegada, e não o de partida. As boas intenções daqueles que se guiam princi-
palmente pelas razões políticas acabam sendo fragilizadas pelo descaso quan-
to à necessidade de abordar os temas de forma consistente, resultante de estu-
do e conhecimento aprofundado acerca deles. Informações equivocadas, e
mesmo perniciosas, podem acabar por comprometer as boas intenções, dando
munição aos que não concordam com a existência da lei e argumentam que
ela reflete uma postura autoritária ou mesmo que acirra antagonismos funda-
dos em distinções de base racial. Postura com a qual não concordo de forma
alguma e que desconsidera a longa luta encabeçada pelo movimento social
genericamente chamado de movimento negro, que conquistou, vencendo re-
sistências profundamente arraigadas na sociedade brasileira, um importante
espaço no caminho da construção de uma sociedade mais igualitária, na qual
as diferenças de aparência e ancestralidade não possam ser acionadas como
instrumentos para inferiorizar e marginalizar alguns segmentos sociais.
Como Raquel constatou em sua pesquisa, os temas ligados às culturas
afro-brasileiras são assuntos que incomodam, o que resulta na dificuldade em
colocar em prática a lei. Para que os temas deixem de incomodar é necessário,
no meu entender, explicitar os processos históricos e ideológicos presentes nas
bases das percepções contemporâneas acerca da África e da cultura afro-bra-
Junho de 2012 23
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
sileira, como aliás, conforme dito no início deste texto, é indicado por várias
pessoas que se detiveram sobre o assunto. Dessa perspectiva, é fundamental o
ensino de temas africanos, considerados não apenas pelos seus aspectos nega-
tivos, largamente divulgados pela imprensa e pelas mídias oficiais, mas sim
pelo que podemos chamar de aspectos positivos, ou seja, as características
culturais e formas de organização social e política próprias, os processos his-
tóricos tanto internos quanto pertinentes à sua relação com outros continentes,
seja com as sociedades ocidentais, seja com as orientais.
No meu entender, ao tratarmos de assuntos africanos em geral e história
da África em particular, devemos partir do princípio de que temos pouca, ou
mesmo nenhuma familiaridade com os temas relativos ao continente africano.
Dessa forma, como já dito, o estudo e a pesquisa são requisitos fundamentais
para adquirirmos essa familiaridade e aprofundar o conhecimento sobre a
África. Se olharmos para a trajetória da construção desse conhecimento no
âmbito do chamado mundo ocidental, do qual fazemos parte, veremos que os
europeus só passaram a conhecer melhor o continente africano na segunda
metade do século XIX, quando se multiplicaram as expedições de exploração.
Naquele momento, além de o combate às doenças ali existentes ter se tornado
mais eficiente, permitindo a maior sobrevivência dos estrangeiros, as técnicas
de medição e de transporte estavam aprimoradas, o que contribuiu para a
elaboração de um conhecimento mais preciso sobre o interior da África. Nes-
se processo são importantes as sociedades de geografia e as companhias de
comércio interessadas em atuar nos espaços africanos, principalmente com-
prando matérias-primas e explorando suas riquezas naturais.
Outro princípio fundamental do qual devemos partir diz respeito aos pre-
conceitos associados aos povos africanos e suas sociedades. Quando o conhe-
cimento sobre o continente começou a se aprofundar, predominavam as ideias
de hierarquia entre as raças, baseada em diferenças biológicas, e de hierarquia
entre as sociedades, fundada em níveis de evolução. Nesse contexto a África
era vista como um continente atrasado, primitivo, habitado por populações
em estágios inferiores da evolução humana. Havia variações nessa classificação,
e no Brasil, no final do século XIX e ao longo do XX, os iorubás eram vistos
como superiores aos bantos, percebidos como detentores de culturas menos
complexas, portanto mais primitivas. Essa postura deve ser entendida como
resultado de uma maneira de pensar historicamente constituída, ligada a de-
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 124
terminadas teorias que se tornaram ultrapassadas por maneiras de pensar que
vieram depois e negaram a ideia de hierarquia entre as raças e mesmo entre as
culturas, noção que substituiu a de raças. Hoje pensamos em termos de dife-
renças culturais, de sistemas simbólicos, sem inserir as diferenças em uma
escala evolutiva, associada às ciências biológicas. Na era da valorização do
multiculturalismo e das diferenças os preconceitos podem ser superados ao
mostrarmos as bases sobre as quais eles foram construídos, e que não se sus-
tentam mais.
No caso específico da história, outro ponto de partida para abordar o
continente africano é descartar a ideia de que documentos escritos são impres-
cindíveis para o conhecimento histórico. Essa também é uma visão ultrapas-
sada na medida em que a história contemporânea incluiu em sua esfera de
interesse as camadas populares e mesmo iletradas, sendo suas preocupações
antes centradas nos feitos dos dirigentes e dos heróis. Paralelamente a isso, a
história passou a utilizar instrumentos de outras disciplinas como a antropo-
logia, a análise literária, a geografia, a arqueologia e a linguística, assim como
passou a considerar a oralidade uma fonte produtora de informações impor-
tantes para a reconstrução dos acontecimentos e processos históricos. Essa
postura permite que seja aceita a possibilidade de fazer a história de populações
que não deixaram registros escritos e cuja importância não é medida pelo
impacto de suas ações na história da humanidade como um todo.
Considero central no ensino de história da África a identificação destes
três pontos de ordem mais geral: o desconhecimento sobre o continente afri-
cano, a desconstrução dos preconceitos a ele relacionados e a multiplicidade
de possibilidades metodológicas na construção do conhecimento histórico.
Quanto a o que ensinar, à guisa de auxiliar o professor nesse campo ainda
pouco percorrido, proponho alguns conjuntos de fontes para buscar informa-
ções sobre a África, considerando a divisão cronológica tradicional no campo
da história, assim como o recurso aos documentos escritos, sem me deter nas
diferentes escolas de interpretação, pois há uma variedade delas a orientar as
análises dos processos ali ocorridos nos diversos tempos.4
Com relação ao período chamado de Antiguidade pela historiografia, as
regiões com maior quantidade de informações são as próximas ao rio Nilo, ao
mar Vermelho e ao Mediterrâneo, que estavam inseridas nos circuitos comer-
ciais e políticos em curso naquela região, considerada em sua totalidade. Fon-
Junho de 2012 25
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
tes gregas, romanas e árabes trazem indícios sobre acontecimentos e processos
ocorridos no Egito, na Núbia, na Etiópia, nos portos do mar Vermelho e do
Mediterrâneo.
Com relação ao período chamado de Idade Média pela historiografia,
além de relatos sobre as regiões acima mencionadas existem ainda fontes sobre
as sociedades existentes às bordas leste e sul do deserto do Saara, como Gana,
Mali e Songai, principalmente de comerciantes e viajantes árabes. Para o final
desse período e já entrando na Idade Moderna, existem relatos feitos por afri-
canos islamizados, que incorporaram a escrita a partir do contato com os ára-
bes na região do Sael, sendo os exemplos mais conhecidos as crônicas escritas
no século XVII: Ta’rikh al-Sudan e Ta’rikh el-Fattash, traduzidas para o fran-
cês no início do século XX.
Com relação ao período chamado de Idade Moderna pela historiografia,
além da existência de documentos sobre todas as regiões já mencionadas, a
presença de europeus nas costas atlântica e índica do continente produziu um
aumento considerável de relatos escritos por estrangeiros, como comerciantes,
administradores, missionários católicos e viajantes. O contato com os europeus
em alguns lugares também levou à incorporação da escrita, havendo documen-
tos escritos produzidos por africanos principalmente em regiões da África
centro-ocidental.5
Com relação ao período chamado de Contemporâneo, os documentos
escritos são ainda mais abundantes, acompanhando os processos de incorpo-
ração dos padrões ocidentais por parte das sociedades africanas, intensificados
a partir do final do século XIX e da ocupação colonial por grande parte do
continente, e mais ainda a partir das independências nacionais. Além dos tex-
tos produzidos pelas viagens de exploração e pelas relações comerciais e diplo-
máticas, foram escritos muitos trabalhos sobre as sociedades africanas, abor-
dadas principalmente a partir de suas organizações políticas e sociais, mas
também de seus processos históricos, mesmo que em menor quantidade. Se
num primeiro momento predominaram os trabalhos feitos pelos agentes co-
loniais e as perspectivas próprias dos lugares que eles ocupavam, a partir dos
anos 1960, das independências nacionais e da consolidação de centros de es-
tudo e pesquisa acadêmica, africanos passaram a escrever sua história combi-
nando perspectivas ocidentais com as tradicionais, ganhando destaque o re-
curso à história oral.
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 126
Quanto às fontes não escritas, além da oralidade, considerada como forma
de acesso ao passado desde os gregos, disciplinas como a arqueologia, a lin-
guística, a geografia, a antropologia e a análise literária contribuem para um
maior conhecimento acerca do continente africano e de sua história. Aqui
vale chamar a atenção para a especificidade do que estamos chamando de
história, ou seja, uma disciplina formada no âmbito das formas de conheci-
mento ocidentais, que lida com a ação dos homens ao longo do tempo. Esta é
uma maneira específica de apreensão do passado, que segue procedimentos e
regras próprias, existindo outras possibilidades de lidar com o passado das
sociedades, como as eminentemente africanas. Nestas a transmissão oral das
informações, que podem ser de diferentes naturezas (genealogias, lendas, mi-
tos, história das migrações, saberes técnicos), caracteriza maneiras específicas
de lidar com o conhecimento sobre o passado e a sua transmissão.6
Para fazer história da África hoje no Brasil, não dispomos de muitos ma-
teriais, mas, com a proliferação de textos digitalizados e a publicação de fontes,
é possível fazer alguma coisa. O aprofundamento do conhecimento exige o
domínio de pelo menos uma língua estrangeira (inglês ou francês), na medida
em que ainda há muito poucas traduções de trabalhos de história, publicados
na forma de livros ou de artigos em revistas especializadas. A ampliação do
número de títulos disponíveis em bibliotecas, as assinaturas de revistas e o
enriquecimento de acervos, de obras escritas ou da chamada cultura material,
são tarefas que devem ser priorizadas pelas instituições de ensino e pesquisa
para que os estudos africanistas se consolidem entre nós. E isso vem aconte-
cendo não apenas no âmbito do ensino superior, em várias universidades do
país, como também em museus e instituições de pesquisa que, como dito,
devem estreitar cada vez mais seus laços com o ensino básico e fundamental,
de forma a consolidar o ensino e a pesquisa sobre assuntos africanos em terras
brasileiras.7
Como tudo que diz respeito ao conhecimento e ao ensino, o estudo é fator
indispensável para o professor atingir plenamente seus propósitos de educa-
dor, e, além da motivação individual, é preciso haver apoio institucional para
isso, tanto na forma de tempo disponível como na de remuneração adequada
que considere o trabalho feito fora da sala de aula. Sendo a interferência nestes
últimos fatores tarefa de segmentos organizados em termos políticos e traba-
Junho de 2012 27
Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África
lhistas, fica aqui a minha modesta contribuição no que diz respeito às possibi-
lidades de aprimoramento individual.
NOTAS
1
BAKKE, Raquel Rua Baptista. Na escola com os orixás: o ensino das religiões afro-brasi-
leiras na aplicação da Lei 10.639. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social, Departamento de Antropologia, FFLCH, USP. São Paulo, 2011. p.88.
2
Dentre as traduções mais recentes destaco os oito volumes da História Geral da África
disponíveis em www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/gene-
ral_history_of_africa_collection_in_portuguese-1/; M’BOKOLO, Elikia. África negra. His-
tória e civilizações. Trad. Alfredo Margarido. Salvador: Ed. UFBA; São Paulo: Casa das
Áfricas, 2009; THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico,
1400-1800. Trad. Marisa Rocha Motta. Rio de Janeiro: Campus; Elsevier, 2004; LOVEJOY,
Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Trad. Regina A. R. F.
Bhering e Luiz Guilherme B. Chaves. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Dentre os
autores nacionais, destaca-se SILVA, Alberto da Costa e, autor de, entre outros, A enxada
e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Edusp,
1992; A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira; Fundação Biblioteca Nacional, 2002; Um rio chamado atlântico: a África no Bra-
sil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. UFRJ, 2003; Francisco Félix de
Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. Uerj, 2004. Quanto a
trabalhos produzidos no âmbito dos programas de pós-graduação, foram publicados al-
guns produzidos no Departamento de História da USP, como: GEBARA, Alexsander. A
África de Richard Francis Burton: antropologia, política e livre-comércio, 1861, 1865. São
Paulo: Alameda, 2010; SANTOS, Gabriela Aparecida dos. Reino de Gaza: o desafio portu-
guês na ocupação do sul de Moçambique (1821-1897). São Paulo: Alameda, 2010; SILVA,
Juliana Ribeiro da. Homens de ferro: os ferreiros da África central no século XIX. São Pau-
lo: Alameda, 2011.
3
BAKKE, Raquel Ruas Batista, op. cit., p.74-75.
4
Para referências de narrativas de diversos momentos e procedências, ver FAGE, J. D. A
evolução da historiografia da África. História Geral da África I, p.1-22. Disponível em:
www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000318.pdf.
5
SANTOS, Catarina Madeira; TAVARES, Ana Paula. Africae Monumenta, v.I. Arquivo
Caculo Cacahenda. Lisboa: Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga/ Instituto
de Investigação Científica Tropical, 2002, apresenta um conjunto de textos que exemplifi-
cam a apropriação da escrita por sociedades centro-africanas antes do século XIX.
6
Um texto clássico sobre a questão da oralidade e da memória nas sociedades africanas é
HAMPATÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (Org.) História Geral da
África I. Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática; Unesco, 1980. Também
Marina de Mello e Souza
Revista História Hoje, vol. 1, nº 128
disponível em: unesdoc.unesco.org/images/0019/001902/190249por.pdf. Quanto a uma
perspectiva acadêmica o livro que primeiro se debruçou sobre o tema é VANSINA, Jan.
Oral tradition as History. Madison: The University of Wisconsin Press, 1985.
7
Em São Paulo vale destacar a atuação educativa do Museu Afro-Brasil, que recebe grande
quantidade de escolas, tem uma bem treinada equipe de educadores e uma importante bi-
blioteca.
Artigo recebido em 20 de janeiro de 2012. Aprovado em 26 de março de 2012.
Entre máscaras e espelhos: reflexões
sobre a Identidade e o ensino de
História da África nas escolas brasileiras1
Among masks and mirrors: reflections about Identity
and the teaching of African history in Brazilian schools
Anderson Ribeiro Oliva*
Resumo
O presente artigo tem como objetivo
analisar os reflexos, na construção das
identidades individuais e coletivas de es-
tudantes, das abordagens de conteúdos
sobre a história africana no ensino brasi-
leiro. Partindo dos referenciais teóricos
ligados aos Estudos Culturais, o trabalho
analisa a forma como o tratamento con-
cedido ao assunto pode fomentar, inter-
ditar e justificar a existência de reflexos
identitários plurais – com a presença das
‘máscaras’ africanas de reconhecimento
do outro e de autorreconhecimento – em
nossos espaços escolares. Ao mesmo
tempo o texto se propõe a discutir o sen-
tido da identidade nacional em uma so-
ciedade composta por conjuntos popula-
cionais híbridos, complexos e marcados
pelas relações interculturais e multicultu-
rais geradas ao longo de sua composição
histórica mais recente.
Palavras-chave: identidades; ensino de
história africana; Estudos Culturais.
Abstract
This article aims at analyze the reflexes,
in the construction of individual and
collective identities of students, of the
approaches of contents about African
history in Brazilian education. Based on
the theoretical references connected to
Cultural Studies, the study analyzes how
the treatment accorded to the subject
can foster, interdict and justify the exis-
tence of plural reflections of identity –
with the presence of the African ‘masks’
of recognition of others and of self-rec-
ognition – in our school spaces. The text
also proposes to discuss the meaning of
national identity in a society composed
by hybrid sets of population, complex
and marked by intercultural and multi-
cultural relations formulated along its
recent historical composition.
Keywords: identities; teaching of Afri-
can history; Cultural Studies.
*Departamento de História, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília (UnB).
Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Ala Norte, 1º andar, s645/62 Asa Norte. 70190-900
Brasília – DF – Brasil. oliva@unb.br
Revista História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 29-44 - 2012
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 130
No Brasil, um dos debates mais frutíferos sobre a questão da Identidade
Nacional foi vivenciado nos últimos dez anos. Motivado, entre outros ingre-
dientes, pela implementação das cotas raciais em algumas universidades pú-
blicas brasileiras, é certo afirmar que um dos seus efeitos positivos foi forçar
uma parte significativa da sociedade brasileira, até então desinteressada em
relação ao tema, a se posicionar ou a refletir sobre os mitos fundadores da
identidade nacional, sobre as nossas múltiplas identidades e as distorções ex-
perimentadas nas relações interidentitárias.
Observamos, na realidade, o continuar das experiências de fabricação da
Identidade Nacional, talvez tão impactantes quanto aquelas iniciadas na se-
gunda metade do século XIX (caracterizadas pela negação da pluralidade ét-
nica, pela valorização de nossa suposta eurodescendência e pelos referenciais
teóricos do Determinismo Racial) e na década de 1930 (com a defesa de uma
suposta cultura nacional homogeneizadora e embebida na ideia da miscigena-
ção e da ‘democracia racial’).
O atual momento, iniciado há pelo menos quarenta anos, refunda algu-
mas de nossas velhas crenças redefinindo a Identidade Nacional a partir da
combinação ou coexistência de outras identidades. Esse ‘novo’ diálogo, envol-
vendo máscaras e reflexos identitários, que é muito mais revelador para os
teóricos/educadores, e muito mais significativo para aqueles que se veem for-
çados a assumir ou a negar o pertencimento a alguma dessas ‘outras identida-
des’, parece ser mais funcional e crível do que o suposto manto de uma iden-
tidade comum que recobriria a todos.
A cultura e a identidade nacionais (ditas no singular) foram substituídas,
neste caso, por um conjunto multifacetado e plural de práticas, ideias, padrões
de comportamento, características psicológicas, estéticas, definições sobre
identidade e alteridade que criam um mosaico de percepções de pertencimen-
to e de estranhamento que abalaram fundações que pareciam indestrutíveis.
Não somos apenas ‘brasileiros’. Somos afro-brasileiros, nipo-brasileiros, luso-
-brasileiros, teuto-brasileiros, ítalo-brasileiros. Mais do que isso, somos tam-
bém homens e mulheres; nordestinos ou nortistas; brancos e negros; morado-
res de bairros diferentes; exercemos profissões distintas (inclusive no status);
somos portadores de crenças e estilos distintos. É claro que essas múltiplas
identidades sempre nos pertenceram, mas elas ficavam esquecidas quando as
Junho de 2012 31
Entre máscaras e espelhos
relações interidentitárias nos forçavam a uma definição homogênea ou exclu-
siva: ser brasileiro.
Não me parece absurdo lembrar que o debate acerca das identidades mul-
ticulturais e das relações interculturais não é uma exclusividade do cenário
brasileiro. Outros espaços globais têm sido tocados cotidianamente pela ques-
tão. Nas Américas, na África e na Europa (para limitarmos nossos olhares aos
efeitos das diásporas africanas mais recentes), a situação dos imigrantes afri-
canos e das crescentes parcelas das populações de alguns países formadas por
seus descendentes intensifica o debate sobre as identidades a cada caso de ra-
cismo, xenofobia, ou de explosões sociais vindas das periferias. Motivados por
esses contextos complexos, há alguns anos, vários teóricos têm se dedicado ao
estudo dessas realidades. Dentre esses, um grupo tem chamado a atenção pelo
seu formato híbrido: são teóricos/cientistas, mas são também integrantes de
experiências diaspóricas ou pós-coloniais, que procuram explicar, entender e
vivenciar. Acredito que nenhum outro conjunto de especialistas avançou tan-
to sobre esse debate como aqueles vinculados aos “Estudos Culturais” (Cultu-
ral Studies) ou aos Estudos Pós-Coloniais.2
Entre os debates intentados por esses teóricos, a fundação e o emprego de
algumas categorias/conceitos, como multiculturalismo, culturas híbridas e iden-
tidades plurais, resultaram como potenciais ferramentas de análise e compreen-
são de várias experiências histórico-culturais ocorridas em sociedades cunhadas
pelas diásporas e pelas migrações, recentes ou não. Neste caso, me parece certo
que, para refletirmos com nossos estudantes sobre a relevância de conteúdos
vinculados à história africana em seus cotidianos escolares existe um obrigatório
eixo ou elemento de articulação: o debate reflexivo sobre as identidades.
Fundamentalmente, é sobre isso que estamos a falar. Como nos identifica-
mos? Como identificamos aos Outros? Sejam eles, ou sejamos nós, o que formos,
falamos sobre os critérios de descrição, atribuição, reconhecimento ou negação
de uma ou várias identidades. As relações identitárias, o multiculturalismo e os
mecanismos relacionais devem tencionar a Escola a assumir uma nova postura
perante a pluralidade cultural e as identidades plurais brasileiras.
Partindo do cenário descrito, o presente artigo tem como objetivo maior
refletir acerca dos possíveis reflexos, na construção das identidades individuais
e coletivas de estudantes, das abordagens de conteúdos da história africana no
ensino brasileiro. A intenção principal do trabalho é analisar a forma como o
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 132
tratamento concedido ao assunto pode fomentar, interditar e justificar a exis-
tência de reflexos identitários multiculturais – com a presença das ‘máscaras’
africanas de reconhecimento do outro e de autorreconhecimento – em nossos
espaços escolares. Ao mesmo tempo o texto se propõe a discutir o sentido da
identidade nacional em uma sociedade composta por conjuntos populacionais
híbridos e complexos em meio às relações interculturais e multiculturais ge-
radas ao longo de sua composição histórica mais recente.
Entre máscaras identitárias e espelhos. O debate sobre
as identidades e o ensino de história africana
Um dos objetivos principais da Educação Básica brasileira sinaliza para a
necessidade de que estudantes e professores devam reconhecer e valorizar a
“pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro”, e, ao mesmo tempo, co-
nhecer também os “aspectos socioculturais de outros povos ... posicionando-se
contra qualquer discriminação”.3
Neste caso, a própria Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional (9.394/1996), já determinava, em 1996, que a abor-
dagem da história do Brasil nas escolas deveria “levar em conta as contribui-
ções das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”,
entendidas nos termos empregados pela lei como as “matrizes indígena, afri-
cana e europeia”.4
Esses elementos foram sintetizados em um dos pressupostos
centrais para o ensino brasileiro pelos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), com base em um de seus temas transversais: a Pluralidade Cultural.
Dessa forma os textos dos PCNs já incorporavam, no final da década de
1990, as mudanças teóricas de definição das identidades que circulavam nos
meios acadêmicos e movimentos sociais há algumas décadas, criticando aber-
tamente a percepção de que a Identidade Nacional seria entendida com base
na adesão a um conjunto comum de valores culturais por um grupo homogê-
neo de pessoas. Pluralidade cultural, diversidade étnica, identidades plurais e
trajetórias históricas distintas passaram a ser tratadas como formadores da-
quilo que se entendia por ‘povo brasileiro’. Ou seja, dissolvia-se a ideia de que
existia ‘um povo brasileiro’, revelando-se que uma única Identidade Nacional
só existia quando construíamos e compartilhávamos uma falsa imagem. No
lugar dessa imagem deveria entrar outra: a do mosaico identitário, ou melhor,
das Identidades Plurais e das Identidades Parciais.
Junho de 2012 33
Entre máscaras e espelhos
Nenhuma sociedade pode se pensar como homogênea ou como possui-
dora de uma única inscrição cultural/identitária. As diferenças das mais diver-
sas ordens – de origem, social, gênero, profissão, cor, idioma, idade, região,
escolaridade, território, religião – criam sulcos de formatos distintos dentro
das sociedades e entre diferentes sociedades. Nossa ‘brasilidade’ apenas reflete-
-se no jogo de espelhos identitários quando provocada; quando, em determi-
nadas épocas ou situações, somos forçados a revelar algumas de nossas más-
caras de reconhecimento, defender ou negar o pertencimento a essa ou
aquela inscrição. De outra forma, poderíamos voltar a perguntar o que forma
ou o que define o pertencimento a esta identidade. O que é ser brasileiro?
Para alguns, tal resposta seria dada com base na descrição/inscrição de
um elemento essencial ou na combinação de certos ingredientes: ‘nasceu no
Brasil’ (território); ‘fala português’ (língua); ‘é filho de brasileiros’ (descendên-
cia sanguínea); ‘é filho de pai ou mãe brasileiros’ (descendência sanguínea
parcial); ‘sabe sambar, jogar futebol e gosta de carnaval’ (ingredientes cultu-
rais); ‘é cordial, simpático e tem o jeitinho brasileiro’ (valores comportamen-
tais). Se, em algumas situações, parece claro que somos ‘brasileiros’, em outras,
parece ser fruto de um grande improviso nos classificarmos como iguais.
Estar diante do outro – estrangeiro (espanhol, estadunidense, japonês,
mexicano, nigeriano) –, ser identificado pelo outro – quando na condição de
imigrante ou em viagem ao exterior –, participar de certos momentos ‘comuns’
– eleições, competições esportivas –, talvez sinalizem para um pertencimento
identitário também comum, mas obviamente pouco operacional e funcional
apenas em poucas situações. Cotidianamente nos observamos e nos identifi-
camos com base em outras inscrições, mais usuais e proximais do que a ‘bra-
silidade’. Ou seja, nossa ‘brasilidade’ está carregada de sentidos, reflexos e
máscaras distintas a partir do lugar identitário do qual falamos.
Não estamos afirmando com isso que não temos ‘uma identidade nacio-
nal’. ‘Ela’ ou ‘elas’ existem. Inscrevemo-nos na ‘brasilidade’ ou a refletimos em
algumas situações, como já afirmamos. Porém, mesmo nesses momentos, ‘ela’
ou ‘elas’ não nos igualam. Enfim, somos brasileiros (para aqueles que se consi-
deram ou se inscrevem nesta identidade), mas possuímos outras inscrições
identitárias, mais reveladoras, marcantes e coparticipantes em relação à primei-
ra quando operamos as categorias de definição e identificação. Perceba-se, por-
tanto, que não defendemos um revirar de faces ou identidades, apenas reforça-
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 134
mos o argumento de que a definição ‘brasileiro(a)’ só pode ser entendida
quando vista como um mosaico, composto por outras múltiplas faces, por di-
versas culturas, com a presença de maiorias e minorias. Identidades Plurais que
se articulam, se atraem ou se rejeitam sob um ‘guarda-chuva’ identitário maior,
a Identidade Nacional. Cada vez mais, para mais pessoas, faz mais sentido se
pensar como nipo-brasileiro ou afro-brasileiro, do que como apenas ‘brasileiro’.
Para descrever sociedades como a nossa, teóricos da cultura têm formu-
lado definições ou categorias que procuram revelar e explicar os resultados dos
encontros e desencontros de agentes, culturas e identidades plurais: culturas
híbridas; sociedades Pluriculturais; sociedades Multiculturais e sociedades In-
terculturais, entre outras. No caso brasileiro, uma das definições mais frequen-
tadas tem sido a do Multiculturalismo.
Neusa Maria Mendes de Gusmão esclarece que esse conceito pode ser
entendido com base em duas componentes. A primeira refere-se a um ‘fenô-
meno’ vivenciado em muitas sociedades nas quais o pluralismo cultural se
manifestou pelo encontro de vários agentes formadores, oriundos de espaços
distintos e que se deslocaram em correntes migratórias pelos mais diversos
motivos e tempos. A segunda confunde-se com uma série de políticas públicas
contemporâneas – como na educação ou na formação profissional – com o
objetivo de atender demandas de sociedades plurais.5
Seja como for, o empre-
go do termo é/foi marcado por algumas polêmicas e limitações. No entanto,
entre outras ‘equações teóricas’ possíveis, ele representa uma forma de inter-
pretar e, ao mesmo tempo, solucionar questões inerentes às sociedades mar-
cadas profundamente pela diversidade de seus entes componentes.
O termo ‘multiculturalismo’ ganhou, no entanto, muitos críticos, entre outras
razões, porque se limitaria “a constatar o estado das entidades sociais onde coa-
bitam os grupos ou os indivíduos de culturas diferentes”. Na mesma direção al-
guns autores afirmam que “multicultural é entendido como uma constatação da
presença de diferentes culturas num determinado meio e da procura de com-
preensão das suas especificidades”. O multiculturalismo coloca, sem sombra de
dúvida, a heterogeneidade de formação de diferentes sociedades e torna evidente
a questão das diferenças. As críticas decorrem do fato de que, na prática, todas as
sociedades são multiculturais. (adaptado de Gusmão, 2004, p.61)
Junho de 2012 35
Entre máscaras e espelhos
Mesmo com suas limitações, ao ser manipulado por diversos sujeitos, o
‘multiculturalismo’ apresentou-se nas últimas décadas como uma forma de
invenção social e de inscrição identitária. Ao mesmo tempo, revelou-se tam-
bém como instrumento de intervenção pública, no esforço de certos agentes
em (re)significar e modificar práticas que levaram/levam à construção de so-
ciedades marcadas por profundas desigualdades e práticas discriminatórias.
Gusmão, ao analisar a situação vivenciada por jovens estudantes africanos
ou luso-africanos (descendentes de imigrantes africanos) em escolas portugue-
sas nas décadas de 1980 e 1990, nos informa uma importante maneira de pen-
sar as relações societárias, raciais e culturais em uma sociedade que se julgava
monocultural, mas que na prática não o era.
A escola marcada pela multiplicidade étnico-cultural faz da educação um desafio
como prática e como teoria, posto que envolve diferentes sujeitos, agentes, agên-
cias e instituições ... A chamada educação multicultural passa então a ser conce-
bida na Europa e também em Portugal como condição de dar nota de uma reali-
dade social formada por imigrantes e seus descendentes e, junto dela e em seu
nome, reorientar as reivindicações que tais grupos elaboram perante os desman-
dos de uma ordem social injusta e excludente, perante os processos xenofóbicos
e racistas do mundo europeu. O objetivo central é o de buscar uma sociedade
baseada na igualdade e na tolerância. (Gusmão, 2004, p.63)
Portanto, ao partirmos do princípio de que somos membros de uma socie-
dade multicultural avançamos no esforço de identificar nossas várias ancestra-
lidades e agentes formadores. Implodimos com mitos de origem que insistiam a
nos tratar como membros de uma única cultura – primeiro a europeia e depois
a nacional (única e fruto da miscigenação). De forma parecida, assumimos a
necessária urgência de elaborarmos políticas e estratégias que combatam as de-
sigualdades geradas por essências discriminatórias e que permitam aos diversos
grupos ou componentes desse mosaico que é a Identidade Nacional (plural e
diversa) se autoafirmarem, sendo valorizados e reconhecidos por todos.
Dessa forma, mesmo assumindo as limitações do uso dessa categoria, de-
fendemos seu emprego em nossas análises e nos estudos escolares. Isso se deve
ao fato de que ela permite não só refundar percepções identitárias, mas, prin-
cipalmente, revelar que qualquer diálogo sobre o que devemos ensinar nas es-
colas deva passar pelas trajetórias históricas plurais e pelas diversas contribui-
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 136
ções ao patrimônio cultural ‘brasileiro’ oriundas das mais diferentes sociedades,
populações e agentes que participaram (ou participam) de sua formação.
Os ‘entre-lugares’ da Identidade e da Educação
Ao analisar parte da obra6
do afro-martinicano Frantz Fanon, o teórico
indo-britânico Homi Bhabha elaborou uma das mais reveladoras tentativas de
explicar, interpretar e vivenciar o fenômeno da construção das identidades
formadas pelas diásporas. As trajetórias desses dois indivíduos, forjadas elas
mesmas pelas diásporas e pelos espaços criados em meio às relações coloniais
e pós-coloniais, permitem que em suas expressões e apreensões de mundo
encontremos claras aproximações com as realidades vividas por milhares de
homens e mulheres que compartilharam histórias de vida correlatas. A sensa-
ção de pertencimento e estranhamento nas relações de identificação; a fabri-
cação de culturas híbridas e as novas formas de inscrição cultural resultam do
esforço de imaginar como tão complexas e diversas situações de contatos in-
terculturais/multiculturais criaram o que Bhabha chamou de ‘entre-lugares’,
ou seja, os processos de elaboração das novas identidades culturais.
O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de passar
além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de focalizar aqueles
momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças cultu-
rais. Esses ‘entre-lugares’ fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de
subjetivação que dão início a novos signos de identidade...7
Homens ‘hifenados’ (afro-americano e indo-britânico), ambos os teóricos
citados interpretam ou representam situações que podem espelhar os encon-
tros e desencontros que acontecem nos espaços escolares dentro de sociedades
multiculturais. Não podemos negligenciar o fato de que a Escola é um espaço
marcado por discursos e práticas, tensões e debates. Os movimentos formati-
vos e discursivos, a disciplinarização em conflito com a contestação e a educa-
ção formal esbarrando nas práticas pessoais são dinâmicas comuns nessas
instituições. Representantes de uma percepção de mundo, de interesses dos
agentes que operam o sistema educacional e de seus integrantes (docentes,
estudantes, técnicos, família e sociedade), as Escolas devem ser pensadas como
Junho de 2012 37
Entre máscaras e espelhos
fronteiras, entendidas como Bhabha nos lembra: “lugar onde algo começa a se
fazer presente” (2003, p.26-27).
Ou seja, apesar de apresentar conteúdos formais e preestabelecidos aos
estudantes – prescritos por leis, normas e currículos –, a apropriação das ‘li-
ções’, a construção de novas leituras de mundo e de entendimentos sobre as
realidades coletivas e individuais apresentam-se justamente como parte de um
movimento de elaboração de novas identidades. Identidades que não são aque-
las apresentadas pelas abordagens do conteúdo preestabelecido ou as informa-
das pelos estudantes. Formas distintas de inscrição cultural se articulam nessa
fronteira, tornando a Escola um espaço de grande relevância na formação de
algumas de nossas múltiplas identidades.
O mais interessante é que na Escola ensina-se um tipo específico de me-
mória, de História e de pertencimento. As experiências relativas à trajetória de
vida pessoal de cada um de seus integrantes são inicialmente ignoradas. Seus
sujeitos são vistos como subalternos a uma cultura e valores a serem apreen-
didos. Como em uma microesfera das experiências coloniais, a sala de aula
torna-se um lugar de dominação cultural, de colonização imaginária. Nela uma
suposta identidade comum ou pré-concebida (brasileiro, homem, mulher, ne-
gro, branco) desloca-se e conflita com uma alteridade complexa.
A imagem esperada do que definiria uma determinada entidade (‘brasi-
leiro’) fragmenta-se e se torna insólita diante de tantos outros. Se, durante
grande parte dos séculos XIX e XX, a escola reproduziu uma imagem homo-
gênea de brasilidade – de franca ascendência europeia, branca, cristã, ociden-
tal, masculina e elitista –, ao confrontar-se com outras expressões e inscrições
culturais e identitárias – como a africanidade, a latinidade, as leituras feminis-
tas, as múltiplas filiações religiosas e não-elitistas – criou-se um espaço de
conflito e recriação do que somos e de como nos percebemos e aceitamos.
Gusmão lembra que “a escola não consegue captar as expressões culturais
presentes na modernidade e nas relações de identidade” servindo a determi-
nados objetivos nas sociedades modernas: formar o cidadão e o profissional.
Neste caso os debates sobre a memória cultural ou as diferentes formas de
reconhecimento cultural estariam fora de suas intenções ou ações prioritárias,
marcadas por claras distorções de origem. A única memória que deveria ser
apreendida nas salas de aulas deveria ter base científica e se confundir com as
ideias de nação e memória nacional, produzidas ou aceitas pelos agentes que
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 138
defendem os discursos oficiais e homogeneizadores da Identidade Nacional
(Gusmão, 2004, p.51-52).
Neste espaço, os saberes individuais, locais e das minorias seriam con-
frontados com o ‘saber do professor’ entendido como uma prática ‘pedagógi-
ca que universaliza’, como representante de um ‘modelo único e uniforme de
sociedade’ que deveria ser ensinado e aprendido. Dessa forma a Escola se trans-
forma em um espaço de rupturas com a realidade e com as experiências ante-
riores, no qual o diferente/heterogêneo deve ser igualado/homogeneizado. As
múltiplas experiências pregressas acabam ignoradas e o entendimento de que
a identidade só pode ser construída em um fluxo constante na relação com a
alteridade parece não ser reconhecido (Gusmão, 2004, p.51-54).
Um dos caminhos teóricos possíveis para o entendimento e para a resolu-
ção dos problemas gerados por essa percepção de identidade pela Escola pode-
ria ser exemplificado pelas novas realidades geracionais e perfis identitários de
alguns países europeus no período pós-colonial. Tocados por um processo
intenso de imigração originária dos países africanos e asiáticos (percebidos
como ex-colônias), as sociedades europeias – como em Portugal, Inglaterra e
França – se viram forçadas a redefinir suas fronteiras identitárias, já que o Ou-
tro, agora, não se encontrava mais no espaço do ‘além-mar’. O Outro, agora,
ocupava espaços próximos demais, como as ruas, os centros comerciais, as
escolas, as áreas de lazer e os locais de trabalho das próprias cidades europeias.
Mais do que isso, esse Outro – ‘africano’, ‘negro’, ‘muçulmano’, ‘colonizado’ – se
identificava como igual, pelo menos na atribuição de uma Identidade Nacional
em comum, ou na reivindicação de igualdades jurídica, econômica e social,
quando se tratava das gerações descendentes dos primeiros imigrantes, que
chegaram em larga escala à Europa nas décadas de 1950, 1960 e 1970.
Guardadas as devidas proporções e reconhecidas as diferenças entre os
contextos, o quadro vivenciado em alguns desses países no período colonial e
pós-colonial nos incentiva a construir referências sobre como empregar o con-
ceito de ‘identidade’. No caso daqueles países pelo encontro desconcertante do
Eu (europeu, branco, ex-colonizador) e do Outro (africano, negro, ex-coloni-
zado) no tempo presente. Identidade e Alteridade se apresentam em pleno
potencial de conflitos e tensões. No caso brasileiro, a situação ganha um novo
fator: a ‘aliedade’, que alguns teóricos definem como a alteridade experimen-
tada no tempo, o encontro do Eu (no presente) com o Outro (deslocado no
Junho de 2012 39
Entre máscaras e espelhos
tempo, para o passado), que ocorre em uma combinação imaginária (Gusmão,
2004, p.55-57).
Em uma das faces de nosso mosaico identitário, as relações ocorrem entre
o ‘brasileiro’ de hoje e o ‘africano’ de ontem, que se encontram no presente. É
certo que, de alguma forma, essa relação diacrônica dialoga com outras faces
de nossas identidades, como aquelas estabelecidas pelas dinâmicas relacionais
que se encontram submersas no passado e deitam raízes no presente, quando
o antigo Eu (branco, senhor) se relaciona com o antigo Outro (negro, escravo).
Obviamente, por fim, não podemos esquecer as relações que ocorrem no hoje,
entre brancos (eurodescendentes) e negros (afrodescendentes), ‘brasileiros’
que compartilham um processo de identificação complexo. Portanto, essas
relações aparecem tingidas pelas questões raciais do hoje e do ontem.
Para entendermos melhor como empregar as referências teóricas sobre a
Identidade em nosso cotidiano escolar sintetizei a seguir as reflexões de Bhabha
e Fanon acerca do tema, dividindo-as em três modelos. Eles serviriam para que
professores e estudantes compreendessem de forma mais panorâmica a im-
portância dos debates acerca das relações étnico-raciais em nossas salas de
aulas e no estudo da História da África.
No modelo 1, que denominamos de ‘binário’, há uma relação marcada
pelo franco antagonismo. É na verdade uma relação de absoluta negação e de
não reconhecimento. Como forças da ‘física’ que se repelem, que não se co-
municam, o Eu e o Outro são definidos de forma essencialista, autônoma.
Como se, em uma inexplicável inversão, a identidade e a alteridade se rejeitas-
sem plenamente para existir. Esse modelo, mais matemático do que antropo-
lógico, cria um obstáculo e não uma ponte entre essas duas entidades. Um tipo
de vidro que permite que ambos se vejam, mas não se aproximem, que se es-
tranhem, mas não se misturem, como em um falso jogo de espelhos.
No modelo 2, que denominamos de ‘as identidades colonizadas’, existiriam
algumas condições subjacentes para a compreensão do ‘processo de identifica-
ção’. Lembramos que esse processo seria vivido nas relações estabelecidas entre
os indivíduos que se encontravam na condição de ‘colonizado’ e de ‘coloniza-
dor’, de ‘africano’ e de ‘europeu’, de ‘negro’ e de ‘branco’. Segundo Fanon, tal
situação relacional, marcada por um fluxo invertido de ‘demandas’ e ‘desejos’,
estaria condicionada ou seria cunhada em uma moeda única de dupla face, com
duas imagens que projetariam duas identidades antagônicas, mas dependentes.
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 140
O Eu (branco, europeu, colonizador) desejando preservar sua condição de do-
minador, cuja demanda só existia pela presença e pela situação do Outro (negro,
africano, colonizado). E o Outro desejando ocupar o lugar do Eu, condição
demandada pela sua situação de subjugado. Fanon afirmava que tal condi­
ção poderia ser sintetizada da seguinte forma: “O preto escravizado por sua
inferioridade, o branco escravizado por sua superioridade, ambos de acordo
com uma orientação neurótica ... o que é frequentemente chamado de alma
negra é um artefato do homem branco” (Fanon, apud Bhabha, 2003, p.74-75).
Por fim, há o esquema que acreditamos ser o mais explicativo para o nosso
caso. No modelo 3, que chamaremos de ‘identidades híbridas’, nos apoiamos nas
interpretações de Homi Bhabha sobre as relações de identidade. Nesta operação
“o lugar do outro não deve ser representado ... como um ponto fenomenológico
fixo oposto ao eu”. Sua definição seria mais complexa e norteadora da realidade
de uma sociedade multicultural, já que o “outro deve ser visto como a negação
necessária de uma identidade primordial – cultural ou psíquica” –, como é, por
exemplo, a falsa ideia de UMA identidade nacional, definida por UMA cultura
nacional, ou por UMA única ideia de pertencimento. Dessa forma o Outro “in-
troduz o sistema de diferenciação que permite ao cultural ser significado como
realidade linguística, simbólica, histórica”. Mais do que isso, “como princípio
de identificação, o outro outorga uma medida de objetividade, mas sua repre-
sentação é sempre ambivalente”, ou seja, ele é composto por princípios confli-
tantes, retirados das substâncias formativas do Eu e do Outro. “A identificação
é sempre uma questão de interpretação, pois ela é um encontro furtivo entre
mim e um si-próprio, a elisão da pessoa e do lugar” (Bhabha, 2003, p.86-87).
O que parece ser diferenciado nesse modelo é que ele introduz uma nova
dimensão de representação na relação entre o Eu e o Outro. Se antes a obser-
vação fixava-se nas imagens que refletiam nos espelhos vítreos que serviam
como fronteira nessa relação, agora, seria preciso acrescentar uma perspectiva
de profundidade e substituir o espelho ou janela por uma fronteira articular,
que funde, ao invés de separar. Essa representação permite construir um es-
quema no qual uma forma híbrida, em movimento, substitui a forma binária
(da soma ou da subtração) no esforço de decifrar as dinâmicas da construção
da identidade e da alteridade. Sendo assim, as inscrições de pertencimento dos
indivíduos são forjadas não mais no duelo de imagens, da rejeição ou na ade-
são a certas características. Tanto o eu como o outro não passam de projeções
Junho de 2012 41
Entre máscaras e espelhos
que se articulam no fenômeno da identificação quando suas sombras se en-
contram no espaço relacional, ou no intervalo (o entre-lugar) criado pelas
fronteiras, ou seja, no espaço onde se fabrica uma identidade da alteridade ou
uma alteridade da identidade.
À medida que uma série de grupos cultural e racialmente marginalizados assume
prontamente a máscara do negro, ou a posição da minoria, não para negar sua
diversidade, mas para, com audácia, anunciar o importante artifício da identida-
de cultural e de sua diferença, a obra de Fanon torna-se imprescindível. À medi-
da que grupos políticos de origens diversas se recusam a homogeneizar sua
opressão, mas fazem dela causa comum, uma imagem pública da identidade da
alteridade, a obra de Fanon torna-se imprescindível – imprescindível para nos
lembrar daquele embate crucial entre máscara e identidade, imagem e identifica-
ção, do qual vem a tensão duradoura de nossa liberdade e a impressão duradoura
de nós mesmos como outros. (Bhabha, 2003, p.102)
Para além da conhecida tese das zonas ou áreas de contato interétnico e
intercultural – espaços nos quais semelhanças e diferenças são postas à prova –,
a perspectiva de se pensar as fronteiras identitárias e culturais como os ‘entre-
-lugares’ que informam os “momentos ou processos que são produzidos na
articulação de diferenças culturais” torna o modelo 3 mais adequado ao nosso
debate. De forma clara ele revela que não existem identidades essenciais, puras
ou absolutas. As identidades não passam de representações ou projeções do que
acreditamos ser, do que acreditamos ser o Outro, e do que esse Outro acredita
que sejamos. Nesse jogo de projeções, o processo de identificação só pode ocor-
rer justamente na fronteira (entendida como espaço relacional ou como o ‘lugar
onde algo começa a se fazer presente’) entre essas projeções. Imagens, represen-
tações e projeções de identidades se encontram nesse espaço relacional, e é nele
que as identidades serão construídas.
No caso brasileiro torna-se evidente que a elipse poderia ser pensada co-
mo a representação dos ‘processos de identificação’ que envolvem obviamen-
te a própria Identidade Nacional. No entanto, isoladamente, ela – a Identida-
de Nacional – não representa nada, não se sustenta. São seus componentes, os
Mesmos e os Outros, que em seus movimentos projetam suas sombras identi-
tárias para o centro da fronteira relacional, permitindo tanto o reconhecimen-
to dessas múltiplas identidades, a revelação das pluralidades culturais como
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 142
também um entendimento mais adequado do significado da Identidade Na-
cional. Portanto, essas múltiplas identidades não são excludentes e não estão
isoladas. Elas são relacionais e, na relação com o todo, complementares.
Neste caso devemos frisar que não existe, ou não deveria existir uma hie-
rarquia entre essas identidades. Afro-brasileiros, luso-brasileiros, ítalo-brasi-
leiros, nipo-brasileiros, teuto-brasileiros, sociedades indígenas e aqueles que
não se identificam pelas representações ‘hifenadas’, portanto, apenas ‘brasilei-
ros’, além de todos os seus descendentes, compõem o mosaico identitário que
poderíamos chamar de Identidade Nacional. Complexa, diversa, heterogênea,
plural. Justamente quando uma condição de desigualdade é criada entre esses
grupos ou categorias de identificação – e este parece ser o caso de várias socie-
dades contemporâneas –, torna-se necessária a intervenção da sociedade civil,
das instituições, dos movimentos sociais e do Estado para equacionar as ten-
sões e distorções criadas.
Como articular ou aproximar essa discussão toda de nossas experiências
ou cotidianos nas salas de aula? Essa é uma das demandas da Educação das
Relações Étnico-raciais. Ao partirmos da constatação de que as escolas, no
sistema educacional contemporâneo, desempenham papel relevante na cons-
trução de percepções de mundo e na divulgação de informações e conteúdos,
que deveriam compor aquilo que chamamos de ‘memórias compartilhadas’,
parece inquestionável a necessidade de ampliarmos nossos recortes temáticos,
conteúdos programáticos e abordagens reflexivas nas salas de aulas.
Herdeiros de uma escola que privilegiou, em grande parte de sua trajetó-
ria, conteúdos eurocêntricos, vivemos hoje a urgência de rever conteúdos e
temas formativos em nossos bancos escolares. Se adotarmos o paradigma iden-
titário anteriormente apresentado – o das Identidades e Culturas Plurais que
compõem a Identidade Nacional –, torna-se óbvio o fato de que no trabalho
com História, Geografia, Artes, Literatura, Filosofia e Música não podemos
valorizar, ensinar e aprender padrões de conhecimento relativos a apenas uma
matriz formativa, no caso a europeia. Precisamos conhecer, reconhecer, valo-
rizar e respeitar as outras matrizes que participaram dessa formação – por
exemplo, as africanas, as asiáticas e as indígenas.
A questão é, de fato, relacional. É preciso estarmos convencidos da relevân-
cia de debater a questão das identidades nas escolas para que possamos conven-
cer nossos alunos sobre seu papel formativo e funcional em nosso cotidiano. Mais
Junho de 2012 43
Entre máscaras e espelhos
do que isso, ao redefinirmos nossos princípios de identidade, torna-se insusten-
tável a manutenção da matriz curricular que grande parte das escolas reproduzia
até o início deste século. É certo que importantes mudanças começaram a ocor-
rer no campo legal ou prescritivo vinculados à educação a partir da última déca-
da do século XX, resultados de demandas de movimentos sociais e do convenci-
mento por parte dos intelectuais e políticos de que o debate sobre as nossas
múltiplas identidades e a Identidade Nacional deveria ser reinaugurado.
Naqueles anos, tornou-se consensual que não mais poderíamos pensar a
sociedade brasileira como portadora de um único signo identitário, como por-
tadora de um único padrão cultural. O multiculturalismo entrava em cena
oficialmente na LDB de 1996, nos PCNs, produzidos nos anos seguintes, e na
promulgação das Leis federais 10.639/03 e 11.645/08, além das Diretrizes Cur-
riculares Nacionais relacionadas ao ensino de História da África e à Educação
Étnico-Racial. Desde então, para além das matrizes europeias, as outras ma-
trizes de formação de nossa sociedade – entre elas as africanas – deveriam
obrigatoriamente aparecer nos currículos, livros didáticos, cursos de formação
de professores e, por fim, nas salas de aula.
Reflexões finais
Chegamos ao ponto. Ensinar, aprender, refletir e debater sobre as ‘iden-
tidades’ é um exercício fundamental para o combate à intolerância, à discri-
minação, à xenofobia, ao racismo e ao sexismo. É uma ferramenta obrigatória
no esforço de construir uma sociedade mais justa e, efetivamente, plural. O
respeito ao Outro, seja ele quem for, tornar-se-ia ato rotineiro. Essa é uma das
obrigatórias articulações que devemos fazer.
Em complemento a esse primeiro ponto, outro se torna correlato. Prin-
cípios como do autorreconhecimento, da alta autoestima identitária, do reco-
nhecimento pelo Outro, do respeito e da valorização das diferentes sociedades
e culturas só se tornam possíveis com os aprendizados/conhecimentos que
temos sobre essas sociedades e culturas. Competindo com a comunicação so-
cial, a televisão, a internet e o cinema, a Escola transforma-se em um espaço
também de fabricação de imaginários e de conhecimentos sobre o Eu e os
Outros. Portanto, o estudo da história e das culturas africanas não é importan-
te apenas para aqueles que se identificam como membros dessa identidade,
Anderson Ribeiro Oliva
Revista História Hoje, vol. 1, nº 144
mas para TODOS. Valorizar e respeitar são importantes práticas que devemos
trabalhar em nossas salas de aulas. Conhecer as contribuições para a constru-
ção do patrimônio histórico-cultural da humanidade e do Brasil dessas socie-
dades permite que tenhamos uma visão mais panorâmica da nossa condição
humana, de nossas múltiplas identidades e de nossa pluralidade cultural.
NOTAS
1
Uma versão anterior e modificada deste texto foi apresentada como parte introdutória de
material instrucional a ser utilizado no curso de Aperfeiçoamento de Docentes promovido
pelo Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (Ciar), da Faculdade de História da Uni-
versidade Federal de Goiás.
2
Entre algumas das principais referências podemos citar os seguintes trabalhos: APPIAH,
Kwame Anthony. Na casa de meu pai. Trad. Vera Ribeiro. 1.ed. Rio de Janeiro: Contra-
ponto, 1997; APPIAH, Kwane Anthony. La ética de la identidad. Trad. Lilia Mosconi. 1.ed.
Buenos Aires: Katz, 2007; BHABHA, Homi. Race time and the revision of modernity. In:
BACK, Les; SOLOMOS, John (Org.) Theories of race and racism. London: Routledge, 2000.
p.354-368; GILROY, Paul. Entre campos: nações, culturas e o Fascínio da Raça. São Paulo:
Annablume, 2007; GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência.
Rio de Janeiro: Ucam; Ed. 34, 2001; HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações
culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009; HALL, Stuart. Old and new identities, old and
new ethnicities. In: BACK; SOLOMOS (Org.), 2000, p.144-153;
MBEMBE, Achille. As formas africanas de autoinscrição. Revista Estudos Afro-Asiáticos,
Rio de Janeiro, ano 23, n.1, p.171-209, 2001.
3
Ver BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais. Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos pa-
râmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998 (a), p.55.
4
Como é de conhecimento geral, a LDB, no que diz respeito ao ensino de história africana,
foi alterada pelas Leis nº 10.639, de 9 jan. 2003, e 11.645, de 10 mar. 2008. O trecho citado
encontra-se no 4º parágrafo do artigo 25.
5
GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Os filhos da África em Portugal: antropologia, mul-
ticulturalidade e educação. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2004. p.61.
6
Principalmente as seguintes referências: FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas.
Rio de Janeiro: Fator, 1983; FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Ci-
vilização Brasileira, 1979.
7
BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. p.20.
Artigo recebido em 20 de janeiro de 2012. Aprovado em 26 de março de 2012.
Os dilemas de dois autores frente a
Uma história do negro no Brasil1
The dilemmas facing the two authors of
Uma história do negro no Brasil
Wlamyra Albuquerque*
Walter Fraga Filho**
Resumo
O objetivo deste ensaio é compartilhar
com profissionais da área de história as
reflexões e dilemas que a nós se apre-
sentaram no processo de elaboração de
Uma história do negro no Brasil, livro
publicado em parceria pela Fundação
Palmares/MinC e pelo Centro de Estu-
dos Afro-Orientais (Ceao)/ UFBA, em
2006. Consideramos que questões como
a relação entre historiografia e deman-
das do movimento negro contempo­
râneo, assim como os desdobramentos
das pesquisas sobre a história da África,
da diáspora africana e das trajetórias das
populações afro-brasileiras para a edu-
cação básica persistem como relevantes
no debate sobre a efetivação das Diretri-
zes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-
-brasileira e Africana.
Palavras-chave: história; cultura; histó-
ria do negro; Lei 10.639/2003.
Abstract
The objective of this essay is to share
with historians reflections and dilem-
mas concerning the elaboration of Uma
história do negro no Brasil, a book pub-
lished by the Fundação Palmares/MinC
and the Centro de Estudos Afro-Orien-
tais (Ceao)/UFBA in 2006. We consider
that issues such as the relationship be-
tween historiography and the demands
of the contemporary black movement,
as well as the offshoots of research con-
cerning the history of Africa, the Afri-
can diaspora and the trajectories of Af-
ro-Brazilian populations in terms of
basic education persist in the debate
around the National Directives for Edu-
cation on Ethnic-Racial Relationship
and for the teaching of African and Af-
ro-Brazilian Culture and History.
Keywords: history; culture; history of
the blacks; Law 10.639/2003.
*Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Estrada de
São Lázaro, 197, Federação. 40210-730 Salvador – BA – Brasil. wlamyra@gmail.com
** Centro de Artes, Humanidades e Letras, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).
Praça Ariston Mascarenhas, s/n. 44300-000 Cachoeira – BA – Brasil. walterfragaf@ig.com.br
Revista História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 45-60 - 2012
Revista História Hoje, vol. 1, nº 146
Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho
Há situações que a um só tempo se apresentam como imprevistas, desa-
fiadoras e inescapáveis. Foi o que sentimos quando, em 2005, correu a notícia
do edital da Fundação Cultural Palmares, instituição vinculada ao Ministério
da Cultura (MinC), convocando projetos para a produção de material paradi-
dático que subsidiasse o ensino da história e da cultura afro-brasileira e afri-
cana, em decorrência da sua obrigatoriedade nas redes de ensino fundamental
e médio de todo o país. Tratava-se, portanto, de uma ação inscrita no âmbito
da Lei 10.639/2003. Imprevisto e desafio são palavras bem adequadas para
definir aquela tarefa.
O imprevisto estava em nos lançarmos na difícil empreitada de produzir
material paradidático, algo que até então não fazia parte dos nossos planos.
Pouco antes havíamos concluído nossos doutorados e, como costuma aconte-
cer com doutores recentes, o que vislumbrávamos era cada qual retomar sua
pesquisa, revisar a tese ou efetuar qualquer leitura despretensiosa, sem se im-
portar com prazos e relatórios substantivos.2
Estava fora de cogitação a pro-
dução de textos subordinados a calendário rígido e ao olhar implacável de uma
banca de especialistas.
Porém, fazemos parte de uma geração que desde os primeiros momentos
da graduação, como espécie de marca de pertencimento ao ambiente acadê-
mico, aprendeu a desconfiar de livros didáticos e afins. Já nos primeiros se-
mestres do curso, cultivávamos um olhar de suspeição para aqueles textos que
nos pareciam, além de defasados frente às incessantes novidades universitárias,
altamente comprometidos com o que chamávamos de ‘história oficial’. Havia,
no final da década de 1980 e nos anos 1990, vasto campo de debates sobre
manipulações e distorções que a história, como disciplina escolar, sofreu sob
a égide da censura do regime militar.
Como tão bem definiu Kazumi Munakata, no rastro do fim da ditadura
ganharam ampla divulgação no Brasil pesquisas que denunciavam as ‘belas
mentiras’ patrocinadas pelo Estado autoritário, impressas nos livros didáticos
e paradidáticos utilizados nas escolas. Nesse sentido, constitui-se toda uma
historiografia que se “nutriu de uma conjuntura política em que, para muitos
setores da sociedade brasileira, era fundamental a crítica ao regime militar e a
seus entulhos autoritários”.3
A constatação indignada de que a produção literária da área de história
voltada a crianças e adolescentes estava subordinada ao controle do Estado
Junho de 2012 47
Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil
funcionava como espécie de ‘choque de realidade’ a projetar o graduando pa-
ra o campo de preocupações com o que passava a lhe parecer seriamente te-
mível: a vida extramuros da universidade, o ensino na educação básica. Não
fugíamos à regra.
Estamos falando de um tempo em que ainda fazia sentido repetir o chavão
de que não interessava aos governos oferecer educação de qualidade, pois isso
despertaria espíritos críticos, sujeitos questionadores da ordem estabelecida.
Daí concluía-se que os saberes escolares eram reféns de conhecimento histó-
rico comprometido com o status quo. Enquanto isso, nas pós-graduações em
história as críticas às versões do passado veiculadas no espaço escolar eram
encobertas pela obstinação da pesquisa empírica, à primeira vista – e só à
primeira vista – caminho oposto ao repensar sobre a produção didática e pa-
radidática na nossa área.
Felizmente, o amadurecimento do debate e o fortalecimento dos progra-
mas de pós-graduação em história e em educação provocaram reflexões mais
consequentes acerca da literatura em circulação na Educação Básica.4
No co-
meço da década de 1990, o mercado editorial passou a encher as estantes com
didáticos e paradidáticos produzidos por pesquisadores engajados em desen-
tulhar a história dos ‘ranços do autoritarismo’, só para lembrar a linguagem
da época.5
Como bem analisaram outros autores, essa renovação editorial foi
impulsionada por reformulações curriculares, alimentada pelo engajamento
acadêmico e por demandas dos movimentos sociais.
Ernesta Zamboni, em “O conservadorismo e os paradidáticos de história”,
artigo publicado em 1993, avaliava que nos títulos então publicados “nota-se
uma acentuada ênfase sobre a questão do poder”, assim como o empenho em
construir heróis que pudessem encarnar a imagem da nação livre.6
Trazer à luz
os artifícios do poder e destacar a luta heroica em prol da liberdade nacional
eram dois vetores a guiar os autores que reescreviam a história a ser divulgada
no ambiente escolar. Para Zamboni essa tendência revelava conservadorismo
herdado da memória oficial.7
Bem, não nos interessam aqui as heranças do período da ditadura e sim
o debate, já instaurado na década de 1990, sobre a relação entre historiografia,
memória nacional e literatura escolar.8
Várias inquietações daí decorrentes nos
acompanham desde que publicamos, em 2006, Uma história do negro no Bra-
sil, livro que venceu o edital da Fundação Palmares/MinC em parceria com o
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  • 1.  Revista História Hoje Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira ANPUH - Brasil
  • 2.  Diretoria Nacional • ANPUH - Brasil • GESTÃO 2011-2013 Presidente: Benito Bisso Schmidt – UFRGS Vice-Presidente: Margarida Maria Dias de Oliveira – UFRN Secretário Geral: Angelo Aparecido Priori – UEM 1o Secretário: Antonio Celso Ferreira – UNESP 2o Secretário: Carlos Augusto Lima Ferreira – UEFS 1o Tesoureiro: Francisco Carlos Palomanes Martinho – USP 2o Tesoureiro: Eudes Fernando Leite – UFGD Editoria da Revista Brasileira de História: Marieta Moraes Ferreira – UFRJ/FGV Editoria da Revista História Hoje: Patrícia Melo Sampaio – UFAM Conselho Consultivo • ANPUH - Brasil Almir Félix Batista de Oliveira – ANPUH-RN Altemar da Costa Muniz – ANPUH-CE Áurea da Paz Pinheiro – ANPUH-PI Braz Batista Vas – ANPUH-TO Célia Costa Cardoso – ANPUH-SE Célia Tavares – ANPUH-RJ Élio Chaves Flores – ANPUH-PB Eurelino Coelho – ANPUH-BA Hélio Sochodolak – ANPUH-PR Hideraldo Lima da Costa – ANPUH-AM Jaime de Almeida – ANPUH-DF João Batista Bitencourt – ANPUH-MA Julio Bentivoglio – ANPUH-ES Luís Augusto Ebling Farinatti – ANPUH-RS Luzia Margareth Rago – ANPUH-SP Marcília Gama – ANPUH-PE Maria da Conceição Silva – ANPUH-GO Maria de Nazaré dos Santos Sarges – ANPUH-PA Maria Teresa Santos Cunha – ANPUH-SC Neimar Machado de Sousa – ANPUH-MS Ronaldo Pereira de Jesus – ANPUH-MG Sérgio Onofre Seixas de Araújo – ANPUH-AL Thereza Martha Borge Presotti Guimarães – ANPUH-MT Representante da ANPUH/Brasil no Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ) Ismênia de Lima Martins - UFF (Titular) Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira - UERJ (Suplente) Revisão: Armando Olivetti Diagramação: Flavio Peralta (Estúdio O.L.M.)
  • 3.  Revista História Hoje Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira
  • 4.  Revista História Hoje nº 1 • Biênio: Agosto de 2011 a Julho de 2013 Editora Responsável Patrícia Melo Sampaio – UFAM Conselho Editorial da RHHJ Andréa Ferreira Delgado – UFSC Ângela Maria de Castro Gomes – UFF Circe Maria Fernandes Bittencourt – USP Dilton Cândido Santos Maynard – UFSE Eduardo França Paiva – UFMG Flávia Eloisa Caimi – UFPF José Miguel Arias Neto – UEL Josenildo de Jesus Pereira – UFMA Keila Grinberg – UNIRIO Luiz Carlos Villalta – UFMG Marcelo de Souza Magalhães – UNIRIO Mauro Cézar Coelho – UFPA Mônica Lima e Souza – UFRJ Nilton Mullet Pereira – UFRGS Susane Rodrigues de Oliveira – UnB Conselho consultivo da RHHJ Ana Livia Bomfim Vieira – ANPUH-MA Antonio Jacó Brand – ANPUH-MS Carla Mary da Silva Oliveira – ANPUH-PB Chrislene Carvalho dos Santos – ANPUH-CE Claudira do Socorro Cirino Cardoso – ANPUH-RS Cristiano Pereira Alencar Arrais – ANPUH-GO Franciane Gama Lacerda – ANPUH-PA James Roberto Silva – ANPUH-AM Janete Ruiz de Macedo – ANPUH-BA José Antonio Vasconcelos – ANPUH-SP Laurindo Mékie Pereira – ANPUH-MG Marcelo Balaban – ANPUH-DF Marcos Silva – ANPUH-SE Osvaldo Batista Acioly Maciel – ANPUH-AL Sandra Paschoal Leite de Camargo Guedes – ANPUH-SC Yonissa Marmitt Wadi – ANPUH-PR Secretária da RHHJ Paula Dantas – UFAM Endereço na Web: http://rhhj.anpuh.org/ojs/index.php/RHHJ/index Email: rhhjsecretaria@anpuh.org e rhhjeditor@anpuh.org A Revista História Hoje publica artigos relacionados à temática de História e Ensino com a finalidade de promover a divulgação de reflexões, projetos e experiências nesta área e também criar um espaço institucional de debate relativo aos campos de trabalho dos profissionais de História.
  • 5.  Sumário Apresentação 7 Dossiê: Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira Apresentação • Dossiê 13 Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África 17 Marina de Mello e Souza Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da África nas escolas brasileiras 29 Anderson Ribeiro Oliva Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil 45 Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais 61 Verena Alberti O ensino de história entre o dever de memória e o direito à história 89 Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza “Por uma autêntica democracia racial!”: os movimentos negros nas escolas e nos currículos de história 111 Amilcar Araujo Pereira Entrevista Mônica Lima e Souza 131 Martha Abreu e Silvio de Almeida Carvalho Filho Artigos Reflexões sobre o ensino colonial em África: trajetórias da instituição escolar no antigo Sudão (1889-1952) 139 Patricia Teixeira Santos As bandas de congo mirins: ensino popular e vivência de cultura afro-brasileira na Serra (ES) 157 Michel Dal Col Costa
  • 6.  Contribuições do Movimento Negro e das teorias críticas do currículo para a construção da educação das relações étnico-raciais 179 Richard Christian Pinto dos Santos e Grace Kelly Silva Sobral Souza Diásporas e comunidades quilombolas: perspectivas metodológicas para o ensino de história da África e da cultura afro-brasileira 193 Maria Walburga dos Santos e Ana Cristina Juvenal da Cruz Para construir outro olhar: notas sobre o ensino de história e cultura africanas e afro-brasileiras 217 Hilton Costa Um olhar sobre a historiografia africana e afro-brasileira 239 Luciano Everton Costa Teles Espaço cibernético, cibercultura e pesquisa acadêmica 253 Marcos Silva Falando de História Hoje Currículos de História e expectativas de aprendizagem para os anos finais do ensino fundamental no Brasil (2007-2012) 269 Margarida Oliveira e Itamar Freitas E-storia E-storia 307 Dilton C. S. Maynard e Marcos Silva História Hoje na sala de aula Detetives do passado no mundo do futuro: divulgação científica, ensino de História e internet 315 Keila Grinberg e Anita Almeida Resenhas Historiografia e Nação no Brasil – um clássico e suas possibilidades, da gênese da historiografia ao lugar da História Ensinada nos dias de hoje 329 Mauro Cezar Coelho Oficina da história no ciberespaço 335 Anita Lucchesi
  • 7.  7 Apresentação A revista História Hoje inicia uma nova fase com a publicação do núme- ro 1 desta série. Em julho de 2011, retomando discussões e anseios que mar- caram sua criação em 2003, o Conselho Editorial assumiu a tarefa de revitali- zar o periódico, adotando a temática “História e Ensino” como estrutura de sua linha editorial. Para isso, investiu na publicação de Dossiês Temáticos, reviu a periodicidade da revista, agora semestral, e criou novas seções para a RHHJ – “História Hoje na Sala de Aula”, “E-Storia” e “Falando de História Hoje”, com a finalidade de manter canais de diálogo permanentes com pro- fessores e pesquisadores, discutindo e compartilhando experiências. Por fim, a migração para a base OJS/SEER, ao garantir acesso amplo e maior qualidade editorial, completa este momento significativo na institucionalização da RHHJ na Anpuh/Brasil, no momento em que completamos 50 anos. Neste número, abrimos com o Dossiê “Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira”, organizado por Martha Campos Abreu e Silvio de Almeida Carvalho Filho. Ele reúne autores com experiências ricas e subs- tantivas para refletir sobre as conquistas e desafios decorrentes da implantação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008. O resultado, como se verá, é extraordiná- rio! Participam dele Marina de Mello e Souza (“Algumas impressões e suges- tões sobre o ensino de história da África”), Anderson Ribeiro Oliva (“Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da África nas escolas brasileiras”), Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho (“Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil”), Vere- na Alberti (“Proposta de material didático para a história das relações étnico- -raciais”), Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza (“O ensino de história entre o dever de memória e o direito à história”) e Amilcar Araujo Pereira (“‘Por uma autêntica democracia racial!’: os movimentos negros nas escolas e 7Junho de 2012
  • 8. 8 Apresentação nos currículos de história”). Lidos em conjunto, os artigos apresentam um retrato vívido da diversidade do campo, de seu notável vigor e dos inúmeros enfrentamentos que ainda se colocam diante de nós, profissionais de História. Todas essas dimensões ganham perspectiva renovada na emocionante entre- vista de Mônica Lima e Souza, também conduzida pelos organizadores do Dossiê. Entre os Artigos, o de Patricia Teixeira Santos nos permite acompanhar as experiências do cotidiano escolar no Sudão contemporâneo, enquanto o de Michel Dal Col Costa ilumina a sonoridade e o colorido das vivências das crianças capixabas envolvidas nas bandas de congo mirins. A preocupação com a articulação entre produção historiográfica, construção curricular, cultura histórica e saberes escolares dão o tom dos textos de Richard Christian Pinto dos Santos e Grace Kelly Silva Sobral Souza, de Maria Walburga dos Santos e Ana Cristina Juvenal da Cruz, de Hilton Costa e de Luciano Everton Costa Teles. As reflexões produzidas nos convidam ao debate e também à análise das diferentes possibilidades que as experiências de ensino e de pesquisa têm re- velado. Por fim, Marcos Silva nos coloca diante de questões contemporâneas quando se debruça sobre o impacto e as possibilidades de uso da cibercultura nas práticas pedagógicas. Falando de História Hoje é um espaço dedicado a reflexões e debates de temas do nosso tempo. O artigo de Margarida Oliveira e Itamar Freitas traz uma leitura de peso para um problema candente: a questão dos currículos de História. Os autores apresentam os resultados de uma pesquisa que examinou currículos de História em 18 estados brasileiros entre 2007 e 2012 com a fina- lidade de conhecer o que se tem pretendido ensinar, como podemos intervir e o que ainda não sabemos sobre essa questão. E-Storia é uma seção que nasceu com espírito inovador. Dilton Cândido Santos Maynard e Marcos Silva, seus organizadores, partiram da imensa gama de possibilidades abertas pelas novas tecnologias da informação para oferecer aos leitores da RHHJ, a cada edição, em lugar de uma listagem de endereços eletrônicos, a indicação de novos ambientes no mundo virtual que sirvam de inspiração e de estímulo. Na mesma direção, Keila Grinberg e Anita Almeida inauguram a seção História Hoje na Sala de Aula com os “Detetives do Pas- sado”, uma estimulante iniciativa, detalhada no texto que reuniu temas como Revista História Hoje, vol. 1, nº 18
  • 9. 99 Apresentação divulgação científica, ensino de História e o impacto da internet no nosso trabalho. Na seção Resenhas, Mauro Cezar Coelho faz uma incursão instigante na obra de Manoel Luiz Salgado Guimarães, Historiografia e Nação no Brasil (1838-1857), enquanto Anita Lucchesi analisa o livro Escritos sobre história e internet, de Dilton C. S. Maynard. Deixo registrado o entusiasmo, o comprometimento e o espírito de tra- balho coletivo dos membros do Conselho Editorial para que pudéssemos che- gar até aqui. Todo nosso empenho é fazer que a revista História Hoje se trans- forme em uma referência nas discussões da área, abrangendo dimensões do Ensino da História nos níveis Fundamental, Médio e Superior e consolidando- -se como espaço efetivo de circulação e compartilhamento de ideias e expe- riências acerca de um dos nossos mais importantes compromissos: a formação de gerações empenhadas em um ideal de cidadania, pautadas pelo respeito à diferença, pela valorização da diversidade e por uma compreensão crítica sobre o tempo que passa. A revista História Hoje convoca os historiadores a interagirem com a sociedade em que vivem, a atuarem positivamente sobre o presente, a eviden- ciarem a relevância da reflexão sobre o passado em um dos mais nobres cam- pos de atuação, a Educação e seus desdobramentos. Pois, ao fim e ao cabo, ela é a nossa mais importante trincheira. Patrícia Melo Sampaio Editora (2011/2013) Junho de 2012
  • 10. 
  • 11. 11
  • 13. 13 Apresentação Com enorme orgulho, apresentamos ao público o dossiê “Ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira”, elaborado por especialistas, professores e pesquisadores da área. Nosso objetivo foi reunir trabalhos que discutissem as conquistas resultantes da implantação da obrigatoriedade le- gal do estudo da História da África e do Negro no Brasil, assim como os li- mites, problemas e desafios com que se defrontam os profissionais de edu- cação que assumem tão importante tarefa. Mas, em meio a muitas dificuldades enfrentadas pelos professores – dentre elas a insuficiência de formação teórica e prática, a oposição de familiares e setores sociais, a carên- cia de recursos pedagógicos para aprofundamento da temática –, é evidente que a Lei 10.639/2003, modificada pela Lei 11.645/2008, vem sendo implan- tada e, hoje, podemos acompanhar diversas experiências positivas em várias unidades escolares espalhadas pelo Brasil. Sem dúvida, os visíveis esforços nesse sentido contribuem significativamente para a construção de uma so- ciedade brasileira mais justa e mais livre dos preconceitos e discriminações que sempre acompanharam as visões sobre o africano e seus descendentes na Diáspora. Nosso dossiê visa também oferecer aos leitores, especialmente aos educadores e aos interessados em geral, caminhos de trabalhos pedagó- gicos e reflexões teóricas no que diz respeito ao “Ensino da História da Áfri- ca e da Cultura Afro-brasileira”. Marina de Mello e Souza escreve “Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África” com base em sua experiência na formação de professores e como autora de livro de referência sobre o assunto. Oferece um balanço sobre as possibilidades de acesso a conhecimentos a respeito da Áfri- ca, inclusive no que se refere às fontes orais, e, ao mesmo tempo, discute as inúmeras dificuldades e os preconceitos enfrentados pelos docentes que se 13Junho de 2012
  • 14. 14 Apresentação • Dossiê envolvem com o ensino de temas afro-brasileiros. A autora, fundamentalmen- te, procura compreender as razões históricas e ideológicas desses empecilhos, base fundamental para sua superação. Discutir a importância de se refletir sobre a identidade brasileira para se assegurar um currículo que contemple a História da África no Brasil consti- tui um questionamento central no artigo de Anderson Ribeiro Oliva, “Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da África nas escolas brasileiras”. O autor, a partir das contribuições trazidas pelas reflexões sobre multiculturalismo, culturas híbridas, identidades plurais e parciais, afirma a necessidade de se reconhecer, no ambiente escolar e em seus currículos, as múltiplas identidades obscurecidas por uma nacional, pre- tensamente homogênea e exclusiva. Em sua opinião, nossas escolas ainda desconhecem os traços culturais específicos de determinadas comunidades de alunos, impondo-se um discurso oficial da Identidade Nacional. Não ha- verá, para Oliva, um espaço criativo e transformador para uma História da África nos currículos se não tivermos, como suporte, uma prática de respei- to e valorização da diversidade identitária dos nossos discentes, componente curricular importante não só para os afrodescendentes, como para aqueles que não o são, pois a maneira como se enfrenta a alteridade também trans- forma os sujeitos. Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho oferecem um sincero e ins- tigante retrospecto de suas motivações e opções ao escreverem Uma História do Negro no Brasil. Ao ler o artigo, refletimos sobre as conquistas e desafios colocados aos profissionais de História com as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-raciais da Lei 10.639/2003. Dentre os caminhos oferecidos pelos autores, destaca-se a valorização do protagonismo dos africa- nos e seus descendentes no contexto cultural, para além do mundo do trabalho e da escravidão. Essa perspectiva torna-se uma importante estratégia para o combate ao racismo e para a superação de antigas representações sobre a pre- sença negra na sociedade brasileira. Brindando-nos com diretrizes e sugestões para a elaboração de materiais didáticos sobre a história das relações raciais no Brasil, Verena Alberti em “Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais” considera especialmente sua disponibilização na rede virtual. Sua prioridade 14 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1
  • 15. 15 Apresentação • Dossiê é apontar caminhos para que o aluno possa refletir historicamente, ou, em sua própria expressão, para que aprenda a conhecer o passado como forma de se ‘alfabetizar’ na ‘leitura do mundo’. Entre as questões tratadas, destacam- -se a implantação do trabalho escravo indígena e africano, a generalização dos termos ‘índio’ e ‘negro’, o uso das biografias de africanos e seus descen- dentes, as lutas pelo fim da escravidão, a importância das noções de ‘raça social’ e etnia ou da dimensão ‘cor’ no Brasil e a atuação dos movimentos negros e indígenas. Júnia Sales Pereira e Luciano Magela Roza, com o artigo “O ensino de história entre o dever de memória e o direito à história”, apresentam o impac- to da Lei 10.639/2003 no sistema de ensino brasileiro. Principalmente a partir das possibilidades de trabalho em sala de aula com as manifestações culturais de congadas e reisados, procuram oferecer subsídios para as discussões sobre a cultura afro-brasileira e identidades no ensino de História. Uma ótima su- gestão dos autores é o uso de práticas iniciais de história oral, propondo rodas de conversa e entrevistas com diferentes sujeitos envolvidos em práticas e ma- nifestações culturais afro-brasileiras. Completando o conjunto, o texto “‘Por uma autêntica democracia racial!’: os movimentos negros nas escolas e nos currículos de história”, de Amilcar Araujo Pereira, oferece subsídios para que se possam compreender historica- mente os movimentos negros no Brasil e os motivos para que essa problemá- tica não tenha sido ainda contada nos bancos escolares. Tema fundamental para ser tratado no ensino de História, permite que o professor se afaste de imagens preconceituosas, amplamente difundidas nos livros didáticos, sobre escravos passivos e vitimizados. Dentre as principais e mais antigas reivindi- cações dos movimentos negros, destaca-se exatamente a luta pela reavaliação do papel do afrodescendente na história do Brasil. Acreditamos que o presente dossiê será de grande valia para dar continui- dade à efetiva implantação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, pois sabemos que uma legislação educacional é vivida no cotidiano escolar de formas dife- renciadas, de acordo com os docentes que a aplicam, mas que destes se exige reflexão para que tenham condições objetivas e subjetivas de praticá-la. Acom- panhando este Dossiê, a seção Entrevista da Revista História Hoje traz neste número um empolgante depoimento da historiadora Mônica Lima, reconhe- cida referência na área de pesquisa e ensino de História da África. Junho de 2012 15
  • 16.  16 Enfim, não podemos deixar de louvar a preocupação da revista História Hoje em nos oferecer a oportunidade de organizar este dossiê, permitindo aos pesquisadores a divulgação de suas reflexões críticas e, a seus leitores e ao público em geral, possibilidades de transformação de nossa identidade brasi- leira. Nossos agradecimentos. E, agora, mãos à obra! Martha Campos Abreu Silvio de Almeida Carvalho Filho 16 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1 Apresentação • Dossiê
  • 17. Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África Some impressions and suggestions on teaching African history Marina de Mello e Souza* Resumo Com base na experiência como professo- ra de história da África e no contato com professores de níveis diversos, indico al- guns problemas referentes ao ensino de história da África e, secundariamente, cultura afro-brasileira, e proponho for- mas de o professor abordar o tema e aprimorar seu domínio sobre a área. Palavras-chave: ensino de história da África; pesquisa de história da África; vencendo preconceitos. Abstract From my experience as a teacher of Af- rican history and the contact with teachers working in different levels, I point out some problems concerning teaching African history and, second- arily, afro-Brazilian culture, and I sug- gest ways that can help teachers to ap- proach the subject and to enhance their knowledge about this area. Keywords: teaching of African history; researching African history; struggling against prejudices. Quase dez anos após a promulgação da Lei 10.639, que regulamentou a obrigatoriedade do ensino de história da África e cultura afro-brasileira nas escolas de nível fundamental e médio, o tema ainda é polêmico e a lei não é plenamente aplicada. Como o assunto é dos mais delicados, envolvendo ques- tões centrais na construção da nacionalidade e identidade brasileiras no que diz respeito às formas como as heranças africanas e escravistas deixaram suas marcas, essas dificuldades são compreensíveis. Inserirmos as formas de abor- dar as contribuições africanas nos processos históricos e nos contextos que as conformaram da maneira como se apresentam hoje é condição para que en- tendamos melhor como lidamos com elas. E é assim que têm agido os interes- sados no assunto que o abordam com mais seriedade, considerando as noções * Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Av. Prof. Lineu Prestes, 338. 05508-000 – São Paulo – SP – Brasil. marinamsouza@usp.br Revista História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 17-28 - 2012
  • 18. Marina de Mello e Souza 18 Revista História Hoje, vol. 1, nº 1 evolucionistas e da ideologia do branqueamento em vigor no final do século XIX e início do XX, os conflitos e contradições presentes na consolidação de uma jovem nação que buscava se integrar no mundo ocidental de acordo com os valores dele emanados, as soluções encontradas por intelectuais e políticos para afirmar uma identidade própria, mestiça, agregadora e inimiga de confli- tos abertos, e as várias maneiras, em diferentes momentos, pelas quais mili- tantes negros propuseram que a segregação racial fosse tratada, em termos não só teóricos mas também práticos. O meu ingresso no terreno do ensino de história da África e cultura afro- -brasileira deu-se a partir do momento em que me tornei professora de histó- ria da África, em 2001, e principalmente depois de ter escrito um livro paradi- dático, África e Brasil africano, cuja primeira edição é de 2006, portanto derivado da minha prática e não de um projeto prévio. Desde então criamos um novo curso no Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP), voltado para ajudar futuros professores a cumprirem as demandas da Lei 10.639, e passei a dar palestras e visitar escolas em vários lugares do Brasil para apresentar o livro e conversar com professores sobre o ensino dos temas ali contidos. Essas experiências, ligadas à academia e ao ensino fundamental e médio, permitiram-me conhecer ações e situações diversas. É nítido que nos últimos anos, a despeito das dificuldades e, em muitos casos, da falta de empenho daqueles que deveriam estar à frente dos processos de implantação da lei, os temas ligados à cultura afro-brasileira e à África ga- nharam espaço nas reflexões e ações dos educadores. Isso pode ser constatado pela proliferação dos cursos de formação de professores voltados para o assun- to, por meio da produção de material didático, elaboração de sites e publicação de literatura infanto-juvenil e adulta. O que não quer dizer que estejamos em céu de brigadeiro, pois parte do material didático apresenta problemas signi- ficativos quanto à forma como os temas são apresentados, muitas vezes refor- çando estereótipos e frequentemente demonstrando um conhecimento muito precário no que diz respeito à história da África. Com relação aos cursos de formação tenho menos conhecimento. Esse quadro é resultado de anos de desatenção aliada à súbita valorização do assunto e às demandas não só edu- cacionais como também de mercado, mas pode ser alterado de forma positiva com o tempo e atitudes adequadas.
  • 19. Junho de 2012 19 Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África Olhando para minha própria experiência, entendo que o mais importan- te para avançarmos de forma adequada no sentido de produzir e transmitir um conhecimento de qualidade é trazermos para primeiro plano a necessida- de de estudo e pesquisa. Sem eles, não há como alcançar e transmitir conheci- mentos de qualidade. Se esses requisitos são mais fáceis de alcançar quando estamos inseridos no meio universitário (e mesmo nele, nem sempre), eles devem ser estendidos para todos os níveis da educação, pois sem formação adequada e tempo para estudo permanente fica difícil ser um professor dinâ- mico, atualizado, com capacidade não só de transmitir informações corretas como de captar a atenção dos alunos, num mundo cada vez mais cheio de estímulos interessantes e absorventes. E se já é difícil manter-se atualizado com relação a temas há muito explorados, a dificuldade aumenta quanto tratamos de assuntos estigmatizados, permeados de preconceitos e, por isso mesmo, postos à margem. No que diz respeito ao ensino de história, as universidades são a principal instância formadora de professores e há nelas um aumento da atenção dada à África que pode ser medido pelo número de concursos que são abertos nessa área. Entretanto, mesmo nesse âmbito, que podemos considerar pioneiro, per- cebemos a dificuldade no estabelecimento de estudos africanos, seja por esta- rem frequentemente diluídos nos estudos sobre tráfico e escravidão, seja pela dificuldade em preencher os postos abertos, na medida em que muitos con- cursos não aprovam nenhum candidato. Passando para o ensino fundamental e médio, ao lado das exceções representadas por experiências bem-sucedidas, multiplicam-se os depoimentos de professores que, para atender à lei ou por interesse particular, propõem medidas às coordenações das escolas nas quais dão aulas, sem serem ouvidos. As ações tomadas nesse sentido ficam, então, geralmente restritas às iniciativas pontuais e individuais, que além de não te- rem apoio institucional muitas vezes são mal vistas pelos colegas e superiores. Em tese defendida no Departamento de Antropologia da USP, Raquel Bakke chamou de “pedagogia do evento” uma situação também recorrente, na qual são desenvolvidas atividades relacionadas a datas específicas como o Dia da Consciência Negra ou celebrações em torno do dia 13 de maio, sem nenhum desdobramento posterior.1 Há ainda a situação na qual são tomadas iniciativas no sentido de promo- ver estudos sobre a África e a cultura afro-brasileira, mas o despreparo ou os
  • 20. Marina de Mello e Souza Revista História Hoje, vol. 1, nº 120 interesses políticos dos agentes levam a que o enfoque adotado e os conteúdos transmitidos careçam de consistência ou mesmo veiculem informações erra- das. Nesse sentido, não é raro encontrarmos material didático, tanto para su- porte de cursos de formação quanto para ser usado em aula, cheio de erros grosseiros, principalmente quanto se trata de história da África, ou de parti- darismos ideológicos resultantes de uma dada militância, principalmente quando aborda temas relativos à cultura afro-brasileira. A despeito desses pro- blemas, característicos de uma área em processo de constituição e permeada de questões ideológicas, não se pode jogar a criança fora com a água do banho. O importante é que os problemas sejam detectados com acuidade cada vez maior e os desvios sejam corrigidos: e pelo que percebo isso vem sendo feito com o aprimoramento e a disseminação do conhecimento sobre assuntos afri- canos e o desnudamento dos preconceitos que envolvem o tratamento de te- mas afro-brasileiros. O aprimoramento do conhecimento acerca da história da África pode ser medido pelo aumento de traduções para o português de textos importantes para a área e da publicação de trabalhos produzidos por estudiosos brasileiros, na maior parte das vezes vinculados a programas de pós-graduação.2 A disse- minação desse conhecimento produzido na esfera acadêmica deve ser alcan- çada com a sua articulação com outros níveis de ensino, revistas de divulgação, programas ligados a mídias audiovisuais, cursos de curta duração e outras formas de levar para fora dos limites da universidade o conhecimento ali pro- duzido. Na medida em que essa articulação ganhe força, será possível garantir um ensino de qualidade com menos margem de erro, tanto no que diz respei- to à produção de material didático quanto no que se refere às aulas nos diver- sos níveis e cursos de formação de professores. E pelo que vemos, esse proces- so está em curso, mesmo que com menor velocidade e abrangência do que seria ideal. Quando nos voltamos para os segmentos menos favorecidos, que frequen- tam as escolas públicas, nas quais as condições de trabalho são na maior parte das vezes bastante precárias, há uma variável importante que, conforme vários relatos, tem prejudicado a implantação do estudo de temas africanos e afro- -brasileiros. Ela diz respeito à resistência, e mesmo oposição aberta, dos adep- tos de religiões evangélicas quanto ao ensino de cultura afro-brasileira. São vários os depoimentos relativos à dificuldade de abordar assuntos relativos à
  • 21. Junho de 2012 21 Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África religiosidade africana ou afro-brasileira na presença desses grupos, os quais se recusam a tratar do assunto, quando não partem para a ofensiva diante do que entendem serem seitas diabólicas. Esse tema foi abordado com vagar na já mencionada tese de Raquel Bakke. Por meio de uma pesquisa de campo a autora constatou que a esfera religiosa é a preferencialmente eleita pelos professores e programas de cursos para abor- dar a cultura afro-brasileira. De acordo com sua análise há um processo de transformação da religião em cultura, com aquela assumindo a totalidade da expressão desta. Isso estaria ligado à elevação do candomblé como símbolo máximo da identidade afro-brasileira e à sua associação com a ideia de resis- tência negra na construção de identidades. Como o ensino de temas afro- -brasileiros estaria intimamente vinculado a uma posição política, a religião, como espaço maior de resistência, seria privilegiada como tema. Dessa forma, aumentaria a dificuldade da implantação real da Lei 10.639, pois são justamen- te os temas ligados às religiosidades afro-brasileiras os que encontram maior resistência junto a professores e alunos, principalmente se a presença de evan- gélicos for significativa. Esse mecanismo recorrente seria, no seu entender, um fator, entre outros, da dificuldade de execução das recomendações da lei. Dian- te do quadro descrito pela autora, me parece que um caminho para contornar essa dificuldade seria mudar o foco de interesse principal para outra esfera, que não a religiosa, e dessa forma introduzir conhecimentos que permitissem a construção de uma relação respeitosa com a alteridade representada pela cultura afro-brasileira. Vale notar que a pesquisadora estava preocupada com o ensino de cultu- ra afro-brasileira e não de história da África, sugerindo ser exagerada a preo- cupação com o esta última ao dizer que, Se é possível fazer a crítica ao conteúdo de história, que insiste em dar mais ênfa- se à história da África, e continua não abrindo muito espaço para se analisar o papel do negro como sujeito político após a abolição da escravidão, as demais disciplinas, como geografia, sociologia e filosofia, possibilitam essa abordagem.3 É fato que ao fazer essa observação a autora está apontando para a defi- ciência no tratamento do negro como agente histórico, mas atribui isso à aten- ção excessiva dada à história da África. No meu entender, o que acontece é justamente o contrário. Uma vez que os professores pouco sabem acerca das
  • 22. Marina de Mello e Souza Revista História Hoje, vol. 1, nº 122 sociedades africanas, seus sistemas de pensamento e os processos históricos por elas vividos, têm dificuldade em abordar temas carregados de preconceitos de forma a derrubá-los, ao tratar os fenômenos das culturas afro-brasileiras com base nas lógicas de suas matrizes africanas e dos processos que lhes deram origem. Minha posição é de que somente conhecendo bem as sociedades afri- canas, suas histórias e os processos que nos ligam a elas, assim como desven- dando as noções por trás da construção histórica e ideológica dos preconceitos contra o africano e o negro, teremos condições de analisar com consistência as manifestações afro-brasileiras e o lugar que os africanos e seus descendentes ocuparam no passado e ocupam no presente, no contexto da sociedade brasi- leira como um todo. Dessa forma, minha perspectiva também é bastante diferente da que me parece ser a do movimento negro em geral, que vê a lei como possibilidade de afirmação política e inclusão social de um segmento marginalizado da popu- lação. Não que eu discorde disso, mas penso que não são as razões políticas que devem indicar o caminho, sendo o alcance de suas bandeiras o ponto de chegada, e não o de partida. As boas intenções daqueles que se guiam princi- palmente pelas razões políticas acabam sendo fragilizadas pelo descaso quan- to à necessidade de abordar os temas de forma consistente, resultante de estu- do e conhecimento aprofundado acerca deles. Informações equivocadas, e mesmo perniciosas, podem acabar por comprometer as boas intenções, dando munição aos que não concordam com a existência da lei e argumentam que ela reflete uma postura autoritária ou mesmo que acirra antagonismos funda- dos em distinções de base racial. Postura com a qual não concordo de forma alguma e que desconsidera a longa luta encabeçada pelo movimento social genericamente chamado de movimento negro, que conquistou, vencendo re- sistências profundamente arraigadas na sociedade brasileira, um importante espaço no caminho da construção de uma sociedade mais igualitária, na qual as diferenças de aparência e ancestralidade não possam ser acionadas como instrumentos para inferiorizar e marginalizar alguns segmentos sociais. Como Raquel constatou em sua pesquisa, os temas ligados às culturas afro-brasileiras são assuntos que incomodam, o que resulta na dificuldade em colocar em prática a lei. Para que os temas deixem de incomodar é necessário, no meu entender, explicitar os processos históricos e ideológicos presentes nas bases das percepções contemporâneas acerca da África e da cultura afro-bra-
  • 23. Junho de 2012 23 Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África sileira, como aliás, conforme dito no início deste texto, é indicado por várias pessoas que se detiveram sobre o assunto. Dessa perspectiva, é fundamental o ensino de temas africanos, considerados não apenas pelos seus aspectos nega- tivos, largamente divulgados pela imprensa e pelas mídias oficiais, mas sim pelo que podemos chamar de aspectos positivos, ou seja, as características culturais e formas de organização social e política próprias, os processos his- tóricos tanto internos quanto pertinentes à sua relação com outros continentes, seja com as sociedades ocidentais, seja com as orientais. No meu entender, ao tratarmos de assuntos africanos em geral e história da África em particular, devemos partir do princípio de que temos pouca, ou mesmo nenhuma familiaridade com os temas relativos ao continente africano. Dessa forma, como já dito, o estudo e a pesquisa são requisitos fundamentais para adquirirmos essa familiaridade e aprofundar o conhecimento sobre a África. Se olharmos para a trajetória da construção desse conhecimento no âmbito do chamado mundo ocidental, do qual fazemos parte, veremos que os europeus só passaram a conhecer melhor o continente africano na segunda metade do século XIX, quando se multiplicaram as expedições de exploração. Naquele momento, além de o combate às doenças ali existentes ter se tornado mais eficiente, permitindo a maior sobrevivência dos estrangeiros, as técnicas de medição e de transporte estavam aprimoradas, o que contribuiu para a elaboração de um conhecimento mais preciso sobre o interior da África. Nes- se processo são importantes as sociedades de geografia e as companhias de comércio interessadas em atuar nos espaços africanos, principalmente com- prando matérias-primas e explorando suas riquezas naturais. Outro princípio fundamental do qual devemos partir diz respeito aos pre- conceitos associados aos povos africanos e suas sociedades. Quando o conhe- cimento sobre o continente começou a se aprofundar, predominavam as ideias de hierarquia entre as raças, baseada em diferenças biológicas, e de hierarquia entre as sociedades, fundada em níveis de evolução. Nesse contexto a África era vista como um continente atrasado, primitivo, habitado por populações em estágios inferiores da evolução humana. Havia variações nessa classificação, e no Brasil, no final do século XIX e ao longo do XX, os iorubás eram vistos como superiores aos bantos, percebidos como detentores de culturas menos complexas, portanto mais primitivas. Essa postura deve ser entendida como resultado de uma maneira de pensar historicamente constituída, ligada a de-
  • 24. Marina de Mello e Souza Revista História Hoje, vol. 1, nº 124 terminadas teorias que se tornaram ultrapassadas por maneiras de pensar que vieram depois e negaram a ideia de hierarquia entre as raças e mesmo entre as culturas, noção que substituiu a de raças. Hoje pensamos em termos de dife- renças culturais, de sistemas simbólicos, sem inserir as diferenças em uma escala evolutiva, associada às ciências biológicas. Na era da valorização do multiculturalismo e das diferenças os preconceitos podem ser superados ao mostrarmos as bases sobre as quais eles foram construídos, e que não se sus- tentam mais. No caso específico da história, outro ponto de partida para abordar o continente africano é descartar a ideia de que documentos escritos são impres- cindíveis para o conhecimento histórico. Essa também é uma visão ultrapas- sada na medida em que a história contemporânea incluiu em sua esfera de interesse as camadas populares e mesmo iletradas, sendo suas preocupações antes centradas nos feitos dos dirigentes e dos heróis. Paralelamente a isso, a história passou a utilizar instrumentos de outras disciplinas como a antropo- logia, a análise literária, a geografia, a arqueologia e a linguística, assim como passou a considerar a oralidade uma fonte produtora de informações impor- tantes para a reconstrução dos acontecimentos e processos históricos. Essa postura permite que seja aceita a possibilidade de fazer a história de populações que não deixaram registros escritos e cuja importância não é medida pelo impacto de suas ações na história da humanidade como um todo. Considero central no ensino de história da África a identificação destes três pontos de ordem mais geral: o desconhecimento sobre o continente afri- cano, a desconstrução dos preconceitos a ele relacionados e a multiplicidade de possibilidades metodológicas na construção do conhecimento histórico. Quanto a o que ensinar, à guisa de auxiliar o professor nesse campo ainda pouco percorrido, proponho alguns conjuntos de fontes para buscar informa- ções sobre a África, considerando a divisão cronológica tradicional no campo da história, assim como o recurso aos documentos escritos, sem me deter nas diferentes escolas de interpretação, pois há uma variedade delas a orientar as análises dos processos ali ocorridos nos diversos tempos.4 Com relação ao período chamado de Antiguidade pela historiografia, as regiões com maior quantidade de informações são as próximas ao rio Nilo, ao mar Vermelho e ao Mediterrâneo, que estavam inseridas nos circuitos comer- ciais e políticos em curso naquela região, considerada em sua totalidade. Fon-
  • 25. Junho de 2012 25 Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África tes gregas, romanas e árabes trazem indícios sobre acontecimentos e processos ocorridos no Egito, na Núbia, na Etiópia, nos portos do mar Vermelho e do Mediterrâneo. Com relação ao período chamado de Idade Média pela historiografia, além de relatos sobre as regiões acima mencionadas existem ainda fontes sobre as sociedades existentes às bordas leste e sul do deserto do Saara, como Gana, Mali e Songai, principalmente de comerciantes e viajantes árabes. Para o final desse período e já entrando na Idade Moderna, existem relatos feitos por afri- canos islamizados, que incorporaram a escrita a partir do contato com os ára- bes na região do Sael, sendo os exemplos mais conhecidos as crônicas escritas no século XVII: Ta’rikh al-Sudan e Ta’rikh el-Fattash, traduzidas para o fran- cês no início do século XX. Com relação ao período chamado de Idade Moderna pela historiografia, além da existência de documentos sobre todas as regiões já mencionadas, a presença de europeus nas costas atlântica e índica do continente produziu um aumento considerável de relatos escritos por estrangeiros, como comerciantes, administradores, missionários católicos e viajantes. O contato com os europeus em alguns lugares também levou à incorporação da escrita, havendo documen- tos escritos produzidos por africanos principalmente em regiões da África centro-ocidental.5 Com relação ao período chamado de Contemporâneo, os documentos escritos são ainda mais abundantes, acompanhando os processos de incorpo- ração dos padrões ocidentais por parte das sociedades africanas, intensificados a partir do final do século XIX e da ocupação colonial por grande parte do continente, e mais ainda a partir das independências nacionais. Além dos tex- tos produzidos pelas viagens de exploração e pelas relações comerciais e diplo- máticas, foram escritos muitos trabalhos sobre as sociedades africanas, abor- dadas principalmente a partir de suas organizações políticas e sociais, mas também de seus processos históricos, mesmo que em menor quantidade. Se num primeiro momento predominaram os trabalhos feitos pelos agentes co- loniais e as perspectivas próprias dos lugares que eles ocupavam, a partir dos anos 1960, das independências nacionais e da consolidação de centros de es- tudo e pesquisa acadêmica, africanos passaram a escrever sua história combi- nando perspectivas ocidentais com as tradicionais, ganhando destaque o re- curso à história oral.
  • 26. Marina de Mello e Souza Revista História Hoje, vol. 1, nº 126 Quanto às fontes não escritas, além da oralidade, considerada como forma de acesso ao passado desde os gregos, disciplinas como a arqueologia, a lin- guística, a geografia, a antropologia e a análise literária contribuem para um maior conhecimento acerca do continente africano e de sua história. Aqui vale chamar a atenção para a especificidade do que estamos chamando de história, ou seja, uma disciplina formada no âmbito das formas de conheci- mento ocidentais, que lida com a ação dos homens ao longo do tempo. Esta é uma maneira específica de apreensão do passado, que segue procedimentos e regras próprias, existindo outras possibilidades de lidar com o passado das sociedades, como as eminentemente africanas. Nestas a transmissão oral das informações, que podem ser de diferentes naturezas (genealogias, lendas, mi- tos, história das migrações, saberes técnicos), caracteriza maneiras específicas de lidar com o conhecimento sobre o passado e a sua transmissão.6 Para fazer história da África hoje no Brasil, não dispomos de muitos ma- teriais, mas, com a proliferação de textos digitalizados e a publicação de fontes, é possível fazer alguma coisa. O aprofundamento do conhecimento exige o domínio de pelo menos uma língua estrangeira (inglês ou francês), na medida em que ainda há muito poucas traduções de trabalhos de história, publicados na forma de livros ou de artigos em revistas especializadas. A ampliação do número de títulos disponíveis em bibliotecas, as assinaturas de revistas e o enriquecimento de acervos, de obras escritas ou da chamada cultura material, são tarefas que devem ser priorizadas pelas instituições de ensino e pesquisa para que os estudos africanistas se consolidem entre nós. E isso vem aconte- cendo não apenas no âmbito do ensino superior, em várias universidades do país, como também em museus e instituições de pesquisa que, como dito, devem estreitar cada vez mais seus laços com o ensino básico e fundamental, de forma a consolidar o ensino e a pesquisa sobre assuntos africanos em terras brasileiras.7 Como tudo que diz respeito ao conhecimento e ao ensino, o estudo é fator indispensável para o professor atingir plenamente seus propósitos de educa- dor, e, além da motivação individual, é preciso haver apoio institucional para isso, tanto na forma de tempo disponível como na de remuneração adequada que considere o trabalho feito fora da sala de aula. Sendo a interferência nestes últimos fatores tarefa de segmentos organizados em termos políticos e traba-
  • 27. Junho de 2012 27 Algumas impressões e sugestões sobre o ensino de história da África lhistas, fica aqui a minha modesta contribuição no que diz respeito às possibi- lidades de aprimoramento individual. NOTAS 1 BAKKE, Raquel Rua Baptista. Na escola com os orixás: o ensino das religiões afro-brasi- leiras na aplicação da Lei 10.639. Tese (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Departamento de Antropologia, FFLCH, USP. São Paulo, 2011. p.88. 2 Dentre as traduções mais recentes destaco os oito volumes da História Geral da África disponíveis em www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/gene- ral_history_of_africa_collection_in_portuguese-1/; M’BOKOLO, Elikia. África negra. His- tória e civilizações. Trad. Alfredo Margarido. Salvador: Ed. UFBA; São Paulo: Casa das Áfricas, 2009; THORNTON, John. A África e os africanos na formação do mundo atlântico, 1400-1800. Trad. Marisa Rocha Motta. Rio de Janeiro: Campus; Elsevier, 2004; LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história de suas transformações. Trad. Regina A. R. F. Bhering e Luiz Guilherme B. Chaves. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Dentre os autores nacionais, destaca-se SILVA, Alberto da Costa e, autor de, entre outros, A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Edusp, 1992; A manilha e o libambo: a África e a escravidão de 1500 a 1700. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Fundação Biblioteca Nacional, 2002; Um rio chamado atlântico: a África no Bra- sil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. UFRJ, 2003; Francisco Félix de Souza, mercador de escravos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. Uerj, 2004. Quanto a trabalhos produzidos no âmbito dos programas de pós-graduação, foram publicados al- guns produzidos no Departamento de História da USP, como: GEBARA, Alexsander. A África de Richard Francis Burton: antropologia, política e livre-comércio, 1861, 1865. São Paulo: Alameda, 2010; SANTOS, Gabriela Aparecida dos. Reino de Gaza: o desafio portu- guês na ocupação do sul de Moçambique (1821-1897). São Paulo: Alameda, 2010; SILVA, Juliana Ribeiro da. Homens de ferro: os ferreiros da África central no século XIX. São Pau- lo: Alameda, 2011. 3 BAKKE, Raquel Ruas Batista, op. cit., p.74-75. 4 Para referências de narrativas de diversos momentos e procedências, ver FAGE, J. D. A evolução da historiografia da África. História Geral da África I, p.1-22. Disponível em: www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ue000318.pdf. 5 SANTOS, Catarina Madeira; TAVARES, Ana Paula. Africae Monumenta, v.I. Arquivo Caculo Cacahenda. Lisboa: Centro de Estudos de História e Cartografia Antiga/ Instituto de Investigação Científica Tropical, 2002, apresenta um conjunto de textos que exemplifi- cam a apropriação da escrita por sociedades centro-africanas antes do século XIX. 6 Um texto clássico sobre a questão da oralidade e da memória nas sociedades africanas é HAMPATÉ BÂ, Amadou. A tradição viva. In: KI-ZERBO, Joseph (Org.) História Geral da África I. Metodologia e pré-história da África. São Paulo: Ática; Unesco, 1980. Também
  • 28. Marina de Mello e Souza Revista História Hoje, vol. 1, nº 128 disponível em: unesdoc.unesco.org/images/0019/001902/190249por.pdf. Quanto a uma perspectiva acadêmica o livro que primeiro se debruçou sobre o tema é VANSINA, Jan. Oral tradition as History. Madison: The University of Wisconsin Press, 1985. 7 Em São Paulo vale destacar a atuação educativa do Museu Afro-Brasil, que recebe grande quantidade de escolas, tem uma bem treinada equipe de educadores e uma importante bi- blioteca. Artigo recebido em 20 de janeiro de 2012. Aprovado em 26 de março de 2012.
  • 29. Entre máscaras e espelhos: reflexões sobre a Identidade e o ensino de História da África nas escolas brasileiras1 Among masks and mirrors: reflections about Identity and the teaching of African history in Brazilian schools Anderson Ribeiro Oliva* Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar os reflexos, na construção das identidades individuais e coletivas de es- tudantes, das abordagens de conteúdos sobre a história africana no ensino brasi- leiro. Partindo dos referenciais teóricos ligados aos Estudos Culturais, o trabalho analisa a forma como o tratamento con- cedido ao assunto pode fomentar, inter- ditar e justificar a existência de reflexos identitários plurais – com a presença das ‘máscaras’ africanas de reconhecimento do outro e de autorreconhecimento – em nossos espaços escolares. Ao mesmo tempo o texto se propõe a discutir o sen- tido da identidade nacional em uma so- ciedade composta por conjuntos popula- cionais híbridos, complexos e marcados pelas relações interculturais e multicultu- rais geradas ao longo de sua composição histórica mais recente. Palavras-chave: identidades; ensino de história africana; Estudos Culturais. Abstract This article aims at analyze the reflexes, in the construction of individual and collective identities of students, of the approaches of contents about African history in Brazilian education. Based on the theoretical references connected to Cultural Studies, the study analyzes how the treatment accorded to the subject can foster, interdict and justify the exis- tence of plural reflections of identity – with the presence of the African ‘masks’ of recognition of others and of self-rec- ognition – in our school spaces. The text also proposes to discuss the meaning of national identity in a society composed by hybrid sets of population, complex and marked by intercultural and multi- cultural relations formulated along its recent historical composition. Keywords: identities; teaching of Afri- can history; Cultural Studies. *Departamento de História, Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília (UnB). Campus Universitário Darcy Ribeiro, ICC Ala Norte, 1º andar, s645/62 Asa Norte. 70190-900 Brasília – DF – Brasil. oliva@unb.br Revista História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 29-44 - 2012
  • 30. Anderson Ribeiro Oliva Revista História Hoje, vol. 1, nº 130 No Brasil, um dos debates mais frutíferos sobre a questão da Identidade Nacional foi vivenciado nos últimos dez anos. Motivado, entre outros ingre- dientes, pela implementação das cotas raciais em algumas universidades pú- blicas brasileiras, é certo afirmar que um dos seus efeitos positivos foi forçar uma parte significativa da sociedade brasileira, até então desinteressada em relação ao tema, a se posicionar ou a refletir sobre os mitos fundadores da identidade nacional, sobre as nossas múltiplas identidades e as distorções ex- perimentadas nas relações interidentitárias. Observamos, na realidade, o continuar das experiências de fabricação da Identidade Nacional, talvez tão impactantes quanto aquelas iniciadas na se- gunda metade do século XIX (caracterizadas pela negação da pluralidade ét- nica, pela valorização de nossa suposta eurodescendência e pelos referenciais teóricos do Determinismo Racial) e na década de 1930 (com a defesa de uma suposta cultura nacional homogeneizadora e embebida na ideia da miscigena- ção e da ‘democracia racial’). O atual momento, iniciado há pelo menos quarenta anos, refunda algu- mas de nossas velhas crenças redefinindo a Identidade Nacional a partir da combinação ou coexistência de outras identidades. Esse ‘novo’ diálogo, envol- vendo máscaras e reflexos identitários, que é muito mais revelador para os teóricos/educadores, e muito mais significativo para aqueles que se veem for- çados a assumir ou a negar o pertencimento a alguma dessas ‘outras identida- des’, parece ser mais funcional e crível do que o suposto manto de uma iden- tidade comum que recobriria a todos. A cultura e a identidade nacionais (ditas no singular) foram substituídas, neste caso, por um conjunto multifacetado e plural de práticas, ideias, padrões de comportamento, características psicológicas, estéticas, definições sobre identidade e alteridade que criam um mosaico de percepções de pertencimen- to e de estranhamento que abalaram fundações que pareciam indestrutíveis. Não somos apenas ‘brasileiros’. Somos afro-brasileiros, nipo-brasileiros, luso- -brasileiros, teuto-brasileiros, ítalo-brasileiros. Mais do que isso, somos tam- bém homens e mulheres; nordestinos ou nortistas; brancos e negros; morado- res de bairros diferentes; exercemos profissões distintas (inclusive no status); somos portadores de crenças e estilos distintos. É claro que essas múltiplas identidades sempre nos pertenceram, mas elas ficavam esquecidas quando as
  • 31. Junho de 2012 31 Entre máscaras e espelhos relações interidentitárias nos forçavam a uma definição homogênea ou exclu- siva: ser brasileiro. Não me parece absurdo lembrar que o debate acerca das identidades mul- ticulturais e das relações interculturais não é uma exclusividade do cenário brasileiro. Outros espaços globais têm sido tocados cotidianamente pela ques- tão. Nas Américas, na África e na Europa (para limitarmos nossos olhares aos efeitos das diásporas africanas mais recentes), a situação dos imigrantes afri- canos e das crescentes parcelas das populações de alguns países formadas por seus descendentes intensifica o debate sobre as identidades a cada caso de ra- cismo, xenofobia, ou de explosões sociais vindas das periferias. Motivados por esses contextos complexos, há alguns anos, vários teóricos têm se dedicado ao estudo dessas realidades. Dentre esses, um grupo tem chamado a atenção pelo seu formato híbrido: são teóricos/cientistas, mas são também integrantes de experiências diaspóricas ou pós-coloniais, que procuram explicar, entender e vivenciar. Acredito que nenhum outro conjunto de especialistas avançou tan- to sobre esse debate como aqueles vinculados aos “Estudos Culturais” (Cultu- ral Studies) ou aos Estudos Pós-Coloniais.2 Entre os debates intentados por esses teóricos, a fundação e o emprego de algumas categorias/conceitos, como multiculturalismo, culturas híbridas e iden- tidades plurais, resultaram como potenciais ferramentas de análise e compreen- são de várias experiências histórico-culturais ocorridas em sociedades cunhadas pelas diásporas e pelas migrações, recentes ou não. Neste caso, me parece certo que, para refletirmos com nossos estudantes sobre a relevância de conteúdos vinculados à história africana em seus cotidianos escolares existe um obrigatório eixo ou elemento de articulação: o debate reflexivo sobre as identidades. Fundamentalmente, é sobre isso que estamos a falar. Como nos identifica- mos? Como identificamos aos Outros? Sejam eles, ou sejamos nós, o que formos, falamos sobre os critérios de descrição, atribuição, reconhecimento ou negação de uma ou várias identidades. As relações identitárias, o multiculturalismo e os mecanismos relacionais devem tencionar a Escola a assumir uma nova postura perante a pluralidade cultural e as identidades plurais brasileiras. Partindo do cenário descrito, o presente artigo tem como objetivo maior refletir acerca dos possíveis reflexos, na construção das identidades individuais e coletivas de estudantes, das abordagens de conteúdos da história africana no ensino brasileiro. A intenção principal do trabalho é analisar a forma como o
  • 32. Anderson Ribeiro Oliva Revista História Hoje, vol. 1, nº 132 tratamento concedido ao assunto pode fomentar, interditar e justificar a exis- tência de reflexos identitários multiculturais – com a presença das ‘máscaras’ africanas de reconhecimento do outro e de autorreconhecimento – em nossos espaços escolares. Ao mesmo tempo o texto se propõe a discutir o sentido da identidade nacional em uma sociedade composta por conjuntos populacionais híbridos e complexos em meio às relações interculturais e multiculturais ge- radas ao longo de sua composição histórica mais recente. Entre máscaras identitárias e espelhos. O debate sobre as identidades e o ensino de história africana Um dos objetivos principais da Educação Básica brasileira sinaliza para a necessidade de que estudantes e professores devam reconhecer e valorizar a “pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro”, e, ao mesmo tempo, co- nhecer também os “aspectos socioculturais de outros povos ... posicionando-se contra qualquer discriminação”.3 Neste caso, a própria Lei de Diretrizes e Ba- ses da Educação Nacional (9.394/1996), já determinava, em 1996, que a abor- dagem da história do Brasil nas escolas deveria “levar em conta as contribui- ções das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro”, entendidas nos termos empregados pela lei como as “matrizes indígena, afri- cana e europeia”.4 Esses elementos foram sintetizados em um dos pressupostos centrais para o ensino brasileiro pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), com base em um de seus temas transversais: a Pluralidade Cultural. Dessa forma os textos dos PCNs já incorporavam, no final da década de 1990, as mudanças teóricas de definição das identidades que circulavam nos meios acadêmicos e movimentos sociais há algumas décadas, criticando aber- tamente a percepção de que a Identidade Nacional seria entendida com base na adesão a um conjunto comum de valores culturais por um grupo homogê- neo de pessoas. Pluralidade cultural, diversidade étnica, identidades plurais e trajetórias históricas distintas passaram a ser tratadas como formadores da- quilo que se entendia por ‘povo brasileiro’. Ou seja, dissolvia-se a ideia de que existia ‘um povo brasileiro’, revelando-se que uma única Identidade Nacional só existia quando construíamos e compartilhávamos uma falsa imagem. No lugar dessa imagem deveria entrar outra: a do mosaico identitário, ou melhor, das Identidades Plurais e das Identidades Parciais.
  • 33. Junho de 2012 33 Entre máscaras e espelhos Nenhuma sociedade pode se pensar como homogênea ou como possui- dora de uma única inscrição cultural/identitária. As diferenças das mais diver- sas ordens – de origem, social, gênero, profissão, cor, idioma, idade, região, escolaridade, território, religião – criam sulcos de formatos distintos dentro das sociedades e entre diferentes sociedades. Nossa ‘brasilidade’ apenas reflete- -se no jogo de espelhos identitários quando provocada; quando, em determi- nadas épocas ou situações, somos forçados a revelar algumas de nossas más- caras de reconhecimento, defender ou negar o pertencimento a essa ou aquela inscrição. De outra forma, poderíamos voltar a perguntar o que forma ou o que define o pertencimento a esta identidade. O que é ser brasileiro? Para alguns, tal resposta seria dada com base na descrição/inscrição de um elemento essencial ou na combinação de certos ingredientes: ‘nasceu no Brasil’ (território); ‘fala português’ (língua); ‘é filho de brasileiros’ (descendên- cia sanguínea); ‘é filho de pai ou mãe brasileiros’ (descendência sanguínea parcial); ‘sabe sambar, jogar futebol e gosta de carnaval’ (ingredientes cultu- rais); ‘é cordial, simpático e tem o jeitinho brasileiro’ (valores comportamen- tais). Se, em algumas situações, parece claro que somos ‘brasileiros’, em outras, parece ser fruto de um grande improviso nos classificarmos como iguais. Estar diante do outro – estrangeiro (espanhol, estadunidense, japonês, mexicano, nigeriano) –, ser identificado pelo outro – quando na condição de imigrante ou em viagem ao exterior –, participar de certos momentos ‘comuns’ – eleições, competições esportivas –, talvez sinalizem para um pertencimento identitário também comum, mas obviamente pouco operacional e funcional apenas em poucas situações. Cotidianamente nos observamos e nos identifi- camos com base em outras inscrições, mais usuais e proximais do que a ‘bra- silidade’. Ou seja, nossa ‘brasilidade’ está carregada de sentidos, reflexos e máscaras distintas a partir do lugar identitário do qual falamos. Não estamos afirmando com isso que não temos ‘uma identidade nacio- nal’. ‘Ela’ ou ‘elas’ existem. Inscrevemo-nos na ‘brasilidade’ ou a refletimos em algumas situações, como já afirmamos. Porém, mesmo nesses momentos, ‘ela’ ou ‘elas’ não nos igualam. Enfim, somos brasileiros (para aqueles que se consi- deram ou se inscrevem nesta identidade), mas possuímos outras inscrições identitárias, mais reveladoras, marcantes e coparticipantes em relação à primei- ra quando operamos as categorias de definição e identificação. Perceba-se, por- tanto, que não defendemos um revirar de faces ou identidades, apenas reforça-
  • 34. Anderson Ribeiro Oliva Revista História Hoje, vol. 1, nº 134 mos o argumento de que a definição ‘brasileiro(a)’ só pode ser entendida quando vista como um mosaico, composto por outras múltiplas faces, por di- versas culturas, com a presença de maiorias e minorias. Identidades Plurais que se articulam, se atraem ou se rejeitam sob um ‘guarda-chuva’ identitário maior, a Identidade Nacional. Cada vez mais, para mais pessoas, faz mais sentido se pensar como nipo-brasileiro ou afro-brasileiro, do que como apenas ‘brasileiro’. Para descrever sociedades como a nossa, teóricos da cultura têm formu- lado definições ou categorias que procuram revelar e explicar os resultados dos encontros e desencontros de agentes, culturas e identidades plurais: culturas híbridas; sociedades Pluriculturais; sociedades Multiculturais e sociedades In- terculturais, entre outras. No caso brasileiro, uma das definições mais frequen- tadas tem sido a do Multiculturalismo. Neusa Maria Mendes de Gusmão esclarece que esse conceito pode ser entendido com base em duas componentes. A primeira refere-se a um ‘fenô- meno’ vivenciado em muitas sociedades nas quais o pluralismo cultural se manifestou pelo encontro de vários agentes formadores, oriundos de espaços distintos e que se deslocaram em correntes migratórias pelos mais diversos motivos e tempos. A segunda confunde-se com uma série de políticas públicas contemporâneas – como na educação ou na formação profissional – com o objetivo de atender demandas de sociedades plurais.5 Seja como for, o empre- go do termo é/foi marcado por algumas polêmicas e limitações. No entanto, entre outras ‘equações teóricas’ possíveis, ele representa uma forma de inter- pretar e, ao mesmo tempo, solucionar questões inerentes às sociedades mar- cadas profundamente pela diversidade de seus entes componentes. O termo ‘multiculturalismo’ ganhou, no entanto, muitos críticos, entre outras razões, porque se limitaria “a constatar o estado das entidades sociais onde coa- bitam os grupos ou os indivíduos de culturas diferentes”. Na mesma direção al- guns autores afirmam que “multicultural é entendido como uma constatação da presença de diferentes culturas num determinado meio e da procura de com- preensão das suas especificidades”. O multiculturalismo coloca, sem sombra de dúvida, a heterogeneidade de formação de diferentes sociedades e torna evidente a questão das diferenças. As críticas decorrem do fato de que, na prática, todas as sociedades são multiculturais. (adaptado de Gusmão, 2004, p.61)
  • 35. Junho de 2012 35 Entre máscaras e espelhos Mesmo com suas limitações, ao ser manipulado por diversos sujeitos, o ‘multiculturalismo’ apresentou-se nas últimas décadas como uma forma de invenção social e de inscrição identitária. Ao mesmo tempo, revelou-se tam- bém como instrumento de intervenção pública, no esforço de certos agentes em (re)significar e modificar práticas que levaram/levam à construção de so- ciedades marcadas por profundas desigualdades e práticas discriminatórias. Gusmão, ao analisar a situação vivenciada por jovens estudantes africanos ou luso-africanos (descendentes de imigrantes africanos) em escolas portugue- sas nas décadas de 1980 e 1990, nos informa uma importante maneira de pen- sar as relações societárias, raciais e culturais em uma sociedade que se julgava monocultural, mas que na prática não o era. A escola marcada pela multiplicidade étnico-cultural faz da educação um desafio como prática e como teoria, posto que envolve diferentes sujeitos, agentes, agên- cias e instituições ... A chamada educação multicultural passa então a ser conce- bida na Europa e também em Portugal como condição de dar nota de uma reali- dade social formada por imigrantes e seus descendentes e, junto dela e em seu nome, reorientar as reivindicações que tais grupos elaboram perante os desman- dos de uma ordem social injusta e excludente, perante os processos xenofóbicos e racistas do mundo europeu. O objetivo central é o de buscar uma sociedade baseada na igualdade e na tolerância. (Gusmão, 2004, p.63) Portanto, ao partirmos do princípio de que somos membros de uma socie- dade multicultural avançamos no esforço de identificar nossas várias ancestra- lidades e agentes formadores. Implodimos com mitos de origem que insistiam a nos tratar como membros de uma única cultura – primeiro a europeia e depois a nacional (única e fruto da miscigenação). De forma parecida, assumimos a necessária urgência de elaborarmos políticas e estratégias que combatam as de- sigualdades geradas por essências discriminatórias e que permitam aos diversos grupos ou componentes desse mosaico que é a Identidade Nacional (plural e diversa) se autoafirmarem, sendo valorizados e reconhecidos por todos. Dessa forma, mesmo assumindo as limitações do uso dessa categoria, de- fendemos seu emprego em nossas análises e nos estudos escolares. Isso se deve ao fato de que ela permite não só refundar percepções identitárias, mas, prin- cipalmente, revelar que qualquer diálogo sobre o que devemos ensinar nas es- colas deva passar pelas trajetórias históricas plurais e pelas diversas contribui-
  • 36. Anderson Ribeiro Oliva Revista História Hoje, vol. 1, nº 136 ções ao patrimônio cultural ‘brasileiro’ oriundas das mais diferentes sociedades, populações e agentes que participaram (ou participam) de sua formação. Os ‘entre-lugares’ da Identidade e da Educação Ao analisar parte da obra6 do afro-martinicano Frantz Fanon, o teórico indo-britânico Homi Bhabha elaborou uma das mais reveladoras tentativas de explicar, interpretar e vivenciar o fenômeno da construção das identidades formadas pelas diásporas. As trajetórias desses dois indivíduos, forjadas elas mesmas pelas diásporas e pelos espaços criados em meio às relações coloniais e pós-coloniais, permitem que em suas expressões e apreensões de mundo encontremos claras aproximações com as realidades vividas por milhares de homens e mulheres que compartilharam histórias de vida correlatas. A sensa- ção de pertencimento e estranhamento nas relações de identificação; a fabri- cação de culturas híbridas e as novas formas de inscrição cultural resultam do esforço de imaginar como tão complexas e diversas situações de contatos in- terculturais/multiculturais criaram o que Bhabha chamou de ‘entre-lugares’, ou seja, os processos de elaboração das novas identidades culturais. O que é teoricamente inovador e politicamente crucial é a necessidade de passar além das narrativas de subjetividades originárias e iniciais e de focalizar aqueles momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças cultu- rais. Esses ‘entre-lugares’ fornecem o terreno para a elaboração de estratégias de subjetivação que dão início a novos signos de identidade...7 Homens ‘hifenados’ (afro-americano e indo-britânico), ambos os teóricos citados interpretam ou representam situações que podem espelhar os encon- tros e desencontros que acontecem nos espaços escolares dentro de sociedades multiculturais. Não podemos negligenciar o fato de que a Escola é um espaço marcado por discursos e práticas, tensões e debates. Os movimentos formati- vos e discursivos, a disciplinarização em conflito com a contestação e a educa- ção formal esbarrando nas práticas pessoais são dinâmicas comuns nessas instituições. Representantes de uma percepção de mundo, de interesses dos agentes que operam o sistema educacional e de seus integrantes (docentes, estudantes, técnicos, família e sociedade), as Escolas devem ser pensadas como
  • 37. Junho de 2012 37 Entre máscaras e espelhos fronteiras, entendidas como Bhabha nos lembra: “lugar onde algo começa a se fazer presente” (2003, p.26-27). Ou seja, apesar de apresentar conteúdos formais e preestabelecidos aos estudantes – prescritos por leis, normas e currículos –, a apropriação das ‘li- ções’, a construção de novas leituras de mundo e de entendimentos sobre as realidades coletivas e individuais apresentam-se justamente como parte de um movimento de elaboração de novas identidades. Identidades que não são aque- las apresentadas pelas abordagens do conteúdo preestabelecido ou as informa- das pelos estudantes. Formas distintas de inscrição cultural se articulam nessa fronteira, tornando a Escola um espaço de grande relevância na formação de algumas de nossas múltiplas identidades. O mais interessante é que na Escola ensina-se um tipo específico de me- mória, de História e de pertencimento. As experiências relativas à trajetória de vida pessoal de cada um de seus integrantes são inicialmente ignoradas. Seus sujeitos são vistos como subalternos a uma cultura e valores a serem apreen- didos. Como em uma microesfera das experiências coloniais, a sala de aula torna-se um lugar de dominação cultural, de colonização imaginária. Nela uma suposta identidade comum ou pré-concebida (brasileiro, homem, mulher, ne- gro, branco) desloca-se e conflita com uma alteridade complexa. A imagem esperada do que definiria uma determinada entidade (‘brasi- leiro’) fragmenta-se e se torna insólita diante de tantos outros. Se, durante grande parte dos séculos XIX e XX, a escola reproduziu uma imagem homo- gênea de brasilidade – de franca ascendência europeia, branca, cristã, ociden- tal, masculina e elitista –, ao confrontar-se com outras expressões e inscrições culturais e identitárias – como a africanidade, a latinidade, as leituras feminis- tas, as múltiplas filiações religiosas e não-elitistas – criou-se um espaço de conflito e recriação do que somos e de como nos percebemos e aceitamos. Gusmão lembra que “a escola não consegue captar as expressões culturais presentes na modernidade e nas relações de identidade” servindo a determi- nados objetivos nas sociedades modernas: formar o cidadão e o profissional. Neste caso os debates sobre a memória cultural ou as diferentes formas de reconhecimento cultural estariam fora de suas intenções ou ações prioritárias, marcadas por claras distorções de origem. A única memória que deveria ser apreendida nas salas de aulas deveria ter base científica e se confundir com as ideias de nação e memória nacional, produzidas ou aceitas pelos agentes que
  • 38. Anderson Ribeiro Oliva Revista História Hoje, vol. 1, nº 138 defendem os discursos oficiais e homogeneizadores da Identidade Nacional (Gusmão, 2004, p.51-52). Neste espaço, os saberes individuais, locais e das minorias seriam con- frontados com o ‘saber do professor’ entendido como uma prática ‘pedagógi- ca que universaliza’, como representante de um ‘modelo único e uniforme de sociedade’ que deveria ser ensinado e aprendido. Dessa forma a Escola se trans- forma em um espaço de rupturas com a realidade e com as experiências ante- riores, no qual o diferente/heterogêneo deve ser igualado/homogeneizado. As múltiplas experiências pregressas acabam ignoradas e o entendimento de que a identidade só pode ser construída em um fluxo constante na relação com a alteridade parece não ser reconhecido (Gusmão, 2004, p.51-54). Um dos caminhos teóricos possíveis para o entendimento e para a resolu- ção dos problemas gerados por essa percepção de identidade pela Escola pode- ria ser exemplificado pelas novas realidades geracionais e perfis identitários de alguns países europeus no período pós-colonial. Tocados por um processo intenso de imigração originária dos países africanos e asiáticos (percebidos como ex-colônias), as sociedades europeias – como em Portugal, Inglaterra e França – se viram forçadas a redefinir suas fronteiras identitárias, já que o Ou- tro, agora, não se encontrava mais no espaço do ‘além-mar’. O Outro, agora, ocupava espaços próximos demais, como as ruas, os centros comerciais, as escolas, as áreas de lazer e os locais de trabalho das próprias cidades europeias. Mais do que isso, esse Outro – ‘africano’, ‘negro’, ‘muçulmano’, ‘colonizado’ – se identificava como igual, pelo menos na atribuição de uma Identidade Nacional em comum, ou na reivindicação de igualdades jurídica, econômica e social, quando se tratava das gerações descendentes dos primeiros imigrantes, que chegaram em larga escala à Europa nas décadas de 1950, 1960 e 1970. Guardadas as devidas proporções e reconhecidas as diferenças entre os contextos, o quadro vivenciado em alguns desses países no período colonial e pós-colonial nos incentiva a construir referências sobre como empregar o con- ceito de ‘identidade’. No caso daqueles países pelo encontro desconcertante do Eu (europeu, branco, ex-colonizador) e do Outro (africano, negro, ex-coloni- zado) no tempo presente. Identidade e Alteridade se apresentam em pleno potencial de conflitos e tensões. No caso brasileiro, a situação ganha um novo fator: a ‘aliedade’, que alguns teóricos definem como a alteridade experimen- tada no tempo, o encontro do Eu (no presente) com o Outro (deslocado no
  • 39. Junho de 2012 39 Entre máscaras e espelhos tempo, para o passado), que ocorre em uma combinação imaginária (Gusmão, 2004, p.55-57). Em uma das faces de nosso mosaico identitário, as relações ocorrem entre o ‘brasileiro’ de hoje e o ‘africano’ de ontem, que se encontram no presente. É certo que, de alguma forma, essa relação diacrônica dialoga com outras faces de nossas identidades, como aquelas estabelecidas pelas dinâmicas relacionais que se encontram submersas no passado e deitam raízes no presente, quando o antigo Eu (branco, senhor) se relaciona com o antigo Outro (negro, escravo). Obviamente, por fim, não podemos esquecer as relações que ocorrem no hoje, entre brancos (eurodescendentes) e negros (afrodescendentes), ‘brasileiros’ que compartilham um processo de identificação complexo. Portanto, essas relações aparecem tingidas pelas questões raciais do hoje e do ontem. Para entendermos melhor como empregar as referências teóricas sobre a Identidade em nosso cotidiano escolar sintetizei a seguir as reflexões de Bhabha e Fanon acerca do tema, dividindo-as em três modelos. Eles serviriam para que professores e estudantes compreendessem de forma mais panorâmica a im- portância dos debates acerca das relações étnico-raciais em nossas salas de aulas e no estudo da História da África. No modelo 1, que denominamos de ‘binário’, há uma relação marcada pelo franco antagonismo. É na verdade uma relação de absoluta negação e de não reconhecimento. Como forças da ‘física’ que se repelem, que não se co- municam, o Eu e o Outro são definidos de forma essencialista, autônoma. Como se, em uma inexplicável inversão, a identidade e a alteridade se rejeitas- sem plenamente para existir. Esse modelo, mais matemático do que antropo- lógico, cria um obstáculo e não uma ponte entre essas duas entidades. Um tipo de vidro que permite que ambos se vejam, mas não se aproximem, que se es- tranhem, mas não se misturem, como em um falso jogo de espelhos. No modelo 2, que denominamos de ‘as identidades colonizadas’, existiriam algumas condições subjacentes para a compreensão do ‘processo de identifica- ção’. Lembramos que esse processo seria vivido nas relações estabelecidas entre os indivíduos que se encontravam na condição de ‘colonizado’ e de ‘coloniza- dor’, de ‘africano’ e de ‘europeu’, de ‘negro’ e de ‘branco’. Segundo Fanon, tal situação relacional, marcada por um fluxo invertido de ‘demandas’ e ‘desejos’, estaria condicionada ou seria cunhada em uma moeda única de dupla face, com duas imagens que projetariam duas identidades antagônicas, mas dependentes.
  • 40. Anderson Ribeiro Oliva Revista História Hoje, vol. 1, nº 140 O Eu (branco, europeu, colonizador) desejando preservar sua condição de do- minador, cuja demanda só existia pela presença e pela situação do Outro (negro, africano, colonizado). E o Outro desejando ocupar o lugar do Eu, condição demandada pela sua situação de subjugado. Fanon afirmava que tal condi­ ção poderia ser sintetizada da seguinte forma: “O preto escravizado por sua inferioridade, o branco escravizado por sua superioridade, ambos de acordo com uma orientação neurótica ... o que é frequentemente chamado de alma negra é um artefato do homem branco” (Fanon, apud Bhabha, 2003, p.74-75). Por fim, há o esquema que acreditamos ser o mais explicativo para o nosso caso. No modelo 3, que chamaremos de ‘identidades híbridas’, nos apoiamos nas interpretações de Homi Bhabha sobre as relações de identidade. Nesta operação “o lugar do outro não deve ser representado ... como um ponto fenomenológico fixo oposto ao eu”. Sua definição seria mais complexa e norteadora da realidade de uma sociedade multicultural, já que o “outro deve ser visto como a negação necessária de uma identidade primordial – cultural ou psíquica” –, como é, por exemplo, a falsa ideia de UMA identidade nacional, definida por UMA cultura nacional, ou por UMA única ideia de pertencimento. Dessa forma o Outro “in- troduz o sistema de diferenciação que permite ao cultural ser significado como realidade linguística, simbólica, histórica”. Mais do que isso, “como princípio de identificação, o outro outorga uma medida de objetividade, mas sua repre- sentação é sempre ambivalente”, ou seja, ele é composto por princípios confli- tantes, retirados das substâncias formativas do Eu e do Outro. “A identificação é sempre uma questão de interpretação, pois ela é um encontro furtivo entre mim e um si-próprio, a elisão da pessoa e do lugar” (Bhabha, 2003, p.86-87). O que parece ser diferenciado nesse modelo é que ele introduz uma nova dimensão de representação na relação entre o Eu e o Outro. Se antes a obser- vação fixava-se nas imagens que refletiam nos espelhos vítreos que serviam como fronteira nessa relação, agora, seria preciso acrescentar uma perspectiva de profundidade e substituir o espelho ou janela por uma fronteira articular, que funde, ao invés de separar. Essa representação permite construir um es- quema no qual uma forma híbrida, em movimento, substitui a forma binária (da soma ou da subtração) no esforço de decifrar as dinâmicas da construção da identidade e da alteridade. Sendo assim, as inscrições de pertencimento dos indivíduos são forjadas não mais no duelo de imagens, da rejeição ou na ade- são a certas características. Tanto o eu como o outro não passam de projeções
  • 41. Junho de 2012 41 Entre máscaras e espelhos que se articulam no fenômeno da identificação quando suas sombras se en- contram no espaço relacional, ou no intervalo (o entre-lugar) criado pelas fronteiras, ou seja, no espaço onde se fabrica uma identidade da alteridade ou uma alteridade da identidade. À medida que uma série de grupos cultural e racialmente marginalizados assume prontamente a máscara do negro, ou a posição da minoria, não para negar sua diversidade, mas para, com audácia, anunciar o importante artifício da identida- de cultural e de sua diferença, a obra de Fanon torna-se imprescindível. À medi- da que grupos políticos de origens diversas se recusam a homogeneizar sua opressão, mas fazem dela causa comum, uma imagem pública da identidade da alteridade, a obra de Fanon torna-se imprescindível – imprescindível para nos lembrar daquele embate crucial entre máscara e identidade, imagem e identifica- ção, do qual vem a tensão duradoura de nossa liberdade e a impressão duradoura de nós mesmos como outros. (Bhabha, 2003, p.102) Para além da conhecida tese das zonas ou áreas de contato interétnico e intercultural – espaços nos quais semelhanças e diferenças são postas à prova –, a perspectiva de se pensar as fronteiras identitárias e culturais como os ‘entre- -lugares’ que informam os “momentos ou processos que são produzidos na articulação de diferenças culturais” torna o modelo 3 mais adequado ao nosso debate. De forma clara ele revela que não existem identidades essenciais, puras ou absolutas. As identidades não passam de representações ou projeções do que acreditamos ser, do que acreditamos ser o Outro, e do que esse Outro acredita que sejamos. Nesse jogo de projeções, o processo de identificação só pode ocor- rer justamente na fronteira (entendida como espaço relacional ou como o ‘lugar onde algo começa a se fazer presente’) entre essas projeções. Imagens, represen- tações e projeções de identidades se encontram nesse espaço relacional, e é nele que as identidades serão construídas. No caso brasileiro torna-se evidente que a elipse poderia ser pensada co- mo a representação dos ‘processos de identificação’ que envolvem obviamen- te a própria Identidade Nacional. No entanto, isoladamente, ela – a Identida- de Nacional – não representa nada, não se sustenta. São seus componentes, os Mesmos e os Outros, que em seus movimentos projetam suas sombras identi- tárias para o centro da fronteira relacional, permitindo tanto o reconhecimen- to dessas múltiplas identidades, a revelação das pluralidades culturais como
  • 42. Anderson Ribeiro Oliva Revista História Hoje, vol. 1, nº 142 também um entendimento mais adequado do significado da Identidade Na- cional. Portanto, essas múltiplas identidades não são excludentes e não estão isoladas. Elas são relacionais e, na relação com o todo, complementares. Neste caso devemos frisar que não existe, ou não deveria existir uma hie- rarquia entre essas identidades. Afro-brasileiros, luso-brasileiros, ítalo-brasi- leiros, nipo-brasileiros, teuto-brasileiros, sociedades indígenas e aqueles que não se identificam pelas representações ‘hifenadas’, portanto, apenas ‘brasilei- ros’, além de todos os seus descendentes, compõem o mosaico identitário que poderíamos chamar de Identidade Nacional. Complexa, diversa, heterogênea, plural. Justamente quando uma condição de desigualdade é criada entre esses grupos ou categorias de identificação – e este parece ser o caso de várias socie- dades contemporâneas –, torna-se necessária a intervenção da sociedade civil, das instituições, dos movimentos sociais e do Estado para equacionar as ten- sões e distorções criadas. Como articular ou aproximar essa discussão toda de nossas experiências ou cotidianos nas salas de aula? Essa é uma das demandas da Educação das Relações Étnico-raciais. Ao partirmos da constatação de que as escolas, no sistema educacional contemporâneo, desempenham papel relevante na cons- trução de percepções de mundo e na divulgação de informações e conteúdos, que deveriam compor aquilo que chamamos de ‘memórias compartilhadas’, parece inquestionável a necessidade de ampliarmos nossos recortes temáticos, conteúdos programáticos e abordagens reflexivas nas salas de aulas. Herdeiros de uma escola que privilegiou, em grande parte de sua trajetó- ria, conteúdos eurocêntricos, vivemos hoje a urgência de rever conteúdos e temas formativos em nossos bancos escolares. Se adotarmos o paradigma iden- titário anteriormente apresentado – o das Identidades e Culturas Plurais que compõem a Identidade Nacional –, torna-se óbvio o fato de que no trabalho com História, Geografia, Artes, Literatura, Filosofia e Música não podemos valorizar, ensinar e aprender padrões de conhecimento relativos a apenas uma matriz formativa, no caso a europeia. Precisamos conhecer, reconhecer, valo- rizar e respeitar as outras matrizes que participaram dessa formação – por exemplo, as africanas, as asiáticas e as indígenas. A questão é, de fato, relacional. É preciso estarmos convencidos da relevân- cia de debater a questão das identidades nas escolas para que possamos conven- cer nossos alunos sobre seu papel formativo e funcional em nosso cotidiano. Mais
  • 43. Junho de 2012 43 Entre máscaras e espelhos do que isso, ao redefinirmos nossos princípios de identidade, torna-se insusten- tável a manutenção da matriz curricular que grande parte das escolas reproduzia até o início deste século. É certo que importantes mudanças começaram a ocor- rer no campo legal ou prescritivo vinculados à educação a partir da última déca- da do século XX, resultados de demandas de movimentos sociais e do convenci- mento por parte dos intelectuais e políticos de que o debate sobre as nossas múltiplas identidades e a Identidade Nacional deveria ser reinaugurado. Naqueles anos, tornou-se consensual que não mais poderíamos pensar a sociedade brasileira como portadora de um único signo identitário, como por- tadora de um único padrão cultural. O multiculturalismo entrava em cena oficialmente na LDB de 1996, nos PCNs, produzidos nos anos seguintes, e na promulgação das Leis federais 10.639/03 e 11.645/08, além das Diretrizes Cur- riculares Nacionais relacionadas ao ensino de História da África e à Educação Étnico-Racial. Desde então, para além das matrizes europeias, as outras ma- trizes de formação de nossa sociedade – entre elas as africanas – deveriam obrigatoriamente aparecer nos currículos, livros didáticos, cursos de formação de professores e, por fim, nas salas de aula. Reflexões finais Chegamos ao ponto. Ensinar, aprender, refletir e debater sobre as ‘iden- tidades’ é um exercício fundamental para o combate à intolerância, à discri- minação, à xenofobia, ao racismo e ao sexismo. É uma ferramenta obrigatória no esforço de construir uma sociedade mais justa e, efetivamente, plural. O respeito ao Outro, seja ele quem for, tornar-se-ia ato rotineiro. Essa é uma das obrigatórias articulações que devemos fazer. Em complemento a esse primeiro ponto, outro se torna correlato. Prin- cípios como do autorreconhecimento, da alta autoestima identitária, do reco- nhecimento pelo Outro, do respeito e da valorização das diferentes sociedades e culturas só se tornam possíveis com os aprendizados/conhecimentos que temos sobre essas sociedades e culturas. Competindo com a comunicação so- cial, a televisão, a internet e o cinema, a Escola transforma-se em um espaço também de fabricação de imaginários e de conhecimentos sobre o Eu e os Outros. Portanto, o estudo da história e das culturas africanas não é importan- te apenas para aqueles que se identificam como membros dessa identidade,
  • 44. Anderson Ribeiro Oliva Revista História Hoje, vol. 1, nº 144 mas para TODOS. Valorizar e respeitar são importantes práticas que devemos trabalhar em nossas salas de aulas. Conhecer as contribuições para a constru- ção do patrimônio histórico-cultural da humanidade e do Brasil dessas socie- dades permite que tenhamos uma visão mais panorâmica da nossa condição humana, de nossas múltiplas identidades e de nossa pluralidade cultural. NOTAS 1 Uma versão anterior e modificada deste texto foi apresentada como parte introdutória de material instrucional a ser utilizado no curso de Aperfeiçoamento de Docentes promovido pelo Centro Integrado de Aprendizagem em Rede (Ciar), da Faculdade de História da Uni- versidade Federal de Goiás. 2 Entre algumas das principais referências podemos citar os seguintes trabalhos: APPIAH, Kwame Anthony. Na casa de meu pai. Trad. Vera Ribeiro. 1.ed. Rio de Janeiro: Contra- ponto, 1997; APPIAH, Kwane Anthony. La ética de la identidad. Trad. Lilia Mosconi. 1.ed. Buenos Aires: Katz, 2007; BHABHA, Homi. Race time and the revision of modernity. In: BACK, Les; SOLOMOS, John (Org.) Theories of race and racism. London: Routledge, 2000. p.354-368; GILROY, Paul. Entre campos: nações, culturas e o Fascínio da Raça. São Paulo: Annablume, 2007; GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Ucam; Ed. 34, 2001; HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2009; HALL, Stuart. Old and new identities, old and new ethnicities. In: BACK; SOLOMOS (Org.), 2000, p.144-153; MBEMBE, Achille. As formas africanas de autoinscrição. Revista Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, ano 23, n.1, p.171-209, 2001. 3 Ver BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos pa- râmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998 (a), p.55. 4 Como é de conhecimento geral, a LDB, no que diz respeito ao ensino de história africana, foi alterada pelas Leis nº 10.639, de 9 jan. 2003, e 11.645, de 10 mar. 2008. O trecho citado encontra-se no 4º parágrafo do artigo 25. 5 GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. Os filhos da África em Portugal: antropologia, mul- ticulturalidade e educação. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2004. p.61. 6 Principalmente as seguintes referências: FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Rio de Janeiro: Fator, 1983; FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Ci- vilização Brasileira, 1979. 7 BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2003. p.20. Artigo recebido em 20 de janeiro de 2012. Aprovado em 26 de março de 2012.
  • 45. Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil1 The dilemmas facing the two authors of Uma história do negro no Brasil Wlamyra Albuquerque* Walter Fraga Filho** Resumo O objetivo deste ensaio é compartilhar com profissionais da área de história as reflexões e dilemas que a nós se apre- sentaram no processo de elaboração de Uma história do negro no Brasil, livro publicado em parceria pela Fundação Palmares/MinC e pelo Centro de Estu- dos Afro-Orientais (Ceao)/ UFBA, em 2006. Consideramos que questões como a relação entre historiografia e deman- das do movimento negro contempo­ râneo, assim como os desdobramentos das pesquisas sobre a história da África, da diáspora africana e das trajetórias das populações afro-brasileiras para a edu- cação básica persistem como relevantes no debate sobre a efetivação das Diretri- zes Curriculares Nacionais para a Edu- cação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro- -brasileira e Africana. Palavras-chave: história; cultura; histó- ria do negro; Lei 10.639/2003. Abstract The objective of this essay is to share with historians reflections and dilem- mas concerning the elaboration of Uma história do negro no Brasil, a book pub- lished by the Fundação Palmares/MinC and the Centro de Estudos Afro-Orien- tais (Ceao)/UFBA in 2006. We consider that issues such as the relationship be- tween historiography and the demands of the contemporary black movement, as well as the offshoots of research con- cerning the history of Africa, the Afri- can diaspora and the trajectories of Af- ro-Brazilian populations in terms of basic education persist in the debate around the National Directives for Edu- cation on Ethnic-Racial Relationship and for the teaching of African and Af- ro-Brazilian Culture and History. Keywords: history; culture; history of the blacks; Law 10.639/2003. *Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Estrada de São Lázaro, 197, Federação. 40210-730 Salvador – BA – Brasil. wlamyra@gmail.com ** Centro de Artes, Humanidades e Letras, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Praça Ariston Mascarenhas, s/n. 44300-000 Cachoeira – BA – Brasil. walterfragaf@ig.com.br Revista História. Hoje, v. 1, nº 1, p. 45-60 - 2012
  • 46. Revista História Hoje, vol. 1, nº 146 Wlamyra Albuquerque e Walter Fraga Filho Há situações que a um só tempo se apresentam como imprevistas, desa- fiadoras e inescapáveis. Foi o que sentimos quando, em 2005, correu a notícia do edital da Fundação Cultural Palmares, instituição vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), convocando projetos para a produção de material paradi- dático que subsidiasse o ensino da história e da cultura afro-brasileira e afri- cana, em decorrência da sua obrigatoriedade nas redes de ensino fundamental e médio de todo o país. Tratava-se, portanto, de uma ação inscrita no âmbito da Lei 10.639/2003. Imprevisto e desafio são palavras bem adequadas para definir aquela tarefa. O imprevisto estava em nos lançarmos na difícil empreitada de produzir material paradidático, algo que até então não fazia parte dos nossos planos. Pouco antes havíamos concluído nossos doutorados e, como costuma aconte- cer com doutores recentes, o que vislumbrávamos era cada qual retomar sua pesquisa, revisar a tese ou efetuar qualquer leitura despretensiosa, sem se im- portar com prazos e relatórios substantivos.2 Estava fora de cogitação a pro- dução de textos subordinados a calendário rígido e ao olhar implacável de uma banca de especialistas. Porém, fazemos parte de uma geração que desde os primeiros momentos da graduação, como espécie de marca de pertencimento ao ambiente acadê- mico, aprendeu a desconfiar de livros didáticos e afins. Já nos primeiros se- mestres do curso, cultivávamos um olhar de suspeição para aqueles textos que nos pareciam, além de defasados frente às incessantes novidades universitárias, altamente comprometidos com o que chamávamos de ‘história oficial’. Havia, no final da década de 1980 e nos anos 1990, vasto campo de debates sobre manipulações e distorções que a história, como disciplina escolar, sofreu sob a égide da censura do regime militar. Como tão bem definiu Kazumi Munakata, no rastro do fim da ditadura ganharam ampla divulgação no Brasil pesquisas que denunciavam as ‘belas mentiras’ patrocinadas pelo Estado autoritário, impressas nos livros didáticos e paradidáticos utilizados nas escolas. Nesse sentido, constitui-se toda uma historiografia que se “nutriu de uma conjuntura política em que, para muitos setores da sociedade brasileira, era fundamental a crítica ao regime militar e a seus entulhos autoritários”.3 A constatação indignada de que a produção literária da área de história voltada a crianças e adolescentes estava subordinada ao controle do Estado
  • 47. Junho de 2012 47 Os dilemas de dois autores frente a Uma história do negro no Brasil funcionava como espécie de ‘choque de realidade’ a projetar o graduando pa- ra o campo de preocupações com o que passava a lhe parecer seriamente te- mível: a vida extramuros da universidade, o ensino na educação básica. Não fugíamos à regra. Estamos falando de um tempo em que ainda fazia sentido repetir o chavão de que não interessava aos governos oferecer educação de qualidade, pois isso despertaria espíritos críticos, sujeitos questionadores da ordem estabelecida. Daí concluía-se que os saberes escolares eram reféns de conhecimento histó- rico comprometido com o status quo. Enquanto isso, nas pós-graduações em história as críticas às versões do passado veiculadas no espaço escolar eram encobertas pela obstinação da pesquisa empírica, à primeira vista – e só à primeira vista – caminho oposto ao repensar sobre a produção didática e pa- radidática na nossa área. Felizmente, o amadurecimento do debate e o fortalecimento dos progra- mas de pós-graduação em história e em educação provocaram reflexões mais consequentes acerca da literatura em circulação na Educação Básica.4 No co- meço da década de 1990, o mercado editorial passou a encher as estantes com didáticos e paradidáticos produzidos por pesquisadores engajados em desen- tulhar a história dos ‘ranços do autoritarismo’, só para lembrar a linguagem da época.5 Como bem analisaram outros autores, essa renovação editorial foi impulsionada por reformulações curriculares, alimentada pelo engajamento acadêmico e por demandas dos movimentos sociais. Ernesta Zamboni, em “O conservadorismo e os paradidáticos de história”, artigo publicado em 1993, avaliava que nos títulos então publicados “nota-se uma acentuada ênfase sobre a questão do poder”, assim como o empenho em construir heróis que pudessem encarnar a imagem da nação livre.6 Trazer à luz os artifícios do poder e destacar a luta heroica em prol da liberdade nacional eram dois vetores a guiar os autores que reescreviam a história a ser divulgada no ambiente escolar. Para Zamboni essa tendência revelava conservadorismo herdado da memória oficial.7 Bem, não nos interessam aqui as heranças do período da ditadura e sim o debate, já instaurado na década de 1990, sobre a relação entre historiografia, memória nacional e literatura escolar.8 Várias inquietações daí decorrentes nos acompanham desde que publicamos, em 2006, Uma história do negro no Bra- sil, livro que venceu o edital da Fundação Palmares/MinC em parceria com o